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A Escola e a Compreen! da
Realidade Colação Tudo é História
Mana Teresa NidelcoH'
São Paulo na Primam
Pedagogia Dialética República
De Adst6teies a Pavio Fteire Silvia Levi-Modera
Wolfdietrich Schmied-Kowarzik
A Burguesia Btasileim
Jacob Gorcnder
editora brasiliense
Copyrlghf(Ê) by Marra À4arfaC/bagasde Carpa/ho, 1989
Nenhuma parte desta publicação pode ser gradada.
armazerzadaem sistemas elefrõrzícos,fotocoplada.
reproduzida por meios mecêrzícosou outros quaisquer
sem autorização prévia do editor.
ISBN: 85-11-02127-2
Primeira edição, 1989
(
IntrodiAção. . . . . . . . . . . . . . . 7
A Dívida Republicana . ..... .... . 9
A Escola Modelar 23
t
O Freio do Progresso. . . . .. ' ' ' ' ' ..
A Reforma Moral e Intelectual 54
Indicações para LeiMra . . . . . . . . . . . 8]
t Livros e Artigos Citados. ...... .
IMPRESSO NO BRASIL
INTRODUÇÃO
B
Perpassava fortemente o imaginário desses entu-
10 Malta Malict Chctgctsde Cala'atino A Escola e a Repúbiic a 11
siastas da educação o tema da amorüla. Referido ao país, idéia de que a educação era favormesológico detemiinante
marcava-o como /bacio/za/i(tzdeem ser a demandar o tm- no aperfeiçoamento
dos povos, sobrepujandoos fatores
balho confomiador e homogeneizador da educação. Refe- raciais. As imagens do negro e do mestiço como "vadio"
rido às populações brasileiras, proliferava em signos da continuam a inquietar esse imaginário, mas deixam de
doença, do vício, da falta de vitalidade, da degradação e ser o signo de uma incapacidade inamovível para o traba-
da degenerescência. O trabalho é, nessas figurações, ele- lho livre. O liberto e seus descendentespemtanecem es-
mento ausente da vida nacional. As imagens dê popu- tigmatizados como criaturas primitivas e por isso pro-
lações doentes, indolentes e improdutivas, vagando .ve- pensasà vadiagem. Mas esta passa a ser também o resul-
getativamente pelo país, somam-se às de uma popu- tado da incúria política de abolicionistas e republicanos
lação urbana resistenteao que era entendido como tra- que não os teriam adestrado para as imposições da liber-
balho adequado, remunerador e salutar. Imigrantes a dade. Era o que, em 1931, Fumando Magalhães -- ilustre
fermentar de anarquia o caráter nacional e populações médico carioca que desde os anos 20 se enganarana cam-
pobres perdidas na vadiagem impunham sua presença panha de ngenemção nacional pela educação -- lastima-
incomoda nas cidades e comprometiam o que se propu- va, ao escnver que o país não se preparam
nha como "organização do trabalho nacional".
Rege/zelar as populações brasileiras, núcleo da na- 'pam o dia seguinte da liberdade que despovoada os cam-
cionalidade, tomando-as saudáveis, disciplinadas e pro- pos pelo delírio dos libertados, meio inconscientes, Guio
dutivas, eis o que se esperava da educação, erigida nesse pümitivismo os manteria na escravidão social, ainda ho-
imaginário em causa cívica de redenção nacional. Rege- je não abolida. A displicênciados govemos despreocu-
pou-se de defender o tmbalho livre, garantia da produtivi-
nerar o brasileiro era dívida republicana a ser resgatada
dade nacional, no momento em que a alucinação da alfor-
pelas novas gerações.
üa houvesse, como houve, de se encaminhar para a va-
A questão da organização do trabalho nacional for-
diagem. A palavra dos pagadores da abolição, se
mulava-se em termos diversos daqueles que haviam
proclamou criaturas livres, não as adestrou pma as im-
predominado no üim do século. As teses racistas, que ha- posições da liberdade."(Á Esta/a RegfonzaD
viam sido articuladas em defesa da imigração, embalando
práticas excludentes da participação do liberto no mercado Por sua vez, o imigrante não em mais marcado no
de trabalho dos setons mais dinâmicos da economia na- imaginário dessas novas elites pelos signos da operosi-
cional, são agora refonnuladas. Se a cor da pele permane- dade, vigor e disciplina que haviam enleado os promotores
cia assombrandoos novos intérpretesdo Brasil que en- da imigração no fim do século )(IX, alimentando.-lhes os
tmm em cena nos anos 20, ganhava força entra eles a sonhos de Prognsso. Tàs sonhos, articulados numa polí-
12 13
Malta Mana Chagas de Can'alhos \ K'A Escola e a República
tecade exclusão do liberto, na expectativa racista e mom- 'as riquezas materiais que se ocultam no .interior do
lizadom de que a tão decantada opeiosidade do imigrante país: são as suas forças vivas, as suas forças morais,
acabasse por erradicar a vadiagem nacional, iuíam agom. únicas capazes de dominar a dissolução dos centros
As greves operárias marcavam a figum do imigrante como urbanos ostentosos e anuquizados." (ibidem)
pmsença também incómoda a 'fermentar de anarquia o
caráternacional", como lastimava o mesmo Magalhães: Desta perspectiva, organizar o trabalho nacional
era, sobretudo-- com o concurso de uma escola que
'Parecia o Bmsil pagar duramente o pecado da escra- disseminasse "não o perigoso conhecimento exclusivo
vidão prolongada. Ao cabo de quase 50 anos, pennanece das letras, mas a consciência do dever domiciliário" --.
a preocupação angustiosa pelo destino da massa popular, fixar o homem no campo, de modo a conter os fluxos
núcleo da nacionalidadee da democmcia, incapaz de migratórios para as cidades e a vitalizar a produção
servir as suas responsabilidades e aítiscada de se falsi- rural. Neste caso, o resgate do que se consideravauma
ficar nas correntes emigratóriasfennentadas de indisci- dívida republicana fazia-se como proposta agrarista: "o
plina." (lóidem)
que não foi feito oportunamente sê-lo-á agora e o traba-
lhador rural, livre, criará o cidadão útil, votado à pro-
A preocupação angustiosa pelo destino da massa priedade do seu recanto."(ibidem)
popular encenava, no discurso de Magalhães, a crítica Outro era o teor da dívida republicana a ser res-
ao citadismo e ao indusüíalismo de importação, conse- gatada, segundo Vicente Licínio Cardoso, intelectual
qüências de mentalidade verbalista cega ao país real e que cunhou a expressãope/zoaro Brusl/ nos anos 20.
fascinada com fórmulas e costumes estrangeiros: Propunha que se revisse a historiografia estabelecida so-
bre o advento do regime republicano, criticando-lhe a
'0 exemplo de outros países de costumes e tradições desconsideraçãodos fenómenos sociais e económicos
diferentes contaminou de suntuosidade o regime, criando postos em jogo com a emancipação dos escravos. No
o novo problema, o citadismo, atraindopara os centros seu entender, tal desconsideração não somente impedia
de grande torvelinho provincianos e sertanejas, crentes a compreensão adequada do processo que conduzira à
no milagre da vida fácil."(lóidem) Proclamação da República, como também induzia a
uma percepção equivocada dos problemas que barmvam
A industrialização era "fenómeno de importação a efetiva republicanização do país. Entendendo democra-
onde a terra definha de emigração". O antídotodesses cia como organização social do tmbalho livre e repúbli-
males em a "educação do povo sertanqo desprotegido", ca como a forma política de tal organização, Licínio jul-
l que o fixasse no campo. Não são apenas, dizia, gava que a República brasileim não se havia ainda efeti-
1+ Mat'ta N4al'iaCitcigas de Ca)-\'«}t\o
T A Escola e a República 15
cação dos negros emancipados, nenhum programa geral tratégico, técnico e conceitual de defesa nacional, de
de combate ao analfabetismo de letras e ofícios". Para P crescimento indusUial, de modemização agrícola, de n-
Licínio, além de ser preciso enâentar a "complexidade ordenação política, de saneamento e educação.
do problema económico agrícola(campónios sem in- A seção "A Defesa Nacional", publicada de julho
süução e sem máquinas)", urgia também resolver "a de 1927 a agosto de 1928 em A Ba/z(ülru, era uma pu-
gravidade do problema industrial urbano num país de blicação mihtarjá existente desde 1911. O grupo militar
capitais pequenos e, de outro lado, de recursos ftouxíssi- ligado à revista tivera origem em 1906, na política do
mos em ferro e carvão."(-4 Margem da Repzíb/íca) Marechal germes da Fonseça de modernizar o exército
Fomlado pela Escola Politécnica do Rio de Janei- enviando jovens oficiais para servirem anegimentados
ro, Vigente Licínio Cardoso pertencia a um grupo mar- no exércitoalemão. Com a vinda da Missão Francesa,
cadamente indusüialista que se formara em seus bancos. em 1920, os militares ligados à revista ampliaram sua
O grupo vinculava-se ao C/24b dos Bandeirantes do concepção de defesa nacional. Segundo José Murilo de
Brasil, organizaçãoque, além de difundir os sporfs e o Carvalho, o que "existia na área se baseava num con-
roarismo como signos de um modo de vida modemo, ceito estrito de defesa que se limitava quase que só à
moldado em costumes norte-americanos, propunha-se a proteçãode fronteirasdo Sul e do Sudoeste".Com a
renovar a mentalidade brasileira elaborando um "estado vinda da Missão, amplia-sea noção, "incluindo a mobi-
de consciência para a nação brasileira". Ridicularizado lização de recursos humanos, técnicos e económicos
pelo jomal Á Esquerzíz como "ajuntamento mussolínico que abrangiam"todos os aspectosrelevantesda vida do
do Cinema Império", o C/zzb ej'aprestigiado pela grande país, desde a preparação militar propriamente dita até o
imprensa carioca e contava em seus quadros com altas desenvolvimento de indústüas estratégicas como a
personalidades
da vida social e políticado país, entre siderúrgica."("Forças Amladas na Primeira República")
elas o PresidenteWashington Luiz e o então Ministro Os signos de progresso de A Ba/zdeíra estavam a
da Fazenda, Getúlio Vargas. Entre 1927 e 1929, o serviço de um projeto de modernização nacional articu-
C/zzb publicou uma revista, Á Ba/zd?lra, que anexou a lado com essa concepção de defesa nacional. É neste
publicação militar Á Z)(:lesa N2zcío/m/e uma seção ci- quadro que a educação ganha estatuto de peça fundamen-
vil, "A Terra e o Homem". A revista operava com sig- tal de uma política de valorização do homem como fator
nos de progresso, dinamismo, força e unidade, produzin- de produção e de integração nacional. A superação do
do com eles, metonimicamente,
imagensde um país isolamento das diversas regiões brasileiras pelo desen-
dinâmico e próspero, que surgiria de propostas de orga- volvimento dos meios de comunicação e transporte; sua
nização social, política e económica que propagandeava. integração num circuito que garantisse a circulação dos
Entre elas, figuravam prqetos de aprimoramentoes- bens materiais e culturais constituindo um grande mer-
18 Ma} ta Mal ia Chagas de Ca}«valllo Y A Escola e a República 19
cado nacional; a modemização da agricultum; o desen- mação da energia potencial do homem em energia
volvimento industrial com ênfase na indústria de base; a cinética". Insuflando, despertando, desenvolvendo as
dinamização do homem como fator de produção por energias potenciais dissimuladas pela ignorância, a ins-
políticas sanitárias e educacionais integram-se num pro- trução era o "veículo que permite a transfomlação deles
jeto de maximização e integração dos recursos nacionais em energias atuais, cinéticas, donde conseqüentemente,
subordinados à concepção de defesa nacional referida. em resultado, o próprio trabalho amplificado." (ibidem)
Vicente Licínio Cardoso não integravaos órgãos Pensandoo Brasil com apoioem modelosor-
técnicos e diretons do C/zzb, como Ferdinando Labou- ganicistas, Vicente Lichio Cardoso concluía faltar-lhe
riau, Mário de Brito e Paulo Ottoni de Castro Maya, 'coesão, densidade social(...) peças de ligação impres-
seus companheiros da Escola Politécnica e de campanha cindíveis, tecidos sociais económicos fundamentais (...)
educacional. Foi, entretanto, por ocasião de sua posse órgãos aparelhadosque(-.) pudessem facilitar a unidade
como professor naquela escola, festejado por .A Bczn- nacional almejada de um organismo de flexibilidade so-
(üinz como figura-símbolo da mentalidade H.B. cial escassa, perdendo energias -- já de sinal cultivadas
(Homem Bandeirante) nela propagandeada. Suas formu- -- em atritos e resistênciaspassivas fomiidáveis." (ibi-
lações sobre o Brasil coadunavam-se com o nacionalis- dem) O Brasil em um "organismo de vida estéril", sem
mo da revista, pela larga utilização que fazia de metá- 'continuidadede seiva", "ritmo de vida", "seqüênciade
foras energéticas e pela valorização de medidas de orga- energia". Os "milhões de analfabetosde letras e ofí-
nização e integração nacionais. O processo de transição cios", que "vegetavam", desamparados, üos "latifúndios
para o trabalho livre aparecia-lhe marcado por "perdas enormíssimos do país", eram "peso morto" a consumir
sociais de energias gastas em atritos passivos violentís- as escassas energias do incipiente organismo nacional,
simos", abalando, por isso mesmo, "a saúde da própria retardando perigosamente a marcha do Progresso.
sociedade". Neste diagnóstico, a educação era o instru- Um catasüofismo semelhante sobressalta o ima-
mento que permitiria "transformar, sem coação, a ener- ginário dos entusiastas da educação. Ressoa nele, como
gia potencialdo homem em energiacinética". "Tmba- um alanna, o lema de Euclides da Cunha: "Progredir ou
Iho", escrevia Licínio, "é um complexo: energia, ação e desaparecer". Fala-se insistentementeem crise, em ho-
produção. Complexo é o conjunto de condições que ras gravíssimas, significando-se algum enomle perigo
uma sociedade deve satisfazer para o estabelecimento que ameaça o país se suas elites não superarem o pes-
destaorganização do trabalho livre do homem: Instrução simismo, a passividade e a indiferença, lançando-se à
(Energia); Liberdade(Ação); Ordem(Pn)dução)."(Ibi- campanha de regeneração nacional pela educação.
dem) O papel da instrução nas sociedades era o "do con- "Vitalizar pela educação e pela higiene" -- prescrevia
dutor, do transmissorpelo qual é possível a transfor- Miguel Couto, personagem-símbolo do ' entusiasmo
J
20 Mal'ta M«} ia Ciladas cieCala' aillo T .4 Esmo/a ea Repúó/fca 21
pela educação -- "toda essa gente reduzida pela vémlina Regenerar essa massa popular era tarefa comparti-
a meio homem, a um terço de homem, a um quarto de lhada por agraristas, como Magalhães, e indusüialistas,
homem" era a única "salvação"(/Vo Brasa/ só /zá zlm como Vigente Licínio, típicos defensores do ve//zoe do
problema nacioruzl-- a educação do povoa. À. incum- /lavo, que alguns historiadorestêm afamado estarem
bência de educar os "sulFhomens" era alçada por em total polarização no período. As diferenças de diag-
Fumando Magalhães à missão sagrada a ser executada "à nóstico e de terapêutica eram unificadas por sua subordi-
beira do abismo, anteo precipício". nação a um interesse comum: o de minimizar os efei-
Cobrava-se então o preço da incúria política dos re- tos, tidos como perniciosos, dessa massa popular no
publicanos: a massa popular, o núcleo da nacionalidade, cotidiano das cidades. Deter os fluxos migratórios para a
esses milhões de analfabetos de letras e ofícios relegados cidade, promovendopolítica agrarista de fixação do
a condições sub-humanas de vida maculavam a assepsia homem no campo através da escola, ou dinamizar a
burguesa de que vinham sendo tecidos os sonhos de Pro- economia de base industrial, por medidas educacionais
gresso na República. O pesadelo pode ser descrito citan- que incoíporassem levas de.ociosos ao sistema produti-
do-se o higienista Belisário Penna, que em 1912 fora en- vo, eram proletos com um denominador comum: o
carregadopor Oswaldo Cruz de fazer um inventáriodas equacionãmento da questão urbana, a esüuturação de es-
condições de saúde de populações sertanejas e que se in- quemas de controle que viabilizassem, no espaço da
tegrará na campanha educacional nos anos 20: cidade e no tempo da produção-expropriação capitalista,
o disciplinamento das populações resistentes, na vadia-
'3/4 dos brasileiros vegetam miseravelmentenos la- gem ou na anarquia, à nova ordem que se implantava.
tifúndios e nas favelas das cidades, pobres párias que, A empresa regeneradora não era fácil. O balanço
no país do nascimento, perambulam como mendigos feito da República instituída era, para Licínio e para a
estranhos,expatriadosna própria pátria, quais aves de autodenominada "geração dos homens nascidos com a
aiübação de região em ngião, de cidade em cidade, de República"; a qüe ele pertenceu, pessimista:
fazenda em fazenda, desnutridos, esfarrapados, famintos,
l ferreteadoscom a preguiça vemlinótica, a anemia palus- 'A grande e triste surpresa de nossa geração foi sentir
tm, as mutilações da lepra, as defomiações do bacio que o Brasil reü'ogradóu.Chegamos quase à maturidade
endêmico, as devastações da tuberculose, dos males na certeza de que já tínhamos vencido certas etapas. A
venéreos e da cachaça, a inconsciência da ignorância, a educação, a cultura ou mesmo um princípio de expe-
cegueim do tmcoma, as podridões da bouba, da leish- riência, nos tinham revelado a pátria como uma tema
maniose, das úlcer7isftagedêmicas, difundindo sem peias em que a civilização já resolvera de vez certos proble-
esses males."(H Esmo/aRegfona/) mas essenciais. E a desilusão, a tragédia da nossa alma
22 Ma} ta Mal'ia Chagas de Can' a tho
+
de triangulação, ponto que denote a reunião de todos os ciária do menino, e o ganha-pão do mestre". Dessas es-
lados do polígono social, no início da República em colas não se poderia obter nem educação cívica, nem
São Paulo, a Escola Normal que ora se inaugura.' 'prepamçãopara satisfazeras necessidades
da vida ou
para desempenhar as funções sociais, que o regime re-
E prosseguia: presentativo exige", nem "preparo da mentalidade infan-
"Não porque tenha este palácio as grandes cinti- til para receber as idéias que por ampliação se Ihe deve-
lações artísticas que orgulham os arquitetos, os pintores riam incutir nos anos superiores". Por isso, resolvido o
de todos os tempos", mas porque no edifício celebrado }
bem encaminhado o trabalho de sua oganizaçãQ, os para traçar a orientação do ensino nas esperadas escolas
alunos e alunas do 3' ano puderam enHm)começar os modelos. No dia marcado para o primeiro encontro, os
alunos, reunidosnuma das salas de aula, as esperavam
}
Exímias na arte de ensinar, as professorascon- A inépcia das professoras não era, contudo, rele-
tratadaspara a Escola Modelo não tiveram, entretanto, vante para os propósitos republicanos de Caetano de
Campos. O sistema público de ensino paulista monta-
muito êxito na exposição dos princípios que norteavam
va-se, como já foi sublinhado, sob o primado da visi-
sua prática aos a]unosda Esco]a Nom)a]. O mesmo
)
faculdade da criança numa ordenaçãoque se pretendia vicção científica", tomando realidade o self-governmenf.
fundada na natureza. Seria através desses processos, Para o Govemo, educar o povo era um dever e um inte-
"sem o descuido de um instante, que a criança, graças à Ksse. Interesse "porque só é independente quem tem o
sua natural atividade", tomava-se "produtiva em vez de espírito culto, e a educação cria, avigora e mantém a
vadia, amiga da verdade e induzida a procura-la por posse da liberdade". Tal inteKsse não se restringia ao
hábito, porque tudo o que sabe deve a seu próprio es- ensino primário. Se este era importantíssimo por desen-
forço, muito apta para a conquista das noções, porque volver na criança "o hábito de refletir antes de enunciar,
aperfeiçoaram-lhe os sentidos e com eles a aquisição de a ciência de aproveitar o tempo (...) e sobretudo o amor
idéias"; tomava-se também "hábil e fecunda, porque só ao trabalho",isto não seria suülcientepara formar
se Ihe deu o que ela podia receber; porque o que se Ihe cidadãos. Para tanto se impunha que o ensino fosse,
deu tinha a medida na sua própria psicologia, e tudo o tanto quanto possível, "completo, inteiro em todos os
que adquiriu estava baseado na formação do seu caráter, conhecimentos indispensáveis à vida, enciclopédico por
na justiça das coisas..." (CZp'/a à /?nprensa). assim dizer, já que nosso viver social na atualidade en-
Colhendo nas ciências naturais "os elementosde volve-nos êm contingências oriundas de toda some de
disciplina mental" que fez seus, a "intuição como méto- noções científicas". Não era admissível "apagar o facho
do pedagógico" era a pedra de toque na organização do que deve conduzir a criança para o grande templo da vi-
sistema de ensino paulista. Era, como já .se observou da", temlinadoo ensinoprimário.Não quandoos
aqui, a possibilidade de recapitular, no indivíduo, "o primeiros anos de escolaridadejá tivessem desenvolvido
processo que instruiu a humanidade inteira em sua vida na criança o hábito de pensar e sua curiosidade já hou-
intelectual". Era, por isso, a possibilidade de conquistar vesse sido despertada. Os conhecimentos científicos
para o indivíduo os benefíciosque a Ciência trouxera minisüados na escola secundária deveriam ser a base da
para a Humanidade e, através deles, as condições para o educação. O conhecimento do mundo físico constituía-
exercício da cidadania. Já que a mudança de regime havia se na "melhor disciplina mental", assim como o hábito
entregue "ao povo a direção de si mesmo", nada era de experimentar era garantia de '$omlaéão de um ho-
mais urgente,ponderavaCaetanode Camposem mem apto em todos os sentidos:
A4emória apresentadaao Govemador Jorge Tibiriçá, que Fomecer tal ensino inteiro, completo, de base
"cultivar-lhe o espírito, dar-]he a elevação moral de que científica, condição efetiva da cidadania plena, é o que se
ele precisa, formar-lhe o caráter para que saiba querer" entendia como tarefa republicana. Isto porque era a re-
Num regime em que "o príncipeé o povo" e em que denção da Ciência que a República devia trazer ao povo:
não haveria por que zelar pelo "interesse de uma fmHia
privilegiada", o povo só poderia guiar-se pela "con- 'No século em que vivemos, todas as liberdades foram
T' '. Nafta Mana Cttagas de Cawath o A Escola e a República
35
para o trabalho,propensa ao vício, ao crime e inimiga nesta dicção pance sedutor. Não é ele o refomlador que
da Civilização e do Progresso. A partir do início da déca- leva o transplante cultural às últimas conseqüências, im-
da de 80, quando o imigrantismo se consolida, o tema portando métodos, material didático e até professoras,
do aproveitamento do nacional, intensamente debatido num aMarefomlista que lembra o aümcodo personagem
dentro e fora do Parlamento durante todo o século. é de Herzog em montar uma ópera na selvagemAmazõ-
posto de lado. A imigração européia é, então, a alternati- nia? Mais sedutor, entretanto, é pensar os limites deste
va escolhida, "dando vazão aos sonhos de trocar o negro prometoeducacional republicano, referindo-o à sociedade
pelo branco, de transfonnar a 'raça brasileira' e, no caso fortementeexcludente que se esüuturava nas malhas da
de São Paulo, de valorizar as tão decantadasqualidades opção política que foi o recurso à gra/üe imz'oração.
'viris' dos paulistas, tomando-a, no futuro, uma provín- Observa Alftedo Bosi que, com esta política, re-
cia bmnca, capacitada, consequentemente,para um flan- solvera-se o problema do trabalho assalariado, mas não a
co progresso e desenvolvimento."(ibidem) Assim, o
questão do ex-escravo, a questão do negro: "Para este, o
imigrantismo propunha não somente a troca do negro liberalismo republicano nada tinha a oferecer."("A
pelo branco nos setores fundamentais da produção, como Escravidão entre Dois Liberalismos") O que tinha a
também arquitetava um prometode regeneração e capaci- República instituída a oferecer às populaçõesque a polí-
tação para trabalho, cujo instrumento era a miscigenação tica imigrantistadegradava a condições miseráveis ao re-
de que se esperava um desejado branqueamentomoíah- produzir continuamente uma força de trabalho excedente?
zador das populações negras.
Alijando enormes contingentes populacionais do proces-
E dominante na historiogranla educacional o recur- so produtivo e otimizando as condições de expropriação
so à figura do zru/zspZa/zre
cu/Mra/como um lugar-co- do trabalhador incorporado no processo pelos fluxos
mum, que explica um abismo alegado entre os bons imigratórios constantes-- como tem sido pontuadona
propósitos ilustrados de uma elite convencida do poder bibliografia sobre a constituição do mercado de trabalho
democmtizador e liberalizador da educação e os nsultados livre em São Paulo -- tal política exibe os limites da
efetivos desses propositos. Os projetos dessas ilustres cidadania possível na República instituída. Neste con-
elites não se teriam tmnsformado em realidade porque texto, adquire maior precisão a pergunta: Quem era, no
inspirados em ideologia forjada no estrangeiro. imaginário republicano, o cidadão que a República teria
Mimetismos inconsequentesatestaíiam a fragilidade das o dever e o interessede educar? Estariam todas essas
classes dominantes ou de fiação delas na fonnulação e populações degradadas à miséria, excluídas a prior/ dos
imposição de projetos políticos de seu interesse. benefícios das luzes educacionais? Se assim for, não
Interpretaros pmletos de um Caetano de Campos haverá distância entre proJetos e realizações e nenhum
38 Nafta Mana Ctmgas de Carvath o
O prqeto de Sampaio Daria, ideólogoda Liga sino elementar de 2 anos a todos. A Refomla opta pela
Nacionalista de São Paulo, não se limitava, contudo, à segunda via. As medidas que adota para erradicar o anal-
alfabetização. A escola primária de objetivos mais fabetismo são arroladas por Heládio Antunha:
modestos e de duração reduzida que sua reforma implan-
tou em São Paulo deveria, enfatiza Heládio Antunha, '(a) a radical modificação efetuada nos níveis inferiores
funcionar como: do ensino público (art. I'), com a reduçãodo ensino
primário a dois anos e a conseqüente criação do ensino
IQinsüumento de aquisição cientíHlca,como aprender a médio de dois anos de duração, correspondendo aos 3' e
[er e escrever;2' educaçãoinicial dos sentidos,no de- 4Q anos primários, então extintos;
senho, no canto e nos jogos; 3P educação inicial da in- (b) a redução da obrigatoriedadee gratuidadeda freqiiên-
teligência, no estudo da linguagem, da análise, do cálcu- cia escolar primária. As cüanças legalmente obrigadas
lo e nos exercícios de logicidade; 4' educação moral e a fteqüentar o curso primário de dois anos passam a ser
cívica, no escotismo,adaptadoà nossa terra e no co- apenas as de 9 e 10 anos de idade;
nhecimento de tradições e grandezas do Brasil; 5P edu- (c) a taxação do curso médio;
cação física inicial, pela ginástica, pelo escotismo e pe- (d) a unificaçãodas escolasisoladasao tipo único de
los jogos." (Á Reforma de /920) dois anos;
(e) a redistribuição de professores de 3' e 4' anos, que
Mesmo a Liga Nacionalista,cujas campanhasde ficavam em disponibilidade, para as novas classes alfa-
alfabetização se atrelavam à luta pelo alistamento elei- betizadoras de I' e 2Qanos a serem fomladas;
toral e pelo voto secreto, não descurava de iniciativas de (f) o desdobramento das escolas isoladas e também do
educação cA'ica de modo a garantir a qualidade do voto trabalho do professor das escolas em que fosse excessi-
e, concomitantemente,a propalada regeneração do va a matrícula e no caso de não haver condições para a
caráter nacional. existência de dois professores;
Apesar disto, a prioridade da difusão do ensino so- (g) isenção dos pobres das taxas em todos os graus do
bre questõesatinentesà sua qualidadeé legível na ur- ensino;
gência das metas e no roteiro das aftas que detemiinam (h) a 'prescrição' escolar às crianças de 7 e 8 anos. As
a lógica da Reforma. O sistema escolar era racionalizado crianças dessa idade deixavam de ser obrigadasà õe-
de modo a conciliar a alegada exigüidade de recursos fi- qüência escolar e, mais do que isso, não lhes seria per-
nanceiros governamentaisàs metas democráticas de ge- mitido o ingresso nas escolas públicas antes de com-
neralização dos benefícios escolares. No conüonto dos pletarem 9 anos de idade;
números, era construído o dilema: dar uma escola de 4 (i) a criação de duas mil escolas isoladas." (Á Rí forma
anos a alguns, excluindo os outros, ou generalizar o en- de 19ZOb
A. Escola e a República
44 Mal'ta Mal-ia Chagas de C«l\ anito
Sediada originalmente no Rio de Janeiro, a ABE
Estas medidas foram acompanhadasde outras,
voltadas para o que era entendido como nacionalização do
ensino. A questão comportava dois aspectos distintos,
embora solidários: tratava-se, por um lado, de ral A ação local desses núcleos deveria ser integrada por
;abrasileirar os brasileiros" através da aHabetizaçãó e da Conferências Nacionais realizadas anualmente, de fomia
educaçãomoral e cívica e, por outro, de integraro imi-
grante estrangeiro. Neste segundo aspecto, o escotismo
foi incentivado, juntamente com outras medidas de for-
mação cívica. Mas a iniciativa mais relevante neste caso malogrado o objetivo de organizar os núcleos estaduais,
foi a intervenção nas escolas estrangeiras. Novas dis- a ABE consolidou-se como entidade nacional quando, a
posições legais prescreviam que respeitassem os feriados partir de 1927, passou a promover as projetadas
nacionais, ministrassem o ensino em vemáculo, in- Conferências Nacionais. Isto é testemunhadopor.Fer-
cluíssem no cubículo o ensino de Pomiguês, Geografia e nando de Azevedo que, ao descrever o movimento educa-
História do Brasil por professores brasileiros natos e en- cional na década de 20, põe em relevo o papel da ABE
sinassem os cantos nacionais nas classes infantis. Além em sua dinamização e expansão, aünmando que sua im-
disso, essas escolas deveriam abrir-se à inspeção do portância msidiu em ter funcionado como força.de
Estado e fomecer-lhe os dados estatísticos solicitados. aglutinação" dos esforços esparsos dos educadoresque se
Com a derrogação da Refomla em 1925, a reorga- vMm empenhando na reforma dos sistemas estaduais
nização do ensino paulista fez-se sob o signo da volta de educação:
ao passado, de retomada dos padrões que haviam Congregando os educadores do Rio de Janeiro, pondo-
prevalecido no início da República e que a Reforma mu- os em contacto uns com os outros, abrindo oportu-
tilara. Era reabilitado o modelar sistema de ensino
nidades para debate largo sobre doutrinas e refomlas, fre-
paulista montado a partir das meticulosas providências qüentementede um conteúdo intelectual confuso e con-
de Caetano de Campos e dos que imediatamente sucede- traditório, e convocando para congressos ou conferên-
ram a ele. O primado da quza/íc&zckimpunha-se à priori- cias de educação",a ABE teria sido "um dos
dade concedida à difusão do ensino. Será uma mudança instrumentosmais eficazes de difusão do pensamento
de ênfase como esta que permeará o discurso educacional pedagógico europeu e norte-americano e um dos mais
dominante na segunda metade da década de 20. Nesta re- importantes, se não o maior centro de coordenação.e de
definição de prioridades, teve importantíssimopapel a debates para o estudo e solução de problemas educa-
Associação Brasileira de Educação(ABE), fundada, co- cionais, ventilados por todas as fomnas, em inquéritos,
mo já foi dito, em 1924.
4 '/
46
Mai'ta f\4a)'ia Chagas de Cai \.alho A Escola e a República
em comunicados à imprensa, em cursos de férias e nos a culpa do atraso, do desgovemo,da anarquiae dos
congressos que promoveu nas capitais dos Estados.' muitos males que afligem nosso pais
(A CulMra Brasileiras
cação pedagógicade forma quase absolutae unifomie votantes", Vãnilda Paiva apresentao que considera uma
em todo o país, graças à ABE."(ibidem) causa da dissociaçãoprogressivaentre as preocupações
políticas e educacionais: é que "foi se tomando claro pa-
O texto de Vãnilda Paiva amarra o "entusiasmo pela ra o grupo em luta pelo poder que, através da educação,
educação" às "tentativas de recomposição do poder políti- a conquista da hegemonia política era problemática e de-
co através da ampliação do número de votantes iniciada mandava muito tempo". Os "políticos efetivamente in-
em meados da década de 10". Ta-se-ia aí um momento teressados na conquista do poder" teriam abandonado o
em que educação e política estavam vinculadas. A partir "campo de luta" educacional,"entregando-seàs conspi-
de meados da década de 20, esse vínculo desapaieceiia, rações de revolta armada", como já se leu.
dando lugar a um eníbque /éc/ligo da questão educacional. A históriada fundaçãoe da organizaçãoda
Questiona-se aqui esta tese de Vanilda Paiva. Pri- Associação Brasileira de Educação não conHmnaessas
meiramente,porque o grupo que compunha os órgãos annTnaÇÕes. Sua fundação resultou do malogro na orga-
diretoresda Associação dificilmente pode ser qualiãlcado nização de um partido político, devido à precipitação de
de ;)rz?/7sslonaisem educação. Nele predominaram médi- um dos organizadoresque, em julho de 1924, acreditan-
cos, advogados e sobretudo engenheiros, professores da do no sucesso da revolução paulista, chegou a entrar em
Escola Politécnicado Rio de Janeiro, cujos interessese contato com os revolucionários. Além disso, parcela
campo de trabalho abrangiam questões de siderurgia, ur- signiÊlcativados fundadoresda Associação -- a crer na
banismo, economia política, finanças, política, astrono- veracidade das acusações que determinaram a prisão de
mia, física etc. Em segundolugar, porquetal grupo alguns deles -- esteve envolvida em movimentos mi-
guardou do e/zfzlsiasmoa priorização da educação como litares. Finalmente, cerca de metade dos integrantesdos
grande problema nacional, cuja solução transformaria órgãos diretores da Associação foram os fundadores e or-
política, social e economicamenteo país. Em terceiro ganizadoresdo Partido Democráticodo Disüito Fede-
-- razão principal -- porque a ênfase do grupo na quali- ral, tendo composto a cúpula do partido nos anos de
dade do ensino em deüímento da simples difusão da es- 1927 e 1928. Dois deles chegaram mesmo a eleger-se
cola -- o que faria deles ofimís/as -- não foi decorrente intendentesmunicipais nas eleições de 1928e, segundo
de razões pedagógicas, mas políticas. Dependendo de sua informação de Paulo Nogueira Filho, estreitamentevin-
@&ã=&k,a educação foi explicitamente valorizada, co- culado ao grupo, foi o desaparecimentodeste num de-
mo instrumento político de controle social. sastre de aviação em 1928 que inviabilizou o Partido
Depois de realçar a vinculação original das preocu- Democrático do Distüto Federal.
pações educacionais"com as tentativas de recomposição A signiâlcação disso não extrapolaria a simples
do poder político através da ampliação do número de ratificação do relato de Vanilda Parva se fosse possível
52 Mal'ta Mana Chagas de Ca}«valho 53
A Escola c a Repút)liça
g
como função essencial da escola primária: ':a homo-
geneização necessária dos indivíduos como membros de
uma comunhão nacional", na formulação de Lourenço
Filho. A escola de civismo deveria garantir a unidade
Mana Mana Chagas de Can'alho A Escol« e a República 67
66
dw:ln
cação do que é nomeado qz4es/ãosoda/ e na constimtçao e também a Saúde Pública". '
concomitante
de um campode açãoeducacional,
per-
mitindo elucidar o significado das práticas da .ABE na
cidade do Rio de Janeiro. .
Montado como enumeração e exemplos de ação
BrasUeira pretendia superar a situação de impotência em
l benemérita, o documento pretendia estar apresentando
uma solução global para 'a chamada questão social.
que se encontravam as senhoras beneficentes:'
l Curiosamente, entretanto, justapunha sugestões de di-
;:l-i';:;;ls "sociais" e "populares", com os quais D. "As festas de caridade caçam em desuso, ninguém mais
Amélia, apaziguando sua aflição de observadorapreocu' se interessa por essas miscelâneas, que dão um trabalho
pada esperava solucionar o ócio inoperane do operário insano para serem organizadas e estão irremediavel-
e a dissolução dos costumes da alta sociedade. .Desta mente sujeitas à mais severa crítica. Os chás já estão
maneim a leitura do prometoproduz um efeito de.incon cansando, muita gente deles se esquiva, e muita gente
gruência, na medida em que não obedece a um prmcil:o lamenta não poder f'mer outro tanto. A festa da Hor já
está muito explorada, apresentandograndes desvanü.
hierárquico de ordenação e adequação..ascursivas: u.
Amélia dispõe seu texto quase que por livre associação, gene, e vai caindo, pela sua repetição, na antipatia do
70 N4alta Murta Clllagas de Cara'all o .4 Est'ola e ci Rcpúl)lit'ci
71
Ü
A Escola e a Reptlbtica 73
M.ai ta. Mat ia Clmgus de Cat \'alta o,
cobertas de folhas de zinco, verdadeiros aglomerados de longe". Era necessário,por isso: reunir forças num.mo-
mento em que "o mundo, convulsionado pelo esBuntode
tocas ignóbeis, torpes espeluncas, verdadeiros antros de desordem, sente o angustioso desejo de organização". Era
miséria física e moral, onde pululam as crianças.en'
rezadase imundas-. O Círculo de Pais, em boa hora preciso, dizia enfeixando Mussolini na ordem do discur-
so, imita-lo: "pelo seu prestígio pessoal: diretamente en-
lembrado pela A.B.E. e posto em prática por multas es- caminha toda a atividade, toda a iniciativa italiana". Por
colas do Distrito Federal, acordará nos pais de família
isso, propunha que se cuidasse de "nossa organização se'
os seus deverespara com os filhos, interessa-los-ános cial antes que o descalabro, que nos ameaça, chegue a
tmbalhos escolares, tomando prestigiados os profes-
sores. Podermos, entretanto, acreditar que o Círculo de ponto de perturbar a nossa vida económica, como esta
sucedendo em outras temas, com as greves sucessivas
Pais proporcionará ocupação aos filhos para as horas de
.
i:Ü.; p à; mã« .êm ««; di,; '.m,d'; pe:" "f' Era necessário, por isso, antecipar-se ao "perigo":. "Se
temos levantes gastamos rios de dinheiro para sufocá-
pações que lhes garantem a subsistência, e o que fmão los". Seria "mais fácil prevenir do que remediar'
as crianças fora do horário escolar? Será essa a hora,
será esse o lugar da Ação Social Brasileira, que propor' Calculando que a diferença entre a obm caritativa
cionará diversões inocentes, jogos recreativos e lnstru- que se antecipavaao perigoe a repressãoamuadaem,
tivos ou brinquedos profissionais, organizando, tam- talvez, apenas uma questão de economia doméstica do
bém, para os operários, o que lhes distraíra o espírito, país. D. Amélia deslocava abruptamente o níenncial de
afundo-os das tavemas, uma vez terminadas as horas seu discurso pam a enumeração de "descalabros" de todo
de serviço, o que se dá ainda com o sol de fora. tipo: crianças gritando pelas ruas e quebrando vidmças;
vanedons que não sabem o seu serviço; crianças da alta
Voltada para obra caritativa que objetivava contem- sociedade sem diversões interessantes; moças de boa
família que se degradam a cada dia; adolescentes que se per-
dem nas mesas de jogo ou na cocaha; operários que tro-
cam a família pela tavema; crianças a dizer inconveniên-
cias e a sujar calçadas; viüines, postais e manequins, "üldo
exposto com o maior atrevimento"; filmes imorais;
artistasperversos; professoresque ganham menos que
porteiros; taqetas postais imorais que vêm da Espanha;
lares desfeitos; escolas sem material didático adequado;
circos de cavalinhos com palhaços repugnantes-. Confia
tão proliferanteperigo, D. Amélia propunha um rol de
52 Mal-taMal'ia Chagas de Calvatho 53
A Escola e a República
testesde aptidões, rapidez, precisão, maximização dos dente; o homem que está doente e vai contaminar seus
resultados escolares etc. Designa também o,.funciona- camaradas para diiígi-lo ao dispensário; o homem sem
mento da escola na hierarquização dos papeis sociais, teto, e facilitar,Ihe a casa decentepara sua famílias o
formando elites condutoras e povo produtivo. Referida homemque se quer instruir e, para tantoIhe dar os
meios; o homemque desejasseaproveitarseus momen-
tos de folga e Ihe propiciar um jardim."(ibidem)
g
como função essencial da escola primária: "a homo-
geneização necessáriados indivíduos como membros de
uma comunhão nacional", na formulação de Lourenço
Filho. A escola de civismo deveria garantir a unidade
Ma} ta Ma} ia Chagas de Cat valho A Escola e a Repúbli(a 67
66
Hmigõnii:iS8z
de um grupo significativode mulheresna entidade se
fez como ação assistencial.
. Prosseguindo sua exposição ao Conselho. D.
Amélia encarregava-se de interpretar algumas das inicia-
tivas da Associação, .apresentando uma leitura possível
de uma dessas iniciativas: seu êompr
chamada qz4esíóosacia/. )misto com a
sociais,'educacionais e de assistência
se da escola e da polícia. Operando por justa oposição Gustave Le Bon, entendia-se a educação como mecanis-
de referências e por sua livre associação, o discurso de
D. Ainélia produz um efeito de expansão do significado l mo de fazer passar atoudo domínio do conscientepara o
do inconsciente.
dessas imagens para a cidade como um todo. Prisioneiro
do imaginário naturalista, o discurso opera uma inter- O valor educativo das festas era, por exemplo, en-
pretação em que toda a sociedade é contaminada pela su- fatizado por Lourenço Filho que, na qualidade de Diretor
jeira, pela doençae pelo vício. Nela, a imoralidadeda da Instrução Pública do Ceará, determinava em instru-
alta sociedade aparece como sintoma da contaminação da ção aos professores:
sujeira e da doença operária. A imoralidade dos cos-
tumes citadinos passa a ser, desta maneira, o ponto de 'As simples comemorações, as festas só valem pelo
incidência principal do "projeto de organização social" caráter educativo de que se revistam, isto é, pela in-
de Amélia de Rezende Mastins. Proporcionar bons "di- fluência que possam ter sobre a alma infantil, antesde
vertimentos populares" fornecendo "exemplos de traba- tudo, e pela influência que possam ter sobre o meio so-
lho, de educação e de moral" e organizar "divertimentos cial em que funcionar a escola
sociais" para os filhos da "alta sociedade" eram, neste
sentido, medidas que se equivaliam na tentativa de "evi- Educando "pela apresentação ou evocação de fatos
tar que rios de dinheiro corram para dominar levantes e dignos de ser imitados", as festas fomeciam às crianças
rios de sangue brasileiro encharquem nosso solo 'oportunidadepam gravar, indelevelmente,muitas lições
Nas iniciativas que marcarama presençada ABE proveitosas". Nelas, a criança começaria a "sentir o efeito
na cidade do Rio de Janeiro na década de 20, evidencia-se da ia/zção socüz/ sobre seus ates, pelos aplausos ou sinais
propósito similar ao de D. Amélia: o de tomar mais de enfado e de crítica que percebe: sente que há um públi-
abrangentee eficiente a ação escolar no disciplinamento co, um conjunto de pessoas que louvam ou reprovam
do cotidiano citadino. Tais iniciativas, de que são exem- Em muitos casos, as festas poderiam "ter também uma
plares as Semanas de Educação dos anos 20, consisti- influência direta sobre o espírito dos pais". Quando isto
ram em práticas comemorativas diversas que foram não ocorresse, as festas teriam pelo menos influência indi-
montadas como celebração de condutas ideais na escola, reta sobra eles, "elevando a escola e o papel do professor'
no lar, no trabalho, postulando a necessidade da Higie- Como/íções vlvicüzs,pelas quais o aluno teria o
ne, da Aplicação, do Devotamento, da Ordem. maior i/z/pressa, as comemorações festivas, como as
A eficiência pedagógica das comemorações festi- Semanas de Educação, eram incoípomdas na prática do cú'-
vas escolaresera, no círculo educacional,a razão de Guio da ABE ao npertório de medidas inovadoras com que
existênciade tais práticas,uma vez que, na esteirade se pretendia assegurar maior eâciênCia ao üabalho escolar.
A Escola e a República 7 i)
Malta Mal'ia Chagas de Cmx'allt o
78
signos de progresso inscritos no corpo que conhece o
movimento adequado e úül para cada ato. Pnceitos de
higiene eram divulgados em palestras e folhetos ou cons-
tituídos, ainda, pelo incentivo à organização de Pelotões
de Saúde, em preceitos cívicos de bom comportamento.
O escotismo -- fusão exemplar de vida saudável e mora-
lizada -- era iniciativa que contava com todo o apoio da
ABE
Dar publicidade a modelos de comportamento esta-
belecendo-se padrões que incidiam sobre a vida familiar,
as relações de trabalho e o lazer no cotidiano urbano foi
o denominador comum das práticas comemorativas da
ABE carioca. Nelas, como um museu, os objetos ex-
postos são ações modelares. Seu campo de recorte, a
pluralidade dos comportamentoshumanos. À coleção
exposta, um conjunto restrito de comportamentos tipi-
ficados. O efeito geral dessas práticas é, assim, a ex-
posição de ações exemplares de uma norma da excelên-
cia
A exposição de ações exemplares dá-se como pro-
gramação de festividades, como roteiros de visitações a
objetos oferecidos em espetáculo. A ação pode ser dire-
tamente exposta -- é o caso, por exemplo, da mon-
tagem de espetáculosde ginástica, de que participam
crianças de diversas escolas -- ou indiretamenteexpos-
ta, quando se tematiza, em discursos dados em espetácu-
lo, o que é agir bem na escola, no trabalhoou no lar.
As ações expostas à visitação nas programações festivas
promovidas pela Associação são construídas como obje-
tos exemplares pela abstração de todo elemento particu-
larizante que as possa relativizar enquanto comporta-
8í) Mutta Mai ia Chagas cleCctt\'alllo
k
Malta Malta CItaS«s clecata'alho
+b
«eã=11=%hnnz,.E
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Mctl ta Mana Chclgcts dc Cai' vcl Iho
Bel
'';É8ã=:ãüaH:iX
Rosa, 1930. . . . :
Malta Malta Chagas de Carvalho bachamlou-se em
Pedagogia pela antiga. Faculdade de Filosofia, Ciências e
Hei Letms da Universidadede São Pauio. Obteveo título de
"mestn" na Faculdadede Educaçãoda USP com trabalho
sobre Vicente Licínio Cardoso. Doutorou-se na mesma es-
cola com tese intitulada J14o&Ze
Macio/m/ e ror17m Cúica.'
n-v uv ', são Educacional", in Armanda Al-
Higiene, Moral e Trabalttono Prometoda Associação Bra-
vam Alberto ef a111..4 Esmo/a Regia/za/ de Jllerzfz, sfZelnu(& Eár(«(h(1924-1931). É autom de üabalhos co-
:l;SH%1%:f.:w:
mo "Notas pam Reava]iação do Movimento Educacional
Brasileiro(1920-1930)", em Ckzc&/7ms (ü Pesqz/isada Fun-
dação Cartas Chagas; "Pela Escola Pública, Leiga e Gra-
tuita",na l?wlsza(&z[/mversictaü(ü S:2oFalho; "0 Nacio-
"«:=n=;::=n=%5Hm:.:
rotor Geral da Insüução Pública", in Á/zwárlo do
nal e o Regional .nos Debates Promovidos pela ABE nos
Anos 20", a sair em cademo especialda ANPED. Leciona
}listóíía da Educação Bmsileim na Faculdade de Educação
Ensl/zo do Estado de São raiz/o, São Paulo, da USR
Augusto Siqueira & Cia, 1918.