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06/12/22, 18:35 Revista Educação Pública - Dislexia: apontamentos e reflexões

ISSN: 1984-6290
B3 em ensino - Qualis, Capes
DOI: 10.18264/REP

Dislexia: apontamentos e reflexões

Marcélia Amorim Cardoso


Doutoranda em Educação (UFRRJ), professora substituta (UFRRJ), professora do curso de Pedagogia (Fabel)

Ana Carolina Abi-Chacra de Campos Freitas


Pedagoga (Fabel), professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental da rede municipal do Rio de Janeiro

No campo educacional, aumenta a cada dia o número de matrículas de crianças com necessidades educativas especiais, transtornos do déficit de
atenção com hiperatividade (TDAH) e dificuldades de aprendizagem. Mesmo assim, a perspectiva de escola inclusiva ainda está distante do
preconizado pela literatura e pelas legislações. Um distúrbio da aprendizagem que pouco se comenta nos círculos pedagógicos e conversas
docentes é a dislexia.

A dislexia, ao contrário do que muitos pensam, não é uma deficiência: a criança disléxica não é uma criança com deficiência; é uma criança com
uma disfunção específica no processo de leitura e escrita.

Diante da visão distorcida que se tem do disléxico, existe a necessidade de desmistificar o que é dislexia e seus sintomas para, com esse
conhecimento, desenvolver todo o potencial que a criança tem. Sim, o disléxico tem um potencial enorme e muitas habilidades. Cabe ao
professor identificar suas dificuldades e modificar seu planejamento em função dele, praticar uma pedagogia centrada na criança, porque o
papel principal nesse processo é da criança.

Neste artigo procura-se demonstrar que o lugar do disléxico e das crianças com necessidades educativas especiais é na escola de ensino regular.
Os objetivos da pesquisa são: esclarecer essa disfunção e mostrar algumas práticas de ensino que vão ao encontro das necessidades do disléxico
para potencializar sua aprendizagem, mas que ao mesmo tempo beneficiam todos em sala de aula.

A importância deste estudo se dá diante do aumento de crianças diagnosticadas disléxicas e sua inserção escolar, pois por falta de conhecimento
dos processos que esse distúrbio ocasiona, professores e equipe pedagógicas não percebem ou demoram a perceber as potencialidades que as
crianças disléxicas possuem.

Ter dislexia não faz de cada disléxico um gênio, mas é bom para a autoestima de todos os disléxicos saber que suas mentes funcionam exatamente
do mesmo modo que as mentes de grandes gênios, também é importante saber que o fato de terem um problema com leitura, escrita, ortografia
ou matemática não significa que sejam burros ou idiotas, a mesma função mental que produz um gênio pode também produzir esses problemas
(Davis, 2004, p. 31).

É preciso ressaltar que o disléxico tem inteligência média ou acima da média e, diante de encorajamentos e apoio, apresenta percursos
importantes diante de suas dificuldades.

Inicialmente, definirei a dislexia, pontuando a origem dos estudos e seus sintomas.

Dislexia: definição e sintomas


Os primeiros registros sobre dislexia aconteceram no final do século XIX. Nessa ocasião, oftalmologistas ingleses chamaram de cegueira verbal a
dificuldade severa de algumas crianças para aprender a ler. Para eles, essa dificuldade estava associada a uma deterioração no cérebro de origem
congênita que afetaria a memória visual, a que chamaram de cegueira verbal congênita.

Anos depois, por volta de 1925, começaram algumas pesquisas em Iowa sobre distúrbios de aprendizagem. Foi neste cenário que surgiu o Dr.
Samuel Orton (1878-1948), psiquiatra, neuroanatomista, pioneiro no estudo de dificuldades de aprendizagem. Nesse ano, ao avaliar alguns
alunos que chegavam com rótulo de retardados e falhando em trabalhos escolares, Orton percebeu que eles tinham inteligência média ou acima
da média, o que o levou à hipótese de que esses alunos não conseguiam organização cerebral suficiente para fazer uma ponte entre o visual e
sua forma falada; observou também que muitas daquelas crianças tinham tendência de inverter letras, como se estivessem em frente a um
espelho.

Com base em seus estudos, Samuel Orton definiu pela primeira vez a dislexia (apud Ianhez; Nico, 2002).

É uma dificuldade que ocorre no processo de leitura e escrita, soletração e ortografia; não é uma doença, mas um distúrbio com uma série de
características. Torna se evidente na época da alfabetização, embora alguns sintomas já estejam presentes em fase anteriores; apesar de instrução
convencional adequada à inteligência e oportunidades socioculturais e ausência de distúrbios cognitivos fundamentais, a criança falha no processo
da aquisição da linguagem; a dislexia independe de causas intelectuais emocionais e culturais, é hereditária e com maior incidência em meninos na
proporção de 3 para 1, ou seja a cada três meninos que nascem com dislexia nasce apenas uma menina (Orton, apud Ianhez; Nico, 2002, p. 22).

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Anos mais tarde, outro autor que trouxe considerações importantes foi Myklebust (1910-2008), psicólogo e pesquisador das dificuldades de
aprendizagem. Em 1967, escreveu, em parceria com Doris Johnson, um dos primeiros livros sobre a dificuldade de aprendizagem: Learning
disabilities: educational principles and remedial approaches. Ianhez e Nico (2002) lembram que Myklebust, em 1962, definiu dislexia como

uma desordem de linguagem que impede a aquisição de sentido por intermédio das palavras escritas, por causa de uma deficiência na habilidade
de simbolização. Pode ser endógena ou exógena, congênita ou adquirida. As limitações da linguagem escrita são demonstradas por uma
discrepância entre a aquisição real e a esperada. Essas limitações derivam de disfunções cerebrais manifestadas por perturbações na cognição; não
são, portanto, atribuídas a impedimentos motores, sensoriais, intelectuais ou emocionais, tampouco a ensino inadequado ou falta de oportunidade
(Ianhez; Nico, 2002, p. 22).

Esses autores afirmam que, com o avanço da Neuroanatomia e da Neuropsicologia, em 1994 o comitê da International Dyslexia Association
definiu a dislexia como um distúrbio de aprendizagem, sendo

um distúrbio específico da linguagem de origem constituinte, caracterizado pela dificuldade em decodificar palavras simples. Mostra uma
insuficiência no processo fonológico. Essas dificuldades na decodificação de palavras simples não são esperadas em relação à idade. Apesar de
instrução convencional, adequada à inteligência, oportunidade sociocultural e ausência de distúrbios cognitivos e sensoriais fundamentais, a
criança falha no processo da aquisição da linguagem com frequência, incluídos aí os problemas de leitura, aquisição e capacidade de escrever e
soletrar (International Dyslexia Association, 1994).

Em 2003, a International Dislexia Association reelabora esse conceito, que é adotado pela Associação Brasileira de Dislexia (ABD).

Dislexia é uma dificuldade de aprendizagem de origem neurológica. É caracterizada pela dificuldade da fluência correta na leitura e por dificuldade
na habilidade de decodificação e soletração. Essas dificuldades resultam tipicamente do déficit no componente fonológico da linguagem que é
inesperado em relação a outras habilidades cognitivas consideradas na faixa etária (Rocha et al., 2009, p. 243-4).

Com base na evolução dessas definições, a dislexia tem sido mais conhecida, facilitando a ação do professor no desafio diário em sala de aula.
Contudo, ainda se têm visto casos de crianças disléxicas sendo rejeitadas nas escolas de ensino regular, impedindo assim seu avanço.

Os sintomas podem ser percebidos desde cedo, como atraso na fala ou dificuldade de pedalar um velocípede; porém só se pode formar o
diagnóstico quando a criança chega à alfabetização, em que os sintomas característicos se tornam evidentes. De acordo com Ianhez e Nico
(2002), os sintomas mais comuns são:

desempenho inconstante; demora na aquisição da leitura e da escrita; lentidão nas tarefas de leitura e escrita, mas não nas orais; dificuldade com
os sons das palavras e, consequentemente, com a soletração; escrita incorreta, com trocas, omissões, junções e aglutinações de fonemas;
dificuldade em associar o som ao símbolo; dificuldade com a rima (sons iguais no final das palavras) e aliteração (sons iguais no início das
palavras); discrepância entre as realizações acadêmicas, as habilidades linguísticas e o potencial cognitivo; dificuldade em associações, como, por
exemplo, associar rótulos aos seus produtos; dificuldade para organização sequencial, por exemplo, as letras do alfabeto, os meses do ano,
tabuada etc.; dificuldade em nomear objetos, tarefas etc.; dificuldade em organizar-se no tempo (hora), no espaço (antes e depois), de direção
(direita e esquerda); dificuldade em memorizar números de telefone, mensagens, fazer anotações ou efetuar alguma tarefa que sobrecarregue a
memória imediata; dificuldade em organizar suas tarefas; dificuldades com cálculos mentais; desconforto ao tomar notas e/ou relutância para
escrever; persistência no erro, embora conte com ajuda profissional (Ianhez; Nico, 2002, p. 26-7).

Cada disléxico é único, em cada um os sintomas se manifestam de uma forma, com um conjunto diferente de combinações de sintomas. Cada
disléxico deve ter um planejamento de forma individualizada, para que atenda às suas necessidades específicas. Quando uma criança apresenta
os sintomas citados, é necessário que haja uma investigação junto à equipe multidisciplinar para fazer um diagnostico e começar um trabalho
direcionado. Quanto mais cedo melhor, para que não haja danos quase irreparáveis no seu processo educacional.

Parecia que no dia seguinte nós já deveríamos ler (...). Era finalmente a minha vez (...). Eu me atrapalhei com o livro e não tinha ideia de como atacar
as palavras. Fiquei sentado em silêncio, silêncio este que parecia uma eternidade. Finalmente a professora me disse a primeira palavra, a segunda, a
terceira, a quarta e assim por diante (...). Eu me senti como se fosse culpado, como se eu tivesse feito alguma coisa errada (...). Aquilo me atingiu
profundamente, tirando toda a minha autoconfiança (Bauer, 1996, apud Mousinho, 2010).

Com o aparecimento dos sintomas, a criança não entende por que não aprende como seus colegas, e isso afeta significativamente sua
autoestima. O disléxico processa o pensamento e a consciência fonológica de forma desorientada. Davis (2004, p. 43) mostra que

a desorientação não é nada anormal, mas, sim, um fenômeno comum, sendo uma função natural do cérebro humano. Ocorre geralmente quando
estamos assoberbados por estímulos e quando o cérebro recebe informações conflitantes dos diversos órgãos dos sentidos, tenta relacioná-los e
não consegue. Aí surgem as dificuldades que o disléxico tem.

O olhar docente atento a qualquer manifestação de características de atraso no desenvolvimento permite acionar a família na busca de
investigações pertinentes para cada situação. Muitas vezes a família tem atitude de negação em relação à possibilidade de o filho ter algum
distúrbio ou atraso. É muito difícil aceitar que o filho não é como todos os outros, que terá dificuldades que levará para a vida adulta. Porém não
levar a criança para ter um diagnóstico e posteriormente um acompanhamento é negligenciar suas potencialidades e qualidade de vida. É muito
importante que a família esteja sempre incentivando a criança disléxica. Ao receberem sinais de atitudes que não eram esperadas para a idade,
os pais devem procurar uma equipe multidisciplinar formada de fonoaudiólogo, psicopedagogo e outros profissionais, se for necessário. Eles
farão procedimentos especializados que confirmarão ou não o diagnóstico de dislexia. É a partir daí que o professor poderá, junto à equipe
multidisciplinar, ajudar a criança disléxica a alcançar todo seu potencial e lutar contra suas dificuldades.

Inclusão, escola e a dislexia


Atitudes de rejeição são vistas no cotidiano escolar, ignorando as diferenças dos alunos, como se houvesse homogeneidade. Cada ser humano é
único como uma digital; então como esperar que se possa planejar uma aula pensando apenas no conteúdo e ignorando as necessidades
individuais dos alunos? Esse tipo de aula só aumenta a exclusão e, se o aluno não tem o aproveitamento esperado, logo se diz que tem algum
transtorno.

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O educador deve partir da premissa de que toda pessoa aprende. Isso é um princípio básico para tornar a inclusão uma realidade. É necessário
reconhecer as dificuldades e necessidades e adaptar a metodologia para que haja uma aprendizagem significativa. Segundo a Lei nº 9.394/96, a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), no Art. 13, inciso III, é dever do docente zelar pela aprendizagem de seus alunos. Toda
criança tem direito à educação, e o professor deve garantir que todos tenham as mesmas condições para aprender.
Por muito tempo se achou que o melhor a fazer pelas pessoas com necessidades especiais fosse isolá-las do convívio social e escolar. Por que
uma pessoa deve ser separada da outra só por ser diferente? A Educação Inclusiva traz justamente a ideia de que todos devem aprender juntos e
conviver socialmente.

A escola tem criado um tipo de aluno modelo; e todos têm um tempo determinado para aprender, há fórmulas de ensinar como se todos
aprendessem da mesma maneira, usando critérios de avaliação classificatórios e excludentes. Muitos alunos não conseguem acompanhar todo
esse rigor e essa inflexibilidade. Contudo, esquece-se de que um ser humano é diferente do outro, com individualidades características,
singularidades. Ser diferente é normal. Toda criança é cercada de cultura, princípios e valores, particularidades que a tornam únicas e é isso que a
faz especial.

Para uma inclusão coerente, é necessário que o foco seja a criança e o alvo seja a efetiva aprendizagem do individuo, pois quando se pensa no
aluno e não nas suas limitações se tem preocupação em fazê-lo aprender, respeitando seu tempo e seus limites, considerando seus interesses,
valorizando suas habilidades.

A Declaração de Salamanca defende firmemente a Educação Inclusiva. Foi reafirmado, em 1994 na Espanha, o compromisso com a Educação
para todos, com um olhar especial para as pessoas com necessidades educacionais especiais. De acordo com esse documento, o principio
fundamental da escola inclusiva é que todas as crianças devem aprender juntas, independente de qualquer diferença e dificuldade. E é papel da
escola reconhecer suas necessidades e fazer as adaptações necessárias.

A Declaração de Salamanca apresenta muitas orientações sobre como incluir a criança com necessidade educacional especial, definida por ela
como toda e qualquer criança ou jovem cujas necessidades educacionais especiais se originam em função de deficiência ou dificuldade de
aprendizagem; a Declaração diz que qualquer criança com dificuldade em alguma disciplina tem uma necessidade educacional que deve ser
sanada; afirma ainda que a Pedagogia deve ser centrada na criança e o currículo, adaptado a essa criança – e não o contrário.

Segundo Thomas, Walker e Webb (apud Sanches; Teodoro, 2006) o Center for Studies on Inclusive Education (CSIE) define uma escola inclusiva
como uma escola que não seleciona, não exclui, não rejeita, que é acessível a todos, que pratica a equidade. A escola deve ser um lugar onde a
criança se sinta acolhida.
É importante reafirmar que não existe homogeneidade na escola; todas as crianças são diferentes e é essa diversidade que faz a escola ser uma
experiência tão fantástica.

Incluir é muito mais do que inserir um aluno com necessidades educativas especiais em ensino regular; incluir requer mudança de pensamento,
de metodologias, de atitudes. A Educação Inclusiva é uma educação de qualidade para todos, pois vê cada aluno em suas singularidades,
buscando os melhores caminhos para sua efetiva aprendizagem. Segundo Mantoan (2006 p. 24), o aluno que dela desfruta é uma pessoa
diferente, que não se prende a conceitos pré-moldados, modelos ideais, verdades absolutas. A inclusão desconstrói para construir. Desconstrói
princípios errados que levam as pessoas a achar que são melhores que as outras, a pensar que o lugar da criança especial não é junto dela.
Constrói princípios de igualdade, de que não tem problema ser diferente porque não existe ninguém igual; a inclusão valoriza as diferenças.

O disléxico é diferente, como tantas crianças com necessidades educativas especiais, e precisa de atenção especial. Requer que o professor pense
em suas dificuldades ao planejar uma aula. Ao fazer isso, não só ele será beneficiado.

Na Educação Inclusiva, a equipe é a chave do processo. Toda escola precisa estar atenta às necessidades específicas e adequar espaço, tempo e
dinâmicas às exigências de cada situação. Nesse processo, a ação docente é primordial nos quesitos acolhida, aprendizagem e planejamento,
pois todos os dias convive com os alunos, percebendo suas dificuldades, conhecendo suas singularidades. O docente percebe os sinais de atraso
no desenvolvimento, é quem alerta os pais e, após o diagnóstico, é quem vai fazer toda a diferença na vida da criança.

Um professor que ama educar, que acredita em seus alunos, é um ser tão ímpar que é capaz de deixar sua marca por onde passar. Rubem Alves
(1980), em seu livro Conversas com quem gosta de ensinar, comparou o educador a uma árvore chamada jequitibá. Essa árvore é forte, tem raízes
profundas, uma história a contar. De igual modo é o educador que não se dobra diante dos desafios, que vê sua profissão como um dom. Há
também, segundo ele, o professor que é comparado ao eucalipto, “enfileirado, em permanente posição de sentido, preparado para o corte”, que
ainda pensa suas aulas como sistema de organização para resultados eficazes.

O verdadeiro educador tem compromisso com a educação, orienta o conhecimento, usa criatividade e, apesar do pouco ou nenhum recurso,
busca proporcionar uma aula de qualidade. Procura potencializar a habilidade de seus alunos e pratica verdadeiramente a inclusão. Sabe da
importância de ressaltar e reafirmar valores como respeito ao próximo e companheirismo, desenvolvendo por meio de seus alunos uma
sociedade melhor. O professor precisa ser visto por seus alunos como um auxiliador no processo de aprendizagem, fazendo-os pessoas críticas,
que não se conformam com o mundo da forma como está e que procuram ser um pouco da mudança que eles querem ver no mundo.

Para a inclusão acontecer, devem ser considerados alguns pontos que vão ao encontro do exercício do professor. Segundo Sampaio e Sampaio
(2009), o docente deve olhar para a singularidade de seus alunos, respeitando o modo e o tempo como aprendem. Para obter sucesso nesse
desafio, o professor precisa confiar no potencial de seus alunos. O diagnóstico não pode ser um ponto final na história de ninguém. Na verdade
ele é o caminho, o mapa para achar o tesouro. É por meio dele que se procura o trajeto certo a ser percorrido. Quando se tem conhecimento das
necessidades especiais do aluno, é possível traçar as adaptações necessárias para ampliar aprendizagens de forma significativa.

Possíveis abordagens pedagógicas em quadros de dislexia


O disléxico é um individuo com especificidades no processo de aquisição da habilidade de ler; sendo assim, modificações metodológicas se
fazem necessárias. É relevante lembrar que toda modificação e adaptação feita não tem por objetivo privilegiar o disléxico, mas propiciar-lhe
todas as oportunidades que lhe são de direito.

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Há muito tempo vêm sendo pensados e pesquisados métodos mais eficazes de fazer o disléxico aprender a ler e escrever. Em 1920, Dr. Samuel
Orton desenvolveu, durante um trabalho com alunos em Iowa, EUA, uma abordagem que tinha como principais objetivos ensinar consciência
fonêmica, fonética e o desenvolvimento do vocabulário. Chamou para compor sua equipe de pesquisa Anna Gillingham, professora e psicóloga.
Essa abordagem procura ensinar de forma multissensorial para fixar o conhecimento recém-adquirido; também é sistêmico e sequencial. A essa
abordagem deu-se o nome de Orton-Gillingham. Desde então, pesquisadores vêm aprimorando essa técnica, introduzindo as tecnologias
existentes; com isso, dia após dia, aumentam os meios de abordagem pedagógica com relação à dislexia.

Luczinski (2012 p. 107) afirma que atualmente há um método que se mostrou eficaz chamado Panlexia; ele

acrescenta ao método Orton-Gillingham, princípios da Linguística Estruturada do Dr. Leonard Bloomfield, linguista, PhD que formulou o conceito
que diz: “seria melhor ensinar leitura a estudantes disléxicos através da introdução de elementos consistentes do idioma escrito, primeiramente, e
só então, depois de estabelecidas essas conexões, ir acrescentando de modo progressivo os padrões menos comuns de soletração”.

A Panlexia tem por característica ser multissensorial, pois usa todos os sentidos para melhorar a memória e o aprendizado; a leitura e a escrita
são ensinadas ao mesmo tempo. O ensino é sequencial e cumulativo; assim, o conteúdo aprendido encontra uma âncora que é um
conhecimento anterior, fazendo ligações entre um conhecimento e outro. Segundo Luczinski (2012), aprende-se ligando o novo ao velho. Outra
característica é que o foco está nas necessidades individuais do aluno disléxico. O professor prepara sua aula adaptando-a ao disléxico. É
também respeitado o tempo de aprendizagem da criança.

Existem diversas maneiras práticas de melhorar o desempenho do aluno disléxico e é muito importante que o professor tenha conhecimento
delas. A dislexia afeta memória, organização, concentração; quando se entende onde estão as dificuldades, fica possível ajudá-los a construir o
conhecimento e usar suas habilidades a seu favor. Algumas abordagens pedagógicas são muito úteis no dia a dia em sala de aula:

A rotina é essencial na vida do disléxico, por causa da sua dificuldade de organização. A organização das atividades do dia, o fato de a
criança saber o que vem a seguir, lhe dá confiança e a faz estar mais segura para aprender.
Dividir as atividades em passos menores ajuda o disléxico a compreender o que está sendo pedido. O professor precisa ser sempre claro e
objetivo, dando exemplos e sanando suas dúvidas sempre que houver.
Deve-se ensinar sem presumir que ele já tem conhecimento prévio sobre o assunto. Portanto, fazer uma avaliação diagnóstica para saber
quais são as habilidades já fixadas se torna um passo importante. A partir dessa avaliação, o professor poderá identificar onde existem
lacunas que não foram preenchidas ou aprendizagens mal construídas.
Cada criança tem um ritmo de aprendizagem que deve ser respeitado, evitando todo tipo de pressão e competição.
A utilização de recursos como jogos que exercitem a memorização e a concentração é muito válida.
Por ter dificuldade de se concentrar, o tempo se torna um inimigo. O disléxico precisa de mais tempo para realizar atividades e provas.
Fazer esquemas ou pequenos resumos para a criança estudar ajuda na memorização do conteúdo.
Permitir o uso de calculadora, tabuada, gravador.
Evitar questões muito grandes, textos extensos para que a criança não se perca e não consiga responder à questão, mesmo dominando o
conteúdo.
O disléxico geralmente tem baixa autoestima; o professor precisa encorajá-lo, mostrando que ele tem muitas habilidades, sempre
valorizando seu esforço.
Certificar de que a criança fez as anotações necessárias, dando-lhe tempo para copiar todo o conteúdo.

Essas são algumas ações que farão toda a diferença no cotidiano escolar do aluno disléxico. Ele tem algumas limitações que com medidas
simples podem ser amenizadas. É essencial que se ensine do jeito que o aluno aprenda, mesmo que para isso seja necessária uma série de
modificações no planejamento e na didática.

Mousinho (2010 p. 13) lembra que “parece bastante injusto julgar alguém justamente por seu ponto fraco, sem espaço para mostrar seu
potencial”. Sendo assim, a prática pedagógica deve considerar processos avaliativos que contemplem as especificações da dislexia. Atividades
devem conter questões simples e diretas, utilizando gráficos, desenhos que possam proporcionar relações com conceitos já assimilados. Quanto
mais texto, mais confusa a criança ficará. Atividades orais sempre mostrarão o real conhecimento construído, pois ela nem sempre conseguirá
transcrever para o papel o que pensa. É importante que se leiam as atividades em voz alta, verificando se as questões foram entendidas, evitando
questões que precisem de memorização, como datas, nomes. Quando terminada a avaliação, corrigir com a criança, permitindo que ela explique
o que quis dizer nas respostas, e nunca corrigir a prova fazendo anotações que exponham seus pontos fracos. Cada disléxico é único, com
características diferentes, que devem ser valorizadas. Por isso, cada um responde às intervenções de maneiras diferentes. Esse trabalho é
ininterrupto e cheio de altos e baixos, mas a recompensa vem quando se percebe que os frutos do que se plantou começaram a aparecer.

Considerações
A dislexia é assunto que motivou inúmeras pesquisas e estudos, principalmente internacionais, revelando uma necessidade e uma realidade no
contexto escolar, porém esse conhecimento parece ignorado nas escolas. O disléxico é um aluno que precisa de atenção e disposição do
professor de fazer as mudanças necessárias para que ele possa de fato aprender. Têm-se excluído pessoas com habilidades geniais porque elas
não se enquadram nos moldes ultrapassados do sistema escolar. Nenhuma criança é igual à outra e não seria diferente no processo de
aprendizagem. Cada uma tem seu tempo e modo que proporciona melhor aprendizagem.

Este estudo procurou mostrar que é necessário que se inclua o disléxico, que ele deve ser visto como uma criança com limitações, mas não
impossibilidades, e que com as adaptações e modificações necessárias ele poderá ser tão genial quanto alguém não disléxico. Albert Einstein,
disléxico, disse que somos todos geniais, mas se você julgar um peixe por sua capacidade de subir em árvores ele passará sua vida inteira
acreditando ser estúpido. O educador precisa acreditar no potencial de seus alunos.

O professor é uma figura muito importante na vida do disléxico. Ele é capaz deixar marcas para sempre. O docente inclusivo não é travado pelo
diagnóstico, pelas inúmeras impossibilidades; ele é impulsionado pelas muitas possibilidades que cada criança traz. Ser inclusivo é respeitar os
direitos da criança de aprender, de conviver com outras crianças, é permitir que ela possa mostrar todo seu talento. É valorizar o potencial
incrível que cada um tem dentro de si.

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O disléxico não pode ser visto pela ótica dos rótulos criados pela sociedade. Ele possui muitas habilidades que ficam escondidas em meio a
tantas dificuldades. O disléxico é extremante criativo, tem imaginação muito fértil, raciocínio rápido, é bom para compreender histórias contadas.
Tudo na vida depende do ângulo pelo qual se olha. Dislexia não é uma prisão, é um conjunto de possibilidades incríveis que, se vistas assim,
construirão grandes personalidades.

Referências
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BRASIL. Plano Nacional de Educação n° 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Diário Oficial da União, 10 de janeiro de 2001. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm. Acesso em: 30 nov. 2015.

______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, 23 de dezembro de 1996.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em: 30 nov. 2015.

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Disponível em: http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rleducacao/article/view/691. Acesso em: 30 nov. 2015.

Publicado em 12 de novembro de 2019

Como citar este artigo (ABNT)


CARDOSO, Marcélia Amorim; FREITAS, Ana Carolina Abi-Chacra de Campos. Dislexia: apontamentos e reflexões. Revista Educação Pública, v. 19, nº 29, 12 de
novembro de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/29/dislexia-apontamentos-e-reflexoes

Creative Commons - Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional (CC BY-NC 4.0)

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