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Ferreira Reis1
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Psicóloga e Terapeuta Cognitivo Comportamental. Mestra e Doutora em Família pela
Universidade Católica do Salvador (Ucsal). Pesquisadora e membro do grupo de Pesquisa
Fabep (Família, Autobiografia e Poética) na Ucsal.
comercialização dos objetos de cerâmica e em outros locais do município a
principal renda vem da agricultura permanente (castanha de caju, piaçava,
banana, cacau, coco-da-baia, dendê, laranja e maracujá) e cultura temporária
(amendoim, cana-de-açúcar, feijão, mandioca e milho) e pecuária (AVELINO,
2011).
Ainda que pobre socioeconomicamente, a região de Maragogipinho
caracteriza-se por ter uma rica paisagem composta de mata e rio. Lá
encontramos um resquício de mata atlântica e manguezal de uma acolhedora
beleza natural, além de algumas nascentes de água doce, que até a década de
1990 eram as únicas formas de acesso à água que as famílias tinham para o
consumo próprio. Na entrada do distrito já é possível perceber o papel
desempenhado pela arte da cerâmica.
Estou no ano 2018, desço a rua principal, atravesso o largo terreno em
frente à velha igreja (Matriz Nossa Senhora da Conceição) e enveredando por
uma ladeira que se alonga até a beira do rio, chego ao antigo porto. Ali é que
tudo se modifica e o quadro se enriquece ainda mais com a atividade dos
moradores, o verde da paisagem, as águas turvas do rio contrastando com o
azul do céu e a monocromia da louça de barro a secar ao sol ou a policromia
de algumas peças que ficam disponíveis para a comercialização nas prateleiras
das diversas olarias-lojas. São dezenas de olarias que se encontram neste
espaço, tanto à direita quanto à esquerda da praça central. Sigo pelas margens
do lado direito do rio até o último pedaço de terra, contei mais de duzentas
olarias. Ao entrar no interior de uma dessas olarias percebo que o ambiente é
sombrio, mal entra uma pontinha de sol pelas aberturas das paredes de
estacas. Observo um oleiro que trabalha num torno.
Oleiro é geralmente o nome dado ao artesão que trabalha na olaria e
significa fabricante de panelas, pratos e outros vasos de barro. A palavra
hebraica para oleiro yoh·tsér significa literalmente formador ou “aquele que
forma ou molda”, ao passo que o termo grego ke·ra·meús vem duma raiz
morfológica que significa “misturar”, talvez referindo- se à necessidade de
misturar água com o barro a fim de prepará-la para uso (ZUZINS, 1992).
De acordo Zuzins (1992, p. 127), o torno era uma primitiva roda de
oleiro, geralmente feita de pedra (embora, às vezes, de madeira) e era,
basicamente, um disco achatado centralizado num eixo vertical e que se fazia
girar horizontalmente: “material pesado em sua borda dava estabilidade e
impulso ao disco à medida que era girado a mão”. A adição posterior de uma
roda inferior maior e mais pesada (no mesmo eixo que a roda de cima e que
também girava horizontalmente) habilitava o oleiro sentado a fazer girar as
rodas com o pé.
Ainda na olaria observei num canto, ao fundo, dois homens amassando
o barro. Uma criancinha os observava também, enquanto outros homens
modelavam os “caxixis” (miniaturas de peças maiores). Num outro canto, uma
jovem burnia algumas peças num trabalho solitário. Lá fora, dois jovens
transportavam algumas peças num carrinho de mão. Na porta de outra olaria-
loja, duas mulheres burniam peças de barro sentadas no batente (soleira) da
porta, enquanto outra pintava algumas namoradeiras denominadas “africanas”.
Ao me retirar de lá, passei por um grande forno disposto no lado de fora
situado entre três olarias. Aproximei-me e pude observá-lo melhor: é do tipo
conhecido como forno de capela – alto e abobadado, com uma fornalha no
plano inferior, separada da câmara de cozimento por uma grade revestida de
tijolos; o enchimento com lenha e madeira virgem se faz por abertura na
parede fronteira que é recomposta no processo da queima. De acordo com
Pereira (1957, p. 55) “é um tipo de forno mais avançado do que aqueles
encontrados no sertão”. O autor provavelmente faz referência à forma em que
os artesãos que habitavam o sertão da Bahia realizavam a queima dos objetos
de barro, pois não utilizavam o forno.
Retorno à ladeira que chega ao cais, de volta ao centro do Distrito,
caminho por algumas ruas, todas pavimentadas com pedras de
paralelepípedos tão comuns em cidades interioranas. Passo pela praça, a tarde
já se finda, observo o movimento de crianças voltando da escola; algumas
mulheres sentadas às portas das suas casas, umas conversam outras estão
ainda burnindo as peças.
Em algumas janelas, veem-se objetos de barro; inicia-se também um
pouco de movimento nos mercadinhos, que não são muitos; a única farmácia,
não tem mais de seis meses de inaugurada; não há bancos e nem caixas
eletrônicos, mas há uma agência dos Correios; não há nem delegacia e nem
policiamento; também não há nenhuma escola estadual! Desse modo, quando
os jovens precisam cursar o Ensino Médio, precisam ir para as escolas da sede
(Aratuípe) ou para a cidade de Nazaré (conhecida como Nazaré das Farinhas).
A formação dessa comunidade citada se deu muito antes do século XVII,
quando os índios tupinambás (MOTA, 2011) e aimorés (BRASIL, 2017)1
habitavam aquela região, seguidos tempos mais tarde, dos colonos
portugueses e escravos africanos. Pereira, (1957), citando Aguiar (1888),
escreve que Maragogipinho já tinha uma “industriosa povoação, cheia de
olarias”, diz ele: Descendo-se o Rio Nazaré, encontra-se à direita o anal que
conduz ao Rio d´Aldeia, e antes, a industriosa povoação de Maragogipinho,
cheia de olarias, onde se fabricam as melhores vasinhas de barro de nosso
mercado, como sejam: potes, talhas, bilhas, moringas, quartinhas, copos,
panelas, caborés, etc., etc., especialmente as talhas de encomenda, pintadas e
esculpidas, que são verdadeiros primores de arte. Escusa dizer que esse
vasilhame, não vidrado, nos faculta as melhores resfriadeiras naturais até hoje
conhecidas (AGUIAR, 1888, p. 241 apud PEREIRA, 1957, p.57).
As fontes bibliográficas encontradas, como o IBGE Cidades (BRASIL,
2017); Mota, 2011; Pereira, 1957; Ferreira, 1893, bem como a história oral,
apresentam divergências na divulgação das informações: por exemplo, quanto
a questão da(s) etnia(s) indígena(s) que habitava(m) aquela região. Mas é
consenso entre antropólogos e historiadores que os grupos tupinambás e
aimorés (aymoré) eram rivais (SIERINGSEG, 2008; MONTEIRO, 2001).
Portanto, não foi possível a convivência pacífica entre essas duas etnias na
região aqui estudada. A hipótese mais provável é de que os aimorés, mais
antigos na região, foram expulsos pelos tupinambás que habitavam o litoral,
através de confrontos que eram constantes em diversas regiões do Brasil.
Devido, principalmente, ao escasso (ou inacessível) acesso às obras
documentais, alguns pesquisadores (ALVARES, 2015; PINTO NETO, 2008;
BARBOSA, 2003, dentre outros) têm realizado seus estudos a partir de fontes
orais, que representam, segundo Simões (2016, p.20), “um testemunho vivo e
rico de dados”. Esses fatores, por outro lado, têm gerado inúmeras versões
para o surgimento da comunidade.
No entanto, o que há em comum em todas as versões apresentadas,
sejam documentais ou orais, é o trabalho com a cerâmica. As peças de
cerâmicas são produzidas em espaços denominados olarias, que são galpões
erguidos em estrutura de madeira com “paredes” de palha de piaçava (Attalea
Funífera) e troncos de árvores e “teto” coberto com telhas de cerâmicas, e que
foram erguidas, no passado, no braço direito das margens do Rio Jaguaripe.
Esta disposição, segundo oleiros antigos, facilita a iluminação e a circulação de
ar, importante para o processo de secagem da argila. Contudo, atualmente,
outros tipos de construções são encontrados como as de “paredes” feitas de
alvenaria (tijolos ou blocos de cerâmica e cimento) cobertas com telhas de
cerâmica, ou telhas tipo Eternit, ou ainda de laje de cimento.
Mesmo assim, a maior parte das construções encontradas que
apresentam um estilo mais moderno, quando vistas internamente, percebe-se
que as modificações realizadas são mínimas, prevalecendo a estrutura
anteriormente citada (mais antiga). Vale ressaltar que o estilo arquitetônico que
permeia o moderno e o arcaico é o preferido por alguns participantes da minha
pesquisa em Maragogipinho, ainda que os mais jovens apontem as vantagens
do estilo mais moderno:
FIGUEIRA, Divalte G. História. São Paulo: Editora Ática, 2000. (Coleção Novo
Ensino Médio)