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Resumo: Abstract:
Este artigo discute possibilidades de explorar This paper discusses possibilities of exploring
representações não convencionais no âmbito unconventional representations within archi-
do projeto arquitetônico, advindas de outros tectural design, which resulted from other fiel-
*Arquiteto e Doutor em Edu- campos de produção artística. Dessa interação ds of artistic production. From this interaction
cação. Professor titular do De-
decorre a transposição de práticas do artista follows the transposition of artistic practices
partamento de Arquitetura da
para as do arquiteto, com o enriquecimento de to those of the architect, thereafter enriching
Universidade Federal do Rio
Grande do Sul e membro do
tais notações no contexto da arquitetura. Ser- such notational systems in the context of ar-
corpo docente permanente do vem de exemplo algumas proposições de Ber- chitecture, as in some propositions of Bernard
Programa de Pesquisa e Pós- nard Tschumi, como as do projeto para o Par- Tschumi, such as the design for the Parc de la
-Graduação em Arquitetura que de La Villette. A partir daí são mostrados Villette. Furthermore, these issues open paths
(PROPAR) da mesma Universi- caminhos para uma investigação destas rela- for an investigation of the relationship betwe-
dade. Bolsista de Produtivida- ções operativas entre a adoção de um sistema en operative choice of notational systems and
de em Pesquisa II, CNPq. notacional e a prefiguração do partido arquite- prefiguration of the architectural parti. The in-
**Arquiteta e Mestre em Poé- tônico. A invenção do arquiteto manifesta-se vention of the architect is reflected both in the
ticas Visuais. Doutoranda do tanto na eleição dos modos de representação choice of modes of representation as in design
Programa de Pesquisa e Pós-
como nas escolhas projetuais. decisions.
-Graduação em Arquitetura
(PROPAR) da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
Palavras-chave: representações, notações, ar- Keywords: representations, notations, architectures.
Bolsista do CNPq (doutorado). quiteturas.
Não há projeto sem representação. Embora se não é possível definir em termos absolutos o que
possa dizer, desde o Renascimento, que a arqui- seria a arquitetura, podemos delimitar com algu-
tetura é cosa mentale (a expressão é atribuída a ma precisão a "família das arquiteturas"1. É claro
Leonardo), no sentido de que ela configura uma que, como em qualquer família, as relações de
proposição concebida na mente do arquiteto, parentesco nem sempre estão claramente pre-
isto é apenas parte da questão. De fato, as cons- sentes, assim como também não sabemos iden-
truções mentais do arquiteto não constituem pro- tificar e nomear todos os membros dessa família,
cessos independentes de uma prática projetual cujos limites confundem-se com outros grupos
cuja meta é inventar artefatos, isto é, objetos que familiares, e assim por diante.
sejam concretizados em um meio físico: docu-
mental, edificado, ou ambos. Portanto, o pensa- A analogia antropológica, por assim dizer, refor-
1.Devemos a Wittgenstein a
mento do arquiteto deixa marcas materiais. Sem ça a importância das marcas fisionômicas que se
introdução do termo “ar de essas marcas, ele não pode ser reconhecido incorporam operativamente à concepção arquite-
família” para identificar um como parte de uma produção de objetos aceitos tônica. No projeto, essas marcas se sistematizam
grupo de proposições “apa-
rentadas” entre si, mas que
como pertencendo ao universo da arquitetura. em sistemas notacionais que constituem a base
escapam a uma definição Este reconhecimento não deriva de uma defini- de sistemas de representação, mais abrangentes,
prévia e global que as iden- ção prévia do que seria "a Arquitetura", mas da capazes veicular uma proposição arquitetônica –
tifique. O “ar de família” não
se define, mas se mostra. Cf.
condição de pertencimento a uma coleção de um modelo – independentemente de sua eventual
Ludwig Wittgenstein, Investi- objetos com atributos genéricos que, convencio- e posterior materialização como lugar edificado. O
gações filosóficas. Petrópo- nalmente, relacionam por semelhança uma plu- modelo é a representação do objeto projetado: ao
lis: Vozes, 1996 (Philosophis-
che untersuchungen, 1958).
ralidade de manifestações individuais. Assim, se inscrever-se em uma base material (o papel, a tela
do computador, a maquete) ganha plena autono- certos resultados mais ou menos esperados, ou
mia como obra documental, ocupando seu lugar mesmo para acolher na feitura da obra o inespe-
na produção arquitetônica ao lado da obra edifi- rado, inserindo-o dentro do sistema de represen-
cada. Nos dois casos nos deparamos com cons- tação e, assim, inventando algo novo, talvez uma
truções de ordem material, embora os meios em- nova notação. Assim, concepção e representa-
pregados difiram, assim como seus significados. ção da obra fazem parte de um mesmo trabalho:
Considerando que a atribuição de significados a não podem ser separadas. O mesmo ocorre nos
um objeto resulta do uso que dele se faz, como croquis do arquiteto, onde mão e mente se igua-
sugerem pensadores tão diversos como Piaget lam na fixação da imagem que conduzirá, mais
e Wittgenstein, por exemplo, é fácil ver como os adiante, a configurações mais complexas, nas
sistemas de representação e de materialização quais intervém progressivamente o rigor técnico.
da obra arquitetônica se complementam e con- As notações assumem primariamente, portanto,
vergem, cada um à sua maneira, para uma com- uma concretude, ligada à própria produção das
preensão do que seja a prática da arquitetura. Em representações. Elas expressam o "modo de fa-
ambos os casos nos deparamos com conjuntos bricação" do artista frente à obra.
de procedimentos que sustentam esta prática.
Na pintura, o registro das notações sobre a tela ela-
Jean Dubuffet, em entrevista concedida cer- bora diretamente o artefato; na arquitetura as nota-
ta vez à Radio France Culture, afirmou que, na ções se prolongam quase indefinidamente na com-
arte, "procede-se por notações" (on procède par posição não de um único objeto, mas de toda uma
notations). Sendo Dubuffet fundamentalmente dispersão de representações que, concretizadas
pintor (com algumas incursões pela escultura), em vários meios, constituem o projeto e definem
podemos imaginar que ele se refere à elabora- simultaneamente regras de construção e visuali-
ção da obra pictórica que resulta da acumula- zação do mesmo. A coordenação dessa multipli-
ção de pinceladas sobre a tela. Cada pincelada cidade de aspectos incide novamente sobre a cosa
é, em sentido lato, uma notação: ela deixa uma mentale, isto é, sobre os esquemas de organização
marca que não é meramente instrumental, mas do espaço concebidos pelo arquiteto (figura 1).
mostra o resultado de uma construção. Nela se
imprime, literalmente, a pressão exercida sobre No contexto do projeto arquitetônico, a obser-
Figura 1 - Jean Dubuffet, Large Black Landscape, 1946 (óleo o pincel, a densidade da tinta, sua textura, a cor, vação de Jean Dubuffet se expande, portanto,
sobre tela, 1551 X 1186 mm). Fonte: Tate collection (www. etc. Tais procedimentos não são mecânicos: eles para abarcar procedimentos que transcendem
tate.org.uk/art/artworks/dubuffet-large-black-landscape-
-t07109). Frank Gehry, Sketch, 1991. Fonte: Arcspace (www.
são guiados por uma intencionalidade que com- a produção imediata, manual, da imagem, mas
arcspace.com/studio/gehry/index.html). bina um grande número de artifícios para atingir sem deixá-la de lado. Trata-se, contudo, de
para explicitá-las, outros layers representacio- Não esqueçamos, com efeito, que o que cha-
nais devem ser a elas superpostos. Abre-se aqui, mamos aqui composição, para seguirmos a
portanto, o campo de investigação do que po- linguagem ordinária, deveria antes, desde o
deríamos chamar, ainda que provisoriamente, de ponto de vista de nossa teoria, ser nomeado re-
coreografias arquitetônicas. Por extensão, o pro- composição: pois quer ele generalize, quer ele
blema das notações aflora novamente, incluindo transforme seu sujeito, o artista o faz substituin-
agora procedimentos que não deslocam aqueles do a realidade por uma maneira de ser mais ou
aos quais já se referia Dubuffet, mas a eles se menos fictícia. (N'oublions pas en effet que ce
superpõem. qu'on appelle ici composition, pour se confor-
mer au langage ordinaire, devroit plutôt, selon
Um empreendimento análogo, de transposição le point de vue de notre théorie, se nommer re-
de sistemas notacionais entre diferentes cam- composition : car soit qu'il généralise, soit qu'il
pos de representação, pode ser encontrado transforme son sujet, l'artiste ne le fait, qu'en
no trabalho de vanguarda de John Cage, coin- substituant une manière d'être plus ou moins
cidentemente músico e artista plástico. Cage fictive à celle de la réalité.) (QUATREMÈRE DE
busca a "espacialização" da composição mu- QUINCY, 1823, pp. 354-355).
sical, vista como a distribuição de fragmentos
sonoros em um espaço virtual que os acolhe Recompor, no caso, implica transformar a realida-
simultaneamente, ora em uníssono, ora em de pela representação. Toda representação é uma
múltipla cacofonia. Nesse sentido, poder-se- ficção, ela nos coloca diante de uma maneira de
-ia dizer que os sons se instalam uns ao lado ver. Desde o ponto de vista propositivo, ela cons-
de outros, em configurações passageiras que titui uma interpretação e comporta, como ressal-
se desfazem e refazem continuamente. Aliás, ta Quatremère, algum grau de ficção, isto é, de
esta mobilidade das configurações caracteri- invenção de algo imaginado, algo que não exis-
za igualmente a composição arquitetônica. Já te, mas que poderia existir. Esta digressão pela
muito antes das experimentações modernis- teoria acadêmica permite trazer para o contexto
tas Quatremère de Quincy, o grande teórico da da produção contemporânea que nela se enraíza
Academia Francesa de Arquitetura, já observa- uma dimensão operativa frequentemente negli-
va no seu Ensaio sobre a Imitação (publicado genciada do papel dos meios de representação
em 1823) que a composição não se esgota em no contexto do projeto arquitetônico. Os "meios"
um momento único de criação, mas implica um não são apenas o registro mecânico de um acú-
laborioso percurso marcado por recomposi- mulo de operações, como se o projeto surgisse
ções sucessivas (op. cit., p. 213). da manipulação abstrata de dados previamente
e reutilização do sítio dos antigos Abatedouros À primeira vista a transposição pareceria quase li-
(Abattoirs) de Paris (em premiação conjunta com teral, mas é mais sutil. Os elementos de Kandinsky
a proposta do grupo OMA, liderado por Rem Ko- coexistem na tela do pintor e compartilham a mesma
olhaas), utiliza avant la lettre uma composição inscrição bidimensional, acomodando-se simultane-
em camadas, ou layers, que antecipa usos que, amente uns aos outros. A versão de Tschumi, embora
a partir daí, serão difundidos pela vulgarização fazendo referência explícita à que a antecede, se ma-
crescente dos programas gráficos digitais. Esta terializa em um espaço virtual que usa as notações
notação em camadas permite, até certo ponto, como pautas complexas de composições congruen-
mostrar a organização simultânea de três matri- tes, porém deslocadas espacial e temporalmente,
zes superpostas e coincidentes, mas indepen- podendo ser trabalhadas em diferentes planos de
dentes desde o ponto de vista figurativo: as su- configuração e programa. Esta versão arquitetônica
perfícies, as linhas, os pontos. É fácil de ver que de uma técnica pictórica abstrata ilustra a estreita re-
Tschumi nos oferece uma versão tridimensional lação que se estabelece entre modo de representa-
dos elementos de composição pictórica abstra- ção e concepção de uma ordem espacial: conjunta-
ta de Kandinsky, publicados em 1926 no seu fa- mente, elas estabelecem o partido. Nesse contexto,
moso estudo Punkt und Linie zu Fläche (Ponto a adoção de determinadas notações assume um ca-
e linha sobre o plano), nono volume da coleção ráter eminentemente propositivo, afastando-se deci-
Bauhaus Bücher, editada por Gropius e Moholy- didamente da ideia de que a representação gráfica
-Nagy (figura 4). seria apenas o registro a posteriori de uma ideia.
A notação assume também um papel referen- que permitem reconhecer, neles, certo "ar de fa-
cial; Tschumi introduz no projeto citações que mília". Nos exemplos aqui trazidos, Kandinsky,
definem imediatamente o pano de fundo contra Cage e Tschumi compartilham, sem dúvida, uma
o qual se monta a composição do Parque. Esta mesma linhagem.
operação é reforçada por uma segunda referên-
cia, extraída igualmente de uma produção artís- Ainda mais do que as composições de Kan-
tica de vanguarda, embora de outro tempo: nos dinsky, o exemplo de Fontana Mix aponta para
deparamos novamente com John Cage quando a dimensão operativa assumida pelos diagra-
notamos que, para compor diagramas ordena- mas superpostos de Tschumi. Em Fontana Mix,
dores do sistema de movimentos de La Villette, Cage constrói igualmente três camadas (essen-
o arquiteto recorre a uma notação similar à em- cialmente, ponto, linha e plano), colocando-as
pregada por Cage em sua obra visual-musical umas sobre as outras como transparências, em
Fontana Mix. Esta, por sua vez, reverbera os uma relação dinâmica que estabelece, no des-
exercícios compositivos conduzidos por Kan- lizamento dos layers, relações indefinidamente
dinsky em sua prática pedagógica na Bauhaus. mutáveis entre os elementos da composição.
As notações, portanto, não apenas remetem Ao contrário da operação de Kandinsky, que
uma determinada composição a referências fi- fixa sobre a tela uma composição visualmente
gurativas e, principalmente, operativas, mas estável, a de Cage – artista plástico e composi-
definem um campo de múltiplas relações defini- tor musical – associa eventos sonoros à varia-
doras de um repertório que seleciona e privile- bilidade das configurações, fazendo correspon-
gia certos modos afins de representação e con- der a certas constelações de pontos diferentes
cepção de configurações espaciais (no caso, tipos de linhas e diferentes posicionamentos
simultaneamente pictóricas e arquitetônicas). sobre o plano. Este, por sua vez, se organiza
Parafraseando Goethe, são essas "afinidades como trama ortogonal, atribuindo a cada evento
eletivas" que sustentam a escolha de um par- uma localização precisa nesse sistema de co-
tido arquitetônico, entre outros tantos partidos ordenadas. Assim, o fluxo das configurações é
possíveis. Ou, ainda, podemos evocar Wittgens- transposto para o contexto sonoro de uma per-
tein quando nos mostra que diferentes "jogos formance musical que se refaz constantemente.
de linguagem", isto é, diferentes esquemas (ou Na transposição efetuada por Tschumi, as pos-
modos) de ação constituídos por proposições e sibilidades de variação configuracional se apli-
práticas, não podem ser diretamente compara- cam às operações projetuais, algo à maneira de
dos fora de um contexto de uso comum a am- Cage, para afinal se estabilizarem na arquitetura
bos, mas em seu conjunto mostram similitudes do projeto (figuras 5 e 6).
funcional, ganhando uma dimensão mais ou me- áveis, mas não aleatórios. A atualização desses
nos performática que potencializa a interação en- percursos, protagonizados por indivíduos ou gru-
tre os protagonistas da arquitetura, isto é, os ato- pos, estende sobre o lugar da intervenção uma
res que personificam tais movimentos, e o quadro rede de movimentos que se entrecruzam, ou que
de referências espaciais em que eles se instalam. correm paralelos, configurando espaços invisíveis
Em segundo lugar, os elementos de arquitetura ao olhar mas presentes na ordem do movimen-
transcendem sua definição clássica como catálo- to. Evocando Tschumi, podemos pressupor que
go de objetos simultaneamente formais e edifica- esta ordem se integra àquilo que entendemos por
tórios (as ordens, por exemplo), para assumirem espaço arquitetônico: um sistema de lugares, ca-
uma qualidade dinâmica que poderíamos identi- minhos e eventos. Os objetos coreográficos são,
ficar com a categoria dos objetos coreográficos nesse contexto, marcos espaciais que mantêm
propostos pelo coreógrafo William Forsythe. sua validade e permanência mesmo na ausência
de um corpo atuante. São dispositivos que quali-
Para Forsythe, um objeto coreográfico serve de ficam movimentos possíveis e, neste sentido, afir-
catalisador de movimentos que associam direta- mam-se como notações tridimensionais, concre-
mente a experiência do uso de um espaço com tizadas em um território que se configura como
os elementos materiais que o constituem. Basica- palco. Nesta situação limite, a notação deixa de
mente, um objeto coreográfico funciona operan- ser um meio de representação para integrar-se à
do diretamente sobre qualidades espaciais que própria materialidade da obra de arquitetura.
possibilitam ações como, por exemplo, ampliar,
concentrar, direcionar ou restringir. Forsythe uti- As considerações acima esboçam um panora-
liza mesas, balões, projeções e as mais diversas ma operativo presente mas pouco explicitado
possibilidades de interferência no espaço, que na prática corrente do projeto de arquitetura. Em
serão experimentadas por seus bailarinos, mas, seu conjunto, esboçam um programa de investi-
além disso, Forsythe expande a ideia de objetos gação: como construir ambientes coreográficos
coreográficos ao ponto de retirá-los do contexto capazes de responder a requerimentos arquite-
original de suas coreografias para então inseri- tônicos imediatos e, simultaneamente, satisfazer
-los autonomamente em espaços públicos. Neste um desígnio abstrato de ordenação de movimen-
caso, é o próprio movimento dos passantes que tos no espaço. Um promissor campo de expe-
se organizará como "dança" urbana, na medida rimentação se abre no âmbito de composições
em que se estabelece entre eles e os objetos espaciais a meio caminho entre cenografia e ar-
coreográficos que os cercam uma inter-relação quitetura, áreas cujas fronteiras não podem ser a
fundada em percursos possíveis, sempre vari- priori delimitadas. Nele, artes visuais e arquitetu-
3.Ateliê mantido com os ar- A partir de 2003 foram concebidos esquemas elementos (colunas, mesas, caixas, paredes)
tistas Marcos Sari, Tiago
Giora, Rommulo; Pinacoteca espaciais — dispondo elementos para balizar, que funcionou como uma espécie de jogo de
Barão de Stanto Ângelo do obstruir ou criar pontos focais no espaço — armar, cuja disposição configurava diversos
Instituto de Artes da UFRGS;
Torreão; Galeria Iberê Ca- posteriormente montados em ateliês, galerias, esquemas espaciais. Definir a posição desses
margo da Usina do Gasôme- pinacotecas e outros espaços de arte 3. Em- elementos e a relação entre eles, ou ainda,
tro; Pinacoteca da Feevale,
entre outras montagens.
bora alguns desses trabalhos demarquem am- a relação entre esses elementos e o espaço
4.Cabe esclarecer um pou- bientes, como as chamadas instalações, delas onde foram inseridos, foi como desenhar o es-
co melhor as denominações
“instalação” e “site specific”.
se diferenciam por seu caráter eminentemente paço in loco, atuando diretamente sobre suas
O termo instalação come- projetual; ainda que todos dialoguem com os propriedades físicas com elementos que, dis-
ça a ser utilizado nos anos
1960 com base nos Merzbau
locais onde são montados (mais intensamen- postos, funcionavam como balizas de uma co-
de Kurt Schwiters (estrutu- te ou menos intensamente) tampouco podem reografia, sugerindo aos observadores possí-
ras construídas ao longo dos
ser considerados site specifics4. Talvez seja veis esquemas de movimento. Estabelecer as
anos 1920/1936 dentro do
apartamento do artista), mas melhor caracterizá-los como "lugares por- distâncias; definir a posição mais à esquerda
tem sido utilizado, nas últimas
táteis", pois podem ser levados de um lugar ou mais à direita, em frente a uma rampa ou
três décadas, de forma muito
geral, reunindo trabalhos com a outro, adaptando-se a novas situações, às em sua adjacência, de forma linear ou disper-
características muito diver-
quais respondem "reprojetando" o espaço em sa, enfim, dispor os elementos no espaço, foi
sas. Já os site specifcs são
trabalhos feitos para um de- nova configuração. São, portanto, montagens uma maneira de exercer uma espécie de con-
terminado lugar e assim, em de caráter transitório que bem poderiam ser trole sobre as qualidades do lugar onde foram
princípio, não se sustentam
quando transpostos para ou- chamadas de "arquiteturas", por remeterem, inseridos e, consequentemente, uma espécie
tros lugares. Os trabalhos em em sua construção, às operações fundamen- de controle sobre os movimentos e percursos
questão, embora constituindo
ambientes, como as instala- tais do projeto arquitetônico, implicando uma ali estabelecidos. Ainda que 'controle' seja
ções, têm características bem capacidade de transformação do lugar em que um termo demasiado "forte", podendo desig-
definidas como dialogar com
o lugar, o que os distancia do se inserem, em sucessivas decomposições e nar uma qualidade indesejada, o uso desse
que mais comumente são as recomposições do dispositivo espacial. Os balizamento — restringindo ou conduzindo,
chamadas instalações. Por
outro lado, os trabalhos dialo- exemplos evidenciam, como na arquitetura, focando ou dispersando — deixou claro que
gam com o lugar mas não são um forte grau de abstração. Nessa direção esses objetos funcionavam como uma nota-
específicos de um dado lugar,
podendo ser transportados e abstrata, a exploração do universo das no- ção espacial, pois os direcionamentos estabe-
remontados em situações di- tações e de possíveis coreografias abriu ca- lecidos por tais objetos no espaço sugeriam
versas. Ver: Enciclopédia Itaú
Cultural - Artes Visuais. Para minho para uma investigação teórico-prática movimentos que poderiam ser repetidos com
maiores esclarecimentos, ver: ora em andamento no Programa de Pesquisa pequenas modificações. Essa notação adqui-
Krauss, Rosalind E. Caminhos
da Escultura Moderna. Martins e Pós-Graduação em Arquitetura da UFRGS. ria, portanto, qualidades operativas que per-
Fontes, 1988. original: Passa- mitiam introduzir uma coreografia no espaço
ges in Modern Sculpture. Mit
Press - 1977 Na prática, foi sendo montado um conjunto de arquitetônico (figuras 10 e 11).
belecer uma relação entre coreografia e desenho CAGE, John. Notations. New York: Something
arquitetônico parece fundamental. Contudo, o Else Press, 1979.
reconhecimento de uma coreografia do espaço
arquitetônico não substitui a ideia de composi- FORSYTHE, William. Choreographic Objects: Es-
ção, na qual se insere. A coreografia afirma, e say . Disponível em: http: // Williamforsythe.de /
torna presente, um patamar da composição ar- essay / html
quitetônica que não é representável pela notação
arquitetônica tradicional (plantas baixas, cortes MANNING, Erin. Propositions for the Verge -
e fachadas). A dimensão coreográfica do projeto William Forsythe's Choreografic Objects. Infle-
arquitetônico pode ser vista, portanto, como uma xion nº 2 "Nexus" (December 2008). Disponível
camada que adensa a composição arquitetôni- em: www.inflexion.org p. 2
ca com a indicação do movimento e a inclusão
do corpo, presença quase sempre evanescente, KANDINSKY, Wassily. Point Ligne Plan. Paris: De-
rápida, ou não percebida. Poderíamos dizer, de noël, 1970.
forma poética, que quanto maior o movimento,
maior o seu desaparecimento. Diante deste dis- QUATREMÈRE DE QUINCY, Antoine Chrysos-
creto mas insistente paradoxo, representação e tôme. De l'imitation. Bruxelles: AAM, 1980. Ed.
concepção arquitetônicas se integram nessa de- fac-simile do original: Essai sur la nature, le but
sejada atribuição de visibilidade ao movimento et les moyens de l'imitation dans les Beaux-
como variável impulsionadora de um conjunto de -arts, Paris, 1823.
operações internalizadas própria ação projetual.
TSCHUMI, Bernard. The Manhattan transcripts.
Referências bibliográficas New York: Architectural Design, 1981.
BLOOMER, Kent; MOORE, Charles. Cuerpo, memo- WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosófi-
ria y arquitectura. Madrid: Hermann Blume, 1982. cas. Petrópolis: Vozes, 1994.