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DOI: 10.21604/2177-8841/moringa.

v6n2p131-140 | E-ISSN 2177 - 8841

TOPORKOV E STANISLAVSKI:
UMA PROFÍCUA RELAÇÃO ENTRE ATOR E
DIRETOR

Toporkov e Stanislavski: a fruitful relationship between


actor and director

1
Ney Piacentini
Universidade de São Paulo - USP

Resumo: Uma sucinta análise do livro Ensaiando com Stanislavski, escrito pelo
ator russo Vasilii O. Toporkov, sobre suas experiências com o diretor do Teatro de
Arte de Moscou. No artigo são extraídos indicativos que consideramos úteis ao
ator contemporâneo, ainda que a referida publicação tenha sido escrita na
primeira metade do século XX.
Palavras-chave: Ator; Stanislavski; Toporkov; Personagem; Ação.

Abstract: A brief analysis of the book Rehearsing with Stanislavski, written by the
Russian actor Vasilii O. Toporkov, about their experiences with the director of the
Moscow Art Theatre. The article extracted indicative that we consider useful to
contemporary actor, even if that publication has been written in the first half of the
twentieth century
Keywords: Actor; Stanislavsky; Toporkov; Character; Action.

1
Doutorando na Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP).
Revista Moringa - Artes do Espetáculo, João Pessoa, UFPB, v. 6 n. 2, jul/dez 2015, p. 131 a 140

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Ney Piacentini

Dos discípulos que conviveram stanislavskiano, visto que este então


com Constantin Sergueievich aprendiz de direção, conta-nos a
Stanislavski e que registraram em respeito da versatilidade de seu
livros seus aprendizados com o mentor interagindo com peças não
criador do Sistema, além de nomes apenas realistas, a exemplo de um
conhecidos como Mikhail Checkov e vaudeville ou melodrama histórico. O
Richard Boleslavski, estudei em ímpeto de Evegni B. Vahktangov,
especial: Maria Ossipovna Knebel, trabalhador incansável em um dos
Nicolai Mikhailovich Gorchakov, estúdios paralelos ao Teatro de Arte
Evegni Bagrationovich Vahktangov e de Moscou, revelou-me uma vida
Vasilii Osipovich Torpokov2. arduamente dedicada ao teatro -
Do que aprendi com esses como ator e encenador – e à
importantes parceiros do líder do pungência com que tratava as
movimento que transformou a questões estéticas, políticas e
atuação em diversas áreas do humanas, fazendo dele um dileto
mundo, o que ressaltou-me de Maria seguidor do grande pedagogo russo,
O. Knebel foi a sua abordagem sobre embora morto precocemente.
a Análise Ativa3, procedimento Contudo, para um intérprete
desenvolvido por Constantin S. teatral como eu, é a leitura de O
Stanislavski e por ela abordado em O teatro de Stanislavski, de Vasilii O.
último Stanislavski. De Nicolai M. Toporkov, o estímulo maior, justo por
Gorchakov, ficou-me, entre outros conter o ponto de vista de um ator
tópicos, alargamento do horizonte que foi regido por Constantin
Sergueievich.
2
Enquanto que M. Kenebel, N. Gorchakov e Passadas seis décadas de sua
V. Toporkov escreveram seus livros sobre C. publicação na Rússia, creio que os
Stanislavski, E. Vahktangov teve
testemunhos de terceiros sobre suas
apontamentos desse livro
atividades de ator e diretor teatral, como os permanecem atuais pela sua clareza
de Gorchakov: Vajtnagov: lecciones de e inteligibilidade. Acessíveis e
regisseur, e E. Vajtangov: teoria y prática
teatral, do espanhol Jorge Saura. aplicáveis, os relatos do convívio
3
entre V. O. Toporkov e Stanislavski
A Análise Ativa, análise em ação, análise elucida, entre outros aspectos de
em pé ou études é um procedimento em que
o diretor conduz os atores à compreensão da igual importância, diversos tópicos
dramaturgia através de improvisações acerca das Ações Físicas, princípio
programadas, de modo a fazer com que o
elenco conheça as ações físicas do texto investigado por mestre russo poucos
teatral, sem a necessidade de memorizá-lo anos antes de sua morte e de
previamente. Isto seria um contracampo do
interesse para a atuação
trabalho de mesa, no qual primeiro a equipe
estuda as ideias e palavras do dramaturgo, contemporânea no Brasil, segundo
para depois começar os trabalhos sobre as uma minha avaliação,
cenas da obra. Consultar o artigo de Elena
Vássina, nessa mesma seção da Revista evidentemente.
Moringa.

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Toporkov e Stanislavski: uma Profícua Relação entre Ator e Diretor

Logo nas duas primeiras Somente ao buscar identificar


páginas, em uma Advertência do seus significados na gama de
autor, Vasilii Osipovich alivia o peso expressões stanislavskianas, eu,
do ofício de ator sobre nossos como pesquisador da atuação, já
ombros ao relatar que tanto ele como estaria bem ocupado, tendo que
Stanislavski passaram por sérias estabelecer as conexões com a
dúvidas a respeito da qualidade de preparação dos meus papeis ou a
seus trabalhos como intérpretes. O revisão daqueles que venho
que me leva a pensar que se o construindo em meu percurso
grande mestre e um de seus atores artístico. É possível ainda extrair
exponenciais tinham seus dilemas, exercícios ao lermos este livro para
porque nós, simples atuantes com reforçar, por exemplo, a escuta
precárias formações, não teríamos atoral.
como suportar as contraposições Ao acompanhar a descrição
artísticas que nos são recorrentes? dos ensaios de Desfalque, de
Algumas ideias frescas sobre Valentin Kataiev, em que Stanislavski
como ensaiar possíveis partes de intervinha junto à equipe do Teatro
uma obra que não só não estão no de Arte de Moscou na cena em que o
texto teatral ou nem mesmo nos protagonista deve espiar pela
esboços do dramaturgo; ou a fechadura de uma porta o que está
sugestão de que se o personagem acontecendo do outro lado da
de uma ator possui ou cuida de um parede, Constantin Sergueievich
objeto em determinada peça, deve sugere que, antes de olhar pelo
conhecê-lo em todos os seus orifício, o ator ouça algo que o leva a
aspectos, para citar apenas dois se curvar para ver com um olho só o
casos, já nos seriam úteis, não que primeiro escutou. Neste
fossem outras tantas possibilidades momento ele finca no elenco que
ofertadas pelo escrito toporkoviano. ouvir é uma ação e que esta é tão ou
Não deixam de chamar a mais importante do que falar,
atenção certas denominações propondo que o ator somente
transpostas das recomendações de procure, como uma experiência,
Stanislavski a Toporkov, como descobrir o que se passa no outro
“minúsculas peripércias da vida de quarto somente através dos sons
seu herói”, ou “linha de que lhe chegam. Tal proveito levou-
preocupações” e “lógico corolário” me a anotar, a lápis, na própria
(Toporkov, pag. 54 e 57)4. página dessa passagem (Toporkov,
p. 59), uma especulação em que um
ator, para exercitar sua audição
4
Na edição que tenho em mãos de El teatro imaginária, procure, solitariamente,
de Stanislavski, da Ediciones del Pueblo, de
Havana- Cuba, não consta o ano da elaborar exclusivamente pelos sinais
publicação.

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sonoros, as hipóteses que seguem: 03


Detecto que nessa sentença o
a) O que poderiam estar pedagogo conduz seu aprendiz a um
fazendo seus vizinhos se você recurso concreto, potencial
morasse em um cortiço: quais os germinador de emoções, uma vez
barulhos ao longo do dia e da noite que se o ator empenhar-se em
que expressam esta ou aquela mapear a província em questão, com
movimentação do outro lado das uma considerável gama de dados e
paredes. informações, é provável que produza
b) Algo de ruidoso está em si as sensações necessárias para
acontecendo na rua que pode afetar envolver-se com o papel. Se isto não
sua rotina doméstica: quais sons for suficiente, poderá ele lançar mão
especificamente lhe perturbariam a de outros referenciais, como uma
ponto de mudar seus hábitos. literatura que contenha similaridades
c) Alguém se esconde em um com a região onde se passa a peça
subterrâneo para se proteger de um ensaiada ou em pinturas que
conflito com armas, para só deixar o revelem os traços dos camponeses
esconderijo depois que que os tiros russos (mujiques) e ainda em
cessarem: seria viável traçar as bibliotecas e arquivos que guardem
sequências sonoras que indicariam a dados censitários que subsidiem a
intensidade e os intervalos da “topografia” requerida. Segundo
artilharia e assim reagir aos distintos nossos indutores, aumentam as
estágios do que se passa na chances da sensibilidade emergir,
superfície. em função do grau de envolvimento
Além da possibilidade de de um intérprete com o ambiente em
outras simulações. Dos mesmos que habita seu papel.
ensaios da obra de Kataiev, retirei o “Com seu Sistema, Stanislavski
ditame do mestre para que Toporkov, libera o ator da penosa preocupação
em dúvida sobre como despertar as por esta arte, elimina sua auto-
emoções de seu papel: admiração diante de seu estado
“Invente a topografia mais psíquico e ensina o caminho
complexa, mais intrincada de toda a verdadeiro e único para a revelação
comarca e trate de explicá-la com o dos sentimentos humanos
máximo de claridade, observando a autênticos, dirigidos à realização do
cada um dos mujiques objetivo cênico, capaz de influir
separadamente e saque da sua efetivamente no companheiro de
cabeça toda a preocupação por seu tarefa.” Afirma Toporkov, embora eu
próprio estado emotivo, por seus relativize o que há de peremptório
próprios sentimentos...” (Toporkov, p. nos vocábulos “verdadeiro e único”,
62). por pensar que existem outras trilhas
para caminhos semelhantes.

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Toporkov e Stanislavski: uma Profícua Relação entre Ator e Diretor

A noção de tempo/ritmo justamente o de entendermos que


igualmente se destaca nas mesmo alguém que não iria entrar
considerações do autor em questão. nos vagões, como um ambulante da
Do que entendi, não é o que se estação, teria seu tempo interno
assemelha a fazer uma cena em modificado pela movimentação geral
harmonia com a pulsação de uma do lugar, a exemplo do que Toporkov
música de fundo ou atuar em nos noticia em uma passagem de
compassos temporais determinados, seu livro. Considero a compreensão
tampouco seguir um metrônomo ou deste componente do Sistema - o
um estalar de dedos de um diretor tempo/ritmo - valorosa, por me
que reclama “ritmo!” de seus pares. proporcionar, na prática, que aquilo
O conceito torna-se nítido que pode estar se passando dentro
quando Stanislavski pede ao seu ator de um personagem venha a ser
que conceba estar com um pedaço distinto do que ele expressa
de pau nas mãos para matar uma externamente.
ratazana que pode sair, a qualquer Ao alcançar um terço do total
momento, de um canto do palco. Ao das páginas da publicação de
aguardar atentamente a saída do Toporkov, deparo-me com uma
animal, Constantin Sergueivich crítica feita por Stanislavski aos seus
demonstra que Toporkov está parado atores que também me atinge. Ela
corporalmente, mas mobilizado aborda o caráter cômico que os
internamente. Sendo assim, o tempo- histriônicos imprimem de saída em
ritmo diz respeito a sustentação de seus personagens. “Sua missão é ir
uma prontidão interna, independente com toda a seriedade possível pela
de externalizações físicas, como no linha da ação transversal; então sua
caso que acabei de descrever, comicidade não será uma palhaçada,
retirado das aulas/ensaios vertidas e sim uma autêntica comicidade de
por Vasilii Osipovich. comédia.”(Toporkov, p. 82) Para
quem já notou que uma risada a
04 mais ou a menos da plateia não é
Em uma oportunidade, lembro- garantia de que somos assertivos
me que Sérgio de Carvalho, o diretor atoralmente, um conselho como esse
da Companhia do Latão (grupo diz muito. Entretanto, é insuficiente
teatral em que atuei), aplicou em perceber que não é a capacidade de
oficinas um exercício, conhecido por provocar sorrisos no público que
muitos conforme vim a saber depois promove um intérprete, mas a
de o praticar, em que tínhamos que superação dos truques cênicos pela
improvisar um grupo de pessoas confiança nas relações propostas
aguardando a partida de um trem pela dramaturgia. Essa equação me
que sairia em quinze minutos, depois remete à afirmação de que o ator
dez, cinco e etc. O intento era

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está a serviço da história a ser visualizações sobre o conteúdo


contada pela obra e não o oposto. daquilo que está impresso em um
roteiro teatral, é muito bem-vindo, de
Ações físicas modo que a oralidade seja um
A partir das análises acerca da derivado daquilo que se veja como
adaptação teatral do romance Almas imagem.
mortas, de Nicolai Gógol, Toporkov Portanto, valiosos são os
inicia o debate sobre as ações apontamentos gerados pelo convívio
físicas, princípio que norteou as de Toporkov junto ao seu mestre,
últimas pesquisas de Stanislavski. como a possibilidade de retirar de
Neste sentido, valoriza-se menos o com quem contracenamos o
texto emitido pelos personagens e referencial imagético que nos
mais o que eles fazem fisicamente, sustenta em cena. E isto se dá de
embora isto seja um meio para um modo simples: pensando no que
melhor compreender as próprias estamos ouvindo dos outros para
palavras, carentes, muitas vezes, da que a escuta engendre as imagens
carga que o texto contém em seu subsequentes à nossa audição. Fiar-
bojo. se em que apenas prestar atenção
no que chega aos nossos ouvidos é
05 suficiente para que ganhe relevo o
As ações físicas, ou painel visual sensório-cognitivo, é
psicofísicas, seriam um meio para abrir espaço para um razoável meio
embasar, simultaneamente, as de combater a falta de imaginação.
frases e as ações de significados De igual peso é a observação
gestuais e simbólicos. “Que sobre o que rodeia o papel ser
nenhuma das tuas palavras soe oco primordial para reagirmos aos
e que teus silêncios nunca resultem estímulos oriundos das coisas que
mudos.”(Toporkov, p. 100) Os compõem um ambiente cênico. O
meandros para tais fins, serão mobiliário, no caso de um cenário
levantados a seguir. composto, ou os elementos de uma
Para mim, que como ator opero cenografia indicativa, são também
mais verbalmente, um dos aspectos úteis ao imaginário.
relevantes do programa Nesta obra de Gógol, quando
stanislavskiano diz respeito à Chichikov entra no gabinete do
projeção mental, - enquanto governador da localidade onde irá
proferimos palavras - de quadros, negociar as almas mortas, ele notará
fotografias, fotogramas, paisagens, o tapete, as cadeiras e a mesa, a
recortes, retratos, desenhos e etc. pintura na parede, os artigos de uso
Tudo o que está a serviço de uma do seu anfitrião e tudo o mais que lhe
imaginação espacial que desonere o proporcionaria conhecer seu
peso das palavras escritas e imprima interlocutor através de suas coisas ,

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Toporkov e Stanislavski: uma Profícua Relação entre Ator e Diretor

não se limitando ao que ele lhe diz. compreensão da lógica sucessão


O comprometimento nervoso advirá dos acontecimentos enredados na
do quão alerta estará o personagem obra.
para com o que se lhe apresenta aos
olhos. Tartufo
Módulo semelhante nos
06 conduz à permuta de estados
O que é bem distinto de um emotivos generalizantes, pelo que
raciocínio técnico, do gênero: “Entrei asseguram-nos a separação de uma
em cena...Vou dar uma pausa e ação em outras menores, estas em
começo a falar...Na deixa eu retruco pormenores até chegarmos às
com tal sentença...”, ou algo partículas gestuais que, segundo as
parecido. Da mesma ordem é o experiências dos artistas russos, são
exame do outro em suas maneiras, propulsoras das emoções.
como se veste, se fala bem Se na introdução do seu livro
naturalmente ou se força a língua, Toporkov indica um mapeamento
para onde aponta seu olhar em nós, geográfico como promotor de um
para disto então escolher com que maior envolvimento racional e
tom a ele nos reportaremos. Esses emocional, enquanto discorria sobre
predicativos são sustentáculos das a peça de Kataiev, vemos, já quando
ações que refletirão nas falas, sem ele se refere aos laboratórios
dúvida. pedagógicos sobre Tartufo, de
“Stanislavski, desde um tempo Moliére, que sua ótica aprofundou-
atrás, intuiu que o segredo do se: do abrangente ela se desloca
domínio do papel baseia-se para os mínimos recortes das ações,
primordialmente no estudo da ação todavia com o mesmo intuito:
física do personagem. Se esta provocar a compreensão e o sensível
resulta correta e interessante, a na representação teatral.
correspondente formulação vocal do O aprimoramento promovido
papel surgirá como uma por Stanislavski, nas experiências
consequência fácil e sobre Moliére, advém do fato que o
natural.”(Toporkov, p. 111) criador do “sistema” optou por “fins
Chega-se, por assim dizer, à puramente didáticos”(Toporkov, p.
inversão de método de trabalho 179), em uma radicalização de suas
anteriormente adotado: prioritário pretensões a serviço da atuação.
passa a ser o entendimento dos atos
e atitudes das figuras concebidas 07
pelo autor e não que o intérprete Por ele ter se desobrigado dos
memorize antecipadamente as resultados, fomos historicamente
sentenças do texto. Troca-se a recompensados pelas suas
capacidade mnemônica pela sondagens. Em meio a malogros,

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nesse processo presenciamos Instaura-se uma atmosfera


Constantin S. convocando seu miraculosa e Kedrov curva-se ao
elenco para que evitassem a solo intensificando o falso misticismo,
verborragia vazia, como na cena em paralisando no ar o gesto de
que Orgon está com o contrato do Toporkov com a bengala erguida.
casamento de sua filha com Tartufo Esse suspenção causada pela
nas mãos. dúvida de Orgon, que já não tinha
O diretor pede aos atores que certeza do charlatanismo de seu
esqueçam a peça e entretenham-se hóspede, caracteriza corporalmente
em uma brincadeira de esconder a a ação física, claramente, a meu ver.
personagem Mariana, assim que seu Porém, nem tudo no livro do
pai entre no quarto com o discípulo de Stanislavski ficou tão
documento. Diante da inércia do compreensível como o que
conjunto, Stanislavski exagera a acabamos de descrever. Há uma
obsessão de Orgon, comparando-a expressão incerta, cujo juízo
com a de um assassino portando demanda novas leituras e
uma faca, o que faz crescer a investigações. Nas entrelinhas do
urgência de todos em tirar a moça último capítulo da publicação,
das vistas do pai. Depois de pinçamos o termo ““medula” da
entrarem no jogo, os intérpretes imagem interior” (Toporkov, p. 221),
perceberam que haviam se envolvido que seria uma alavanca dos demais
tanto na dinâmica que inventaram fatores da interpretação de um
uma série de movimentos e personagem.
possibilidades, as quais já não eram
só teatro, mas “uma ação real e viva, 08
a autêntica atenção, o verdadeiro Pode ser que seja uma
interesse.”(Toporkov, p. 190) –
questão da tradução para o
palavras do mestre.
Esse híbrido de improviso com espanhol, em que me baseei para
o uso dos membros e músculos do escrever este artigo, mas fico
corpo dos atores, encontramos em
devendo um estudo melhor a
uma narrativa sobre quando o
protetor de Tartufo está prestes a respeito desse e de outros pontos do
desmascará-lo, com os intérpretes potente escrito russo.
livremente exercitando-se. Para se
Stanislavski in rehearsal é o
proteger do golpe da bengala de
Orgon (a cargo do ator Toporkov), o título em inglês para o mesmo livro e
ator Kedrov (condutor de Tartufo), Diego Moschkovicht disse-me
grita inesperadamente e chuta, como recentemente que sua tradução para
em um truque de mágica, sem que
Orgon o perceba, o divã a sua frente. o português está para sair no Brasil.

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Toporkov e Stanislavski: uma Profícua Relação entre Ator e Diretor

Aguardemos, se é que quando os


leitores se depararem com essas
linhas, a versão brasileira já não
esteja disponível.

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Referências

GORCHAKOV, Nicolai. Las lecciones de “régisseur” de Stanislavski. Montevidéo:


Ediciones Pueblos Unidos, 1956.

GORCHAKOV, Nicolai. Vajtangov: Lecciones de regisseur. Buenos Aires:


Domingos Cortizo Editor, 1987.

KNEBEL, Maria. El Ùltimo Stanislavsky. Madrid: Editorial Fundamentos. 1999.

KNEBEL, Maria. Poética de la pedagogia teatral. México: Siglo Vinteuno Editores.


1991.

SAURA, Jorge. E. Vajtángov: teoria y práctica teatral. Madrid: Publicación de la


Associación de Directores Escena de Espanha. 2103.

TOPORKOV, V. Osipovich. El teatro de Stanislavsky. Havana: Ediciones del


Pueblo.

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