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Sustentabilidade e conforto ambiental em edificações


Fonte: Disponível em: http://techne17.pini.com.br/engenharia-civil/162/artigo-sustentabilidade-e-
conforto-ambiental-em-edificacoes-286741-1.aspx. Acesso em 10abr2018.

Atualmente, a maior parte da população humana vive em centros urbanos e passa


período de tempo significativo no interior de edificações, trabalhando, estudando,
divertindo-se ou repousando em condições ambientais não mais só ditadas pelo que
ocorre no exterior dos edifícios. O desenvolvimento tecnológico trouxe informações e
alternativas de construção que permitem criar condições acústicas, térmicas, lumínicas
e de salubridade no interior de recintos que sejam satisfatórias para a grande maioria
das pessoas. Pode-se lançar mão de projetos arquitetônicos inteligentes, usar sistemas
construtivos aprimorados e, até, empregar equipamentos para climatização ambiental.

Foto 1 - Exemplo de escritório com aberturas envidraçadas voltadas para entorno


arborizado que promove sombreamento, reduzindo ganhos de calor pela fachada

A disponibilidade de energia barata, que caracterizou boa parte do século passado,


levou os projetistas a darem menor atenção ao uso de soluções passivas de
climatização e a utilizarem as técnicas e soluções construtivas que levassem à redução
do tempo de execução e à beleza do ambiente construído. Na década de 1990, após as
sucessivas crises energéticas e à tomada de consciência do possível esgotamento da
capacidade do meio ambiente de receber os rejeitos da atividade humana, o conceito
de sustentabilidade começou a ganhar força no setor da construção civil.

No enfoque tripartite da sustentabilidade (ambiental, social e econômico), aplicado à


produção de edifícios, os aspectos de conforto ambiental estão contemplados na
dimensão social. Porém, é direta a sua relação com a dimensão econômica, afinal se
gasta dinheiro com a energia para climatização, iluminação e ventilação artificiais; bem
como com a dimensão ambiental, pois são significativos os impactos decorrentes do
processo de geração dessa energia gasta na climatização e iluminação. Deve-se
produzir uma edificação econômica e ambientalmente correta, com a premissa de que
ela seja confortável.
De nada vale o edifício ser produzido com baixo consumo de água e energia durante a
sua operação, ou mesmo com baixa geração de resíduos durante a fase de obra, se ela
for desconfortável para seus ocupantes, os quais estarão em seu interior, muitas vezes
por décadas. Logicamente, também não é aceitável que se gaste energia
desordenadamente e se gerem montanhas de resíduos para produzir conforto. Nos
países do hemisfério norte, onde o uso de aquecimento artificial é intenso devido ao
inverno rigoroso, ganha destaque a questão da eficiência energética e a decorrente
geração dos gases de efeito estufa oriundos de uma matriz energética fortemente
dependente de combustíveis fósseis.

No Brasil, as ações ligadas à sustentabilidade tiveram início enfocando a redução na


geração de resíduos sólidos, que engloba, basicamente, a fase de obra. A visão mais
adequada é a de enfoque global e equilibrado dos diversos aspectos da
sustentabilidade durante o ciclo de vida do edifício. Essa visão está presente em
sistemáticas de certificação ambiental como, por exemplo, o LEED (Leadership in
Energy and Environmental Design) do USGBC (United States Green Building Council), e
explícita na norma ISO 15.392, publicada em 2008 e específica para o setor de
construção civil.

A sensação de conforto

A sensação de conforto é subjetiva. Isso é reconhecido por todos os organismos de


normalização que tratam do tema. Um exemplo claro é encontrado na definição de
conforto térmico apresentado na norma ASHRAE 55, que estabelece: "Conforto
térmico é aquela condição mental que expressa satisfação com o ambiente
térmico". Sendo, portanto, uma sensação individual, é virtualmente impossível
conseguir condições satisfatórias a todos os ocupantes de um grande ambiente, a
menos que se dê, a cada um, a possibilidade de controlar o microambiente que o
cerca. As normas técnicas que abordam os aspectos de conforto ambiental fornecem
critérios quantitativos para que a grande maioria (pelo menos 80%) dos ocupantes se
sinta em condições satisfatórias de conforto e que a totalidade de pessoas saudáveis
esteja em condições salubres.

Esses critérios são estabelecidos em termos de variáveis ambientais ou de grau de


satisfação dos ocupantes, cabendo aos projetistas desenvolver as soluções técnicas.
No quadro 1 são apresentados exemplos de critérios de conforto ambiental constantes
de normas e legislações nacionais e internacionais. Outros documentos técnicos, como
por exemplo a Norma NBR 15.575, apresentam exigências para os elementos de
vedação, assumindo que uma edificação construída com eles irá resultar em condições
minimamente satisfatórias. Esse enfoque é de mais simples e direita aplicação, porém,
só trará os resultados esperados em condições mais restritas de projeto da edificação.
Ilustrativamente, pode-se citar: isolamento sonoro mínimo de 45 dB para paredes de
geminação de unidades habitacionais; e transmitância térmica máxima de
2,3 W/(m².K) para coberturas de edificações com cores claras situadas nas zonas
bioclimáticas 3 a 6 (ABNT, 2008).

A preocupação com o conforto ambiental na produção de edificações


Condições de conforto satisfatórias são influenciadas diretamente pela fase de projeto
da edificação. Dificilmente, durante a obra, é possível tomar medidas que consigam
surtir efeito melhorando as condições de conforto ambiental. Pelo contrário, falhas de
execução podem prejudicá-las. Um exemplo clássico é a presença de frestas que,
dependendo de sua dimensão, podem reduzir significativamente a isolação sonora. A
abordagem ao tema deve ser iniciada logo nos estudos preliminares, com a definição
da implantação da edificação no terreno e da sua forma. Idealmente, deveria ser
privilegiada a condição de menor exposição ao ruído urbano, aproveitamento de luz
difusa e, nos climas quentes, redução do ganho de calor solar, ou, nos climas frios,
maximização desses ganhos. Nos grandes centros urbanos, onde a disponibilidade de
terrenos é pequena, a possibilidade de se desenvolver essa etapa do projeto de forma
adequada fica reduzida.

Em edifícios de escritórios, com plantas de área extensa e seção quadrada, por


exemplo, cujo ponto central está situado a vários de metros de qualquer fachada, há
pouca disponibilidade de iluminação natural na região central e baixo ou nenhum
contato visual das pessoas com o exterior. Esse fator, aliado ao uso contínuo de
sistemas de iluminação artificial pode causar (conforme pesquisa do NRC do Canadá)
sensação de confinamento aos trabalhadores, resultando em queda de produtividade.
Além disso, o calor gerado nesse núcleo demorará a ser transferido para o exterior da
edificação pelas fachadas, obrigando o uso mais prolongado de sistemas de
climatização tanto ao final do expediente ou previamente ao início do expediente do
dia posterior, de modo que os ocupantes do edifício estejam, durante todo o turno de
trabalho, em condições satisfatórias de conforto térmico.

A retomada do antigo conceito de um átrio central é uma solução para essa questão,
pois além de minimizar e até eliminar os problemas acima citados, ainda permite o uso
de ventilação cruzada nos ambientes.
Atualmente, tem-se dado maior ênfase à definição estética da fachada e do sistema
construtivo. Os edifícios brasileiros, principalmente os comerciais e de escritórios,
estão sendo concebidos, de modo geral, com base em premissas estéticas
internacionais, que se sobrepõem a outros fatores que influenciam a qualidade final da
edificação.

Em muitos casos, já nos estudos preliminares a


volumetria do edifício é desenvolvida visando o
atendimento de padrões estéticos, onde a fachada
envidraçada é definida como solução final para a
envoltória da edificação, independentemente do
clima onde será construída a edificação. Nesse
contexto, os códigos de obras de edificações
estabelecem áreas mínimas nas fachadas, visando
prover luz e ventilação naturais no interior da
edificação. Muitas das exigências apresentadas
nesses documentos foram criadas em uma época em
que os recintos eram muito menores que os atuais e
se buscava obter condições higiênicas mínimas.

O Código de Obras e Edificações da Cidade de São


Paulo (COE, 1992), também não possui exigências
específicas quanto à adequação climática da
envoltória da edificação. Essa legislação apresenta
requisitos referentes ao dimensionamento das Foto 2 - Escritório com fachada
aberturas para iluminação e ventilação natural de totalmente envidraçada com
ambientes e exigências apenas conceituais quanto à vidro de baixa transmissão
isolação térmica da envoltória, sem mencionar, por luminosa
exemplo, a importância da capacidade térmica das
paredes. No caso de escritórios e habitações, a área das aberturas na fachada deve
corresponder a 15% da área do piso do recinto para a iluminação natural e metade
dessa área deve permitir também a ventilação do ambiente. Dependendo da solução
arquitetônica empregada, as aberturas dimensionadas com base nesse critério podem
não prover iluminação natural suficiente no interior da edificação, seja pela dimensão
e profundidade do ambiente em relação à fachada, seja pela utilização de vidros com
baixa transmissão luminosa, comuns em edifícios comerciais.

Esse critério, além de não garantir a presença de luz natural no interior da edificação,
pode ainda demandar áreas envidraçadas acima das recomendadas pela norma
ASHRAE 90, onde o valor de referência para aberturas é de até 40% da área da
fachada. Um edifício comercial, sem átrio central, por exemplo, com pavimento de
seção quadrada, com 45 m de lado e pé-direito de 2,8 m, para atender a esse critério
de iluminação natural há necessidade de aberturas que correspondam a 60% da área
de sua fachada, ou seja, 20% acima dos valores recomendados pela norma ASHRAE 90.

A certificação ambiental de edifícios

Os mecanismos de certificação ambiental, nos moldes do LEED, vêm incentivando


projetistas e construtores a melhorar a qualidade ambiental dos edifícios produzidos
em todo o mundo. No Brasil, a tendência à certificação ambiental de edifícios também
é crescente, no entanto, os métodos de certificação mais utilizados possuem
características e critérios de avaliação adequados ao seu local de origem, podendo não
apresentar resultados relevantes à realidade brasileira. As exigências da Norma
ASHRAE 90, contempladas na certificação LEED, foram desenvolvidas conforme a
realidade dos EUA, onde as questões de conforto ambiental estão diretamente
associadas à redução do consumo de energia com sistemas de climatização, estando,
nesse tópico, o maior potencial de obtenção de pontos técnicos. Assim, os níveis de
conforto térmico, visual e qualidade do ar buscados devem ser conseguidos com o uso
de sistemas de climatização e iluminação de elevado rendimento energético e
adotando-se taxas de renovação de ar que
garantam a pureza do ar.

Isso é também um dos maiores desafios aos


projetistas, pois o pré-requisito de eficiência
energética a ser atendido exige um desempenho
melhor do que o de um edifício de referência com
elevado isolamento térmico e vidros com fatores
solares baixos (menores que 25%), garantindo
condições satisfatórias de conforto, salubres e
homogêneas no interior dos recintos climatizados.
Nesse contexto, é necessário partir-se para
soluções de projeto que, para os padrões atuais
podem ser consideradas não convencionais, tais
como vidros duplos, eletrocrômicos, películas low-
e, e fachadas ventiladas. A demonstração da
eficácia dessas soluções pode ser feita com base
em simulações computacionais, as quais permitem
verificar, também, qual o melhor sistema
construtivo, o efeito de aprimoramentos na
geometria do edifício, como sua forma, tamanho e Foto 3 - Exemplo de escritório
posicionamento de aberturas, soluções referentes com sombreamento com brise de
ao aproveitamento da iluminação natural madeira e presença de vegetação
associada à artificial, resfriamento geotérmico,
"tetos verdes", entre outros.
A experiência do IPT de mais de 25 anos utilizando programas de simulação global do
comportamento energético de edificações, como o EnergyPlus, permite afirmar que
ganhos significativos podem ser conseguidos se essa ferramenta for utilizada ainda nas
fases iniciais do processo de projeto e não apenas no seu final, visando demonstrar a
eficácia de uma solução (foto 3). Ressalta-se que, para o devido aproveitamento das
ferramentas de simulação, é necessário pleno domínio da modelagem matemática
utilizada no software e não apenas de sua operação. Aprofundando a análise dos
documentos de certificação, verifica-se que não só a envoltória da edificação deve ter
desempenho diferenciado, mas também os sistemas de climatização.

As especificações da norma ASHRAE 90 para eficiência dos equipamentos são


exigentes e elas representam a base dos pré-requisitos no processo. Associada a essa
situação, no Brasil é necessário que se atenda também às especificações de taxas
mínimas de renovação de ar da Anvisa, ou mesmo da norma ASHRAE 62, que visam
garantir a salubridade do ar interno, porém representam cargas térmicas significativas
nos climatizadores, principalmente em cidades com maior umidade relativa. Assim, é
fundamental a adoção de equipamentos não corriqueiros como os recuperadores de
calor e as rodas entálpicas, além de uma operação racionalizada do sistema. Para a
avaliação da eficácia desses sistemas, também se faz necessário o uso da ferramenta
de simulação computacional.

Considerações finais

Além dos aspectos abordados anteriormente, muitas outras oportunidades de


aprimoramento da sustentabilidade relativas ao conforto ambiental podem ser
citadas, como: o uso da água condensada nos fan-coils nas torres de resfriamento ou
em bacias sanitárias; utilização do ruído do escoamento de ar nos dutos do ar
condicionado para mascarar o ruído de fundo em escritórios panorâmicos; emprego de
brises que funcionem como prateleiras de luz difusa para o interior dos ambientes
pode ser exploradas obtendo-se retorno financeiro do investimento inicial, em prazos
muito menores que a vida útil do edifício.

Projetar de forma sustentável pode representar desde a adoção de pequenos


aprimoramentos nas práticas atuais até a ruptura de paradigmas, repetidos à exaustão
por terem sido criados enfocando, em geral, apenas o custo inicial do
empreendimento. A incorporação plena dos aspectos de sustentabilidade deve ser
feita a partir de premissas interligadas, envolvendo desde os parâmetros estéticos e
técnicos, que atendam ao programa arquitetônico, questões técnicas, executivas e de
desempenho da edificação até a inserção do edifício no contexto urbano. Certamente,
o desenvolvimento de uma edificação com alto desempenho ambiental e estética de
ampla aceitação, não é tarefa plausível para um único projetista, mesmo aliando
ampla bagagem técnica e criatividade privilegiada, mas para equipes multidisciplinares
qualificadas, trabalhando de forma coesa e harmônica.

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