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em voz alta que havia encontrado o que estava procurando, pois
continuou exclamando, eureca, eureca (encontrei, encontrei)!”
Muitas vezes Arquimedes passava anos até conseguir demonstrar algum te-
orema difícil. Ao expressar as dificuldades que encontrou podemos ver outra
característica sua, a grande perseverança até conseguir alcançar seu objetivo.
Por exemplo, na introdução de Sobre Conóides e Esferóides, afirma, [Arc02,
pág. 99]:
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“Arquimedes escreveu ao rei Hierão, de quem era amigo próximo,
informando que dada uma força, qualquer peso podia ser movido.
E até mesmo se gabou, somos informados, de que se houvesse uma
outra Terra, indo para ela ele poderia mover a nossa Terra. Hierão
ficou admirado e lhe solicitou que demonstrasse isto com uma ex-
periência real, mostrando um grande peso sendo movido por uma
pequena máquina. De acordo com este desejo Arquimedes tomou
um dos navios de carga da frota do rei, o qual não podia ser retirado
das docas exceto com grande esforço e empregando muitos homens.
Além disso, carregou o navio com muitos passageiros e com carga
total. Sentando-se distante do navio, sem fazer esforço, mas apenas
segurando uma polia em suas mãos e movendo as cordas lentamente,
moveu o navio em linha reta, de maneira tão suave e uniforme como
se o navio estivesse no mar.”
Hierão ficou tão admirado com este feito que afirmou: “A partir deste dia
deve-se acreditar em tudo que Arquimedes disser,” [Arc02, pág. xix].
Plutarco continua, [Plu]:
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Marcelo só conseguiu conquistar Siracusa depois de um cerco que durou
três anos. Arquimedes foi morto por um soldado romano em 212 a.C.,
durante a captura da cidade pelos romanos. Marcelo havia dado ordens
expressas de que a vida de Arquimedes devia ser poupada, em
reconhecimento ao gênio do inimigo que tantas baixas e dificuldades lhe causou
durante esta guerra. Apesar disto, um soldado acabou matando-o enquanto
Arquimedes tentava proteger um diagrama contendo algumas descobertas
matemáticas. A última frase de Arquimedes parece ter sido direcionada a este
soldado: “Fique longe do meu diagrama,” [Dij87, pág. 31]. Plutarco relata três
versões diferentes que ouviu sobre sua morte, [Plu]:
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esfera e VC = πr2 (r/3)
· o volume do cone de altura r e área da base dada
por πr2 . O resultado de Arquimedes é então dado por VE = 4VC = 4(πr3 /3).
A inscrição desejada por Arquimedes em seu túmulo parece estar relacionada a
um corolário que apresentou ao fim desta proposição: “Do que foi demonstrado
segue-se que todo cilindro cuja base é o círculo máximo de uma esfera e cuja
altura é igual ao diâmetro da esfera é 3/2 da esfera, e sua superfície juntamente
com suas bases vale 3/2 da superfície da esfera,” [Arc02, pág. 43].
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Capítulo 2
Obras de Arquimedes
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no manuscrito anterior.
O trabalho Sobre os Corpos Flutuantes só era conhecido até 1906 por uma
tradução para o latim feita por Willen von Mörbeke em 1269 a partir deste se-
gundo manuscrito do século IX ou X. Ele realizou uma tradução para o latim de
todas as obras de Arquimedes a que teve acesso, sendo isto muito importante
para a divulgação de seu trabalho. O manuscrito original contendo a tradu-
ção de Mörbeke foi encontrado novamente em Roma em 1884, encontrando-
se atualmente na Biblioteca do Vaticano.
Arquimedes escrevia no dialeto dórico. Nos manuscritos que sobreviveram
sua linguagem original foi em alguns livros totalmente, em outros parcialmente,
transformada para o dialeto ático comum da Grécia. A partir do século IX
surgiram traduções de algumas obras de Arquimedes para o árabe. As primeiras
traduções para o latim das obras de Arquimedes e de vários cientistas e filósofos
gregos foram feitas a partir dos séculos XII e XIII. A imprensa de
caracteres móveis foi inventada no ocidente por Gutenberg em meados do
século XV. As obras de Arquimedes começaram a ser impressas no século
XVI, a mais antiga sendo de 1503, contendo a Medida do Círculo e a
Quadratura da Parábola. Em 1544 foi impressa a obra Editio Princeps,
contendo a maior parte das obras conhecidas de Arquimedes, em grego e
latim, com exceção de Sobre os Corpos Flutuantes. A invenção da imprensa
deu um grande impulso para a divulgação de suas obras. As primeiras
traduções de algumas obras de Arquimedes para um idioma vivo foram
publicadas em 1667 e 1670 por J. C. Sturm, traduzidas para o alemão. Em
1807 surgiu a primeira tradução para o francês do conjunto de suas obras feita
por F. Peyrard. Em 1897 e em 1912 foi publicada a primeira tradução para o
inglês por T. L. Heath.
Apresentamos aqui as obras de Arquimedes que chegaram até nós, na ordem
em que Heath supõe que foram escritas, [Hea21, págs. 22-23]. Mas existem
muitas controvérsias em relação a este ordenamento. Knorr, por exemplo, coloca
O Método como uma das últimas obras de Arquimedes, [Kno79].
• Sobre o Equilíbrio dos Planos, ou Sobre o Centro de Gravidade das
Figuras Planas. Livro I.
Arquimedes deriva teoricamente usando o método axiomático a lei da ala-
vanca e os centros de gravidade de paralelogramos, triângulos e trapézios.
No Apêndice B ao final deste livro apresentamos uma tradução desta obra.
• Quadratura da Parábola.
Arquimedes encontra a área de um segmento de parábola formado pelo
corte de uma corda qualquer. Proposição 24: “Todo segmento limitado por
uma parábola e por uma corda Qq é igual a quatro terços do triângulo
que tem a mesma base que o segmento e a mesma altura,” [Arc02, pág.
251]. Ele apresenta duas demonstrações para este resultado. Na primeira
faz uma quadratura mecânica, utilizando a lei da alavanca. Na segunda
faz uma quadratura geométrica.
• Sobre o Equilíbrio dos Planos, ou Sobre o Centro de Gravidade das
Figuras Planas. Livro II.
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Arquimedes obtém o centro de gravidade de um segmento de parábola.
• Sobre as Espirais.
Arquimedes define uma espiral através do movimento uniforme de um
ponto ao longo de uma reta que gira com velocidade angular constante no
plano. Estabelece as propriedades fundamentais da espiral relacionando
o comprimento do raio vetor com os ângulos de revolução que geram as
espirais. Apresenta resultados sobre tangentes às espirais. Demonstra
como calcular áreas de partes da espiral. A espiral é utilizada para obter
uma retificação da circunferência.
Como curiosidade citamos aqui as duas primeiras proposições e a
defini- ção principal apresentada por Arquimedes neste trabalho. Esta
espiral é representada hoje em dia em coordenadas polares pela relação
ρ = kϕ, onde k é uma constante, ρ é a distância até o eixo z (ou até a
origem considerando o movimento no plano xy) e ϕ é o ângulo do raio
vetor em relação ao eixo x. Nesta representação moderna não aparece o
tempo. Por outro lado, a importância histórica da definição original de
espiral feita por Arquimedes é a introdução do conceito de tempo na
geometria, algo crucial para todo o desenvolvimento posterior da
mecânica clássica:
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“Proposição 2: Se dois pontos sobre linhas diferentes deslocam-
se, respectivamente, ao longo de cada uma delas com uma ve-
locidade uniforme, e se são considerados comprimentos, um em
cada linha, formando pares, tal que cada par seja descrito em
tempos iguais, os comprimentos serão proporcionais,” [Arc02,
pág. 155].
“Definição: Se uma linha reta traçada em um plano gira com
uma velocidade constante ao redor de uma extremidade que
permanece fixa e retorna à posição de onde começou e se, no
mesmo tempo em que a linha gira, um ponto desloca-se com
uma velocidade constante ao longo da linha reta começando
da extremidade que permanece fixa, o ponto vai descrever
uma espiral no plano,” [Arc02, pág. 165].
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“Proposição 7: Um sólido mais pesado do que um fluido descerá,
se colocado nele, ao fundo do fluido, e o sólido será, quando
pesado no fluido, mais leve do que seu peso real pelo peso do
fluido deslocado,” traduzido em [Ass96].
• Medida do Círculo.
Este trabalho não chegou em sua forma original até nós sendo, prova-
velmente, apenas um fragmento de um trabalho maior. Arquimedes de-
monstra que a área do círculo é igual à área do triângulo retângulo
tendo por catetos o raio e a circunferência retificada: “Proposição 1: A
área de qualquer círculo é igual a um triângulo retângulo no qual um
dos lados ao redor do ângulo reto é igual ao raio, e o outro [lado é igual]
à circunfe- rência do círculo,” [Arc02, pág. 91]. Em notação moderna
este resultado pode ser expresso da seguinte maneira. Se chamamos de
AC à área do círculo de raio r tendo circunferência C = 2πr, e se
chamamos de AT à
área do triângulo descrito por Arquimedes (dada por sua base vezes sua
altura dividido por 2), então AC = AT = r · C/2 = πr 2.
Arquimedes mostra ainda que o valor exato de π situa-se entre 3 71 10
≈
3, 1408 e 3 7 ≈ 3, 1429. Obteve este resultado circunscrevendo e inscre-
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• O Contador de Areia.
Arquimedes lida com o problema de contar os grãos de areia contidos
na esfera das estrelas fixas, usando resultados de Eudoxo, de seu pai
Fídias e de Aristarco. Propõe um sistema numérico capaz de expressar
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números até o equivalente moderno de 8 × 1063. É neste trabalho que
Arquimedes
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menciona que a adição das ordens dos números (o equivalente de seus ex-
poentes quando a base é 108) corresponde a achar o produto dos números.
Este é o princípio que levou à invenção dos logaritmos, muitos séculos
depois.
É também neste trabalho que Arquimedes menciona o sistema heliocên-
trico de Aristarco de Samos (c. 310-230 a.C.). O trabalho de Aristarco
descrevendo seu sistema heliocêntrico não chegou aos nossos dias. Por
isto apresentamos aqui a introdução ao Contador de Areia de Arquime-
des. Esta introdução é o testemunho mais antigo e mais importante da
existência de um sistema heliocêntrico na antiguidade. Devido à sua idéia
extremamente importante, Aristarco é chamado hoje em dia de o Copér-
nico da antiguidade (embora o mais correto fosse chamar Copérnico de
o Aristarco da modernidade). No final da introdução Arquimedes refere-
se a um trabalho de nome Princípios, sendo provavelmente o título do
seu trabalho contendo um sistema de numeração que havia enviado a
Zeuxi- pus, citado na própria introdução. Este trabalho está perdido
atualmente. Vamos ao texto de Arquimedes, [Dij87, págs. 362-363] e
[Arc02, págs. 221-222]:
Além destes trabalhos, sabe-se ainda que Arquimedes escreveu outras obras
que atualmente existem apenas em fragmentos ou menções sobre elas
escritas por outros autores. Estas obras são as seguintes (títulos ou assuntos
de que tratam):
• Livro das Colunas ou Livro dos Suportes. (De acordo com Heron, Arqui-
medes tratou aqui de corpos apoiados em duas ou mais colunas e resolveu
o problema de saber qual parte do peso total do corpo é suportada em
cada pilar.)
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• Sobre Balanças ou Sobre Alavancas. (Sobre o CG e a lei da alavanca.)
• Sobre Triângulos.
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a Constantinopla e examinou o manuscrito por duas vezes, em 1906 e 1908.
Felizmente o texto original não tinha sido totalmente apagado com sucesso e
Heiberg conseguiu ler a maior parte com o auxílio de lupas e fotografias. O
manuscrito continha 185 folhas com obras de Arquimedes em grego. Além
dos textos já conhecidos, continha três tesouros: (I) Fragmentos do
Stomachion, (II) A única versão ainda existente em grego de partes
importantes da obra Sobre os Corpos Flutuantes. Anteriormente só se
conhecia a tradução para o latim feita por Willem von Mörbeke em 1269 a
partir de um outro manuscrito grego atualmente perdido. (III) A maior parte
do trabalho O Método de Arquimedes! Uma obra que estava perdida por dois
mil anos (o último a estudá-la parece ter sido Theodosius), não se
conhecendo nem mesmo seu conteúdo, surgiu de repente ampliando
enormemente nosso conhecimento sobre Arquimedes. Até os comentários de
Theodosius sobre esta obra não são conhecidos. Este manuscrito continha as
seguintes obras, nesta ordem: a segunda parte de Sobre o Equilíbrio dos Planos,
Sobre os Corpos Flutuantes, O Método, Sobre as Espirais, Sobre a Esfera e o
Cilindro, Medida do Círculo, e Stomachion.
Em 1907 Heiberg publicou o texto da obra O Método em grego e uma
tradu- ção para o alemão, com comentários de Zeuthen. Em 1912 Heath
publicou um complemento à sua tradução para o inglês das obras completas de
Arquimedes, incluindo agora O Método. Entre 1910 e 1915 Heiberg publicou
uma segunda edição das obras completas de Arquimedes, em grego e latim,
em três volumes. Esta segunda edição é bem melhor do que a primeira e foi
reeditada em 1972, [Hei15]. A descoberta de Heiberg foi manchete do New
York Times em 1907.
Mas a história não termina aqui. No período entre 1908 e 1930 o manuscrito
desaparece, acreditando-se que tenha sido roubado. Ao redor de 1930 um cole-
cionador de antiguidades francês compra o manuscrito, sem o conhecimento do
mundo exterior. Em 1991 a família deste francês coloca o manuscrito para
ser leiloado e só então todos ficam sabendo que se tratava do manuscrito
descoberto por Heiberg em 1906 e que se considerava novamente perdido. Em
1998 ele foi leiloado pela Christie’s, em Nova York. Foi comprado por cerca de
2 milhões de dólares por um bilionário anônimo e emprestado para o Walters
Arts Gallery, de Baltimore, EUA. Um grupo de eruditos, dirigido por Nigel
Wilson e Reviel Netz, da Universidade de Stanford, está trabalhando para a
restauração, digi- talização e publicação do manuscrito, que contém a única
cópia existente de O Método, um trabalho que se considerava perdido por
aproximadamente 2.000 anos!
A importância deste trabalho é que ele contém praticamente o único relato
de um matemático da antiguidade apresentando o método que o levou à
desco- berta dos seus teoremas. Em todos os outros trabalhos só temos os
teoremas apresentados em sua forma final, deduzidos com rigor lógico e com
demonstra- ções cientificamente precisas, a partir de axiomas e de outros
teoremas, sem que se saiba qual foi o caminho ou a intuição que levou ao
resultado final. O Método alterou tudo isto. Neste caso Arquimedes apresenta o
caminho que utilizou para chegar a diversos resultados importantes e difíceis de
quadratura e de cubatura (obtenção de áreas e de volumes por integração),
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assim como ao centro de gra- vidade de diversas figuras geométricas. Nada
melhor agora do que dar a palavra
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a Arquimedes na descrição do seu trabalho, [Arc02, Suplemento, págs. 12-14]:
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final do livro, apresentarei as [demonstrações] geométricas [das pro- posições]...
[Apresento as seguintes proposições que usarei ao longo do trabalho.] (...)”
Após esta introdução sobre a vida e a obra de Arquimedes, descreveremos agora diversas
experiências que levam a uma definição conceitual precisa do que vem a ser este famoso centro
de gravidade dos corpos.
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