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Gayeté
(Montaigne, Des livres)
Ex Libris
José M i n d l i n
Esaú e Jaeob
MACHADO DE ASSIS
{da Academia Brasileira)
Esaú
Jaeob
H. GARNIER, LIVREIRO-EDITOR
7 1 , RUA DO OUVIDOR, 7 1 f>, RUE DES SAINTS-PÈRES, 6
1904
ADVERTÊNCIA
CAPITULO PRIMEIRO
Cousas futuras!
— Entra, Barbara.
Barbara entrou, emquanto o pae pegou da viola e
passou ao patamar de pedra, á porta da esquerda.
Era uma creaturinha leve e breve, saia bordada,
chinelinha no pé. Não se lhe podia negar um corpo
airoso. Os cabellos, apanhados no alto da cabeça por
um pedaço de fita enxovalhada, faziam-lhe um soli-
deu natural, cuja borla era supprida por um raminho
de arruda. Já vae nisto um pouco de sacerdotiza. O
mysterio estava nos olhos. Estes eram opacos, não
sempre nem tanto que não fossem também lúcidos
e agudos, e neste ultimo estado eram egualmente
compridos ; tão compridos e tão agudos que entra-
vam pela gente abaixo, revolviam o coração e torna-
vam cá fora, promptos para nova entrada e outro
revolvimento. Não te minto dizendo que as duas
sentiram tal ou qual fascinação. Barbara interrogou-
as; Natividade disse ao que vinha e entregou-lhe os
retratos dos filhos e os cabellos cortados, por lhe
haverem dito que bastava.
— Basta, confirmou Barbara. Os meninos são
seu filhos ?
— São.
— Cara de um é cara de outro.
.— São gêmeos; nasceram ha pouco mais de um
anno.
— As senhoras podem sentar-se.
Natividade disse baixinho á outra que « a cabocla
era sympathica », não tão baixo que esta não pu-
desse ouvir também; e dahi pôde ser que ella, re-
ceiosa da predicção, quizesse aquillo mesmo para
obter um bom. destino aos filhos. A cabocla foi sen-
tar-se á mesa redonda que estava no centro da sala,
virada para as duas. Poz os cabellos e os retratos
ESAU E JACOB
1.
CAPITULO III
A esmola da felicidade.
A missa do coupé.
Ha contradicções explicáveis.
Maternidade.
Gestação.
Vista de palácio.
O juramento,
— Vou consultar...
— Consultar a quem ?
— Uma pessoa.
— Já sei, o seu amigo Plácido.
— Se fosse só amigo não consultava, mas elle é
o meu chefe e mestre, tem uma vista clara e com-
prida, dada pelo céu... Consulto só por hypothese,
não digo os nossos nomes.,.
— Não! não ! não !
— Só por hypothese.
— Não, Agostinho, não fale disto. Não interro-
gue ninguém a meu respeito, ouviu? Ande, prometia
que não falará disto a ninguém, spiritas nem ami-
gos. 0 melhor é calar. Basta saber que terão sorte
feliz. Grandes homens, cousas futuras... Jure, Agos-
tinho.
— Mas você não foi em pessoa á cabocla ?
— Não me conhece, nem de nome; viu-me
uma vez, não me tornará a ver. Ande, jure!
— Você é exquisita. Vá lá, prometto. Que tem
que falasse, assim, por acaso?
— Não quero. Jure!
— Pois isto é cousa de juramento?
— Sem isso, não confio, disse ella sorrindo.
— Juro.
— Jure por Deus Nosso Senhor !
— Juro por Deus Nosso Senhor.
CAPITULO XI
Um caso ú n i c o !
Esse Ayres.
3.
CAPITULO XIII
A epigraphe.
A licção do discipulo.
Paternalismo.
A jóia.
Um ponto escuro.
Agora um salto.
E o b e s p i e r r e e Luiz XVI.
D. Miguel.
O resto é certo.
A gente Baptista.
Flora.
O aposentado.
Inexplicável.
Em volta da moça.
Desaccordo no accordo.
Chegada a propósito.
Um gatuno.
**
Chegaram ao largo da Carioca, apearam-se e des-
pediram-se; ella entrou pela rua Gonçalves Dias,
elle enfiou pela da Carioca. No meio desta, Ayres
encontrou um magote de gente parada, logo depois
andando em direcção ao largo. Ayres quiz arrepiar
caminho, não de medo, mas de horror. Tinha hor-
ror á multidão. Viu que a gente era pouca, cincoenta
ou sessenta pessoas, e ouviu que bradava contra a
prisão de um homem. Entrou n'um corredor, á
espera que o magote passasse. Duas praças de poli-
cia traziam o preso pelo braço. De quando em
quando, este resistia, e então era preciso arrastal-o
ou forçal-o por outro methodo. Tratava-sé, ao que
parece, do furto de uma carteira.
— Não furtei nada! bradava o preso detendo o
passo. E' falso! Larguem-me! sou um cidadão livre!
Protesto! protesto !
— Siga para a estação !
— Não sigo!
— Não siga ! bradava a gente anonyma.. Não
siga! não siga!
122 ESAÚ E JACOB
Recuerdos.
Caso do burro.
Uma hypothese.
O discurso.
O salmão.
O salmão.
Musa, canta...
Terpsichore.
Taboleta velha.
— Que taboleta?
— Queira V.-Ex. ver por seus olhos, disse o con-
feiteiro, pedindo-lhe o favor de ir á j-anella.
— Não vejo nada.
— Justamente, é isso mesmo. Tanto me aconse-
lharam que fizesse reformar a taboleta que afinal con-
senti, e fil-a tirar por dous empregados. A visinhança
veiu para a rua assistir ao trabalho e parecia rir de
mim. Já tinha falado a um pintor da rua da Assembléa;
não ajustei o preço porque elle queria ver primeiro a
obra. Hontem, á tarde, lá foi um caixeiro, e sabe
V.-Ex. o que me mandou dizer o pintor? Que a tabôa
está velha, e precisa outra; a madeira não agüenta
tinta. Lá fui ás carreiras. Não pude convencel-o de
pintar na mesma madeira; mostrou-me que estava
rachada e comida de bichos. Pois cá debaixo nao se
via. Teimei que pintasse assim mesmo; respondeu-
me que era artista e não faria obra que se estragasse
logo.
— Pois reforme tudo. Pintura nova em madeira
velha não vale nada. Agora verá que dura pelo resto
da nossa vida.
— A outra também durava; bastava só avivar as
letras.
Era tarde, a ordem fora expedida, a madeira devia
estar comprada, serrada e pregada, pintado o fundo
para então se desenhar e pintar o titulo. Custodio
não disse que o artista lhe perguntara pela côr das
letras, se vermelha, se amarella, se verde em cima
de branco ou vice-versa, e que elle, cautelosamente,
indagara do preço de cada côr para escolher as mais
baratas. Não interessa saber quaes foram.
Quaesquer que fossem as cores, eram tintas novas,
aboas novas, uma reforma que elle, mais por eco-
ESAÚ E JACOB 155
O tinteiro de Evaristo.
Aqui presente.
Um segredo.
— Era capaz ?
— Apostemos.
Flora, depois de um instante:
— Para que, se não ha presidência ?
— Supponha que ha.
— E' preciso suppôr muito, — que ha presidência
e que a provincia é a do Rio. Não, não ha nada.
— Então supponha só metade, — que ha presidên-
cia e que é Matto-Grosso.
Flora teve um calefrio. Sem admittir a nomeação,
tremeu ao nome da provincia. Pedro lembrou ainda
o Amazonas, Pará, Piauhy... Era o infinito, mor-
mente se o pae fizesse boa administração, porque
nãq voltaria tão cedo. Já agora a moça resistia me-
nos, achava possível e abominável, mas dizia isto
para si, dentro do coração. De repente, Pedro, quasi
estacando o passo;
— Se elle fôr, eu peço ao governo o logar de se-
cretario e vou também.
A luz intermittente das lojas reflectindo no rosto
da moça, á medida que elles iam passando por ellas,
ajudava a dos lampiões da rua, e mostrava a emoção
daquella promessa. Sentia-se que o coração de Flora
devia estar batendo muito. Em breve, porém, co-
meçou ella a pensar em outra cousa. Natividade não
consentiria nunca; depois, um estudante... Não po-
dia ser. Pensou em algum escândalo. Que elle fugisse,
embarcasse, fosse atraz delia...
Tudo isto era visto ou pensado em silencio. Flora
nao se admirava de pensar tanto e tão atrevidamente;
era como o peso do corpo, que não sentia: andava!
Pensava, como transpirava. Não calculou sequer o
tempo que ia gastando em imaginar e desfazer idéias.
Uue isto lhe desse mais prazer que desprazer, é certo
164 ESAÚ E JACOB
Ao pé delia, Pedro ia naturalmente cuidando, com
os olhos nos pés, e os pés nas nuvens. Não sabia que
dissesse no meio de tão longo silencio. Entretanto,
a solução parecia-lhe única. Já não pensava na pre-
sidência do Rio. Queria-se com ella, no ponto mais
remoto do império, sem o irmão. A esperança de se
desterrarem assim de Paulo verdejou na alma de Pe-
dro. Sim, Paulo não iria também ; a mãe não se dei-
xaria ficar desamparada. Que perdesse um filho, vá;
mas ambos...
A quem quer que este final do monólogo pareça
egoísta, peço-lhe pelas almas dos seus parentes e
amigos, que estão no céu, peço-lhe que considere bem
as causas. Considere o estado da alma do rapaz, a
contiguidade da moça, as raizes e as flores da paixão,
a própria edade de Pedro, o mal da terra, o bem da
mesma terra. Considere mais a vontade do céu, que
vela por todas as creaturas que se querem, salvo se
uma só é que quer a outra, porque então o céu é
um abysmo de iniquidades, e não lhe importe esta
imagem. Considere tudo, amigo; deixe-me ir contando
só e contando mal o que se passou naquelle curto
transito entre as duas casas. Quando lá chegaram,
falavam de boca.
Em cima, como viste, continuaram a falar, até que
o assumpto da presidência voltou. Flora notou então
a cautelosa insistência com que Ayres olhava para
elles, como se buscasse adivinhar a matéria da con-
versação. Sentia que não estivesse alli também, ou-
vindo e falando, finalmente promettendo fazer al-
guma cousa por ella. Ayres podia, sim, —era seu
amigo e todos o tinham em grande conta, — podia
intervir e destruir o projecto da presidência.
Sem querer nem saber, diria isto mesmo com os
ESAU E JACOB 165
olhos ao velho diplomata. Retirava-os, mas elles iam
de si mesmos repetir o monólogo, e acaso perguntar
alguma cousa que Ayres não percebia e devia ser in-
teressante. Pôde ser que reflectissem a angustia ou o
que quer que era que lhe doia dentro. Pôde ser; a
verdade é que Ayres começou a ficar curioso, e tão
depressa Pedro deixou o logar para acudir ao cha-
mado da mãe, deixou elle Natividade para ir falar á
moça.
Flora, já de pé, mal teve tempo de trocar duas
palavras, dessas que se não podem interromper sem
dôr ou prurido, ao menos. Ayres perguntava-lhe se
nunca lhe dissera que sabia adivinhar.
— Não, senhor.
— Pois sei; adivinhei agora mesmo que me quer
dizer um segredo,
Flora ficou espantada. Não querendo negar nem
confessar, respondeu-lhe que só adivinhara metade
— A outra é... ?
— A outra é pedir-lhe um obséquio de amizade.
— Peça.
— Não, agora não, já nos vamos embora; mamãe
e papae estão fazendo as despedidas. Só se for na rua.
Quer vir comnosco a S. Clemente?
— Com o maior prazer.
CAPITULO LIII
De confidencias.
— Já?
— O decreto assigna-se sabbado.
— Então acceite também os meus parabéns.
— Propriamente, a lembrança não foi do minis-
tério; ao contrario, o ministério não se resolveu an-
tes de saber se effectivãmente fiz uma eleição contra
os liberaes, ha annos; mas logo que soube que por
não os perseguir é que fui demittido, acceitou a in-
dicação de chefes políticos, e recebi pouco depois
este bilhete.
O bilhete estava no bolso, dentro da carteira.
Qualquer outro, alvoroçado com a nomeação próxi-
ma, levaria tempo a achar o bilhete no meio dos
papeis; mas Baptista possuía o tacto dos textos. Ti-
rou a carteira, abriu-a descançado e com os dedos
saccou o bilhete do ministro convidando-o a uma con-
versação. Na conversação ficou tudo assentado.
CAPITULO LIV
Emfim, s ó !
O golpe.
Das e n c o m m e n d a s .
Das e n c o m m e n d a s .
Matar saudades.
Noite de 14.
Manhã de 15.
Lendo Xenophonte.
« Pare no d. »
Taboleta nova.
Paz!
Entre os filhos
O basto e a espadilha
A noite inteira.
De manhã.
Ào piano.
A commissão.
O regresso.
Um El-Dorado.
A allusão do texto.
Provérbio errado.
Hospedagem.
Visita ao marechal.
Transfusão, emfim.
Em S. Clemente.
A grande noite.
O velho segredo.
Trez constituições.
O dragão.
O ajuste.
16.
CAPITULO XCII
Segredo acordado.
Gestos oppostos
17
CAPITULO XCV
O terceiro.
Retraimento.
U m Christo particular.
O medico Ayres.
Duas cal
O caso embrulhado.
O quarto.
A resposta.
A realidade.
Ambos quaes?
Estado de sitio.
V<elhas ceremonias.
Ao pé da cova.
Que vôa.
Um resumo de esperanças.
19.
CAPITULO CXII
O primeiro mez.
Consultório e banca.
Troca de opiniões.
De regresso.
20
CAPITULO CXVIII
Penúltimo.
Ultimo.