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FORMA E RAZÕES DA EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO

SUPERIOR PÚBLICA NO BRASIL

JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR*


VALDEMAR SGUISSARDI**

Resumo: Este artigo visa, por um lado, demonstrar como se tem dado a expansão da
educação superior no Brasil, com especial atenção à educação superior pública, nas
últimas décadas, em que ocorre anômala aceleração no setor das federais desde a
implantação do Reuni e da EAD, via UAB; por outro, apresentar argumentos que
contribuam para se verificar hipóteses a respeito das razões dessa expansão,
compreendendo a expansão da graduação, pós-graduação e pesquisa nas esferas
pública e privada concomitante com as profundas mudanças na economia – de capital
mundializado e financeirizado – e na própria cultura institucional universitária.
Palavras-chave: Educação superior; Expansão da educação superior; Privatização da
educação; Mercantilização do conhecimento; Certificação em massa.

FORM AND REASONS FOR THE EXPANSION OF HIGHER EDUCATION IN BRAZIL

Abstract: The article’s purpose aims to, on the one hand, demonstrate how has given
the expansion of higher education in Brazil, with special attention to the public higher
education, in recent decades, in which it occurs anomalous acceleration in the sector of
federal since the implementation of the Reuni and the EAD, thru UAB; on the other
hand, present arguments that may contribute to verify hypotheses about the reasons
for this expansion, including the expansion of undergraduate studies, research and
graduate studies in public and private spheres at the same time with the profound
changes in the financial globalised economy. Besides that, provoke a very deep change
in the institutional culture of the university.

Keywords: Higher education; Expansion of higher education; Privatization of education;


Commercialization of knowledge; Certification in mass.

* Doutor em Educação, com pós-doutorado em Sociologia pela Unicamp e em Economia pela


USP; professor do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). E-mail: joaodosreissilvajr@gmail.com
** Doutor em Ciências da Educação, professor titular aposentado da Universidade Federal de
São Carlos (UFSCAR) e ex-professor do Programa de Pós-Graduação em educação da
Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). E-mail:vs@merconet.com.br

1
Introdução

Há cerca de duas décadas assiste-se no Brasil a uma lenta e profunda


mudança na cultura institucional da universidade pública, resultado das opções
político-econômicas deliberada e conscientemente assumidas pelos governos
Fernando Henrique Cardoso – FHC (1995-2002), Luiz Inácio Lula da Silva –
Lula (2003-2010) e Dilma Rousseff – Dilma (2011-2014). Sobre as raízes desse
processo é possível propor uma série de hipóteses e demarcar, de forma nítida,
alguns períodos que o compuseram ao longo do tempo.

Na hipótese de uma subdivisão deste bastante largo período em três


fases – periodização que aqui se adota –, a primeira teria se constituído da série
de reformas institucionais, com início e expressão máxima na reforma do
Aparelho do Estado levada a termo durante o governo do presidente Fernando
Henrique Cardoso (FHC) e liderada pelo seu Ministro da Administração
Federal e da Reforma do Estado (Mare), Bresser-Pereira, período em que os
governantes brasileiros de então teriam pretendido alinhar o país à transição
em curso em nível mundial. O capitalismo experimentava nesse período a
transição de um Regime de Acumulação Monopolista para um Regime de
Acumulação de Predominância Financeira. Isto teria alterado o movimento
histórico, produzindo uma ruptura na história recente do país.

Desta reforma-matriz decorreram outras que alcançaram, não de modo


imediato, as mais diversas instâncias, órgãos estatais e instituições republicanas
em geral e, em particular, a instituição universitária pública entre cujos traços
de sua cultura institucional destacam-se a pesquisa aplicada, os cursos
aligeirados oferecidos mediante modalidades educacionais apoiadas em novas
tecnologias de informação e comunicação, os processos avaliativos ou de
regulação e controle externos, a gradativa perda da autonomia universitária
indissociada da emergência de uma heteronomia de gestão e uma nova relação
entre universidade e setor empresarial, sob indução e apoio do governo, tal
como há tempos já se observava nos países de economia central e cuja
acentuação ocorreu no caso da União Europeia em especial, com o Processo de
Bolonha. Esta segunda fase encontra-se relacionada, de maneira mais próxima,
ao período do governo do presidente Lula, embora dê seguimento às reformas
da primeira fase implementadas pelo governo anterior. Entretanto, neste
mesmo governo Lula, é possível apontar-se um terceiro momento desse
processo de mudanças na universidade pública.

2
Esta terceira fase foi marcada pela emergência de programas com forte
potência de mudança institucional como o Programa de Apoio ao Plano de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni)1, a Educação a
Distância (EAD)2, Universidade Aberta do Brasil (UAB)3 e a continuidade da
expansão da pós-graduação, ainda que, neste caso, de forma atenuada em
relação a momentos anteriores, e da respectiva indução da pesquisa ali
desenvolvida. No que se refere à pós-graduação, a partir de 2007 e, de modo
contínuo, até os dias atuais, tais processos se solidificaram e, em consequência,
continuou a intensificar-se, nesse nível, o trabalho do professor da universidade
pública. Destaca-se nesta fase, como sua síntese marcante, uma expansão de
matrículas algo anômala da educação superior pública no país, mormente no
subsetor das Federais, no nível da graduação, como se pôde verificar ao final do
governo Lula.

Este movimento, por hipótese, desdobra-se em duas largas dimensões


concomitantes: a continuidade do processo de mercantilização da produção do
conhecimento e a certificação em massa dos estudantes de graduação e de pós-
graduação, cada um desses níveis qualificando mão-de-obra destinada a
diferentes patamares da economia. Estas duas dimensões constituem-se em
polos opostos e complementares: a certificação em massa no nível da graduação

1 O Reuni foi instituído, em 24 abril de 2007, como uma das ações integrantes do Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE), ambos aprovados pela Presidência da República e pelo
Ministério da Educação nessa data. O Reuni tem como objetivo formal a ampliação do acesso e
a maior permanência do estudante no subsistema. Desenvolve-se mediante contratos de gestão,
entre as instituições federais de educação superior (Ifes) e o Ministério da Educação (MEC), com
duração média de cinco anos (2007-2012), e tem entre seus parâmetros atingir-se uma relação
professor/aluno de 1/18 e um índice de eficiência de 90% de titulados por curso, além da
introdução de mudanças curriculares significativas, de novos arranjos organizacionais e de
mecanismos de gestão para obtenção de mais eficiência no gasto público com a suposição básica
de que a contratualização de resultados é a aposta certa para resolver os problemas de expansão
do sistema V. “R“ÚJO PINHEIRO, , p. .
2 A EAD desenvolve-se no Brasil em todos os níveis educacionais, da educação básica à
educação superior, inclusive na pós-graduação em sentido estrito (mestrado e doutorado),
sendo a modalidade de ensino com maior crescimento atualmente no país, contando hoje, na
educação superior, com cerca de um milhão de matrículas. Além disso, tende a crescer
especialmente entre as instituições com fins lucrativos (for profit), condição permitida por lei, e
por ser a EAD um campo de menores custos, regulação menos rígida e alto potencial de lucro
para essas empresas do mercado educacional.
3A UAB é um projeto articulado pelo Ministério da Educação em parceria com os Estados,
Municípios e Universidades Públicas de Ensino Superior para oferta de cursos de Graduação,
Pós Graduação e de Extensão Universitária na modalidade a distância e/ou semipresencial.
Com início em 2007, quando foram instalados 291 Polos da UAB, em 2009 já somavam 750, com
previsão de totalizar 1.000 até 2013, com cerca de 800 alunos por Polo. Os Polos estão
distribuídos por todas as regiões do Brasil e seus cursos são validados e reconhecidos pelo
MEC.

3
e da pós-graduação4 lato sensu está, em geral, direcionada às grandes parcelas
da sociedade mais excluídas para atuarem nos espaços empresariais de maior
exploração e menor exigência técnica; a certificação, especialmente no âmbito
da pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), e a pesquisa,
predominantemente aplicada, tendem a colocar-se a serviço do setor
empresarial nacional e internacional, com grau de menor exploração e maior
exigência técnica, no caso da formação profissional, ao mesmo tempo em que,
no caso da pesquisa, mostra o acúmulo de conhecimento que o país alcançou e
busca ampliar de forma induzida. Esta dimensão se direciona aos melhores
alunos das universidades melhor avaliadas (ou reguladas) por órgãos
governamentais com essa função e por critérios produzidos no âmbito do
Estado. Como hipótese, com base nos números sobre a universidade pública no
Brasil que adiante serão vistos, verifica-se que nas últimas duas décadas esta se
transformou, em movimento que tem avançado a conta-gotas, com raros
momentos mais significativos de expansão e mudança como o que agora ocorre
com a implantação do Reuni, especialmente.5

De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de


Domicílios 2009 (Pnad, 2010) com referência à relação entre a escolarização e a
renda familiar, as Regiões Norte e Nordeste apresentam os piores índices em
termos de defasagem educacional de alunos pobres com idade entre 15 e 24
anos. Em termos do percentual de alunos que cursam o ensino médio, a Região

4 A pós-graduação, no Brasil, destinada aos portadores de diplomas de graduação (bacharelado,


licenciatura e de tecnólogo), divide-se em dois tipos de cursos: lato sensu e stricto sensu. Os
cursos de pós-graduação lato sensu são os de aperfeiçoamento e especialização profissionais,
incluindo os MBA (Master in Business Administration), com carga horária de no mínimo 360
horas/aula. Os cursos de pós-graduação stricto sensu são os de mestrado e doutorado. O curso
de mestrado, com duração média de dois a três anos, atribui o diploma de mestre aos
mestrandos que, além da frequência e aprovação em determinado número de disciplinas, têm
sua dissertação aprovada por banca examinadora composta de no mínimo três professores
doutores. O curso de doutorado, com duração média de três a cinco anos, atribui o diploma de
doutor aos doutorandos que, além da frequência e aprovação em determinado número de
disciplinas, têm sua tese aprovada por banca examinadora composta de no mínimo cinco
professores doutores.
5 Em reportagem da Folha de S. Paulo sob o título Terceira fase de expansão da rede federal inclui
quatro universidades, 47 campi universitários e 208 institutos de educação, ciência e tecnologia, a
presidente da república Dilma Rousseff anunciava que A interiorização do desenvolvimento
econômico e social é o principal norteador da terceira fase de expansão da rede de ensino e
pesquisa federal, que deverá abrir 250 mil vagas de ingresso nas universidades federais e de 600
mil matrículas nos institutos federais de educação, ciência e tecnologia, em 2014. Além de
democratizar o acesso ao conhecimento, os projetos estão integrados aos Arranjos Produtivos
Locais e aos grandes investimentos industriais e de infraestrutura, de modo a qualificar
profissionais e desenvolver tecnologias necessárias ao progresso com distribuição de renda .
http://www.secom.gov.br/sobre-a-secom/nucleo-de-comunicacao-publica/copy_of_em-questao-
1/em-questao-do-dia/novos-polos-de-ensino-vao-desenvolver-regioes-do-pais (Acesso em 17 de
agosto de 2011).

4
Norte apresenta aproximadamente 45% e a Região Nordeste, 41%. Estes índices
somados e quando comparados à Região Sudeste, com aproximadamente 60,5%
para a mesma faixa etária, mostram a desigualdade entre os estados da
federação brasileira que se encontram distantes ou próximos dos centros
econômico-político-sociais hegemônicos. Esta observação nos mostra outro
problema estrutural já apontado na literatura econômica: o entendimento do
Brasil impõe considerar as desigualdades regionais produzidas pelo
desenvolvimento histórico do capitalismo brasileiro.6

No final dos anos 1980 e início dos 1990 era possível afirmar, não sem
algum grau de idealização, que o centro da cultura da universidade pública
apresentava-se na forma de uma contradição clássica: por um lado, ela
contribuía para o crescimento econômico do país e para a consolidação do pacto
social de então; por outro, punha-se como o lugar institucional da crítica de seu
tempo histórico e de seus próprios objetivos. Tratava-se, de maneira distinta do
que ocorre nas igrejas, que se fundamentam no dogma, de ver a universidade
como espaço saudável e necessário da dúvida, da crítica e do debate. Ao longo
do período que desde então decorreu, enquanto o primeiro polo haveria de
sofrer clara hipertrofia, teria havido uma significativa atrofia histórica do
segundo. A crítica e o debate deram lugar ao silêncio e ao apoio, com raras
exceções, aos planos, programas e atividades oficiais, sugerindo que a
instituição republicana universitária tenha se convertido em agência executora
bastante acrítica de políticas públicas de competência do Estado. De forma mais
precisa, a universidade pública, assim como o Estado, tornou-se instrumento,
ainda que indireto, de produção e o país, com uma economia com alta
capacidade de acumulação e plena disponibilidade de importantes recursos do
fundo público estatal, tornou-se porto seguro para o mercado mundial de
capitais industriais e financeiros. A universidade pública alterou radicalmente
sua cultura institucional ao passar por tais mudanças de perfil e características
quando o país se alinhou, com FHC na presidência, ao regime de
predominância financeira. Isto explicaria, por hipótese, o essencial de sua
mudança ao longo das duas últimas décadas.

Nas páginas que seguem visar-se-á demonstrar como tem se dado a


expansão, a conta-gotas, da educação superior pública nas últimas décadas,
com anômala aceleração no setor das instituições federais desde a implantação
do Reuni, da EAD, via UAB, assim como apresentar argumentos que

6Ver Maria da Conceição Tavares. Da fronda ao front. Entrevista. São Paulo, Boitempo Editorial.
Revista Praga. Número 2, junho de 1997.

5
contribuam para se verificar as hipóteses a respeito das razões dessa expansão e
da expansão da graduação, pós-graduação e pesquisa nas esferas pública e
privada concomitante com as profundas mudanças da cultura institucional
universitária a que se fez acima breve referência.

I – Como ocorreu a expansão da educação superior, com especial


atenção para a educação superior pública e, nesta, do subsetor
federal.
Os dados coligidos pelos Censos da Educação Superior disponíveis nos
acervos do INEP permitem verificar o modo como se expandiu a educação
superior pública, não apenas nos últimos anos, mas desde o ano de 1964,
quando se inicia o ciclo da ditadura militar, que se estendeu por vinte longos
anos, e responsável pelo desencadear e acelerar do processo de privatização
desse nível educacional no país, em especial durante a primeira de suas duas
décadas de duração. Isto se pode verificar no confronto entre os índices de
evolução das matrículas da educação superior pública e da educação superior
privada.
Tabela 1 - Evolução das matrículas da educação superior brasileira por categoria
administrativa (pública e privada) – 1964-1994

Matrículas públicas Matrículas privadas


Ano Total
Total % Total %

1964 142.386 87.665 61,6 54.721 38,4


1974 937.593 341.028 36,4 596.565 63,5
1984 1.399.539 571.879 40,9 827.660 59,1
1994 1.661.034 690.450 41,6 970.584 58,4
/ Δ% 559,8 289,1 - 990,1 -
/ Δ% 49,3 67,7 - 38,7 -
/ Δ% 18,7 20,7 - 17,3 -
/ Δ% 1.065,7 687,6 - 1.673,7 -
Fonte: BRASIL. MEC/Inep. Sinopse Estatística da Educação Superior, 2011.

Nos dez primeiros anos do regime militar a educação superior teve um


salto exponencial de 559,8%, passando de 142.386 matrículas para quase um
milhão. As matrículas públicas tiveram aumento de quase 300% mas, em
contrapartida, as matrículas privadas tiveram uma evolução mais de três vezes

6
superior, isto é, de 990%. Destaca-se a projeção otimista que o governo militar-
autoritário nutria em relação à criação de um parque industrial com capital
predominantemente industrial, por outro lado, a ditadura civil-militar dava
garantias ao capital estrangeiro que entrava no país.

Contudo, na segunda década do regime militar, fim do chamado milagre


econômico, o avanço das matrículas na educação superior em geral foi ínfimo:
menos de 50%, isto é, cerca de dez vezes menor do que o avanço da década
anterior. Uma pequena compensação para o setor público: este avançou acima
da média ou 67,7% contra um avanço de apenas 38,7% do setor privado.

Entretanto, a primeira década da redemocratização, após o fim do regime


militar, foi de ainda mais ínfimos resultados, um verdadeiro desastre: apenas
18,7%, à razão de pouco mais de 1% de crescimento ao ano ou cerca de metade
do crescimento vegetativo da população que, a essas alturas, ultrapassava os
2%. E nessa situação nem os índices de evolução públicos e privados se
diferenciaram de modo significativo, 20,7% para os primeiros e 17,3% para os
segundos. Vale destacar que nesta década a grande preocupação era a
contenção dos altos índices de inflação que se tentou com os famosos planos
monetaristas heterodoxos: Plano Cruzado, Plano Bresser, Plano Verão e os Planos
Collor I e II. A tentativa de implantação do monetarismo no Brasil já estava
posta. No plano da produção de ciência e tecnologia, o ministro Renato Archer
dava continuidade ao que se havia começado durante a ditadura buscando o
incremento desta área com impactos na universidade pública. Um dos marcos
desta iniciativa foi a Primeira Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia
realizada em 1985. A segunda Conferência realizou-se na década de 1990 depois
do ajuste realizado durante o realinhamento econômico e segundo as
orientações políticas resultantes desta decisão política. Seguiram-se a terceira
(2005) e a quarta e última em maio de 2010 que se fez alinhada com as mesmas
diretrizes do Plano Nacional de Pós-Graduação 2011-2020. Este fato também
participa desse processo de expansão e mudança da educação superior, da
educação superior pública e das federais.

Em resumo, nessas três décadas registra-se uma importante expansão,


mas concentrada na primeira década da ditadura militar, 1964-1974, com
avanço das matrículas privadas cerca de três vezes maior que o das matrículas
públicas.

7
Tabela 2 - Evolução do número de instituições e de matrículas de educação
superior por categoria administrativa (público e privada) – 1994-
2008
Número de Instituições Número de Matrículas
Ano Total Públ. Priv.
Total Públ. % Priv. % % %
(mil) (mil) (mil)
1994 851 218 25,6 633 74,4 1.661 690 41,6 970 58,4
1998 973 209 21,4 764 78,6 2.125 804 37,8 1.321 62,2
1994-1998 Δ% 14,3 -04,1 - 20,7 - 27,9 16,5 - 36,2 -
Fonte: Fonte: BRASIL. MEC/Inep. Sinopse Estatística da Educação Superior, 2011.

Durante o primeiro mandato do governo de FHC o crescimento do


número de instituições foi moderado no geral, mas, enquanto o número das IES
públicas sofreu redução de 4,1%, o das IES privadas teve um aumento de 20,7%.
Quanto às matrículas, houve um aumento apenas superior ao da primeira
década pós redemocratização, mas de pouco mais de metade do índice de
aumento da segunda década do regime militar e quase 10 vezes menor do que o
índice da primeira década da ditadura. Na relação público-privado, retoma-se,
sob o governo FHC, em menor grau é verdade, a proeminência do crescimento
no setor privado que é superior a mais de duas vezes o aumento do setor
público: 36,2% para 16,5%.

É no segundo mandato do Presidente FHC, pós-Lei de Diretrizes e Base -


LDB (dez/1996) que haverá um aumento mais significativo do número de
instituições e de matrículas, com acentuando predomínio do setor privado e,
neste, do setor privado-mercantil conforme apontam os números fornecidos
desde então (1999) – difereciando os dados relativos a IES públicas (federais7,
estaduais e municipais) e privadas (comunitárias e confessionais ou sem fins
lucrativos e as IES particulares ou com fins lucrativos) – pelo Censo da
Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep).

Na tabela 3, mostram-se os dados relativos ao segundo mandato do


governo FHC, em que se verifica um aumento no número de instituições
públicas e privadas de cerca de 50% no triênio 2000-2002 contra menos de um
terço disso, 14,3%, no quatriênio anterior. Entretanto, a diferença entre o
aumento das IES públicas em relação às privadas é brutal e altamente
reveladora da políticas públicas adotadas nesse governo: no triênio 2000-2002 as

As federais incluem as Instituições Federais de Educação Superior (IFES), os Institutos Federais


7

de Educação, Ciência e Tecnologia (IFET) e outros.

8
IES públicas crescem exíguos 1,5% e as IES privadas, 59,3% ou cerca de 40 vezes
mais! Dois outros fenômenos se registram: 1) no interior das instituições de
educação superior (IES) públicas, as federais crescem, em número, 21,6%, as
estaduais diminuem 9,7% e as municipais, 5,0%; 2) dentre as IES privadas, as
confessionais e as comunitárias diminuem 16,3%, enquanto as particulares
(privado-mercantis) têm um crescimento de 113,8%! Seu número salta de 526
instituições para 1.125.

No primeiro mandato do governo Lula (2003-2006) houve redução do


aumento no número de IES em geral (38,7%) e uma diferença muito menor
entre o crescimento das IES públicas e das IES privadas: 27,2% contra 40,2%.
Aqui deve-se destacar o fato que o crescimento das IES federais foi o mais alto
de todos os subsetores públicos e privados: 43,8% contra 27,6% das estaduais,
5,3% das municipais, 38,9% das confessionais e comunitárias, e 40,7% das
particulares (privado-mercantis).

É nos três anos do segundo mandato do governo Lula (faltam os dados


de 2010 ainda não divulgados pelo Inep) que se verifica o menor aumento
percentual do número de IES desde 1964 (!), com a estagnação do crescimento
médio das IES públicas (redução de 10,4% das federais e aumento de 1,2% das
estaduais e 11,6% das municipais) e diminuto aumento médio das privadas de
2,3%, verificando-se, entretanto, uma extraordinária redução do número de IES
confessionais e comunitárias que chegou, arredondando o número, a 34%, isto
é, de 439 para 290 instituições em três anos. Nesse contexto o salto positivo das
IES particulares (privado-mercantis) continuou sendo de grande significado:
12,4%.

Com base na análise dos dados que apresenta a tabela 4 – relativa à


evolução das matriculas no mesmo período da tabela 3 (1999-2009) – pode-se
verificar que, embora a evolução das matrículas tenda a seguir a evolução do
número de IES, ocorrem algumas assimetrias, como adiante se verá.

Nesse sentido, na comparação dos índices de evolução do número de IES


e das matrículas, enquanto se verifica um número bastante próximo no período
– 110,9% de crescimento para o total de IES e 115,8% para o total de matrículas –
, no caso das IES públicas, enquanto o total de IES aumentou 27,6%, o de
matrículas aumentou 62,4% (nas federais, a relação é de 56,6% para 70,1%; nas
estaduais, de 16,6% para 58,8%; e, nas municipais, de 11,6% para 35,7%), isto
podendo significar, por um lado, a expansão do número dos campi, de cursos,
de vagas; por outro, a intensificação do trabalho dos professores e precarização

9
de suas relações de trabalho.8 No caso das IES privadas em geral, para um
aumento do número de instituições que foi de 128% o das matrículas foi de
144,7%. Entretanto, cabe destacar a significativa menor redução das matrículas
(-2,4) em relação à redução do número de IES (-23,5) no caso das IES
comunitárias e confessionais. No caso das IES particulares (privado-mercantis)
a relação é de 238,2% de aumento no número de IES e de 345,2% no aumento
das matrículas, o que em ambos estes dois últimos casos se pode levantar a
hipótese de aumento do tamanho das instituições. Isto pode estar
demonstrando a previsão de consultores da área que anunciavam ainda em
que grandes fundos de investimentos e capital externo apostam seus
dólares nos grandes grupos nacionais, que estão comprando instituições
médias, que, por sua vez, incorporam as pequenas GORGULHO, 2007, apud
SGUISSARDI, 2008, p. 1004).

8Cf. SGUISSARDI, Valdemar; SILVA JÚNIOR, João dos Reis. Trabalho Intensificado nas Federais –
pós-graduação e produtivismo acadêmico. São Paulo: Xamã, 2009.

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Tabela 3 - Evolução e percentual do número de instituições de educação superior por categoria administrativa (pública: federal,
estadual, municipal; privada: confessional e comunitária, e particular) – 1999-2009

Ano Número de Instituições

Total Públicas Privadas

Total % Federais % Estaduais % Municipais % Total % Conf/Com % Particulares %

1999 1.097 192 17,5 60 5,4 72 6,5 60 5,4 905 82,5 379 34,5 526 48,0

2002 1.637 195 11,9 73 4,4 65 3,9 57 3,5 1.442 88,0 317 19,4 1.125 68,7

2006 2.270 248 11,0 105 4,6 83 3,6 60 2,6 2.022 89,0 439 19,0 1.583 70,0

2009 2.314 245 10,6 94 4,1 84 3,6 67 2,9 2.069 89,4 290 12,5 1.779 76,9

1999- ∆% 49,2 1,5 - 21,6 - -9,7 - -5,0 - 59,3 - -16,3 - 113,8 -

2002- ∆% 38,7 27,2 - 43,8 - 27,6 - 5,3 - 40,2 - 38,9 - 40,7 -

2006- Δ% 1,9 -0,3 - -10,4 - 1,2 - 11,6 - 2,3 - -33,9 - 12,4 -

1999- Δ% 110,9 27,6 - 56,6 - 16,6 - 11,6 - 128,7 - -23,5 - 238,2 -

Fonte: Fonte: BRASIL. MEC/INEP. Sinopse Estatística da Educação Superior, 2011.

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Tabela 4 - Evolução e percentual do número de matrículas de educação superior por categoria administrativa (pública: federal, estadual,
municipal; privada: confessional e comunitária, e particular) – 1999- 2009

Ano Número de Matrículas

Total Públicas Privadas

Total % Federais % Estaduais % Municipais % Total % Conf/Com % Particulares %

1999 2.369.945 832.022 35,1 442.562 18,7 302.380 12,7 87.080 3,7 1.537.923 64,9 886.561 37,4 651.362 27,5

2002 3.479.913 1.051.655 30,2 531.634 15,3 415569 11,9 104.452 3,0 2.428.258 69,8 1.166.357 33,5 1.261.901 36,3

2006 4.676.646 1.209.304 25,8 589.821 12,6 481.756 10,3 137.727 2,9 3.467.342 74,2 1.543.176 33,0 1.924.166 41,2

2009 5.115.896 1.351.168 26,4 752.847 14,7 480.145 9,4 118.176 2,3 3.764.728 73,6 864.965 16,9 2.899.763 56,7

1999- ∆% 46,8 26,4 - 20,1 - 37,4 - 19,9 - 57,8 - 31,5 - 93,7 -

2002- ∆% 34,4 14,9 - 10,9 - 15,9 - 31,8 - 42,8 - 32,3 - 52,5 -

2006- Δ% 9,4 11,7 - 27,6 - -0,03 - -14,1 - 8,6 - -43,9 - 52,3 -

1999- Δ% 115,8 62,4 - 70,1 - 58,8 - 35,7 - 144,7 - -2,4 - 345,2 -

Fonte: Fonte: BRASIL. MEC/INEP. Sinopse Estatística da Educação Superior, 2011.

12
Verificando os subperíodos deste período, podem-se observar simetrias e
assimetrias diversas. No subperíodo 1999-2002 (FHC) temos: aumento de 49%
do total de IES, assim distribuídos: 1,5% das públicas (federais: 21,6%;
estaduais: -9,7%; e municipais: -5,0%) e 59% das privadas (comunitárias e
confessionais: -16,3%; e particulares: 113,8%) contra aumento de 46,8% do total
de matrículas, assim distribuídos: 26,4% das públicas (federais: 20,1%;
estaduais: 37,4%; e municipais: 19,9%) e 57,8% das privadas (comunitárias e
confessionais: 31,5%; e particulares: 93,7%). Mais simetrias que assimetrias,
embora algumas assimetrias chamem bastante atenção como as das IES
estaduais (-9,7% versus 37,4%) e das comunitárias e filantrópicas (-16,3% versus
31,5%) e mesmo das municipais (-5,0% versus 19,9%).

Neste subperíodo observa-se também a confirmação das políticas de


privatização e mercantilização da educação superior: expansão das matrículas
das IES públicas (26,4%) inferior à metade da expansão das matrículas das IES
privadas (57,8%). E, sobretudo, a expansão das matrículas do setor privado-
mercantil: 93,7% em três anos! Três vezes ou mais que a taxa de crescimento das
matrículas das IES comunitárias e confessionais, e das IES públicas.

No subperíodo correspondente ao primeiro mandato do Presidente


LULA, como no caso da expansão do total de IES (49,2% para 38,7%), verifica-se
uma sensível diminuição do ritmo de expansão geral das matrículas (46,8%
para 34,4%), ocorrendo diminuição no ritmo de expansão de matrículas em
relação ao subperíodo anterior (FHC) tanto nas IES públicas (26,4% para 14,9%)
quanto nas IES privadas (57,8% para 42,8%). Entretanto, neste caso, verifica-se
ainda uma enorme diferença na expansão de matrículas das IES particulares em
relação às IES federais: 52,5% daquelas contra 10,9% destas.

No subperíodo relativo aos três primeiros anos do segundo mandato do


Presidente Lula apresentam-se dados que confirmam, quanto às matrículas, a
tendência já verificada em relação à expansão do total de IES: sensível
diminuição do ritmo de aumento das matrículas, embora este seja quase cinco
vezes maior do que o do número de IES (9,4% contra 1,9%).

As maiores assimetrias entre expansão das matrículas em relação à


expansão do número de IES neste subperíodo são as seguintes: para um
decréscimo no total de IES federais de -10,4% houve um aumento de 27,6% do
total de matrículas; para um aumento de 12,4% no total de IES particulares
(privado-mercantis), suas matrículas aumentaram 52,3%. No caso das IES
federais, isto pode ser atribuído ao implemento do Reuni que tende a dobrar até
2012 o montante de vagas nas Federais existente em 2007; no caso das IES

13
particulares, trata-se provavelmente do fenômeno acima referido da compra ou
incorporação de IES de pequeno porte por IES de porte médio e destas por
grandes redes como Anhanguera, Kroton-Pitágoras, Estácio de Sá e Laureate Inc,
entre outras, que contam com apoio maciço de fundos de investimento
transnacionais (SGUISSARDI, 2008, p. 1.003).

Enfatize-se o fato, que aqui se observa, da redução de 43,9% nas


matrículas das IES comunitárias e filantrópicas num período de apenas três
anos e da provável migração dos estudantes destas para as particulares ou
privado-mercantis que têm um crescimento exponencial de 52,3% no
subperíodo.

Este dado se revela ainda mais dramático para este subsetor do setor
privado e do sistema, quando se conferem os percentuais de participação de
suas matrículas no universo da educação superior no país: há apenas 10 anos as
IES comunitárias e confessionais contavam com 37,4% do total de matrículas;
em 2009, com apenas 16,9%. As IES públicas tiveram uma redução
significativamente menor: de 35,1% para 26,4% (as federais: de 18,7% para
14,7%; as estaduais: de 12,7 para 9,4%; e as municipais: de 3,7% para 2,3%). No
sentido inverso ao das IES comunitárias e confessionais, as particulares
(privado-mercantis) passaram de 27,% para 56,7%!

- Expansão do subsetor federal.


Além dos dados das tabelas 3 e 4 relativos à expansão do número de
instituições (Ifes, Ifet e outros) federais (56,6%) e de suas matrículas (70,1%) no
período 1999-2009, a tabela 5 apresenta dados relativos ao aumento dos corpos
docente e técnico-administrativo, e dos cursos, que reforçam o significado dessa
expansão que, como já se verificou, apesar de significativa, situa-se ainda assim
muito abaixo da observada no subsetor das IES particulares ou privado-
mercantis (238,2% e 345,2% respectivamente). Esses dados retroagem ao ano
1995, início do primeiro mandato do Governo FHC, o que também permite
certa visada comparativa entre as políticas de expansão desse governo com o de
Lula.

Nos dois mandatos do Governo FHC (1995-2002) verifica-se mínima


expansão do corpo docente, isto é, 3,2% e uma grande redução do corpo
técnico-administrativo, de -40,7%. Isto em contraste com um aumento de 28%
no número de instituições, de 50,8% no número de cursos e de 44,7% no de
matrículas.

14
Nos dois mandatos do governo Lula (2003-2009; faltam os dados de
2010) essa tendência inverteu-se. Os principais dados dessa expansão são os
seguintes: 57,3% no número de docentes, 62,2% no de técnico-administrativos.
A expansão dos cursos foi de 88,6% e a das matrículas, de 41,6%. O aumento
maior de docentes, em especial, em relação ao de matrículas pode-se explicar
pelo ainda não preenchimento das vagas abertas pelos novos cursos, no âmbito
do Reuni, que deve ser preenchidas até 2012.

Tabela 5 - Número total de funções docentes (em exercício), técnicos administrativos (em
exercício), cursos, matrículas do total de instituições federais (incluindo Ifes, Ifet
e outros), Brasil, 1995 – 2009
Função Técnico
Ano IFES Cursos Matrículas
Docente (em Administrativo
exercício) (em exercício)
1995 44.486 100.517 57 1.536 367.531

1996 42.110 -5,3 98.058 -2,4 57 0,0 1.581 2,9 388.987 5,8

1997 50.059 18,9 91.042 -7,2 56 -1,8 1.316 -16,8 395.833 1,8

1998 45.624 -8,9 75.122 -17,5 57 1,8 1.338 1,7 408.640 3,2

1999 46.687 2,3 72.604 -3,4 60 5,3 1.721 28,6 442.562 8,3

2000* 50.165 7,4 69.411 -4,4 61 1,7 1.996 16,0 482.750 9,1

2001 45.058 -10,2 56.596 -18,5 67 9,8 2.115 6,0 502.960 4,2

2002 45.907 1,9 59.652 5,4 73 9,0 2.316 9,5 531.634 5,7

2003 47.709 3,9 61.489 3,1 83 13,7 2.392 3,3 567.101 6,7

2004 50.337 5,5 61.707 0,4 87 4,8 2.450 2,4 574.584 1,3

2005 52.943 5,2 62.400 1,1 97 11,5 2.449 0,0 579.587 0,9

2006 54.560 3,1 64.164 2,8 105 8,2 2.785 13,7 589.821 1,8

2007 59.156 8,4 67.754 5,6 106 1,0 3.030 8,8 615.542 4,4

2008 61.783 4,4 67.993 0,4 93 -12,3 3.235 6,8 643.101 4,5
2009 72.228 16,9 96.786 42,3 94 1,1 4.368 35,0 752.847 17,1

/ Δ% 3,2 - -40,7 - 28,1 - 50,8 - 44,7 -


/ Δ% 18,8 - 7,6 - 43,8 - 20,2 - 10,9 -

/ Δ% 57,3 - 62,2 - 28,7 - 88,6 - 41,6 -

/ Δ% 32,3 - 50,8 - -8,9 - 56,8 - 27,6 -

/ ∆% 62,4 - -3,7 - 64,9 - 184,4 - 104,8 -

/ ∆% 16,9 - 42,3 - 1,0 - 35,0 - 17,0 -

Fonte: BRASIL. MEC/Inep. Sinopse Estatística da Educação Superior, 2011.


* No ano de 2000 os dados disponíveis sobre funções docentes e técnico-administrativos somam os
em exercício e os afastados.

15
A expansão do subsetor federal também se verifica se examinados os
dados sobre expansão da EAD, através da UAB, que, tendo 13.469 matrículas
em 2005, já atinge o total de 43.905 em 2010, com um aumento percentual de
226%.

- Expansão da pós-graduação
Na tabela 6 se pode verificar o quadro da expansão da pós-graduação
stricto sensu no país num período de cerca de 20 anos.

Nesse período (1987-2009) avultam alguns dados: 1) o crescimento do


número de titulados (mestres e doutores) em contraste com o aumento de
matrículas: 1.111% contra 333%, em que se destacam o crescimento dos
titulados doutores (1.209,7% ou de 868 para 11.368 titulados) contra um
aumento de cerca de metade nas matrículas (631,8% ou de 7.914 para 57.917); 2)
o aumento mais de quatro vezes maior no número de titulados no mestrado
acadêmico em relação ao aumento das matrículas (878,5% contra 217,0%).

Esta diferença, por hipótese, deve-se em especial à redução de prazos de


titulação estimulada ou forçada pelo atual Modelo Capes de Avaliação, adotado por
esta Agência de financiamento, regulação e controle da pós-graduação no país a
partir de 1997. (Sguissardi, 2009, p. 133)

Observe-se ainda uma significativa expansão nos dados de matrículas e


titulação no mestrado profissional, uma das prioridades dos órgãos oficiais da
área, em especial da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior - CAPES.
Tabela 6 – Evolução do número de matrículas e de titulados na pós-graduação stricto
sensu – 1987-2009

Mestrado Mestrado Doutorado Total


Acadêmico Profissional
Ano
Matricul. Titulados Matricul. Titulados Matricul. Titulados Matricul. Titulados

1987 29.281 3.647 - - 7.914 868 37.195 4.515

2008 88.295 33.360 9.073 2.654 52.750 10.711 150.118 46.725

2009 93.016 35.686 10.135 3.102 57.917 11.368 161.068 50.166

/ Δ% 217,0 878,5 - - 631,8 1.209,7 333,0 1.111,0

/ ∆% 5,3 7,0 11,7 16,8 9,8 6,1 7,3 7,4

Fonte: BRASIL. MEC/Capes/GeoCapes, 2011

16
II – Razões da expansão da educação superior no Brasil, em especial
nas IES públicas e Ifes, considerando igualmente a expansão da
graduação em geral, da pós-graduação e das atividades de
pesquisa (aplicada).
Esse movimento de expansão da educação superior nos termos expostos
no item I acima pode ser explicado não somente com base no processo
econômico, mas também no político e social. No regime de acumulação com
dominância da valorização financeira, o capital monetário parece adquirir
autonomia absoluta em relação à produção real do valor (primeiro ciclo de
movimentação do capital). Trata-se do ápice do fetichismo da mercadoria
capital. Este arranjo leva a mudanças reais no processo de trabalho, na
indústria e na educação, e impõe à sociedade a matriz teórica, política e
ideológica neoliberal, com seu corolário referente à necessária reforma do
aparelho de Estado.

Nesse contexto, a educação se torna um espaço social estratégico para a


produção do valor, financiada pelo fundo público (sua
privatização/mercantilização) e focada na profissionalização, em razão da
infinitésima diferença entre ciência, tecnologia e inovações tecnológicas que se
faz quase em tempo real em todo o planeta. A reengenharia, isto é, as novas
formas de organização e do trabalho são possíveis graças às novas bases
científicas e tecnológicas agregadas às máquinas e equipamentos e à gestão dos
trabalhadores. Segundo Serfati (1998, p. 177), isto possibilita e coage a uma
baixa de custo em razão da reorganização dos processos de gestão [que] não
deve ser de % a %, mas de % a % . É a este processo que Harvey
chamará de compressão espaço-tempo, possível de entender-se, pois a
predominância financeira comprime o ciclo de capitais da mercadoria e
consequentemente o ciclo de produção real de valor. Neste processo e nesta
direção exige-se que o aparelho de Estado e a educação sejam reformados de
forma estrutural, ao mesmo tempo em que, na condição de um serviço
produzido pela iniciativa privada, a educação sofre as mesmas consequências
dos demais processos produtores de valor. Ademais, posto que, num ambiente
de globalização financeira, o Estado coloca títulos de dívida também no
mercado internacional, a educação, mesmo quando patrocinada pelo Estado,
torna-se indiretamente refém dos ditames do mercado financeiro.

17
- Capital financeiro, Reforma do Estado e a expansão da educação
superior no Brasil
Numa espécie de ante-sala da consolidação do regime de acumulação
com predominância da valorização financeira, a década de 1980 assistiu,
especialmente em seu início, ao processo de mundialização do Investimento
Externo Direto (IED), que sofre então um significativo aumento. No entanto,
para além dos aspectos quantitativos do IED na economia mundial, são seus
aspectos qualitativos os que mais nos interessam aqui. Para Chesnais (1996),
citando Henri Bourguinat, são quatro as principais razões desse movimento:
Em primeiro lugar, diferentemente do comércio exterior, o IED não tem
uma natureza de liquidez imediata [...] ou diferida [...] . Não se reduz a
uma transação pontual. Pelo contrário, sua segunda característica é
introduzir uma dimensão intertemporal de grande importância, pois a
decisão de implantação dá origem a fluxos produção, comércio,
repatriação de lucros) que se estendem, necessariamente, por vários
longos períodos . “ terceira particularidade é implicar transferências
de direitos patrimoniais e, portanto, de poder econômico, sem medida
comum à simples exportação . Por último , diz ”ourguinat, existe um
componente estratégico evidente na decisão de investimento da
companhia. Não somente seu horizonte é sensivelmente mais amplo,
como também as motivações subjacentes são muito mais ricas [...] a
idéia de penetração, seja para depois esvaziar os concorrentes locais,
seja para sugar as tecnologias locais, [e a produção de conhecimento
em lugares que extrapolam a sede do grupo industrial] faz parte desse
aspecto estratégico do investimento direto e, geralmente, está inserido
num processo complexo de tentar antecipar as ações e reações dos
concorrentes . CHESNAIS, 1996, p. 54, grifos do autor em itálico e
nossos em negrito).

A predominância financeira afeta as relações entre os ciclos de


movimentação do capital impondo formas muito diversas de organização e
introdução de grupos predominantemente industriais (GPIs)9 em novo lugar na
economia mundial. A função financeira põe-se como a função que exige maior
produtividade e especialmente novas formas de organização do trabalho, com
consequências para a intensificação do trabalho humano e de precarização das
relações de trabalho em qualquer processo com potência de produção de valor,
além de exigir do trabalhador um novo equilíbrio psicofísico, o que lhe impõe

9 Os grupos predominantemente industriais consistem num conjunto formado por uma


sociedade-mãe (chamada de holding do grupo) e as sociedades filiais que estão sob o seu
controle. Assim, a sociedade-mãe é acima de tudo um centro de decisão financeira; enquanto as
sociedades sob seu controle não passam, na maior parte das vezes, de sociedades exploradoras.
O papel essencial de uma sociedade-mãe é a arbitragem permanente das participações
financeiras que ela detém, em função da rentabilidade dos capitais envolvidos. É a função de
arbitragem da sociedade-mãe que confere ao grupo o seu caráter financeiro. Morin apud
Serfati, 1998, p. 143)

18
um novo tipo de sociabilidade. Inclui-se aí, portanto, a esfera educacional
quando ofertada por instituições privadas. Por outro lado, a predominância
financeira impõe ao Estado a produção de um ordenamento jurídico e de
políticas públicas sob a mesma orientação.

Num regime de predominância financeira o ciclo de movimentação do


capital portador de juros é predominante e diferente dos demais ciclos; tem
dupla dimensão: econômica e jurídica. Posto isto, este ciclo joga peso e
comprime os demais ciclos, produzindo uma intensa movimentação do capital
em funções (circulação de mercadorias), que por sua vez impõe a intensificação
do trabalho no âmbito do ciclo de produção real de valor e em todos os setores
que a ele se vinculam. (HARVEY, 1994).

Nesse contexto de mundialização da economia, tendo como estratégia


central a necessidade da produção do capital produtivo, mas sobretudo as
novas formas de obtenção de mais-valia por meio de inovações financeiras, o
IED, nos moldes examinados por Chesnais e Bourguinat, emerge como o centro
de um novo paradigma de empresa, com novas estruturas corporativas, novas
formas organizativas e de gestão, assentadas em nova base produtiva,
possibilitadas, nesse último caso, pelas atuais tecnologias produzidas no âmbito
da terceira revolução tecnológica. Portanto, impõe ao Estado o desenho de
políticas para pesquisa e formação de mão de obra nas universidades, uma
tarefa hercúlea depois da adesão brasileira aos imperativos da acumulação
financeira desde pelo menos o início da década de 1990.10 Afirma Chesnais
(1996) que há a emergência de um novo estilo de empresa, em cujo centro
encontra-se a estratégia tecnofinanceira realizada pelos Caixas Centralizados
dos grupos predominantemente industriais, tendo como base especialmente o
capital humano desses grupos. Essas corporações mundiais teriam em seu centro
identitário a natureza e a forma das relações que estabelecem com outras
empresas e instituições na esfera econômica e social e com as instituições
republicanas, tendo o Estado como mediador.

Este movimento produzirá profundos processos de mudanças na esfera


educacional, especialmente na educação superior. Assim, a expansão da
educação superior e sua respectiva cultura institucional são afetadas pela
mundialização e pela financeirização do processo de acumulação de capital,
implicando mudanças nos princípios expressos em seus pressupostos
formativos. O que se observa é que, no caso da educação superior, sua

10Apesar de ter se consolidado na década de 1990 com a orientação assumidamente neoliberal


que o governo brasileiro abraçava, os imperativos da valorização financeira já eram muito fortes
por aqui desde meados dos anos 1970. Vide, a respeito Bruno (2009).

19
especificidade tomou a forma de um processo educacional voltado para uma
formação humana reducionista, predominantemente profissionalizante,
realizada por intermédio de uma lógica profissionalizante e privatista ou
mercantilizada. E, dentre os níveis e modalidades mais atingidos, destaca-se o
da educação superior em suas diferentes formas atuais.

A materialização, no Brasil, deste processo faz-se concreta no início da


década de 1990, quando Fernando Henrique Cardoso assume cargos de
relevância no aparelho de Estado.

Paulani e Oliveira (2007), ao tratarem das relações entre centro e periferia


da economia mundial, deixam claro o novo lugar e estatuto do Estado
brasileiro.
O conceito de periferia depende da existência do Estado-Nação. Mas a
Nação quase desapareceu. Só o Estado permanece intacto como
instrumento para governar a força de trabalho e, simultaneamente,
relegar os seus direitos a um plano secundário, justificando o aumento
da taxa de exploração. Inversamente, esse mesmo Estado vai conceder
isenções, subsídios e incentivos com o objetivo de aumentar a
lucratividade do capital. Mas a constante necessidade de atrair o capital
mundializado [na sua principal forma, o IED] é apenas um lado da
globalização. Seu outro lado transforma o Estado em um instrumento de
produção e valorização do capital financeiro. (PAULANI; OLIVEIRA.
2007, p.15-16; tradução dos autores do original em inglês).

Conseqüentemente, a reforma do aparelho de Estado, que teve início no Brasil


em 1995, carrega consigo esta racionalidade (a matriz aqui já referida), trazida
pela predominância financeira. Nele tem origem um novo paradigma, em que
as políticas se orientam pela mesma matriz teórica, política e ideológica do
Estado já reformado. Esta matriz embasou as reformas das demais instituições
republicanas, especificamente, no caso em tela, a reforma da educação superior
no Brasil. Aqui se busca justificar que se tomou como campo privilegiado de
análise o subsistema federal de educação superior por ser ele o setor da
educação superior pública institucionalmente mais próximo (e suscetível às)
das políticas derivadas de um Estado que se tornou um instrumento de produção
num país cuja nação se desnacionalizou. Por fim, pode-se afirmar que tais
mudanças – ainda que com mediações, dadas as alterações ocorridas na CAPES,
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e
Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) – tendem a se realizar em toda a
educação superior pública no país e não apenas no subsistema federal.

20
Conclusão
O exame das razões da expansão da educação superior no Brasil
constituiu-se e se constituirá sempre em notório desafio. Debater a educação
tomando como referência as especificidades do capitalismo brasileiro
manifestas, entre outros fatores, nas disparidades sociais e inclusive regionais,
propicia base para uma análise crítica do processo em curso, em especial no que
se refere à certificação em massa na sua modalidade institucional de Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (Ifet). As razões da expansão da
educação superior e a rígida divisão entre a mercantilização do conhecimento e
a certificação em massa mostram a expansão, suas razões e as formas pelas
quais este processo ocorreu.

No primeiro aspecto demonstrado acima, as divisões educacionais


indicadas desde a introdução acabam por referendar uma bastante rígida
divisão de classes no que se refere à formação na educação superior. Às classes
dominantes, uma educação voltada à pesquisa aplicada e ao saber científico. Às
classes subalternas, uma educação de cunho profissional, atendendo às
demandas imediatas do mercado de trabalho. No segundo aspecto,
especialmente no que se refere à formação dos trabalhadores, a certificação
acaba por exemplificar iniciativas para esse fim. O Programa Universidade para
Todos (ProUni), o Reuni, os mestrados e doutorados profissionalizantes, o
Programa de Financiamento Estudantil (Fies) para este tipo de pós-graduação, a
tentativa de transferir a educação superior para o âmbito do Ministério de
Ciência e Tecnologia (MCT) atendem às recomendações de organismos
internacionais e às reivindicações empresariais quanto à qualificação de
trabalhadores para o exercício de suas funções em um cenário de constantes
transformações tecnológicas na produção industrial motivadas pela
mercantilização do conhecimento e pela busca do aumento das inovações e dos
ganhos financeiros.

As políticas compensatórias ganharam ênfase legitimadas pelo alto


índice de analfabetos funcionais e pela histórica baixa escolaridade brasileira. A
qualificação profissional é utilizada como mecanismo para responder aos
anseios de inclusão social dos trabalhadores no Brasil. O entendimento do
desemprego como um processo conjuntural e não estrutural acabou por
legitimar discursos cuja aparência é transformadora, mas cuja essência é
profundamente conservadora. Essa política compensatória põe algumas
questões. Em primeiro lugar, a efetividade do entendimento do desemprego
como um fenômeno conjuntural. Tais políticas conseguirão enfrentar os

21
aspectos estruturais do desemprego através da qualificação profissional e da
evolução das condições gerais de produção real do valor? Em segundo lugar
destaca-se a precarização da formação e do exercício da profissão dos
professores na educação superior.

Concluindo, tudo indica que o capital mundializado e financeirizado


submeteu uma economia semiperiférica, mas de grande potencial interno de
acumulação e, portanto, de grande interesse econômico, como a brasileira, aos
seus próprios imperativos. Neste movimento, transformou a política, no sentido
mais preciso do termo, em atividade puramente econômica. A educação
superior, como espaço estratégico da construção social não haveria de ficar
incólume aos desdobramentos deste processo.

Referências
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rebatimentos no sistema educacional: um exame do REUNI. Ensaio: aval. pol.
públ. educ., Rio de Janeiro, v. 18, n. 69, p. 647-668, out./dez. 2010
BRASIL. Ministério da Educação. Coordenação do Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior. Cadernos de Indicadores. Brasília: MEC/CAPES <
http://geocapes.capes.gov.br/geocapesds/#> Acesso em 10/10/2011.
BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira. Sinopses estatísticas da educação superior. Brasília:
MEC/INEP < http://portal.inep.gov.br/superior-censosuperior-sinopse> Acesso
em 10/10/2011.
BRUNO, Miguel. Acumulação de Capital e Crescimento Econômico no Brasil:
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Como citar:

SILVA JR, João dos Reis; SGUISSARDI, Valdemar. Forma e razões da expansão
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