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Programa de Pós-Graduação

em Educação Ambiental 2015

VII ENCONTRO E DIÁLOGOS COM A EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Universidade Federal do
Rio Grande
FURG
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURG

ANAIS DO VII ENCONTRO E DIÁLOGOS COM A EDUCAÇÃO AMBIENTAL


25, 26 e 27 de novembro de 2015

Realização:

Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental – PPGEA


Universidade Federal do Rio Grande – FURG

Rio Grande – RS
2015
Os artigos publicados nos ANAIS DO VII ENCONTRO E DIÁLOGOS COM A EDUCAÇÃO
AMBIENTAL, no que se refere ao conteúdo, correção linguística e estilo, são de inteira
responsabilidade dos respectivos autores(as).

FICHA CATALOGRÁFICA

E56a Encontro e Diálogos com a Educação Ambiental (7. : 2015 : Rio


Grande, RS)
Anais do VII EDEA - Encontro e Diálogos com a Educação
Ambiental : os desafios da Educação Ambiental : quem faz, como, para
quê e para quem? [recurso eletrônico] / VII Encontro e Diálogos com a
Educação Ambiental. - Rio Grande : Ed. da FURG, 2015.
656 p.

Conteúdo: palestras e trabalhos completos.


Evento realizado no período de 25 a 27 de novembro de 2015, na
Universidade Federal do Rio Grande - FURG.
Modo de acesso: http://www.educacaoambiental.furg.br/
ISBN 978-85-7566-380-6

1. Educação 2. Educação ambiental I. Título.

CDU 504:37

Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Cibele V. Dziekaniak CRB 10/1385


FICHA TÉCNICA

Comissão Organizadora
CARLA VALERIA LEONINI CRIVELLARO
ALEXANDRE COUGO DE COUGO CLAUDIA DA SILVA COUSIN
ALEXANDRE MACEDO PEREIRA CLEIVA AGUIAR DE LIMA
ALVARO JAVIER FERNÁNDEZ CASTRO DANIELE SIMÕES BORGES
ANA LOURDES DA SILVA RIBEIRO DIANA PAULA SALOMÃO DE FREITAS
ANDREIA DA COSTA JULIANO DIONE IARA SILVEIRA KITZMANN
ELISABETH BRANDÃO SCHMIDT
ANGELA ADRIANE BERSCH
EUGÊNIA ANTUNES DIAS
CAIO FLORIANO DOS SANTOS FILIPI VIEIRA AMORIM
CAMILA DA SILVA MAGALHÃES GERALDO ANTÔNIO ROSA
CARLOS ROBERTO SILVA MACHADO GREICI BEHLING
CIBELE HAX GONÇALVES HUMBERTO CALLONI
CLEITON LUIZ FREITAS DE OLIVEIRA JACQUELINE CARRILHO EICHENBERGER
CRISTIAN DANILO CERDA CERDA JOANALIRA CORPES MAGALHÃES
JOICE ARAÚJO ESPERANÇA
ELIANE LIMA PISKE
JÚLIA GUIMARÃES NEVES
ERON DA SILVA RODRIGUES LAVÍNIA SCHWANTES
FILIPI VIEIRA AMORIM LEIDY GABRIELA ARIZA ARIZA
GILMAR FREITAS SILVA LISIANE COSTA CLARO
KARINE FERREIRA SANCHEZ LUCIA CECCATO DE LIMA
LEIDY GABRIELA ARIZA ARIZA LUCIARA BILHALVA CORRÊA
LEILA SALLES DA COSTA LUÍS FERNANDO MINASI
MAICON DOURADO BRAVO
LUANA SANTOS DA SILVA MARIA DO CARMO GALIAZZI
MARA KARIDY POLANCO ZULETA NARJARA MENDES GARCIA
MARCIA SOARES DA SILVA NEUSIANE CHAVES DE SOUZA
MARYANNA OLIVEIRA POZENATO PATRICIA MENDES CALIXTO
NARJARA MENDES GARCIA RENATA LOBATO SCHLEE
RAIZZA DA COSTA LOPES RICARDO GAUTERIO CRUZ
ROSSANE VINHAS BIGLIARDI
SAMUEL LOPES PINHEIRO
SÉRGIO RONALDO PINHO JÚNIOR
SERGIO RONALDO PINHO JUNIOR SIMONE GROHS FREIRE
SILVANA CAMPOS SILVEIRA FARIA TAMIRES LOPES PODEWILS
VINÍCIUS RAMOS PUCCINELLI TANISE PAULA NOVELLO
VITOR PEDROSO BRASIL THAÍS DE OLIVEIRA NABAES
WAGNER VALENTE DOS PASSOS THAÍS GUMA PAGEL
VANESSA HERNANDEZ CAPORLINGUA
VERA REJANE COELHO
VITOR HUGO MENDES
Pareceristas ad hoc WAGNER VALENTE DOS PASSOS
WALTER NUNES OLEIRO
ALANA DAS NEVES PEDRUZZI WANDERLEIA DALLA COSTA
ALÉSSIO ALMADA DA COSTA
ALEXANDRE COUGO DE COUGO
ALEXANDRE MACEDO PEREIRA
AMARILDO LUIZ TREVISAN
ANDRÉ LUIS CASTRO DE FREITAS
ÂNGELA ADRIANE SCHMIDT BERSCH
ANTONIO CARLOS PORCIUNCULA SOLER
BÁRBARA HEES GARRÉ
CAIO FLORIANO DOS SANTOS
PROGRAMAÇÃO

TURNO
25/11 26/11 27/11
Local: Auditório da SEaD Local: Prédio 4 Local: Prédio 4
09:00 horas: Credenciamento 08:30 horas: Apresentações de 08:30 horas: Apresentações de
MANHÃ 10:00 horas: Diálogos com o trabalhos. trabalhos.
Uruguai 11:00 horas: Divulgação e
lançamento de livros
Local: Auditório da SEaD Local: Auditório da SEaD Local: Auditório da SEaD
14:00 horas: Solenidade de 13:30 horas: Mesa 2 14:00 horas: Mesa de Síntese
Abertura 16:00 horas: Café e apresentação dos grupos de trabalho.
14:20 horas: Divulgação das cultural 16:00 horas: Leitura da carta
TARDE revistas do PPGEA 16:30 horas: Web do EDEA
14:30 horas: conferência 17:00 horas: Café de
Apresentação Cultural internacional encerramento e apresentação
15:00 horas: Mesa 1 cultural

Local: Prédio das Artes 19:45 horas: Reunião Interna do


18:00 horas: Café PPGEA
18:30 horas: Apresentação cultural
NOITE
19:00 horas: Início das oficinas
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................................................... 9
LA EDUCACIÓN AMBIENTAL Y LA FORMACIÓN DE EDUCADORES AMBIENTALES: ALGUNOS
DESAFÍOS ACTUALES .................................................................................................................................................... 12
LOS DESAFÍOS DE LA EDUCACIÓN AMBIENTAL: QUIÉN, CÓMO, PARA QUÉ Y PARA QUIÉN? ............ 21
"FORMACIÓN DE EDUCADORES AMBIENTALES: PERSPECTIVAS Y DESAFÍOS" ..................................... 29
OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL. QUEM FAZ, COMO E PARA QUE? UM OLHAR
ECOMUNITARISTA ......................................................................................................................................................... 34
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO REVELADORA DOS CONFLITOS AMBIENTAIS NO PROCESSO DE
LICENCIAMENTO AMBIENTAL .................................................................................................................................. 45
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A ABRANGÊNCIA DE OLHARES DAS LUTAS À JUSTIÇA AMBIENTAL
SOBRE O MODELO DE DESENVOLVIMENTO À PERPETUAÇÃO DAS DESIGUALDADES
SOCIOAMBIENTAIS DAS MULHERES DE DUQUE DE CAXIAS - BRASIL E DAS CRIANÇAS NAS
RANCHERIAS WAYÚU – COLÔMBIA. ....................................................................................................................... 56
A RETOMADA DOS FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CONDIÇÃO
INDISPENSÁVEL PARA A CONSTRUÇÃO DE UM CAMPO DISCIPLINAR PRÓPRIO: A CONTRIBUIÇÃO
LATINO-AMERICANA .................................................................................................................................................... 67
BUSCANDO ENCUENTROS EN LA LUCHA POR LA JUSTICIA AMBIENTAL .................................................. 78
CONTRA A PERDA DOS SENTIDOS: CONTRIBUIÇÕES DA ATITUDE HERMENÊUTICA
FENOMENOLÓGICA AOS FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL ..................................................... 87
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E AS MULHERES NA GESTÃO DAS ÁGUAS EM CENÁRIOS DE CONFLITO
COM A CADEIA DE PETRÓLEO .................................................................................................................................. 97
EDUCAÇÃO AMBIENTAL ECONFLITOS AMBIENTAIS: A LUTA PELO TERRITÓRIO NA ZONA RURAL
II DE SÃO LUÍS – MA..................................................................................................................................................... 109
GEOGRAFIAS INVISÍVEIS: UMA REFLEXÃO EPISTEMOLÓGICA SOBRE A CONSCIÊNCIA DA
REALIDADE DIANTE DE PESQUISA AÇÃO SOBRE O MOVIMENTO NOVOS RURAIS EM PORTUGAL/
BRASIL ............................................................................................................................................................................. 117
INVISIBILIDADE E RESISTÊNCIA NO PROCESSO DE INSTALAÇÃO DE UMA MINERADORA EM SÃO
JOSÉ DO NORTE - RS: UM ESTUDO ETNOGRÁFICO SOBRE A CONSTRUÇÃO DE UM CONFLITO
AMBIENTAL .................................................................................................................................................................... 123
ME ENGANA QUE EU GOSTO: A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DE MARKETING
DE EMPRESAS POLUIDORAS E A ÉTICA DOS EDUCADORES AMBIENTAIS............................................... 133
NOVAS ARTICULAÇÕES COM A EDUCAÇÃO AMBIENTAL: DISCUTINDO SOBRE MINORIAS NA
SEMANA DO MEIO AMBIENTE DO INSTITUTO FEDERAL DE SANTA CATARINA – CAMPUS PALHOÇA
BILÍNGUE ........................................................................................................................................................................ 142
PROCESSOS EDUCACIONAIS ALTERNATIVOS POR UMA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EMANCIPADA . 151
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS COMO REPRODUTORAS DA EXCLUSÃO SOCIOAMBIENTAL
HISTÓRICA ..................................................................................................................................................................... 162
RIO GRANDE: PARTINDO DA OCUPAÇÃO PARA ENTENDER A DESIGUALDADE SOCIOAMBIENTAL
............................................................................................................................................................................................ 172
TRABALHO, TRABALHO PEDAGÓGICO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: UMA ABORDAGEM DAS
ESCOLAS DO CAMPO NA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA .......................................................... 179
A CONSTRUÇÃO DE UM DISCURSO DE NATUREZA NO PAMPA E SUA PROBLEMATIZAÇÃO SOB AS
LENTES DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL .................................................................................................................... 188
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
............................................................................................................................................................................................ 198
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA PROMOÇÃO DA RESILIÊNCIA NO CONTEXTO DE TRABALHO DOS
EDUCADORES SOCIAIS ............................................................................................................................................... 209
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL, O ENSINO DE GEOGRAFIA E A ESCOLA: (RE) DISCUTINDO ALGUMAS
(IN) CERTEZAS COTIDIANAS .................................................................................................................................... 219
A TRANSVERSALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO CURRÍCULO DA GEOGRAFIA:
CONSIDERAÇÕES POTENCIALIZADAS A PARTIR DE UMA PESQUISA-FORMAÇÃO .............................. 230
CURSOS REGIONALES DE EA: UNA EXPERIENCIA DE CAPACITACIÓN Y CONSTRUCCIÓN DE REDES
LOCALES DE LA RENEA ............................................................................................................................................. 240
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CURRÍCULO: UMA ANÁLISE A PARTIR DO PROJETO PEDAGÓGICO DE
UM CURSO DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS ......................................................................... 250
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E FORMAÇÃO CONTINUADA ................................................................................... 258
EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM ÁREAS PROTEGIDAS: QUEM ESTÁ AUTORIZADO A FALAR (E A AGIR)
EM NOME DO MEIO AMBIENTE? ............................................................................................................................. 265
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA ESCOLA: AS VIVÊNCIAS COM A NATUREZA E A ATUAÇÃO DO
PROGRAMA NÚCLEO DE ENSINO DA UNESP, CÂMPUS DE ROSANA/SP...................................................... 276
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NARRADA NA LITERATURA INFANTIL- PRODUZINDO SUJEITOS EM
TEMPOS DE CRISE ........................................................................................................................................................ 286
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO SANEAMENTO BÁSICO: UMA EXPERIÊNCIA EM SÃO LOURENÇO DO
SUL - RS ............................................................................................................................................................................ 297
EDUCACIÓN Y GESTION AMBIENTAL: POSIBLES Y NECESARIOS ENCUENTROS .................................. 307
EXPERIENCIANDO A COMISSÃO DE MEIO AMBIENTE E QUALIDADE DE VIDA – COM-VIDA NA
ESCOLA MUNICIPAL VINTE DE SETEMBRO ........................................................................................................ 315
GRUPO DE ESTUDOS MOVIMENTO E AMBIENTE: A AMBIENTALIZAÇÃO CURRICULAR ................... 326
INFORMAÇÃO AMBIENTAL: DEMOCRATIZAÇÃO E DIREITO DE ACESSO ............................................... 335
INSERÇÃO ECOLÓGICA NA ESCOLA: UM OLHAR SOBRE O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO NOS
ANOS INICIAIS A PARTIR DA ÓTICA DA CRIANÇA ............................................................................................ 346
“NINGUÉM MORA PERTO DO ARROIO PORQUE QUER”: EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA JUSTIÇA
AMBIENTAL DA/NAESCOLA MUNICIPAL PRESIDENTE DEODORO DA FONSECA (NOVO
HAMBURGO/RS) ............................................................................................................................................................ 354
NOÇÕES DE ÉTICAS NAS DISSERTAÇÕES EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL DO PROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL – PPGEA/FURG ........................................................................... 363
O CENTRO DE INCLUSÃO DIGITAL COMO INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E UM
ESPAÇO EDUCADOR SUSTENTÁVEL. ..................................................................................................................... 378
O DISCURSO DE NATUREZA EM EVIDÊNCIA: A CONSTITUIÇÃO GAÚCHA E A MÚSICA PAMPEANA.
............................................................................................................................................................................................ 387
O PROGRAMA DE GÊNERO DA INTERNATIONAL UNION FOR CONSERVATION OF NATURE (IUCN)
............................................................................................................................................................................................ 395
O PROTAGONISMO DOS EDUCANDOS A PARTIR DAS DEMANDAS SOCIOAMBIENTAIS DA ESCOLA:
A EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL DA EMEF MARIA QUITÉRIA EM NOVO
HAMBURGO/RS .............................................................................................................................................................. 405
OS LIMITES E AS POSSIBILIDADES DA EDUCAÇÃO NA GESTÃO AMBIENTAL NAS INSTITUIÇÕES DE
ENSINO SUPERIOR (IES): A EXPERIÊNCIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE ............... 416
OS SABERES DOS ACADÊMICOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO CURSO DE LICENCIATURA EM
EDUCAÇÃO DO CAMPO UAB/UFPel: UMA ANÁLISE À LUZ DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
ECOMUNITARISTA ....................................................................................................................................................... 424
PERCEPÇÃO SOCIOAMBIENTAL NO ENSINO SUPERIOR ................................................................................ 434
PROBLEMATIZANDO O DISCURSO DE UM PROGRAMA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
GOVERNAMENTAL COM BASE NO CONCEITO DE FORMAÇÃO DA ATITUDE ECOLÓGICA ............... 445
PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL NA ESCOLA E AS RELAÇÕES DE PERTENCIMENTO NA
PROMOÇÃO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL ......................................................... 456
SUBPROJETO PIBID INTERDISCIPLINAR: PROBLEMATIZANDO DISCURSOS E PRÁTICAS EM
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO CONTEXTO ESCOLAR ......................................................................................... 464
VIVÊNCIAS E RELATOS DO PROJETO TEATRAL SOCIOAMBIENTAL: “A CARAVANA DO SUPERLIX”
............................................................................................................................................................................................ 472
UMA PRÁTICA DE CULTIVO COMUNITÁRIO MEDIADA PELA CRIAÇÃO DO DISPOSITIVO DO DIÁRIO
DE CAMPO ....................................................................................................................................................................... 480
UM ENCONTRO COM O ORIENTE: OUTRAS MIRADAS EPISTEMOLÓGICAS PARA SE PENSAR A
EDUCAÇÃO AMBIENTAL ............................................................................................................................................ 491
SABER AMBIENTAL EM RODAS DE CONVERSAS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL ................................. 501
REFLEXÕES POR UMA EDUCAÇÃO AMBIENTAL “VISTA DE BAIXO”: A EXPERIÊNCIA DAS
ECOVILAS ....................................................................................................................................................................... 510
POR ENTRE OLHARES E VOZES... COSTURAS DIALÓGICAS NOS (ENTRE) CAMINHOS DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL E DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS .................................................................................. 520
O MEIO AMBIENTE/NATUREZA SOB A PERSPECTIVA DE CRIANÇAS DE 7 e 8 ANOS ............................. 531
NOTAS SOBRE ONTOLOGIA E EPISTEMOLOGIA NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL ....................................... 541
INSTITUIÇÕES DE ACOLHIMENTO E AS PERSPECTIVAS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL: UM DIÁLOGO
COM AS CRIANÇAS ...................................................................................................................................................... 549
INFÂNCIAS, NATUREZAS E CULTURAS: FOCANDO O OLHAR PARA A INFÂNCIA INDÍGENA ............. 556
FILOSOFIA HERMENEUTICA E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL ................. 565
ÉTICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL A PARTIR DO CONCEITO DE ESPERANÇA EM PAULO FREIRE .. 575
ENTRE O DISSENSO E AS “VERDADES” AMBIENTAIS: EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA QUEM? ........ 585
EDUCAÇÃO ESTÉTICO-AMBIENTAL NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA DE DISSERTAÇÕES E TESES NO
BRASIL ............................................................................................................................................................................. 595
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO FILME A GANGUE: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE OS SURDOS . 606
“CONSTRUÇÕES TEÓRICAS PARA EDUCADORES MUSICAIS NA INTERLOCUÇÃO COM A
EDUCAÇÃO AMBIENTAL – PERSPECTIVAS, OLHARES E ESCUTAS” ........................................................... 614
APONTAMENTOS SOBRE O CONCEITO DE NATUREZA NAS OBRAS DE RENÉ DESCARTES E SUAS
POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL ......................................................................................... 622
ANTROPOCENTRISMO ECONOMICISTA E OUTRA EDUCAÇÃO AMBIENTAL .......................................... 632
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO PROPOSTA PARA SUPERAÇÃO DA CRISE NO ENSINO JURÍDICO
............................................................................................................................................................................................ 642
CARTA VII EDEA ........................................................................................................................................................... 653
APRESENTAÇÃO

É com satisfação que apresentamos, ao público em geral, os Anais do VII Encontro e Diálogos com a
Educação Ambiental. Em sua 7ª edição, o Encontro e Diálogos com a Educação Ambiental – EDEA, evento
promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental – PPGEA, da Universidade Federal do
Rio Grande – FURG, teve como temática Os desafios da Educação Ambiental: quem faz, como, para quê e
para quem?. A temática surgiu do anseio, compartilhado por alguns docentes e discentes do PPGEA, em
reconhecer os caminhos percorridos, os desafios atuais, as possibilidades, as fragilidades, os êxitos e as
políticas, entre outros, que fazem da Educação Ambiental um importante campo do saber e do conhecimento.

Neste e-book, estão disponíveisartigos completos com resultados de pesquisas, ensaios teóricos, relatos
de experiências e reflexões, que foram apresentados e compartilhados em rodas de diálogo, mesas e web
conferência pelos participantes do VII EDEA. Além da participação de brasileiros, tivemos a honra de receber
participantes de outros países da América Latina, tais como, do Uruguai, da Colômbia, da Venezuela, da
Nicarágua e do México. Portanto, alegra-nos o fato de que o EDEA esteja constituindo-se como um espaço de
reflexões e debates em torno da temática ambiental que, com a sua multiplicidade de enfoques, ultrapassa a
dimensão local,regional e nacional para encontrar interlocutores por toda a América Latina.

Os artigos submetidos ao VII EDEA foram divididos por eixos temáticos, os quais foram reunidos em
salas para a apresentação e diálogo. Tendo como título Abrangência de olhares e dispersão de lutas em
Educação Ambiental, o Eixo 1 discutiu o campo da Educação Ambiental na tentativa de aprofundar os pontos
de partida que fundamentam as múltiplas acepções que a questão ambiental abarca, no cenário contemporâneo.
Os objetivos do eixo foram os seguintes: i) assinalar as fortalezas e as fragilidades que a multiplicidade de
enfoques corrobora; ii) identificar se as bandeiras de lutas convergem ou divergem; iii) descrever como elas têm
sido organizadas.

Mapear a práxis da Educação Ambiental no Brasil e no mundo, seja em espaços institucionalizados ou


não, foi o objetivo geral do Eixo 2: Espaços consolidados e políticas de Educação Ambiental. Esse objetivo se
desdobrou nos seguintes objetivos específicos: i) captar os discursos da Educação Ambiental que estão em
voga; ii) comparar o discurso com a prática a que se pretende; iii) discutir sobre a questão do contexto escolar,
enquanto um espaço político, no que tange ao modo como a escola tem sido tratada e, ao mesmo tempo, trata da
Educação Ambiental; iv) abrir a possibilidade de novas frentes a serem debatidas. Outra questão que orientou
os trabalhos submetidos ao eixo foi a seguinte: Quais são os avanços, em termos de políticas públicas, que
devem ser discutidos para a manutenção ou não das conquistas da Educação Ambiental?

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ISBN 978-85-7566-380-6
Encerrando os eixos temáticos do VII EDEA, o Eixo 3, Perspectivas e utopias da Educação Ambiental,
foi orientado, entre outros, por algumas questões, tais como: i) Para onde apontam os nossos estudos em
Educação Ambiental? ii) O que pretendemos com eles? iii) O horizonte utópico continua a ser um farol na
jornada da Educação Ambiental? iv) Como este horizonte utópico é construído e constituído? v) Quais
perspectivas teóricas estão sendo delineadas? vi) Como são tratados, na Educação Ambiental, conceitos, entre
outros, como a cultura, a política, a arte, a estética, a ética, a epistemologia e a ideologia?

Aos leitores e às leitoras também estão disponíveis, além dos artigos voltados à proposta e ao tema do
VII Encontro e Diálogos com a Educação Ambiental, subdividido em Eixos Temáticos, alguns dos textos dos
palestrantes, que participaram do evento, e a Carta do VII EDEA.

Aproveitamos para agradecer a colaboração de todos os envolvidos com a organização do evento, a


participação dos ouvintes, apresentadores de trabalho, pareceristas ad hoc, mediadores, relatores, palestrantes e
comunidade em geral. Desejamos a todos uma excelente e profícua leitura.

Comissão Organizadora do VII EDEA.

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ISBN 978-85-7566-380-6
PALESTRANTES
LA EDUCACIÓN AMBIENTAL Y LA FORMACIÓN DE EDUCADORES
AMBIENTALES: ALGUNOS DESAFÍOS ACTUALES
WILLIAM MANUEL MORA PENAGOS
Profesor del Doctorado en Educación DIE-UD
y de la Facultad del Medio Ambiente y Recursos Naturales.
Universidad Distrital ―Francisco José de Caldas‖
Bogotá - Colombia

Introducción

Hoy preguntarse ¿qué es ser educador ambiental? y ¿cuál será el papel de la Educación Ambiental (EA) dentro
de la sociedad? requiere necesariamente contextualizarse en la integración de una serie de desafíos que
actualmente presenta la EA a nivel internacional, entre los que se encuentran: la formación del profesorado de
EA en relación con el “saber ambiental” como campo de conocimiento, el ejercicio docente en el contexto de
una EA como disciplina social pedagógico - didáctica, y la efectividad del ejercicio profesional del docente
en EA. Por tanto, en este escrito se intentará dar unas primeras respuestas a las preguntas planteadas, en
relación con algunos de los desafíos, para el caso colombiano, que podrían ser extensible a otros países
latinoamericanos.

Algunos desafíos actuales de la EA y de la formación de educadores ambientales

Un primer desafío está relacionado con los procesos formativos del profesorado en relación con el ―saber
ambiental‖.

Debates sobre el ámbito del medio ambiente en asuntos particulares (por ej., la biodiversidad, el cambio
climático, la gestión de los recursos naturales, la calidad del aire, tierra y agua) se están realizando desde
cosmovisiones más amplias a las posiciones epistemológicas positivistas tradicionales de las ciencias y la
tecnología. Cosmovisiones ambientales vinculadas a las identidades personales, históricos / biográficas,
culturales, geográficas, espirituales, existenciales, políticos y profesionales; éstas dejan la sensación del
creciente reconocimiento de los contextos culturales y biofísicos en la que vive la gente. La complejidad y la
incertidumbre causada por la globalización y el rápido ritmo del cambio tecnológico y social también están
produciendo enormes cambios culturales que incluyen una búsqueda de sentido y la afiliación en las
identidades definidas localmente que afectan el entendimiento de la EA.

Comprender los problemas ambientales de una forma compleja y crítica, para hacerlos objeto de trabajo
pedagógico y didáctico, demandan no solo de una formación interdisciplinar integrando aspectos distintos de
las ciencias (naturales y sociales) con las humanidades, sino con otras dimensiones de la cultura (tradiciones
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ISBN 978-85-7566-380-6
ancestrales, filosófícas, religiosas, etc., propias de una ―diversidad epistemológica‖), en lo que se ha venido
entendiendo como ―dialogo de saberes‖ (Leff, 2007; Morin, 2011; de Sousa Santos, 2013), y que en las
facultades de formación de profesores poco dan importancia. La ―epistemología de lo ambiental‖ (en el caso de
que se acepte una epistemología de un saber no exclusivamente científico), entendida como contexto meta-
teórico que incluye pero desborda las ciencias de la modernidad, se ubica dentro de concepción de lo post, de la
―ciencia post-normal‖ -o ciencia con la gente- (Funtowicz y Ravetz, 2000), que desde una perspectiva de la
epistemología política de las ciencias, ubica las problemáticas ambientales en las fronteras de la modernidad y
hacia la posmodernidad y pos-desarrollo, en una fuerte interrelación en fenómenos en donde la incertidumbre y
la complejidad están asociadas a procesos económicos, éticos y políticos socioculturales, donde es mucho lo
que se pone en juego al tomar decisiones. Formar al profesorado en el ―dialogo de saberes‖, en una perspectiva
crítica y política para la participación social frente a los actuales problemas de las relaciones sociedad –
naturaleza en el contexto de la competitividad y el consumismo, generado por la relación entre modelos de la
economía desarrollistas y las tecno-ciencias productivistas, demandan que las facultades universitarias, que
forman profesores, se abran a considerar nuevas perspectivas tanto del conocimiento como de la educación.
Alternativas del pensamiento ambiental desde el énfasis en la pluralidad de epistemologías del sur como diría
Boaventura de Sosusa Santos (2012), y de perspectivas postdesarrollistas en el sentido de Arturo Escobar
(2012), la sustentabilidad súper fuerte de Eduardo Gudynas (2011), o del Buen Vivir y el Sumak Kawsay en
Atawalpa Oviedo (2013), aparecen con gran potencial para la generación de identidad y presencia actual no
solo de lo ambiental sino también de la EA.

Desafortunadamente la mayoría de profesores que trabajan la EA proviene de una formación disciplinar en las
ciencias naturales particularmente de la biología, que aunque tienen formación en ecología no es así en el
componente socio cultural, metadisciplinar y contextual. En Colombia con la aparición de los ―estándares de
competencias básicas de ciencias naturales‖ articulados bajo el enfoque CTS a las ciencias sociales, por parte
del Ministerio de Educación Nacional (MEN, 2004), y desde la perspectiva de la investigación de la didáctica
de las ciencias naturales, se vincularon problemáticas ambientales pero desafortunadamente desde una
perspectiva poco participativa de la comunidad docente e investigadora en EA y de investigación acción que
pudieran superar el activismo ambiental imperante (Mora, 2009).

El segundo desafío está relacionado con el funcionamiento de la EA en la organización escolar de la escuela,


expresado en la inexistencia de un área curricular especifica de la EA y por otro lado por el tipo de relaciones
existentes entre la escuela con su entorno.

La naturaleza transdisciplinar de lo ambiental unido a los cambios bruscos en las políticas internacionales
asociadas con la EA, - que han conducido a su desaparición en la política internacional, favoreciendo el
proyecto internacional de ―Educación para el Desarrollo Sostenible‖ (EDS) -, han vinculado a la EA con la

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ISBN 978-85-7566-380-6
escuela como un ―transversal curricular‖ que lo integra todo, particularmente desde la perspectiva del
Desarrollo Sostenible en un unificador y hegemónico proyecto mundial de educación global, que no pone en
cuestión los modelos económicos de crecimiento económico, como tampoco el papel de una ciencia de la
modernidad que subvalora otras formas de conocimiento y sus epistemologías, y que se pone al servicio del
mercado. Situación que ha conducido a que en la escuela no se promuevan posiciones críticas y articuladoras
entre las áreas curriculares escolares y que si promueven enfoques reduccionistas y activistas de carácter
moralista o ecologista.

La EA es un campo educativo especializado, interdisciplinar y aún emergente, que ha evolucionado


drásticamente a lo largo de su historia (a la manera de metamorfosis) conceptual y pragmáticamente en lo
pedagógico y didáctico. Es claro que las cosmovisiones, sistemas de creencias y compromisos político /
educativos en la EA se han ampliado en las últimas dos décadas en los supuestos sobre las problemáticas de la
relación sociedad – naturaleza, así como sobre su investigación (Wals, Stevenson, Brody & Dillon, 2012).

Importantes cambios se han dado en los compromisos de la EA, desde su nacimiento en los años 70s del siglo
pasado. En sus inicios el objetivo central de la EA estuvo vinculado a generar conciencia a los estudiantes,
dando información fundamentada sobre las problemáticas ambientales; posteriormente y particularmente en los
80s se fortaleció la promoción de actitudes y valores positivos que predispusieran al cambio de conductas pro-
ecologistas; y desde finales de los 90s y particularmente en la última década, como crítica a la perspectiva de la
EDS, se viene estimulando la generación de la formación para la participación y la acción en procesos de
transformación socio-ambiental, formando una ciudadanía ambientalmente responsable y critica de la economía
de mercado, de su productivismo depredador y de las conductas consumistas de la sociedad.

La relación escuela / contexto, y educar / escolarizar para formar creativamente para y por la vida y no para la
teatralización y repetición escolar, comienza a revalorar la educación informal, por su naturaleza polifacética
como base de re-significación del conocimiento escolar y de desescolarización de la escuela. Por lo que se
requiere educar no solo en la escuela sino en su contexto situado territorialmente convirtiéndola en una
―comunidad de práctica formativa comunitaria‖ donde se comprometen educativamente con los distintos
actores o agentes comunitarios, por lo que el desarrollo profesional del docente ambiental se articula al
desarrollo institucional y curricular dentro de un paradigma de colegialidad (y no de la competitividad
individualizada), y desde la Investigación acción participativa – IAP, como base de la investigación en la
escuela situada territorialmente en sus problemáticas ambientales.

Desde los años 90, en Colombia, las instituciones escolares de la educación básica, secundaria y media,
iniciaron este proceso de inclusión de la dimensión ambiental, desde una EA que articula la escuela con el
contexto escolar por medio de los ―Proyectos ambientales escolares - PRAES‖, desde las bases de política
internacional de las Agenda 21 acordado en la Carta de la Tierra, en Rio 1992. En esta última fase histórica, el
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educador ambiental no está vinculado a un escenario únicamente de clase, sino a la noción de territorio escolar,
reconociendo las relaciones sociales que surgen dentro del contexto escuela – entorno, como lo diría Moacir
Gadotti (2002), desde la perspectiva de Paulo Freire; los individuos en estos procesos formativos más allá de lo
escolar participan dentro del tejido social, haciéndose participe con pertinencia de los problemas ambientales de
la comunidad.

Sin embargo, la promoción de la política de transversalidad de la inclusión de la EA no parece funcionar acorde


con la implementación como transversal curricular, y pareciera necesitarse más de un área específica del
curricular, como lo fue el lenguaje, las matemáticas o las ciencias naturales en su momento histórico.
Actualmente en Colombia no existe un área curricular de lo ambiental de forma autónoma, sino que está
combinada con las ciencias naturales y por tanto supeditadas a estas últimas. Tener un área curricular específica
para la EA no solo demandaría la generación de licenciados (profesores de EA) en EA, que actualmente no
exístete en las licenciaturas en Colombia, sino que podría permitir la superación del activismo didáctico en las
instituciones escolares y la apropiación y responsabilidad especifica de un grupo de profesores dedicados a ello.
Actualmente los profesores que dirigen este campo son los profesores de biología, formados más en ecología
que en temas ambientales, quienes integran insuficientemente los aspectos sociales, políticos, económicos,
éticos y culturales.

En este último desafío la investigación en Educación Ambiental podría aportar mucho sobre todo en las líneas
más actuales como lo podemos ver en el siguiente cuadro de cartografía de temas o líneas de investigación en
EA propuesto por Tsai and Wen (2005) y que cito de Reid & Scott, 2012) que aunque no presenta categorías
relacionales y / o borrosas ni tampoco dice cuál de ellas se investiga, más nos permite mostrar una visión
general e histórica, la cual compartimos y nos permite observar como las últimas 5 categorías están acordes con
nuestra postura de necesidades formativas.

Categorías Temas de Investigación Contenidos


Formación del Pregrado y el desarrollo profesional continuo de docentes y material de
1 profesorado. enseñanza; programas de educación maestros; reforma de la formación
docente, e investigación-acción.
La enseñanza y los Conocimiento del profesor; conocimiento pedagógico; formas de
profesores. representación del conocimiento; el pensamiento del profesorado; el
2 conocimiento de los docentes; estrategias de enseñanza [los valores de
los profesores, los intereses, la motivación, las actitudes, el
razonamiento]
Aprendizaje de Métodos para investigar el conocimiento y la comprensión de los
conceptos - los estudiantes; concepciones alternativas de los estudiantes, métodos de
3 estudiantes ' enseñanza para el cambio conceptual; desarrollo conceptual.
concepciones y cambio
conceptual.
Aprendizaje sobre los Interés de los estudiantes y motivación; ambiente de aprendizaje;
4 estudiantes y el diferencias individuales; enfoques de aprendizaje; interacción profesor-
aprendizaje –contextos alumno; experiencias sobre el terreno; dimensiones afectivas de

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de aula y características aprendizaje del medio ambiente / sostenibilidad (desarrollo actitud,
de los estudiantes. valores.); los factores sociales, políticos y económicos; la argumentación
[razonamiento, toma de decisiones].
Objetivos y política, Desarrollo curricular, implementación, difusión y evaluación; análisis
evaluación curricular y social de plan de estudios; evaluación; evaluación de los maestros;
5
valoración. medidas educativas; política curricular y reforma [enlaces a otras áreas
del currículo, por ejemplo, la salud, ...]
Temas Culturales, Temas Multiculturales y bilingües; cuestiones étnicas; cuestiones de
6 sociales y de género. género; estudios comparativos; temas de la diversidad en relación con el
medio ambiente / sostenibilidad enseñanza y el aprendizaje.
Historia, Filosofía, Temas históricos; cuestiones filosóficas; cuestiones epistemológicas;
epistemología, y la cuestiones éticas y morales; naturaleza de la investigación; métodos de
7
naturaleza de la investigación, y las cuestiones teóricas relacionadas con la investigación.
investigación
Tecnología Educacional Computadoras; multimedia interactivos; de vídeo; la integración de la
8
tecnología en la enseñanza
Aprendizaje informal El aprendizaje del medio ambiente / sostenibilidad en contextos
informales (por ejemplo, museos, escenarios al aire libre); "trabajos
9
prácticos y trabajo de campo"; la conciencia pública sobre el medio
ambiente / sostenibilidad
Fuente: Reid & Scott, 2012

El tercer desafío asociado con la efectividad e impacto de la acción profesional del ejercicio docente en EA es
que:

Frente a las propuestas formativas inicial y permanente, incluyendo los postgrados (maestría y doctorado) son
dependientes de las áreas de las ciencias, y no parecen rendir el impacto requerido. Programas de pregrado con
denominaciones como licenciaturas en educación en ciencias y Ambiente, demuestran el poco compromiso con
la formación de profesores en este campo.

En la actualidad sufrimos una severa reducción de las instituciones y programas dedicados a la Educación
Ambiental –tanto en equipamientos como en recursos-, en España y Sudamérica, decía el profesor de la
Universidad Autónoma de Madrid Javier Benayas (en una mesa redonda sobre los ―Desafíos actuales de la
educación ambiental‖, durante el V Congreso Internacional de Educación Ambiental, celebrado en marzo de
2015), preguntándose si ―¿tan mal lo hemos hecho después de tanto esfuerzo; en qué nos hemos equivocado?‖,
diciendo que nos hemos quedado en los procesos de comunicación y el activismo, mientras la sociedad necesita
que construyamos alternativas reales, ―ser ejemplos del cambio que queremos ver en el mundo‖. La efectividad
de las contribuciones de la EA a la solución de los actuales problemas ambientales no es evidente
particularmente en estos momentos donde los principios de la EA deberían ser más evidentes, nos hemos
equivocado en los destinatarios pues educamos a los que ya están convencidos, que son los niños en las
escuelas, y no a los que causan los problemas ambientales, faltan herramientas de gestión, se ha perdido el
voluntariado, y el presupuesto se ha centralizado en las grandes instituciones, perdiéndose o reduciéndose el
apoyo financiero a las investigaciones en temas tradicionales de la EA y si apoyando el proyecto de la EDS. En

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el mismo evento el Dr. Pablo Meira, profesor de Educación Ambiental en la Universidad de Santiago de
Compostela, con su exposición del texto: ―El diablo de los números: una visión de la crisis de la Educación
Ambiental‖ hace una revisión de nuestra disciplina aportando una serie de datos numéricos transcendentes que
muestran el desmantelamiento (o deshuasamiento) de la EA, en donde en un mundo en crisis la EA está
perdiendo visibilidad. La identidad de la EA anti statu quo y de movimiento social, se cambia por una EDS
bajo un modelo dominante: En Río (1992) se produce una bifurcación donde el concepto de la EA ha quedado
para hablar de un movimiento del pasado, para solo entender en la actualidad la existencia de la EDS. En los
últimos 7 años el 25% de los profesionales del sector de la educación ambiental español se han quedado en paro
(han perdido sus empleos) y el doble de profesionales ahora cobran menos de 900 euros/mes, planteando que
necesitamos constituir una ―marea propia‖ y recuperar el poder sobre los recursos públicos para destinarlos al
bien común.

Desde la perspectiva de la EA articulada a la educación para la sustentabilidad ambiental es posible, como una
de los aspecto de mejora en la formación del profesorado de EA, el desarrollo de capacidades y formación de
competencias ambientales, por lo que nos preguntamos: ¿en qué tipo de competencias necesitan formarse los
profesionales cualificados (entre ellos los profesionales de la educación) con el fin de ser capaz de contribuir
eficazmente al saber ambiental y en particular en la sustentabilidad ambiental? En la literatura hay coincidencia
en por lo menos 12 Competencias Clave en la formación de los profesionales de la educación (profesores
licenciados):

 Pensamiento sistémico y manejo de la complejidad (manejo de la incertidumbre y riesgos),


 Pensamiento crítico y divergente,
 Pensamiento constructivista de la realidad y el aprendizaje,
 Pensamiento interpretativo y hermenéutico,
 Pensar en distintas escalas de tiempo y espacio,
 Pensamiento anticipatorio,
 Actuar ecológicamente en forma justa y responsable,
 Cooperación en grupos interdisciplinares y en la heterogeneidad del diálogo de saberes,
 Participación e investigación en la acción,
 Comunicación y el uso de los medios de comunicación,
 Planificación y la realización de proyectos innovadores,
 Tolerancia a la frustración.

Un ejemplo de competencias complementaria a la anterior lista, es la clasificación de Roorda (2013),


desarrollada en la herramienta llamado 'RESFIA + D‖ que consta de seis competencias genéricas, según la
siguiente tabla:

RESFIA + D: Competencias profesionales para el desarrollo sostenible.

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Competencia R: Responsabilidad. Competencia E: Inteligencia emocional.
Perfil del profesional competente en sostenibilidad Un profesional competente sostenible se identifica con los
de la responsabilidad de su propio trabajo. valores y las emociones de los demás
Ej.: el profesional sostenible puede: E.j: el "profesional sostenible puede: ...
1. Crear un análisis de partes interesadas sobre la 1. Reconocer y respetar sus propios valores y los de otros
base del ámbito de aplicación y el período de pueblos y culturas.
consecuencias. 2. Distinguir entre hechos, suposiciones y opiniones.
2. Asumir la responsabilidad personal. 3. Cooperar con carácter interdisciplinario y
3. Ser personalmente responsables en lo que transdisciplinario.
respecta a la sociedad (transparencia)
Competencia S: Orientación del sistema. Competencia F: Futuro · Orientación.
Un profesional competente en sostenibilidad piensa Los trabajadores profesionales de manera sosteniblemente
y actúa desde una perspectiva sistémica. competentes y piensan sobre la base de una perspectiva de
Ej.: El profesional sostenible puede ... futuro.
1. Pensar en sistemas: flexiblemente analítica e Ej.: el profesional sostenible puede...
integralmente, a su vez, 1. Pensar en diferentes escalas de tiempo flexible
2. Reconocer los defectos en el tejido y las fuentes acercar y alejar en los enfoques a corto y largo plazo,
de energía en los sistemas; tener la capacidad de 2. Reconocer y utilizar procesos no lineales.
utilizar las fuentes en vigor,
3. Piense integralmente y en cadena.
Competencia I: Participación personal. Competencia A: habilidades de Acción.
Un profesional competente sostenible tiene una Un profesional competente es sostenible decidido y capaz
participación personal en el desarrollo sostenible. de actuar
Ej.: El profesional sostenible puede ... Ej., el profesional sostenible puede ...
1. implicar consistentemente el desarrollo sostenible 1. Pesar lo que tiene poder y lo que no lo tiene, y tomar
en el propio trabajo como (actitud sostenible) decisiones
profesional, 2. Hacer frente a las incertidumbres.
2. Trabajar con pasión hacia los sueños e ideales, 3. Actuar cuando el tiempo es claro, y en patrones de no ir
3. Emplear su conciencia como el criterio contra la corriente: "acción sin acción".
definitivo.
Plus: competencias disciplinarias para el desarrollo sostenible (diferente para cada curso, la disciplina o
profesión)
Fuente. Roorda, 2013

Algunas ideas finales

Pese a esta situación de desafíos donde se cuestiona no solo la efectividad del trabajo profesional de los
educadores ambientales y de la EA, y donde su contexto de disciplina social, pedagógica y didáctica cuestiona
incluso su legitimidad, por perder su campo disciplinar por la imposición hegemónica de la EDS, la EA tiene
además otros retos en: política pública, en la relación escuela / universidad, la participación social, el
voluntariado social, y la generación de acciones multiplicadoras. En síntesis, y apoyados en las conclusiones
del desarrollo actual de la EA en el mundo propuestas por Wals, Stevenson, Brody, & Dillon, (2012);
Stevenson, Dillon, Wals & Brody M. (2012); y Reid, & Scott, (2012), en la actualidad se pueden enumerar una
serie de preocupaciones y necesidades que podemos en listar de forma general, relacionados con la EA y la
formación de educadores ambientales:

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 Las relaciones de la EA con discursos dominantes como la EDS y su ―transición‖ en el en el contexto
del DS (Desarrollo Sostenible) y SA (sostenibilidad ambiental).
 El ejercicio profesional docente que parte del entendimiento de problemáticas de gran complejidad que
exigen formación en inter, tras disciplinariedad y dialogo de saberes.
 La generación de estrategias que permitan desarrollar la capacidad de pensar de manera crítica, ética,
política y creativa en la valoración de las situaciones ambientales, para tomar decisiones informadas
sobre esas situaciones; y desarrollar la capacidad y el compromiso de actuar individual y
colectivamente.
 La generación de enfoques en los procesos de aprendizaje que reconozcan que a la hora de la
comprensión y la interpretación de los problemas ambientales los sistemas de visiones del mundo y de
creencias de los individuos determina sus comportamientos ambientales.
 A diferencia de la EC (educación en Ciencias), la EA hasta ahora comienza a incluir perspectivas
educativas cualitativas y constructivistas. a finales del siglo pasado y que en el sentido de las
apreciaciones de Hart & Nolan, 1999) la investigación en educación ambiental ahora se puede
caracterizar por la inclusión post positivista, posmoderna interpretativa, constructivista, crítica y
feministas en lo ambiental.
 La superación histórica de una EA para el cambio de comportamiento individual que había descuidado
en gran medida el papel de las estructuras sociales y culturales que influenciaban las conductas había
despolitizado la educación ambiental y la investigación de educación ambiental en el pasado.
 Los temas de equidad y de justicia social en relación con la raza, clase y género, en intersección con las
cuestiones ambientales, han vienen recibido considerable atención en la investigación en EA en las
últimas décadas.
 Recientemente las investigaciones en EA ha entrado a cuestionar las cosmovisiones racionalista de la
ciencia articuladas a las visones desarrollistas de la economía y a preocuparse en superación de las
visiones antropocéntricas en pro de favorecer las visiones bio centristas y cosmo centristas, desde
epistemologías alternativas .

Referencias

de Sousa Santos, B. (2013). Descolonizar el saber, reinventar el poder. Santiago de Chile: Ediciones Trilce.

Escobar, A. (2012). Una Minga para el postdesarrollo: lugar, medio ambiente y movimientos sociales en las
transformaciones globales. Bogotá: Ediciones desde abajo.

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Editorial.

Gadotti, M. (2002). Pedagogía de la Tierra. México: Siglo XXI editores.

Gudynas, E. (2011). Desarrollo y Sustentabilidad ambiental: Diversidad de posturas, tensiones persistentes.


En: Matarán, A., y López, F. (2011). La Tierra no es muda. Diálogos entre el desarrollo sostenible y el
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Morin, E. (2000). La Vía. Para el futuro de la Humanidad. Barcelona: Paidós.

Mora, W.M. (2009). Educación ambiental y educación para el desarrollo sostenible ante la crisis planetaria:
demandas a los procesos formativos del profesorado. Tecné, Episteme y Didaxis, 26, 7-35.

Oviedo, A. (2013). Buen Vivir Vs. Sumak Kaswsay. Reforma capitalista y revolución alternative. Una propuesta
desde los Andes para salir de la crisis global. Buenos Aires (Argentina): CICCUS.

Reid, A., & Scott, W. (2012). Identifying Needs in Environmental Education Research. pp. 518-528. In:
Stevenson, R.B., Brody M., Dillon, J., & Wals A. (2012). International Handbook of Research on
Environmental Education. New York: AERA – Routledge.

Roorda, N. A. (2013). Strategy and a Toolkit to Realize System Integration of Sustainable development (SISD).
In: Caeiro S., Leal Filho·W., Jabbour, Ch., & Azeiteiro, U. (Ed.) (2013). Sustainability Assessment Tools in
Higher Education Institutions. Cap 6. pp. 101-119. New York: Springer.

Stevenson R B., Dillon J., Wals A., Brody M. (2012). The Evolving Characteristics of Environmental
Education Research. In Stevenson, R.B., Brody M., Dillon, J., & Wals A. (2012). International Handbook
of Research on Environmental Education. New York: AERA – Routledge. pp 512-517.

Tentative Directions for Environmental Education Research in Uncertain Times. In Stevenson, R.B., Brody M.,
Dillon, J., & Wals A. (2012). International Handbook of Research on Environmental Education. New
York: AERA – Routledge. pp 542-547.

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LOS DESAFÍOS DE LA EDUCACIÓN AMBIENTAL: QUIÉN, CÓMO, PARA QUÉ Y
PARA QUIÉN?

Edgar González Gaudiano1

Resumen

La presentación discute los principales retos de la educación ambiental a la luz de la problemática entre la teoría
y su relación con la práctica. Destaca las debilidades teóricas existentes en el ejercicio de la educación
ambiental en la región y la necesidad de superar esta deficiencia en el marco de los perfiles de proyectos de
educación ambiental que se desarrollan en la región.

Introducción

La relación entre la teoría y la práctica en el campo de la educación ambiental ha sido siempre un problema que
puede revisarse desde varios ángulos.

1. El hecho de que la educación ambiental se encuentra inserta en un espacio de interfase entre las ciencias
naturales y las ciencias sociales y humanidades, ha producido confusiones en el sentido de pensar si la
Ecología puede ser el marco teórico de la educación ambiental o si la educación ambiental responde
como toda educación a diversas concepciones teóricas en las que subyace un cierto modelo de sujeto, de
sociedad, etc.
2. Obviamente la pluralidad de formaciones y adscripciones de quienes hacen educación ambiental
también complica esta cuestión, puesto que al no haber una matriz disciplinaria más o menos uniforme,
la educación ambiental se convierte en un campo de disputa sobre sus alcances y propósitos.
3. Y, un tercer ángulo, entre otros varios que no se podría agotar aquí, nos remite a la añeja discusión sobre
la utilidad de lo teórico en su relación con la práctica, por lo que no ha sido infrecuente ver cómo el
campo de la educación ambiental ha estado plagada de intervenciones llenas de un activismo sin
sentido.

La teoría

Antes de comenzar quiero establecer desde el principio la fe que profeso. Estoy convencido del valor de la
teoría. Con todo y sus abstracciones, la teoría no sólo no nos aleja de la realidad sino que nos acerca a ella,
aunque hay de teorías a teorías, sobre todo en el campo social. Ello no significa que todo está resuelto
teóricamente en las ciencias naturales. De la teoría surgen las preguntas mediante las cuales interrogamos el

1
Investigador Titular en el Instituto de Investigaciones en Educación de la Universidad Veracruzana. egonzalezgaudiano@gmail.com
21
ISBN 978-85-7566-380-6
mundo y no es lo mismo preguntar cómo, qué, por qué o para qué. Incluso aquellos que afirman que acercarse a
la realidad desde una teoría contamina de entrada sus observaciones y resultados, están acercándose desde una
teoría aunque no lo sepan o lo nieguen. De las preguntas que formulamos surgen los objetos de estudio.

Bourdieu, Chamboredon y Passeron (1975) decían que no hay nada más práctico que una buena teoría.
El problema es que regularmente no sabemos cómo elegir una buena teoría, y mucho menos cómo usarla. Aquí
empleo el término ―uso‖ en el sentido de Wittgenstein (1988), para dar cuenta de la inestabilidad existente entre
el canon disciplinario y los procesos de conceptualización, lo que suele verse con frecuencia en campos
multidisciplinarios emergentes como el de la educación ambiental. El significado es el uso. El uso teórico
ilumina los procesos de creación conceptual que permite nuevas interpretaciones que desedimentan las
convenciones normativas de las comunidades científicas. La noción de uso ―tiene la virtud de ampliar el campo
de la interrogación no sólo a la instrumentalidad de la teoría, sino también al dominio y las modalidades de su
aplicación‖ (Mier, 2006, p. 21).

Pues bien, con base en esto diría que en cada uno de los tres arcaísmos básicos que caracterizaron las
discusiones iniciales del campo de la educación ambiental: educación en el ambiente, acerca del ambiente y
para el ambiente, se encuentran implícitas preguntas y concepciones del problema surgidas de marcos teóricos
que intentan definir el propósito de la educación ambiental.

Ya desde el primer Congreso Iberoamericano de Educación Ambiental, realizado en Guadalajara en


1992, hace más de vente años, Alicia de Alba y yo convocamos a un taller precongreso titulado ―Bases teóricas
de la educación ambiental‖, con la idea de auspiciar una reflexión sobre las prácticas que se estaban
desarrollando. Ahí comenzamos a discutir sobre las tendencias que ubicaban a la educación ambiental dentro de
la enseñanza de las ciencias naturales, o a las que la remitían a la corriente de la educación para la
conservación, así como a las que sostenían que se trataba de un campo educativo emergente que, además, en
América Latina adquiría rasgos propios al articularse con tradiciones pedagógicas particulares y seculares
luchas por reivindicaciones sociales.

También iniciamos la crítica al discurso instrumental dominante, que por ese entonces tampoco
teníamos claro, en el cual el rol de la educación se circunscribe a fungir como un medio para alcanzar fines
considerados más relevantes de la gestión ambiental. Situación que prevalece aún en el momento actual donde
incluso, como parte de una concepción completamente obtusa, los llamados instrumentos sociales de la gestión
ambiental, entre ellos la educación, la comunicación y la participación ciudadana, son considerados como de
orden inferior frente a los llamados instrumentos técnicos de la gestión, léase la manifestación de impacto, el
ordenamiento territorial y los estudios de riesgo, por citar algunos.

22
ISBN 978-85-7566-380-6
La investigación

Durante toda la década de los ochenta y gran parte de la de los noventa padecimos un campo de la educación
ambiental carente de investigación y, por ende, de nuevas construcciones. A partir de finales de los noventa, la
situación no ha cambiado mucho pero al menos pueden distinguirse en los proyectos de quienes se están
especializando en el campo, un intento de encontrar explicaciones y formular propuestas más ad hoc a la
realidad educativa y socioambiental del país. Los marcos teóricos más comúnmente utilizados se adscriben al
construccionismo, a las representaciones sociales y a otras propuestas dentro de un eclecticismo no siempre
disciplinado (Shulman, 1986).

Para conocer este estado de cosas ha sido útil el trabajo que se ha realizado para los estados de
conocimiento del Consejo Mexicano de Investigación Educativa (Véase Bertely, 2003; González-Gaudiano y
Arias, 2015) ahora que ya hemos constituido el área número 3, pero son todavía aproximaciones limitadas,
miradas muy parciales debido a que mucha información no se encuentra disponible o no ha sido sistematizada.

Nos hace falta, pues, más información sobre lo que se está haciendo, que no es mucho. Con Alicia
Castillo, aprovechando un simposium organizado en el marco del primer Congreso Nacional de Ecología en
noviembre de 2006, sobre educación para el manejo de ecosistemas, viéndola como una vertiente de la
educación ambiental, nos dimos a la tarea de organizar un libro (Castillo y González Gaudiano, 2009) que
incluye ocho proyectos de educación ambiental que se llevan a cabo en el país, si bien no todos los trabajos
incluidos hacen explícitos sus marcos teóricos, aun aquellos que se enfocan en una mayor descripción de la
experiencia desarrollada dejan traslucir sus premisas y puntos de partida para alcanzar claras finalidades tanto
pedagógicas como sociales. Los artículos González Gaudiano y Lorenzetti (2010) y González-Gaudiano y
Puente Quintanilla (2011) también dan cuenta clara de esta situación.

La mayoría de los proyectos de educación ambiental destacan más la investigación que la intervención,
pero en casi todos ellos la participación comunitaria constituye un elemento consustancial. Es en la
participación comunitaria donde se funda la posibilidad educativa y se nutre la identidad grupal, así como se
adquiere el compromiso de hacerse cargo de la continuidad de las acciones. La participación comunitaria se
orienta a mejorar la situación compartida de la comunidad en función de sus propios conocimientos, valores y
pautas culturales, fortalecidos por la investigación. Por eso Caride (2001) reivindica la educación ambiental
comunitaria como un modo de reconocer y delimitar los perfiles de una práctica pedagógica y social que hace
suyos los compromisos de avanzar comunitaria y ecológicamente hacia una sociedad sustentable.

Hay proyectos donde se nota un mejor balance entre los componentes sociales, ecológicos y
económicos. Estas experiencias suponen un modelo de intervención que parte de vincular íntimamente lo que se
plantea en una situación de aprendizaje con la realidad social en toda su dimensión. Ello da origen a una red de

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solidaridades emancipadoras fortaleciendo las relaciones internas y con los miembros e instancias externas del
proyecto, lo que permite construir esa realidad vital anhelada en el marco de un proceso de aprendizaje crítico y
transformador. De este modo, a veces incluso es difícil distinguir las fronteras que distinguen la intervención, la
investigación y la participación. En estos proyectos, queda muy claro, lo apuntado por Peter McLaren (2005),
en cuanto a que la intervención desde la pedagogía crítica ayuda a entender cómo las relaciones sociales son
distorsionadas y manipuladas por relaciones de poder para mantener privilegios, lo cual es la semilla para crear
condiciones bajo las cuales la irracionalidad, la dominación y la opresión pueden ser transformadas y superadas
mediante la acción deliberada y colectiva.

Sin embargo, en algunos proyectos se observa la persistente presencia de un uso instrumental de la


educación. Como ya apunté antes, viendo a la educación entendida sólo como un medio para alcanzar
finalidades más trascendentes, como el de la conservación ecológica. En esta postura, la educación no tiene
fines en sí misma sino para alcanzar otros. Desde aquí surgen propósitos dirigidos a preparar para el trabajo de
la vida adulta, a impulsar aprendizajes prácticos o a promover la participación social en actividades de
conservación. No es que la función instrumental de la educación esté mal en sí misma, el problema reside en
que al considerarla un mero medio para fines utilitarios, la educación queda atrapada en esa función cercenando
su potencial transformador y crítico.

Con todo, un gran número de proyectos en nuestra región construyen diversas articulaciones entre la
educación ambiental, el combate a la pobreza, el desarrollo rural, la educación para la salud, la relación
intercultural y el ecoturismo, por citar sólo algunos. Es decir, en grados variables, los proyectos dan cuenta de
una educación ambiental con sentido de transformación social, a pesar de que son difíciles de ejecutar no sólo
por la precariedad de recursos, sino sobre todo por el deficiente apoyo institucional, lo que los hace muy
frágiles y vulnerables a las transiciones políticas e institucionales. No obstante, en palabras de Lucie Sauvé
(2006, p. 97) ―Se trata de lograr que nuestros gestos y nuestros proyectos, por humildes que sean, tengan un
valor simbólico y se conviertan en portadores de la visión del mundo que compartimos y afirmamos‖.

La práctica: de las intenciones a los hechos

Hay muchas similitudes entre lo que ocurre en México con lo que está sucediendo en toda le región de América
Latina, desde luego salvando ciertas diferencias. Los libros colectivos que he coordinado en los últimos años
me han permitido entrar en contacto con colegas y proyectos que se están llevando a cabo en la región. Hay una
rica proliferación de aproximaciones y enfoques, a veces no muy bien justificada. Pero cada vez es más claro
que el trabajo de Bourdieu sobre la noción de campo científico y su autonomía es cada vez menos útil para
explicar lo que ocurre. Nuestro campo, al igual que muchos otros aunque con sus particularidades, se encuentra

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sometido a una severa transformación derivada de la desconcertante vorágine de la creación de nuevos
significados que desafían los cánones de las disciplinas científicas modernas. El campo ambiental y el de la
educación en especial no han quedado al margen de este complejo proceso de reconexión, de manera que hoy
menos que nunca se puede hablar de educación ambiental desde la perspectiva única desligada de los conflictos
sociales que la atraviesan.

A lo largo de los últimos treinta años ha sido notable el crecimiento del interés de la gente por los temas
del medio ambiente. Ahora es más claro para la mayoría de la población, independientemente de la clase social,
grupo de edad y nivel de estudios, que la calidad del ambiente está directamente relacionada con las
condiciones generales de la calidad de vida. Nuestras vidas se degradan si se degrada nuestro ambiente.
Estamos convencidos de que la calidad del ambiente es un valor y que es importante y urgente que alguien haga
algo por conservarlo. Pero a pesar de saberlo, lo que observamos es un proceso progresivo de degradación que
no sólo no cesa, sino que parece acelerarse.

Las causas del deterioro del medio ambiente son complejas, pues están estrechamente ligadas con los
estilos de vida y el estilo de vida dominante no es precisamente ambientalista. Las actuales aspiraciones
sociales están ligadas a la adquisición de un conjunto de satisfactores materiales relacionados con un cierto
concepto de bienestar. Sin embargo, estos satisfactores suelen implicar un mayor gasto de energía y materiales,
tales como los electrodomésticos, los automóviles, los viajes, la moda, alimentos exóticos, etc.

Ese concepto de bienestar es difundido extensamente por la escuela, por los medios y por todos los
demás vehículos disponibles por el sistema económico y social. De ahí que nuestro consumo y hasta nuestras
actividades de ocio y entretenimiento están mediados por esta manera de concebir la calidad de vida.

El ambiente entonces es una prioridad para la gente, aunque no lo es tanto como la seguridad, el ingreso
y el progreso material. Todas las encuestas coinciden en esto y ha sido un resultado constante en los últimos
veinte años con ligeras variaciones de grado y de orden.

De ahí que los temas ambientales si bien se han posicionado en la agenda pública, no se han convertido
en un asunto de primer plano dentro de los problemas de interés social. Es más, incluso han disminuido
respecto del peso relativo que se les otorgó en la política durante las décadas de los años ochenta y noventa y
sólo recientemente han vuelto a cobrar fuerza con el problema del cambio climático global. Este deterioro
progresivo de la política ambiental muestra un perfil más acusado cuando se enfrentan crisis financieras y
económicas de larga duración.

Es común escuchar entre la gente el que la preocupación por el ambiente va a incrementarse en la


medida en que se mejoren las condiciones socioeconómicas y el nivel educativo de la población. Si esto fuera
cierto, la población de los países desarrollados y con mejores índices de escolaridad estaría en la vanguardia
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mundial por reivindicaciones post-materialistas y la verdad no es así. Salvo las excepciones de siempre y
pequeños grupos comprometidos, la preocupación ambientalista de la población del mundo desarrollado no va
mucho más lejos de su entorno local y regional. El consumo energético y la demanda de materiales del veinte
por ciento más rico de la población mundial han venido creciendo de manera exponencial.

Lo que sí empieza a observarse como un factor determinante del cambio en la percepción y el


comportamiento colectivos son las crecientes condiciones de riesgo, pero eso no implica necesariamente el
desarrollo de valores ambientalistas. En otras palabras, la posibilidad de convertirnos en víctimas del medio
ambiente por escasez de agua, sequías prolongadas, intensidad de huracanes, inundaciones, desabasto de
alimentos, incremento de precios, etc. está provocando un creciente interés, sobre todo dada la marcada
desigualdad social de los riesgos y la vulnerabilidad.

Lo anterior explica, al menos en parte, la reciente movilización y resistencia de importantes sectores


sociales frente a decisiones que incrementan su situación de riesgo y vulnerabilidad sin que les reporten
beneficios concretos a la población, tales como la minería a cielo abierto, la explotación de gas de esquisto y las
represas de ríos locales.

Sin embargo, lo que es difícil explicar es el por qué hacemos tan poco en la misma línea de nuestra
preocupación por el medio ambiente. La disociación entre lo que deberíamos hacer y lo que hacemos es un
rasgo general de nuestras vidas y no sólo en cuanto a la relación con el ambiente. Diferentes teorías han
intentado explicar esto y existe bastante coincidencia en que las categorías que integran la cadena valores,
creencias, normas y comportamientos, tienen su propia lógica y están mediadas por diferentes factores. Valores
altruistas pueden ser más congruentes con ciertos actos siempre que la cadena no se rompa. Es decir, los valores
han de ser consistentes con la creencia, por ejemplo, de que mi intervención en los problemas puede marcar una
diferencia significativa y de eso derivar una norma de conducta personal que definirá mis actos en un
determinado sentido.

El proceso es considerablemente más complejo de lo que he comentado aquí, pero así opera en términos
generales. El problema son los numerosos factores que debilitan la cadena, tales como el grado de
incertidumbre, la distancia geográfica, la lejanía temporal, la proximidad emocional con las personas afectadas
y las posibilidades de percibir los efectos de un fenómeno a través de los sentidos.

De ahí que las noticias que hablan, por ejemplo, del cambio climático como un problema que ocurrirá en
el futuro, del cual no existe plena certeza científica, de que corresponde a los gobiernos, los científicos y las
empresas asumir la mayor parte de las medidas y de que afectará en mayor grado a otros distantes y ajenos, son
factores que merman nuestras convicciones y debilitan la cadena de valor-actuación. Esas noticias son afines a
un discurso interesado en que se posterguen las decisiones para favorecer sus negocios, por lo que minimizan la

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relevancia actual de los problemas para frenar la formación de compromisos individuales y colectivos de mayor
responsabilidad social.

No obstante, la cadena también se deteriora por nuestros deseos contradictorios y nuestras ambivalencias
personales en los distintos planos de nuestras vidas. La creencia de que si se protege el medio ambiente se
perderán empleos, pero si no lo hago me amenaza el colapso, produce dudas y parálisis y nos confronta con un
dilema que termina resolviéndose en función de cuál es la consecuencia más cercana y probable en mi propia
vida.

Muchos queremos consumir menos pero creemos que una reducción en el consumo es catastrófico para
la economía; otros queremos proteger al medio ambiente y conservar las comodidades que nos da la vida
contemporánea haciendo pequeños ajustes; las tecnologías eco-eficientes están bien pero que no afecten el
salario, los beneficios o los puestos de trabajo; me gustaría usar menos el automóvil pero no puedo permitirme
llegar tarde al trabajo y tampoco dispongo de transporte público eficiente y seguro; etc. etc.

Todos estos son ejemplos de los conflictos en los que nos movemos que nos alejan de una coherencia
entre nuestros propósitos y los hechos, y también de la posibilidad de transitar hacia la sustentabilidad. El
asunto es que la realidad nos va a obligar más temprano que tarde a entender que no hay manera de seguir en
esta vía y eso modificará sustantivamente las expectativas e incrementará las tensiones sociales. Y esta
advertencia no debiese ser desdeñable para nadie, especialmente para la formación de los educadores
ambientales.

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en México 1992-2002. México, COMIE. (Tomo I).

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"FORMACIÓN DE EDUCADORES AMBIENTALES: PERSPECTIVAS Y DESAFÍOS"

Nila C. Pellegrini B.
Universidad Simón Bolívar
Venezuela

La Educación Ambiental (EA) desde una perspectiva holística, interdisciplinaria y multidisciplinaria, representa
la interconexión de lo económico, político, tecnológico, ecológico, social, cultural, organizacional y curricular
para enfrentar los problemas ambientales y la relación de las acciones del ser humano sobre ella.

Es por ello, que la EA ha de orientarse en educar en una percepción distinta de la realidad, es decir, se
necesita un profundo cambio perceptivo, los cuales están vinculados a pautas arraigadas de comportamiento,
creencias y valores.

Como lo señala Novo (2012), ―La educación ambiental es la construcción del conocimiento sobre el ambiente.
Es una operación transaccional en la cual operan las cualidades y problemas del entorno y por otro los marcos
de referencia que integran la estructura cognitiva del que aprende. Tiene como objetivo último que las personas
desarrollen conductas correctas respecto del uso de los recursos y de su entorno, de acuerdo con valores
asumidos libre y responsablemente.‖

En este sentido, el papel del educador ambiental tiene que ser de orden ético, donde las decisiones morales las
toma el individuo, pero la información y los argumentos las aporta el educador con la intención de cambiar el
modo de vivir, de habitar en el planeta tierra. El educador ambiental tiene la tarea de cambiar
comportamientos, actitudes para abordar la complejidad ambiental; se preocupa por conocer los mecanismos
de funcionamiento de la naturaleza, sus potencialidades y límites, percibir los entornos y la gestión que de ellos
hacemos y como señala Tréllez (2007), respetar, cuidar y amar a la naturaleza y, respetar,amar y comprender a
los demás seres vivos.

El educador ambiental tiene el compromiso de educar para fortalecer el pensamiento y la forma de actuar hacia
la construcción de un mejor futuro, y en esta lucha incluye la sustentabilidad porque ésta, es una condición que
la naturaleza está requiriendo.

Se trata entonces de la construcción de una racionalidad socio-ambiental con el objetivo de plantear estilos
diferentes, sustentables, que tiendan a lograr el mejoramiento de la calidad de vida de las personas, y que sean
flexibles para que se reajusten de forma dinámica a la complejidad de la realidad.
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Los educadores ambientales deben ser capaces de replantear los itinerarios pedagógicos de una ética ecológica,
de manera que ayuden a crecer en la solidaridad, la responsabilidad y el cuidado basado en la compasión. Por
ejemplo, si una persona, aunque la propia economía le permita consumir y gastar más, habitualmente se abriga
un poco en lugar de encender la calefacción, se supone que ha incorporado convicciones y sentimientos
favorables al cuidado del ambiente. Educar en la responsabilidad ambiental puede estimular diversos
comportamientos que tienen una incidencia directa en el cuidado del ambiente, como evitar el uso de material
plástico y de papel, separar los residuos, tratar con cuidado a los demás seres vivos, utilizar el transporte
público y plantar árboles. Todo esto se relaciona con la creatividad de manera directa, mostrando lo mejor del
ser humano, a partir de motivaciones, imaginación y asombro que exprese nuestra propia dignidad.

En este orden de ideas, ser educador ambiental implica conocer al ser humano en todas sus dimensiones, y para
esto es necesario formarse, contar conherramientas, reinventarse para entender los cambios y formar a las
personas para la vida, a través de nuevos conceptos, estrategias y medios de comunicación que ayuden a
interpretar el lenguaje del ambiente en sonidos, imágenes y conceptos comprensibles por el ciudadano común;
en otras palabras educar para vivir mejor.

En función de lo anterior ¿Cuál es el papel del educador ambiental dentro de la sociedad? La respuesta a
esta pregunta es: preparar a las personas para que puedan conocer, enfrentar y resolver los problemas
ambientales como producto de las acciones humanas, a través de la toma de decisiones fundamentadas y
dirigidas al logro de un desarrollo culturalmente plural, socialmente justo y ambientalmente sustentable. Se
trata de estructurar el discurso y el mensaje sobre la relevancia de los problemas, buscando formas asertivas de
comunicación que ayuden a acercarnos más a las personas.

El educador ambiental debe ir más allá de la información y sensibilización; debe fomentar una conciencia
crítica, que lleve a una práctica transformadora; por lo que se requiere enseñar nuevos conocimientos,
habilidades, perspectivas y valores, que guiarán y motivarán al ciudadano a que adquiera nuevos
comportamientos y a participar en una sociedad democrática y a vivir de otra manera (Mckeown, 2002). En este
sentido es necesario redefinir nuevos escenarios orientados a desarrollar una nueva cultura intelectual de
consumo y tecnología.

El papel del educador ambiental es de mediador en esta transición educativa sujeto-entorno que da lugar al
nuevo conocimiento, utilizando estrategias diversas para poder relacionar lo nuevo que se aprende con lo que
ya se sabe, bien sea para confirmarlo, ampliarlo, modificarlo o cuestionarlo. De este modo como lo señala

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Ausubel (1983), el verdadero aprendizaje significativo es aquel en que las ideas se relacionan con algún aspecto
existente, relevante de la estructura cognoscitiva del individuo.

Los procesos en los que se sustentan las prácticas de la educación ambiental son aquellos que: facilitan la
colaboración y el diálogo, fomentando la participación de las personas y estimulando su capacidad para la
resolución de problemas; desarrollan sinergias entre los centros educativos, gobiernos, empresas, ONGs, entre
otros; adquirieren conocimientos, valores y teorías, que generen transformaciones educativas y participación
activa del educando; desarrollan el pensamiento crítico, enfocada a la resolución de problemas, basada en
estrategias pedagógicas diversas(Tilbury, 2011). Todo ello implica el desarrollo de la capacitación para la
acción, pues como lo señala Sauvé (1997) el compromiso, la motivación, la actuación y participación de los
individuos y colectivos a favor de un mundo mejor, debe proporcionarles tres tipos de saberes:

a. Saber-hacer: implica la adquisición de habilidades, estrategias, técnicas y procedimientos para la toma


de decisiones y la realización de acciones relacionadas con la sustentabilidad.
b. Saber-ser: supone la sensibilización y concienciación del educando acerca de la necesidad de lograr un
modelo de desarrollo y sociedades sustentables, fomentando nuevas actitudes y valores coherentes con
la sustentabilidad.
c. Saber-actuar: proporciona al educando una formación de aptitudes que les permita aplicar el
conocimiento e información en el diagnóstico y análisis de las situaciones, propiciando una actuación y
participación tanto individual como colectiva, para mejorar la práctica de la educación para la
sustentabilidad de manera responsable y eficaz.

Merece la pena detenerse en especificar lo que supone el necesario cambio cultural, es decir, los cambios de
actitudes y comportamientos que todo educador ambiental debería promover, tomando en consideración lo
establecido en el Capítulo 36 de la Agenda 21, que se refiere a: reorientar la educación hacia la sostenibilidad;
aumentar la conciencia del público y fomentar la capacitación. Además, define entre las bases para la acción,
el reconocerse que la educación, la toma de conciencia del público y la capacitación, configuran un proceso
que permite que los seres humanos y las sociedades desarrollen plenamente su capacidad latente, y la
importancia crítica para promover un estilo de vida diferente y aumentar la capacidad de las poblaciones para
abordar cuestiones ambientales y de desarrollo.

En este sentido la utilización de instrumentos como la evaluación de los impactos ambientales para conocer y
prevenir los efectos de los productos y tecnologías, analizar los posibles riesgos y facilitar la toma de decisiones
para llevar adelante un proyecto, así como las auditorías ambientales para conocer la calidad y repercusión de
los productos en sus procesos de vida, buscando la garantía del entorno natural y social, son indispensables a
ser incorporadas en toda acción del educador ambiental.
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Las prácticas educativas ambientales han de responder a las necesidades e intereses del educando, y ofrecer
oportunidades para explorar temas de la vida real, en contextos locales relacionados con los globales. Así como
también ofrecerles oportunidades que evalúen lo que han aprendido, animarlos a incorporar elementos
multisensoriales en sus valoraciones y comunicaciones, estimularlos para que generen sus propias preguntas y
expliquen sus pensamientos, y ayudarlos a transferir el conocimiento (Martínez, 2010).

El Papa Francisco (2015) en el Capítulo sexto, de la Encíclica papal, dedicado a Educación y Espiritualidad
Ecológica, mantiene su discurso de llamado para que se encuentre el camino para actuar en ―el cuidado de la
casa común‖, comenta:

(…..) La educación ambiental debería disponernos a dar ese salto hacia el Misterio, desde
donde una ética ecológica adquiere su sentido más hondo. Por otra parte, hay educadores
capaces de replantear los itinerarios pedagógicos de una ética ecológica, de manera que
ayuden efectivamente a crecer en la solidaridad, la responsabilidad y el cuidado basado en
la compasió. (……) La educación en la responsabilidad ambiental puede alentar diversos
comportamientos que tienen una incidencia directa e importante en el cuidado del
ambiente, como evitar el uso de material plástico y de papel, reducir el consumo de agua,
separar los residuos, cocinar sólo lo que razonablemente se podrá comer, tratar con
cuidado a los demás seres vivos, utilizar transporte público o compartir un mismo vehículo
entre varias personas, plantar árboles, apagar las luces innecesarias. Todo esto es parte de
una generosa y digna creatividad, que muestra lo mejor del ser humano. El hecho de
reutilizar algo en lugar de desecharlo rápidamente, a partir de profundas motivaciones,
puede ser un acto de amor que exprese nuestra propia dignidad (p.64, 65)

Finalizo con las palabras del papa Francisco ―El desafío urgente de proteger nuestra casa común incluye la
preocupación de unir a toda la familia humana en la búsqueda de un desarrollo sostenible e integral, pues
sabemos que las cosas pueden cambiar” (Papa Francisco, 2015, p.12)

Bibliografía:

AUSUBEL, D., NOVAK, J., HANESIAN, H., SANDOVAL, M. (1983). Psicología educativa. Un punto de
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OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL. QUEM FAZ, COMO E PARA QUE?
UM OLHAR ECOMUNITARISTA
Prof. Dr. Sirio Lopez Velasco (PPGEA/FURG – lopesirio@hotmail.com)

RESUMO

Nestas linhas nos propomos revisitar e atualizar brevemente algumas ideias que ao longo dos anos viemos
amadurecendo, no que diz respeito ao conceito e conteúdos da educação ambiental, de alguns conceitos-chave
que nela estão envolvidos, assim como sobre quem deve praticar a educação ambiental, como e para que,
sempre na ôtica ecomunitarista.

PALAVRAS-CHAVE: Educação ambiental, pedagogia problematizadora, ecomunitarismo

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ALGUNS CONCEITOS-CHAVE ENVOLVIDOS NELA

O dicionário ―Aurélio‖ (1986) diz que a educação é: 2) um processo de desenvolvimento da capacidade física,
intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social; 3)
os conhecimentos ou as aptidões resultantes de tal processo; 4) o cabedal científico e os métodos empregados
na obtenção de tais resultados; 6) aperfeiçoamento integral de todas as faculdades humanas; 7) conhecimento e
prática dos usos da sociedade. Note-se que essa definição nada diz sobre a educação ambiental e sobre a
educação estética, e não diferencia a moral da ética.

Pelas acepções dois e seis o ―Aurélio‖ nos faz lembrar da concepção de Platão (ver ―A República‖) segundo a
qual o ser humano precisa desenvolver não somente o saber e a sabedoria, mas também a coragem e a
temperança (correspondentes às três partes da alma a às suas diversas virtudes), harmonizando
equilibradamente o todo (no que vem a ser a quarta virtude, a justiça). Já as acepções 2 e 7 deixam no ar o
problema da ―integração‖ a ―usos‖ da sociedade (por exemplo, capitalista) que podem ser nefastos para a saúde
da natureza humana e não humana. [Note-se também que, partindo do conceito da OMS, podemos definir a
―saúde‖ como sendo o estado sistêmico de equilíbrio instável de bem-estar físico, social e psicológico dos
indivíduos e grupos humanos. Também podemos aplicar esse conceito à natureza não humana; animais e
plantas saudáveis seriam aqueles que, segundo a sua idade, estão executando plenamente suas funções vitais e
ecológicas (sua interação com os outros seres vivos e com o meio abiótico). Inclusive poderíamos dizer que o
meio abiótico (terra-rochas, ar, água) tem saúde quando suas qualidades físico-químicas essenciais se mantêm
estáveis sem sofrer degradação irreversível].

Da minha parte defino a educação ambiental como sendo a educação problematizadora (no sentido de Paulo
Freire e Dermeval Saviani, entendidos na síntese dialética das suas visões) fundamentada nas três normas
fundamentais da ética e orientada rumo ao ecomunitarismo. Na minha perspectiva evito o problemático
conceito de ―valor‖, no seu sentido axiológico, para fundamentar a ação educativa nas três normas
fundamentais da ética, deduzidas argumentativamente da pergunta que a instaura, a saber ―Que devo fazer?‖.
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Tais normas nos obrigam, respectivamente, a lutar para realizar a nossa liberdade individual de decisão, a
realizar essa liberdade na busca de decisões consensuais com os outros seres humanos, e a preservar-regenerar
uma natureza humana e não humana saudável (ver Lopez Velasco 2003a, 2003b e 2008). Como se sabe, essas
três normas são violadas cotidianamente no capitalismo.

Na nossa visão os conhecimentos que o educador ambiental deverá adquirir referem-se à sociedade e meio em
que vive (desde o nivel local até o planetário), sobre a pedagogia problematizadora que deve praticar, e sobre as
formas de ação educativa e cidadã que podem conduzir da melhor maneira rumo ao ecomunitarismo. Lembre-se
que temos definido o ecomunitarismo como uma ordem socioambiental pós-capitalista na qual se realizam de
fato no dia a dia as três normas fundamentais da ética, os seres humanos reconciliam-se entre si (uma vez
superado o capitalismo e toda sociedade classista) e reconciliam-se com a natureza não humana, frente à qual
aqueles tem uma atitude permanente de preservação-regeneração (conforme o exigido pela terceira norma
básica da ética). Algumas caraterísticas fundamentais do ecomunitarismo nas suas diversas dimensões (sabendo
que na sua configuração utópica o ecomunitarismo e inatingível na sua totalidade, mas ao mesmo tempo é uma
estrela-guia indispensável para que não percamos o rumo na nossa caminhada) são as seguintes: a) uma
economia ecológica e solidária sem patrões, baseada no princípio ―de cada um segundo a sua capacidade e a
cada um segundo a sua necessidade, respeitando-se os equilíbrios ecológicos‖ (economia essa que se conforma
ao padrão das ―7 R‖ que nos exigem ―Refletir sobre o tipo de vida que queremos e o planeta que queremos
deixar para os nossos descendentes‖, ―Recusar o consumismo, adotando a frugalidade ecológica do ‗bom viver‘
dos indígenas quechua e aymara‖, ―Reduzir, Reutilizar e Reciclar os recursos e resíduos‖, ―viver usando
energias Renováveis‖, e, ―Revolucionar o capitalismo rumo ao ecomunitarismo‖; b) uma educação ambiental
ecomunitarista praticada tanto nos espaços formais quanto nos não-formais, e da quel faz parte uma educação
sexual promotora do livre desfrute do prazer consensuado (que não fira nenhuma das três normas éticas
fundamentais), e superadora do machismo, do racismo e da homofobia; c) uma política de todos, que repousa
na democracia participativa direta, com direito à revogação dos representantes pelos representados a qualquer
momento; e, d) uma comunicação simétrica, alicerçada na expropriação pelas comunidades dos atuais
latifúndios mediáticos, para substitui-los pelos meios públicos e comunitários, animados pelos cidadãos
organizados desde o nível local até o nível panetário. (Ver Lopez Velasco 2003b, 2008, 2010, 2012, e 2013)

Lembre-se que Freire (1970, cap. 2, e 1982) introduziu o termo de ―educação problematizadora‖ para
caracterizar uma proposta (oposta à educação bancária, que serve à manutenção da ordem dividida entre
opressores e oprimidos) destinada a permitir uma transformação social conduzente a uma nova ordem sem
opressores nem oprimidos na qual cada indivíduo possa se desenvolver plenamente, em convivêcia solidária
com os demais. Um conceito freireano fundamental é o de ―conscientização‖, que aquele autor definiu como
uma moeda de dupla face inseparável, constituida pelo desvelamento crítico da realidade, e , simultaneamente,
por uma ação transformadora conduzente a uma ordem sem opresores nem oprimidos. Da nossa parte
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completaremos Freire na perspectiva socioambiental, incorporando as relações entre os seres humanos e a
natureza não humana. Por sua vez Saviani (1983) nos fala de uma educação problematizadora organizada em
cinco passos/momentos; o primeiro é a prática social compartilhada por educador e educandos; o segundo é o
do levantamento (acrescento, no diálogo entre educador e educandos) dos problemas (acrescento,
socioambientais) relevantes para sua vida (acrescento, e a vida do planeta); o terceiro passo é o da
instrumentalização (ou seja, a busca de conhecimentos e habilidades criados pela humanidade, necessários para
melhor equacionar os problemas previamente focados); o passo seguinte é chamado por Saviani de ―catarse‖
(que entendemos como sendo o momento da compreensão sistémica e aprofundada dos problemas levantados,
graças ao enriquecimento proporcionado pela instrumentalização); e o quinto e último passo é a prática social
(que de um lado é a mesma que deu iníco ao processo, mas de um outro lado já não é a mesma, pois terão
mudado tanto o educador quanto o educando, transformados pelo processo que acabam de viver, e,
acrescentamos, também deverá ter mudado pela ação e comportamentos de ambos, mesmo que modestamente,
a sociedade na qual estão vivendo); esse ciclo haverá de se repetir-renovar uma e outra vez. Mais adiante, na
parte dedicada ao ―como se faz a educação ambiental?‖ voltaremos sobre isto para explicitar as diretrizes que
propomos, combinando em síntese dialéctica as propostas de Freire e Savani.

DOIS CONCEITOS-CHAVE ENVOLVIDOS NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

- O QUE É ―AMBIENTAL‖?-

O que entendemos por ―ambiental‖? Sem dúvida que ao ouvirmos esse termo, de imediato pensamos em
áreas verdes, em luta para se evitar a extinção de certas espécies animais ou vegetais, e também na ação contra
a contaminação (poluição) das terras, águas e ar. Juntando essas características, pensamos que o ―meio
ambiente‖ é o espaço-tempo (ocupado também por outros seres vivos e por entes não vivos) onde se desenvolve
a vida dos humanos, espaço-tempo que se é a condição da existência da humanidade, também não deixa de ser
em grande parte resultado da ação dos próprios seres humanos. Mas então surge a pergunta: pode haver uma
educação que não seja ―ambiental‖? Por incrível que pareça podemos afirmar que, embora toda educação
preocupa-se com o meio social no qual o educando vive, há modelos educacionais que não têm se preocupado
com a opressão existente entre classes sociais no capitalismo, nem com a saúde da terra, da água e do ar nos
quais habita essa sociedade, e tampouco com as relações que nesse espaço os seres humanos mantém com entes
não vivos, e com seres vivos não humanos (sejam eles vegetais ou animais); uma prova dessa despreocupação é
precisamente o estado alarmante ao qual chegamos em matéria de frustração no desenvolvimento dos
indivíduos humanos, e de poluição, devastação e ameaça à sobrevivência de numerosas espécies dentre as quais
não podemos excetuar a espécie humana, porque o envenenamento (em particular pelas atividades industriais,
agrícolas, e pelos gases emitidos pelos dispositivos movidos a petróleo) da terra, da água e do ar, acaba
traduzindo-se em doenças que nos afetam diretamente.

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Assim, a educação familiar e a educação formal (nas escolas e universidades) que centrar seus esforços em
fomentar a subida, dentro do capitalismo, rumo ao seleto grupo dos ―ricos e famosos‖, por sua omissão dos
fatores ambientais aqui citados, pode ser chamada de ―educação não ambiental‖. Na conferência da ONU
realizada em Tbilisi em 1977 (cfr. Dias 1991), salientou-se que essa educação, chamada de ―ambiental‖, devia
buscar-incentivar a solidariedade entre os seres humanos, no contexto de um comportamento (alicerçado em
conhecimentos, valores e habilidades) que estivesse guiado pela preocupação pela saúde dos ecossistemas onde
habitam os seres humanos (envolvendo entes não vivos, como terra, água e ar, e seres vivos como vegetais e
animais). Os valores acima mencionados são precisamente as valorações que colocam como indispensáveis à
adesão permanente a ambas preocupações. As habilidades são o ―saber fazer‖ a favor da preservação ou
recuperação dos ecossistemas desequilibrados pela busca incessante da riqueza elevada a máximo objetivo da
vida (não solidária). Os conhecimentos incluem este que acabamos de frisar e todos aqueles capazes de nos
ilustrar sobre o correto e o incorreto nos relacionamentos inter-humanos e com o restante da natureza.

Ora, colocadas assim as coisas, parece claro que hoje há uma certa ―seudo-educação ambiental‖ que peca por
falta de profundidade e abrangência e não passa de um modismo que se inscreve ao interior da sociedade
capitalista (modismo forjado pela freqüência crescente com a qual no fim do século XX e no início do século
XXI, a grande mídia tem se preocupado de questões ―ambientais‖, quase sempre vinculadas a algum tipo de
poluição, desflorestamento e/ou extinção de alguma espécie animal, isoladamente considerados). E digo que
falta a essa suposta EA a profundidade-abrangência de tal, porque, assim como a grande mídia que a suscita,
não discute nunca os fundamentos mesmos da sociedade capitalista; ou seja: a) o fato de que nessa sociedade
uma minoria é dona dos grandes meios de produção (terras e fábricas) e distribuição (supermercados) e de
transporte (veículos de terra, mar e ar) e dos bancos, enquanto que a grande maioria trabalha para essa minoria
ou sofre com o desemprego por não ter meios de produção nos quais aplicar as suas capacidades produtivas; b)
o objetivo da produção é a obtenção de mais dinheiro que aquele que foi investido nela, ou seja o
enriquecimento, e não a satisfação das diversas necessidades humanas, a ponto tal que nesta sociedade milhões
são os potenciais consumidores que morrem de fome ou doenças curáveis, por não terem o dinheiro
indispensável para comprar os alimentos e os remédios. Com essas omissões fundamentais, a EA que é
modismo, serve inclusive para que alguns capitalistas se dêm boa consciência ―ambiental‖, financiando projetos
de resgate de algum rio poluído ou de alguma espécie ameaçada (tipo baleia ou mico-leão dourado). Para essa
suposta EA o capitalismo é a forma social definitiva da espécie humana, e ela nem sonha em imaginar um
―além do capitalismo‖; ao tempo que não percebe que daqueles dos traços fundamentais que referimos acima,
resulta: do primeiro, que no capitalismo a humanidade não é uma família que possa decidir dialogando o que
fazer (produzir, distribuir, consumir, preservar, recuperar), e do segundo, que a concorrência feroz onde
sobrevive aquele que consegue maior lucro, impossibilita que sejam tomadas medidas radicais (no sentido de
―ir até a raiz‖) e duradouras nas áreas de preservação-recuperação da natureza doente (incluída a humana) por

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causa do impacto causado por essa lógica do lucro. É bem verdade que nas últimas décadas nos paises
capitalistas do primeiro mundo, têm sido elaboradas diversas normas de preservação-controle ambiental, mas
ao mesmo tempo vemos que até hoje a principal potencia (os EEUU) nega-se a assinar os protocolos de
controle-diminuição dos gases poluentes, incentivados por diversas conferências internacionais promovidas
pela ONU, e que as mesmas multinacionais que têm sido, de certo modo, freadas no primeiro mundo, trazem
suas fábricas obsoletas para o terceiro mundo, para continuarem a praticar a lógica do ―lucrar poluindo e
devastando‖. Também se observa que nos paises do primeiro mundo nem superficialmente são questionados os
dois fundamentos do capitalismo que acima elencamos. Pelo contrário, afirma-se que o capitalismo é ―o fim da
história‖. No entanto, percebemos que na humanidade atual, milhões sofrem de fome, desemprego, falta de
acesso à saúde e alimentação básica; e nos paises ricos, mesmo os que não carecem de certo conforto, na sua
grande maioria vivem às pressas, preocupados e inquietos pelo hoje e pelo amanhã (seja pela violência do dia a
dia, seja porque nada garante que o amanhã não traga desemprego e privações). Como vimos, com o
capitalismo sofrem os seres vivos e também a terra, a água e o ar; em resumo, o capitalismo faz mal à saúde de
humanos e não humanos. Daí que afirmamos: pensar um além do capitalismo é uma necessidade, se quisermos
sanar os males antes citados. Por isso, uma EA que integre essa perspectiva pós-capitalista é uma necessidade.

- O CONCEITO DE MEIO AMBIENTE –

Ocorre com frequencia que quando se pede para uma criança que desenhe alguma coisa referida ao ―meio
ambiente‖ o que ela produz é uma paisagm verde, onde há algum curso d‘ água e alguns animais. Em tal
representação notam-se as ausências do ser humano e da vida industrial-urbana (em especial nas suas facetas
problemáticas poluentes-devastadoras)

Ora, todas as considerações que temos feito acerca do que deve se entender por ―ambiental‖, encontram
fundamento no conceito de Meio Ambiente que foi incorporado pela Lei de Política Nacional de Educação
Ambiental brasileira (PNEA, promulgada em 1999). Com efeito, ali encontramos uma clara caracterização
socioambiental do Meio Ambiente, fugindo de qualquer compreensão naturalista (por tanto, reducionista), do
mesmo, pois no seu artigo 4 lemos que é princípio básico da EA " a concepção do meio ambiente em sua
totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o sócio-econômico e o cultural, sob o enfoque
da sustentabilidade"; e isto a escala local, regional, nacional e global. [Já fizemos notar que o alcance dessa
definição é fundamental para se resolver problemas práticos, por exemplo o das indenizações no incidente
socioambiental causado pelo derrame de ácido do navio ―Bahamas‖ no porto de Rio Grande em 1998, pois o
enorme dano causado à comuniadde local de pescadores e pessoas que vivem indiretamente da pesca, permite
concluir que houve claríssimo dano ambiental, mesmo se os danos causados a especies vegetais e animais do
local, e à qualidade da água do estuário da Lagoa dos Patos, foram pequenos e transitórios; tal caracterização é

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de fundamental importância quando se sabe que dela depende que a Justiça determine ou não o pagamento de
indenizações aos afetados].

QUEM FAZ EDUCAÇÃO AMBIENTAL?

Lembremos que o art. 3 da PNEA especifica: "Como parte do processo educativo mais amplo, todos têm direito
à educação ambiental, incumbindo: I - ao Poder Público, nos termos dos arts. 205 e 225 da Constituição
Federal, definir políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental, promover a educação ambiental em
todos os níveis de ensino e o engajamento da sociedade na conservação, recuperação e melhoria do meio
ambiente; II - às instituições educativas, promover a educação ambiental de maneira integrada aos programas
educacionais que desenvolvem; III - aos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - Sisnama,
promover ações de educação ambiental integradas aos programas de conservação, recuperação e melhoria do
meio ambiente; IV - aos meios de comunicação de massa, colaborar de maneira ativa e permanente na
disseminação de informações e práticas educativas sobre meio ambiente e incorporar a dimensão ambiental em
sua programação; V - às empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas, promover programas
destinados à capacitação dos trabalhadores, visando à melhoria e ao controle efetivo sobre o ambiente de
trabalho, bem como sobre as repercussões do processo produtivo no meio ambiente; VI - à sociedade como um
todo, manter atenção permanente à formação de valores, atitudes e habilidades que propiciem a atuação
individual e coletiva voltada para a prevenção, a identificação e a solução de problemas ambientais".

Agora raciocinemos aqui e desde a ótica ecomunitarista sobre quem deveria fazer educação ambiental.
Respondemos brevemente que a educação ambiental é responsabilidade de todos os seres humanos que tenham
superado a puberdade (mas sendo participantes da mesma desde a infância). Tanto crianças quanto adultos
estamos sendo desafiados a não pararmos nunca nosso processo de educação; e para tanto, disse Freire,
aprendemos dos outros e com os outros. Esse desafio exige que os pais tenham a humildade e a sabedoria de
aprenderem com os seus filhos ao tempo em que os ensinam, que os mestres façam o mesmo com seus alunos, e
que o dirigente social ou político tenha igual comportamento em relação aos cidadãos. Assim entendida, a
―educação ambiental‖ abrange toda a sociedade, pois permeia todos os relacionamentos entre os seres humanos.
Estão desafiados pela nossa proposta a serem educadores ambientais (obviamente que sendo também
educandos nesse porocesso) os pais, os irmãos mais velhos, os professores de todos os níveis da educação
formal, os profissionais formados em universidades ou escolas técnicas especializadas, as ONG‘s, as lideranças
comunitárias, esportivas, gremiais, sindicais e políticas, os comunicadores de todas as mídias (nas redes sociais
e na imprensa escrita, falada e audiovisual), as lideranças religiosas (quando redescobrirem que a religião deve
apontar para a re-ligação solidária/respeitosa entre os seres humanos e entre estes e o restante da natureza), os
administradores de todos os níveis e tipos de atividade, e os membros dos corpos armados (pelo tempo em que
estes ainda subsistam, antes da sua extinção no ecomunitarismo).

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COMO SE FAZ EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Lembremos que o art. 2 da PNEA diz "A educação ambiental é um componente essencial e permanente da
educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo
educativo, em caráter formal e não-formal‖

Distinguiremos pois no que segue entre o campo da educação formal e o da educação não formal
(especialmente na modalidade comunitária)

- COMO SE FAZ NA EDUCAÇÃO FORMAL-

Para a educação formal propomos as seguintes diretrizes (que valem como um sistema e não isoladamente cada
uma): a) Vincular os conteúdos a problemas socioambientais da vida dos alunos e dos brasileiros (por exemplo,
em algumas das seguintes áreas: distribuição dos meios de produção-distribuição, distribuição da
riqueza/pobreza, trabalho-desemprego, democracia participativa, racismo, machismo, homofobia,
marginalização, alimentação, saúde, violência, drogas, moradia, higiene, e ecologia, transporte, arruamento,
arborização, água, energias...), reservando espacos para discutir essas questões sem medo de se afastar do
"conteúdo específico", b) promover a pesquisa coletiva e individual, devendo o professor exercer o papel de
"auxiliar de planejamento, observação, elaboração de hipóteses, testes das mesmas e elaboração de resultados"
numa atividade que visa a "redescoberta-reconstrução" dos conhecimentos mediante a reflexão dialogada, c)
sair para trabalhos de campo e/ou criar espaços, mesmo que modestos, na própria escola ou instituição
educativa, voltados para atividades de pesquisa descritiva ou experimental (sem descuidar da pesquisa
bibliográfica, hoje facilitada pela Internet), d) dialogar na escola (instituição educativa) e/ou "in loco" com
conhecedores (escolarizados ou não) do tema em estudo, visando à integração entre os conhecimentos
"técnicos" e as suas implicações sócio-humanas, e, e) a partir do trabalho coletivo e das sistematizações
elaboradas com a ajuda do professor e de conhecedores, promover ações voltadas para a informação e a busca
de soluções para problemas socioambientais existentes na escola ou instituição educativa, no bairro desta, no
bairro de residência dos alunos e/ou na comunidade onde for realizada a pesquisa. Uma hipótese básica de tal
proposta e a de que, mesmo se assumindo como "dados" os atuais conteúdos curriculares, uma EA
ecomunitarista, assim como foi definida acima, pode ser posta em prática, no dia-a-dia, das diversas disciplinas
e/ou atividades. Assim pensamos numa proposta que não possa ser impugnada desde a "legalidade" vigente
(particularmente no que tange aos conteúdos dados como pré-requisitos programáticos para a série seguinte) e
que seja realista, isto é, aplicável em qualquer escola no que diz respeito aos recursos utilizados; não há
carência de recursos que possa resistir à clareza teórica, à boa vontade e à imaginação do educador engajado na
pedagogia problematizadora

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Obviamente que a aplicação de tais diretrizes conduz para um quadro de transdisciplinariedade, mesmo que a
mesma seja entendida num sentido modesto como o é o da transversalidade que perpassa (deve perpassar) as
diversas disciplinas/atividades praticadas na instituição educativa. (Posto isto, reafirmamos a posição que
assumimos em relação à Lei de PNEA na época da sua discussão e promulgação, quando defendimos a tese de
que a lei deveria aconselhar mas não vetar a criação de uma disciplina de educação ambiental nas instituições
da educação básica e média e nos cursos de graduação da educação superior, pois assim haveria pelo menos um
espaço garantido para a educação ambiental, que poderia ser animado pelos estudantes que formamos nos
cursos de pós-graduação).

- COMO SE FAZ NA EDUCAÇÃO NÃO FORMAL COMUNITÁRIA-

Imaginemos uma ação educativa comunitária qualquer. Como deveria ela ser encarada e praticada em ótica
ecomunitarista? Para responder essa pergunta avançamos por ora as seguintes considerações.

Já que ela transcorreria hoje no contexto da sociedade capitalista, ela deveria no seu decorrer (e abordando cada
questão no momento que os educadores considerarem oportuno, ou forem solicitados a fazê-lo pela
comunidade) tentar desvelar dialogadamente com a comunidade participante as principais características do
capitalismo; assim ela abordaria a assimetria existente entre uma minoria que é dona dos meios de produção e
uma grande maioria que para sobreviver somente tem ao seu alcance a venda da sua força de trabalho
(exercendo um trabalho alienado que a degrada e castiga em permanência, impedindo a realização de cada
pessoa nas suas múltiplas vocações e aptidões, compatíveis com a três normas éticas fundamentais; normas
cujos conteúdos deveriam ser dialogalmente estabelecidos, com a orientação dos educadores, assim como
previamente deveriam ser desveladas as principais caraterísticas do trabalho alienado no capitalismo); a ação
educativa revelaria dialogadamente logo a seguir como essa situação toda gera uma guerra de todos contra
todos e/ou uma indiferença de todos em relação a quase todos na esfera das relações humanas, e também a
inevitável devastação/contaminação da natureza não humana, em função da fria e implacável lógica do lucro
(ver Lopez Velasco 2003b e 2012). Nesse desvelamento essa ação deveria mostrar a estrutura socioambiental
do ―meio ambiente‖ (segundo a concepção do art. 4 da PNEA), que reune caraterísticas naturais e socioculturais
interligadas. Como contrapartida desse desvelamento crítico a ação educativa deveria mostrar o horizonte
ecomunitarista como uma estrela-guia que orienta a ação cotidiana rumo à superação do capitalismo, dentre
outras, nas esferas da educação, a economia, a política, a erótica, e a comunicação.

A ação educativa deveria iniciar pelo levantamento dialogado com a comunidade de um problema
socioambiental local que seja do interesse imediato da comunidade (seja ele na área que for, por exemplo,
dentre outras possíveis, a da saúde, drogas-violência, desemprego, pobreza, racismo, homofobia, água, terra e
reforma agrária e urbana, saneamento, alimentação, arborização, transporte, moradia, educação, etc.).

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A seguir a ação educativa dialogada deveria suscitar uma leitura do mundo que permita aos membros da
comunidade relacionar o problema levantado com o contexto do quadro capitalista vivido; esse enquadramento
se daria respondendo a questões tais como: os grandes capitalistas tem esse mesmo problema? se sim, eles tem
mais meios que nós para resolvê-lo; quais?; e se eles não tem esse mesmo problema, por que não?; o mais
adequado não seria que todos tivéssemos os mesmos recursos para resolver os problemas coletivos?; pode
haver essa distribuição igualitária de recursos em meio à assimetria existente entre os donos do poder
econômico-político-militar-mediático por um lado, e os simples assalariados ou desempregados por outro
lado?; como se resolveria esse problema no ecomunitarismo? (e aqui os educadores deveriam informar as
grandes linhas da organização ecomunitarista, para enquadrar dentro delas a abordagem dialogada do problema
e da sua solução).

De imediato a ação educativa deveria explorar dialogadamente as seguintes questões: quais conhecimentos
devemos procurar adquirir para podermos avaliar adequadamente o problema e buscar uma solução concreta no
curto-médio prazo para o mesmo? com quem e/ou onde podemos encontrar esses conhecimentos?

Uma vez respondidas essas questões a ação educativa deve levar membros da comunidade até as fontes
apontadas, e, sobretudo, trazer até a comunidade as pessoas capazes de fornecer-lhe conteúdos para a busca da
resposta para o problema considerado.

Analisando criticamente esses conteúdos, a comunidade, sempre auxiliada e orientada pelos educadores,
deveria responder às seguintes questões: a) como devemos caminhar rumo ao ecomunitarismo praticando
transformações que na sua forma e no seu conteúdo sejam compatíveis com ele?, e, b) que tipo de solução
concreta dessa espécie podemos almejar para o problema considerado no seio mesmo da atual sociedade
capitalista?

Uma vez respondida essa questão viria outra: quem deve ajudar (a começar pela própria comunidade) na
implementação dessa solução? Aqui é quase certo que, além das forças comunitárias locais, os vizinhos dirão
que precisam de outros apoios (identificados na resposta para a última pergunta), por exemplo, determinadas
instituições ou autoridades públicas locais. (Tendo em vista o horizonte ecomunitarista e a educação ambiental
ecomunitarista, que preconizamos, haverá de se descartar qualquer apoio de empresas privadas ou organizações
de pretensa caridade que são funcionais ao capitalismo; será bem-vindo o auxílio de cooperativas que sejam
autênticas, movimentos populares e instituições públicas). Uma vez identificados esses outros apoios
necessários, a comunidade se organizará para consegui-los (exercendo, se for o caso, toda a pressão necessária,
com mobilizações, inserções na mídia, etc.). Uma vez conseguidos esses apoios e sempre partindo da energia
transformadora da comunidade, a solução (mesmo que parcial e modesta) será implementada.

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O sucesso conseguido pela comunidade na solução do problema focado na ocasião lhe dará mais força e
confiança para perseverar na prática crítico-transformadora orientada pelo horizonte ecomunitarista. Essa
prática poderá incluir ações político-eleitorais e outras que fujam da ordem jurídico-política até então vigente,
buscando as transformações radicais (de ―ir à raiz das coisas‖) mediante as quais e com as quais a Humanidade
possa superar essa sua pré-história (como disse Marx), que é o capitalismo, orientada pelo horizonte
ecomunitarista. Com estes esclarecimentos do horizonte pós-capitalista fica claro que a ação e os sucessos da
comunidade em questão nunca podem ser nem planejados nem avaliados em isolamento das muitas outras
comunidades que conformam a grande comunidade local, regional, nacional, continental e planetária (quer
dizer humana), mas, pelo contrário, sempre deverão ser enquadrados nesses respectivos contextos; isolar a ação
e o sucesso de uma comunidade fechada em si mesma equivaleria a trair a perspectiva probematizadora
socioambiental ecomunitarista, e ceder diante da atomização individualista (nesse caso pequeno-comunitária)
que perpassa o capitalismo e causa inúmeras tragédias humanas e na natureza não humana.

PARA QUE FAZER EDUCAÇÃO AMBIENTAL?

A essa última pregunta damos uma resposta breve e clara: para buscar a superação do capitalismo, inspirados e
guiados pelo horizonte ecomunitarista, de forma a permitir o livre e completo desenvolvimento de cada
indivíduo humano, no seio de relações solidárias com os outros humanos, e em atitude de preservação-
regeneração da saúde da natureza humana e não humana.

BIBLIOGRAFIA

Dias, Genebaldo Freire (1991). Educação Ambiental: princípios e práticas, São Paulo: Gaia.
Dicionário Aurélio (1986). Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
Freire, Paulo (1970). Pedagogia do Oprimido, Rio de Janeiro: Paz e Terra
Freire, Paulo (1982) "Algumas notas sobre conscientização", in Ação Cultural para a Liberdade, Rio de
Janeiro: Paz e Terra (8ª ed., 1987).
Lopez Velasco, Sirio (2003a). Fundamentos lógico-linguísticos da ética argumentativa, São Leopoldo: Nova
Harmonia.
________________ (2003b). Ética para o século XXI: rumo ao ecomunitarismo, São Lepoldo: Unisinos.
________________ (2008). Introdução à educação ambiental ecomunitarista, Rio Grande: Editfurg
________________ (2010). El socialismo del siglo XXI en perspectiva ecomunitarista, San Luis Potosí,
México: UASLP.

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__________ ______ (2012). Ideias para o socialismo do século XXI em ótica marxiana-ecomunitarista, Rio
Grande: Editfurg.
________________ (2013). La televisión para el socialismo del siglo XXI: ideas ecomunitaristas, Quito,
Ecuador: Ediciones 13
Saviani, Dermeval (1983). Escola e democracia, São Paulo: Cortez

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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO REVELADORA DOS CONFLITOS
AMBIENTAIS NO PROCESSO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL2

Eugênia Antunes Dias3


Antonio C. P. Soler4
Cintia P. Barenho5

Sem reconhecer a realidade não há como muda-la. No que tange a crise ecológica, as leis que asseguram o
acesso a informação ambiental, no processo de licenciamento ambiental e num contexto de Educação
Ambiental (EA) Transformadora, são de grande valia para que seja possível perseguir um cenário onde a justiça
ambiental seja promovida e a natureza tutelada. Contudo, a correlação de forças posta no capitalismo tem
levado a pratica de EA que dissimula e esconde os conflitos ambientais e, por consequência, acaba por
legitimar as assimetrias sociais e a degradação da natureza. Assim, através da luta cotidiana, para uma EA
transformadora, cabe garantir a aplicação do marco legal existente e envolver a sociedade civil numa leitura
critica dos processos de licenciamento ambiental.

Educação Ambiental Transformadora. Direito Ambiental. Conflitos Ambientais.

É preciso conhecer a realidade para poder transformá-la ou mantê-la, conforme o interesse fundadonuma
visão de mundo, evidentemente. Ou, no dizer de Paulo Freire, um ―reconhecer‖ do meio, pelo qual sejamos
capazes captar a realidade, de conhecê-la para transformá-la (FREIRE, 1994, p.22) para combater toda e
qualquer opressão.

Assim, para transformar esse cenário atual de crise ecológica é condição conhecermos (ou
reconhecermos) suas causas e consequência. Para tanto, o acesso à informação e, especialmente a informação
ambiental, é necessidade primeira.

Essa compreensão de libertação não esta presente de forma exclusiva no campo da Educação, uma vez
que a mesma encontra respaldo no Direito Ambiental Brasileiro, o qual asseguraà todos a informação sobre
fatos atinentes a esfera pública, conforme a Constituição Federal de 88 (CF/88), no seu inciso XIV, art.5º,
mecanismo que ainda carece de efetiva implementação pelos órgãos públicos em geral e ambientais,
especialmente.

2
O presente é fruto da prática e da reflexão na ONG Centro de Estudos Ambientais (CEA)
(https://www.facebook.com/CEAong/timeline), bem como de pesquisas acadêmicas e pesquisas acadêmicas no âmbito
do Observatório de Conflitos do Extremo Sul do Brasil (https://www.facebook.com/observaconflitosRS/?fref=ts) e do
Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental (PPGEA), da FURG.
3
Bacharel em Direito e Licenciada em Educação Física, mestre em Ciências Sociais (UFPel), Doutora em Educação
Ambiental (PPGEA/FURG), militante do CEA e Pró-Reitora de Gestão de Pessoas da UFPEL. Doutora Educação
Ambiental/PPGEA/FURG, Pró-Reitora de Gestão de Pessoas da UFPel e membro do Centro de Estudos Ambientais
(CEA): eugeniaad@gmail.com.
4
Advogado Ambientalista, mestre e doutorando em Educação Ambiental (PPGEA/FURG), militante do CEA.
5
Bióloga, mestre em Educação Ambiental (FURG) e militante do CEA. Email: cintiabarenho@gmail.com.
Partindo dessa premissa constitucional e considerando o marco legal da Educação Ambiental (EA) no
Brasil, em especial a Lei 9795/98, que estabelece a Politica Nacional de Educação Ambiental (PNEA), a qual
determina que a disseminação de informações sobre o meio ambiente é componente necessário para assegurar o
direito de todos à EA (inciso IV, art. 3º, da Lei 9798/99), depreendemos que o acesso à informação de cunho
ambientalé condição infastável para que a sociedade tome conhecimento das questões ambientais
(especialmente sobre problemas e conflitos), assim possibilitando e, ao mesmo tempo, estimulando sua
participação qualificada, na construção de políticas ambientais transformadoras da crise ecológica, no sentido
de supera-la.

Dentre os meios que o Direito Ambiental oferece à sociedade civil para reconhecer a crise e enfrentá-la
merece mençãoo licenciamento ambiental, instrumento não só legal, mas político e, portanto, cidadão, pois
através dele é possível se fazer alguma EA, como discorremos adiante.

Como instrumento de destaque da Politica Nacional de Meio Ambiente (PNMA), o licenciamento


ambiental é mais que um meio para auferir a regularidade de uma obra ou uma atividade perante o ordenamento
jurídico ambiental vigente. É um procedimento administrativo legal, capaz de envolver a sociedade na gestão
ambiental para a proteção do ambiente, um patrimônio público, assim entendido pelo texto constitucional (art.
225, da CF/88).

Contudo, não se trata de um processo simples e muito menos restrito apenas aos desenhos legais,
balizado cientificamente. De forma alguma. O legalmente posto e recomendando pela ciência (ainda que essa
seja, em alguns casos, mais lerda que as conquistas do Direito Ambiental, já que esse é fruto direto da luta
ecológica travada na sociedade)via de regra, não é o que os fatos materialmente revelam, pois sobre o processo
de licenciamento ambiental incidem os mais variados interesses, de diversas dimensões, como sociais, políticos
e, sobretudo, econômicos, por vezes desencadeando em conflitos ambientais6.

Diversos documentos e analises ambientais são produzidas, tanto pelos órgãos públicos, atores
diretamente interessados, como o empreendedor7 e, em alguns casos pela sociedade civil, notadamente o
movimento ambiental/ecológico.

6
Segundo Zhouri e Samora (2013, p. 169), os conflitos ambientais podem ser classificados da seguinte forma: (1)
conflitos ambientais distributivos “indicam graves desigualdades sociais, em torno do acesso e da utilização dos recursos
naturais”; (2) conflitos ambientais territoriais espaciais “abrangem aqueles causados por efeitos ou impactos ambientais
que ultrapassam os limites entre os territórios de diversos agentes ou grupos sociais”; (c) conflitos ambientais territoriais
se explicitam em situações onde existe “sobreposição de reivindicações de diversos segmentos sociais, portadores de
identidades e lógicas culturais diferenciadas, sobre o mesmo recorte espacial”.
7
Empregamos o presente termo uma vez que é o largamente utilizado pelo ordenamento jurídico, contudo entendemos
que a utilização do mesmo é uma forma de amortecer o seu sentido negativo, o de degrada o ambiente, pois
empreendedor é aquele que pretende uma autorização para poluir de alguma forma. “Oportuno ressaltar que se evitou
nesta tese o termo empreendedor o qual geralmente é associado a algo positivo. Para o Dicionário Online de Português
empreendedor significa: „Que consegue realizar tarefas difíceis; que se demonstra dinâmico ou ativo; arrojado ou
diligente‟. A própria Resolução CONAMA 237/97 trata do licenciamento de obras e/ou atividades como
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O mais importante dos estudos ambientais, para a proteção da natureza, promoção da justiça ambiental e
divulgação de informações ambientais é, sem nenhuma dúvida, o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA)
e o seu respectivo Relatório do Impacto Ambiental (RIMA), obrigatórios para obras e/ou atividades de
significativos impactos ambientais (inciso IV, parágrafo 1º, do art. 225 da CF/88).

O Estudo Prévio de Impacto Ambiental é um instrumento, por excelência, de encontro ao público com o
privado. Nele nada pode ficar obscuro ou escondido. (...) Por isso, usou o constituinte a expressão ‗a que
se dará publicidade‘. A publicidade ambiental não é uma faculdade, um gosto ou um capricho. A forma
verbal mostra a obrigação ou o dever de se dar publicidade a esse procedimento administrativo de
prevenção. (MACHADO, 2006, p.191)

No processo de licenciamento ambiental os agentes ou atores envolvidos nesse procedimento


administrativo, que extrapola os limites da gestão pública, não interagem em igualdade de condições, mesmo
que formais, para incidir e alterar o rumo e o resultado de tal processo.

Para que a sociedade civil participe de um processo de licenciamento com menos assimetrias, o Estado
deve promover a divulgação das informações ambientais, para além do formal e legalmente previsto. Nessa
dimensão a EA pode ter um papel relevante para um processo participativo e transparente do licenciamento, o
qual deve, já que é um dos institutos jurídicos que tutela o direito fundamentalao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, ser o mais amplamente democrático possível, ao contrário do que temos
verificado.

A Lei da PNEA determina que a EAdevegarantir a democratização das informações ambientais (inciso
II, art.5º, da Lei 9795/98) e―incentivar à participação individual e coletiva, permanente e responsável,
napreservação do equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidadeambiental como um valor
inseparável do exercício da cidadania‖(inciso IV, art.5º, da Lei 9795/98).

Para a PNEA, agir na defesa do ambiente é uma manifestação de cidadania. E, para exercício da
cidadania, primeiramente é necessário ter acesso às informações ambientais. A participação sem informação
(sem reconhecimento) sobre o que esta se discutindo e decidindo, não passa de um engodo para atender a
preceitos legais no plano formal, mas não material e, sobretudo não enfrenta as opressões, seja de pessoas, seja
da natureza não humana.

„empreendimentos‟. Entende-se que é uma forma de dar um caráter positivo àquele que é requerente da licença para
poluir.” (DIAS, 2014, P.20)
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Cabe aos operadores do Direito, sobretudo do Direito Ambiental, aos educadores ambientais e aos que
fazem os movimentos ecológicos/ambientais lutar pela observância e aperfeiçoamento dessas normas.
Igualmente

persegue-se avançar no sentido de localizar os limites e possibilidades da EA em revelar conflitos


ambientais no processo de licenciamento, favorecendo o controle social na gestão ambiental pública para
o enfrentamento do padrão de crescimento/desenvolvimento hegemônico atual. (DIAS, 2014, p.19)

Com esses fins, com experiência na luta ecológica prática e não só pela restrita analise cientificados
dados pesquisados é que oferecemos a presente reflexão, tanto para oavanço acadêmico, como para o
enfrentamento cotidiano dos conflitos ambientais, tendo o entendimento de que um não se faz um sem o outro,
já que são dialeticamente complementares e de que, a esse debate, cabem diversos outros aportes e
considerações. Até mesmo porque

tal base por si só não garante a especificidade da EA implementada, ou mais precisamente, uma única de
concepção de EA existente, pois é ponto pacífico o reconhecimento de múltiplas concepções de EA com
propósitos distintos e por vezes antagônicos no campo ambiental. A própria PNEA, com seu texto
impreciso, permite que práticas distintas e até mesmo inconciliáveis se legitimem sob seu nome
(VASCONCELLOS, 2012, p. 45). (DIAS, 2014, p. 102)

Dessa forma, não é suficiente que a EA seja genericamente contemplada nos processos de
licenciamento, com a publicidade de informações sem considerar a possibilidade de reconhecer o ambiente
(social e natural) e, por consequente, a superação das opressões.

Para a revelação dos conflitos ambientais e uma possível superação, por uma via socialmente justa e
com proteção da natureza, é preciso que se pratique, em sentido amplo, uma EA Transformadora, aquele que
permite reconhecer as injustiças sociais e a degradação da natureza.

Portanto, a EA que transforma vem se postar em sentido oposto a EA Conservadora (e não


necessariamente conservacionista), aquela que não possibilita um reconhecimento as opressões sociais e da
natureza, tendo como resultado a não mudança da realidade.A EA conservadora, conserva o atual status quo de
crise ecológica, onde a injustiça ambiental é componente.

Em outras palavras, e em essência, podemos fazer a seguinte distinção: a EA Transformadora se presta


para uma luta de resistência, visando superar a dominação capitalista; já a EA Conservadora cumpre um papel
de conservação e reproduçãoda dominação do capital sobre a vida humana e não humana (DIAS, 2014, p.26).
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Essas duas8 grandes ―vertentes se relacionam com o licenciamento ambiental‖ (DIAS, 2014, p.26) e
imprimem suas marcar nesse processo legal/politico/social/econômico, para explicitar e superar, ou não, os
conflitos ambientais, ―com vistas apromoção de uma justiça ambiental‖ (DIAS, 2014, p.26).

O que ainda torna a luta por uma EA Transformadora mais difícil e complexa, além da crença cega no
crescimento/desenvolvimento, apologizado pela força do capital é a contemplação de ambas macro visões
ideológicas supra mencionadas que a própria Lei da PNEA proporciona.

(...) dos vinte e um artigos preservados da Lei 9.795/99, foram analisados aqui apenas dezenove, [...]
quatro discursos ideológicos [...] foram identificados no texto, dos quais dois apenas – o conformista e o
revolucionário – no nível da manifestação, sem nenhum predomínio aparente e dois – o reformista e o
conservador – em relativa alternância com destaque para este, com predominância em doze artigos,
enquanto aquele foi determinante em apenas seis. (SANTOS ET AL, 2013, P.13 APUD ARAÚJO, 2009)

Essa miscelânea conceitual, no âmbito da EA,é um fator que colabora para dissimularos conflitos
existentes, criando uma falsa ―harmonia‖,marcada pelo ideal conservador, inerente a grupos dominantes, que o
multiplicam para o conjunto da sociedade (DIAS, 2014, p.103), a qual acaba por ser mais vulnerável na medida
que a informação ambiental não lhe chega na medida e profundida adequada.

Uma das estratégias contemporâneas para dissimular os conflitos ambientais decorrentes do modelo de
desenvolvimento é o Desenvolvimento Sustentável (DS).

O conceito hegemônico do DS diminui a capacidade da crítica ecológica e ―reduz a Natureza a um valor


de mercado, reforçando este valor constitutivo do antropocentrismo, buscando conciliar contrários da dialética
do desenvolvimento: a Natureza e o crescimento econômico.‖ (SOLER, 2011, p.98).

Diante disso, neutralizando e/ou cooptando forças de resistência, notadamente protagonizadas a partir da
década de 1960 pelos movimentos sociais atuantes na questão social e ambiental, o capital ressignificou a
contradição inerente entre a expansão da riqueza e a proteção do trabalhador e da natureza, através do
mito do Desenvolvimento Sustentável (DS), que permeia a Educação e o Direito Ambiental brasileiros,
reificado dia-a-dia e agregado a discursos distintos no campo político.

Nesse cenário, impõe-se sobre a quem pretende praticar uma EA Transformadora o desafio de

(...) criar espaços e estratégias capazes de enfrentar a hegemonia da narrativa neodesenvolvimentista.


Nenhuma luta ou mitigação de problemas socioambientais será exitosa se não for capaz de articular as

8
Podem ser encontradas outras classificações na doutrina, como em Loureiro e Layrargues (2013, p. 233): EA
Conservacionista, EA Pragmática, ambas do campo da EA Conservadora e a EA Crítica, oposição a elas.
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lutas moleculares, locais, particulares, com a análise crítica do padrão de acumulação (...). (LEHER,
2014, p. 228).

Por isso, destacamos: não é qualquer EA, pensada ou praticada, que pode cumprir tal papel, mas
somente a dita Transformadora, nos moldes acima mencionados.

Para tal desafio a EA deve ser se produzida, não somente junto com os grupos sociais injustiçados,
portanto, desde os conflitos, mas deve claramente fazer uma opção política pelo alinhamento a esses
grupos sociais mais fracos, injustiçados, impactados e/ou oprimidos no dizer de Freire (2011). (DIAS,
2014, p.103)

Para que esse cenário seja perseguido é imprescindível que a EA praticada parta do principio que os
conflitos ambientais, gerados pelo capitalismo, o qual leva a uma apropriação desigual da natureza, estejam no
centro da ação pedagógica (LOUREIRO; LAYRARGUES, 2013), pois

ao estarem no centro de uma EA crítica e transformadora, são explicitados projetos e perspectivas de


sociedade diversas e contraditórias, portanto, sendo impossível a mediação ou consenso. Porquanto se o
modo de produção e consumo capitalista pauta-se na acumulação de riqueza possibilitada
necessariamente pela existência dialética de classes dominantes e dominadas, mediante a apropriação
privada e concentrada da natureza pelas primeiras, com uso intensivo dos nominados ―recursos naturais‖,
ou seja, natureza dotada de valor econômico, extraída através da opressão e expropriação material da
classe dominada, ou seja, do trabalhador (IDEM, p. 224), é inevitável que vejamos que este processo não
é neutro e, menos ainda, livre de conflitos. Estes são explicitados quando os mecanismos de dominação
simbólica (dentre outros) se rompem, posto que a materialidade deste modelo societário mais cedo ou
mais tarde acaba apresentando sua faceta cruel, cingindo com a ―normalidade‖ da hegemonia dominante
fundada em uma ordem pública. (DIAS, 2014, p.103)

E, no licenciamento ambiental, grande parte dos danos e dos conflitos ambientais sãopercebidos, quando
o são, somente após a emissão da licença ambiental. Ou seja, quando a sociedade toma conhecimento dos
impactos negativos da obra e/ou atividade, o processo de licenciamento ambiental já percorreu etapas
fundamentais, como a elaboração do Termo de Referencia (TR) e uma anuência do Poder Público, através da
licença, sem a qual não podem ser concretizadas.

É comum que na fase do Pré-Licença, quando da AIA [Avaliação de Impacto Ambiental] e da AP


[Audiência Pública] (antes da concessão da LP [Licença Prévia]) os conflitos e problemas ambientais
implicados na futura consecução da obra e/ou atividade estejam velados, despercebidos ou, até mesmo,
―despistados‖ pelas estratégias do requerente da licença em priorizar os aspectos tidos como positivos da
obra e/ou atividade para uma coletividade onde não há o reconhecimento de classes dominantes e classes
dominadas. (DIAS, 2014, p.103)
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Evidente que, em havendo uma EA que efetivamente leve a informação ambiental aos grupos sociais
diretamente atingidos pela obra/atividade impactante, ou seja, que se colocasse em pratica uma EA
Transformadora, os conflitos ambientais existente poderiam emergir e com mais antecedência, sendo
aumentada a possibilidade de evitá-los e/ou saná-los. Por certo que isso representaria mais custos para o
licenciado, fato que leva a uma barreira significativa para que o processo não se dê dessa maneira, desprezando
o Principio da Prevenção do Direito Ambiental.

A EA Transformadora assume uma perspectiva dos movimentos sociais e/ou das comunidades
impactadas, adotando uma estratégia nãonecessariamente de mediação, mas de contestação, de enfrentamento
visando a não efetivação da obra e/ou atividade (DIAS, 2014, p.105).

Nesse aspecto assiste razão a Quintas (2009), quando questiona quem ganha e quem perde neste
processo de apropriação privada da natureza? Cabe ainda saber e problematizar quais os limites e
potencialidades da EA na abordagem das injustiças ambientais? (DIAS, 2014, p.105)

De qualquer forma, para que a EA possa ter alguma possibilidade de êxito no combate as injustiças
ambientais é preciso que a mesma atuepara que

os conflitos em potencial emerjam antes da concessão das licenças, notadamente da LP, pois é a mais
importante delas no que tange a prevenção da injustiça ambiental e da degradação da natureza, já que
atesta a viabilidade da obra ou atividade. As demais licenças acabam derivando dela e são ―ajustes‖ e
―compromissos‖ do licenciado para as fases seguintes do licenciamento, de forma que não abale sua
concepção estrutural e sua consecução. (DIAS, 2014, p.106)

Nesse sentido é necessário verificar quais especificidades da EA guardam potencia ou não, para
fomentar a participação e, consequentemente, o controle social, nos espaços formais, como as Audiências
Públicas e ainda se pretende e tem capacidade para tornar visívelàs causas dos grupos sociais negativamente
afetados, forçando os limites impostos pelo capital e seus apoiadores.

Finalizando...

De certo é que já dispomos no Direito Ambiental Brasileiro de uma ―base legal para a exigência da EA
de modo permanente em todos os níveis e modalidades do processo educativo, incluindo a não formal, onde se
enquadra o licenciamento ambiental, concebido como um instrumento de gestão ambiental pública‖ (DIAS,
2014, p.102).
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Contudo, não bastam leis para transformar a realidade. É necessário que se combatam as causas da crise
ecológica no cotidiano, pois o

conflito é inerente à sociedade capitalista e decorrente de apropriações distintas e iníquas protagonizadas


pelas relações entre os contrários ―opressores‖ e ―oprimidos‖, os quais formam o par dialético necessário
à produção e acumulação da riqueza pelas elites capitalistas opressoras. (DIAS, 2014, p.204)

Nesse cenário permanentemente conflituoso, ―em que pese todos os mecanismos e movimentos de
resistência à hegemonia do capital, dentro ou fora do Estado, o que se tem efetivado é o
neodesenvolvimentismo de forma avassaladora, aprofundando a crise ecológica.‖ (DIAS, 2014, p.206)

Ao par disso, o capital, não raras vezes, se alia ao Estado e a ciência, controlados pelas elites
dominantes, ―conferindo certa regularidade nas decisões com cunho pró-economia‖ (DIAS, 2014, p.206), as
quais são corriqueiras nos órgãos que processam o licenciamento ambiental, mesmo que, em alguns casos,
sejam verificadas ―falhas no processo‖ (DIAS, 2014, p.206).

Dessa forma, uma EA que pretenda transformar o estabelecido, não lhe cabe o direito de ignorar ou
dissimular tais conflitos e, menos ainda, deixar de informar, de forma qualificada e profunda, aspectos
ambientais sociais relacionados ao empreendimento licenciado e estudado.

Esses conflitos precisam ser públicos, para que se faça uma justiça ambiental e se previna danos ao
ambiente. No caso do licenciamento é central que seja desenvolvido

uma EA para queos conflitos em potencial emerjam antes da concessão das licenças, notadamenteda LP,
pois é a mais importante delas no que tange a prevenção da injustiça ambiental e da degradação da
natureza, já que atesta a viabilidade da obra ouatividade. As demais licenças acabam derivando dela e são
‗ajustes‘ e‗compromissos‘ do licenciado para as fases seguintes do licenciamento, de formaque não abale
sua concepção estrutural e sua consecução. (DIAS, 2014, p.206).

A EA costumeiramente praticada como medidas compensatória/mitigatória decorrentes do processo de


licenciamento têm conferido ao empreendedor

um status de heroico cumpridor da lei. Quando não permite queeste apresente tal obrigação legal,
derivada de sua atuação privada, poluidora doambiente e impactante às comunidades mais vulneráveis,
como marketingassociado ao campo da responsabilidade social, cara ao Neoliberalismo como formade
anuviar a degradação e injustiça ambiental que impinge aos oprimidos. E istoevidentemente se dá com

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lucratividade associada, seja pela adesão da populaçãoludibriada aos seus produtos e marcas, seja pela
efetiva redução da carga tributária. (DIAS, 2014, p.207).

Assim, entendemos, não com a pretensão de encerrarmos o debate sobre o presente tema, que aqueles
que perseguem uma EA Transformadora, seja no movimento ecológico/ambiental, seja pela veia acadêmica ou
ainda na gestão pública, precisam romper com essa colaboração da opressão, que desvia o foco dos impactos da
obra/atividade, ―que neutraliza os conflitos por mediações que não alteram a correlação de forças, muitas vezes
antecipando a ação, estatal ou não, para a sua dissipação.‖ (DIAS, 2014, p.208).

Um EA que não identifique populações imediatamente afetadas, que atua preponderantemente no


ambiente escolar com temas pré-fixados e que não potencializa questionar os sentidos de determinada
obra/atividade, ao contrário, tem a sua materialização sempre como inexorável e tida como desejável (DIAS,
2014, p.208), longe de ser Transformadora e próxima, muito próxima, de ser Conservadora.

Para se perseguir uma utopia da EA Transformadora, especialmente, no licenciamento, em ações por


dentro ou fora do Estado, é preciso lutar para garantir a aplicação da lei vigente e buscar aperfeiçoamentos,
como: garantir a participação social deve ser anteriormente à elaboração do TR, junto com o licenciando e o
órgão licenciador; tornar as Audiências Públicas deliberativas; envolver os Colegiados Ambientais estaduais e
municipais; aproximar as populações impactadas de movimentos a elas solidários; o seu objeto deve ser a
totalidade: natureza(proteção ambiental) e sociedade (justiça ambiental) e suas relações (DIAS, 2014, p.210); e
fazer valer o direito a informação ambiental para todos.

Referências bibliográficas

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Rio Grande: Evangraf

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EIXO 1
Abrangência de olhares e dispersão de lutas em Educação
Ambiental
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A ABRANGÊNCIA DE OLHARES DAS LUTAS À
JUSTIÇA AMBIENTAL SOBRE O MODELO DE DESENVOLVIMENTO À
PERPETUAÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIOAMBIENTAIS DAS MULHERES
DE DUQUE DE CAXIAS - BRASIL E DAS CRIANÇAS NAS RANCHERIAS WAYÚU –
COLÔMBIA.
Álvaro Javier Fernández Castro (Autor)9
Leila Salles da Costa (Coautor)10
Carlos RS Machado (Coautor)11
RESUMO
Este ensaio se propõe num primeiro momento pensar uma Educação Ambiental à justiça ambiental,
apresentando as desigualdades socioambientais vividas pelas mulheres na cidade Duque de Caxias (Brasil) e as
crianças na Comunidade indígena Wayúu em La Guajira (Colômbia), às quais vivem sob os impactos negativos
de um modelo de desenvolvimento socioeconômico excludente e opressor sobre si; para num segundo momento
apresentar as empresas (públicas e estatais) que estão impondo as injustiças socioambientais sobre as mulheres
e crianças; em terceiro, considerando as relações que as comunidades (rurais) do terceiro mundo estabelecem
com a natureza expressa pelos mesmos em seus discursos e vivida de uma forma impressionante e diferente da
forma moderna dominante é nossa hipótese para discussão. Ao final apresentamos por aonde pretendemos
caminhar, a partir do apresentado, em nossas respectivas pesquisas.
Palavras-chave: Educação Ambiental, Gênero, Infância.

INTRODUÇÃO

...el capitalismo colonial/moderno y eurocentrado


como un nuevo patrón de poder mundial...
es la clasificación social de la población mundial
sobre la idea de raza, una construcción mental
que expresa la experiência básica de la dominación colonial
y que desde entonces permea las dimensiones más importantes del poder mundial,
incluyendo su racionalidad específica, el eurocentrismo.
Aníbal Quijano

A provocação ao pensamento neste ensaio é a realização de uma reflexão sobre o papel da Educação
Ambiental brasileira como campo do diálogo das relações sociais dentro de um modelo societário capitalista
que tem como uma de suas características as desigualdades ambientais nas quais estamos inseridos.
Compreendemos as desigualdades ambientais:
―[...] o estado da distribuição de benefícios e males ambientais do desenvolvimento resultantes da
operação dos mecanismos pelos quais se destina a maior carga dos danos ambientais a grupos sociais de
trabalhadores, populações de baixa renda, povos e comunidades tradicionais, grupos étnicos
marginalizados e mais vulneráveis‖. (Acselrad, 2013, p. 12)

9
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental- PPGEA-FURG.
10
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental- PPGEA-FURG. Membro da Rede Brasileira de Justiça
Ambiental-RBJA. Membro do Fórum dos Atingidos pela Indústria do Petróleo e petroquímica nas cercanias da Baía de Guanabara-
FAPP-BG
11
Prof. Dr. Programa Pós-Graduação Educação Ambiental, Universidade Federal do Rio Grande (Brasil).
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Neste sentido, Consideramos que desde a nossa formação como educadores ambientais devemos olhar
para as nossas práticas pedagógicas sejam construídas a partir de uma base da identidade social e crítica
anticapitalista, necessário para que com as nossas comunidades pensemos alternativas de vida, que não sejam
as impostas por um modelo capitalista, gerador das desigualdades ambientais. Neste sentido, concordamos com
Layrargues (2012, p.398) quando escreve:
―[...] vivendo um período de crise de identidade, que se manifesta por meio de dois processos: primeiro, na
contradição entre teoria e prática que se verifica em diversas expressões concretas da vivência pedagógica
da Educação Ambiental, contradição essa que separa os princípios e diretrizes internacionalmente
consolidadas como corpo teórico conceitual e metodológico definidor do pensar e fazer a Educação
Ambiental (Loureiro, 2004; Lima 2011) daquilo que realmente vem sendo experimentada nas ações
pedagógicas concretas, contradição essa que continuamente afasta sua práxis da radicalidade da crítica
anticapitalista; segundo, na dificuldade de se superar o pensamento e ação pragmática atualmente
hegemônica na Educação Ambiental, em especial na sua dimensão Informal, vivenciada nos meios de
comunicação midiáticos em geral‖. (P.398)

Neste sentido, a Educação Ambiental enquanto campo pedagógico: de produção, de apropriação e da


intervenção (Molon, 2009, p.142), nos leva a repensar o modelo de educação que temos hoje, como é mostrado
pelo Sader ―No reino do capital, a educação é, ela mesma, uma mercadoria‖ (Prólogo de Mézàros, 2008, P.16),
ou como escreve Loureiro (2012):
―[...] existe uma educação ambiental tradicional e comportamentalista vinculada ao sistema vigente e
voltada à preservação e conservação da natureza, com ações ambientais pontuais; e que, em contraposição
sugere uma educação ambiental crítica, transformadora e emancipatória, portanto, contra o capitalismo e
sua superação‖. (Loureiro, 2012, op cit Santos, Golçalves e Machado, 2015, p.197)

Com isso, temos a intenção de abordar a problematização dos temas socioambientais desde a infância
nos espaços da família, da escola, dos grupos sociais, que a nosso ver, ao incluirmos no debate a totalidade de
implicações de uma sociedade os temas sobre Gênero, Sexualidade, Economia, Política, Artes sem sombra de
dúvidas estamos falando/realizando Educação Ambiental para a sociedade a qual estamos inseridas e, assim
podemos discutir como funciona uma sociedade capitalista que desde o advento do capitalismo com a
Revolução Industrial e a Revolução Francesa tem em seus princípios básicos a prática de domínio sob a égide
do patriarcado, que para Carrasco (2003, p.18), é uma das razões ocultas da invisivilidade da vida cotidiana.
Com essa reflexão compreendemos que a Educação Ambiental ―é aquela que trabalha para que nenhum
grupo social, independente de sua etnia, classe social e outros, sofra uma carga maior dos impactos ambientais
negativos‖ (Santos, Gonçalves, Machado, 2015, p. 203).
Partindo desse pressuposto afirmamos ser relevante refletir sobre como os atores sociais de nossas
pesquisas pensam/falam sobre a natureza ou sua relação ou lugar da natureza em seus projetos; bem como,
através de seus discursos e sítios na internet como e, que educação ambiental eles pregam e desenvolvem junto
às comunidades de nossas pesquisas: as mulheres e as crianças da Baixada Fluminense, mais precisamente na
cidade de Duque de Caxias (RJ, Brasil) e as mulheres e crianças da comunidade Wuyúu em La Guajira (norte
da Colômbia). Neste trabalho apresentamos as comunidades e as problematizações, iniciais de nossas

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pesquisas, para a compreensão das relações socioambientais que estas comunidades vivenciam nessas regiões,
objetos de nossas pesquisas de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental- PPGEA da
Universidade Federal de Rio Grande - FURG.

Problemas, conflitos socioambientais e mulheres em Duque de Caxias (RJ, Brasil)


Contribuindo à discussão sobre o impacto da indústria do petróleo sobre a vida das mulheres (Salles,
2013, p.190-193), como forma de relatar o conflito das mulheres na região da Baixada Fluminense e o
município de Duque de Caxias, iniciamos apresentando um panorama da indústria petrolífera brasileira.
A indústria do petróleo surgiu no Brasil em 1953 com a criação da empresa brasileira de petróleo a
PETROBRAS. Em 1961 foi inaugurada a Refinaria de Petróleo de Duque de Caxias – REDUC. No seu
primeiro ano de funcionamento a Petrobras produziu 2.700 barris/dia de petróleo e refinaram somente 150 mil
barris/dia de derivado. Nestes 62 anos de atividades essa empresa registrou novos recordes, tanto, na produção,
isto é, 273 mil barris/dia de petróleo, bem como, no refino dois milhões barris/dia de derivados (AGÊNCIA
NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS, 2013).
A implantação da refinaria de petróleo e o Pólo petroquímico da REDUC na década de 1961, como cita
Raulino (2013, p.169), desencadeia uma série de impactos negativos na vida da população que ali reside; A
chegada da Petrobrás em Duque de Caxias mudou a história da Cidade, dos municípios da Baixada e também
das cercanias da Baía de Guanabara.
[...] ―não houve o planejamento urbano necessário para receber as populações migrantes que vinham dos
sentidos centro/periferia e campo/cidade trabalhar na REDUC‖. Como resultado de todo esse processo, a
população do entorno da refinaria estaria mais exposta a uma gama de situações consideradas de
risco/danosas tais como: habitações precárias, em locais com riscos de enchentes, falta de equipamentos
públicos de saúde, abastecimento regular de água tratada e de outras ações de saneamento, que se somam
aos riscos de vazamentos de óleo (como os de 1998 e 2000), gases (como o de alumínio silicato de sódio,
o ―pó branco‖, em 2001, e o de GLP em 2011), lançamento de efluentes industriais nos rios e Baía de
Guanabara, contaminação de solos, transporte de cargas perigosas, proximidade de oleodutos e gasodutos,
áreas de armazenamento de combustíveis e outros derivados do petróleo, emissões gasosas poluentes,
explosões e incêndios (como os de 1972) (RAULINO, 2013, p. 169).

Para Acselrad (2009) essas situações de risco/danosas, que afetam negativamente a população eo
ambiente, constituem um exemplo claro da injustiça ambiental, que “é o fenômeno de imposição desproporcional dos
riscos ambientais às populações menos dotadas de recursos financeiros, políticos e informacionais(...)” (Acselrad, 2009, p.9) e
ainda conforme a Declaração de princípios da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, 2001, ―[...]mecanismo
pelo qual sociedades desiguais do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos
ambientais do desenvolvimentos às populações de baixa renda, aos grupos étnicos tradicionais, aos bairros
operários, as populações marginalizadas e vulneráveis.[...]‖ (Rede Brasileira de Justiça Ambiental, 2001).

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Com esse panorama a PETROBRAS tem diversos projetos ambientais e sociais12. É tratada pelo
governo brasileiro como estratégica para a expansão de empresas brasileiras em outros países, e por isso conta
com forte apoio e financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Com
este apoio, o ―modelo de desenvolvimento‖ que se baseia na expropriação das condições de existência
(Acselrad, 2013, p.12) é fortalecido e, as populações menos dotadas de recursos financeiros tornam-se mais
vulneráveis e neste caso as mulheres mais empobrecidas ainda, recaindo sobre elas uma carga maior de trabalho
do ―cuidar‖ e manter a produção do viver e as atividades relacionadas com a sustentabilidade da vida humana,
pouco valorizada nas sociedades patriarcais, conforme problematiza (Carrasco, 2003, p. 18).
No entanto aqui no Brasil várias denúncias de impactos negativos têm sido feitas e nem sempre
divulgadas na ―grande mídia‖, que vão desde áreas de preservação ambiental, se referindo à:
instalação de gasoduto na Reserva Biológica do Tinguá, em Duque de Caxias no Rio de Janeiro, sem sequer
repor a florestal desmatada na área, como estabelece a legislação ambiental; ―financiamento‖ de trabalho
escravo da empresa Brasil Ecodiesel, fornecedora de biodiesel em Canto do Buriti no Piauí; uso de
equipamentos fora das condições adequadas de segurança, colocando em risco a vida de trabalhadores em
Bacia de Campos (RJ) – foram mais de 300 mortes de trabalhadores ligados a empresa em 16 anos; até a
instalação do Terminal de Regência (Tereg) em Área de Preservação Ambiental Permanente (APP) em
Linhares no Espírito Santo.(RAULINO, 2009. p.).

A empresa foi sentenciada por crime ambiental pelo vazamento de 1,3 milhões de litros de óleo da
Refinaria Duque de Caxias (REDUC-RJ) na Baía de Guanabara em 2000 e por crime de poluição na região de
Campinas, onde funciona a Refinaria de Paulina (Replan, SP). Segundo Cesário (2002) bilhões de litros são
jogados nos rios, nos mares, nas lagoas, na atmosfera, devido aos vazamentos constantes dos dutos da Petrobras
por erros propositais das gerências comprometidas com o absurdo do lucro a qualquer custo.
Assim, este é considerado como um processo de degradação ambiental onde as comunidades são
atingidas. Segundo Acselrad, citado por Santos, Gonçalves e Machado (2015, p.189):
―os conflitos ambientais são aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação,
uso e significação do território, tendo origem quando ao menos um dos grupos tem a continuidade das
formas sociais de apropriação do meio que se desenvolvem ameaçadas por impactos indesejáveis –
transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos decorrente do exercício das práticas de outros grupos
[...]‖ (ACSELRAD, 2004a, p. 26 op cit Santos, Gonçalves e Machado (2015, p.189).

Segundo Bullard (2002) O racismo ambiental reforça a exploração da terra, as pessoas e o ambiente
natural. Ele funciona como um arranjo de poder intra-nação especialmente onde os grupos étnicos ou raciais
formam uma minoria política e ou numérica.
O que nos chama mais atenção é que constantemente as mulheres refletem e vivenciam a partir de
situações marcadas pelas desigualdades ou pela exclusão. O que não é diferente neste contexto que estamos
redigindo, pois, estavam elas, com seus filhos nos braços ou à sua volta à frente em todos os espaços de
resistências que foram visitados, na região da Baixada Fluminense, a saber, na comunidade do ―Beco da
Alegria‖ em Campos Elíseos, no Parque Colonial, foram as mulheres que nos apresentaram as precariedades de
12
como podemos verificar neste sítio http://www.petrobras.com.br/pt/sociedade-e-meio-ambiente/sociedade/relacionamento-com-
as-comunidades/.
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saneamento básico, falta d‘água, esgoto a ―céu aberto‖; falaram das doenças mais comuns como o diagnóstico
médico de ―virose‖, afirmando, uma das militantes do FAPP-BG, Edilene Estevam : “Tudo eles dizem que é virose.
Falta médicos.” e tantos outros problemas socioambientais na região, neste mesmo contexto a REDUC descreve
em seu site usando a metodologia da Agenda 21, surgida na Conferência das Nações Unidas para o Meio
Ambiente e Desenvolvimento na Rio 92, para a criação de planos comunitários e locais de desenvolvimento
sustentável desta forma: ― Quando fornecemos energia, contribuímos para o desenvolvimento dos locais onde
atuamos, para a geração de riqueza e para a ampliação da oferta de bens e serviços‖. A Questão é: riqueza para
quem? As mulheres dessa região sabem da importância de visibilizarem os problemas locais como a falta de
água, saneamento básico, doenças, contaminações entre outros problemas, porque quando as doenças são
acometidas em seus filhos, maridos ou parentes, são elas que farão o trabalho do cuidado com a saúde,
alimentação e, até mesmo no caso de ameaças de morte ou a fatalidade quando acontecem, e elas relatam que
acontecem, são as que mais sofrem com isso. São elas as que carregam ―as latas d‘água na cabeça‖13, se
organizam ao enfrentamento desse modelo de desenvolvimento e estão inseridas em algumas frentes de luta
auto-organizadas por elas ou em grupos sociais mistos. Neste caso aqui descrito, são mulheres do GT Mulheres
do FAPP-BG14.
Esses impactos socioambientais atingem diretamente a vida cotidiana da população e principalmente das
mulheres, pois, quando os da casa adoecem são elas as que deixam de ir ao trabalho. Conforme dados do IBGE,
CENSO 2010, a população de Duque de Caxias ocupada das mulheres com 16 anos ou mais é de 147.971 e a
população ocupada das mulheres pretas ou pardas com 16 anos ou mais é de 93.340, apontando ainda mais as
desigualdades socioambientais.
A piora nas condições sanitárias no lar, e com ela a presença de doenças e escassez ou poluição dos
elementos necessários para o consumo e qualidade de vida, impactam diretamente o trabalho e a vida das
mulheres. Para CARRASCO,
A análise das necessidades de reprodução das pessoas é um tema complexo, que pode ser abordado a partir
de diferentes perspectivas, áreas temáticas ou disciplinas. Mas, em qualquer caso, é um tema central. No
entanto, em uma perspectiva socioeconômica, pelo menos para a economia oficial, a sustentabilidade da
vida não tem sido nunca uma preocupação analítica central; ao contrário, usualmente é considerada uma
―externalidade‖ ao sistema econômico‖ (Carrasco, 2003, p.12).

Portanto o tema que será desenvolvido nesta dissertação é a educação ambiental em disputa na Baixada
Fluminense, ou seja, a identificação do discurso ambiental e de educação ambiental da PETROBRAS e da
REDUC (RJ) e sua problematização, a partir da situação de desigualdade ambiental que vive a população da
Baixada, em particular mulheres e crianças bem como estes vêem, analisam, dizem sobre aquele discurso
hegemônico e empresarial. E mais, relacionará o histórico de luta destas mulheres do FAPP-BG, e utilizará a

13
Box no livro RAULINO, Sebastião. 50 ANOS DA REFINARIA DUQUE DE CAXIAS E A EXPANSÃO DA INDÚSTRIA
PETROLÍFERA NO BRASIL: conflitos socioambientais no Rio de Janeiro e desafios para o país na era do Pré-sal. 2013. (p.190-
193).
14
Fórum dos Atingidos pela industria do petróleo e petroquímica nas cercanias da Baía de Guanabara www.facebook.com/FappBg
60
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dissertação como forma de ajudar a melhor se organizar e prepararem aos debates com empresas e governos
tendo a sua, pois construída por elas, de educação para a justiça ambiental como perspectiva neste
enfrentamento político.
O rio que foi roubado: o caso de La Guajira Colombiana

La Guajira é um Departamento colombiano que está localizado ao extremo norte do país. É uma
península com uma extensão de 20.848 km2 e uma população de 902.367 mil habitantes, que correspondem ao
1,95% de todo o país15. É o Departamento da Colômbia mais seco onde 41% do território é um deserto
subtropical16. A região historicamente ―abandonada‖ pelo Estado é disputada por diferentes grupos armados
irregulares e grupos de extermínio17 por interesses econômicos e políticos particulares por ser um território
fundamental para o contrabando, o narcotráfico e pela exploração de carvão (CNRR 2010. P. 114.).
Nem o Instituto Colombiano de Bienestar Familiar (ICBF), o Departamento Nacional de Estatísticas
(DANE), nem o Instituo Nacional da Saúde, ainda não têm cifras das mortes associadas à desnutrição, que é a
principal causa de morte das crianças, na região (CNRR, 2010, p.30). Em 2014 o Diretor de Planejamento
Departamental César Arismendi processou ao Estado por meio de uma ―Acción de Tutela‖, pela morte de 2.969
crianças indígenas entre 2008 e 201318, enquanto que uma pesquisa da Revista colombiana Semana19 diz que
são 4.151 as crianças mortas no mesmo período.
Neste sentido, a mídia tem também um papel importante deslegitimando as acusações contra o Estado
para manter seu poder, ofuscando a realidade com notícias em acordo com os seus interesses políticos e
econômicos, assim como dos empresários que os subsidiam com o apoio da indústria nacional e multinacional
da Colômbia (CNRR, 2010, p.137). E é essa mídia a que fala do suposto ―abandono histórico‖20 de La Guajira,
mostra o interesse do Estado por ―fortalecer los programas de atención humanitária‖21, mas o abandono é de
fato uma estratégia de apropriação do território por parte dos narcotraficantes e as empresas multinacionais,
ambos em acordo com o Estado Colombiano, pois o trânsito de grupos armados militares legais e ilegais e atos
de barbárie contra a população (CNRR, 2010, p.137), a apropriação de terras indígenas22, a corrupção23 e os

15
Resolução Defensorial Nº 065 crise humanitaria no Departamento de La Guajira.
16
Ibídem. P.19
17
Bandas criminales, resultando na desmobilização dos grupos paramilitares de auto-defesa.
18
Sandra Guerrero Barriga. Mueren otros dos niños por desnutrición en La Guajira. In: http://www.elheraldo.co/la-guajira/mueren-
otros-dos-ninos-por-desnutricion-en-la-guajira-148500, Acesso 25 julho de 2015.
19
José Guarnizo. ¡La Guajira S.O.S! In: http://www.semana.com/nacion/articulo/los-ninos-de-la-guajira-mueren-de-hambre/396290-
3, acesso, 25 julho de 2015.
20
Abandono de La Guajira, ―una vergüenza para el país‖. 11 dic 2014 http://www.semana.com/nacion/articulo/defensoria-del-pueblo-
alerta-sobre-el-abandono-de-la-guajira/411825-3. Acesso 12 outubre 2015.
21
Ibídem
22
Diana López Zuleta. La comunidad Wayúu que será desalojada por Cerrejón. In: http://www.las2orillas.co/la-comunidad-Wayúu-
que-sera-desalojada-por-cerrejon/, Acesso 20 de Maio de 2015.
23
Pobreza, Corrupción y participación política: una revisión para el caso colombiano. Banco de la República: Centro de estudios
económicos regionales – Cartagena, 2006. In: http://www.banrep.gov.co/docum/Lectura_finanzas/pdf/DTSER-70_%28VE%29.pdf,
Acesso 25 03 de outubro de 2015.
61
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índices mais altos de necessidades básicas insatisfeitas24 demonstram que o Estado tem um papel importante
nas decisões que hoje afetam as comunidades de La Guajira Colombiana.
Em La Guajira, durante o massacre de Bahía Portete25 no município de Uribia no ano de 2004, grupos
paramilitares impuseram uma ordem de terror, com métodos de violência sexual, tortura e morte violenta contra
as mulheres líderes Wayúu, como uma forma de terror e castigo contra esse grupo em particular (CNRR, 2010,
p.17)26, pois se implantou o medo sobre a mulher para que não assumam a liderança y destruir o orgulho do
homem guerreiro Wayúu, deixando impotente diante. Depois do massacre, a violência contra a mulher na
comunidade teve um aumento, especialmente sobre as que desejam assumir posturas de liderança, pois se sabe
que onde os grupos paramilitares se instalam em determinadas regiões ou em lugares específicos, instalando um
―modelo cultural de ordem patriarcal que impõe códigos de conduta e moral, para o controle das relações de
homens e mulheres num plano público e privado‖ (Ibidem, p.18).
Além das ações de violência cometidas contra a população Wayúu elas não são diferentes das ações
cometidas contra outras populações no país. O que diferencia e é importante assinalar é a forma em que está
submetida a população Wayúu, pois quando se estupram ou assassinam as mulheres que além de líderes de
comunidades são intermediadoras com o mundo espiritual e quando isso acontece esses paramilitares
posteriormente trazem à público essa violência o que viola o código de silêncio da comunidade, provocando
uma descredibilidade destas mulheres já que elas deveriam ser esquecidas para que o seu espírito faça a
passagem.
Isto demonstra que quem agiu contra a comunidade tem um conhecimento das crenças Wayúu para
poder submetê-los e dominá-los, atacando principalmente suas crenças e valores para depois impor-lhes um
modelo cultural, que não é diferente do modelo imposto pelos catequizadores cristãos. Neste sentido segundo
Quijano (2000), se destaca que a imposição das categorias mentais de raça, se exerce as relações de dominação,
evidentes na hierarquização social dos papéis e lugares. Neste caso poderia se dizer que se trata do genocídio de
toda uma população indígena por ser considerada inferior e sem os direitos sobre a terra.
Desde há três décadas, tem ido a aumento a exploração de carvão, pois La Guajira tem a maior mina a
céu aberto da Colômbia, é uma reserva de mais de 1.500 milhões de toneladas do minério 27. No último decênio
o rio Ranchería, única fonte da água da comunidade Wayúu, foi represada para a exploração de carvão, numa
idéia do desenvolvimento para todos, mas a comunidade foi condenada a morrer de fome e sede, pois seu
território ―ocupa‖ o território que o governo destinou para a exploração.
Portanto, é o ―pano de fundo‖ de uma dissertação sobre a educação ambiental. Para tanto, nesta pesquisa
o autor a partir da crise socioambiental que atinge a comunidade Wayúu (sua perspectiva/sua pesquisa) e da

24
Informe 2014 de la Defensoría del Pueblo sobre la crisis humanitaria en La Guajira.
25
Durante séculos, tem sido o local de entrada e saída de contrabando. Foi primeiro carregamento de madeira trupillos após jamuya (gesso ou talco)
e mais recentemente de drogas e armas. Ibidem.
26
A pesquisa enfatiza o que Elizabeth Wood denomina como a violência sexual como um instrumento de grupo.
27
Unidad de Planeación Minero Energética. Plan Nacional de Ordenamiento Minero – PNOM 2014. Ministerio de Minas y Energía de la República
de Colombia.
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relação das crianças com a natureza e o seu olhar sobre tal relação educativa problematizará o discurso, as
ações e atividades de educação ambiental que o Estado, a mídia e as empresas vinculadas/localizadas na região
impõem sobre a comunidade Wayúu e suas crianças.

O QUE VEM AGORA?


Ao compreendermos com LANDER (2000) que o neoliberalismo deve ser compreendido como
―discurso hegemônico de um modelo civilizatório‖, e não somente como teoria econômica queremos aqui
destacar, este modelo tem feito da sociedade liberal industrial a única ordem possível ao triunfar suas
perspectivas nas relações sociais como ―[…] síntese de valores básicos liberais modernos em torno do ser
humano, da natureza, da história, do progresso, do conhecimento e da qualidade de vida. […].(LANDER, 2000,
p. 11)‖. E sendo assim, o neoliberalismo se fundamenta no pensamento científico moderno através da
―naturalização das relações sociais‖ capitalistas, ou seja, ―as características da sociedade chamada de moderna
[seriam] (...) expressões das tendências espontâneas, naturais do desenvolvimento histórico da sociedade. A
sociedade liberal industrial constitui-se nessa perspectiva não só na ordem social desejável, como também na
única possível.‖ (LANDER, 2000. p.12).
As pesquisas que desenvolvemos buscam problematizar tais relações naturalizadas, mostrando que o
modelo civilizatório neoliberal é o responsável pelo aprofundamento das injustiças sócio-ambientais que
atingem as mulheres de Duque de Caxias e a população de La Guajira, e em decorrência, o modelo de educação
ambiental imposto por eles, é de uma ―ferramenta/instrumento para fomentar a conscientização na promoção de
uma retórica verde associada àqueles empreendimentos, bem como ao Estado e as empresas em geral‖
(Machado, Santos, 2013, p.17). Essa seria uma de nossas questões ou hipóteses de pesquisa.
Pelo contrário, com e no desenvolvimento destas pesquisas, estamos na linha de Santos, Araújo, Passos e
Machado (2013, p.269), onde eles dizem que:
(...) o conflito como uma manifestação pública que ocorre no espaço público, onde existe uma relação
explícita de forças e ideias de apropriação e usos do meio ambiente e da natureza entre as diferentes
classes e grupos sociais, podemos, no mínimo, afirmar que se trata de um espaço educativo (conflitos).
(Santos, Araújo, Passos e Machado, 2013, p.269).

Mas, a realidade atual, tanto a Baixada como em La Guajira o predomínio e a forma maior da palavra
está com os governos, as empresas, a mídia e outros de seus instrumentos de dominação entre os quais a
educação ambiental tem sido utilizada como instrumento de ―cabo a rabo‖. Então, a partir desta pesquisa temos
como objetivo divulgar, estudar, pesquisar, compartilhar com estas mulheres e crianças nossas pesquisas e que
nestas a gente consiga deixar que elas falem, exponham sua palavra contra a injustiça, a desigualdade, suas
lutas e vitórias, mas também dores e sofrimentos. E, de nossa parte, como educadores e entendendo esta
pesquisa como também um espaço educativo será ainda um momento em que possamos pensar e lutar contra as
injustiças ambientais. Pesquisa que possibilite educação para a justiça ambiental, ―que problematize as raízes
dos fatos geradores dos conflitos e as conseqüências geradas – a apropriação desigual da natureza (prática e
63
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simbólica) – pelos diferentes atores e grupos sociais no sistema capitalista.‖ (Santos, Araújo, Passos e Machado,
2013, p.270). Portanto, para problematizar essas realidades para pesquisar no Brasil e na Colômbia, nós temos
que nos colocar no lugar e tentar compreender ―as naturezas‖ das comunidades, porque é no lugar onde se
encontram os discursos, tanto os hegemônicos quanto das práticas baseadas-no-lugar, onde podemos nós
aproximar às relações sociais, mediatizadas através dos signos, da palavra, da semiótica, dos instrumentos de
mediação, para assim ter um contacto com a cultura, ainda que os pesquisadores sejam parte dela mesma.
(Molon, 2009, P.147).
Mas também nos apoiamos em Escobar (2000) ao dizer que no debate sobre a natureza com base no
"lugar" diz que os mesmos são acompanhados por práticas e racionalidades culturais, ecológicas e econômicas,
porque eles baseiam-se no conhecimento local onde a relação homem - natureza não é binária. É outra forma de
se relacionar com a natureza diferente daquela imposta desde os centros hegemônicos ou desde fora para dentro
diremos nós. Mas, destaca-o:
(…) una reafirmación del lugar, el no-capitalismo, y la cultura local opuestos al dominio del
espacio, el capital y la modernidad, los cuales son centrales al discurso de la globalización, debe
resultar en teorías que hagan viables las posibilidades para reconcebir y reconstruir el mundo
desde una perspectiva de prácticas basadas-en-el-lugar.. (ESCOBAR, 2000. P. 115).

Nesse sentido, acreditamos que como nosso papel como educadores ambientais (ainda em formação) é
problematizar e tentar mudar aquela imposição pela força em muitos tipos de práticas e relações sobre o
território e as populações atingidas e que os conflitos ambientais que ocorrem em toda América Latina é
exemplo da existência da desigualdade ambiental. Podemos dizer, de acordo com Escobar, 2000, que devido à
complexidade de um território visto como entidade multidimensional, têm diferentes tipos de relacionamentos
com seu território e são afetadas de formas diferentes. Então, vale a pena questionar a objetividade de um
modelo moderno de natureza que não pode interpretar construções sociais e culturais de todas as populações.

Considerações finais
Para a pesquisa em La Guajira, com as crianças atingidas pela exploração de carvão, temos em conta
que uma pesquisa que se propõe incluir a participação das crianças, envolve um ―processo pelo qual as crianças
são ‗empoderadas‘ para construir uma representação de seu mundo social‖, onde o pesquisador deve levar em
conta a ―moeda local de comunicação‖ Campos (2008, p.38), ainda tendo em conta as relações desiguais de
poder entre adultos e crianças, ―combinadas com as também desiguais relações étnicas, de gênero, que muitas
vezes levam as crianças a fornecerem as respostas que julgam serem as esperadas e não aquelas que refletem‖
(Ibidem). Neste sentido, a pesquisa pretende escutar as vozes das crianças para tentar compreender quais são
suas relações com a natureza e a seu olhar sobre a crise sócio-ambiental, que será oposta do olhar imposto pelo
Estado, a mídia e as empresas.
Na pesquisa em Duque de Caxias, com as mulheres atingidas pela refinaria de petróleo, pretendemos
explicitar o processo de luta das mulheres através da vivência direta do enfrentamento dos conflitos produzido
64
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pela REDUC, analisar a função social do programa de educação ambiental da REDUC e suas implicações na
vida das mulheres no município de Duque de Caxias – RJ e também como em La Guajira escutar as vozes,
dando voz as mulheres na tentativa de compreender quais são suas relações com a natureza e a seu olhar sobre a
crise socioambiental, que será oposta do olhar imposto pelo Estado, a mídia e as empresas, resgatando o dito
aqui parcialmente descrito ao confronto nos contextos socioambientais que encontraremos in loco.
Consideramos que nestas pesquisas é fundamental o trabalho de campo, direto com as populações
atingidas porque, segundo Machado (2015, p.12) não pode separar a abstração da prática, e temos que trabalhar
sobre os reais conflitos que atingem as comunidades, conforme citado:
(...) la abstracción separada de la práctica, como esta sin aquella, no existe sin el espacio concreto – el
espacio de la representación - o la materialidad sobre la cual tanto, lo vivido (las prácticas cotidianas)
como lo concebido (las reflexiones teóricas) se desarrollan y ―se impone‖ a través de una ―lógica
implacable‖ de la sociedad ―de la mercancía, del capital, en fin de una lógica sin residuo‖, sin
contradicción, sin conflicto en el contenido de la producción simbólica hegemónica. (Machado, 2015,
p.12).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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A RETOMADA DOS FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO
CONDIÇÃO INDISPENSÁVEL PARA A CONSTRUÇÃO DE UM CAMPO
DISCIPLINAR PRÓPRIO: A CONTRIBUIÇÃO LATINO-AMERICANA

FREITAS, Ieda Maria Duval de28


FREITAS, José Vicente de29

Resumo

Propõe uma abordagem exploratória sobre os fundamentos da educação ambiental, buscando dar ênfase a
contribuição latino-americana, particularizada nas contribuições que emergem do Tratado de Educação
Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global; do Manual Latino-Americano de Educ-
Ação Ambiental; e do Manifesto por la vida. Por una Ética para la Sustentabilidad.Argumenta a necessidade
analisar os fundamentos da educação ambiental numa perspectiva histórica como condição para compreender
em que medida a EA constitui-se num campo disciplinar próprio. A abordagem dos documentos em tela é
antecedida por uma revisita ás referências históricas que reconhecidamente foram fundamentais na atribuição
de sentidos e significado à EA, estratégia adotada como vista a não correr o risco de uma reflexão
descontextualizada. Como síntese e considerações finais, destaca-se as particularidades que as reflexões e
experiências produzidas na América Latina empresta a Educação ambiental, situada para além das tendências
internacionais. Neste contexto, ressalta o papel das ações educativas socioambientais alicerçadas em enfoques
participativos, assinala inclusão de comunidades no processo de conquista de uma sociedade de direitos,
ambientalmente justa e sustentável, e destaca o seu compromisso com a transformação do modelo civilizatório.
Enfatiza, nos encaminhamentos, a importância de avançar na análise do amplo leque de referências sobre a EA
concebidas na América Latina.
Palavras-Chave: Fundamentos da Educação Ambiental. América Latina. Campo Disciplinar.

Introdução

A atribuição de sentidos e significados atribuídos ao campo da Educação Ambiental resulta de um longo


processo histórico no qual o espectro conceitual que encerra foi sendo formulado. Dos debates ocorridos no
âmbito das Conferências Intergovernamentais sobre Meio Ambiente promovidos por organismos internacionais
às reflexões fomentadas por organizações não governamentais, movimentos ambientalistas, governos e
universidades, entre outros, a Educação Ambiental foi ganhando forma e instituindo-se.
Não resta dúvida, pelo argumento recorrente na literatura especializada, que a marca significativa da
Educação Ambiental é a diversidade de abordagens que abriga. Esta constatação remete a comunidade de

¹ Licenciada em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Mestre em Educação Ambiental pela Universidade
Federal do Rio Grande (FURG).Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental (PPGEA/FURG). Professora da
rede municipal e estadual de ensino. Membro da equipe do Programa de Educação ambiental do Porto do Rio Grande (ProEA-
SUPRG) E-mail: iedaambiental@yahoo.com.br
29
Doutor em História e Sociedade (UNESP/FFCL/ASSIS). Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental
(PPGEA/FURG). E-mail: jvfreitas45@gmail.com
67
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especialistas a empreender uma necessária reflexão sobre a Educação Ambiental como campo disciplinar, tarefa
ainda inconclusa. E a discussão sobre a EA como campo disciplinar exige, por sua vez, um pré-requisito
indispensável, a tarefa de mapear e compreender os seus fundamentos, o que significa dizer, remontar às suas
origens e acompanhar o debate teórico-conceitual presente na sua trajetória.
Do ponto de vista de uma reflexão conceitual, a tarefa é mais complexa do simplesmente contar a
história da Educação Ambiental, pois exige imersão e análise sob o viés epistemológico.
Este trabalho pressupõe o exame de inúmeras proposições, documentos, manifestos, diretrizes,
princípios, relatórios e tratados que, ao longo dos últimos 40 anos, foram sendo formulados no sentido de
atribuir sentidos e significados à Educação Ambiental. E ele vem sendo desenvolvido no âmbito do projeto
intitulado A retomada dos fundamentos da Educação Ambiental como condição indispensável para a
construção de um campo disciplinar próprio30.
O presente artigo representa um recorte deste trabalho mais amplo, no qual objetivamos mapear,
identificar e apresentar alguns dos fundamentos da Educação Ambiental formulados no contexto latino-
americano.
Considerando que os intelectuais e educadores da América Latina produziram inúmeros aportes31,
focamos o presente mapeamento analítico-descritivo em três documentos de reconhecida importância: - Tratado
de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, concebido no âmbito da
Eco-92; - O Manual Latino-Americano de Educ-Ação Ambiental, de autoria de Moema Viezzer e Omar Ovalles
e o; -Manifesto por la vida. Por una Ética para la Sustentabilidad.
A abordagem em torno desses documentos é antecedida, para não correr o risco de uma reflexão
descontextualizada, pela revisita às referências históricas que foram fundamentais na atribuição de sentidos e
significados no campo da Educação Ambiental.

Os marcos históricos reconhecidos e recorrentes na atribuição de sentidos e significados da Educação


Ambiental

No seu processo de constituição, é consenso que as grandes reuniões internacionais promovidas pela
UNESCO e PNUMA, o ―Clube de Roma‖ (1968), a ―Conferência de Estocolmo‖ (1972), ―Conferência de
Belgrado‖ (1975), a ―Conferência de Tbilisi‖ (1977), a ―Conferência de Moscou‖ (1987), a ―Eco-92‖, no Rio de

30
Projeto coordenado pelo Prof. Dr. José Vicente de Freitas, do Instituto de Ciências Humanas e Informação e do Programa de Pós-
Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande, desenvolvido em parceria com a Unesco, representação
no Brasil.
31
Entre os inúmeros aportes, destacamos: I Reunião sobre Universidade e Meio Ambiente da América Latina e Caribe, que aprovou
do documento intitulado ―Dez teses sobre o Meio Ambiente na América Latina‖, Bogotá, 1986; Reunião de especialistas em
Educação Ambiental, em Chosica, Peru, 1971; Red de Fomación Ambiental para América Latina y Caribe – PNUMA; Programa
Latino-Americano e Caribenho de Educação Ambiental – PLACEA; Plano Andino-Amazônico de Comunicação e Educação
Ambiental – PANACEA.
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Janeiro, a ―Rio + 10‖, ocorrida em 2002 na África do Sul e, mais recentemente, ‖Tbilisi + 35‖, são marcos que
passaram a atribuir sentidos e significados à Educação Ambiental.
Essas reuniões organizadas por distintos organismos internacionais, e os relatórios/declarações que
produzem, constituem-se em contribuições conceituais e reflexivas importantes na atribuição de significados a
EA, assim como colaboraram de forma decisiva na sua difusão.

Em 1968 teve lugar, em Roma, uma reunião de renomados cientistas dos países desenvolvidos, de
diferentes áreas do conhecimento, com o propósito de discutir consumo, reservas de recursos não renováveis e
o crescimento demográfico mundial até meados do século XXI. Estava fundado o Clube de Roma. O resultado
dessa reunião indicou a necessidade urgente de conservação dos recursos naturais, controle do crescimento
populacional e investimento ―numa mudança radical na mentalidade de consumo e procriação‖ (REIGOTA,
2001, p.23).

O ―Clube do Roma‖ conseguiu gerar um outro resultado e um produto interessante. No primeiro


caso, alçou o problema ambiental a nível planetário. No segundo, publicou, em 1972, o relatório The Limits of
Growth32, que acabou constituindo-se numa referência internacional à elaboração de políticas e projetos.

Essa reunião internacional, mesmo que não tenha avançado no debate sobre a EA, influenciou
consideravelmente na organização de um outro encontro, ―A Primeira Conferência Mundial de Meio Ambiente
Humano‖, ocorrida em Estocolmo, em 1972, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas
(ONU/UNESCO), que tratou a questão mais diretamente.

O evento é tido como um marco político internacional para a emergência de políticas de


gerenciamento ambiental. Produziu a Declaração sobre o Ambiente Humano; estabeleceu o Plano de Ação
Mundial com o objetivo de inspirar e orientar a humanidade para a preservação e melhoria do meio ambiente;
reconheceu o desenvolvimento da Educação Ambiental como elemento crítico para o combate à crise ambiental
no mundo; enfatizou a urgência da necessidade do homem reordenar suas prioridades (DIAS, 1998).
Oficialmente, parece residir aí o nascimento da EA. Delineava-se a ideia de que a solução dos problemas
ambientais passaria pela educação do cidadão. Desenhava-se o princípio da Educação como base da política
ambiental, agora com a força de uma diretriz internacional.

Na década de 70 não só o conceito de EA vai sendo constituído como uma ―dimensão‖, como

32
O título do Relatório, em português, recebeu a seguinte chamada: Os Limites doCrescimento. Não manuseamos o documento
original, mas através do trabalho de Mesarovic & Pestel, denominado Momento de Decisão:O Segundo Informe ao Clube de Roma.
Rio de Janeiro: Agir, 1975. 246p., o Relatório estabelecia modelos globais baseados nas técnicas pioneiras de análise de sistemas,
projetados para predizer como seria o futuro se não houvesse modificações ou ajustamentos nos modelos de desenvolvimento
econômico adotados. O documento denunciava a busca incessante do crescimento da sociedade a qualquer custo, e a meta de se tornar
cada vez maior, mais rica e poderosa, sem levar em conta o custo final desse crescimento. Os modelos demonstraram que o crescente
consumo geral levaria a humanidade a um limite de crescimento, possivelmente a um colapso. Os políticos rejeitaram as observações.
Entretanto, o livro atingiu, em parte, seu objetivo: avisar os homens da necessidade de maior prudência nos nossos estilos de
desenvolvimento.

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também a noção de meio ambiente amplia-se, passando a ser associado ao meio natural e, ao mesmo tempo,
incorporando os aspectos sociais. Para além dessa perspectiva, também verificou-se nesta década o
delineamento da Educação Ambiental como um movimento ético, somando-o àqueles outros já ressaltados, o
aspecto social ou econômico, deslocando-se assim de uma noção simplista vinculada ao conservacionismo para
algo muito mais complexo.

Já correndo o ano de 1973, foi criado um órgão vinculado à ONU/UNESCO, o PNUMA (Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente), como instrumento de coordenação entre organismos nacionais e
internacionais, o que acabou implicando num novo impulso à Educação Ambiental.

Em 1975, tornou a acontecer uma nova reunião internacional, o Encontro de Belgrado (Iugoslávia),
como ficou conhecido. Foi neste evento que ocorreu o lançamento do Programa Internacional de Educação
Ambiental (PIEA), que expressava o propósito de promover a EA em todos os níveis da educação, fixando
metas e objetivos, delimitando o seu âmbito e conteúdos.

A Primeira Conferência Inter-Governamental de Educação Ambiental de Tbilissi ocorreu em


função das recomendações da reunião anterior. Também promovida pela UNESCO/PNUMA, realizou-se em
1977, na cidade de Tbilissi – Georgia. Dessa conferência resultou um importante documento, a Declaração
sobre Educação Ambiental, que estabelecia pautas de atuação e prioridades para o futuro. Genebaldo Freire
Dias detalha o referido documento:

―Documento técnico que apresentava as finalidades, objetivos, princípios orientadores e estratégias para o
desenvolvimento da EA e elegia o treinamento de pessoal, o desenvolvimento de materiais educativos, a
pesquisa de novos métodos, o processamento de dados e a disseminação de informações como o mais
urgente dentro das estratégias de desenvolvimento.‖ (1998, p.22).

Os anos que se seguiram a esse evento em Tbilissi, foram fundamentais para a Educação
Ambiental. De uma vaga aspiração passa a tomar a forma de um corpo teórico, mesmo que genérico, dotada de
uma estratégia e gradualmente assumindo um caráter institucional. E foi naquele período que teve lugar um
conjunto de situações e iniciativas que vão conformando a EA. Uma das mais significativas, sem dúvida, no
marco do PIEA, foi a Reunião Internacional de Especialistas, que ocorreu em Paris em 1982.

A década de 80 avança e nela verificou-se o agravamento e generalização da crise ambiental, assim


como ampliou-se a preocupação com o problema. Seu caráter global ficou escancarado, enfatizando-se ao
mesmo tempo as questões relacionadas com a desigualdade mundial e com os desequilíbrios Norte-Sul. A EA
responderá a esses desafios acentuando o caráter sistêmico de suas propostas, assinalando a importância das
inter-relações entre os problemas e, portanto, enraizando ainda mais o seu caráter de ―dimensão‖.

Entre o final da década de 80 e a primeira metade da seguinte, a EA passou a ser vinculada com o
conceito de desenvolvimento sustentável. Esse conceito emergiu com os trabalhos da Comissão Brundtland
(Comissão Mundial de Meio Ambiente e de Desenvolvimento, 1983), agregada às Nações Unidas, coordenada

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pela primeira ministra norueguesa, Gro Harlem Brundtland. Os resultados do conjunto dos debates travados
foram publicados no famoso livro O Nosso Futuro Comum (1987), que aponta propostas para o futuro.

No Segundo Congresso de Educação Ambiental, ocorrido em Moscou, em 1987, os trabalhos


organizaram-se em torno de elementos decisivos da EA: informação, investigação e experimentação de
conteúdos e métodos, formação de pessoal e cooperação regional e internacional, questões essas concebidas no
seu conjunto e não como ações isoladas.

Essa reunião de Moscou avançou na mesma linha do relatório da Comissão Brundtland, destacando
a inutilidade de uma Educação Ambiental que não colocasse ênfase sobre a realidade mundial desigual e que
não alcance a todos os coletivos sociais. Os conceitos de necessidades, limitações, descentralização, equidade,
participação e outros mais, começaram a se generalizar na EA.

A reunião internacional do Rio de Janeiro, mais conhecida como Eco-92, igualmente dedicou
atenção ao tema da Educação Ambiental, mas colocada numa relação com o desenvolvimento sustentável. No
manifesto produzido, considerou-se a EA indispensável na modificação de atitudes e para desenvolver
comportamentos compatíveis com o desenvolvimento sustentável, e estimulou sua introdução em todos os
níveis escolares.

Com esses dados, podemos também inferir que a proposta de uma Educação Ambiental construída
até esse momento não passava simplesmente pela ideia de natureza como um recurso didático (educativo),
usando o meio ambiente para proporcionar informação geográfica, científica, etc., mas a de ensinar a partir da
natureza, e não a de educar para a natureza, com possibilidade de enfrentar os problemas gerados na relação
homem-meio, de educar sobre o papel do ser humano na biosfera.

Os princípios indicados, portanto, levam-nos a pensar numa Educação Ambiental ao mesmo tempo
assentada no desenvolvimento sustentável e na transformação dos modelos econômicos. E, nesse contexto, a
Educação Ambiental não pode se situar somente no mundo escolar, mas refere-se também à educação dos
adultos, de gestores, de políticos, de mulheres, associações, comunidades, enfim, a todos. Mas como os setores
sociais estão inseridos de formas distintas nos problemas ambientais, por consequência, a EA também os
afetará de maneira diversificada. Os pontos de partida, por certo, serão os setores mais suscetíveis ao debate
ambiental e aos benefícios de uma proposta de sociedade sustentável.

Nessa perspectiva, então, a EA pode ser entendida como uma educação aberta, que ultrapasse os
limites da educação formal e institucional, alcançando toda a população. O seu conteúdo refere-se, a rigor, ao
âmbito das relações natureza-sociedade e ao equacionamento dos problemas que emergem dessa relação.

Esses argumentos, considerados em conjunto e na perspectiva histórica que encerra, levam-nos a


buscar uma definição de Educação Ambiental onde os mesmos estejam assentados. Na proposta de definição de
María Novo aparecem com contornos bem marcados:
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―El proceso que consiste en acercar a las personas a una comprensión global del medio ambiente (como
un sistema de relaciones múltiples) para elucidar valores y desarrollar actitudes y aptitudes que les
permitan adoptar una posición crítica y participativa respecto de las cuestiones relacionadas con la
conservación y correcta utilización de los recursos y la calidad de vida.‖ (NOVO, 1996, p.30).

O Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global

Em 1992, a cidade do Rio de Janeiro sediava a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento, encontro que também ficou conhecido como Cúpula da Terra, Eco-92 ou Rio-92. O
Encontro difundiu o conceito de desenvolvimento sustentável e muitos dos temas propostos para a conferência
eram questões já apontadas desde Estocolmo.
A presença maciça de chefes de Estado no evento oficial indicava a importância atribuída à questão
ambiental no fim do século XX. E naquele momento, o ambiente político internacional estava mais favorável à
aceitação, pelos países desenvolvidos, de princípios como das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, no
enfrentamento à degradação ambiental.
Do lado da sociedade civil cerca de 22 mil pessoas, pertencentes a cerca de nove mil organizações não
governamentais dos mais diversos países, participaram de eventos paralelos, ocorridos em espaço próprio. Em
tendas armadas no aterro do flamengo, onde se realizou o Fórum Global, esses ativistas questionavam as teses
debatidas pelos governos, oferecendo outras visões sobre o futuro.
Uma série de convenções, acordos, protocolos foram firmados durante a Conferência Rio-92. Alguns
representavam compromissos assumidos pelos chefes de Estado presentes ao evento, outros foram produzidos
pela sociedade civil. Do ponto de vista dos documentos oficiais, destacam-se: - Declaração do Rio sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento; - Agenda 21 Global; - Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança
do Clima; - Convenção sobre Diversidade Biológica; Convenção das Nações Unidas de Combate à
Desertificação. Das discussões conduzidas pela sociedade civil, resultaram 36 tratados estabelecidos no âmbito
do Fórum Internacional de ONGs e Movimentos Sociais, a partir dos quais articularam-se diversas redes
temáticas, em assuntos como clima, biodiversidade, energia, agricultura, entre outras.

Dentre os 36 documentos formulados no âmbito do debate promovido pela sociedade civil planetária,
surgiu o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global. O Tratado
representou o produto da reflexão de mais de 600 educadores e educadoras ambientais de vários países
presentes à 1ª Jornada Internacional de Educação Ambiental, no Fórum Global da Sociedade Civil. Trata-se de
um dos documentos mais relevantes, reconhecidamente, relacionados à Educação Ambiental, e que desde 1992
vêm contribuindo de forma determinante no processo de conformação do próprio campo da Educação
Ambiental no Brasil, mas que igualmente tem sido tomado como referência teórico-conceitual e inspiração para
práticas, ações, projetos, iniciativas e programas levadas a termo por organizações da sociedade civil, redes
pública de ensino, movimento ambientalista e governos, notadamente na América Latina. E no caso brasileiro,

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foi a grande fonte inspiradora e base para a instituição da própria Política Nacional de Educação Ambiental (Lei
9.795/1999).

Na sua declaração de princípios, o Tratado registra que a Educação Ambiental:


(...) es um processo de aprendizaje permanente, basado em el respeto a todas las formas de vida (...) tal
educación afirma valores y acciones que contribuyen a la transformación humana y social y a la
preservación ecológica. Ella estimula la formación de sociedades justas y ecologicamente equilibradas,
que conservem entre sí uma relación de interdependência y diversidade. (MUÑOZ, 1996, p. 27).

O Tratado vai introduzir e marcar o campo da EA por elementos como a necessidade da


responsabilidade individual e coletiva, o pensamento crítico, inovador e pela visão interdisciplinar que a
caracteriza, assim como a consciência ética que deve suscitar. Mas a inovação explícita mais importante situou-
se no intento de defini-la como uma Educação que: ―nos es neutra sino ideológica. Es um acto político, basado
em valores para la transformación social‖ (Ibid).
O alargamento da noção de EA vai se costurando no referido manifesto à medida que se atribui a ela a
necessidade de tratar questões globais críticas, suas causas e inter-relações numa perspectiva sistêmica, inserida
em seu contexto social e histórico, envolvendo aspectos primordiais como população, paz, direitos humanos,
democracia, saúde, forme, degradação da flora e fauna.
E nesse amplo espectro de questões a serem abordadas, a EA deveria, nos termos dispostos no
Tratado, capacitar as pessoas a trabalhar conflitos e a integrar conhecimento, aptidões, valores, atitudes e ações,
buscando a transformação de hábitos consumistas e condutas ambientais inadequadas. Essas características
sintetizam, em última instância, uma educação para a mudança.

Manifesto por la vida. Por una Ética para la Sustentabilidad


Este manifesto nasceu no âmbito do Simpósio Regional sobre Ética Ambiental e Desenvolvimento
Sustentável que ocorreu em Bogotá, Colômbia, por iniciativa da XIII Reunião de Ministros de Meio Ambiente
da América Latina e Caribe. Formulado pela confluência de ideias e perspectivas de inúmeros intelectuais e
especialistas oriundos de campos diversos da atividade pública e privada da região, constitui-se num conjunto
de reflexões e referências importantes para a educação ambiental contemporânea. O princípio estruturante
defendido no documento diz respeito a necessidade de institucionalização de uma racionalidade ética, a ética
para a sustentabilidade, que:
(...) inspire a solidariedade entre os seres humanos e com a natureza;(...) promova a gestão participativa
de bens e serviços ambientais dahumanidade para o bem comum; defenda a coexistência de direitos
coletivos e individuais; a satisfação de necessidades básicas, realizações pessoais e aspirações culturais
dos diferentes grupos sociais; oriente os processos ecomportamentos sociais visando um futuro justo
esustentável para toda a humanidade; (...); busque a reconciliação entre a razão e a moral, de maneira que
os seres humanos alcancem um novo estágio de consciência, autonomia e controle sobre seus modos de
vida, tornando-se responsáveis por seus atos perante si mesmos, perante os demais e perante a natureza
em relação ao justo e ao bom; (...) se afirme como a ética da diversidade em que se conjuga o ethos de
diversas culturas; (...) abarque um novo saber capaz de entender as complexas interações entre a
sociedade e a natureza.(MANIFESTO, 2002, p. 1).

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Esta ética para a sustentabilidade envolve ainda um conjunto de preceitos, princípios e propostas para
reorientar os comportamentos individuais e coletivos, assim como as ações públicas e privadas orientadas para
a sustentabilidade. Advoga a Ética de uma produção para a vida, com foco na justiça social e na equidade na
distribuição dos bens e serviços ambientais; propõe a Ética do conhecimento e diálogo de saberes,
perspectiva pela qual busca-se a conjugação dos aportes racionais do conhecimento científico com as reflexões
morais da tradição humanística abrindo a possibilidade de um novo conhecimento em que possam conviver a
razão e a paixão, o objetivo e o subjetivo, a verdade e o bom; defende a Ética da cidadania global, o espaço
público e os movimentos sociais, que aponta a necessidade de uma política de tolerância e participação das
dissidências e as diferenças, o fortalecimento dos valores democráticos para praticar uma democracia direta
fundada no princípio da participação coletiva;apresenta a Ética da governabilidade global e a democracia
participativa, que passa pela definição de um novo pacto cidadão e de um debate democrático, baseado no
respeito mútuo, no pluralismo político e na diversidade cultural, com a primazia de uma opinião pública crítica
atuando com autonomia perante os poderes do Estado; estabelece a Ética de os direitos, a justiça e a
democracia, que aponta para uma nova aliança solidária com uma civilização da diversidade e uma cultura de
baixa entropia, que pressupõe o primado de uma ética implicada em uma nova visão do mundo que nos prepare
para uma transmutação dos valores que fundamentem um novo contrato social; concebe a Ética de os bens
comuns e do Bem Comum, que implica cambiar o princípio do egoísmo individual como gerador de bem
comum por um altruísmo fundamentado em relações de reciprocidade e cooperação; firma a Ética da
diversidade cultural e de uma política da diferença, baseada em um princípio de integridade dos valores
humanos e das identidades culturais, com as condições de produtividade e regeneração da natureza, princípios
que emanam da relação material e simbólica que têm as populações com seus territórios, com os recursos
naturais e o ambiente; assume aÉtica da paz e o diálogo para a resolução de conflitos, que implica no
estabelecimentode um acordo de princípios de igualdade que seja assumido e praticado por todos os atores da
sustentabilidade; propõe a Ética do ser e o tempo da sustentabilidade, que significa o reconhecimento dos
tempos diferenciados dos processos naturais, econômicos, políticos, sociais e culturais.

Manual Latino-Americano de Educ-Ação Ambiental


Em meados dos anos 90 do século passado, dois importantes e representativos intelectuais e militantes
do campo socioambiental, e que estiveram estrategicamente envolvidos nas articulações e concepção do
Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, Moema Viezzer
(brasileira) e Omar Ovalles (venezuelano), escrevem um livro-referência para a Educação Ambiental Latino-
Americacana, inspirado e apontando na direção da transformação social.
Publicado originalmente em 1994 e formulado a partir de um suporte de amplas discussões que resgata a
ideia de que a ―EA na América Latina tem uma longa trajetória de luta por direitos humanos, resistência aos

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regimes autoritários e compromisso com uma cultura de procedimentos democráticos‖. (SORRENTINO;
NASCIMENTO, 2009/2010, p. 31).
Tomando como base, portanto, a experiência histórica da América Latina, os autores vão sugerir uma
perspectiva mais abrangente para a Educação Ambiental, considerando que ela é:

―na verdade, uma proposta de filosofia de vida, que resgata valores éticos, estéticos, democráticos e
humanistas. Ela parte de um princípio de respeito pela diversidade natural e cultural, que inclui a
especificidade de classe, de etnia e de gênero. Por isso, uma de suas características é a defesa da
descentralização em todos os níveis e a distribuição social do poder, reconhecendo também como formas
de poder, o acesso à informação e ao conhecimento. A educação que queremos visa modificar as relações
entre a sociedade e a natureza em função da melhoria da qualidade de vida, como esta é percebida pelas
comunidades. Ela propõe a transformação do sistema produtivo e do consumismo em uma sociedade
baseada na solidariedade, afetividade e cooperação, visando a justa distribuição de seus frutos entre todos.
Uma educação holística propõe a busca de novos valores e práticas, baseados em uma postura ética que,
aliados à sabedoria acumulada pela humanidade e aos conhecimentos científicos, perpassem todas as
ações das comunidades, de órgãos governamentais, partidos políticos e de ONG‘s. É também uma
educação democrática que propicia oportunidades para que as pessoas e grupos desenvolvam sua
criatividade, reaprendendo o mundo, sem estabelecer separações artificiais entre mestres e aprendizes,
entre sexos e idades, e entre saberes.‖ (VIEZZER e OVALLES, 1994, p.20-21).

Síntese e Considerações Finais

Segundo Solís (2006), na América Latina os sentidos e significados incorporados pela Educação
Ambiental foram além das tendências predominantes internacionais nesse campo. A experiência proporcionada
pela educação popular freiriana levou para a EA a necessidade de se considerar as relações sociedade-natureza
como um requisito indispensável para construir um futuro duradouro no tocante a conservação de nossos
recursos naturais e de preservação da vida no planeta. Da mesma forma, inspirou a realização de experiências
educativas ambientais alicerçadas em enfoques participativos, fator que apresentou-se fundamental na inclusão
das comunidades nos processos de construção de uma sociedade de direitos, ambientalmente justa e sustentável,
condição que implicaria a compreensão dos elementos naturais, sociais e econômicos a nível local.
Nas palavras da autora:

La educación ambiental latino-americana se fue construyendo, así, a partir de las experiências de la


educación popular comunitária e participativa, y de da educación ecológica o conservacionista, em su
passo hacia uma educación ambiental comprometida com el cambio social y com la transformación de los
modelos económicos de desarrollo. (SOLIS, 2006, p. 71).

As reflexões levadas à cabo na América Latina também produziram outros significados que foram sendo
incorporados a EA, como a crítica ao modelo de crescimento e consumo dos países industrializados e a
constataçãoda necessidade de se atribuir novas cores ao conceito de desenvolvimento; o desenvolvimento de
experiências de proteção da natureza associadas ao acolhimento das questões sociais, do desenvolvimento e da
equidade.

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E não há dúvida de que a emergência e o desenvolvimento do chamado ―pensamento ambiental latino-
americano‖, identificado no conjunto de publicações que abordaram temas estruturantes como a perspectiva
ambiental do desenvolvimento do conhecimento; os conceitos básicos para o estudo de sistemas complexos; a
economia e o ambiente; a ecologia e o ambiente; o ambiente e o planejamento do desenvolvimento, entre
muitos outros, aportaram ―elementos fundamentales para que los processos de educación ambiental contaram
com un respaldo teórico y reflexivo hacia la acción participativa, y se constituyeran em referentes para um
pensamiento ambientalregional comprometido com el cambio‖. (SOLÍS, 2006, p. 72).
Os aportes provenientes das reflexões desencadeadas na América Latina constituem, a rigor, um amplo
leque de percepções, conceitos, argumentos, ideias, perspectivas, noções, correntes de pensamento, que foram
se conformando a partir de inúmeros debates, discussões e formulação de documentos de referência, que
precisam ser resgatados, revisitados e analisados com o objetivo de identificarmos os sentidos e significados
próprios gerados pelos intelectuais e educadores latino-americanos na constituição dos fundamentos da
Educação Ambiental. Compreender melhor esses fundamentos, tanto num nível mais amplo como destacar e
particularizar a contribuição latino-americana apresenta-se como tarefa indispensável a gerar argumentos que
possam, a esta altura, definir a EA já como um campo disciplinar próprio, consolidado, ou entender de que se
trata um processo ainda em construção.
Novos estudos precisam ser realizados para dar conta da ampla gama de referências que, na América
latina, ao longo das últimas quatro décadas, foram colaborando na atribuição de sentidos e significados à
Educação Ambiental.

Referências
ALBA, A.; GONZÁLES, E. Evaluación de programas de educación ambiental. Experiências em américa
latina y Caribe. México: SEMARNAP, UNAM, 1997.
DIAS, Genebaldo F. Educação Ambiental: princípios e práticas. São Paulo; Global, 1998.
FREITAS, Ieda M. D. ―Educação Ambiental: a formulação de um conceito operacional. In: A utopia
compartida e o compartir como utopia. A educação ambiental no contexto de uma experiência ecológica
integral: a eco-comunidad del sur. Rio Grande: FURG/PPGEA, 2003. 212 p. (Dissertação de Mestrado).
MUÑOZ, Maria Carmem González. Principales tendências y modelos de la educación ambiental em el sistema
escolar. In: REVISTA IBEROAMERICA DE EDUCACIÓN. Educação Ambiental: teoria y prática. nº 11,
maio/ago. de 1996. p. 13-74.
MANIFIESTO POR LA VIDA POR UNA ÉTICA PARA LA SUSTENTABILIDAD. In:Ambiente & Sociedade, vol.
V, núm. 10, 2002, pp. 1-14 (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade). Disponível
em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=31713416012

NOVO, María. La educación ambiental formal y no formal: dos sistemas complementários. In: REVISTA
IBEROAMERICANA DE EDUCACIÓN. Educação Ambiental: teoria y prática. Nº 11, maio/ago. de 1996.
p. 75-102.
REIGOTA, Marcos. O que é educação ambiental. São Paulo: Brasiliense, 2001.
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SOLÍS, Eloísa Tréllez. Algunos elementos del processo de construcción de la educación ambiental em América
Latina. In: REVISTA IBEROAMERICANA DE EDUCACIÓN. Nº 41 (2006). Pp. 69-81.
SORRENTINO, M. NASCIMENTO, E. Universidade e Políticas Públicas de Educação Ambiental. In: Revista
Educação em Foco. Juiz de Fora, v. 14, n. 2, p. 15-38, set 2009/fev 2010.
TRATADO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA SOCIEDADES SUSTENTÁVEIS E
RESPONSABILIDADE GLOBAL. Foz do Iguaçu: Itaipu Binacional, sd, 39 p. (Série Documentos Planetários,
Volume 2).
VIEZZER, M; OVALLES, O. (Org.). Manual latino-americano de educação ambiental. São Paulo: Gaia,
1994.

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BUSCANDO ENCUENTROS EN LA LUCHA POR LA JUSTICIA AMBIENTAL
Ismael Peralta López

Resumen

El presente trabajo tiene como fin último, y fundamental, encontrar caminos y puntos de encuentro entre la sociedad civil
organizada, y la población en general, en el marco de una situación de crisis ambiental. Primero, se contextualiza, y se
dan argumentos que cuestionan el actual sistema productivo, desde un punto de vista socio-económico. Luego, a partir del
contexto de la sociedad civil organizada en Uruguay, se pretenden dar algunas respuestas a la fragmentación y a la
consecuente dilatación de las luchas por la justicia ambiental. A continuación, la experiencia acumulada en la educación
ambiental, enmarcada en el contexto de fragmentación de la sociedad civil, propone un encuentro regional entre los más
diversos actores para poder ejercer presión y obtener resultados categóricos y fundamentales para un accionar recto y
justo en la búsqueda de la justicia ambiental.

Palabras clave: Contexto. Organización. Justicia ambiental.

Una introducción teórica. Los recursos naturales en una economía “irracional”

Nuestro planeta está lleno de distintos tipos de recursos naturales, algunos de esos recursos son fundamentales para que
las personas podamos sobrevivir. Entre esos recursos están el agua, el aire y la tierra.

Cuando me refiero a recursos naturales, se entiende que: ―El mundo contiene muchas formas de “riqueza” que
contribuyen a establecer el nivel de vida. Básicamente esta riqueza comprende los recursos de la Tierra que pueden
transformarse en productos útiles. Y como es la naturaleza quien los brinda, se les llama recursos naturales.‖1

Ese uso ―irracional‖ de los recursos naturales, lo explicaré con mayor precisión luego. Primero, y a modo de resumen, cito
a una compañera de trabajo que nos aclara el tema:

“El sistema productivo actual se basa en un modelo lineal el cual comienza con la extracción de materiales para
producir, consumir y por último descartar. Al ser un sistema lineal en un planeta con recursos finitos, es imposible e
inviable operarlo indefinidamente.
Estamos hablando de un sistema que no está aislado sino que interactúa con la sociedad, la cultura, la economía y el
ambiente[...]”.2

1 MOORE W. G. (1977). Los recursos naturales. EL HOMBRE Y LA TIERRA. (Pág. 93) Navarra: Salvat
2 Pereira, Carla. (2015) NO LE MIENTAS AL BOCHO, ¿DE DÓNDE VIENEN Y A DÓNDE VAN LAS COSAS?, de CARLA
PEREIRA, TERTULIA LUNÁTICA, N° 15, AÑO III, pág. 15.
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Creo que en el fragmento citado se deja en claro uno de los aspectos fundamentales de la actual crisis ambiental, y es que
las bases del actual sistema productivo no son racionales, no tienen lógica, aunque si tienen fuertes intereses. Veamos por
qué esto es así:

El problema de los recursos naturales puede explicarse desde el sistema económico

Acá hay un problema que es bien sencillo y tiene que ver con algo que en el mundo llaman PBI (producto interno bruto).
El PBI no es una cosa física, ni un lugar, es la suma de varias actividades que ocurren dentro de un país, y se compone la
siguiente manera:

PBI = C + G + I + S(Im-Ex)3

Esto significa que PBI es igual a la suma (+) de lo que en un país se consume (C) más lo que se gasta a nivel público (G)
más lo que se invierte (I), más el saldo entre lo que el país compra (importación) y vende (exportación), en un período de
tiempo que suele ser el año.

No hace falta saber con detalle lo que significa cada componente del PBI, lo importante es saber que todas las actividades
que se agrupan en lo que se llama PBI, implican un consumo/gasto de recursos. Pero el problema no radica en el consumo
de los recursos, sino en la forma y medida en que esos recursos se consumen. A nivel mundial lo que el sistema de
producción de un país capitalista trata de conseguir es que su PBI crezca año a año, que sea cada vez mayor. Entonces, si
las actividades enmarcadas dentro del PBI utilizan recursos, y si el PBI aumenta, aumenta necesariamente el consumo de
recursos.

Según datos del Banco Mundial4, en el período 2010-2014, de 213 países 17 no crecieron, y además sus economías se
redujeron con respecto al período 2005-2009. A su vez hay 43 países de los cuales no hay datos de si el PBI aumento o se
redujo, pero si hacemos cuentas son 153 los países que aumentaron su PBI (213 – 17 – 43 = 153).

Para comprender aún más este problema hay que repasar la población mundial.
5
Actualmente en el planeta hay aproximadamente 7.324.782.000 personas. De los 213 países, solo 23 países no
aumentaron su población entre el periodo 2005-2009 y el 2010-2014.6 Evidentemente que si año a año consumimos más,
y si a su vez la población es cada vez mayor, tenemos y tendremos un gran problema con la gestión de los recursos finitos
del planeta.

Que los recursos sean finitos, significa que se agotan. Algunos de los recursos que se están consumiendo hoy en día,
como los combustibles fósiles por ejemplo, demoraron millones de años en producirse y llegar a tener el estado/grado de
utilidad que tienen hoy en día. Con el actual sistema productivo, la extracción de recursos es de tal magnitud que hoy en

3 Para ver desglosar cada componente del PBI: http://www.enciclopediafinanciera.com/teoriaeconomica/macroeconomia/producto-


interior-bruto-pib.htm
4 http://datos.bancomundial.org/indicador/NY.GDP.MKTP.KD.ZG
5 http://populationpyramid.net/es/mundo/2015/
6 http://datos.bancomundial.org/indicador/SP.POP.TOTL
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día no es posible ―reponerle‖ a la naturaleza todo lo que de ella consumimos, ni recuperar sus recursos, ya que no están
dadas las herramientas para acompasar el consumo con medidas de compensación. Ésto es un problema, porque si hoy en
día no podemos hacerlo, y si el consumo y la población van en aumento, la gestión de los recursos será cada vez más
complicada.

El crecimiento poblacional está aumentando en magnitudes exponenciales. A comienzos del 1900 la población mundial
era, aproximadamente, de unas 1.600.000.000 personas7, osea que desde 1900 hasta el 2015 la población mundial se ha
multiplicado casi por 5.

La gran contradicción del sistema es pretender explotar los recursos de la naturaleza de forma anti-natural. Esto refiere a
que, la naturaleza, se comporta de forma cíclica, lentamente genera sus propios equilibrios, y con eficacia. Extraer los
recursos de la naturaleza a una mayor velocidad de lo que estos pueden recuperarse, carece de lógica natural, y abunda la
lógica del consumo en ―use y tire‖. No debemos quedarnos con que el sistema es únicamente ―irracional‖, sino que hay
claros intereses de que así lo sea, por los afanes de acumulación capitalista, que han encontrado entre las
corporaciones/empresas, y los gobiernos, una amistad que perdura en el tiempo.

Sin embargo, no es la intención entrar en detalles del funcionamiento de la naturaleza, sino más bien ―agarrar el toro por
las guampas‖ e invalidar la argumentación que sostiene al actual sistema productivo, aunque sepamos que no se basa en
argumentos, sino en intereses.
Lo que se entiende y el uso que se le da a la palabra ―desarrollo‖ es para significar un crecimiento económico. Una
afirmación rápida, pero insostenible en su argumentación, podría versar que, el sistema necesariamente necesita crecer
(económicamente hablando), puesto que como la población mundial crece, crece necesariamente el consumo (uno de los
componentes del PBI), y por lo tanto el crecimiento del PBI satisface una necesidad generada por el aumento poblacional.

¿Cómo invalidar un argumento de este tipo? Apelando a la desigualdad global.

Si todos los recursos estuviesen repartidos equitativamente, quizás la argumentación del anterior párrafo tendría sentido.
Sin embargo, no solo que los recursos no están repartidos de forma equitativa, sino que la desigualdad es tremenda.

El informe temático de Oxfam de Enero del 2015 nos cuenta que: ―En 2014, el 1% más rico poseía el 48% de la riqueza
mundial, mientras que el 99% restante debía repartirse el 52%. Prácticamente la totalidad de ese 52% está en manos del
20% más rico de la población mundial, de modo que el 80% restante sólo posee un 5,5% de la riqueza mundial.‖8(8)

Lo interesante, por no decir lo lamentable, es que la desigualdad no es ajena a otros períodos de la historia, lo cual nos da
para pensar sobre qué es lo que ha cambiado o se ha ―desarrollado‖ en este transcurso de tiempo. Quiénes se han visto
beneficiados, y quiénes no.

7 Cipolla C. M. (1992) La inversión de los equilibrios mundial e intraeuropeo. HISTORIA ECONÓMICA DE LA EUROPA
PREINDUSTRAL, PÁG. 277. Madrid: Alianza Universidad.
8 Informe temático de Oxfam. (ENERO 2015) RIQUEZA: TENERLO TODO Y QUERER MÁS
https://www.oxfam.org/sites/www.oxfam.org/files/file_attachments/ib-wealth-having-all-wanting-more-190115-es.pdf
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Los siguientes datos nos aproximan a la desigualdad en la época pre-industrial en Inglaterra, allá por el año 1688, datan
que un 4% de la población compuesta por las familias nobles, gentileshombres y alto clero, y profesionales liberales,
poseían un 23% del flujo de la renta, y que el 62% de la población compuesta por asalariados, marineros y soldados, veía
en la distribución de la renta apenas un 21% de la misma, y por lo tanto el flujo de la renta en esa clase socio-económica
era menor a la que poseía el 4% de la clase socio-económica dominante de la época.9

Otro hecho que no justifica la necesidad del constante crecimiento económico, es el hecho de que siempre haya sobre-
oferta y stock de la mayoría de lo que se produce. Osea, teniendo reservas, seguimos produciendo cada vez más, lo que
evidencia que la oferta ya no responde a la demanda, sino a la imperiosa necesidad de ofertar bienes y servicios, cuánto
más, mejor.
¿Qué producto del mercado, en caso de querer acceder al mismo, nos encontramos con que no está disponible sino hasta
próximo aviso? Difícil que eso suceda.

No hace falta traer aquí datos para explicar esto, sucede con los productos alimenticios que nunca faltan en las góndolas,
con los autos que cada año se siguen produciendo en grandes cantidades, los celulares, etc... ya no se hacen cosas para
que duren, sino para que rápidamente sean descartadas y generar por ende nuevamente la necesidad de consumo.

Cierro la argumentación del problema actual de los recursos naturales volviendo a citar a Carla Pereira en el artículo que
trata de explicar la llamada obsolescencia programada:

―No sé si han notado cuan a menudo un celular de 8 meses de uso termina en la basura o como una impresora nueva
dura solo un año. Bueno, bienvenidos al mundo de la obsolescencia programada, una estrategia para establecer la fecha
de muerte a un producto ya sea por mal funcionamiento o deterioro ante las nuevas tecnologías, que surge como solución
a la crisis del 29 con el lema “Aquello que no se desgasta no es bueno para los negocios”; su primera víctima fue la
lamparita, que paso de una duración de 2500 horas en 1929 a 1000 horas en 1940.‖2

Contextuando la realidad desde Uruguay

Lo dicho hasta el momento consistió en ver tan solo una parte de la vasta argumentación por la cuál el actual sistema
productivo es un problema para el ambiente, y principalmente para las generaciones futuras, ya que la argumentación
trato de demostrar que a medida que pase el tiempo, gestionar los recursos va a ser cada vez más difícil.

Como decía, lo antedicho solo refiere a una parte de toda la argumentación que puede ser expuesta. Nunca será completa
una argumentación que no trate la contaminación (también en crecimiento) de los recursos naturales, y que por lo tanto
genera la perdida del aprovechamiento de los mismos, además de una grave afectación en la salud de las personas y del
ambiente. La contaminación puede (y con razón) ser motivo suficiente para explicar la necesidad de cambiar de sistema

9 Cipolla C. M. (1992) La demanda. HISTORIA ECONÓMICA DE LA EUROPA PREINDUSTRAL, PÁG. 29. Madrid: Alianza
Universidad.
2 Pereira, Carla. (2015) NO LE MIENTAS AL BOCHO, ¿DE DÓNDE VIENEN Y A DÓNDE VAN LAS COSAS?, de CARLA
PEREIRA, TERTULIA LUNÁTICA, N° 15, AÑO III, pág. 15.
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productivo. No obstante, la explicación de los procesos que contaminan los recursos, mediante la diversidad de técnicas
contaminantes que el sistema productivo promueve, hacen que su desarrollo queden por un tema de espacios, para otra
instancia.
Lo que no quedará para otra instancia es tratar de explicar o de encontrar caminos de encuentro en la actual fragmentación
de la lucha organizada por la justicia ambiental.

La especialización industrial y del conocimiento.

Cuando hablamos de ambiente, la complejidad está al orden del día. Son muchísimas y muy diversas las relaciones que se
dan en la interacción entre la naturaleza y la humanidad. Por lo tanto, para tomar medidas ante una situación en particular,
o para medir y/o comprender la magnitud de un fenómeno, hay que tratar al ambiente como lo que es: un sistema integral.
De lo contrario, lo que aparenta ser solución por un lado puede ocasionar problemas por otro lado. Ejemplo básico y
clásico es la introducción de una especie exótica en un ambiente para que esta cumpla con determinado fin, veamos un
ejemplo:

―En Australia había ranas pero no sapos, hasta que en 1935 se introdujeron deliberadamente en el país 102 sapos de
caña. Los escarabajos estaban haciendo estragos en las prósperas plantaciones de caña de azúcar del estado de
Queensland, así que se pensó en un depredador como el sapo de caña para acabar con la plaga. [...] Su gran
adaptabilidad y su capacidad de reproducción -pone entre 8000 y 25000 huevos dos veces al año- permitió su
proliferación, hasta llegar en la actualidad a los 200 millones de ejemplares. Se trata de un sapo corpulento y de gran
tamaño, con una piel seca y verrugosa, un animal muy voraz que tras su introducción empezó a devorar todo lo que
hallaba a su paso, pájaros, reptiles, anfibios y mamíferos de pequeño tamaño, contribuyendo más que ningún otro
invasor a alterar el ecosistema del noreste australiano y los proceso normales de selección natural. Su carácter venenoso
puede afectar a sus posibles depredadores, resultando también un serio competidor para animales y aves insectívoros,
pues reduce su disponibilidad de alimentos.‖10

En otro sentido, y con otros intereses, la forestación a gran escala para ―frenar‖ el cambio climático es otro ejemplo de
una medida parcial, y por lo tanto, simplista. De todos modos, hay todo un interés por parte de los grupos hegemónicos en
desarrollar las plantaciones de árboles a gran escala, para entre otras, no centrar la atención en el cese del uso de
combustibles fósiles. Explico brevemente los motivos por los cuales la forestación no combate el cambio climático, ya
que quizás algunas personas no conozcan los intereses de fondo y de verdad creen que las plantaciones de árboles
actualmente ayuda al ambiente. Las plantaciones son eso, plantaciones y no de cualquier tipo de árboles, sino de aquellos
de rápido crecimiento. Las plantaciones no son bosques en los cuales existe diversidad de especies y formas de vida. En
las plantaciones de árboles no hay biodiversidad. Además, son cultivos asociados a un uso masivo de agrotóxicos: se usan

1 0 http://jadonceld.blogspot.com.uy/2014/03/plagas-australianas-especies-invasoras.html
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agrotóxicos desde que el árbol está en invernáculo, se usan agrotóxicos para preparar el suelo en el que serán plantados, y
a su vez, se usan agrotóxicos luego, para destruir los tocones que quedan cuando los árboles son talados. Además, están
asociados a un gran consumo de agua (como lo comenta el documental filmado en Argentina ―Cuando los árboles
matan‖11) y es reírse de la gente decir que ayudan a retener CO2, si luego son cortados y ese CO2 es liberado y si además,
para plantar estos árboles se talan los montes nativos que, de ser protegidos, aseguran una retención de CO2 a lo largo del
tiempo, además de promover la biodiversidad.

Estos ejemplos tratan de significar el hecho de que cuando hablamos de ambiente no se pueden tomar acciones a la ligera.
La diversidad de técnicas para extraer o tratar los recursos, las diversas formas en las que un recurso puede contaminarse,
y las diversas formas de actuar en consecuencia, generan una amplitud de enfoques especializados que, en la práctica, de
no estar debidamente organizados, resultan inoperantes para conseguir resultados en la búsqueda de justicia ambiental.
Como dije en otro artículo:

―La humanidad actualmente está “especializada”, la división en tantos bloques y frentes hace que los cambios se
planteen por frente, y por lo tanto, es difícil encontrar cambios de fondo. Suele suceder que ante un hecho concreto de
problemática ambiental tenemos varias visiones distintas: por un lado la visión social, por otro la económica, la
ambiental, la científica, la antropológica, la política... Además, esas visiones suelen tener distintas formas de ver las
cosas, y lejos de ser distintos aportes para la concreción de un frente de lucha en común, suelen ser en cambio de
visiones antagónicas o que chocan en determinados aspectos ya sea por intereses o por el problema central que es:
haberse divido a priori.‖12

Fragmentación de la lucha social

Sobrados son los motivos para afirmar sin faltar a la verdad que, al menos en Uruguay, la lucha organizada dentro de la
temática ambiental está fuertemente dividida, o al menos, desunida. Por ejemplo, cuando se genero resistencia social
contra la megaminería a cielo abierto, de un frente en común se generó una divergencia en la forma de acción para frenar
el proyecto de megaminería, ante lo cual se dividió el frente en dos bandos con una suerte de rechazo y resentimiento de
por medio, con mayor o menor argumentación para ello, de un lado y de otro.

Sumado a esto, existen tantos grupos organizados trabajando en la temática ambiental, en los más diversos ámbitos, que
no es difícil encontrar pequeños grupos, que se movilizan, organizan y toman acciones por una temática similar, pero no
se unen, incluso hay casos que los lugares de movilización-acción son en puntos no muy distantes entre sí. Esto genera
indefectiblemente una gran polarización de la lucha social, y dilapida las posibilidades de presionar y conseguir, en
tiempo y forma, los resultados esperados. Quizás sea un momento particular en la sociedad civil organizada, y en la

1 1 Ver en http://www.arbolesquematan.com.ar
1 2 De un artículo de autoría propia “No es nuestra tarea dividirnos” http://www.proyectohongo.com/#!No-es-
nuestra-tarea-dividirnos/cej5/5599f08b0cf28e68712bcf3b
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militancia del Uruguay.
Actualmente lo que está más en boca de la juventud organizada es la lucha por un 6% para la educación pública en el
presupuesto nacional. Análogamente, está lucha que ha sido ampliamente apoyada, tanto desde los sindicatos de
trabajadores, como desde los estudiantes y la masa popular, ha tenido pocos punto de encuentro entre profesoras/es,
maestras/os, y estudiantes, siendo que todos luchan por ese 6%.

Experiencia en educación ambiental

No somos la excepción en cuanto a la fragmentación militante. En Noviembre del año pasado conformamos entre 4
jóvenes un grupo de concientización ambiental, al que llamamos Proyecto Hongo13 con el objetivo de difundir
información sobre los más diversos temas socio-ambientales y mediante los canales de difusión más accesibles (redes
sociales e internet), y a su vez de acción, siendo lo primero que hicimos talleres ―piloto‖ en una escuela pública de tiempo
completo, sobre educación ambiental. Esos primeros talleres piloto constaron en 4 clases de modalidad taller teórico-
práctico con dos grupos de 3to año de escuela.

La experiencia fue enriquecedora y decidimos ir por más. Durante el 2015 definimos un programa trimestral con el cual
trabajamos con tres grupos, dos de 4to año y un grupo de 5to año. El programa que elaboramos se fue modificando según
fuimos acumulando experiencia.
La experiencia nuevamente fue enriquecedora, pero finalizado el último trimestre con el grupo de 5to año decidimos darle
una pausa para re-plantear nuestros objetivos.
Creemos que es muy importante el papel de la sociedad civil en la educación ambiental, en el sentido de que los
programas ―oficialistas‖ de educación ambiental, están principalmente dirigidos al trabajo en huertas orgánicas, pero no
tratan la problemática socio-ambiental que ocurre en el Uruguay, fruto del modelo extractivista que se viene
desarrollando, que se va expandiendo y apostando a más. Ejemplos de ese modelo son el intento de implantar un proyecto
megaminería a cielo abierto a gran escala que hasta el momento no ha habido en Uruguay, como también, la extracción de
combustibles fósiles mediante la técnica de fracking, además del infaltable paquete transgénicos-agrotóxicos que el
modelo de ―desarrollo‖ agrícola tiene, en el que año a año van aumentando no solo la producción de transgénicos, sino
también las importaciones de agrotóxicos, la ―huida‖ de los pequeños productores del campo, y la creciente
extranjerización de la tierra.14

Hemos apostado a una fuerte crítica en los talleres de educación ambiental. Pero reconocemos que hemos encontrado
flaquezas propias de la falta de experiencia y de organización colectiva. A su vez, hemos sufrido fluctuaciones, y más
bajas que adhesiones, lo que también ha acortado nuestra capacidad de incidir, no solo por el desgaste de ser pocos para
mucho, sino por la falta de diversidad y de convergencia de ideas y propuestas.

1 3 Más información en www.proyectohongo.com


1 4 Más datos en el trabajo coordinado por REDES amigos de la tierra, “Soberanía Alimentaria en Uruguay”.
https://www.dropbox.com/sh/5wpnsba1um39xhb/AAAoSMCvLcN8OW70zpaD-
dMPa/Soberanía%20Alimentaría%20Uruguay.pdf?dl=0
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Podemos sin embargo decir que hemos tratado siempre de generar adhesiones al grupo, desde el primer día hasta hoy, y
muchas personas se han acercado aunque de momento ninguna se ha quedado. Sabemos, que debemos mejorar las
propuestas, las convocatorias, y nuestro accionar. Pero, como la solución a los problemas ambientales tampoco pasa por
la organización de nuestro colectivo, sino que urge la necesidad de generar cambios con gran participación trabajada y
elaborada en conjunto por los más diversos actores, es que hago la propuesta que sigue.

Propuesta para un movimiento regional de lucha por educación y justicia ambiental.

Esta propuesta no es novedosa. Al menos en lo que es el Río de la Plata, existen movimientos con afanes regionales,
principalmente organizado en la lucha contra la megaminería a cielo abierto, y contra la expansión del fracking. Estos
colectivos han surgido en la vecino país Argentina.

La propuesta radica en la conformación de un frente común para la acción y prevención en materia socio-ambiental, de
características regionales, y que no discrimine causas, ni reivindicaciones en la materia. ¿Por qué regional? El pueblo
latinoamericano comparte idioma (y cuando no, igual nos entendemos), historias, alegrías y sufrimientos. Si dividirse en
pequeños grupos es ineficaz para obtener resultados, que estemos divididos por las fronteras que se nos impusieron carece
de lógica en el entendido de que nos convocan las mismas luchas, y que compartimos las mismas desigualdades sociales.

Para llevar a cabo un grupo de tales dimensiones, urge reunir mediante una clara convocatoria a los diversos grupos ya
organizados de la sociedad civil, como a todas las personas afines.

La convocatoria apunta a solidificar teóricamente las bases de acción, y los postulados de la organización. Para que sea
regional, primero deben establecerse las bases y los postulados a nivel local, para luego hacer conjunción entre los grupos
de otros países y/o regiones que se hayan organizado.

Hay algunos aspectos que, en la lucha por la justicia socio-ambiental, no pueden ser excluidos. Partimos de la base de que
no es la mera falta de organización la que mantiene desunidos a los más diversos grupos de la sociedad civil organizada,
sino que también existen diferencias de pensamiento en temas centrales, o bien, falta de voluntad para apoyar causas que
no son las que directamente le atañen al grupo en particular. Sin embargo, hacer una definición a priori de las bases
ideológicas que el grupo regional debería tener, requiere una fundamentación que sobrepasa la extensión de este trabajo.
Tampoco podemos decir hay carencia de argumentos, ya que la breve exposición argumental tuvo como fin denotar la
necesidad urgente de unificar la movilización social, ya que las propias lógicas del sistema predominante deben frenarse
cuanto antes, no solo para evitar los daños ambientales irremediables, sino también para darle a las generaciones futuras
un ambiente digno de vivir, o al menos, un antecedente de unificación social para las futuras movilizaciones.

En este trabajo no están planteadas las formas de organización, ni los puntos de partida más que los que refieren a la
voluntad y a necesidad de unirse.

Pero dada las características de la propuesta, y del encuentro en el que este trabajo será presentado, puede ser un buen
punta pie marcar la necesidad de unirse.
Todo lo antedicho no va en desmedro de que, a la fecha del encuentro, se le agreguen a estas ideas ante-expuestas,
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propuestas más concretas para la conformación de un grupo de acción regional. De momento, que sea la justicia nuestro
punto de encuentro, ¡uníos!

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CONTRA A PERDA DOS SENTIDOS: CONTRIBUIÇÕES DA ATITUDE
HERMENÊUTICA FENOMENOLÓGICA AOS FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL
Lisiane Costa Claro33
Vilmar Alves Pereira34
Resumo

O estudo parte da compreensão de que há uma crise nos fundamentos da Educação Ambiental, a qual tem
influências de um legado moderno, antropocêntrico e dualista. Assim, trata-se de uma crise em torno da perda
de orientação das práticas de questão ambiental. Consideramos que a Educação Ambiental não pode ser um
apêndice para a reprodução da racionalidade instrumental, mas deve estar comprometida com a negação dessa
lógica, num horizonte que reivindique outros caminhos. Consideramos que esse trajeto é possível por um viés
compreensivo, que anima os sentidos não enquanto verdades, mas enquanto entendimentos sobre um fenômeno
que carrega sua verdade e que é reconfigurado a partir da apreensão do sujeito que não se limita a descrever o
mesmo, mas que o experiencia. Nesse horizonte, reconhecemos uma possibilidade de alargamento e
revitalização do campo por meio da postura hermenêutica fenomenológica.
Palavras-chave: Educação Ambiental. Hermenêutica fenomenológica. Fundamentos

Convite ao diálogo
Compreendemos que a crise dos fundamentos da Educação Ambiental ocorre a partir de um legado
forjado e alimentado na modernidade. Mais especificamente a partir de uma modernidade cunhada com bases
na racionalidade antropocêntrica e de cunho utilitarista, legitimada pela ordem estabelecida no bojo da razão
necessária à manutenção de uma sociedade classista que definia a validade do conhecimento produzido.
Ao reconhecer esse processo, precisamos igualmente reconhecer que o próprio campo da Educação
Ambiental nasce num tempo e espaço em que se tem enquanto dilema a necessidade de apropriação do
conhecimento produzido na lógica da racionalidade instrumental para lançar um outro olhar à Natureza. Mas
defendemos que essa apropriação precisa estar em permanente revitalização para que se possa questionar o
endereçamento dessa produção. Afirmamos que a Educação Ambiental assume legitimidade se comprometida
com um projeto maior, capaz de ultrapassar a racionalidade cientificista, o qual problematize constantemente,
num exercício permanente autoavaliador, suas intencionalidades e desdobramentos.
Consideramos que a atitude hermenêutica fenomenológica demonstra uma possibilidade de buscar
outros caminhos que não levem a um centro mesmo o homem enquanto sujeito portador de certezas, capaz de
dominar e controlar a Natureza. Há muito tempo já enxergamos a desorientação desse homem construído pela
modernidade e vinculado a um específico modelo de sociedade que tende a determinar a posição ocupada,
segredando os homens entre si e a humanidade da Natureza, atribuindo valores que diferenciam esses sujeitos
histórico. Se por um lado o projeto dicotomizante e racionalista que confere poder a uns e opressão a outros,

33
Bacharel e Licenciada em História. Mestre em Educação. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental -
PPGEA/FURG. E-mail: lisianecostaclaro@hotmail.com
34
Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental - PPGEA/FURG. E-mail: vilmar1972@gmail.com
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ainda se faz evidente por meio da crise dos sentidos, por outro prisma, demonstra a incompetência e o fracasso
do sujeito detentor de verdades em manter a ordem que cunhou enquanto legítima por meio do logocentrismo.
Os poderosos, senhores do conhecimento, detentores das maravilhas tecnológicas, preocupam-se com o
esgotamento da sua fonte de riqueza. A Educação Ambiental não pode ser um apêndice para a reprodução dessa
racionalidade, mas deve estar comprometida com a negação dessa lógica, num horizonte que reivindique um
caminho inédito, mas viável de ser trilhado. Consideramos que esse trajeto é possível por um viés
compreensivo, que anima os sentidos não enquanto verdades, mas enquanto entendimentos sobre um fenômeno
que carrega sua verdade e que é reconfigurado a partir da apreensão do sujeito que não se limita a descrever o
mesmo, mas que o experiencia.
Contudo, essa postura pode causar estranheza frente a uma racionalidade que legitimou a lógica da
finalidade das coisas, das relações e das produções humanas em um sentido estreito e vinculado a modelos
dicotômicos. A pretensão é alargar os caminhos no campo da produção dos saberes, buscando ainda sim estar
ancorados ao que chamamos de conhecimento, porém, reinventando o campo científico a partir das alteridades
negadas historicamente.
Vivemos a crise dos fundamentos de uma Educação Ambiental ancorada nos valores da metafísica.
Princípios mesmos que sustentaram a concepção moderna de Educação e de Natureza. A seguir, retomando as
nascentes da Educação Ambiental, identificamos as motivações para ampliar a leitura acerca do que se
compreende enquanto Natureza e, sobretudo, da necessidade de uma autocompreensão para que não haja a
perda dos sentidos nos estudos e pesquisas dos saberes-fazeres no campo.

Origens e percursos da Educação Ambiental (na lógica em crise)


Na segunda metade do século passado identificamos no campo educativo uma intensa aposta nos
recursos tecnológicos embasados na perspectiva de uma racionalidade ocidental, dicotomizante e
antropocêntrica, a qual compreende a natureza enquanto mecanismo à disposição do homem. O aparato técnico
e científico demonstrava e instigava a intervenção do homem no meio ambiente de forma crucial, gerando cada
vez mais os desdobramentos danosos desse entendimento dualista.
Estudos até o início da década de 1970, ressaltavam os alarmantes índices de degradação ambiental, os
discursos catastróficos tornavam-se cada vez mais reverberados. Um exemplo é o estudo realizado por Ehrlich
no ano de 1969, o qual denunciava as práticas que trariam riscos ambientais significativos, alertando sobre o
perigo ecológico (Morin, 1995). Nesse sentido, cabe ressaltar que logo em seguida das "profecias apocalípticas
mundiais de 1969-1972, houve um período de multiplicação das degradações ecológicas locais em campos,
bosques, lagos, rios, aglomerados urbanos poluídos" (Morin, 1995, p.68). Ainda que a pauta ambiental tenha
repercutido em uma esfera ampla, a busca por soluções das problemáticas vigentes era delimitada a partir da
intervenção dos especialistas da área.

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Nesse período, surge o Clube de Roma que se constitui por trinta especialistas de diferentes campos que
se propunha a encontrar respostas para os problemas ambientais mundiais. O grupo funcionava a partir de
análises e previsão dos fenômenos degradantes do meio ambiente. Temos aspectos da racionalidade
instrumental: os problemas são identificados e a busca por soluções estavam atribuídas aos cientistas e
estudiosos, sujeitos com formação técnica para tal.
Esse movimento, influencia os estudos de cunho mais conservacionista no campo da Educação
Ambiental num período marcado pela crise energética na década de 70. Por outro lado, os movimentos sociais
na América Latina, desde a década anterior, se consolidavam enquanto reivindicação pelos espaços e pela vida
das camadas oprimidas; e, no Brasil, pressionam o poder público no que diz respeito a necessidade de avanços
na esfera política. O processo que leva as reformas de base, antes do golpe, são um exemplo de incidências das
lutas sociais.
Queremos elucidar dessa forma, que muito embora no campo da pesquisa em Educação Ambiental,
nesse período, tenhamos o eixo conservacionista presente enquanto influência de uma tendência externa, por
outro lado, as experiências construídas no bojo da opressão vivenciada pelos países que constituíram a
democracia por meio do autoritarismo, anunciariam outras possibilidades de compreender a questão ambiental.
Durante o exílio em 1968 no Chile, Paulo Freire escreve a obra que marca profundamente a proposta da
Educação Popular, a Pedagogia do Oprimido. Solano (1996) considera que Freire passa a abordar sua análise da
tomada de consciência à prática social por meio de uma crítica pautada na obra de Marx. Desse modo, o
educador deixaria de lado o sentido mais abstrato de transformação e anunciaria a ideia da ação organizada.
Essa ação no campo social, anunciada mas não prescrita em sua obra, está diretamente relacionada com a
possibilidade de transformação revolucionária social.
Lima (2009) aborda que apenas na década de 80 é que a Educação Ambiental trilharia um horizonte no
qual reconhecia a esfera social enquanto seu campo de atuação, a partir das alianças entre entidades
ambientalistas e movimentos sociais. Antes disso, por ter arraigado o discurso conservacionista,
preservacionista, o escopo ambiental era compreendido enquanto afastado da esfera social. No mesmo sentido,
Gadotti (2000) apresenta que a Educação Ambiental passa a ir muito além do conservacionismo, haja vista que
compreende uma radical mudança de mentalidade a respeito do sentido de qualidade de vida.
Esse movimento interno, mas também oriundo da situação ocidental no que se refere ao sistema
capitalista e opressor, atrelado aos riscos iminentes acerca do perigo global e suas relações com as práticas
centradas no espaço local, inaugura um campo de preocupações com os contextos específicos. Daí podemos
sugerir que após o movimento da década de 70 e 80, abre-se um espaço às pesquisas pautadas em estudos de

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caso. Essas pesquisas, no campo da Educação Popular, emprestariam seus referenciais metodológicos ao campo
da Educação Ambiental35.
Em sentido próximo, Carvalho (2008) enfatiza a contracultura enquanto resistência ao paradigma
ocidental moderno e aponta que o ecologismo presente a partir da década de 60, apesar de coexistir com as
posturas conservacionistas no campo ambiental que demonstrava valores de um ideário naturalista e até mesmo
romântico, instiga o horizonte emancipatório coerente a crítica social. Ao reivindicar a pauta ambiental à esfera
pública, o ecologismo confere a questão ambiental a dimensão política. Identificamos que esse processo
influencia o campo da pesquisas.
De acordo com Kawasaki e Carvalho (2009), a divulgação de pesquisas na área da Educação Ambiental,
é originada na forma de relatos de experiências pedagógicas junto aos programas e projetos em diversos
espaços educacionais, identificando na maioria desses estudos os contextos escolares. O que podemos vincular
com o processo impulsionado a partir do Congresso Internacional sobre Educação e Formação Ambiental de
1987 em Moscou, que assinala a capacitação de pessoas, pesquisas, informação e divulgação de experiências
relacionadas ao campo. Ideias que se fariam presentes de algum modo no Brasil já que o Ministério da
Educação e do desporto indica o enfoque interdisciplinar da Educação Ambiental, inserindo a área no artigo
225 da Constituição Brasileira, que, em seu inciso VI, promove a Educação Ambiental em todos os níveis de
ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.
Se na década de 1980 os trabalhos divulgados sobre Educação Ambiental estavam pautados nas
experiências escolares, ao relacionar com as pesquisas da primeira década dos anos 2000, Kawasaki e Carvalho
(2009) afirmam que espaços não institucionalizados vinham sendo foco de análise nas pesquisas. Ao
compreender que os trabalhos divulgados no campo estavam pautados na divulgação das experiências
pedagógicas (formais ou não-formais), os autores apontam que as pesquisas estavam embasadas nos princípios
discutidos, ainda, na Conferência Intergovernamental de Tbilisi, a qual demarca de forma evidente a
necessidade de discutir a pauta ambiental nos espaços educativos institucionalizados ou não.
Logo, destacamos aqui o papel da práxis por uma Educação Ambiental transformadora enquanto
concepção que emerge nas pesquisas em Educação Ambiental no sentido crítico, libertador e rumo a uma
transformação social.
Com esse endereçamento, as pesquisas no campo da Educação Ambiental assumiam um caráter mais
propositivo. Entretanto, com a lógica neoliberal muito influente no país, várias propostas no que tange a
questão ambiental que eram disseminadas enquanto colaborativas, não tinham a finalidade de transformar em
perspectiva radical a sociedade, mas manter e renovar o sistema capitalista. Assistimos nesse período, a partir

35
Cabe registrar que Carvalho (2008) ressalta certa resistência aos movimentos de base durante a década de 80, haja vista que muitos
consideravam a discussão ambiental uma preocupação alheia, compreendida enquanto uma problemática da classe média. Para a
autora, é na década seguinte que os movimentos sociais se apropriaram da questão.
90
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da década de 90, uma série de "alternativas" postas enquanto solução a questão ambiental pela própria lógica
dominante também em crise, como o capitalismo verde.
Sem abandonar a apropriação dos relatos das experiências realizadas no âmbito do que se assume
enquanto Educação Ambiental, e, compreendendo que as respostas pautadas no imediatismo para a solução dos
desafios presentes no campo ambiental são insuficientes frente a complexidade compreendida ao tema,
acreditamos na necessidade de revisão sobre as sistematizações acerca desses problemas. Referimo-nos a uma
revisão que possibilite a compreensão sobre os desdobramentos das descrições dessas práticas.
Queremos sugerir que para além do embasamento teórico, elemento necessário a quaisquer que sejam as
abordagens no campo do conhecimento, é tarefa da Educação Ambiental reivindicar as condições necessárias às
pesquisas da área no sentido em que se proponha a superar um caráter descritivo de forma reducionista, ou,
acolher pretensas sugestões cunhadas na lógica presenteísta, podendo estar a serviço da reprodução das
opressões.
Sobre essa lógica, Amorim (2014) ao afirmar que umas das motivações da crise ambiental
contemporânea é a presentificação, aponta que o esquecimento dos condicionantes ao âmbito social (ética,
política, economia) estimula a interoperabilidade mecânica da Natureza, vista entre outros pensadores
modernos, desde Francis Bacon com o Novum Organum. Consideramos que esse legado está presente na busca
por soluções rasas, calcadas no imediatismo.
Concordamos com a necessidade de historicizar os elementos que compõe a vida em sociedade para a
busca da superação das concepções dualistas. Quais as formas de encarar a historicidade desses elementos? A
História tem a possibilidade de legitimar visões de mundo, o fato é que o cientificismo legou um tipo de olhar.
Buscamos por meio da possibilidade no campo da Educação Ambiental, uma postura que contribua para o
entendimento das visões negligenciadas, que amplie os horizontes compreensivos a partir de uma outra forma
de encarar os diversos saberes e discutir os conteúdos necessários ao sujeito no mundo, reivindicando o campo
de produção do conhecimento por meio de outros horizonte compreensivos.
Contudo, reconhecendo as mudanças no bojo das pesquisas em Educação Ambiental no que se refere a
busca por outros caminhos metodológicos e epistemológicos, as quais anunciam a necessidade da superação do
dualismo nutrido na forma de se conceber a produção do conhecimento, esbarramos nas contradições da área
quando acompanhamos uma série de projetos e discursos que se utilizam da razão debruçada sobre a questão
ambiental um mecanismo de reprodução da lógica opressora, carregada de falsa generosidade.
Daí questionamos o motivo pelo qual, por vezes, perdemos o endereçamento das produções da área.
Seria ingenuidade não reconhecer que existem diversos interesses em disputa da concepção para manter ou
transformar a(s) sociedade(s). Ou seja, compreendemos que o campo dos fundamentos da Educação Ambiental
faz emergir um questionamento basilar para a (des)continuidade de nossas produções: Qual a razão das
pesquisas na Educação Ambiental?

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De algum modo, ter em mente e corpo essa indagação, é questionar a função social da academia, é
perguntar qual a posição do poder público, é rever o que chamamos por Educação (seria uma ciência? se é, que
ciência?), é reavaliar o que chamamos de Natureza e todas as relações trançadas a partir dessa(s) Natureza(s), é
reler as linhas de uma história contada sobre países colonizados, sobre os subalternos, esfarrapados do mundo e,
sobretudo, buscar construir uma história com esses mesmos, compreendendo os sentidos que os sujeitos
pontuam em sua existência.
Consideramos a necessidade de animar os sentidos dos estudos do campo a partir da investigação dos
fenômenos compreendidos em sua historicidade, pelas diversas linhas interpretativas. Prevendo o ataque
pautado em um entendimento de que seria esse um caminho óbvio, e, ainda que fosse, elucidar a obviedade é
evitar a reprodução de uma pedagogia da fatalidade.
Sem negar os produtos reconfigurados na modernidade, mas buscando aproximar seu legado a um
propósito mais amplo e crítico, lançamos nosso olhar aos elementos ensaiados em uma perspectiva que
confronta o ideário do objetivismo-racional, para tramar outros sentidos, que não podem emergir da polarização
entre sujeito e mundo objetivado. Encontramos no horizonte hermenêutico fenomenológico essa possibilidade.

Hermenêutica Fenomenológica enquanto postura sobre os sentidos


Na busca pela compreensão dos horizontes percorridos por meio das questões que fomentam essa
discussão, retornamos ao momento de transição do século XIX para o XX, quando destacamos um dos
precursores da Fenomenologia, Edmund Husserl, o qual aborda o problema da "intencionalidade" já
introduzido anteriormente em Brentano. Husserl afirma que a Fenomenologia é um caminho que tem por
finalidade a constituição da ciência da essência do conhecimento ou doutrina universal das essências.
A partir desse entendimento, Husserl, inicialmente defendeu uma psicologia descritiva dos elementos
que constituem os objetos matemáticos36. Esse processo de descrição constituiu uma diversa concepção acerca
da subjetividade, já que Husserl passou a adotar o método de análise, avançando no sentido de superar uma
lógica objetivista. Consideramos pertinente a inovação que essa dinâmica traz em um contexto característico
pelas dicotômicas maneiras de compreender o conhecimento. Temos então um novo sentido que se trata da
relação indissociável entre o sujeito e o mundo, a consciência e seus objetos.
Por meio da epoché, o autor aposta nesse esforço de buscar as possibilidades de uma retomada ao
sentido original das coisas. Nessa perspectiva, é possível afirmar que uma válida contribuição de Husserl é a o
entendimento que o ser humano está imerso em uma compreensão implícita do mundo. Esse pensamento
manifesta-se quando o pensador ressalta que o mundo é habitual ao sujeito de maneira em que essa ideia é
naturalizada. Assim, compreende a consciência de um mundo que se estende sem fim no espaço reconhecendo
o mesmo por uma intuição imediata, a partir da experiência (HUSSERL, 2008). Desse movimento, destacamos

36
Podemos perceber que além de Brentano, Descartes influenciou o pensamento de Husserl, principalmente na criação do método
inaugurado.
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a mudança de olhar frente a produção humana, o qual parece abrir-se para as especificidades emergentes da
experiência.
Após o desenvolvimento sobre a fenomenologia de Husserl, outros autores buscaram compreender
alguns prismas e tecer relações a partir da postura fenomenológica. Destacamos a contribuição do pensamento
de Merleau-Ponty quando o mesmo lança olhares para o tema da percepção, discorrendo que não trata-se de
uma ciência, nem de um ato, mas sim de uma tomada de posição deliberada, sendo o fundo em que todos os
atos são postos em evidências e pressuposta por esses atos.
A inferência acima retoma a ideia de Husserl no que diz respeito a rejeição das dicotomias que
colocavam mundo e sujeito em lugares diferentes e isolados37. Ainda nessa vertente, Heidegger já havia
compilado essa ideia ao destacar o ―ser-no-mundo‖ como uma expressão composta que ―já na sua cunhagem,
mostra que pretende referir-se a um fenômeno de unidade‖ (HEIDEGGER, 1989 p. 90). Dessa forma, o sujeito
habita, constrói e se constitui a partir do pano de fundo que é a vida.
Com essa concepção, a qual envolve o sujeito no mundo, a percepção é um tema provocativo ao que se
considera enquanto verdade, pois refuta seu caráter absoluto, sendo nas sociedades medievais com o
teocentrismo ou aquele legitimado por meio do antropocentrismo científico-moderno. Assim, o autor diz que
―[...] evidência é ‗a experiência da verdade‘. Buscar a essência da percepção é declarar que a percepção é não
presumida verdadeira, mas definida por nós como acesso à verdade‖ (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 14).
Atentamos para a possibilidade de acordar ou discordar sobre as produções no bojo das racionalidades.
Retomamos ao questionamento de como encarar as historicidades e como são realizadas as legitimações acerca
dos fenômenos. Num viés compreensivo, a fenomenologia aproxima-se com o cuidado para além da descrição,
mas reconhecendo as diferentes visões lançadas aos fenômenos que só podem ser evidenciados se
experenciados, por isso consideramos a pertinência em abordar uma atitude hermenêutica fenomenológica.
Com efeito, tal compreensão acerca da ―verdade‖ está diretamente relacionada a percepção do sujeito –
que por sua vez, só é um fenômeno devido ao entendimento de que o ser humano vivencia, entrando em contato
com sensações e práticas a partir do contexto em que atua. Ora, se o ―mundo é não aquilo que eu penso, mas
aquilo que eu vivo; eu estou aberto ao mundo, comunico-me indubitavelmente com ele, mas não o possuo, ele é
inesgotável‖ (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 14) então não há como realizar o isolamento das experiências
praticadas por um sujeito. Além disso, podemos afirmar, em concordância com Merleau-Ponty (1994) que a
reflexão acerca de algo só é possível após a percepção do que se manifesta.
Ricouer (1978), próximo a Merleau-Ponty, afirma que a fenomenologia possibilita a realização de
estudos a partir da linguagem, a qual deve ser fundamentalmente considerada na busca pela compreensão dos
contextos e fenômenos a serem investigados. Com efeito, Fenomenologia e Hermenêutica em Ricouer, ainda
que tenham suas especificidades, complementam uma a outra: ao passo em que é necessária uma descrição de

37
Para Husserl, o esforço buscar o retorno das coisas a si mesmas exigia a ―colocação em parênteses‖ daquilo que não era
considerado pertinente na busca pela redução, como as concepções científicas.
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determinado fenômeno de estudo, é preciso compreendê-lo (concomitante a uma auto-compreensão e uma
compreensão de mundo), constituindo, assim, uma forma de acesso as diferentes leituras. A atitude
hermenêutica nos auxilia na historicidade dessas compreensões a serem apreendidas, auxiliando na elaboração
de um pensamento situado.
Se o círculo hermenêutico em Schleiermacher, desenvolvido ainda em Dilthey, Heidegger e Gadmer já
considerava um processo relacional entre autor e intérprete a partir de um mesmo marco cultural, Ricoeur
amplia o círculo entre as pré-compreensões somadas a interpretação histórica a partir da linguagem enquanto
pano de fundo. Assim como Heidegger, o autor considera o círculo enquanto movimento permanente, podendo
revalidar os horizontes compreensivos.
Cumpre registrar que para Ricoeur é na linguagem em que se expressam as compreensões ontológicas e
muito embora o autor mantenha um viés semântico, ainda sim, agrega em sua análise a crítica sobre a
interpretação, vinculando a mesma ao símbolo, o qual seria uma via indireta para a autocompreensão.
Falaríamos de ―toda estrutura de significação em que um sentido direto, primário, literal, designa, por
acréscimo, outro sentido indireto, secundário, figurado, que só pode ser apreendido através do primeiro‖
(Ricoeur, 1978, p.15). Assim, a interpretação é vista como o esforço do pensamento em decifrar o que está
oculto no sentido aparente.
Para Grondin (2012), a hermenêutica de Ricoeur arruinou uma interpretação idealista da fenomenologia
de Husserl sobre a cientificidade e o destaque da intuição com acesso aos fenômenos. Ricoeur preocupa-se com
a forma de interpretar as objetivações de sentido. Esse movimento é possível por duas vertentes no pensamento
do autor: com as hermenêuticas da suspeita e com as hermenêuticas instauradoras de sentido.
O processo instaurador de sentido, ou hermenêutica da confiança, vincula-se a uma teleologia do
sentido e nos remete ao pensamento de Dilthey, com o entendimento do sentido, o qual se abre as
possibilidades. Já a hermenêutica da suspeita, questiona a apresentação do sentido, pois o mesmo pode estar
estritamente vinculado a consciência, configurando-se em "erro útil" ou deformação. O autor articula essas duas
formas interpretativas e coloca sob suspeita a noção de fusão de horizontes, vista em Gadmer, lançando a
necessidade de situar de maneira mais minuciosa o entendimento.
Cabe retomar que Gadmer reconhece que o homem se constitui enquanto tal por estar em relação com o
outro, instituindo co-referências (tradição) que fundamentam os fenômenos e as verdades. Identificar esse
processo é necessidade traduzida pela ação interpretativa, que ao ser contextualizada negligencia a concepção
absoluta da razão e que parte da linguagem. Para o autor, a fusão é dialógica e proporciona o entendimento da
perspectiva do outro, o que rompe com a lógica cientificista moderna que polariza os sujeitos. Ocorre o
reconhecimento dos diversos olhares nos mundo como viabilidade de pensar o acesso do sujeito ao sentido
instaurado. É preciso situar as verdades para que possa ocorrer a fusão de horizontes de forma autêntica, pois
caso os pressupostos sejam falsos temos a indução erro ou ao mal-entendido.

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O autor ainda elenca que os riscos da alienação estão justamente nos preconceitos desapercebidos, o
outro nos fala a partir da tradição. Quando não colocamos sob suspeita certos pressupostos, transformam-se em
conceitos reprodutores do mal-entendido, daí os "falsos pressupostos" (Gadmer, 2002). Mesmo que a fusão
ocorra, Gadmer pontua que a mesma não corresponde a íntegra mediação, podendo, assim, ocorrer uma
hermenêutica do conflito. É a partir desse último sentido que Ricoeur mantém boa parte de sua atenção, pois
considera que a lógica de conflito é inerente a linguagem.
Ricoeur reconhecendo o caminho da hermenêutica como acesso aos possíveis sentidos do ser-no-
mundo, já que é inviável tal acesso pela via da racionalidade, dada a finitude humana (como vimos desde
Heiddger e Gadmer), destaca que o consentimento desse trajeto precisa estar em contato com a crítica da razão.
O autor parece preocupar-se como a recuperação dos aspectos epistemológicos da hermenêutica em
tensionamento com o que lhes anima que é a ontologia da compreensão. Ricoeur aponta que é na linguagem
que precisamos identificar a compreensão para além de uma atitude subjetiva, mas uma forma fundamental de
ser o que é.
Desse modo, os símbolos possuem dois amplos sentidos: um que possibilita uma hermenêutica da
confiança, como já supracitada, capaz de revelar o que anunciam; e outro que clama a ação dissimuladora
presente nos símbolos. Esse segundo, vincula-se a uma hermenêutica da suspeita. E nessa relação, Ricoeur
(1978) ao debruçar-se sobre a interpretação a partir do símbolo, destaca o quanto esse paradoxo, essa
ambiguidade, necessariamente presente no ato interpretativo, destitui a centralidade do sujeito em uma
perspectiva do mundo, mas apresenta uma relação de intersubjetividade (pois é no contato com o outro que o
sentido emerge).
A interpretação precisa ser plural para não limitarmos o sentido do símbolo. Reconhecer uma leitura não
significa negligenciar, mas suspender outras e dessa forma o campo interpretativo se amplia. Ricoeur considera
a possibilidade da fusão de horizontes, que caracteriza toda a compreensão hermenêutica poderá explicitar a sua
dimensão intersubjetiva e por isso transformadora.

Possibilidades
Assim, ao entendermos parte das possibilidades oriundas das atitudes que fomentam a elaboração dos
métodos de cunho hermenêutico fenomenológico, compreendemos que tais posturas representam uma diferente
e contundente maneira de questionar os pressupostos banalizados, ou mesmo, indagar os pressupostos até então
despercebidos. Por em suspensão e problematização os estigmas, enraizamentos do imaginário, preconceitos e
anacronias, é uma tarefa necessária ao pesquisador do campo da Educação Ambiental em um contexto passível
a perda dos sentidos. A busca pela compreensão dos símbolos expressos em nossa linguagem, levando em conta
as manifestações ordinárias, a cultura (in)visível e o próprio imaginário presente em um contexto, propiciam a
rearticulação no campo dos fundamentos.

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As contribuições de uma postura hermenêutica fenomenológica para o campo da Educação Ambiental,
não partem de uma busca forjada na estruturação do método, de uma compreensão clássica europeia sobre a
fenomenologia em Hurssel, tampouco de uma leitura aligeirada apontando hipóteses descomprometidas acerca
do fenômeno estudado. A pertinência parte dos elementos que constituem formas de compreender o mundo que
se apresenta ao sujeito, mas não um sujeito portador de verdades, dominador e incapaz de reconhecer o outro
enquanto legítimo outro. A postura hermenêutica fenomenológica tem sua contribuição ao buscar as leituras de
mundo a partir das visões negadas pela racionalidade moderna, abre possibilidade para a compreensão das
vozes subalternizadas e de outras intelegibilidades e ecologias.

Referências
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EDUCAÇÃO AMBIENTAL E AS MULHERES NA GESTÃO DAS ÁGUAS EM
CENÁRIOS DE CONFLITO COM A CADEIA DE PETRÓLEO
Bianca Dieile da Silva 38
Leila Salles da Costa39

RESUMO
Este trabalho tem como proposição primeiramente apresentar como o direito à água, já previsto como Direito
Humano pelas Organização das Nações Unidas, vem sendo implantado como política pública no Brasil
especialmente com as ações focadas no gênero. As políticas públicas de acesso à água são marcadas por
profundas desigualdades, onde as mulheres são as responsáveis pela aquisição de água em territórios com
serviços precários de abastecimento e são as que mais sofrem com as consequências dos problemas oriundos da
falta d´água e de problemas de contaminação. Em territórios utilizados pela cadeia de petróleo, os impactos se
dão pela concorrência pelo recurso ou pela contaminação das fontes de água, com uma discrepância grande
entre o poder econômico dos causadores e dos impactados. Esta realidade gera conflitos, que, quando são
discutidos, são em instâncias formais que são constituídos na sua maioria por homens como Comitê de Bacias e
Conselhos de Recursos Hídricos, porém há mulheres que querem mudar este contexto, melhorando a formação
e a participação nas arenas democráticas. No segundo tópico descreve-se a Educação Ambiental vinculada com
a discussão de justiça ambiental, relatando as desigualdades socioambientais vividas pelas mulheres na cidade
Duque de Caxias que vivem sob os impactos negativos de um modelo de desenvolvimento socioeconômico e
que estão passando por processos de formação em várias instâncias. A participação nos espaços de discussão
como audiências públicas, atos, seminários e reuniões é uma oportunidade de serem ouvidas e terem a sua
realidade modificada de modo a considerar as relações com a natureza expressa pelas mulheres.
Palavras-chave: Mulheres - Educação Ambiental - Direito à água - Impactos da cadeia de petróleo - Duque
de Caxias

O acesso universal à água continua a ser um desafio. No mundo ainda há 663 milhões de pessoas sem
acesso a uma fonte segura de água (ONU, 2015). As normas internacionais determinam que os serviços de água
e saneamento devam ser física e financeiramente acessíveis, disponíveis em quantidades suficientes, de
qualidade, além de cultural e socialmente aceitáveis. As desigualdades de acesso - entre pobres e ricos, entre
zonas rurais e urbanas ou entre bairros formais e favelas continuam e, os efeitos dos problemas são vividos de
forma distinta entre homens e mulheres (ALBUQUERQUE, 2015).
Para COSTA e IORIS (2015), ―[...] Desigualdades em termos de distribuição e qualidade da água servida a
diferentes grupos e localidades, assim como diferenças de exposição aos riscos associados à poluição dos
corpos hídricos são situações comuns na vida urbana dos países latino-americanos."
E ainda potencializando e reafirmando o debate para os que citam acima, ―muito além de meras
questões técnicas e gerenciais, a gestão da água tem sido parte integral da reprodução de desigualdades sociais e
assimetrias políticas profundas. Alocação, uso e conservação de água são elementos centrais do que Henri

38
Pesquisadora em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz. Mestre em Hidráulica e
Saneamento pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo.
39
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande - RS - FURG.
Graduação em Licenciatura Plena pela Fundação Educacional Unificada Campograndense. Especialista em Ciências Sociais e Religião.
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LEFEBVRE (1970) denominou de problemática urbana”, se tornando globalizada e passou talvez a ser um dos
principais fatores de mudança histórica no mundo contemporâneo.
Com essas análise é possível compreender/perceber as formas de injustiças ambientais a que estão
expostas as populações de menor renda e neste aspecto a região da Baixada Fluminense que tem sido estudada/
pesquisada, apresenta-se como uma região onde milhares de pessoas convivem diariamente com a escassez da
água nas torneiras, segundo o IBGE (2010) 28% dos domicílios40 tinham serviço precário de água e 21%
tinham sistemas inadequados de esgotamento sanitário. Segundo a Companhia Estadual de Água e Esgoto ―a
falta de setorização do sistema de distribuição implica um controle operacional deficiente, que aliado ao baixo
índice de medição acarreta um elevado índice de perdas e, também, a necessidade de redução do déficit de
produção de água tratada, que afeta principalmente as regiões da Baixada Fluminense e zona oeste da cidade do
Rio de Janeiro‖. Ou seja, a região pobre, mesmo estando mais próxima do sistema de abastecimento, é a mais
prejudicada (COSTA & IORIS, 2015).
Isso vem reforçando nossa hipótese de que as mulheres neste processo são as mais atingidas e, portanto
as mais empobrecidas, ficando expostas as várias formas, aos riscos ambientais o que também vem reforçar a
posição de ACSELRAD (2004), quando afirma ―a desigualdade ambiental é uma das principais expressões da
desigualdade social que marca nossa história.‖ E ainda as considerações da cooperação internacional no
Relatório do Desenvolvimento Humano (PNUD, 2005), onde afirma que pobreza é uma dimensão da
desigualdade, já que pobreza está ligada diretamente ao econômico e desigualdade está para além , remetendo
inclusive a questão aqui em foco, o acesso ou a falta de serviços públicos básicos, para nós aqui a questão da
falta de água.
Na maioria dos países, a mulher trabalha para providenciar água para as necessidades da casa no caso de acesso
precário a uma fonte segura de água enquanto os homens são protagonistas nas tomadas de decisão sobre o
gerenciamento de água nos níveis locais e nacionais e até internacionais. Porém esta realidade está mudando,
conforme problematiza a autora SALLES, (2013), no livro 50 Anos Da Refinaria Duque de Caxias e a
Expansão da Indústria Petrolífera no Brasil: conflitos socioambientais no Rio de Janeiro e desafios para o Pré-
sal, ―[...] Isso não é diferente neste contexto onde o Fórum dos atingidos pela indústria do petróleo e
petroquímica nas cercanias da Baía de Guanabara – FAPP-BG foi criado e atua, e onde as mulheres ocupam os
espaços de resistências, sabendo da importância de apresentarem os problemas locais com a falta de água‖ .

A participação das mulheres neste caso foi motivada pela injustiça na distribuição de água na região,
onde a Refinaria de Petróleo de Duque de Caxias (REDUC) recebe suprimento contínuo de água e a população

40
Considerou-se a Baixada Fluminense como os municípios de Nova Iguaçú, Japeri, Queimados, Duque de
Caxias, Belford Roxo, São João de Meriti, Nilópolis e Mesquita.

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do entorno não tem nem rede de distribuição de água de qualidade e é impactada negativamente com a escassez
de água nas torneiras pelo menos 20 dias por mês (JORNAL BRASIL DE FATO, 2015).

O acesso à água segura é um direito humano que ainda é limitado e atinge desproporcionalmente os
mais pobres e as maiores consequências sofridas pelas mulheres e crianças. Este quadro compromete a gestão
de água já que não endereça questões do ponto de vista das pessoas que realmente são afetadas pelos problemas
de distribuição e qualidade. As mulheres são majoritariamente responsáveis pelo transporte de água além de
serem responsáveis também por cuidar da higiene da casa e dos cuidados com os entes da família no caso de
agravos à saúde.

O acesso à água de qualidade e em quantidade suficiente gera transformações profundas na vida das
pessoas: diminui a incidência de doenças, reorganiza as relações familiares, libera mulheres e crianças para
outras atividades (estudar, brincar, cuidar do lar e das crianças, atender a roça, participar de grupos
comunitários), permite a diversificação da produção – garantindo, com isto, a segurança alimentar – e rompe
com a dependência política dos carros-pipa e de outras fontes de água sob domínio privado, favorecendo
condições de vida cidadã (BRASIL, 2010).

Falando em domínio privado, (BOURDIEU, 2014), na crítica da dominação masculina, nos provoca a
pensar a respeito dos mecanismos e das instituições históricas como a Escola e o Estado, que elaboram e
impõem princípios de dominação que reforçam as relações de forças materiais e simbólicas na perpetuação da
relação da dominação do campo doméstico, internalizadas e no campo público, explicitadas. Essa questão
estudada e problematizada por SALLES, 2010 nos provoca assumir aqui também um papel original, enquanto
educadoras ambientais, a luta contra todas as formas de dominação. Há evidência suficiente para mostrar que a
integração de uma abordagem ao debate de gênero e o modelo de desenvolvimento pode ter um impacto
positivo sobre a eficácia e sustentabilidade das intervenções de água e na conservação dos recursos hídricos.

Envolvendo homens e mulheres na concepção e implementação de intervenções leva a novas soluções


eficazes para os problemas da água; ajuda os governos a evitar investimentos pobres e erros caros; torna os
projetos mais sustentáveis; garante que o desenvolvimento de infra-estruturas produz o máximo de retorno
social e econômico; e promover os objectivos de desenvolvimento, tais como a redução da fome, mortalidade
infantil e melhorar a igualdade de género (ONU, 2012).

Histórico da discussão entre gênero e direito à água

Segundo BULTO (2015), na Convenção das Nações Unidas para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres (UN Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against
Women – CEDAW), 26 os Estados-Parte estão obrigados a assegurar às mulheres o direito de ―gozarem
condições de vida adequadas, especialmente em relação ao (...) fornecimento de água‖ (UN, 1979, Artigo 14, §
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2o). Sob a Convenção das Nações Unidas para os Direitos da Criança (CRC),27 os Estados-Parte
comprometem-se a combater doença e desnutrição ―mediante o fornecimento de alimento nutritivo adequado e
água potável limpa‖ (UN, 1989, Artigo 24, § 2o).

As Nações Unidas, no início do Ano Internacional da Água em 2003, por meio da Rede Interagencial
sobre Mulheres e Igualdade de Gênero (IANWGE) estabeleceu um grupo de trabalho com o tema água. O
Departamento das Nações Unidas de Assuntos Econômicos e Sociais (UNDESA) foi convidado para servir
como o coordenador e algumas entidades da sociedade civil foram convidadas a participar. Em 2004, o grupo
de trabalho foi convidado a assumir a responsabilidade para o componente de gênero da Água Internacional
para a Década Vida , 2005-2015 . Os objetivos do grupo de trabalho foram promover a integração da discussão
de gênero na implementação dos Objectivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) relacionados com a água
e saneamento e do Plano de Implementação de Joanesburgo (JPOI) nos níveis global, regional, nacional, local e
de serviços públicos. Nos objetivos estavam contempladas várias ações relacionadas com a educação como
disponibilizar materiais sobre o tema e buscar a multiplicação de ações de empoderamento da mulher em
instâncias decisórias (ONU, 2015).
Os ODM tiveram indicadores focados em resultados agregados , que mascaram o fato de que as
melhorias de acesso muitas vezes não atingem a a maioria dos grupos vulneráveis, como os idosos , as pessoas
pobres com deficiência, mulheres e crianças. A adoção de indicadores que desagregam os dados por sexo,
idade e grupo social representam simultaneamente um desafio e uma oportunidade para os ODS na agenda de
desenvolvimento pós-2015.
No Brasil as ações de reconhecimento de importância da inclusão das mulheres nas instâncias de
tomada de decisão da gestão de águas ainda são poucas. Com respeito à posição do Brasil no cenário
internacional, registra-se o compromisso assumido por ocasião do III Fórum Mundial da Água, Quioto, 2003,
no qual o país firmou posição de incorporar a perspectiva de gênero na gestão dos recursos hídricos, como o fez
também na Conferência de Bonn sobre Água Doce, conhecida como Dublin +10, em 2001. Compromissos,
estes, assumidos em diferentes momentos, destacando-se a Cúpula Mundial do Desenvolvimento Sustentável,
Joanesburgo 2002, em sua Declaração Final, Princípio 18, cujas Metas para Água Potável e Saneamento,
conhecidas respectivamente como Metas do Milênio e de Joanesburgo, visam reduzir à metade o número de
pessoas sem acesso à água potável e saneamento, bem como a garantia de suprimento para atender às
necessidade de água para a agricultura e alimento, permitindo às mulheres equidade no acesso ao suprimento de
água e outros recursos, sendo fatores determinantes para a inclusão social e mitigação da pobreza.
Apesar dos acordos nos quais o Brasil é signatário HORA et. al (2012) afirma que em termos de
reconhecimento da equidade de gênero, verifica-se inúmeras distinções entre homens e mulheres, quer em nível
salarial, carreiras ou acesso a bens e serviços. Dentre as políticas voltadas para o acesso à água, pode-se
destacar: o projeto demonstrativo do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2); o Programa Bomba D'Água

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Popular (BAP); o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), todos coordenados pela Articulação do
Semiárido (ASA). Tais programas primam por levar água para consumo humano na região do semiárido
brasileiro, por meio do uso de tecnologias adequadas e sustentáveis de convivência com o semiárido. Elemento
importante dos programas, adotado no P1MC, foi a incorporação da componente de gênero, privilegiando a
participação das mulheres, especialmente, daquelas chefes de família. Lembrando que o número de mulheres
chefes de família dobrou em uma década no Brasil. Levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), a partir de dados apurados para o Censo Demográfico, mostra que o volume de mulheres
responsáveis pelo domicílio saltou de 9,048 milhões para 18,617 milhões entre 2000 e 2010.
Como descrito, as ações de inclusão das mulheres nas políticas de acesso à água e em instâncias de
gestão de água no país ainda são insipientes. Esta questão é agravada em um cenário de aumento das incertezas
quanto a quantidade de água disponível e com a piora dos corpos de água os conflitos de uso da água tendem a
aumentar, o que pode implicar na piora da qualidade de vida de mais mulheres.

Conflito no acesso à água no Brasil relacionados com a cadeia de petróleo e gás

Dentre os impactos da cadeia de petróleo e gás, a restrição ao acesso à água em quantidade e qualidade
adequados pelas comunidades é um gerador de conflito seja pela concorrência pelo recurso, seja pela sua
contaminação. Como os empreendimentos são grandes usuários, há uma facilitação do acesso pelo Estado a
estes recursos que deixam de ser comuns. O contexto brasileiro agrava este processo por apresentar estruturas
regulatórias centralizadas, instituições ineficientes e profundos desequilíbrios de natureza política, econômica e
cultural – na distribuição socioespacial dos riscos e na capacidade de os atores mais vulneráveis obterem
recursos e influenciarem os processos decisórios (PORTO, 2005). Além de uma fragilização das políticas
públicas setoriais de garantia de direitos como saúde, meio ambiente saudável, educação e segurança pública
em populações já vulnerabilidades pelas desigualdades sociais (FAUSTINO & FURTADO, 2013). No modelo
hegemônico, a distribuição dos benefícios fica com a parcela mais rica da sociedade enquanto os riscos com os
mais pobres, não voluntariamente, mas pelas condições de subsistência (RAULINO, 2009).
No Brasil, além dos problemas já relatados, a contaminação da água subterrânea por hidrocarbonetos é o
problema mais comum envolvendo água e combustíveis. Os poços de água subterrânea são considerados
soluções alternativas de abastecimento de água humano por não possuírem as barreiras de proteção à
contaminação que um sistema de rede de distribuição possui. São utilizados majoritariamente em áreas de
pouca densidade populacional (como as zonas rurais) e em áreas urbanas com atendimento precário de serviço
de abastecimento.
Neste contexto de vulnerabilidade, a contaminação por hidrocarbonetos é uma realidade em várias
regiões do país. Geralmente a contaminação é causada por vazamentos em reservatórios de postos de
combustíveis ou em acidentes de transporte de combustíveis, exemplo são encontrados na Vila Tupi em Porto

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Alegre (MELO JUNIOR & COSTI, 2004), em Belém (REIS JÚNIOR, 2009) e Araçatuba (FURTADO, 2006).
Poucas ações são tomadas contra os responsáveis pela fonte poluidora, restando a população conviver com o
passivo, impactando na saúde e na qualidade de vida principalmente das mulheres.
Outro fator importante na governança da água atualmente no Brasil é que com o atual modelo
descentralizado de gestão por Comitês de Bacias, que estipula também a cobrança pela água, facilita o acesso às
indústrias da cadeia de petróleo e gás que podem facilmente dispor de recursos e dificulta o acesso dos grupos
de baixa renda que tampouco são representados. No Comitê da Bacia Hidrográfica da Baía da Guanabara
atualmente tem mulheres em apenas um quarto das representações. Os grupos de baixa renda também
encontram dificuldade para ocupar as cadeiras nestes colegiados devido à falta de mobilização e organização
existente (FRANCALANZA, 2013). Esta realidade também é comum nas discussões de Planos diretores e de
outras ferramentas de planejamento como os planos de bacia hidrográfica ou de recursos hídricos. Assim, o
processo de controle social tanto no planejamento urbano e regional assim como na gestão das águas, é
comprometido, deixando as populações mais pobres que vivem próximas a empreendimentos com potenciais de
contaminação ambiental e na saúde a tomarem conhecimento dos riscos que irão enfrentar com novos
empreendimentos quando as obras já estão começando ou já na operação do processo.
Muitas populações que vivem no entorno de oleodutos, gasodutos, refinarias e postos de gasolina não
estão cientes dos riscos a que estão expostos incluindo os riscos relacionados com a contaminação da água de
abastecimento, seja pela ausência de barreira nos poços, seja por perfurações na rede de abastecimento que no
caso de intermitência apresenta pressão negativa carreando solo contaminado para a tubulação.
Com o uso de tecnologias ainda mais intensivas no uso da água pela cadeia de petróleo e gás e com o
aumento do risco de contaminação de águas subterrâneas, como é o caso do fraturamento hidráulico para a
exploração de reservas de gás não convencionais, este cenários tende a apresentar uma intensificação nos
conflitos envolvendo água de abastecimento humano.

A Educação Ambiental e as ações de luta das Mulheres do município de Duque de Caxias pelo direito à
água.

O capitalismo foi o longo do seu desenvolvimento fortalecendo um sistema de produção insustentável e


contrariamente oposta à diversidade biológica e cultural existente. Um modelo no qual a natureza é
instrumentalizada para o interesse de determinados homens (e poucas mulheres), a saber, os que detêm os
meios de produção. O desenvolvimento da ciência, da tecnologia, proporcionou o fortalecimento e a
consolidação da indústria ―dos mega-projetos e da agricultura em detrimento da natureza, bem como, das
populações pobres (PACS, 2015).
Com isso queremos aqui afirmar que cadeia de petróleo e gás é uma cadeia que utiliza um volume
considerável de água, possui potencial poluidor e representa um poder econômico em grande maioria
desproporcional as populações habitadas na terra. As condições desiguais de apropriação não só acentuam as
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dificuldades de uso por uma parte da população, como também resultam em situações de maiores riscos
associados ao uso do território para fins de moradia.
Em um cenário caracterizado pelo agravamento da escassez hídrica, sob os aspectos de qualidade e
quantidade, as populações mais carentes provavelmente arcariam com a maior parte dos efeitos negativos e se
observaria o aumento da vulnerabilidade ambiental de mananciais e outros corpos d`água (FRANCALANZA,
2013).
Na Baixada Fluminense, o Fórum dos Atingidos pela Indústria do Petróleo e Petroquímica nas
Cercanias da Baía de Guanabara (COMBATE AO RACISMO AMBIENTAL, 2013) relata que a Petrobras foi
denunciada pelo Ministério Público Federal por lançar irregularmente em 2010, 637.526 metros cúbicos de
água de produção no Rio Iguaçu e na Baía de Guanabara efluentes líquidos contendo resíduos com óleos,
graxas, fenóis, nitrogênio amoniacal e sólidos sedimentáveis, em níveis superiores as permitidos por normas e
resoluções. Estes efluentes, como a própria denúncia aponta, podem resultar em danos à saúde humana,
mortandade de animais e destruição significativa da flora. E que há também lançamento de água de produção
no mar já que nem todas as plataformas possuem estações de tratamento de água de produção operantes.
Ainda na Baixada Fluminense, segundo RAULINO (2009) há outro conflito envolvendo abastecimento
de água e a REDUC (Refinaria Duque de Caxias). Muitos atores sociais questionavam o porquê da REDUC
receber tanta água e a população do entorno não ter abastecimento público de água. Há vários casos de ligações
clandestinas de água nas tubulações de água bruta da refinaria, diante deste quadro a REDUC teria decidido
liberar as ligações em sua rede. Neste caso a empresa assumiu o papel de prover a água porém expõe a
população à inúmeros riscos por não ter monitoramento da qualidade da água para garantir a sua qualidade e
segurança.
Com este panorama queremos ainda nesta produção textual visibilizar, ou seja, dar relevância a
Educação Ambiental realizada pelas mulheres do GT de mulheres do Fórum dos Atingidos pela indústria do
petróleo e petroquímica nas cercanias da Baía de Guanabara-FAPP-BG, como um espaço político-pedagógico-
educacional, organizado desde 2012 a partir da desigualdade e a injustiça ambiental vivida pelas populações
diretamente atingidas pela indústria do petróleo e petroquímica instalada nas cercanias da Baia de Guanabara
que têm origem em processos complexos de produção de desigualdades envolvendo relações entre
trabalhadores, empresas, sociedade e governos. Elas também refletem o quadro de concentração de poder na
apropriação dos recursos naturais e na definição do uso desses recursos que caracteriza a história do país. Em
diversas regiões do Brasil são os trabalhadores, os grupos de baixa renda, as populações discriminadas pela sua
origem, cor ou etnia que estão mais expostas aos riscos ambientais e que tem menor acesso ao saneamento
básico, ao ar puro, a água potável e a segurança fundiária. A elas é também negada a possibilidade de participar
efetivamente das decisões sobre o uso do espaço em que vivem e que influem diretamente na qualidade de suas
vidas.

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Neste sentido os membros do FAPP-BG, onde as mulheres estão em liderança por compreender a
importância de se problematizar uma educação que está para além do capital como propõe (MESZÁROS,
2008,), uma educação como ―transcedência positiva da autoalienação do trabalho‖, que tenta pensar/organizar
uma Educação Ambiental, sob o olhar crítico conforme também pensa e teoriza (CASTRO, LAIRARGUES &
LOUREIRO, 2009), uma ―Educação ambiental para a mudança social‖, é construir formação com a
participação das mulheres, e desde a organização do GT de mulheres, no I Seminário do FAPP-BG em janeiro
de 2013 e a partir daí organizaram reuniões às ações para atuações nos espaços de enfrentamento ao das
desigualdades e no caso específico do impacto negativo da REDUC na condição de vida delas; enfrentamento
ao poder público participando de audiências públicas (Câmara Municipal de Duque de Caxias sobre o Termo de
Ajuste de Conduta da REDUC e da audiência pública da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP) da 13ª Rodada de Licitação de blocos de exploração, dentre outras), manifestações
públicas, organização de seminários, de reuniões, lançamento de livro, participação de intercâmbio no Equador,
no Brasil, entrevistas em jornais, rádios, rodas de diálogos em comunidades, em universidades as mulheres tem
proposto/realizado essa educação.

Pensar a formação política-educacional com/nas populações empobrecidas construída com todas as


pessoas que querem outra forma de viver que não a da educação ao mercado do capital é compreender a
Educação Ambiental como práticas voltadas à manutenção da qualidade de vida de seres humanos e à
conservação da natureza não como posta na escola: separando o humano, da natureza como tal é pensar a
sustentabilidade da vida humana.

Como participam as mulheres neste contexto?

Infelizmente as mulheres são severamente atingidas por esses conflitos, impactos foram sentidos na
qualidade de vida de mulheres que tiveram seu território atingido por um vazamento na Nigéria, como piora na
qualidade da água e do ar, acarretando na busca de outras fontes de água. Além dos impactos na agricultura e na
pesca comprometendo a segurança alimentar e a subsistência das famílias (FATUSIN, ARIBIGBOLA &
ADETULA, 2010). Ainda na Nigéria, temos exemplo de como as mulheres se mobilizaram para discutir esta
realidade que está em vários pontos do país. Elas fizeram um protesto nas ruas após o vazamento na unidade de
exploração de petróleo da Shell em Bonga no mês de dezembro de 2011 e também participaram de programas
de TV descrevendo os problemas com a água.
Os papéis das mulheres na gestão de água devem ser reconhecidos e ampliados por meio de políticas
públicas que enfatizem as peculiaridades de gênero na capacitação e participação nas discussões sobre o acesso
à água. Esses papéis são exercidos em várias instâncias formais e não formais de gestão com troca constante de

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saberes na busca de melhorias na qualidade de vida e no serviço de abastecimento de água, porém no Brasil
ainda não temos estudos que contemplem esta discussão.
Diante do panorama socioambiental descrito neste trabalho, trazer à relevância da participação das
mulheres do FAPP-BG no enfrentamento ao poder público municipal, estadual e federal através do ministério
público contra o modelo de desenvolvimento econômico que tem como prioridade a obtenção do lucro é
fundamental para dar visibilidade ao impacto ambiental negativo causado pela REDUC na condição de vida das
mulheres do município de Duque de Caxias como processo de uma Educação Ambiental à justiça ambiental.

Metodologia Proposta

Dentro do contexto dos conflitos ambientais relacionados com os impactos da cadeia de petróleo e gás
na água de consumo humano, pretende-se ampliar a discussão teórica do papel da mulher no processo de
resistência dos processos de ampliação e de garantia de direitos. Este papel está diretamente relacionado com as
oportunidades que as mulheres tem de participar das instâncias e da sua formação formal e informal.
A pesquisa pretende avaliar a participação das mulheres em órgãos de controle formais da gestão de
águas como os comitês de bacia (bacia hidrográfica a ser definida) e os conselhos estaduais e federal de
recursos hídricos utilizando metodologia quantitativa e qualitativa com dados referentes aos últimos 5 anos.
Serão também identificados movimentos sociais auto organizados por mulheres e/ou Grupo de Trabalho com
mulheres que discutem as questões de água para um quadro mais amplo das formas de participação. |A coleta
de dados utilizará como base inicial os indicadores propostos pelo Manual de Estatísticas de Gênero (ONU,
2015).
A parte quantitativa, será levantado o número de participantes mulheres dos órgãos, a participação nas
reuniões e os processos de educação ambiental formal e não formal. A avaliação qualitativa será baseada nas
ações relatadas nas atas das reuniões referentes a participação de mulheres em projetos bem como no registro
de propostas e encaminhamentos. Para acompanhar os processos de formação, serão acompanhados eventos
com a temática de água e petróleo, bem como as arenas de discussão.
Espera-se assim poder colaborar na reflexão do papel da educação ambiental e das mulheres nos
órgãos de gestão de água no país e nos movimentos sociais em territórios impactados pela cadeia de petróleo e
gás bem como identificar possíveis ações para que esta participação seja maior e mais efetiva visando a
superação da desigualdade, já que, por exemplo, nos Comitê de Bacia da Baía da Guanabara o número de
participantes mulheres é de apenas um quarto do número total de participantes.
Por meio de um cenário mais amplo de formação e de participação das mulheres nos processos de
gestão da água no Brasil. Espera-se que sejam identificadas oportunidades para a propostas de novas políticas
públicas , bem como a replicação de experiências bem sucedidas.

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL ECONFLITOS AMBIENTAIS:
A LUTA PELO TERRITÓRIO NA ZONA RURAL II DE SÃO LUÍS – MA

Ana Lourdes da Silva Ribeiro41


Carlos R.S. Machado42

RESUMO
Esse artigo visa apresentar algumas reflexões sobre o trabalho de educação ambiental em áreas de conflitos
ambientais que visa à participação popular e o empoderamento de homens e mulheres através da ação educativa
dialógica. O educador ambiental tem como possibilidades buscar uma metodologia participativa, compreender a
educação ambiental como alternativa que viabilize a ação coletiva em busca dos direitos e da cidadania de
comunidades e/ou populações rurais e urbana; e resgatar valores construídos historicamente no processo de
ocupação e de resistência ao modelo de desenvolvimento imposto no Brasil, e assim fortalecendo e ampliando a
participação cidadã em busca de tomada de decisões que possam garantir o modo de vida e a relação que
possuem como o ambiente natural construído ancestralmente. Entendemos também que não se pode pensar na
educação ambiental apenas na prática educativa visando o ambiente natural, mas sim no sentido de estimular a
mesma no contexto socioambiental, de forma que possibilite uma participação efetiva, de cidadãos e cidadãs
por meio da ação-reflexão crítica, partindo da realidade das comunidades. Neste trabalhovamos discutir os
resultados preliminares da pesquisa em Educação Ambiental proposta através de um Curso de Extensão de
Educação Ambiental em comunidades rurais.
PALAVRAS-CHAVE: educação ambiental; conflitos ambientais; comunidades tradicionais.

Introdução
Nas últimas três décadas o Brasil vem implantando paulatinamente um modelo de desenvolvimento
altamente segregador, pois os ―ditos avanços‖ no processo de industrialização brasileiro e, na atualidade, o neo-
desenvolvimentismo focado na exploração e exportação de recursos ou bens da natureza tem se ampliado.
Assim, isso tem gerado em diferentes lugares mais desigualdade ambiental43 e em consequência gerou em todo
território nacional inúmeros conflitos ambientais44seja devido às disputas por território e/ou pelos recursos
naturais. De um lado, empresas multinacionais apoiados por governos de diferentes signos políticos implantam
grandes projetos de desenvolvimento sempre com o discurso de trazer benefícios para a população, para

41
Mestranda em Educação Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande - PPGEA/ FURG. Bolsista CAPES. Integrante do
Observatório dos Conflitos Urbanos e Socioambientais do Extremo Sul do Brasil (CNPq) e do Grupo de Pesquisas, Desenvolvimento,
Modernidade e Meio Ambiente – GEDMMA/UFMA.
Email: analourdesribeiro9@gmail.com.
42
Prof. Dr. Da Universidade Federal de Rio Grande/RS; Coordenador do Programa de Pós Graduação em Educação Ambiental da
Universidade Federal de Rio Grande; Coordenador do Observatório dos Conflitos Socioambientais e Urbanos do Extremo Sul do
Brasil; Email: karlmarc@ig.com.br.
43
A desigualdade ambiental, ou seja, a exposição desproporcional dos socialmente mais desprovidos aos riscos das redes técnico-
produtivas da riqueza ou sua despossessão ambiental pela concentração dos benefícios do desenvolvimento em poucas mãos. A
poluição não é, nessa perspectiva, necessariamente ―democrática‖, podendo afetar de forma variável os diferentes grupos sociais. pag
109.
44
Os conflitos ambientais são aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do
território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que
desenvolvem ameaçadas por impactos indesejáveis – transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos – decorrentes do exercício das
práticas de outros grupos.
109
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sociedade e para o país; e de outro, seja ela da zona urbana, rural ou populações tradicionais 45 (quilombolas,
indígenas, ribeirinhos) não tem sido considerados, levados em conta seus modos de vida e a sua relação com o
ambiente social e natural, repassado de geração pra geração que é diferente daqueles que buscam o lucro e
melhores superávits financeiros. Nesse contexto atual, essas populações rurais, urbanas ou tradicionais tornam-
se empecilhos para este ―desenvolvimento‖ segregador assim como, suas práticas e as relações históricas com o
ambiente tornam-se ―obsoletos‖ diante do progresso capitalista, já que sua busca de lucro é imediata e de forma
mais ampla possível, sem se importar com o que ficará ou o que se destruirá em consequências disso – do tal
desenvolvimento de seus discursos.
Sendo assim, ou seja, é neste contexto – no Maranhão, num território rural deste estado- é que partimos
para pensar a educação ambiental como uma proposta de ação educativa ampla e com a participação ativa
dos/as educando/as e dos educadores/as,é o desafio que nos propomos desenvolver numa dissertação de
mestrado no Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental. Contudo, apesar da conjuntura atual, a
mesma ―surge como uma das possíveis estratégias para o enfrentamento da crise civilizatória de dupla ordem,
cultural e social‖ (SORRENTINO, 2005, p.285).
Apresentaremos a seguir o contexto das comunidades da zona rural II de São Luís, os conflitos existentes
e resultados ainda preliminares de que forma a educação ambiental surge como uma alternativa para o
enfrentamento desses conflitos e os pressupostos utilizados a partir dos fundamentos da Educação Ambiental.

1. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A DESIGUALDADE AMBIENTAL


As comunidades rurais localizadas no sudoeste da Ilha do Maranhão (Rio dos Cachorros, Taim,
Limoeiro, Cajueiro, Porto Grande, Vila Maranhão) – Núcleo Taim – e Portinho, Jacamim, Embaúbal, Ilha
Pequena, Amapá – Núcleo Tauá Mirim46 - desde 2003vivesituações identificadas pelas pesquisas do Grupo de
Estudos, Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente – GEDMMA como conflitos ambientais.
Conflitos esses provenientes das relações entre o Estado, grandes projetos de desenvolvimento e as
mesmasque disputamterritorialmente a sua manutenção no local assim como, o seu modo de vida etem sido
nossa fonte de pesquisa e de inspiração quando se fala de desigualdade e conflitos ambientais.
Desde 2005 o GEDMMA pesquisa a situação vivenciada pelas comunidades citadas, na época foi uma
tentativa de implantação de um Polo Siderúrgico que iria deslocar compulsoriamente todas as famílias que
moram na área.

45
Conforme instituído pela Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais por meio do
decreto Nº 6.040 de 07 de fevereiro de 2007, artigo 2º, inciso I que define povos e comunidades tradicionais: ―grupos culturalmente
diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e
recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos,
inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição‖.
46
Divididas em núcleos para melhorar viabilizar e garantir a participação efetiva de representantes da juventude de todas as
comunidades e pela distância física entre as mesmas no Curso de Educação Ambiental e Cidadania na Zona Rural II de São Luís –
MA.
110
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De acordo com Alves, Sant‘Ana Júnior e Mendonça (2006,p.30):

O projeto de implantação de um polo siderúrgico no município de São Luís envolve uma ampla
negociação da qual fazem parte, diretamente, os poderes executivos federal, estadual e municipal que
proporcionariam a infraestrutura necessária, incluindo a concessão da área para as instalações físicas e de
isenções fiscais, além de proporcionar a regularização dos aspectos legais que viabilizem sua
instalação;os legislativos estadual e municipal; a iniciativa privada através da Companhia Vale do Rio
Doce (CVRD), que apontava, em 2004, o interesse de grupos empresariais estrangeiros no
empreendimento.

Desde então os conflitos instalados vem se acirrando e as comunidades encurraladas entre o tão sonhado
e disseminado ―desenvolvimento‖ e a manutenção do seu modo de vida e preservação do ambiente natural
mesmo com a presença das pessoas na área.
Nessa concepção, entre continuar morando na área e a disputa, surge à possibilidade de se pensar numa
EA que possibilite o fortalecimento da organização social dos povoados47rurais que demandam a criação da
Resex de Tauá Mirim48, na zona rural II de São Luís, através da extensão universitária, com enfoque no direito
e cidadania dando destaque a EA é o que se propõe o curso por hora analisado nesse trabalho.
Queremos então iniciar esse dialogo apresentando o que entendemos por educação ambiental, e para
tanto, iniciamos pela Política Nacional de Educação Ambiental – PNEA –que nos diz o seguinte:
Art. 1o Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade
constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a
conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua
sustentabilidade. (PNEA, 1999)
Tendo em vista que a proposta de um Curso de Extensão em Educação Ambiental para os jovens e as
jovens das comunidades rurais nos permite a troca de conhecimentos adquiridos e ainda o empoderamento49
dessas comunidades no intuito de defender o seu território50 e lugar ancestralmente construído. Por
compreendermos que a educação ambiental perpasse por vários temas, a partir desse artigo da PNEA propomos
discutir do curso, partindo da realidade local, com ampla participação da juventude, inclusive na escolha de
temas de interesse coletivo com enfoque na cidadania, sem perder de vista o uso coletivo da terra e a relação
estabelecida com o ambiente.
Trabalhar com a Educação Ambiental (EA) de forma que atenda com a metodologia voltada para a
inserção de temas que respeite à realidade local, o conhecimento, as particularidades e individualidades dos /as
educando/as e que possam utilizar no seu cotidiano.

47
No objetivo do Curso de extensão aparece o termo povoado ao se referir às comunidadesno entanto, iremos utilizar o termos
comunidade ao nos referirmos aos moradores e moradoras já que as mesmas assim se auto identificam.
48
A princípio o nome escolhido para a RESEX seria RESEX do Taim, no entanto, com a criação de uma unidade de conservação no
Rio Grande do Sul denominada Estação Ecológica do Taim, o nome foi trocado com ampla participação das comunidades envolvidas
e o mesmo recebeu o mesmo nome de uma das comunidades abrangidas.
49
―empoderamento‖ implica muitas vezes ultrapassar os instrumentos clássicos da democracia representativa, tendo por base um
aumento da cultura política e do capital social.
50
Aqui quando falamos em território, o entendemos como espaço socialmente construído (LITLLE, 2002)
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Ao nos depararmos com a Lei nº 9.795 de 27 de Abril de 1999 a Política Nacional de Educação
Ambiental (PNEA) no Art. 2º que diz:
A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar
presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não
formal.
Podemos também relacionar as afirmações acima com concepções de trabalhos de EA realizados em
comunidades e populações que vivenciam conflitos ambientais em decorrência da injustiça ambiental tendo
seus modos de vida, cotidiano e trabalho, alterados, nas quais não são negligenciados tais conflitos e injustiças,
mas que, ao contrário, há empenho na construção de formas de resistência a partir de suas experiências. Sendo
assim, entendemos que a EA pode servir de instrumento de empoderamento e construção da cidadania das
comunidades.
Dessa forma nos alinhamos com a afirmação de Freire que diz que ―Quando vivemos a autenticidade
exigida pela prática de ensinar-aprender participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica,
gnosiológica, pedagógica, estética e ética (...) (1996. p. 24)‖. Por se tratar de processos educativos a educação
ambiental diretiva e política, como experiência total, não podem desconsiderar os conflitos e a desigualdade
socioambiental existente e que vivem as comunidades de nosso estudo bem como outras mapeadas e
denunciadas em suas injustiças pela Rede Brasileira de Justiça Ambiental.51Dentro desse contexto de conflitos
ambientais, onde as comunidades tradicionais buscam resgatar a autonomia e o fortalecimento em defesa do seu
território e do lugar, estes construídos pelos seus antepassados e que estão sendo violados pelo próprio estado
que tem como dever protegê-los, torna-se um desafio no sentido de refazer a história e proporcionar um quadro
de vida futuro onde sejam superadas as injustiças52.
A construção de uma educação popular dialógica resgata a necessidade de organização popular em defesa
dos modos de vida não capitalistas que são ―pouco a pouco destruídos pelo mercado, por não atenderem à
dinâmica lucrativa dos capitais (...)‖ (ACSELRAD, 2009, p.42) e das construções e relações próprias entre a
natureza e a população atingida. Refletindo o papel que cabe tanto ao poder público quanto a sociedade em
viabilizar, tanto em relação ao uso dos recursos naturais dessas, a EA tem um papel importante nesse contexto
já que a mesma ―não é somente um conjunto de práticas de defesado meio ambiente, mas sim, a possibilidade
de se construir uma práxis socioambiental, comprometendo todos os envolvidos a uma nova postura
ética,social, cultural, econômica, histórica e ecológica‖. (DICKMANN, p.15, 201053).
Nesse processo de relação entre as populações afetadas diretamente pelas grandes indústrias, projetos
hidroviários, agropecuários, etc. implantados nas proximidades das populações tradicionais trazemos ao debate
ambiental uma categoria que chamamos de Justiça Ambiental.Esse termo surge nos EUA ainda na década de

51
Nos referimos ao movimento Rede Brasileira de Justiça Ambiental criada no Brasil no ano de 2001, quando aconteceu o Seminário
Internacional Justiça Ambiental e Cidadania.( ACSELRAD, 2009)
52
Conforme explicitado por Acselrad, p.09, 2009.
53
Dissertação de Mestrado de Ivo Dickmann no Programa de Pós-graduação em educação na Universidade Federal do Paraná.
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1960 após ser observado que a populações negras eram as mais expostas aos riscos ambientais e incentivados
pelo governo. O mesmo acontece até hoje, as populações estão expostas a esse modelo desenvolvimentista que
o país escolheu no intuito e com o discurso de trazer mais empregos e automaticamente melhorar a qualidade de
vida dessa população. ―A justiça ambiental exige que as políticas públicas sejam baseadas no respeito mútuo e
na justiça para todos os povos, livres de toda a forma de discriminação e preconceito.‖ (ACSELRAD, 2004).
Nesse contexto social, político e ambiental far-se-á necessárias abordagens diferenciadas ao mesmo
tempo em que se estimulem as populações a buscar uma postura em defesa do seu modo de vida e do seu
território. Necessário também que, através da educação ambiental participativa, dialógica, que parta da
realidade local e respeite a diversidade, a construção dessa nova forma de agir e de pensar o local seja repassada
aos mais jovens e possibilite maior autonomia nas tomadas de decisões que beneficiem o coletivo.

1. EDUCAÇÃO AMBIENTAL, CIDADANIA E INTERDISCIPLINARIDADE


A educação ambiental está diretamente ligada à formação de valores e atitudes em relação à diversidade,
à complexidade, existente no mundo e na vida, seja em relação ao ambiente e/ou a pessoas. Sendo assim, com
essas características peculiares, percebe-se a necessidade de que à sua prática associemos a
interdisciplinaridade, pois, ―Desde o início a educação ambiental posicionou-se na contramão da educação
chamada tradicional, disciplinar, cujos conteúdos fragmentados não fazem conexão com a vida das pessoas‖
(CARVALHO, 1998. Pag.66).
Percebe-se ainda a importância de questionarmos se o atual contexto social/econômico/político e
ecológico tem contemplado as necessidades atuais das populações e comunidades afetadas pelo grande capital
financeiro. Diante de tudo isso se faz necessário promover o fortalecimento da cidadania, entendida aqui como
construída coletivamente de forma que permita maior participação nas tomadas de decisões sobre os projetos
que atingirão diretamente o seu modo de vida, nas questões emergentes e na necessidade de compreender e
interferir positivamente nos debates ambientais.
O que há de mais desejável, do ponto de vista da educação do que preparar as pessoas para avaliar e
decidir sobre o que as afeta? (CARVALHO, 1998. pag. 66). Nesse sentido a educação freireana mostra de que
forma o educador pode contribuir na formação de sujeitos mais críticos e atuantes no seu contexto de vida.
O campo da educação ambiental ao propor a interdisciplinaridade na sua forma de atuação, deixando de
ser a uma educação fragmentada, amplia o debate comprometido com os dilemas contemporâneos. Sendo
assim, ―não adianta centrar todos os esforços numa educação ambiental que aposta tudo na pedagogia
comportamental, confundindo mudança pontual de comportamentos com a formação de sujeitos éticos e
políticos‖, (CARVALHO, 1998, pag.67) isso não implica dizer que atitudes como não jogar papel no chão,
economizar água não sejam importantes, no entanto o debate na educação ambiental vai além disso e tem que
propor alternativas viáveis no contexto atual de conflitos ambientais, já que além de um processo educativo é
também um processo político e social.
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A crise ambiental e a crise do saber surgem como ―acumulação das externalidades do desenvolvimento do
conhecimento e do desenvolvimento econômico‖. Surgem como todo um campo real negado e do saber
desconhecido pela modernidade, reclamando a ―internalização‖ de uma ―dimensão ambiental‖ através de um
―método interdisciplinar‖, capaz de reintegrar o conhecimento para apreender a realidade complexa (LEFF,
2011) em vez de esse conhecimento ser fragmentado, compartimentado, precisa ser compreendido num todo, de
forma que esse processo de desenvolvimento científico e tecnológico não tire a alegria de viver de homens e
mulheres atingidos pelo atual modelo capitalista.
Para isso, se faz fundamental uma abordagem interdisciplinar das questões ambientais, pois
implica em utilizar a contribuição das várias disciplinas (conteúdo e método) para se construir a
compreensão e explicação do problema tratado e desse modo, superar a compartimentação. Implica,
também, em envolver as populações e valorizar seus conhecimentos. (CAPORLÍNGUA; COSTA, p.6,
2013).

Na Conferência de Tbilisi em 197754 foram estabelecidas as orientações gerais da educação ambiental,


tendo o princípio da interdisciplinaridade em forma de método no intuito de compreender e restabelecer as
relações sociedade-natureza, sendo assim, abre precedentes para se pensar uma forma de educação baseada na
compreensão de um todo e das relações estabelecidas no meio social e ambiental.
A interdisciplinaridade55 na educação ambiental ao ouvir diversos atores que vivenciam situações de
conflitos ambientais56, proporciona um saber mais crítico e construído coletivamente não limitado apenas aos
conhecimentos biológicos e de preservação da natureza, mais partindo das experiências de vida de cada um/a e
que mostre a possibilidade de uma sociedade sustentável, mas, não nos modelos atuais de exploração dos
recursos naturais de forma desordenada.
Os efeitos do domínio humano sobre a natureza, que aumentou drasticamente nas últimas décadas, tem
feito com que cada vez menos haja um diálogo de saberes diversos. Muitas, ou seja, na maioria das vezes, esse
diálogo se inviabiliza devido ao fato de que o modelo de conhecimento que nos é imposto pelo capitalismo,
prega que a tecnologia supera o conhecimento tradicional e não tem levado em conta, a forma com que as
comunidades tradicionais e populações se relacionam com o ambiente. O que tem prevalecido são políticas que
não consideram o conhecimento dessas comunidades.

54
Declaração da Conferência Intergovernamental de Tbilisi sobre Educação Ambiental, 1977, em Genebaldo Freire Dias.
55
A abordagem interdisciplinar das questões ambientais implica em utilizar a contribuição das várias disciplinas (conteúdo e método)
para se construir a compreensão e explicação do problema tratado e desse modo, superar a compartimentação. Implica, também, em
envolver as populações e valorizar seus conhecimentos. (CAPORLÍNGUA,COSTA,p.06,2013).
56
Conflitos Ambientais entendidos aqui como ―(...) esses ocasionados tanto por uso, quanto por acesso aos recursos naturais e na
muitas vezes pelo controle do território, nos referimos então nos aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de
apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais
de apropriação do meio que desenvolve ameaçada por impactos indesejáveis... decorrentes do exercício de práticas de outros grupos.
O conflito pode derivar da disputa por apropriação de uma mesma base de recursos ou de bases distintas, mas interconectadas por
interações ecossistêmicas mediadas pela atmosfera, pelo solo, pelas águas etc.‖ (ACSELRAD, 2004: 25)

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Considerações finais
As grandes empresas, na maioria das vezes as multinacionais tem utilizado, através da própria legislação
ambiental em vigor, a educação ambiental para legitimar as suas ações destruidoras tanto das culturas locais
como do ambiente natural. Através da chamada ―conscientização ambiental‖ tem democratizado a
responsabilidade pela devastação ambiental criminalizando formas de vida não capitalistas.
Por meio dessas políticas ambientais, da gestão nas empresas e dos discursos de progresso e crescimento,
populações inteiras têm sido tratadas como empecilho para o desenvolvimento do país.
Nesse contexto, se faz pertinente e necessário um tipo de educação ambiental que, partindo da realidade e
dos conhecimentos dessas populações, seja capaz de auxiliar no seu empoderamento para a resistência. É a
partir da relação ação-reflexão-ação que se torna possível o que Freire afirma ser a transição da curiosidade
ingênua, essencial para a aprendizagem, para uma curiosidade epistemológica, em que o que muda não é
essência do conhecimento, mas sua forma (1996, pg.29). Assim, partindo da experiência dos conflitos
socioambientais é possível, por meio de uma educação ambiental problematizadora, realizar experiências
significativas de aprendizado e empoderamento.
Ao afirmar que a educação ambiental tem e poderia ter por obrigatoriedade elucidar os conflitos na
perspectiva de que as comunidades se empoderem para a resistência e para a construção coletiva de formas de
participação social e autogestão, afirma-se a diretividade da educação. Tal diretividade nega a neutralidade e se
fundamenta no que Freire diz ser uma vocação da educação, a politicidade, em que não é um ou outro educador
que a torna política, mas a política é inerente a ela (1996, p.110). Ao elucidar ou ao negligenciar os conflitos, o
que está em jogo são visões políticas, seja para o empoderamento e emancipação das comunidades, seja para a
implantação de discursos e projetos de desenvolvimento.
Tais projetos, os de desenvolvimento e progresso e os voltados para emancipação das pessoas e das
comunidades, situam-se em lados opostos caracterizando projetos antagônicos. Se nos processos de
aprendizagem de forma geral, é possível o diálogo e a construção coletiva de forma que garantam o modo de
vida das comunidades, apesar das diversas percepções da realidade, para Freire, entre projetos antagônicos o
que há é conflito. (FREIRE, et al. 1985).
Temos, portanto compreendido que uma educação ambiental comprometida com a justiça social precisa
ser instrumento de luta e de resistência das populações afetadas por grandes projetos de desenvolvimento,
através de uma metodologia que agregue valores, sentimentos e o conhecimento da realidade que foram
construídos por essas populações para que assim, se possa elucidar e problematizar a devastação que o modelo
de desenvolvimento da sociedade capitalista impõe.

Referências
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GEOGRAFIAS INVISÍVEIS: UMA REFLEXÃO EPISTEMOLÓGICA SOBRE A
CONSCIÊNCIA DA REALIDADE DIANTE DE PESQUISA AÇÃO SOBRE O
MOVIMENTO NOVOS RURAIS EM PORTUGAL/ BRASIL
Alexandre. E Bandeira57

Resumo
A proposta de estudo/pesquisa que é apresentada tem como objetivo refletir o homem que temos diante do
desenvolvimento atual através da consciência da realidade. Será mediante pesquisa- ação sobre o Movimento
―Novos Rurais‖ Portugal/Brasil que o estudo permeará. A reflexão epistêmica dentro do campo existencialista é
desenvolvida no momento da tese por um geógrafo que busca nas Geografias Invisíveis um suporte teórico/
prático para a ciência geral e para a existência de um novo rumo. Devemos compreender os processos que
geram tensões e conflitos nos cenários geográficos e por sua vez proporcionar justiça social dentro do modelo
de desenhar e do modelo de viver na cidade.
Palavras chave: Geografias Invisíveis, Consciência da realidade, Novos Rurais, existencialismo

Introdução

A geografia, nos seus primórdios, na gênese do seu pensamento, nasceu como uma ciência interdisciplinar,
capaz de ser a top das ciências; hoje, em 2014, ela coloca-se como uma ciência modesta, mesmo para nós
profissionais da geografia. A geografia é una e múltipla, sendo assim cada geógrafo propõe uma geografia e
essa divide-se em varias filosofias: Geografia crítica, pragmática, física e ambiental. Cada licenciado ou
bacharel, na aplicação pratica da sua geografia, precisa tornar o mundo inteligível e prático para a existência
humana e não somente para o mundo dos objetos.

Para um geógrafo existencialista, propor um caminho reflexivo a cerca do Brasil atual requer um
distanciamento e uma aproximação, pois, há contradições que deverão ser reformuladas dentro desse modo de
pensar, pois apesar de vivermos dentro de um Estado que se diz democrático, possuímos diversas mazelas e
artimanhas que dogmatiza e universaliza todas as ações dentro do território, mas, que não visam distinguir ou
descrever as formas, os processos, as disfunções, as diferenças que formaram tal unidade.

É no processo de doutorado, do momento da tese e diante da própria linha de pesquisa (análise ambiental) que o
discurso deve ser sustentado; discurso esse que deve tratar de estudos que percorrem os caminhos da gênese, da
evolução e a variabilidade dos ambientes, diante da relação interacional dos processos naturais e suas relações
com a sociedade pela sua ideação reflexiva. Portanto, é na intrínseca relação entre os meios que o estudo deve
refletir e organizar meios de sustentar a própria linha existencial da geografia diante das consciências das
realidades.

57
Discente do Instituto de Geociências do Programa de pós- graduação em Geografia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul-
Brasil, aluno de doutorado com orientação da professora Dirce Suertegaray.aebandeira@gmail.com-
Eixo temático 1 - Abrangência de olhares e dispersão de lutas em Educação Ambiental.

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A análise sobre a consciência da realidade precisa ser especificada diante dos caminhos para obter as possíveis
respostas, esclarecendo também quais as situações que se fazem presente e que necessitam de solução, e quais
são aquelas que não terão soluções. A consciência é uma qualidade psíquica, da psique humana (pensamento
humano objetivada em cada ação seja ela individual ou coletiva), sendo que se faz necessário ter o
entendimento da teoria da consciência no enfrentamento da realidade.

A abertura de movimentos e mobilizações, de um algo novo para a objetivação das realidades, são passos
importantes que objetivam a potencialidade humana. Nesse contexto, pode-se citar um movimento que vem
ganhando destaque a nível mundial conhecido como ―Novos Rurais‖. Esse é um movimento social, com sua
base em Portugal, que busca uma ―fuga‖ OU uma ―vontade de agir‖, e envolve uma classe de pessoas que
optam por viver no campo, buscando formas alternativas de sustentabilidade, tornando-se o oposto das visões
pregadas pelo capitalismo. Esse movimento vem ganhando espaço em outros países e passa a ser importante o
reconhecimento de dispositivos que possam ligar realidades distintas. Embora Brasil e Portugal mantenham
laços de identidade, é de suma importância evidenciar, no contexto dos ―Novos Rurais‖, as realidades distintas
que podem ser evidenciadas entre ambos, bem como avaliar se as ―soluções‖ propostas tem validade social e de
sustentabilidade. Essas soluções deverão transcender caminhos de ações meramente paliativas, devendo ser
ações conscientes, preventivas e normatizadas por praticas objetivas da consciência humana.

Definição do problema de pesquisa e justificativa

As cidades e suas instituições (família, escola, igreja, Estado, lugar) são ambientes onde os indivíduos se
organizam conforme seu status, sendo essa uma técnica de exclusão/inclusão (consentida, tolerada e desejada).
Esta organização é dada por leis universais, dentro de uma lógica mercantilista de comercialização das cidades,
sendo essa inserida em um regime democrático onde cada indivíduo é visto como cidadão (ou seja, como um
mero consumidor). Evidencia-se, a partir disso, uma dualidade exclusão/inclusão, na qual a exclusão cria uma
consciência específica (ingênua ou crítica) que promove a ilusão de inclusão, bem como a ilusão de exclusão
(BANDEIRA, (2010); (2011)).

Para que a funcionalidade da instituição sociedade seja benéfica ao homem social e ambiental, esses deverão
estar acompanhando as transformações da vida social e produzindo mudanças e aperfeiçoamentos para difusão
da consciência da realidade. Enfatizar-se-á, nessa pesquisa, os conceitos de geografias Invisíveis, consciência
da realidade, vontade de potência, ideologia da transformação, existência, zona de conforto, devir social.
Acredito que o espaço é muito mais do que a operacionalidade de sistema de objetos e sistema de ações, sendo
assim, procurarei caminhos que atormentarão o visível para que as Geografias Invisíveis sejam consolidadas
como forma de explicação do não óbvio, mas das incertezas dos momentos oscilatórios que são a existência
humana no espaço. Tendo como objetivo captar e analisar as características dos vários métodos disponíveis,
pois aqui será privilegiada a cultura do ―E...E...E...‖, ou seja, potencializar ao extremo. Em princípio, darei
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ênfase à sistematização da consciência atual, buscando compreender a lógica do momento, a potência do
indivíduo, e, por conseguinte, transmutar para um novo rumo metodológico que contribua para um novo devir
geográfico. Dessa maneira, é preciso transmutar os valores céticos, dogmáticos, relativos, absolutos, e agregar
todos numa nova concepção de mundo, descrevendo um novo viés, para a geografia e a sociedade. Saber tudo
isso, não como ferramenta dos experts para especulação ou manipulação, mas, alicerce para a consciência da
realidade, no sentimento ao lugar, no desenhar a cidade, no cuidar dos ambientes como opção consciente na
vida.

Nesse viés, acredito que muitas das ―soluções‖ apresentadas por movimentos sociais atualmente são, muitas
vezes, meramente paliativas e ingênuas, que não refletem a grandeza de tais problemas da condição humana
perante sua consciência. É preciso saber que os cenários esses reais e também virtuais são frutos da consciência
humana, são mundos de representações onde os seres humanos mediante suas experiências tornam objetivas e
concretas as suas vontades. É diante dos condicionamentos no/do sistema-mundo (análise institucional) que irei
permear para uma análise existencial das causas dos atos do homem e que são realizadas e justificadas pelas
suas necessidades.

Além disso, estou consciente que sou parte conjuntiva dessas relações e que precisarei muitas vezes tomar
distâncias e voltar novamente, para construir uma reflexão epistemológica; ficamos muitas vezes numa visão de
sobrevoo da realidade, que quase sempre induz ações paliativas que colaboram para a manutenção deste sistema
falido. Propositalmente, repetimos formas errôneas de objetivar nossas ações sobre o espaço, o que, conforme
Marcelo Lopes de Souza (2011) justifica-se como ―fetichismo espacial‖, a falta de consciência dos
condicionamentos e o uso dessa fragilidade por uma pequena parcela de experts. Assim, diante da minha
formação como geógrafo e do meu caminho como geógrafo existencialista, proponho, mediante o tema que já
mencionei: ―Geografias Invisíveis‖, uma velha (que de algum modo, resgate algo perdido no passado) OU nova
perspectiva geográfica que aporte elementos para uma análise da condição humana e suas potencialidades (os
seres humanos não podem dar o melhor de si sem estarem livres, felizes mediante sua ―potência de agir‖). É
necessário dar uma pincelada do que acredito quando exponho minha proposta a cerca do tema Geografias
Invisíveis. Creio que esta reflete uma tentativa de compreensão dos processos que geram tensões e conflitos
proporcionando injustiça social dentro do modelo de desenhar e do modelo de viver na cidade. Portanto, o
momento da tese é visualizar ações, formas dentro da consciência da realidade que sejam mecanismos de
transformação do homem atual em um ser, que seja potencia de si, para tanto, o ―Movimento dos novos rurais‖
será o foco da pesquisa-ação.

O contraponto lançado pelo caráter invisível é a relação da existência nos projetos individuais e coletivos, nos
quais a cidade e o campo fazem parte de suas manifestações; é um processo de reflexão que visa reconstruir os
acontecimentos no tempo sem mascarar as tensões sociais. Aqui entram os induzimentos e endeusamentos que

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descartam a lógica existencial do ―E...E...E...‖ que é a chave para um novo paradigma existencial. Portanto, é
justamente essa oposição subjetiva/ objetiva que impede que a sociedade moderna interprete diferentemente a
sua realidade, a sua existência.

Referencial teórico prévio

Para estudar e compreender a indissociabilidade entre a teoria e a pratica, ideal e real, estudarei a
Potencialização da Consciência da realidade e os Novos Rurais como movimento representativo de uma
consciência da realidade em Portugal e no Brasil. Dentro do referencial teórico que dará suporte para o estudo,
destaque especial será dado aos autores filósofos que conceituam os conjuntos das representações objetivas e
concretas determinadas pelas necessidades do homem no espaço, a auto construção de si é o caminho da
potencialidade.

A fim de dar clareza a esses questionamentos, focalizo meus estudos em um filósofo (demiurgo) brasileiro,
Álvaro Vieira Pinto, que idealizou o instituto superior de estudos brasileiros (ISEB). Para o autor, a atual fase
apresenta o nível de consciência no processo da realidade, o qual serve não só para uma interpretação, como
instrumento de discussão dos problemas gerais da consciência da realidade, mas o caso especial da realidade
histórica e política construída pela sociedade brasileira. Este fato não condiz com a ideia de sociedade abstrata,
mas sim uma sociedade numa realidade concreta. Sua gênese dá-se num espaço físico e político, pela existência
do território contraditório e combinado, dos seus recursos materiais e naturais, junto com as transformações que
constituem o fundamento de suas estruturas sociais, e pelas suas atitudes que assume perante relações com
outras entidades da mesma natureza. Por estes meios, é fator de especificidade da realidade rever a nossa
gênese e função dentro de cada setor da realidade, seja ela qual for a sua instância, sendo ela coletiva ou
individual.

Segundo o filósofo Álvaro Vieira Pinto, para falar de uma sociedade em geral, é importante referir à
subjetividade individual, resolvê-la na multidão das pessoas que a compõem e examinar de que modo e por
quais mecanismos se organizam as modalidades coletivas do pensar. Para o filósofo Álvaro Vieira Pinto, é na
multiplicidade de consciências, nas suas modalidades de consciências, que afirma existir a consciência ingênua
e crítica. Sendo que, a ―consciência é sempre um conjunto de representações, ideias, conceitos, organizados em
estruturas suficientemente caracterizadas para se distinguirem tipos e modalidades‖ (PINTO, 1960, p.20). Sob
estas modalidades é preciso distinguir entre conteúdos da consciência e conteúdos da percepção, por ela própria
do condicionamento desses conteúdos, os quais poderão apresentar graus variáveis de claridade na
representação dos seus conteúdos.

O filósofo Nietzsche ((1983),(2011)) discorre sobre a falta de sentido da vida, através do sofrimento, pelos
homens, a qual é mediada por uma força irracional, e resulta em uma vontade mascarada de concepções

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ideológicas. Para o autor, o mundo é uma realidade só e concreta, e seus valores não são divinos ou
transcendentes, mas frutos da própria ―vontade de poder‖ dos homens. Nietzsche desafia-nos a reavaliarmos os
valores morais da humanidade; para ele, a grande vontade de poder não é somente a essência humana, mas uma
―necessidade humana‖. O autor trabalha sobre duas perspectivas: a primeira diz respeito às forças do universo,
sendo essas determinadas e não infinitas; a segunda, o tempo é infinito, pois houve antes desse tempo uma
infinidade de tempos. Para o autor, o mundo é belo e feio, cruel e generoso, um conjunto de forças sem
princípios, sem fim, onde o singular e o plural vivem um eterno retorno, uma eterna contradição de caminhos
de criação e destruição que lutam entre si e para si. O mundo da ―vontade de potência‖ é os indivíduos e nada,
além disso. Essa vontade não tem um principio de criação, de condição especial, mas é fruto da necessidade de
agir, existir perante a realidade das coisas.

Já os Novos Rurais é o nome criado para designar uma nova classe de pessoas que, tendo nascido na cidade,
optam por viver no campo. Geralmente são amantes do campo. Tendem a aproveitar o melhor de ambos os
mundos e ―levam‖ algum do conforto que têm na cidade para o campo. É um movimento social que busca uma
fuga OU uma ―vontade de agir‖, esta da cidade para o campo. É um grupo motivado por aspectos
compartilhados, com ideação e reflexão que através da abertura de novos mercados e ajuda do Estado,
aventuram-se em novos rumos. O respeito ao tradicional, aos comportamentos clássicos do mundo rural, mas
acompanhado de inovações informacionais e tecnológicas, viabilizam uma harmonia entre homem e natureza,
viabilizam um ―viver feliz no campo‖. Os Movimentos Novos Rurais é um dispositivo que teve origem na
Europa, mais precisamente em Portugal, mas já existem alguns projetos de expansão dessas ideias para o Brasil.

Metodologia

À medida que o mundo é um sistema de comportamentos, e são esses que mantêm a fluidez do sistema,
evidencia-se também que os mesmos acabam por não resolver os problemas do indivíduo, não os ensinando as
formas de como gerir um novo rumo. Desta forma, propõe-se um estudo sistêmico de obras de filósofos
existencialistas (―Schopenhauer‖, ―Leibniz‖, ―Spinoza‖, ―Nietzsche‖, ―Heidegger‖ e ―Álvaro Vieira Pinto‖etc.),
sendo feito, num primeiro momento, uma análise exploratória de conceitos, através de revisão bibliográfica,
que darão suporte para a consciência da realidade, num esforço de compreensão dessa consciência, passo
fundamental para um novo devir concreto no espaço.

Num segundo momento, será dado suporte teórico ao conceito ―Geografias Invisíveis‖ consolidando-o como
conceito filtrador da realidade. Antes de discutir qual modelo de desenvolvimento o Brasil vive nos dias atuais,
é preciso, segundo o filósofo Brasileiro Álvaro Vieira Pinto, refletir qual homem temos hoje para esse
desenvolvimento (ético, político), e qual homem desejamos formar para o futuro dessa nação, viabilizando
dessa maneira um projeto de existência coletiva. O estudo a cerca da consciência da realidade buscará por
aplicações, práticas e conceitos fomentadores para o momento da tese. A tese deverá trazer ideias, soluções e
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processos inovadores para o discurso das Geografias Invisíveis, da consciência das realidades e prever quais são
os dispositivos e motivações que levam pessoas a praticarem o diferente.

Posteriormente, o movimento ―Novos Rurais‖ será explorado, diante das experiências em Portugal mediante
uma pesquisa-ação, com propósito de pesquisa de campo nos locais envolvidos no processo, realizando
entrevistas e observações de vivencias dos envolvidos no processo. É nesse momento, que uma analise dos
caminhos que os ―Novos Rurais‖ estão fazendo no Brasil, suas formas e limites e as comparações que podem
ser feitas com Portugal, país de origem do movimento, ganhará relevância dentro da pesquisa. Para tal, um
estudo exploratório das realidades de Portugal e Brasil perante os Novos Rurais será construído, precisando de
estudo de realidade nos locais de gênese e insurgência.

Assim, a tese se consolidará em um caminho teórico e prático, resultando em uma pesquisa-ação que
movimente um algo novo, uma práxis social diante dos caminhos perquiridos no momento da tese. Pretende-se
com isso, evidenciar como o movimento dos Novos Rurais pode auxiliar para um novo devir na consciência da
realidade.

Bibliografia

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INVISIBILIDADE E RESISTÊNCIA NO PROCESSO DE INSTALAÇÃO DE UMA
MINERADORA EM SÃO JOSÉ DO NORTE - RS: UM ESTUDO ETNOGRÁFICO
SOBRE A CONSTRUÇÃO DE UM CONFLITO AMBIENTAL
Raizza da Costa Lopes58
Gianpaolo Knoller Adomilli59
Resumo
Este trabalho aborda a construção de situações de conflitos relacionados ao processo de licenciamento
ambiental de grandes projetos de desenvolvimento e seus entrelaçamentos com a Educação Ambiental.
Tratamos do projeto minerário em São José do Norte – RS, Brasil. Baseados em um estudo etnográfico,
propomos um mapeamento dos atores sociais envolvidos nas controvérsias sobre a implantação do projeto de
mineração, seus interesses e discursos ambientais. Assim, realizamos análise de uma das etapas do processo de
licenciamento ambiental, as audiências públicas, e seus desdobramentos em outros eventos organizados pela
prefeitura local. Portanto, indagamos quais são as estratégias e processos de tentativa de implantação da
mineradora neste caso, bem como, a possível mobilização destes outros atores sociais que se opõe ou não a esta
iniciativa mineraria. Enfocamos as vozes dos agricultores e pescadores frequentemente invisibilizados, mas que
vêm se mobilizando e apresentam estratégias de resistência ao projeto minerário.
Palavras-chave: Audiência Pública; Conflitos Socioambientais; Mineração

Introdução
Este trabalho objetiva apresentar e levantar algumas questões acerca do processo construção de um
conflito ambiental em torno da implantação de um projeto de mineração no município de São José do Norte –
RS. Para isto, foi realizado um estudo etnográfico60, no acompanhamento de duas audiências públicas61 (APs),
que são parte do processo de licenciamento ambiental (LA) de grandes empreendimentos. As APs foram palco
de discussão em torno da implantação do projeto minerário em questão,bem como outros encontros que se
sucederam com atores sociais envolvidos neste processo.
Inicialmente será apresentado um panorama geral sobre o tema para, em seguida, apresentar a
construção da problemática no local a partir das controvérsias presentes durante as Audiências e o mapeamento
dos atores sociais envolvidos no processo.Por fim, busca-se proceder ao questionamento do papel da Educação
Ambienta nos problemas ambientais, tais como o processo de licenciamento ambiental de grandes
empreendimentos. Para tanto, abordamos aqui o caso específico que se encontra em andamento para a
implantação de uma mineradora na cidade de São José do Norte (SJN).
Nesta medida, torna-se indispensável trazer algumas noções que abarquem as lentes e o lugar que
utilizamos e nos encontramos. Em outras palavras, é necessário compreender quais são os processos que
movem a instalação de grandes empreendimentos, bem como as consequências destas ações.Por outro lado,

58
Mestranda no programa de pós-graduação em Educação Ambiental – PPGEA –FURG. Bolsista CAPES. rahvallo@hotmail.com
59
Professor no PPGEA- FURG. giansatolep@gmail.com
60
O presente estudo foi realizado através do acompanhamento das duas audiências públicas referentes ao Projeto Retiro. A etnografia
aqui apresentada foi feita através de observação participante e interlocuções com os grupos. Este estudo faz parte de uma dissertação
de mestrado que encontra-se em andamento.
61
Outros trabalhos que envolveram etnografias de audiências públicas já foram descritos. Ver também o livro: ―Pescadores do
petróleo Políticas ambientais e conflitos territoriais na Bacia de Campos, RJ‖ de Deborah Bronz.
123
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destacar como os movimentos sociais se organizam em um processo de resistência aos interesses que
frequentemente os invisibilizam.

Desenvolvimento e Conflitos Socioambientais


Nas últimas duas décadas, sob a perpetuação do substrato neoliberalista através do desenvolvimentismo,
observa-se um acentuado crescimento dos conflitos socioambientais, fruto do uso e apropriação desiguais dos
bens naturais a serviço deste modelo. Neste contexto, é possível avaliar a partir de inúmeros exemplos
concretos62, que os percursos políticos adotados para tomadas de decisão em territórios especulados por grandes
empreendimentos, não objetivam melhores condições para que as populações detentoras da menor parcela das
beneficies ambientais possuam autonomia para decidir sobre o presente e o futuro do território no qual são
pertencentes. Ao contrário, existe uma gama de mecanismos para que os grupos hegemônicos se consolidem,
dentre estes podemos destacar a burocracia e a tecnocracia do processo de licenciamento ambiental.
Segundo Taks (2013) em estudos realizados na America do Sul existe uma diminuição dos bens naturais
comuns que é anterior às décadas de 1980 e1990, entretanto nos últimos trinta anos há um processo de
aceleramento da separação das comunidades (indígenas,campesinos, trabalhadores) da possessão e controle dos
ambientes onde vivem. Estes ambientes passam a ser gerenciados por corporações motivadas pelo lucro e poder
político,causando concentração de riqueza, deslocamento da população e degradação ambiental. O autor ainda
sugere que os conflitos socioambientais não podem ser definidos de maneira unânime, mas que refletem
posturas políticas epistemológicas e até mesmo ontológicas por quem às propõem.A partir de um ponto de vista
antropológico, o conflito não se restringe a embates políticos e econômicos, mas incorpora também elementos
cosmológicos,rituais, identitários e morais (LITTLE, 2006).

―Conflitos ambientais são, aqueles envolvendo grupos sociais com modo diferenciados de
apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando ao menos um dos grupos tem a
continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçadas por impactos
indesejáveis – transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos decorrente do exercício das praticas
de outros grupos‖ (Acselrad, 2004, p.16).

Acselrad (2010) Acrescenta que ao longo dos anos 1990 desenvolveu-se por parte de analistas e atores
sociais um processo de substituição do ―ambientalismo contestatário‖, por um ―ecologismo de resultados‖
pragmático e tecnicista. O Autor relata uma neutralização das lutas ambientais por parte de organismos
multilaterais, empresas poluidoras e governos, um esforço bem-sucedido junto ao que chamam de ―ecologismo
desenraizado‖ desprovido de vínculos com movimentos sociais. Este processo de substituição do projeto
contestatório por atuações técnico-cientificas estão apoiadas por discursos de localismo e à utilização de
tecnologias de formação de consenso por parte desses atores sociais aos quais nos referimos como livres de
responsabilidade social.

62
Ver, por exemplo: Conflitos Ambientais e Urbanos Casos do Extremo Sul do Brasil (Machado et al., 2015).
124
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Deste modo, a participação das populações nas decisões de implantação de empreendimentos é cada vez
menor, consequência da burocracia e tecnocracia estabelecida pelos órgãos gestores, grandes empresas e
proprietários de grandes lotes. Entretanto essas práticas não aparecem de maneira clara, pois, ao mesmo tempo
em que estas grandes corporações desenvolvem atividades que geram danos socioambientais, também agem
através do discurso de ―sustentabilidade‖ e ―educação ambiental‖, quando frequentemente, trata-se deformação
de consenso.

Ainda no contexto brasileiro, o processo de modernização vem sendo direcionado para a exportação de
commodities, e tem como consequência a multiplicação dos impactos e dos conflitos sociais envolvendo a
resistência à carga de danos imputada às populações consideradas de menor renda e também aos grupos étnicos.
Destacam-se aí estudos de Zhouri e Laschefsk (2010) no estado de Minas Gerais, que demonstram como vem
ocorrendo conflitos ambientais decorrentes dessas políticas de modernização.

Os autores ainda argumentam com exemplos ocorridos no estado mineiro, que demonstram que a
expansão da atividade minerária está diretamente relacionada com as exigências de incremento na demanda por
energia.Assim, afirmam que a multiplicação dos conflitos ambientais decorre de processos como a
consolidação do país como exportador de espaço ambiental, ampliando as tensões sociais no campo e na cidade.

Assim, a instalação de grandes empresas pode ocasionar uso indevido dos recursos naturais,gerando a
poluição de áreas que são residenciais e eventualmente até a remoção dos moradores. O choque de interesses
entre diferentes atores sociais, como as populações tradicionais e mega empreendedores, tem por consequência
conflitos socioambientais. A seguir, trazemos um breve esboço sobre os impactos ocorridos em países da
América do Sul em consequência da atividade minerária.

Panorama da atividade minerária em países da América do Sul


Países como a Argentina, Bolívia, Chile e Peru possuem grandes reservas minerais e uma longa tradição
de explotação63 de minérios. Entretanto, a atual conjuntura do mercado internacional gerou também um
aumento de investimento minerário nesses países. O fato das operações de extração mineral ser realizadas a céu
aberto em grande escala gera impactos socioambientais.

Podemos destacar exemplos no Peru e na Argentina – em especial, a contaminação da água, os impactos


sobre a terra e os deslocamentos compulsórios – os conflitos em áreas de mineração levaram à emergência de
mobilizações coletivas na forma de movimentos sociais identificados como anti mineração, denominados de

63
Termo designado para mencionar a extração dos recursos naturais.

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Confederación Nacional de Comunidades del Perú Afectadas por La Minería (Conacami) e o movimento No a
La Mina - Encontros delas Comunidades Afectadas por La Minería de la Argentina64.

Baccheta e Segura (2013) em estudos realizados no Uruguai, acrescentam que os impactos sociais e
ambientais geraram fortes movimentos populares de resistência. Na medida em que o modelo extrativista
avançou as comunidades se viram na obrigação de defender sua sustentabilidade social e ambiental. Os
governos, empresas e até mesmo ONG‘s não contemplavam suas necessidades, tampouco compreendiam o
valor de sua participação.

O Brasil, assim como estes outros países da América Latina, possui regiões com grande abundancia de
minerais, onde a extração de minérios do nosso solo é uma das atividades mais antigas, desde os primórdios de
sua colonização. Se inicialmente os primeiros garimpos foram feitos nos estados de São Paulo, Minas Gerais,
Goiás e Mato Grosso, posteriormente esta prática foi se disseminando pelo restante do país.

A mineração em São José do Norte: O lugar65 como lócus de resistência

A cidade de São José do Norte está localizada a aproximadamente 372 quilômetros ao sul da capital do
Rio Grande do Sul, faz parte de uma península situada entre o oceano Atlântico e a Lagoa dos Patos. A
população local estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), no censo realizado em
2010, é de cerca de 25 mil habitantes. A economia de SJN está apoiada na pesca e na agricultura, tendo a
cebola, o arroz e as florestas de pinus, como as principais produções agrícolas, e o camarão, como o principal
recurso pesqueiro.
Desde os anos de 1970 o município vem sendo alvo de estudos exploratórios no contexto minerário,
entretanto, em meados de 1990 a primeira tentativa de instalação do empreendimento foi recusada, em função
de vários fatores, tais como o potencial poluidor dos produtos da atividade mineraria. Em 2011 novas tentativas
foram feitas, o atual Projeto Retiro comprou os direitos minerários, bem como as amostras e dados de pesquisa
da Rio Tinto (2007) e da Paranapanema (2010). Em 2011 a Rio Grande Mineração- RGM, através de
consultorias retomou os estudos em SJN e em 2014 o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) foi aceito pelo
IBAMA e as audiências públicas (APs) foram realizadas.

Segundo o Relatório de Impacto Ambiental –RIMA66, o projeto Atlântico Sul, da empresa Rio Grande
Mineração (RGM), pretende produzir Ilmenitas, zircão e rutilo, que poderá suprir toda a demanda de zircão

64
Além dos exemplos citados neste trabalho, outros podem ser acessados através de: Conflictos Mineros de América Latina
(OCMAL) http://www.conflictosmineros.net/
65
No presente estudo abordamos a categoria lugar como sugere Marandola Jr. (2014 p. 230). Segundo o autor, o lugar é o fundador da
nossa experiência contemporânea, independente das transformações socioespaciais. Longe de ser estático, ele é dinâmico, assim como
a essência do ser que é igualmente viva.
66
Para maiores informações acesse o RIMA pelo site: http://www.rgminer.com.br/wp-content/uploads/2014/09/rgm-2014-07-03-
BAIXA.pdf
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existente no país, além de produzir material excedente para a exportação. O objetivo do empreendimento é
produzir anualmente 400 mil toneladas de ilmenita, 50 mil toneladas de zircão e 20 mil toneladas de rutilo,
quando a mina estiver em seu pico de atividade.

Entretanto, é necessário ressaltar que este projeto visa atender os interesses do sistema de produção ao
qual pertence, através de uma lógica desenvolvimentista e globalizada, onde frequentemente são consideradas
as demandas globais, ou do espaço, em detrimento das demandas locais. Justifico esta afirmativa utilizando o
parágrafo acima onde diz que ―o projeto Atlântico Sul, [...] pretende produzir Ilmenitas, zircão e rutilo, que
poderá suprir toda a demanda de zircão existente no país, além de produzir material excedente para a
exportação‖. De outra forma, nada é dito sobre as necessidades locais de se produzir minérios.

A demanda por minerais, e consequentemente o êxito na instalação de mineradoras no território


brasileiro está relacionada com a modernização ecológica67, que em última instância preza pelo crescimento
econômico.Este fato vem sendo discutido por muitos autores, inclusive por Zhouri e Laschefski (2010) e Zhouri
e Samora (2013), que através de exemplos ocorridos em Minas Gerais, destacam que as décadas de 1970 e 1980
foram especialmente marcantes no que se refere ao colapso do esforço desenvolvimentista da modernização
recuperadora mineira. Neste cenário onde a exportação de commodities foi necessária para o pagamento de
dívidas públicas, tivemos como consequência a mercantilização de territórios. A exemplo disso destacam-se a
expansão de monoculturas como a do eucalipto; a construção de hidrelétricas e a atividade minerária.

Dito de outra forma, a modernização ecológica, nas roupagens com as quais se apresenta, tais como a
exportação de commodities, tem interesses bem definidos, prezando em última análise pelo crescimento da
economia. Entretanto, cabe destacar que se por um lado a economia apresenta um saldo positivo, estas práticas
geram consequências negativas que frequentemente recaem sobre minorias étnicas e população com menor
poder aquisitivo.

As mobilizações sociais em oposição à este processo, demonstram como alguns grupos em situação de
invisibilidade e de fragilidade ambiental se organizam a fim de resistir e se tornarem visíveis frente aos
interesses da industria e do mercado. Em outras palavras, as mobilizações sociais caminham na contramão da
lógica do capital, não necessariamente por serem contra o desenvolvimento ou o crescimento econômico, mas
precisam defender suas maneiras de ser e estar com e no território, que neste caso podemos chamar de lugar,
visto que é onde os mesmos experienciam e se transformam.

67
A noção de ―modernização ecológica‖, segundo Blowers, designa o processo pelo qual as instituições políticas internalizam
preocupações ecológicas no propósito de conciliar o crescimento econômico com a resolução dos problemas ambientais, dando-se
ênfase à adaptação tecnológica, à celebração da economia de mercado, à crença na colaboração e no consenso, cf. A. Blowers,
―Environmental Policy: Ecological Modernization or the Risk Society‖, in Urban Studies, vol. 34, n.5-6, p.845-871, 1997
(BLOWERS, 1997 apud ACSELRAD, 2002).
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Audiências Públicas e a construção dos conflitos: As controvérsias e mapeamento dos atores sociais em
torno do projeto de mineração em SJN

Assim, os diferentes interesses, olhares, formas de uso e apropriação dos territórios, pelos diferentes
grupos sociais explicitam o conflito, abrindo a perspectiva de reconhecimento de outras vozes, nas tensões e
articulações que se desdobram a partir das controvérsias apresentadas pelos grupos em questão, na tentativa
deste estudo em mapear e buscar interpretar as argumentações utilizadas na construção do problema
ambiental.Deste modo, apresentamos aqui as controvérsias que destacamos nas AP‘s referentes ao processo de
licenciamento ambiental do Projeto Retiro. As audiências ocorreram nos dias 3 e 4 de dezembro de 2014, nas
cidades de Rio Grande e São José do Norte, respectivamente.

No primeiro dia, compareceram a audiência cerca de 15068 pessoas. A plenária estava composta, em sua
maioria, por membros do processo de licenciamento ambiental: trabalhadores vinculados à RGM,
representantes do Ministério Público Federal - MPF, autoridades locais69, ambientalistas, estudantes e
professores da universidade local – FURG, representantes de outros grandes empreendimentos70 que avistam a
possibilidade de serem negativamente impactados pelo Projeto Retiro, que os caracterizaram como ―Projetos
Colocalizados71‖.
Seguindo os ritos previstos no regulamento, Jônatas Trindade- coordenador do IBAMA e presidente da
mesa chamou os demais componentes, dentre eles estava Luiz Bizzi – Presidente da RGM, Roberto Takashi –
Coordenador geral do Projeto e Anelise Becker- Procuradora da República e representante do MPF. A
procuradora trazia consigo um documento que recebeu de alguns representantes da Ordem dos Advogados do
Brasil – OAB de São José do Norte. Tratava-se de uma compilação das preocupações dos munícipes com
relação ao Projeto Retiro.
―A primeira preocupação se referia a possível incompatibilidade entre os projetos de mineração e do parque eólico. Posteriormente,
relatou que outra dúvida se dava com relação às indenizações para os arrendatários da área de impacto do projeto, que não estava nada
claro. Sua fala neste momento passava para as preocupações do MPF sobre a efetividade do EIA/RIMA, relembrou aos presentes e
advertiu aos empreendedores que o antigo projeto bujuru da Paranapanema tinha sido ineficaz, e portanto não tivemos mineração na
região.Dentre os outros pontos levantados, Anelise questionou quanto à sinergia72entre o estaleiro-EBR, Projeto Retiro e Projeto do
Parque Eólico. Três grandes empreendimentos em uma pequena cidade que apresenta diversas fragilidades, que vão além das
ambientais. Já finalizando sua fala, questionou quais seriam as medidas mitigatórias antecipatórias que seriam propostas pela RGM
para prevenir o nascedouro de certos impactos (Diário de campo, Dezembro de 2014).‖

68
Este número que apresento foi ao que eu e outros participantes acreditamos oter, uma estimativa exata foi solicitada ao IBAMA.
69
O atual prefeito de Rio Grande Alexandre Lindenmeyer, e o Vice-prefeito de São José do Norte Francisco Elifalete Xavier e
vereadores de ambos os municípios.
70
Compareceram ao evento agricultores plantadores de Pinus ligados à FLOPAL (Florestadora Palmares
https://www.infoplex.com.br/perfil/92980333000495), representante do projeto de Parque Eólico Ventos do Atlântico
(https://www.infoplex.com.br/perfil/15203303000189). É possível acessar mais informações sobre os empreendimentos em São José
do Norte pelo site: http://www.portalabeeolica.org.br/index.php/noticias/1587s%C3%A3ojos%C3%A9donorteaguardanovos-
empreendimentos.html
71
Link do RIMA do Projeto Retiro (http://www.rgminer.com.br/wp-content/uploads/2014/09/rgm-2014- 07-03-BAIXA.pdf) onde é
possível encontrar na página 17 os projetos que encontram-se em curso.
72
No pronunciamento do Vice-prefeiro de São José do Norte ele utilizou o mesmo termo, demonstrando um tom favorável ao
empreendimento.
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No salão havia muitas cadeiras vazias, o que pode ser entendido como uma dificuldade por parte dos
―nortenses73‖ de chegar até Rio Grande, pois o transporte é somente hidroviário e a última balsa parte à meia-
noite. Além disso, os moradores da região do Retiro, onde ocorrerão os maiores impactos, ainda estão distantes
da cidade, onde se encontra a hidroviária.
―Durante as exposições oficiais Jônatas Trindade, o presidente da mesa, iniciou as apresentações falando sobre as competências do
IBAMA, em seguida o Presidente da RGM deu continuidade apresentando um vídeo 74 que contava a história de São José do Norte. As
cenas e a linguagem mexiam com as emoções dos presentes, pois falava de importantes fatos históricos, como a expulsão dos
espanhóis (1767) e também a resistência aos farroupilhas (Diário de Campo, Dezembro de 2014).‖

Ao falar em ―homenagem e amor‖ pela Muy heróica vila75 os empreendedores suavizam os ânimos
daqueles que se encontravam mais exaltados, e com isso acrescentam que ―novidades‖ estão vindo para a
cidade. Se antes se vivia de pecuária e da plantação de cebola, os novos tempos trazem o estaleiro, a mineração
e o parque eólico. A exposição não deixou lugar para expor os impactos gerados pelos empreendimentos que
trazem o ―progresso‖.
Por sua vez, a palavra foi dada ao coordenador geral do empreendimento, que durante aproximadamente
40 minutos expôs o conteúdo do EIA/RIMA com termos tão técnicos que muitas vezes era praticamente
impossível entender do que se tratava, fato que se pôde perceber através uma das perguntas feitas pela plenária:
―[...] Esta minha pergunta vai direto ao senhor Roberto, que na sua exposição falou muito dos aspectos biofísicos e com uma
linguagem até bem técnica, mas como estamos em uma audiência pública, e os aspectos socioeconômicos foram passados muito
rapidamente, sugiro como tema de casa, que amanhã se dê uma atenção maior para os aspectos socioeconômicos. Por que se continuar
tendo 37 minutos sobre as dimensões biofísicas e 3 minutos sobre os aspectos socioeconômicos, eu posso supor que, ou a equipe não
domina o assunto, ou tem algo que se aparecer não vai ficar bem visto‖ (Diário de Campo, dezembro de 2014).

Algumas inscrições demonstravam as incoerências contidas nos discursos e estudos do


empreendimento. Uma das perguntas feita pela plenária demonstra bem este fato, além de que nos convida a
questionar o quão confiáveis são os estudos feitos pelas empresas de consultoria ambiental. É importante frisar
que esta questão partiu de um dos plantadores de pinus do local, que durante a sua fala e em outros momentos,
deixou clara sua preocupação com a possibilidade do projeto minerário prejudicar suas plantações. Além de
expor um dos erros contidos no RIMA, mais precisamente na página 45, e colocar em questão aquilo que é
inquestionável, ou seja, o saber técnico e científico presente nestes estudos, também demonstra a preocupação
de um grupo específico, que são os plantadores de pinus.
―[...] Na página 45, quando afirma que a cultura perene em São José do Norte é a banana. A cultura perene em Rio Grande é a uva.
Corrija-me se estiver errado. No aspecto econômico a silvicultura começou a fazer efeito há aproximadamente 10 anos, quando não é
verdade, a silvicultura é empregada há mais de 40 anos em São José do Norte. Portanto a pergunta: Qual a metodologia utilizada para
chegar nesses resultados e se eu devo dar credibilidade a este estudo?‖ (Diário de Campo, dezembro de 2014).

As outras perguntas feitas pela plenária tratavam de assuntos variados,dentreos quais fizemos um
esforço de tentar categorizá-los da seguinte forma: (a) impactos do solo e da água, (b) medidas mitigatórias e de

73
Maneira como são chamados aqueles que são nascidos ou vivem em São José do Norte
74
Link de acesso ao vídeo utilizado na apresentação: http://www.rgminer.com.br/videos/
75
Maneira como é chamado o município de São José do Norte por ter sido palco de grandes batalhas, como a expulsão dos espanhóis
em 1767. Tal nome remete a um passado glorioso, onde a imagem de heroísmo se opõe a imagem do presente do município, marcada
por uma economia estagnada e certo bucolismo nos modos de vida.
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compensação/ Política de investimentos em projetos sociais e ambientais (c) compensação aos agricultores e
pescadores, (d) valor de arrendamento das terras (e) consequências na plantação de pinus (f) efetividade do
EIA/RIMA (g) geração de empregos (h) inchaço populacional (i) problemas de saúde/segurança/moradia.
Na AP Em São José do Norte o cenário foi diferente, houve maior participação de moradores locais e
grupos organizados, formados majoritariamente por pessoas da região. Logo na entrada nos deparamos com
grupos já mobilizados, utilizando cartazes e camisetas expondo suas posições com relação ao projeto. O clube
estava lotado, as cadeiras estavam todas ocupadas e haviam pessoas sentadas nas laterais, desta vez foram
fretados ônibus para trazer os moradores vindos do Retiro, estimamos cerca de 500 pessoas presentes.
Algumas manifestações ocorridas nesta Audiência foram bastante marcantes no que se refere à
organização dos grupos. Alguns grupos utilizam camisetas que traziam dizeres contra a mineração, outros
levaram documentos redigidos anteriormente demonstrando a não aceitação do projeto minerário. Um dos
moradores do Retiro -região mais fortemente impactada no caso do empreendimento ocorrer- com quem tive
oportunidade de trocar algumas palavras, levou consigo um abaixo assinado dos moradores da região, que se
mostravam contrários ao empreendimento. Na mesma noite o documento foi parar nas mãos dos representantes
do MPF. O morador explicava que por dinheiro nenhum, ele e seus vizinhos, queriam a mineradora atuando
pelos lados de lá.
Nesta AP, ao contrário da outra ocorrida em Rio Grande, foi possível ouvir pescadores, agricultores do
local. As falas dos mesmos deixavam claras suas opiniões contrárias ao empreendimento. Entretanto, os ritos
das audiências limitavam muitas manifestações, pois todos deviam obedecer a tempo de fala e de reposta.
As discussões e mobilizações das Audiências Públicas se desdobraram em outros eventos76 locais, tais
como o Fórum de Comunidades Tradicionais, organizado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, dentro
da programação do chamado Junho Ambiental.Neste encontro foi possível ouvir mais atentamente as razões
pelas quais os grupos locais se posicionam contra o empreendimento minerário. Falaram neste evento,
representantes do grupo de agroecologia da região, presidentes de associações, tais como a de pescadores, além
de pesquisadores da FURG, e autoridades locais como o vice-prefeito.
Na tentativa de buscar incorporar estes diferentes olhares foi possível perceber inicialmente a maneira
como os interesses econômicos frequentemente se destacam em relação aos grupos sociais. Entretanto, para
além desta relação com a economia, destacamos as habilidades de perceber valores mais sutis referentes às
cosmologias destes grupos, maneiras de ser e estar com e no território. Isto tornou-se mais perceptível no
aprofundamento dos contatos e das observações de campo, proporcionada pelo encontro organizado pela
Secretaria Municipal do Meio Ambiente de SJN, pois ali foi possível ouvir mais sobre as demandas, as
articulações e reivindicações dos moradores locais, majoritariamente agricultores e pescadores.

76
Outras notícias referentes a este evento encontram-se disponíveis em: http://ongcea.eco.br/?p=41857
130
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Entrelaçamentos com a Educação Ambiental
Ao assumirmos que os conflitos gerados pela instalação de grandes empreendimentos frequentemente se
explicam pelo fato de que os interesses econômicos são priorizados em detrimento dos interesses sociais, torna-
se necessário questionar o papel da EA nestes contextos. Desta forma, falar de Educação Ambiental é falar de
um lugar, de um ponto de vista. Layrargues (2009) explica que não é possível falar de EA de modo genérico,
pois desta forma corremos o risco de nos limitar ao caráter moralista que se ocupa mais dos modos de fazê-la.
Porém, em 2012 o mesmo autor fala da crise de identidade que a Educação Ambiental brasileira passa, que do
seu ponto de vista são decorrentes de dois processos:
"Primeiro, na contradição entre teoria e prática que se verifica em diversas expressões concretas da
vivência pedagógica da Educação Ambiental, contradição essa que separa os princípios e diretrizes
internacionalmente consolidadas como corpo teórico conceitual e metodológico definidor do pensar e
fazer a Educação Ambiental (Loureiro, 2004; Lima 2011) daquilo que realmente vem sendo
experimentada nas ações pedagógicas concretas, contradição essa que continuamente afasta sua práxis
da radicalidade da crítica anticapitalista; segundo, na dificuldade de se superar o pensamento e ação
pragmática atualmente hegemônica na Educação Ambiental, em especial na sua dimensão Informal,
vivenciada nos meios de comunicação midiáticos em geral (LAYRARGUES, 2012 p. 398).‖

Desta forma, este trabalho apresenta os conflitos socioambientais como centro da discussão, mas não
necessariamente filia-se ao que se concebe como Educação Ambiental Crítica, ou outra macrotendência. O
presente estudo traz consigo a necessidade de se considerar um ―olhar antropológico‖ ao que tem sido feito e
discutido sobre Educação Ambiental. Assim, não se encerra aqui o que se compreende como papel da EA, ao
contrário, se abre para pensar o quê tem sido proposto e quais são as possíveis contribuições para o campo.
Ao exemplo disto, como indica Reigota (2001, p. 11 e 12), a Educação Ambiental deve ser
compreendida como educação política, onde esta deve orientar-se para e com a comunidade, incentivando os
indivíduos a participar ativamente da resolução dos problemas nos seus contextos e realidades específicas. Para
tanto, da perspectiva apresentada aqui, é imprescindível considerar as cosmologias dos grupos, as formas de ser
e estar com o território, assuntos que há muito tempo já tem sido discutidos pela antropologia e que são de
suma importância para se pensar a Educação Ambiental que parte das comunidades.

Considerações finais
Neste estudo, através de exemplos ocorridos no Brasil e em outros países da América do Sul apontamos
que a instalação de grandes empreendimentos gera impactos negativos aos grupos que pertencem aos territórios
explorados.Do ponto de vista que apresentado aqui, os conflitos socioambientais são resultados do choque de
interesses entre diferentes grupos que disputam o mesmo território e possuem distintas relações com o mesmo.
No caso específico de São José do Norte, observou-se através das Audiências Públicas, que os
mecanismos de convencimento estavam presentes nas falas dos interessados no projeto, destacamos a
linguagem técnica e uso de recursos como vídeos, que fala da bravura do povo nortense, e evidentemente a
exaltação dos benefícios gerados pelo projeto, sem compará-los aos impactos negativos. Por outro lado, foi
possível observar a presença de movimentos sociais, grupos diferentes que se organizaram para reivindicar seus
131
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direitos em relação ao território.A etnografia, como aporte teórico e metodológico nos ofereceu condições de
trazer este olhar com os grupos. Cabe destacar que do modo como se propõe, a etnografia não traz uma verdade
ou forma um consenso em relação ao que foi estudado, porém, nos oferece uma nova perspectiva, uma outra
janela por onde olhar.
Assim, a etnografia das Audiências Públicas e seus desdobramentos, traz contribuições para a Educação
Ambiental que partedos grupos sociais, que considera as relações sociais, a cultura e as diversas maneiras de ser
e estar com os demais e com o território. Por fim, se destaca que é necessário problematizar a hegemonia do
saber técnico e científico no processo de licenciamento ambiental de grandes empreendimentos. No que se
refere à Educação Ambiental, se destaca a necessidade de considerar os saberes e as reivindicações dos
movimentos sociais, pois de outra forma se alargarão cada vez mais as pontes que separam os grupos das
decisões sobre os territórios aos quais são pertencentes.

Referências
ACSELRAD, H. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: ACSELRAD, H (org.). Conflitos
ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; Fundação Heirich Böll, p.13-36, 2004.
ACSELRAD, H. Ambientalização das lutas sociais – o caso do movimento por justiça
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ME ENGANA QUE EU GOSTO:
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DE MARKETING DE
EMPRESAS POLUIDORAS E A ÉTICA DOS EDUCADORES AMBIENTAIS

Wagner Valente dos Passos77


Elisabeth Brandão Schmidt78

Resumo
O presente artigo realiza uma reflexão sobre as questões éticas e mercadológicas da Educação Ambiental.
Aborda as relações de contradição ética do educador ambiental e as possibilidades de transformação a partir da
formação de educadores, assim como ações junto à sociedade a luz de teóricos como Félix Guattari, Miguel
Arroyo, Sirio Velasco, Jiddu Krishnamurti, Karl Marx, Paulo Freire e Eduardo Galeano. Apresenta também
números e investimentos realizados pelas principais empresas poluidoras do Brasil, em projetos ambientais e
sociais, as quais encontram-se entre as cinquenta empresas mais poluidoras do mundo. Aponta alguns
mecanismos de manipulação e alienação como forma de criação de uma miopia social que contribui, não
apenas para manutenção do sistema hegemônico, mas também para a precarização da educação e dispersão das
lutas empunhadas pela educação ambiental.
Palavras-chave: Educação Ambiental. Ética. Marketing.

Introdução
No mês de outubro de 2015 chuvas fortes tornaram o estado do Rio Grande do Sul/Brasil um dos
lugares de maior índice pluviométrico deste período, no mundo. Tal fato foi atribuído ao fenômeno
meteorológico chamado de El Niño. O volume de águas foi tanta que enchentes ocorreram na maioria dos
bairros e vilas às margens da Laguna dos Patos. O vento Sul, que eleva o nível do mar junto à embocadura dos
Molhes da Barra do Rio Grande, localizados no município do Rio Grande/RS, impediu a saída da água para o
mar. Segundo informações da mídia, o volume de água foi tanto que demorará aproximadamente um ano para
que as águas em todo o estado do Rio Grande do Sul voltem ao seu nível normal.
A parcela da população mais atingida foram pescadores e moradores de casas construídas à beira da
laguna. Pessoas pobres, cujo esforço para reconstruir suas vidas se torna muito maior devido às dificuldades
"naturais" de suas origens na segregação racial e social.
Historicamente, os miseráveis são os que mais sofrem com todo e qualquer tipo de impacto ambiental,
natural ou não. Há 44 anos Eduardo Galeano descrevia no livro ―As Veias Abertas da América Latina‖ a atual
política de exclusão do capitalismo, a partir da necessidade de manutenção do poder dos ricos.
O sistema não previu esta pequena chateação: o que sobra é gente. E gente se reproduz, faz-se amor com
entusiasmo e sem precauções, cada vez mais, fica gente à beira do caminho, sem trabalho no campo, onde o
latifúndio reina com suas gigantescas terras ociosas, e sem trabalho na cidade, onde reinam as máquinas: o
sistema vomita homens. As missões norte-americanas esterilizam maciçamente mulheres e semeiam

77
Doutorando e mestre em Educação Ambiental. Universidade Federal do Rio Grande - FURG
w-passos@hotmail.com
78
Doutora em Educação. Universidade Federal do Rio Grande - FURG
elisabethlattes@gmail.com

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pílulas, diafragmas, DIUs, preservativos e almanaques marcados, mas colhem crianças; obstinadamente, as
crianças latino-americanas continuam nascendo, reivindicando seu direito natural de obter um lugar ao sol,
nestas terras esplêndidas, que poderiam dar a todos o que a quase todos negam. (GALEANO, 1978, p 16).

Ao mesmo tempo em que no estado do Rio Grande do Sul observamos um impacto sobre o ambiente
natural, que vem afetando muitas pessoas em várias cidades, no Mar Mediterrâneo milhares de refugiados sírios
migram diariamente para a Europa, por consequência da destruição de seu país, a partir de uma guerra iniciada
em 2011, financiada pelos Estados Unidos e o fomento do Estado Islâmico.
Este panorama atual nos coloca perante duas situações aparentemente distantes e de origens diferentes,
porém que integram um mesmo planeta, um mesmo tempo e uma mesma conjuntura econômica. Paralelo a
essas questões temos o enfraquecimento do atual grupo político que governa o Brasil e a instauração de uma
crise econômica, provocada por grandes especuladores do capital financeiro, bancos e mídia (televisão, jornais,
rádios e internet). E o fomento de uma crise ética, pelos mesmos sujeitos responsáveis pela crise econômica,
gerando não apenas violência, mas o detrimento do ser humano, a insatisfação permanente, o individualismo, a
dependência química, a depressão e o sentimento de incapacidade individual e coletiva. Vemos o conformismo
tomando conta, vidas serem ceifadas por guerras, fome e por catástrofes naturais. Um jogo midiático, que
naturaliza e nos faz aceitar como normais e necessários, tanto a guerra, a fome, quanto a exclusão social, a
discriminação racial, sexual, o assalto, o estupro, a justiça feita com as próprias mãos e principalmente, a
corrupção. Essa última, talvez, a origem de todos estes males, e para a qual, cada um se permite, em algum
nível, incorporá-la, ao deixar-se ser enganado e também enganar, por uma tentativa de satisfação individual por
meio da recompensa em dinheiro, tendo como parâmetros de qualidade de vida bens materiais, ostentação do
poder de consumo, agindo dentro da lógica de um sistema o qual, em teoria, alguns dizem combater.
A ideologia fatalista, imobilizante, que anima o discurso neoliberal anda solta no mundo. Com ares de pós-
modernidade, insiste em convencer-nos de que nada podemos contra a realidade social que, de histórica e
cultural, passa a ser ou a virar "quase natural". Frases como "a realidade é assim mesmo, que podemos
fazer?" ou "o desemprego no mundo é uma fatalidade do século" expressam bem o fatalismo desta
ideologia e sua indiscutível vontade imobilizadora. Do ponto de vista de tal ideologia, só há uma saída para
a prática educativa: adaptar o educando a esta realidade que não pode ser mudada. O de que se precisa, por
isso mesmo, é o treino técnico indispensável à adaptação do educando, à sua sobrevivência (FREIRE, 1998,
p.21)

Mas a vida continua, e nessa continuidade tapamos o Sol com a peneira, ou, simplesmente, tentamos
esquecer, tentamos viver, tentamos escapar desse desastre todo. Individualmente nos parece ser impossível
mudar o mundo, resolver os problemas da África, do Oriente Médio, o desmatamento da Amazônia, o massacre
de índios no Mato Grosso do Sul. Rouba-se o patrimônio público, tijolos da calçada, com a desculpa de que os
políticos roubam muito mais e que aqueles tijolos não farão falta a ninguém E assim o mundo cão nos devora e
agimos como canibais, devorando-nos uns aos outros, por meio da competição, porque um possui mais que o
outro, e assim seguimos desenvolvendo práticas não éticas e destrutivas. Nos permitimos a inveja e a ganância
como elementos essenciais da vida. Estamos a algumas décadas sendo educados para a nossa própria

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mercantilização; dela somos produtos. A competitividade impera perante a solidariedade. Vence o mais forte,
não importam as regras.
No âmbito da educação ambiental no Brasil, vivemos um momento bastante delicado, frágil, com a
ascensão da gestão ambiental, que faz exatamente o trabalho esperado pelas grandes empresas e utiliza-se do
termo ―educação ambiental‖ como instrumento de marketing para a democratização da culpa pelos impactos
ambientais e sociais. Vivemos infinidade de crimes ambientais impunes em todo o país e o mundo. E devido à
morosidade da justiça, ou mesmo a decisões jurídicas favoráveis aos poluidores, acabamos esquecendo ou
aceitando como naturais tantos impactos, como a lama na Praia do Cassino, no município do Rio Grande.
Outro fato que vale a pena destacar é a existência , em mais de 20 anos, de apenas um único programa
de pós-graduação em Educação Ambiental no país, sem a expansão de programas específicos neste campo do
conhecimento em outras instituições de ensino superior brasileiras . Por outro lado, são em número crescente os
projetos financeiramente valorizados em educação ambiental, produzidos por educadores ambientais,
empregados ou contratados, via empresas terceirizadas ou órgãos não-governamentais, por empresas
poluidoras, como forma de compensação ou mitigação de seus impactos. Isto tudo nos faz refletir: A quem
serve a Educação Ambiental? Por que a Educação Ambiental não se consolida, não se efetiva no ensino
fundamental e médio, e não se faz relevante no âmbito das próprias políticas educacionais do país, cujo slogan é
―pátria educadora‖?

Onde estamos?
Pablo Meira, educador ambiental da Galícia, nos traz como referência a sociedade europeia, que já
alcançou um grau de status de qualidade o qual, a princípio, também desejamos:
Ainda que possa resultar contra-intuitivo, creio que fazer uma educação ambiental comprometida com a
mudança social nas sociedade do bem-estar é mais difícil, pois representa um alerta à consciência dos
cidadãos. Um alerta de que a situação de bem-estar em que vivemos está a gerar problemas ambientais
gravíssimos no ajuste entre a espécie e a biosfera. Não é fácil dizer a alguém que vive bem, que a sua forma
de vida gera problemas e que a solução para tais problemas exige mudanças fundamentais nos modos de
vida e na forma como a sociedade se organiza e usufrui do ambiente. Isso tem relação com os modelos de
produção, com os modelos sócio-econômicos, com a concepção de sociedade e do mesmo ser humano, isto
é: trata-se de um desafio bastane complexo e à contracorrente. (PINTO e TORALES, 2008, p.60)

Algumas das primeiras conclusões que se chega ao analisar empiricamente tais fenômenos são que:
1) O modelo econômico de nosso país é regido por um sistema internacional, chamado por Guattari
(1990) de Capitalismo Mundial Integrado, no qual aceitamos nossa eterna condição de emergentes,
fornecedores de matérias primas, minerais e agrícolas. E, na possibilidade de elevarmos a qualidade
de vida da população, repassamos nosso superávit financeiro para pagamento de dívidas com
bancos, que ninguém sabe por quem e por que, foram feitas;
2) Nossa sociedade incorporou um modelo de consumo desenfreado e irracional como natural.
Abdicamos da aquisição de bens e serviços de necessidade básica para comprar um celular de custo

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elevado, ou um carro do modelo mais caro, comprometendo questões futuras da economia familiar,
mas satisfazendo nosso status e nossa existência cotidiana condicionada ao ter e não ao ser;
3) Somos diuturnamente influenciados por uma mídia, que de forma avassaladora, mesmo que
subliminar, nos induz a consumir, cada vez mais, diversas coisas desnecessárias, e não apenas
produtos, mas comportamentos. Como somos também educados a ser competitivos, se o dinheiro
não existe para alguns, a moeda de troca passa a ser a força, e assim. Consequentemente, assistimos
aos arrastões e assaltos em inúmeras cidades brasileiras.

Para corroborar, trazemos as palavras de Karl Marx:


(...) Na produção social da sua vida, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias e
independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma dada fase de
desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção constitui a
reestrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política.
O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral.
Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina
a sua consciência. Ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da
sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que não é mais que a sua
expressão jurídica, com as relações de propriedade no interior das quais se tinha movido até então. De
formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações se convertem em suas travas. E assim se
abre uma época de revolução social. (MARX, 2010, p.97)

No entanto, para que se tenha uma época de revolução social, conforme propõe Marx, é necessário que
se deseje de fato a revolução (e talvez nem todos queiram). Vivemos uma situação de caos e retrocesso, pois
sem a libertação da consciência do lado do povo, para que se perceba povo de fato, não há evolução do
pensamento crítico; apenas um jogo daqueles que querem manter seu status social e de outros que querem
entrar nele, contribuindo ainda mais para o distanciamento econômico e desigualdade social.

O grande problema está em como poderão os oprimidos, que "hospedam" o opressor em si, participar da
elaboração, como seres duplos, inautênticos, da pedagogia de sua libertação. Somente na medida em que se
descubram "hospedeiros" do opressor poderão contribuir para o partejamento de sua pedagogia libertadora.
Enquanto vivam a dualidade na qual ser é parecer e parecer é parecer com o opressor, é impossível fazê-lo.
A pedagogia do oprimido, que não pode ser elaborada pelos opressores, é um dos instrumentos para esta
descoberta crítica - a dos oprimidos por si mesmos e a dos opressores pelos oprimidos, como manifestação
da desumanização. (FREIRE, 2011, p. 43)

Quem somos nós, educadores ambientais?


Vinte e três anos se passaram da ECO 92 no Rio de Janeiro. Vinte e um anos também transcorreram
desde a criação do primeiro, e até então único programa de pós-graduação em Educação Ambiental do Brasil,
na Universidade Federal do Rio Grande - FURG. Diversos programas de pós-graduação e pesquisadores
estudam e atuam na área da educação ambiental. No entanto se questiona, onde estão os avanços neste campo
do conhecimento?
O fato é que a educação ambiental, apesar de estar a vinte anos com pesquisas e ações no país, ainda é
uma área incipiente e com ares de emergente, e encontra forte resistência no diálogo com outros campos do

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conhecimento. Raros são os concursos públicos para professores em nível superior que incluem em seus editais
a exigência de mestres e doutores titulados em Educação Ambiental. Existe, na compreensão de alguns, que a
educação em si já contempla a dimensão ambiental e não necessitaríamos de uma área da educação específica
para o debate das questões ambientais. Se a educação realmente abarcasse tudo o que deveria, não seriam
necessárias tais adjetivações, como Educação para o Trânsito, Educação Sexual, Educação em Saúde, no
entanto, ainda não conseguimos desenvolver processos de uma educação verdadeiramente integral, plena.
Há um processo de educação voltado para as demandas do mercado, engendrando processos que
preparam crianças, jovens e adultos para serem competitivos e capacitados para atuarem quando o mercado
necessitar deles. O que não é dito, é que o mercado tem momentos de saturação, ou mesmo de rápidas
mudanças tecnológicas e o cenário que se apresenta ano após ano é o de milhares de profissionais recém-
formados que mudam seu status, automaticamente, de estudantes universitários para profissionais
desempregados.
As demandas do mercado influenciam diretamente incidindo na formação dos profissionais e na
mercantilização da educação por parte de universidades públicas e privadas. Do outro lado, temos o corte no
orçamento da educação para 2016 que chega a quase R$ 10 bilhões, precarizando a educação pública e
apresentando retrocessos. Logo, o que acaba importando não é o processo de aprendizagem em si e a qualidade
profissional, mas a titulação. Não se pensa na formação de profissionais para a construção de um país, para que
o mesmo tenha autonomia, possa capacitar o sistema de economia solidária, desenvolva tecnologias nacionais e
participe ativamente do desenvolvimento qualitativo do seu país, dando um retorno para a sociedade e
construindo uma sociedade melhor, com qualidade de vida e um ambiente saudável e adequado para a vida. O
que as escolas fazem e as universidades também, é suprir as demandas do mercado até quando o mercado não
suportar mais e assim, com o excesso de profissionais, tenha condições de barganhar salários.
Nesta mesma linha insere-se a Educação Ambiental. Com legislação que exige contrapartida aos
impactos ambientais e sociais, e como forma de evitar futuras multas por ações judiciais ou acidentes
ambientais, a mesma ganhou status de produto e passou a ser utilizada como instrumento de marketing por
parte das empresas poluidoras.
Segundo pesquisa realizada pela agência de notícias Reuters, e pela Carbon Disclosure Project, entre as
cinquenta empresas mais poluidoras do mundo, nos anos 2009 a 2013, estão duas brasileiras: a Vale e a
Petrobrás. Ao visitarmos o website de ambas, podemos constatar não apenas a estética ambiental, o uso do
verde de forma destacada, mas também seus relatórios de ―sustentabilidade‖, os quais revelam números, muito
impactantes, que nos fazem refletir sobre o lugar onde estamos e quem de fato somos, dentro de um processo de
mercantilização de uma ideia e proposta de transformação social.
Segundo o que está postado no website da Petrobrás, em 2014 foram investidos R$ 612,2 milhões em
mais de 1,4 mil projetos sociais, ambientais, culturais e esportivos, no Brasil e nos países onde a empresa atua.
Já a Vale investiu, em 2014, US$ 1,1 bilhão em ações sociais e projetos ambientais, o que contabiliza, em reais,
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R$ 4,268 bilhões. Os valores somados equivalem a aproximadamente 50% dos cortes públicos em educação
para 2016.
Se no âmbito do serviço público, das escolas, das universidades não são propiciadas oportunidades de
trabalho para os educadores ambientais, e muitas vezes, quando ocorrem, limitam-se a projetos de reciclagem e
artesanato com garrafas pet, indiscutivelmente um dos ramos mais atrativos para o trabalho é a iniciativa
privada, por meio de consultorias e projetos socioambientais. Cientes da condição de empresas poluidoras, que
agridem diversos ambientes em todo o mundo, além do impacto e massacre de pescadores e comunidades
ribeirinhas, pergunta-se: como pode atuar um educador ambiental e como se mantém o seu discurso de
transformação, quando o mesmo se permite trabalhar em projetos ambientais, que tratam de vários problemas,
menos daqueles causados na comunidade onde se insere o projeto, pela própria empresa que o financia?

Outrossim, a sociedade não deseja indivíduos alertados, ardorosos, revolucionários, porque tais indivíduos
não se ajustarão ao padrão social estabelecido e há sempre o perigo de que quebrem esse padrão. É por isso
que a sociedade se empenha em prender vossa mente em seu padrão, e é por isso que a chamada educação
vos estimula a imitar, a seguir a ajustar-vos. (KRISHNAMURTI, 1967, p. 123)

Outra pergunta que nos instiga é: Qual a práxis do educador ambiental e em que dimensão a contradição
ética é percebida, aceita e vista como necessária em detrimento do discurso da libertação e da transformação?

Antes do meteoro chegar


Para Miguel Arroyo, em sua palestra na 37ª Reunião da ANPed, realizada, em 2015, em Florianópolis,
Santa Catarina, a educação é uma questão de vida ou morte, pois é a única oportunidade que uma criança pobre
tem de se incluir em um sistema que, antes mesmo de nascer, o exclui. Fora da educação e sem esperança de
construir sua qualificação profissional, as alternativas de subsistência que sobram o condenam automaticamente
a prisão e, consequentemente, à morte prematura.
Para Sirio Velasco, em uma de suas aulas de Elementos Filosóficos da Educação para os acadêmicos do
curso de Artes Visuais da FURG, em 2015, estamos perdendo milhares de gênios ao oferecer, no ensino público
fundamental e médio, uma educação deficitária que, consequentemente, condena o estudante a alcançar, no
máximo, sua condição de trabalhador economicamente e socialmente incapaz.
Para Paulo Freire (1998, p.19) não podemos nos assumir como sujeitos da procura, da decisão, da
ruptura, da opção, como sujeitos históricos, transformadores, a não ser assumindo-nos como sujeitos éticos. O
educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do
educando, sua curiosidade, sua insubmissão (FREIRE, 1998, p.28). É necessário libertar, antes de tudo, a nós
mesmos, sem medos e sem conformismo. Urge que o educador se perceba sujeito, se perceba um
revolucionário ao invés de um adestrador. Importa que o educador não seja o centro das atenções em sala de
aula, mas o facilitador, o mediador, propiciando condições para a emergência de potencialidades e potências.

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A contradição faz parte do ser humano, e cada um, ao se perceber em contradição, precisa tornar
constante o exercício da reflexão, do processo ético. A ilusão da transformação pelo discurso é uma ação
alienante de si próprio. O discurso passa a ser um mantra, a fim de que possamos aceitá-lo como verdade,
mesmo que provisória, mas sem a prática, o discurso é discurso e de pouco vale.
A atual crise ética, econômica e social, da qual a Educação Ambiental também participa estando
também em crise, é consequência de um processo de acriticidade sofrido pela população brasileira nos últimos
50 anos. Mesmo após o fim da ditadura militar, não se recuperou, pois outras formas de alienação foram
implantadas, não apenas o discurso midiático, mas o consumismo, a impunidade e o imediatismo.
É preciso que nós, educadores ambientais, tenhamos a percepção de que, por estarmos imersos em um
campo do conhecimento incipiente e emergente necessitamos ser agentes, catalizadores, facilitadores,
promotores de uma educação que contribua efetivamente para a transformação, ou corremos o risco de termos o
caos instaurado de forma mais assustadora do que hoje se apresenta.
É necessário que o educador ambiental também tenha consciência do elemento tempo. A transformação
não se faz da noite para o dia; é um processo que leva tempo, muito tempo. No entanto, não é utópico pensar
que a transformação acontece hoje, no aqui e agora também. Pois se transformarmos o nosso pensamento, a
nossa maneira de ser e agir estaremos contribuindo com a transformação que almejamos. É acreditando nas
pessoas, e não a elas atribuindo a culpa de sua própria desgraça, que construímos possibilidades de uma outra
história.

Reflexões finais
A efetivação e consolidação da Educação Ambiental só ocorrerá quando as pessoas, e principalmente os
educadores, saibam o que é de fato educação ambiental, um processo educativo que não se resume às relações
com a natureza, mas também com o ser humano e com o ambiente em todas as suas formas de vida.
É preciso focar a atenção na formação de professores, contemplando a dimensão socioambiental , nessa
perspectiva existe uma demanda urgente da criação de mais cursos de pós-graduação, em nível de
especialização, mestrado e doutorado. O atendimento à política de ambiental exigida pelo Ministério da
Educação (Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999 e Decreto Nº 4.281 de 25 de junho de 2002) em todos os cursos
de graduação do país, talvez contribua, de alguma forma, para uma mudança no pensamento dos profissionais e
professores. Com o conhecimento sobre a Educação Ambiental, terão mais condições de refletirem e de
construírem outras possibilidades ao invés de perpetuarem práticas de Educação Ambiental em projetos
superficiais de democratização da culpa.
Sobre as relações da Educação Ambiental e dos educadores ambientais com o marketing de empresas
poluidoras, é necessário fazer sacrifícios (abrir mão de elevados valores financeiros) e impor limites éticos (o
que não deveria ser sacrifício), como também a disposição à critica e aos tensionamentos inerentes. Não
podemos permitir que este campo do conhecimento seja desapropriado de sua real função para servir aos
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interesses do capital. Não é o caso de dizer ao pobre que colocar o lixo no terreno baldio é uma conduta errada,
mas de questionar sobre os motivos pelos quais a coleta pública do lixo não passa em seu bairro e que
alternativas podem ser desenvolvidas para resolver o problema. Talvez por meio de ações alternativas e
independentes é que serão engendrados processos de transformação e se chegará a algum resultado positivo.
No entanto, alguns ainda irão questionar a sustentabilidade financeira da própria Educação Ambiental: Mas
com que dinheiro isso será feito? Quem pagará o salário e as contas dos educadores e das pesquisas na área
ambiental? Já que a proposta da Educação Ambiental é ser uma alternativa, uma construção de novos
horizontes, por que não ser ela própria em si a transformação, construindo com as comunidades e recursos
públicos o financiamento de tais projetos?
Outra questão que precisa ser questionada se refere às legislações que permitem as próprias empresas
administrarem os recursos destinados aos projetos de compensação e mitigação de seus impactos. Como a
empresa é responsável pela compensação e mitigação, fica condicionada, direta ou indiretamente, ao seu
departamento de marketing, a forma de utilização desses recursos. Logo, até que ponto eles realmente são
utilizados em projetos ambientais e sociais que visam, de fato, compensar ou mitigar impactos (já que este
processo irá, automaticamente, gerar a crítica sobre a ação da empresa poluidora), ou somente existem para
justificar o uso do recurso obrigatório por lei? Como ocorre a fiscalização sobre tais recursos? Por que não são
repassados para o Estado, e o Estado se responsabiliza pela administração dos mesmos, promovendo a isonomia
de ideias e ações?
Na lógica desenvolvimentista, aquilo que economicamente não é rentável, torna-se passível de
realocação, remoção, exclusão, extinção e morte. Assim são tratadas comunidades e cidades inteiras em regiões
de desenvolvimento industrial em todo Brasil. Como compensar e mitigar, por meio de projetos de Educação
Ambiental, os impactos causados em uma comunidade de pescadores, quando a única forma de subsistência
deles, que existe há décadas ou mesmo alguns séculos, é retirada? É neste cenário, de pessoas que viviam em
harmonia com o seu ambiente e que passaram a receber todos os impactos possíveis que se pretende fazer
Educação Ambiental? É culpando o pobre pela própria desgraça? Ou talvez a Educação Ambiental necessite
mudar de foco e ser destinada aos abastados, para que tomem consciência do impacto de suas ações e decisões,
na formação daqueles que irão gerir empresas, economias e governos? Como fazer isso senão por meio da
crítica, da mídia alternativa, do grito e da luta por parte dos oprimidos, já que o universo dos opressores é
blindado, imaculado e inacessível aos meros oradores do apocalipse ambiental? Como o oprimido irá libertar,
além de si, também o opressor? Talvez construindo outras lógicas, que não sejam nem de inclusão social, nem
de exclusão, mas que sejam outras, que atuem de forma independente, gerando autonomia alimentar, financeira,
tecnológica, valorizando e respeitando a vocação da localidade, a natureza e principalmente, nos grandes
centros urbanos, cuja insustentabilidade aparentemente não vislumbra saídas, alterações radicais no modus de
vida operandi.

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Que façamos a nossa parte, respeitando nossas limitações. Mas que façamos! Que sejamos o
revolucionário e a revolução. Que tenhamos uma visão holística e crítica do mundo. Que sejamos parte
importante na construção de um novo mundo, ocupando espaços para disseminar novas ideias, construir outras
qualidades, outras mídias, outras formas de relacionar-se, resgatando sentimentos essenciais humanos e
solidários, que permitam não apenas a subsistência, mas o desfrutar do prazer da própria vida.

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vale/governanca-e-transparencia/transparencia/Documents/vale_FV_relatorio-atividades-2014_saida-02.pdf>
acessado em 24/10/2015 às 19h20.

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NOVAS ARTICULAÇÕES COM A EDUCAÇÃO AMBIENTAL: DISCUTINDO
SOBRE MINORIAS NA SEMANA DO MEIO AMBIENTE DO INSTITUTO FEDERAL
DE SANTA CATARINA – CAMPUS PALHOÇA BILÍNGUE

Saionara Figueiredo Santos79


Luciara Carrilho Brum80
Peterson Marcos Lima81
Susana Ines Molon82
RESUMO

Este artigo deseja socializar a experiência de articular a Educação Ambiental com conceitos relacionados a minorias e
representação. Na semana do Meio Ambiente organizada pelo IFSC campus Palhoça Bilíngue, houve a oportunidade de
se ministrar palestras, e assim, a conexão necessária para se veicular as temáticas. A base epistemológica é a Educação
Ambiental Transformadora, elucidada por Loureiro (2003, 2004, 2006), que marca a compreensão crítica e global do
ambiente como preceito principal, além de dirimir as dicotomias entre ambiente-seres humanos. Esse novo viés converge
Educação Ambiental e relações sociais, evidenciando oportunidades de novas articulações e utopias de avanço nessas
discussões. Assim, nesse artigo, traz-se esta experiência isolada, como se conseguiu articular as duas temáticas, bem
como a importância da base teórica da Educação Ambiental num contexto bilíngue Libras-Português.

Palavras-Chave: Educação Ambiental, minorias, surdos.

Introdução

Este estudo se objetiva a socializar a experiência ocorrida na primeira Semana do Meio Ambiente do Instituto
Federal de Santa Catarina – Campus Palhoça Bilíngue nos dias 9 a 11 do mês de junho de 2015. O campus é bilíngue
(Libras – Língua Portuguesa) sendo a primeira unidade de ensino profissionalizante voltada para a educação de surdos na
América Latina. Foi inaugurado no ano de 2013, evidenciando o esforço da instituição em promoção da inclusão social.
Há a percepção que é necessário tratar diferente as pessoas com condições diferentes para que todos tenham
oportunidades iguais, principalmente no que se refere a língua materna dos indivíduos.

Neste contexto, a primeira Semana do Meio Ambiente foi planejada em comemoração ao Dia Mundial do Meio
Ambiente, instituído em 5 de junho, pensando na singularidade cultural e línguística do campus. O campus preparou uma

79 Doutoranda em Estudos da Tradução pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professoda de Tradução no Instituto
Federal de Santa Catarina – Campus Palhoça Bilíngue.
80 Pós Graduanda em Libras: Ênfase na Educação Bilíngue para Surdos. Graduada em Letras-Libras pela Universidade Federal
de Santa Catarina. Intérprete de Libras da Universidade Federal de Rio Grande.
81 Agrônomo formado pela Universidade Federal de Santa Catarina.
82 Doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP, com Pós-doutorado em
Educação na Universidade de Campinas - UNICAMP. Professora Associada da Universidade Federal do Rio Grande - FURG, Brasil.

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série de atividades que incluíram palestras de variadas temáticas, oficinas e sessão pipoca em diferentes horários,
envolvendo alunos, servidores e demais interessados da comunidade.

Neste artigo, conta-se a experiência de uma das palestras ministradas entitulada ―Educação Ambiental e
minorias‖, na tentativa de unir o evento também com questões sociais. Partindo do pressuposto que a Educação
Ambiental83 é um processo que consiste em propiciar às pessoas uma compreensão crítica e global do ambiente,
elucidando valores, este nos permite adotar uma posição consciente e participativa a respeito de muitas questões, entre
elas a criticidade sobre as relações sociais e a discussão sobre minorias.

Assim, passa-se a discutir a epistemologia de Educação Ambiental compartilhada pelos autores deste artigo; qual
a metodologia utilizada para que a palestra fosse ministrada, além das articulações feitas entre Educação Ambiental e
minorias e resultados obtidos.

Sobre a Educação Ambiental Transformadora e a minorias

Inicia-se essa sessão esclarecendo que esse adjetivo ―transformadora‖ da Educação Ambiental, é o que a
caracteriza, já que estimula o diálogo, reduz abordagens comportamentalistas e se aproxima da compreensão no contexto
societário atual. Tal abordagem libertadora é embasada por Carlos Frederico B. Loureiro, e, explicada por Santos
(2013), propõe uma Educação Ambiental Transformadora e Emancipatória, que estabelece uma educação como
instrumento de práxis social, contribuindo para se edificar uma sociedade modificada. E que não apenas atue como
instrumento de transformação comportamental, mas que a mudança também aconteça no âmbito social e,
consequentemente, ambiental.

Santos (2013), citando Layrargues (2004, explica q o autor esclarece esse tipo de Educação Ambiental
Transformadora e Emancipatória como o tipo de Educação que se inspira no diálogo, na formação de sujeitos cidadãos e
que supere o atual sistema capitalista. São necessários novos valores para a sustentabilidade da vida além de uma política
que seja ecológica e consciente. Emancipar-se é imperativo. Ele ressalta:

A ação emancipatória é o meio pelo qual podem os romper com a barbárie do padrão vigente de
sociedade e civilização. Emancipação e transformação social são elementos que explicitam não se tratar
de uma Educação Ambiental genérica, de um conjunto de conceitos que servem indistintamente para
qualquer atividade que se autodenomine com Educação Ambiental. (LAYRA RGUES, 2004, p.15)

Assim, emancipar-se vai bem além de apenas se contemplar o ambiental ou focar-se em mudanças
comportamentais. É importante deter-se a toda a complexidade que o envolve o ato de emancipar-se –suas dimensões
social, política, ideológica, cultural e ecológica –bem como todas as conexões territoriais. Não são apenas mudanças
culturais, como também mudanças sociais, as necessárias para se construir uma sociedade ecologicamente e socialmente

83 O conceito epistemológico de Educação Ambiental compartilhado pelos autores deste artigo está melhor explicado na
sessão “Sobre a Educação Ambiental Transformadora” deste artigo.
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justa, com ação individual e coletiva. É preciso ―um movimento contínuo de conhecimento da realidade, atuação e
superação das relações de dominação e opressão entre os humanos e humanidade/natureza. (LOUREIRO,2006, p. 97).

Para entender a abrangência desse processo educativo, não se deve ser reducionista, aspecto que Paulo Freire
exemplificaria como sendo ―educação bancária, com o tipo conservador de pensamento focado em vivências práticas,
individuais, despolitizadas, sem contexto histórico, focando apenas no que ―cada um pode fazer, seja reduzindo o
consumo e com ações isoladas (FREIRE, 1996). A educação não deve ser vista apenas como um processo global, distante
do contexto o qual pertence, atuando como um:

[...] modelo conservador de educação que não compreende a cultura como forma de representação e
definição de valores decorrentes do modo como a sociedade produz, se organiza, e de como interagimos
no ambiente. Aspectos estes que precisam ser levados em consideração em qualquer processo que se
pretenda educativo. (LOUREIRO, 2004, p.26)

Por outro lado, Loureiro (2006) continua introduzindo um tipo de Educação Ambiental baseado em concepções
críticas, fornecendo à educação uma perspectiva ambiental de mundo e de sociedade, visualizando os problemas
hodiernos com uma visão crítica e transformadora, focando-se na mudança da sociedade e no questionamento e crítica aos
padrões industriais e de consumos ditados pelo modelo atual. Nessa visão, o ―fazer a sua parte tem sua importância, mas
necessita também do compromisso das estruturas de poder consolidadas e que interferem em quantidade muito maior na
atual realidade social, cheia de privilegiados e dinâmica de economia cobiçosa. Assim, a Educação Ambiental
Transformadora entende a história como um processo sempre dinâmico (principalmente no que diz respeito à dignificação
e objetivação na história). Além disso, coloca a educação no patamar de atuante, mediando à constituição da cidadania e
da democracia, numa relação instável de compreensão da sociedade e da vida que se apreende dela. Isso significa que é
necessário:

[...]estabelecer processos educativos que favoreçam a realização do movimento de constante construção


do nosso ser na dinâmica da vida como um todo e de modo emancipado. Em termos concretos, isso
significa atuar criticamente na superação das relações sociais vigentes, na conformação de uma ética que
possa se afirmar como ―ecológica‖ e na objetivação de um patamar societário que seja a expressão da
ruptura com os padrões dominadores que caracterizam a contemporaneidade. Assim posto, privilegiar
somente um dos aspectos que formam a nossa espécie (seja o ético, o estético, o sensível, o prático, o
comportamental, o político ou o econômico, enfim, separar o social do ecológico e o todo das partes) é
reducionismo, o que pouco contribui para uma visão da educação integradora e complexa de mundo.
(LOUREIRO, 2004, p.73)

Assim, diz-se que a Educação tem um papel emancipatório buscando entender a realidade, sem negar a ação
histórica. A relação Eu-Outro promove a conscientização, havendo reflexão e fundamentação teórica embasada na prática
social. Agir de maneira consciente envolve ser crítico, assimilar saberes diferentes, estar em constante diálogo consigo
mesmo e com a realidade atual, visando a transformá-la. Pode-se ressaltar, portanto, a difícil tarefa da Educação atual – de
transformar a visão humana, superando a racionalidade e estimulando ainda mais sua percepção criadora. É necessário
incluir essa visão transformadora e emancipatória dentro da educação e descobrir seres humanos sociais e atuantes, para

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assim superar uma realidade envolta de relações de dominação e exclusão. Nesse eixo transformador, Loureiro explica
que:

[...] alterações da atividade humana implicam em mudanças radicais individuais e coletivas, locais e
globais, estruturais e conjunturais, econômicas e político-sociais, psicológicas e culturais; em que o
sentido de revolucionar se concretiza como sendo a transformação integral do ser e das condições
materiais e objetivas de existência. (2003, p.39)

A ação emancipatória no ato de educar é fundamental, libertando-se de modos, padrões de pensamento, ditados
por meios de comunicação e por valores e ações aceitáveis preestabelecidas. Há necessidade de ser crítico, de se
problematizar, para assim entender e tentar transformar as relações sociais pautadas em dominação e exploração.
Problematizar e refletir são atitudes que ajudam a cada indivíduo a agir criticamente consigo mesmo e com a realidade
societária. Apoiar conceitos a uma ação política e consciente dinamiza relações e contribui no pensamento emancipado
(LOUREIRO, 2004). O autor acrescenta que:

Emancipar não é estabelecer o caminho único para a salvação, mas sim a possibilidade de construirmos os
caminhos que julgamos mais adequados à vida social e planetária, diante da compreensão que temos
destes em cada cultura e forma de organização societária, produzindo patamares diferenciados de
existência. (LOUREIRO, 2004, p. 67)

Transformar as percepções também é emancipar-se. Diferente disso, hoje se percebe que a natureza humana está
sendo diluída. Desconsidera-se que também somos natureza; o que nos difere das outras espécies é nossa genética,
historicidade, nossos atributos culturais e sociais. Há um paradoxo envolto nesse distanciamento do ser humano para com
a natureza, já que se afirma tantas vezes ser necessário ―salvar o planeta, enquanto as relações sociais dessa denominada
―natureza continuam desiguais e perversas, não só no contexto exterior a ele.

Buscando bases teóricas para se refutar a atual dicotomia entre Educação Ambiental e relações sociais, utilizo as
concepções de Buey (2004), em que se pode compreender que o ser humano participa da história e depende das relações
sociais, sem deixar de ser um ser natural. Segundo Tozoni-Reis et al. (2007, p. 30), as ―relações distintas individuais e
coletivas pressupõem modos distintos de organização social e produção. [...] essa possibilidade se dá por via prática […].
Outro autor, Lefebvre, complementa:

O homem é imediatamente um ser da natureza, mas um ser ativo e não passivo; as suas necessidades
obrigam-no a trabalhar, a transformar a natureza, e o trabalho transforma-o. Pelas suas necessidades,
como ser natural, existe para si e para os outros, seus semelhantes. [...]mas como dado, natural, que o
homem existe social e praticamente: para os outros e para si. (1996,p. 128–grifo do autor).

Repensar e problematizar os caminhos que essa chamada ―educação bancária e comportamentalista vêm
tomando, bem como formando opiniões atualmente, faz-se imperativo. É importante que se construa uma compreensão
ampliada de Meio Ambiente (sem dicotomizar o humano e o natural), articulando o global e o local. Não se pode
desmerecer as mudanças comportamentais e de valores, é verdade, mas o tipo de Educação Ambiental Transformadora
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vai além dessas mudanças; ela convida a repensar qual o real sentido de nossas relações com e na natureza. Segundo
Tozoni-Reis et al (2007, p. 30), é necessária a superação de valores como expropriação, discriminação, dominação,
opressão e alienação. Essa postura não nos livraria das contradições sociais, já como essa movimentação é inerente a vida
e a história. Mas, agindo assim, pode-se afirmar que ―qualquer possibilidade de nos relacionarmos de modo diferente em
sociedade na natureza pressupõe a superação das relações objetivamente identificadas como impeditivas dessa condição
diferenciada no marco social vigente‖.

Com base nisso, cabe aos educadores se inserirem num processo de definição de valores ambientais sustentáveis e
―agir com consciência reconstruindo a própria consciência e modificando a realidade. (LOUREIRO, 2006, p.53) Esse
processo é envolto de uma análise profunda e contextualizada para a construção de alternativas teóricas e práticas. As
relações de poder, pautadas no capitalismo, perpetuam interesses de uma pequena camada de interesses globais, além de
valores e pensamentos contraditórios propagados pela mídia.

Ao invés de se perpetuar o discurso de que ― cada um de nós é responsável pelo planeta, devemos repensar os
problemas de maneira macrossocial, deve-se considerar que apenas uma Educação Ambiental que se construa alicerçada
na análise da sociedade, que considere grupos sociais diferentes coabitando, desigualdade no acesso aos bens naturais, no
uso e na política de manejo, bem como entender as ideologias e interesses por trás de cada ação degradante ou sustentável
da sociedade, é que poderá transformar e agir nas diferentes esferas da vida, emancipando a sociedade e trazendo
realmente uma mudança permanente.

Sobre o que foi realizado: passos metodológicos

Em primeiro lugar, planejou-se em como deixar claro para o público presente na palestra o elo possível entre
Educação Ambiental e minorias. Numa sociedade complexa como a nossa, nem sempre as discussões são fluidas –
principalmente no campo das relações minorias, que quase sempre estão descentralizadas da ―massa‖. Além disso, nem
sempre existe alguma representação forte nos debates. Muitas vezes, as pessoas reclamam que as minorias (grupos
sociais) das quais fazem parte ou possuem afinidade ―não são devidamente representados nos organismos influentes de
discussões e tomadas de decisão, tais como legislaturas, comissões e conselhos, assim como nas respectivas coberturas
dos meios de comunicação‖ (YOUNG, 2006, p. 134).

Essas demandas denunciam uma sociedade ampla e com questões complexas, que também estão presentes no
âmbito escolar. Neste contexto, as representações podem canalizar uma influência fundamental na formação intelectual
dos discentes. No campus Palhoça Bilíngue, as diferenças perpassam todo o contexto escolar, não se resumindo apenas ao
gênero, mas também a etnia, religião, orientação sexual, além da língua e cultura (propiciadas pela missão do eixo
bilíngue). Assim, seguindo esta linha de pensamento, conseguiu-se articular as duas epistemologias, envolvendo
Educação Ambiental e minorias, já na preparação do material a ser apresentado.

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Image
m 1:
Palestr
a sendo
ministr
ada na
Libras,
com
apoio
visual.

A
palestra
, com
duração de 50 minutos, foi realizada na Língua Brasileira de Sinais (Libras), a fim de privilegiar o eixo linguístico e o
público principal que o campus atende. Houve, porém, interpretação simultânea para a Língua Portuguesa, já que haviam
também alunos ouvintes presentes. Assim, em virtude da palestra ocorrer num espaço bilíngue, o material de apoio
apresentado simultaneamente com a fala da palestrante necessitou ser feita com antecedência e repassada para a
preparação dos intérpretes de Libras. Além disso, este material de apoio privilegiou a visualidade, usando muitas imagens
e recursos que facilitassem o entendimento dos surdos e ouvintes presentes; a interação com o público foi parte marcante
da palestra, sendo sempre permitido interrupções e opiniões dos alunos presentes.

Discutindo o que foi realizado

Iniciou-se a palestra ao perguntar aos discentes qual a relação entre Educação Ambiental e Minorias que
justificasse a escolha da temática para aquela semana em particular. A partir do retorno dos alunos surdos e ouvintes, fez-
se uma introdução sobre a concepção epistemológica libertadora de Educação Ambiental, que nos liberta das amarras da
visão unicamente biologizante do mundo; da culpabilização do individual, sem dar-se conta da dimensão dos entraves,
bem como abre os olhos para entender o outro como parte integrante desse ―meio ambiente‖, compreendendo e aceitando
sua(s) subjetividade(s).

Molon (2008) corrobora com o fato de que é na relação interpessoal e na linguagem que o sujeito se constitui e
constitui outros sujeitos, considerando sua singularidade e historicidade, como partes constituintes do sujeito e este fato
foi testemunhado e confirmado pelos alunos. Durante o andamento da palestra, vários posicionamentos ideológicos foram

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percebidos, evidenciando que não há como congelar as relações, muito menos as identidades, mesmo pertencendo a uma
mesma minoria.

O conceito de minoria também foi arguido pela palestrante, que obteve respostas coniventes com o contexto
teórico abordado. Entendeu-se que uma minoria não são apenas ―poucas pessoas‖; são pessoas ou grupos sociais
específicos que são entendidos como integrantes de uma menor parte da população, com diferentes características étnicas,
religiosas, cor de pele, país de origem, situação econômica, entre outros, quase sempre ligados a alguma fragilidade.

Consegui-se identificar algumas minorias presentes no nosso campus: Surdos, Negros, Gays e Lésbicas,
Nordestinos e Mulheres, além de minorias religiosas, culturais e financeiras. Observou-se também que muitas vezes, essas
minorias se fundem, como por exemplo, uma surda negra e mulher, um gay negro e assim por diante, trazendo a eles uma
abordagem básica sobre Interseccionalidade.

A questão da representação e representatividade foi também abordada, seguindo os preceitos de Young (2006),
que

Nunca visão crítica de representatividade, não há como fugir das disputas políticas. É necessário se dar voz a
muitas questões relacionadas ao contexto das minorias, principalmente em relação a entender e analisar sua posição de
exclusão na atual sociedade.

Por último, o quanto a mídia pode manipular informações sobre nosso ―meio ambiente‖ e o quanto a visualidade
pode contribuir para o entendimento de questões subjetivas das relações sociais. Trouxe-se um exemplo de uma imagem
construída a partir do discurso da Educação Ambiental comportamentalista de Freire (1996).

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Imagem 2: Uso de representação artística ambiental sem dicotomia ambiente-ser humano. Arte desenvolvida para o IV
EDEA, pelo artista plástico Ninhol.

O que se aprende?

O propósito deste artigo é contar a experiência de trazer um conceito de Educação Ambiental Emancipatório para
alunos que vivem num contexto de minorias, principalmente linguística e cultural (no caso, os surdos que usam a Libras –
o público-alvo do IFSC Palhoça Bilíngue). Ainda que haja muita divulgação sobre algumas nuances da temática, ainda há
bastante ignorância e reducionismo ao tema, tanto por parte dos discentes quanto da própria instituição Escola.

Ainda há professores que privilegiam somente o currículo, em vez de perceber as inquietações e dirimir os muitos
questionamentos dos alunos acerca do movimento mundial político, econômico, social, ou seja, Ambiental e suas
relações. O discurso dominante da exclusão continua a perpetuar ignorâncias que podem repercutir também no contexto
pedagógico e essa postura deve ser combatida tanto pelos alunos quanto pelos professores.

O atual cenário de exclusão apela pela articulação entre Educação Ambiental e minorias e, ainda mais, que este
seja incluído no currículo de formação de anos e educadores. O silenciamento e a omissão significam pactuar com os
atuais valores segregadores de minorias, de sujeitos, do ambiente. Nesse sentido, a escola pode e deve ser o espaço de
discussão sobre estas questões, de espaço de formação de cidadania, além de conhecimento e respeito aos direitos
humanos. Todos os docentes (não apenas os de formação ―biologizante‖ devem assumir a responsabilidade em combater
qualquer fomar de preconceito, segregação no ―meio ambiente‖ escola.

O mundo e suas representações são baseadas no princípio da pluralidade, estando esta também num ambiente
bilíngue Libras-Português. Que venham novas pesquisas e articulações libertadoras com a Educação Ambiental.

Referências

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LEFEBVRE, H. Sociologie de Marx. Paris, Presses Universitaires de France. (traduzido) -.1966


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LOUREIRO, C. F. B. Educação Ambiental Transformadora. In: LAYRARGUES, P. P. (coord.) Identidades da
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Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Rio Grande (FURG). Rio Grande, RS. 2013.

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PROCESSOS EDUCACIONAIS ALTERNATIVOS POR UMA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL EMANCIPADA

Claudionor F. Araújo84
Alexandre M. Pereira85

Resumo
Este artigo tem como objetivo lançar as bases para a defesa de um processo de emancipação da educação, aqui
posta na amplitude da dimensão ambiental, a partir da busca dos grupos populares, socialmente dominados, por
sua própria emancipação. Para tanto, apresentamos uma definição do papel real da educação como reprodutora
das relações sociais, estudada, neste particular, em sociedades de classes, como a brasileira. Apresentamos
também a descrição de como, uma vez institucionalizada, a educação é submetida ao controle dos grupos
dominantes para reproduzir exclusivamente seus valores, seus saberes, sua cultura com o fim de promover a
manutenção das relações de dominação. Trata-se, metodologicamente, da descrição e análise da proposta e das
limitações da educação ambiental, como crítica aos processos educacionais tradicionais; dos grupos populares,
como crítica ao modelo social classista baseado nas relações de dominação; e da convergência de ambos para a
promoção da emancipação social desses grupos com a contribuição dos processos educativos.
Palavras-chave:Educação Ambiental Emancipada;Processos Educacionais Alternativos; Grupos Populares.

Considerações iniciais: da reprodução educacional a movimentos de emancipação

A presente discussão segue numa direção diferente daquela assumida pelos defensores da educação
como prática da liberdade, à semelhança de Paulo Freire (1999), ou em seguimento a ele. Na proposta freireana,
muito difundida na educação brasileira, principalmente no setor público, onde estão os ditos grupos/classes
populares, a educação é tomada como ação libertadora daqueles que ―se educam entre si, mediatizados pelo
mundo‖ (FREIRE, 1987, p. 39), numa espécie de ―atividade humana‖ entendida como ―prática
transformadora‖, baseada erroneamente na terceira tese de Marx sobre Feuerbach (2013).
Nessa tese, o que é chamado de prática transformadora é justamente a coincidência entre a atividade
humana e a alteração das circunstâncias (entre elas a atividade de formar o homem como tal – Erziehung,
―formação‖, não educação, como a entendem no Brasil), das quais os homens são produto. Ora, como a
educação poderia ser prática transformadora de qualquer coisa, quando todas as outras circunstâncias
permanecem exatamente as mesmas? Na tese, Marx toma a atividade humana, que altera as circunstâncias,
como prática transformadora, além das relações de dominação, alienação e exploração do capitalismo. Trata-se
do processo de constituição do homem pela sua ação alteradora do mundo, não do processo educativo,
institucional ou não, que prepara o homem para as relações sociais.

84
Doutorando em Educação Ambiental, pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental – PPGEA/FURG; membro do
Grupo de Pesquisa em Educação Cultura e Meio Ambiente – GEAM/UFPA e do Observatório dos Conflitos Socioambientais do
Extremo Sul do Brasil/FURG; e-mail: claudios_araujo@yahoo.com.br.
85
Doutorando em Educação Ambiental, pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental – PPGEA/FURG; membro do
Grupo de Pesquisa em Educação Cultura e Meio Ambiente – GEAM/UFPA; e-mail: alexandremacedopereira@gmail.com.
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No caso da educação em si, ela é naturalmente reprodutora do ambiente social do qual faz parte. A
educação pensada apenas em termos internos de um mesmo grupo, cultura ou sociedade não pode transformar
tal grupo, cultura ou sociedade, pois é, ontologicamente, seu instrumento de reprodução. Ela só pode ser
transformadora numa relação entre grupos.No caso mais comum, da dominação de um para a supressão do
outro, a educação é assumida pelos grupos dominantes para imposição de seus próprios conhecimentos, valores
e significados aos grupos dominados, o arbitrário cultural de Bourdieu e Passeron(1975). Noutro caso, o de
grupos contra-hegemônicos pela sua emancipação em relação à dominação dos anteriores, a educação reforçaria
apenas os conhecimentos, valores e significados dos grupos dominados. Mas, isso só seria possível se estes
últimos, em luta por emancipação, assumissem seus próprios processos educativos em vista da transformação
das relações de dominação.Em qualquer caso, a educação só é transformadora quando reproduz o caráter
transformador do grupo a que pertence, em oposição a outro numa relação de dominação.
Por outro lado, a realidade da educação no Brasil, distante de qualquer proposta transformadora, revela a
prática da reprodução das relações de dominação (BOURDIEU; PASSERON, 1975), própria de uma sociedade
classista. Daí, Araújo e Machado (2013, p. 180) destacarem a necessidade de considerar o modelo de sociedade
em que o Estado atua para a manutenção das relações sociais: ―A depender do modelo de sociedade em que se
constitui tal Estado, a educação se constituirá, assim, a promoção do bem-estar público ou privado, uma vez
que o Estado tem como papel a manutenção das relações sociais em qualquer modelo de sociedade em que seja
constituído.‖.O problema não reside na prática da reprodução em si, mas naquilo que é reproduzido. Ou seja, o
problema está no fato de que os valores reproduzidos são os valores próprios das relações de dominação.
Embora a educação, como instrumento de reprodução social, tenha sua origem para além das relações de
dominação, a fundação da escola a tornou também institucional e, com isso, interna ao controle do Estado para
a manutenção das relações sociais. Atualmente, as políticas públicas, como a Lei 9.394/96 (LDB), a têm
tornado plenamente institucional. Esse é o caso das esferas formal, não-formal e informal da educação, que
pretendem abranger toda a educação, de modo a não haver mais educação que não fosse nas formas
institucionalizadas.
Esse tem sido o meio de os grupos dominantes garantirem pleno controle da educação, inclusive de
determinar o que ela deve reproduzir ou não. Afirmam, assim, a máxima gramsciana de que ―toda relação de
hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica‖ (GRAMSCI, 2001, p. 1331). Trata-se não mais de
reproduzir meramente as relações de dominação, que admitiriam o conflito de classes e a existência de outros
valores que não só os hegemônicos.Mas, sim, de negar as relações de dominação e o conflito por meio de uma
reprodução, exclusivamente,dos conhecimentos, valores e significados hegemônicos.
Cabe reconhecer que a educação só pode ser reprodutora dos processos sociais e, em sociedades
classistas, das relações de dominação; cabe reconhecer também que aqueles na condição de dominados
precisam se insurgir da condição de sujeitos (que não interferem na produção de sua própria história, como
propunha a doutrina positivista) por meio de uma prática (movimento) transformadora das relações de
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dominação e assumir a condição ontológica de homens (aqueles que alteram a si próprios enquanto alteram as
circunstâncias, os produtores de sua história),mesmo que apenas gradualmente.
Um desses primeiros passos consiste da tomada por assalto dos processos educativos institucionais. Essa
ação consiste de os grupos populares(e/ou os chamados tradicionais), na condição histórica de dominados,
assumirem os processos institucionais de sua própria educação. Com a busca pelo domínio de sua história,
iniciado pelo domínio dos processos educativos, adotariam os valores do próprio grupo em processo de
emancipação social.

Da crítica social radical aos espaços educativos de reprodução

No que tange à educação ambiental (EA),a discussão sobre a possibilidade de sua implementação, sobre
seu caráter problematizador da educação tradicional e sobre a eficácia de qualquer proposta transformadora que
ela assuma, requer algumas considerações.
Primeiramente, de sua origem,ainda nos chamados movimentos ecológicos, a EA surge, como anunciam
Enrique Leff (1996) e Isabel Carvalho (2002),ainda que somente na América latina, sob o caráter crítico à
racionalidade moderna do processo produtivo e seus efeitos na determinação do papel da ciência disciplinar e
do saber fragmentado (por outra racionalidade da produção e por outra epistemologia do saber).
Carvalho (2002) retoma a origem da EA, indicando, nela, uma crítica que se aplica também aos
processos educativos, os quais refletem o saber disciplinado da ciência e do modo de produção modernos.Se
concordamos com o fato de que a EA surge como proposta crítica ao modo de produção capitalista, à ciência
disciplinar e à educação tradicional, precisamos assumir que sua prática tem se distanciado da crítica para
assimilar o discurso vigente. O discurso ambiental estaria, como aponta Carvalho, sob a tutela do modelo
econômico ao qual ele se opunha originalmente; está absorvido, assimilado. De igual forma, a EA, longe de
suplantar a educação que criticava, está subsumida dentro dela; é parte dela, com lugar e hora de aplicação; e,
na ciência, tornou-se campo de pesquisa dentro da mesma educação tradicional, que, hoje, ela ajuda a manter.
No caso do Brasil, o país tem aderido sistematicamente aos acordos internacionais em torno da
discussão ambiental. Em decorrência dessa adesão, o Congresso Nacional aprovou os textos do Programa
Nacional de Educação Ambiental (ProNEA),este já em 1994, e da Política Nacional de Educação Ambiental
(PNEA), em 1999. De igual modo, foram aprovadas políticas e programas voltados à EA em instâncias
menores. Tratava-se da institucionalização da EA, como já ocorria com a educação, como um todo. E, com essa
institucionalização, foi estabelecido o controle sobre todas as ações voltadas à implementação efetiva da EA no
País, concretizando-se a tutela sobre a EA e sua incorporação à forma tradicional de educação à qual aquela se
propunha crítica radical. Agora, ela atua, como previam Leff (1986) e Carvalho (2002), somente para o
―desenvolvimento sustentável‖; a EA, como a educação antes dela, ambas a serviço do capital.

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Além de sua institucionalização, a EA sofre também problemas de definição, do que significa o
―ambiental‖ na educação e a ―educação‖ no ambiental. Na definição de uma educação dita ―ambiental‖, é
preciso considerar, antes, essa composição conceitual, ainda não tão clara por parte de quem a têm como objeto
de estudo ou de atividade laboral docente. A Educação Ambiental também herdou problemas mal resolvidos da
educação. Hoje, perguntamos, como Carvalho (2001): ―qual educação ambiental?‖, como perguntávamos antes:
qual educação? O que se inquire, de fato, é: qual o caráter da educação lançado sobre a discussão ambiental?
Há, basicamente, dois discursos predominantes: um, da realidade, dito conservador; e outro, da especulação
acadêmica, auto nomeado transformador.
Há, de fato, esses dois usos conceituais da EA. Por um lado, a elaboração teórica do que seria a EA
transformadora, na condição de proposta pedagógica, ainda carece de efetivação prática. Ou seja, não passa de
retórica acadêmica, que, apenas como tal se constitui, sim, uma prática de alguns setores (principalmente nas
humanidades) da academia brasileira. Sendo-lhe generosos, pode-se dizer que se trata de um discurso para a
transformação, uma proposta pedagógica para a transformação, não a transformação efetivamente já posta. E, a
depender da base teórica de onde partam para sua proposição, esta estaria comprometida, fosse por não se
propor, de fato, uma transformação estrutural, como se poderia esperar, fosse pela incoerência com a teoria,
quando esta propõe algo além de mudanças graduais, além de reformas – uma revolução.
Por outro lado, o problema reside, na ausência de elaboração teórica na realidade da prática da EA
conservadora. Tudo o que há explicitado se resume à descrição de sua história, de suas especificações e de seu
papel como instrumento de dominação. Pode-se citar a classificação dada por Layrargues (2012): a EA
conservadora, propriamente dita, voltada para a mudança de comportamentos, bem aplicável ao caráter formal
(ensinado nas escolas) e informal (difundido na mídia) da EA; e a EA pragmática, aplicável ao caráter não
formal (praticado nas empresas) voltado à viabilização da continuidade dos processos produtivos, mas sob a
perspectiva da chamada sustentabilidade.Essa é a realidade da educação na escola (a educação formal), mas
pode-se falar também da educação na empresa, a formação profissional dos trabalhadores, nomeada
―qualificação‖ e caracterizada como educação não-formal. E, desde Gramsci (1982), pode-se falar de um papel
pedagógico da mídia (a educação informal), seja como aparelho ideológico (ALTHUSSER, 1985), seja como
constituidora de discursos,caso de Rosa Fischer (2002a).
No caso da escola, Maria Teresa Freitas (2002, p. 37) cita um exemplo muito atual noque diz respeito a
um conhecimento do qual alunos e alunas do país inteiro se apropriaram muito antes de o Estado (e sua escola)
concretizarem sua oferta e para o que o Estado nunca se mostrou competente para fornecer – a informática.
Nesse estudo, conclui,a ―análise dos dados mostrou o quanto a escola está off-line, num mundo em que tudo
está on-line.‖.O problema da postura da escola em relação aos conhecimentos trazidos pelos alunos não é novo
e, assim, não se restringe à discussão do ambiente virtual de conversação e produção/construção de
significados. Ela já tem predefinidos os significados (conhecimentos/valores) de sua estima. Ela sempre esteve
―desligada‖ para todos os conhecimentos que não fossem os seus próprios.
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De igual forma, a educação promovida nas empresas também ignora o conhecimento dos trabalhadores.
Como aponta Damico (2013, p. 117, 118),

[...] numa das oficinas da Renault, a pintura dos chassis ficava no fim da cadeia de produção. Os operários
ficavam dentro de trincheiras e tinham, como instrução, pintar só os chassis. Quando eles foram
substituídos por máquinas, constatou-se que, num dia, a camada de pintura era fraca e, no dia seguinte,
constatava-se que tinha tinta demais. Certamente, o movimento do robô era bem mais regular que o dos
operários, mas daí mesmo vinha a razão da falha. Buscando informação junto a vários sociólogos e
ergonomistas no intuito de saber porque as máquinas não produziam o resultado como esperado, os
dirigentes descobriram que tais operários sabiam muito bem que, em função da temperatura e da umidade
do ar, eles deveriam adaptar os seus movimentos para obter a mesma camada de tinta.

Mas, apesar de se tratar de um conhecimento prévio, adquirido da prática profissional, é o conhecimento


―daqueles que mandam‖ que prevalece e é posto sob o caráter de universalidade, posto acima de quaisquer
outros, senão como únicos.
No caso da mídia,o discurso ali apresentado seria a própria constituição dos sujeitos, nos termos de
Foucault (2008), admitindo, pois, um caráter notadamente pedagógico. É, para tanto, que a mídia adota o que
Rosa Fischer (2002a) chama de ―dispositivo pedagógico da mídia‖.Trata-se, como diz, de um aparato ao
mesmo tempo discursivo e não discursivo, que consiste da produção e veiculação de saberes sobre os sujeitos.
Como dispositivo pedagógico, a mídia assume o papel de constituidora dos sujeitos – sua prática e seu próprio
discurso.
A mídia se aproxima dos casos já mencionados, como a escola e a empresa ao promoverem seus
processos educativos por meio do que Fischer (2002b, p. 85) chama de reduplicação do discurso.Contudo,
―sempre a seu modo, na sua linguagem, na sua forma de tratar aquilo que ―deve‖ ser visto ou ouvido.‖. Ou seja,
por mais que a mídia considere o discurso daqueles a quem busca constituir, ela o adapta, sob o princípio da
reduplicação, a seus próprios valores e linguagem, e o devolve ao público para constituí-lo, como se ele não já
tivesse sua formação, com seus conhecimentos, valores e significados próprios.
A EA, nesses contextos apontados, longe de qualquer caráter transformador, não só reproduz os valores
e as práticas, aos quais propunha, originalmente, uma crítica radical, como também está a serviço dos interesses
do capital (embora, desta feita, de forma mais aberta, inclusive com menção direta às ações de EA para os fins
do capital no texto da PNEA e do ProNEA) para a consecução de seus fins.
Em suma, a realidade é impassível: só há uma educação ambiental, a que é efetivada (e comprovada) na
prática, seja na escola, nas empresas ou na tevê. E esta segue o que foi, antes dela, a própria educação:
tradicional, conservadora, reprodutora dos valores dominantes, muito ao contrário do que desejam os ditos
educadores mais progressistas. Qualquer outra educação não passa de discurso acadêmico, objeto de congressos
e seminários, conteúdos de livros e cartilhas dogmáticas.

Grupos populares, emancipação e processos educativos

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Certamente que, dada a expansão do capitalismo para a escala global, não se sustentam quaisquer teses
sobre lugares de isençãono mundo capitalizado. Todos são atingidos pela influência do capital.De igual forma,
nos Estados anunciadamente capitalistas, como o Brasil, esse princípio da não isenção se aplica à abrangência e
alcance do próprio Estado, como propunham Hobbes, em seu Leviatã (1988), ou Gramsci e seu ―Estado
ampliado‖ (2012). Nesse caso, pode-se dizer que não há agrupamentos sociais plenamente isolados. Todos
sofrem da determinação do Estado e de suas deliberações, ao que cabe pensar uma elaboração a partir da
realidade da constituição do Estado como tal, desde sua perspectiva histórica até os dados de sua caracterização
atual.
Nesse particular, podemos recordar os mais de três primeiros séculos de colonização, a partir da chegada
dos europeus; séculos de exploração natural; a escravidão inicial e o genocídio das populações indígenas; três
séculos de escravidão negra; exclusão social institucional de quase toda a população negra (mais de noventa por
cento de toda a população nacional à época da abolição da escravatura) durante o século XX; milhões de
miseráveis em pleno século XXI; entre outros dados da construção nacional.
Embora politicamente o Brasil tenha conquistado sua independência há mais de duzentos anos, a
maioria de sua população permanece oprimida até os dias atuais. Parte dessa população ficou excluída nas
cidades da república, como era antes da proclamação. A outra parte, aproximadamente oitenta por cento, viveu
no campo, ainda que sob condições de pobreza, de modo a responder por seu próprio sustento até os anos
cinquenta. Em cinquenta anos, a proporção do contingente populacional no campo e nas cidades se inverteu. A
população do campo foi expulsa para a vida urbana, onde aumentou o número de excluídos: sem habitação, sem
trabalho, sem escola, sem serviços públicos, ou na pobreza extrema.
São poucos e pequenos os grupos que permaneceram fora da vida urbana, especialmente na posição de
contra-hegemonia, tal como em que se manteve, por longo tempo, o Movimento Sem-Terra. Ao mesmo tempo,
propunham a si certa autonomia em relação ao Estado capitalista em busca de uma emancipação plena, de si e
da sociedade como um todo. Projetos como esses são menos possíveis nas comunidades desarticuladas das
cidades. Se forem possíveis, o ambiente de grupos populares ou das chamadas comunidades tradicionais, como
de pequenos agricultores ou de aldeias indígenas, estaria em melhores condições de efetivá-los, de retomar
autonomia e iniciar processos de emancipação.
Em sua relação com o mundo capitalista, comunidades tradicionais ou de grupos populares, mesmo que
desenvolvam o individualismo, seu espírito comunitário ainda resiste à influência completa da disputa de todos
contra todos. Elas se caracterizam, em geral, porrelações sociais conservadoras e ainda seguem, com certa
durabilidade, o modelo adulto, em oposição à ―liquidez‖ pós-moderna, de Bauman (2001), que desconsidera as
peculiaridades ou mesmo a existência de tipos distintos de sociedades, como se a cultura burguesa estivesse
plenamente globalizada, sobre todos os lugares e sobre todas as pessoas; o trabalho é marcado por atividades
tradicionais voltadas predominantemente ao autossustento, diversificadas e autônomas em oposição à produção
em larga escala, à monocultura e ao assalariamento das atividades rurais voltadas para a produção de capital, do
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agronegócio; a atividade produtiva é baseada na ênfase às determinações de demanda, em oposição às
determinações da própria produção; e o consumo é mais marcado pelo valor de uso da produção que pelo valor
de troca.
Por essa caracterização, infere-se das comunidades tradicionais ou grupos populares a existência de um
relativo caráter emancipado, dados pelo distanciamento e pela relativa autonomia em relação ao mundo
capitalizado. Daí, pode-se deduzir que quanto mais próximo e dependente, menos emancipado; quanto mais
distante e autônomo, mais emancipado.
Doutra parte, tais comunidades ou grupos podem ser caracterizados ainda pelos processos educativos.
Repetimos que, independentemente do ambiente em que se dão os processos educativos (e se dão em todos os
ambientes), eles serão sempre reprodutores das relações sociais do ambiente (seja a sociedade mais ampla,
como um país super populoso, ou mesmo pequenas comunidades, como ocaso de muitas aldeias indígenas). A
diferença está no tipo de ambiente e nas relações nele estabelecidas, pois são precisamente essas que os
processos educativos reproduzirão.
Educa-se para a sociedade, como espaço geral, pela reprodução das relações sociais. A reprodução
realizada pelos processos educativos mais amplos se direciona para dois espaços menores: as relações
interpessoais e as relações de trabalho – os espaços da cultura (produção e transformação humana). Educa-se
para a interpessoalidade, pela reprodução dos valores (posições e funções) postos; educa-se para o trabalho
(doméstico ou social, privado ou público),pela reprodução das atividades postas.
Não cabe à educação a transformação da sociedade. Cabe, sim, reproduzir as relações sociais, seja para a
interpessoalidade, seja para o trabalho. Isso não significa que as relações sociais não mudem ou que as
sociedades não se transformem. A História prova que tudo muda. O que a História não diz é que a educação
tenha qualquer relação obrigatoriamente intrínseca com as mudanças, como pretendia Freire (2000). Mudanças
estruturais são resultado de processos construídos ao longo de gerações, que culminam em revoluções.
Tais mudanças são tão naturais às relações humanas quanto a cultura ou os processos educativos. Não
carecem de promoção para ocorrerem; ocorrerão de qualquer modo. Nas relações sociais, a geração dos mais
jovens tem papel decisivo na promoção de mudanças, pois carregam o gene da inovação, provocando
transformações, em processo lento e gradual. À educação, cabe a imposição de valores, seja dos antigos, para a
sua manutenção ante os novos, seja de novos para a superação dos antigos.
Apesar de não competir aos processos educativos a transformação do ambiente a que pertence, seja do
imediato ou do mais amplo, a educação pode contribuir para a transformação de ambos quando tais ambientes
se valem dos processos educativos para promoverem mudanças um no outro. Nas relações sociais de
hegemonia e contra-hegemonia, próprias de sociedades classistas, com relações de dominação claras, o uso dos
processos educativos para a promoção de mudanças é constante. Nesse tipo de sociedade,via de regra, os
grupos hegemônicos se valem desses processos, especialmente sob o viés da institucionalização da educação e

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da universalização de seus valores, para subsumir os valores dos grupos dominados. Ou, como diria Ivete
Simionatto, a partir de Gramsci,

[...] a hegemonia também se coloca num novo campo de lutas, de alianças , de construção/desconstrução
de saberes e experiências, pois, antes de mais nada, ―toda relação de hegemonia é necessariamente uma
relação pedagógica‖, na medida em que encerra em si possibilidades de emancipação coletivas, não só
para determinados indivíduos, mas para toda a sociedade. (1998, p. 52-53).

No caso das comunidades tradicionais ou dos grupos populares, não se pode dizer que os processos
próprios da educação formal – a escola – não estejam sob a tutela do Estado e reproduzindo os valores dos
grupos dominantes. Pois, por mais autônomos que esses grupos possam ser, a educação promovida entre eles
permanece como preparatória para a sociedade mais ampla, sua autonomia ainda não é plena. Mas, pode-se
dizer que dispõem de mais autonomia que populações urbanas, em que a presença do Estado, a interferência
empresarial e a influência da mídia são maiores. É assim que quanto mais distantes, maiores as chances de se
tornarem autônomos; e, quanto mais autônomos forem, mais os processos educativos tenderão a reproduzir em
favor do próprio grupo social a que pertencem mais imediatamente.
Assim, os grupos sob dominação, sejam comunidades tradicionais ou populares, também podem se valer
da educação, apropriando-se de seus processos educativos internos (inclusive os formais) para transmitir
(reproduzir) seus próprios conhecimentos, valores e significados. Por essa via, poderiam até não mudar a
sociedade mais ampla, mas poderiam mudar sua realidade, da condição de grupos dominados para sociedades
emancipadas.
Esse espaço social, das comunidades tradicionais e dos grupos populares, é especialmente propício para
a retomada da educação ambiental caracterizada pela crítica radical ao modelo social e econômico vigentes. Sua
dependência direta ao ambiente de seu entorno para fins de convivência, produção e provisão (as relações
interpessoais e de trabalho) impõe que essa relação seja equilibrada, inclusive com ações de conservação.
Enquanto noutros espaços, a educação tradicional e conservadora precisa de processos artificiais para que a
dimensão ambiental (MINASI, 2010) seja afirmada, nessas comunidades e grupos, o caráter ambiental da
educação é evidente. Neles, a EA encontraria elementos mais favoráveis para assumir seu caráter crítico, como
proposta pedagógica efetiva.
Por fim, esses espaços aliariam ao caráter crítico da EA também a sua própria busca por autonomia e
emancipação social. Nessas comunidades e grupos, a EA reencontraria sua origem de crítica radical, sairia da
tutela institucional e encontraria sua própria emancipação. Fora do controle do Estado, das empresas e da mídia,
a EA teria a liberdade necessária para tornar sua crítica efetiva e ser, ela mesma, uma ferramenta efetiva para a
transformação social.

Considerações finais

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Discutimos, inicialmente, sobre o caráter reprodutor da educação em qualquer sociedade, da mais ampla
à mais diminuta e de como os grupos dominantes se valem desse caráter para reproduzir seus valores em
detrimento dos de outros grupos e, por via disso, perpetuar sua condição de dominantes.Diante disso,
anunciamos a necessidade de os grupos dominados tomarem, de assalto, os seus próprios processos educativos
para fazer valer, por meio deles, os seus próprios valores, como primeiro passo em vista de sua emancipação.
Tratamos também de como a educação ambiental surge da crítica radical ao modelo social e econômico
promotor dos processos de degradação das condições de vida no planeta, bem como da própria educação e da
ciência tradicionais, conservadoras e reprodutoras dos meios que promovem a degradação ambiental.No
entanto, ao longo das últimas décadas, a EA e seu discurso crítico foram assimilados pelo discurso hegemônico
(a EA sob tutela para fins de controle), culminando na realização de conferências e assinatura de acordos com
vistas à conciliação da crítica, agora assimilada, aos processos convencionais de produção – a educação para o
desenvolvimento sustentável ou a EA do capital. Neste caso, apontamos a necessidade de a EA ser assumida
por aqueles que, efetivamente, têm afinidade com sua proposta original e de ser, por eles, usada para fins de
emancipação.
Por fim, mencionamos a situação dos grupos dominados no Brasil, como foram tratados historicamente,
e como os grupos dominantes os reduziram a tão poucos e os desarticularam cultural e politicamente via
processo de urbanização. Também caracterizamos as relações sociais próprias de grupos menos urbanos (caso
de comunidades tradicionais e populares) como possibilitadoras das condições de mudanças via articulação
comunitária e engajamento social. E, para a superação desse quadro,defendemos a retomada dos processos
educativos, como instrumentos da transformação das relações sociais entre grupos hegemônicos e contra-
hegemônicos via introdução de outros valores que não os dominantes, para a valorização dos próprios
dominados como grupos sociais, produtores de sua própria cultura, em vista da sua emancipação final.
Esta discussão pretendeu demonstrar as condições que a realidade impõe sobre os agentes sociais que
almejem alguma mudança. Não se pretendeu, pois, apontar a impossibilidade de mudanças estruturais, mas sim
o quanto e em que contexto tais mudanças são possíveis. Não apenas estabelecer os limites da educação para a
promoção de transformação social, mas, enfim, revelá-los: sua condição de instrumento de reprodução das
relações sociais, mas também, a possibilidade de direcioná-la para a mudança; e não exatamente defender os
grupos populares ou tradicionais como espaços a partir dos quais sejam possíveis transformações sociais, mas
reconhecer que, se alguma mudança estrutural é possível, esses espaços se constituem os mais propícios para
promovê-la.

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vitalidade de um pensamento. São Paulo: Editora Unesp, 1998. p. 37-64.

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ISBN 978-85-7566-380-6
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS COMO REPRODUTORAS DA EXCLUSÃO
SOCIOAMBIENTAL HISTÓRICA
Kathleen Aguirre86
Cassiane de Freitas Paixão87

Resumo
Este artigo tem por objetivo refletir sobre as representações e discursos discriminatórios e excludentes
reproduzidos nos espaços escolares, a partir das categorias de pobreza e raça e que envolvem concepções de
mundo e futuro dos agentes sociais. Para tanto, faz uma reflexão teórica sobre abordagens sociológicas do
conceito de exclusão social, onde pretendemos sustentar nossa perspectiva de que o racismo não apenas
transpassa a discriminação de classe, como agrava as condições de vida, sustentabilidade e injustiça
socioambiental. Acreditamos que as condições de opressão têm alicerces históricos de violência e conformação,
que a História hegemônica, e a forma como se ensina a mesma nas escolas, fomenta a discriminação social e
racial, e que na base desta reprodução cultural está a reprodução da estrutura social a partir de significações que
negam a história e cultura do negro e do pobre, assim como as relações de produção de suas condições
socioambientais, não cabendo no horizonte de emancipação destes sujeitos.
Palavras-Chave: Exclusão social. Representações Sociais. Injustiça Socioambiental.

“Pobre do povo que, sem estrutura, acaba crendo na loucura de


ter que ser outro para ser alguém / Não vem que não tem, com a
palavra eu bato, não apanho” EMICIDA

Os demônios de Galeano e a injustiça socioambiental


Este artigo tem por objetivo refletir sobre as representações e discursos discriminatórios e excludentes
reproduzidos nos espaços escolares, a partir das categorias de pobreza e raça e que envolvem concepções de
mundo e futuro dos agentes sociais. Para tanto, faz uma reflexão teórica sobre abordagens sociológicas do
conceito de exclusão social, onde pretendemos sustentar nossa perspectiva de que o racismo não apenas
transpassa a discriminação de classe, como agrava as condições de vida, sustentabilidade e injustiça
socioambiental.

Para tanto, partimos da concepção do historiador Marc Ferro (1990) de que, durante a infância, os
sujeitos produzem sentidos e constroem narrativas sobre sua identidade e sobre ―outros‖, ou seja, outros grupos
sociais, outras sociedades, outros lugares, a partir das histórias que são reproduzidas e legitimadas nas/pelas
instituições sociais (família, escola etc.). A partir desta perspectiva nos apropriamos de uma análise teórica
sobre exclusão e processos de representação social, para então analisar a possibilidade de desconstrução de
saberes excludentes reproduzidos nas narrativas de sujeitos pobres e negros.

86
Kathleen Kate Dominguez Aguirre é licenciada em História e mestranda do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FURG). E-mail: katedominguezaguirre@gmail.com
87
Cassiane de Freitas Paixão é socióloga e professora adjunta do Instituto de Ciências Humanas e da Informação (ICHI) da FURG,
assim como do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH). E-mail: cassianepaixao@outlook.com.
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Enquanto sujeitos desta pesquisa, procuramos pensar as representações históricas dos negros e pobres
que permeiam as relações sociais. Ou seja, é necessário compreender as condições sociais de existência destes
grupos como fruto de um processo histórico de desigualdade e igualmente da construção de discursos
hegemônicos que legitimam a injustiça sobre os mesmos, negando a distribuição desigual de riquezas, assim
como perpetuando o racismo institucional no Brasil. Para tanto refletimos que todo sistema de imposição de
significações é produto e (re)produtor das relações de força na sua base, tendo como objetivo a manutenção de
poderio de um grupo ou classe dominante.

Resultante das ações educativas hegemônicas podemos refletir sobre o negro e o pobre enquanto
sujeitos presentes dentre os Demônios do Demônio do ensaio de Eduardo Galeano, que analisa ironicamente as
condições históricas destes grupos e as representações hegemônicas sobre os mesmos. Segundo Galeano, aos
pobres e negros são dedicados espaços pauperizados e exige-se deles que aceitem o seu lugar. Sua condição é
socialmente lavada de culpa e das aproximações do Lúcifer. A eles cabe apenas a caridade dos ―homens de
bem‖, que lhes negam História e lhes acusam inconveniência. O Brasil de hoje, em sua maioria, é retrato deste
pensamento, afinal, ao pobre acusam de vagabundo e ao negro acusam de vitimismo. Nas palavras de Eduardo
Galeano (2005)

(...) antes de serem marcados com ferro quente, na cara e no peito, todos os negros recebiam uma boa
unção de água benta. (...) Se lambem enquanto você come, espiam enquanto você dorme: os pobres
espreitam. Em cada um se esconde um delinquente, talvez um terrorista. Nada de novo. Tem sido assim
desde quando os donos de tudo não conseguem dormir e os donos de nada não conseguem comer.

Não há “nada de novo” e é esta a realidade que encontramos ainda no que se pensa e no que se sente
sobre estes grupos nas ruas, nos lares, nas escolas e nas universidades brasileiras. O medo aos pobres e negros é
semeado de duas formas: da sociedade sobre eles e deles perante a sociedade. Nos discursos hegemônicos sobre
estes dois grupos pesam histórias de sofrimento e culpabilização, e sua condição nada mais é que fruto de seu
comportamento, da negação do esforço neste mar de oportunidades88 para todos. Aos que ―dominam‖ a
História este é o único palco protagonizado por negros e pobres, que ao mundo neoliberal, pouco interessa.
Ainda, pensamos que enquanto os donos de tudo exploram pessoas e territórios, desapropriam direitos e
desperdiçam as riquezas naturais com fins lucrativos, os donos de nada são levados a acreditar que são
responsáveis por suas condições de miséria, fome e precarização socioambiental.
Nos dois próximos capítulos partimos destas premissas para refletir sobre o que é exclusão social, e de
que forma esta categoria de estudo explica a seletividade socioambiental por classe e raça, assim como
pensamos uma das formas pelas quais se legitimam as estruturas sociais desiguais, no que tocamos a

88
―Polo Naval: Um Mar de Oportunidades‖ foi o slogan utilizado na I e II Feira do setor realizada no município de Rio Grande, sendo
a mesma realizada dentro das dependências da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), mesmo se tratando de um evento
privado e de negócios‖ (MACHADO; SANTOS. 2013)
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ISBN 978-85-7566-380-6
compreensão das representações sociais e sua função na manutenção de poderio das classes e grupos
dominantes.

Exclusão social e seletividade ambiental

Para compreender a historicidade da construção social que exclui e culpabiliza pobres e negros,
buscamos na sociologia discussões sobre as representações de pobreza e exclusão social. Segundo Robert
Castel (2013), que considera vulgarizado o conceito de exclusão social, para os trabalhadores pobres existe uma
ambiguidade que é fruto da sociedade salarial: na miséria os recursos do trabalho são insuficientes para a
existência, porém, aquele que tem condições de trabalhar e não o faz, é considerado o vagabundo, o desfiliado
da sociedade, porque não se enquadra nesta organização social e nem passa pelas triagens do assistencialismo.
É o outro frente ao homogêneo.

Para Castel existem várias formas de exclusão, que devem levar em conta “as dinâmicas sociais globais
responsáveis pelos desequilíbrios atuais” (2011, p.29). Segundo o sociólogo, para denominar a exclusão a um
grupo social deve haver como prerrogativa a ausência de algo e a degradação frente a um posicionamento
anterior. Para pensarmos estes casos a partir das categorias de pobreza e raça nas escolas brasileiras, podemos
nos apoiar na vulgarização da história e cultura afro-brasileira pelos currículos escolares, assim como na
precarização do sistema público de ensino. Sobre a vulnerabilidade frente a uma condição anterior de existência
- que, segundo Castel, também é o que define a exclusão - podemos pensar no contraste da população brasileira,
ou seja, dos benefícios de ser não-pobre e não-negro numa sociedade que reproduz o discurso de democracia
racial frente a desigualdade histórica e ao racismo institucional. Robert Castel, entretanto, pensa a partir de uma
perspectiva de classificação socioeconômica, o que não atende à demanda desta pesquisa em analisar além da
classe econômico, a dominação etnicorracial existente.

Já para o sociólogo Pierre Bourdieu (2012), no qual encontramos maior respaldo teórico para esta
pesquisa, o pobre passa por um processo de exclusão social a partir da própria triagem de um padrão ideal de
cidadania intrínseco às condições históricas dos grupos e à constituição de espaços e disputas por poder.

Esta triagem provoca a “incerteza profunda a respeito do presente e do futuro” citada por Bourdieu no
texto ―Ah! Os belos dias” (2012, p. 489). Em A Miséria do Mundo, organizado por Pierre Bourdieu, os autores
discutem a realidade social excludente a partir dos sistemas escolares franceses. Assim como no Brasil, estão aí
envolvidos os interesses e jogo político do Estado em aumentar o número de indivíduos com nível mais alto de
escolaridade, independente da qualidade da mesma, baseados em discursos de igualdade numa sociedade onde a
seletividade já está dada desde o nascimento do indivíduo, para manter o status quo. As variações por origem

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são claras, assim como as consequências do jogo ambíguo entre número e exigência é frustrante para os
sujeitos.

Como discutem Bourdieu e Champagne (2012) no texto Os excluídos do interior, as demandas e


necessidades da comunidade escolar diferem segundo seu público. A hierarquia social e do trabalho começa na
seletividade da escola que convence o indivíduo a não querer a escola, quando na verdade é ela que não o quer.
Assim, os excluídos passam a se dar conta que o acesso à escola não significa aproximação de melhores
posições na hierarquia social. A entrevista que constitui o texto de Broccolichi e Oeuvrard (2012) sobre o futuro
dos estudantes e as tensões do sistema escolar, apenas corrobora com esta discussão. Para o entrevistado “não
há outro lugar para ir” (p.530). A este problema a sociedade tende a culpar a própria vítima, que interioriza os
determinismos da História hegemônica, o que é perceptível no seu discurso.

A exclusão social, nesta perspectiva, a qual nos apoiamos para os estudos que seguem, atinge aos grupos
sociais enquanto fruto das condições históricas de desigualdade social. Por sua vez, estas condições são
produzidas e reproduzidas através das relações de força pautadas na manutenção daqueles grupos dominantes
(aqui nos referimos especialmente aos não-pobres e não-negros). Esse poderio é dado de forma a legitimar e
inculcar significações que mantém a distribuição desigual de riqueza, o racismo e a injustiça socioambiental, a
favor dos que se beneficiam destas condições.

Os grupos excluídos (aqui nos referimos especialmente aos pobres e negros), por sua vez, são
subjugados conforme seletividade por classe e cor. Ao tratarmos da injustiça e exclusão socioambiental,
portanto, também nos referimos às condições em que grupos sociais pobres e negros são prejudicados
desigualmente na distribuição de fatores e condições de risco socioambiental, ou seja, são mais prejudicados
por poluição, infraestrutura precária, acessibilidade vulnerável e direito à cidade (ALSCERAD; MELLO;
BEZERRA. 2009, p. 48). No que tocamos o fator raça, então, esta desigualdade é ainda mais agravada, quando
as disparidades se acentuam em referência à regiões e bairros onde a maioria dos residentes é declarada preta ou
parda. Sobre isso o livro O que é Justiça Ambiental ((ALSCERAD; MELLO; BEZERRA. 2009. P. 53)
apresenta dados que comprovam características do que poderíamos chamar racismo ambiental, quando grupos
são ainda mais prejudicados pela precarização socioambiental (como em relação à saúde, educação, saneamento
básico etc).

Acreditamos, portanto, que as formas pelas quais se dão a desigualdade socioambiental, as condições de
vida e as perspectivas de futuro dos sujeitos levam em conta a seletividade social e etnicorracial. Essas
condições são então significadas e impostas por grupos e classes hegemônicas através de práticas e saberes
reprodutores do status quo. A Escola, na perspectiva de Pierre Bourdieu, é uma das instituições que reproduz
estas significações. Ao refletir sobre a representações sociais, a desigualdade socioambiental e o racismo como

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categoria de manutenção destes dois últimos, temos que é relevante e necessário perceber como as relações de
força constituintes da sociedade brasileira estão postas nas escolas.

Sendo a escola uma instituição social e, a partir da perspectiva de que as representações sociais são
reificadas e reproduzidas no conflito de poderes entre os grupos sociais, temos, portanto, que a educação é uma
das formas pelas quais se dá este processo. Ou seja, a escola é uma das instituições encarregadas de produzir
e/ou reproduzir a ordem social. Neste sentido, o próprio sistema escolar é, hegemonicamente, baseado em
currículos e hierarquia de valores opressores, enquanto reprodutor do status quo.

Para compreender a relação de forças na formação de significações das sociedades é preciso depreender
toda ação pedagógica enquanto arbitrária de membros, grupos e/ou sistema de agentes sobre outros. Ou seja, a
própria ação pedagógica é a violência simbólica através da imposição de um arbitrário cultural por um poder
arbitrário. Ou melhor, a ação pedagógica visa a reprodução do arbitrário cultural de um determinado grupo ou
classe social.

Na estrutura das relações de força há um efeito de mediação (comunicação arbitrária) das diferentes
ações pedagógicas que colaboram àquela dominante através da ―autonomia‖ pedagógica. Assim, impor ou
inculcar um arbitrário cultural também depende do modo de educar (ou seja, do modo como se impõe, que é
outro arbitrário). Dessarte, o grupo que se faz dominante usa de artifícios (como a educação e o ensino de
História) para manter-se no poder, mesmo que haja uma força de oposição (BOURDIEU; PASSERON, 2012,
p.28).

A ação pedagógica é, portanto, seletiva e excludente, conforme os objetivos das classes e/ou grupos
dominantes, reproduzindo aquelas significações que contribuem para a manutenção de poder. Portanto, toda
ação pedagógica “tem objetivamente por condição de exercício o desconhecimento social da verdade objetiva
da ação pedagógica” (BOURDIEU; PASSERON. 2009, p.34).

A partir desta perspectiva, temos que a Escola tem como função a reprodução das desigualdades sociais
e a manutenção da sociedade de classes. Para Bourdieu (2008, p.234)

(...) por tanto tempo quanto nada perturbe esta harmonia, o sistema pode de alguma forma escapar à
história encerrando-se na produção de seus reprodutores como um ciclo de eterno retorno, já que,
paradoxalmente, é ignorando toda outra exigência exceto a de sua própria reprodução que ele contribui
mais eficazmente para a reprodução da ordem social.

Ou seja, nega-se qualquer outra versão da História que possa fazer oposição ou resistir à ordem social.
Segundo Bourdieu os sistemas de ensino são fundamentados com esta característica, obedecendo “às suas
regras próprias para obedecer ao mesmo tempo aos imperativos externos que definem sua função de
legitimação da ordem estabelecida” (2012, p.235). Os sistemas de ensino estão intimamente relacionados com
a reprodução do habitus e suas propriedades específicas inseparáveis aos seus grupos sociais. A escola, segundo
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Bourdieu e Passeron (2008), apresenta, portanto, uma ―dupla verdade‖ mediante sua autonomia relativa. A sua
autonomia é seguramente aceita e concebida enquanto reprodutora da estrutura social.

É com efeito à sua autonomia relativa que o sistema de ensino tradicional deve o fato de poder trazer uma
contribuição específica à reprodução da estrutura das relações de classe já que lhe é suficiente obedecer às
suas regras próprias para obedecer ao mesmo tempo aos imperativos externos que definem sua função de
legitimação da ordem estabelecida, isto é, para preencher simultaneamente sua função social de
reprodução das relações de classe, assegurando a transmissão hereditária do capital cultural e sua função
ideológica de dissimulação dessa função, inspirando a ilusão de sua autonomia absoluta. (BOURDIEU;
PASSERON. 2008, pp.234-235)

Para os autores, portanto, a escola é autônoma ao mesmo que dependente de sua função social. A
autonomia se caracteriza na sua função inculcadora, o que está associado à desigualdade social. Ou seja, a
inculcação dos sistemas escolares, negando os valores externos, conserva a ordem social, através da ilusão de
autonomia.

Acreditamos, assim, que as condições de opressão têm alicerces históricos de violência e conformação,
que a História hegemônica, e a forma como se ensina a mesma nas escolas, fomenta a discriminação social e
racial, e que na base desta reprodução cultural está a reprodução da estrutura social a partir de significações que
negam a história e cultura do negro e do pobre, assim como as relações de produção de suas condições
socioambientais, não cabendo no horizonte de emancipação destes sujeitos.

Sendo a Escola uma das instituições responsáveis pela manutenção da estrutura social é, então,
necessário identificar as representações sociais presentes nos seus discursos institucionais, reproduzidas na fala
de professores e nas narrativas de jovens e crianças. E, ainda, tendo como hipótese que estas representações são
mediadoras das formas de ser e agir dos sujeitos e suas perspectivas de futuro, ou seja, que desde crianças se
assimilam concepções e estigmas sobre si e sobre o mundo e passa-se a pensar conforme as mesmas, sentimos
necessidade de apreender a função das representações sociais como mediadoras desse processo.

Representações sociais: reprodução e legitimação das desigualdades

As representações sociais são objeto de estudo de diversas áreas (na psicologia, para compreensão do
comportamento social de indivíduos e grupos, na sociologia para o estudo dos fenômenos sociais e questões de
identidade de grupos, na antropologia, ao estudar as relações sociais e culturais, e na história, ao compreender a
historicidades das mudanças e permanências de determinados contextos). Refletimos sobre as mesmas para
abranger a função de reprodução das estruturas sociais que cabe às representações enquanto construções sociais
produzidas em subordinação dos sujeitos e contextos que a significam, ou seja, do lugar em que e ao qual
produzem, dos públicos que as projetam, e aos que a introjetam, e das intenções e mecanismos intrínsecos aos
conflitos de poder e dominação social. Assim, como no ensaio de Galeano, as representações dos demônios
negros e pobres são baseadas nas perspectivas de um Demônio que projeta e se assegura destas representações
para manter-se dominante.
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A dominação, para Bourdieu e Passeron, é também perpetuada pela interiorização e naturalização das
representações que constituem o discurso opressor de determinadas classes e/ou grupos sobre aqueles
excluídos, privilegiando os interesses dos primeiros. Essa interiorização é uma resposta à problemática da
dominação, ou seja, uma forma de resistir e sobreviver. A ampliação dessas representações acontece quando,
em tempo/espaço, elas são reificadas. O que se concebe, portanto, reflete no vivido, reforçando estereótipos. O
próprio discurso naturalizador do status quo é um artifício de reprodução das condições de existência. Segundo
Bourdieu e Passeron (2009, pp. 29-30)

Os mal-entendidos sobre a noção de arbitrário (e em particular a confusão do arbitrário e da gratuidade)


conservam-se, no melhor dos casos, naquele nível em que uma percepção puramente sincrônica dos fatos
de cultura […] obstina-se em ignorar tudo o que esses fatos devem às suas condições sociais de
existência. […] É assim que a amnésia da gênese que se exprime na ilusão ingênua do ―sempre assim‖,
assim como nos usos substancialistas da noção de inconsciente cultural, pode conduzir a eternizar e, com
isso, a ―naturalizar‖ as relações significantes que são o produto da história.

Esta naturalização pode ser percebida no processo de negação identitária, já que os sujeitos constroem
sua identidade a partir do modo como são vistos pelos outros. Ou seja, os indivíduos, resistindo à opressão,
afastam ou negam suas características como modo de serem aceitos socialmente. O grupo dominante, por sua
vez, utiliza deste comportamento como justificativa para aderi-lo ao próprio dominado. A demonização de
Galeano, portanto, parece produzida pelo próprio demônio: aquele dominante.

Logo, a partir de sua posição social o indivíduo faz sua leitura de mundo. Este lugar engloba o ponto de
vista na formação dos indivíduos, que para Bourdieu

é o princípio de uma visão assumida a partir de um ponto situado no espaço social, de uma perspectiva
definida em sua forma e em seu conteúdo pela posição objetiva a partir da qual é assumida. O espaço
social é a realidade primeira e última já que comanda até as representações que os agentes sociais podem
ter dele. (1996, p. 27)

Sobre isso voltamos às contribuições de Marc Ferro (1990) ao defender que as perspectivas individuais
e de grupos sobre o mundo e o ―outro‖ estão relacionadas à história que se conta às pessoas quando crianças, ou
seja, em processo de formação. Nesta perspectiva esta reflexão também consiste em desconstruir uma das
formas de manutenção da história dos vencedores, que é exercida nos ambientes de ensino formal produzindo e
reproduzindo discriminação social e racial.

Tendo como concepção as instituições escolares reproduzem concepções de mundo que privilegiam os
grupos dominantes na estrutura social, temos que a História hegemonicamente ensinada ainda preconiza
representações de progresso relacionadas à Europa e de inferioridade à mestiçagem no Brasil aplica-se,
portanto, a análise da historicidade das representações sociais enquanto produtora de considerações de
mudanças, permanências e perspectivas de ação e futuro.

A contribuição de uma análise que considere a historicidade das representações sociais oferece, portanto, a
possibilidade de, ao sopesar sua dimensão estável e dinâmica, estabelecer um referencial analítico e
interpretativo acerca do conteúdo representacional no sentido de investigar os processos que o constitui,
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contribuindo, com isso, para sua desnaturalização, ou seja, para a compreensão de que ele é parte de uma
construção histórica e não uma espécie de ―universal abstrato‖, na medida em que permite tornar visível a
―experiência histórica de nossa sociedade‖, que se expressa na atualização de elementos do passado
presentificados nas representações sociais contemporâneas. (BÔAS, 2010, pp.20-21)

Pensando na experiência histórica da sociedade brasileira há demanda de engajamento científico social


em analisar e desmistificar as representações de uma História conservadora. No âmbito das representações e do
poder, identificar-se enquanto não-pertencente ao grupo dominante é um passo para a resistência à exclusão que
o mantém no poder opressor. O que modifica a posição do sujeito, o habitus que lhe confere, e, portanto, seu
discurso. Antes que se permita cair na negatividade, portanto, da História e da sociedade, é preciso
compreender o espaço social enquanto um campo de produção coletiva que se faz no consenso e no conflito
(BOURDIEU, 1996). E então, a partir da consciência de si na diferença do outro há possibilidades de construir
uma outra realidade.

À guisa de conclusão: desigualdade e injustiça históricas

A partir das discussões que aqui passaram, podemos perceber o quanto os fatores raça e classe pesam na
hierarquização social, também especialmente quando se tratam de pensar as políticas ambientais, que são
desiguais e injustas historicamente. Ou seja, os grupos sociais oprimidos, e aqui nos dedicamos especialmente a
pensar negros e pobres, são ainda fadados a arcar com as consequências (prejuízos talvez seja um termo mais
cabível) das decisões de sustentabilidade dos grupos dominantes. E, ainda, são levados a crer que são
naturalmente prejudicados ambientalmente por sua condição de existência, invisibilizando o jogo social que
constitui esta realidade.

Eduard Said (2011) auxilia para esta discussão mostrando que a literatura tem como contribuir com a
história ao mostrar que a produção na Europa do século XVIII, por exemplo, era a história das elites daquele
continente, e que, a América Latina (caso da região de nosso estudo) foi sempre, às vezes nas entrelinhas,
identificada como colônia e fonte de riqueza para aqueles onde seus povos bárbaros e selvagens, pagãos e
incultos, mereciam a dominação e a exploração.

Sobre isso podemos usar como exemplo a própria cidade de Rio Grande onde percebe-se uma história
de conflitos entre os colonizadores açorianos e espanhóis pela posse das terras e destes com os grupos
oprimidos e explorados, identificando uma distribuição desigual da riqueza, concentrada nas mãos de uma
minoria e desfavorecendo a massa popular. Esta minoria apropriou-se, ao longo da história do Rio Grande não
apenas das terras e do fruto do trabalho nas mesmas, assim como dos espaços de poder, ao passo que
empreendimentos como o Polo Naval e também instituições como a Universidade Federal do Rio Grande,

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ambos construídos e também mantidos, em parte, com dinheiro público, se baseiam hegemonicamente em
ações que favorecem e condicionam a sustentabilidade de poder das elites à medida que os empresários do
porto lucram através da exploração de seus empregados, assim como a FURG compactua com esta prática e
produz saberes e discursos conservadores e neoliberais.

Vemos, portanto, que continuam se ―produzindo e re-produzindo‖ representações baseadas nas versões
dos dominadores/exploradores coloniais do passado brasileiro, transpostas ao presente na superioridade de um
grupo sobre os excluídos e que, sobre uma das formas como isto acontece no ensino básico, o ensino de
História é utilizado como instrumento de manutenção de poderio, perpetuando as desigualdades social,
ambiental e racial e os estereótipos intrínsecos às mesmas. Assim, enquanto o ensino hegemônico refere-se à
Educação Ambiental enquanto práticas rasas de proteção à natureza, sujeitos sobrevivem em ambientes de
vulnerabilidade socioambiental legitimados pelos projetos econômicos excludentes.
É nesta perspectiva que nos baseamos para refletir sobre a exclusão socioambiental e reprodução
histórica destas condições. Entretanto, temos que os grupos excluídos constroem também saber histórico. A
história é um discurso que está sendo disputado pelos sujeitos envolvidos e as representações dadas a partir dela
são negociadas com os critérios dos ―outros‖. Ou seja, as memórias e identidades se constroem em conflito,
também conflitos de valores e hierarquização entre os subgrupos. À própria prática pedagógica ainda está
arraigada a tendência ao embranquecimento da sociedade brasileira, assim como o currículo escolar está
impregnado de história branca e elitista.

O tema desta proposta de pesquisa relaciona pobreza e raça contrariando o discurso hegemônico
brasileiro de democracia racial e igualdade que mantém o véu sobre o racismo e as condições da população
negra e culpando à própria vítima de injustiça e marginalização social. A manutenção do discurso hegemônico
é feita também na negação do processo identitário a esses grupos, que se dá na valorização diária de sua cultura,
história e patrimônio, que têm sido silenciados, assim como através das políticas públicas afirmativas. Negar
estas práticas é, portanto, a própria forma de manter a desigualdade e injustiça históricas, com raízes num
passado recente de projetos e propostas baseadas no racismo científico

Referências

BÔAS, Lúcia Pintor Santiso Villas. Uma abordagem da historicidade das representações sociais. In.: Cadernos
de Pesquisa. Vol. 40. N 40. São Paulo. May/Aug 2010.
BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de
ensino. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
BOURDIEU, Pierre. As contradições da herança. BOURDIEU, P. CHAMPAGNE, P. Os excluídos do interior.
BOURDIEU, P. Ah! Os belos dias. BROCCOLICHI, Sylvain; OEUVRARD, Françoise. A engrenagem. In.:
BOURDIEU, Pierre. A miséria do mundo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
170
ISBN 978-85-7566-380-6
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.
CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. 11 ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2013.
CASTEL, Robert. As armadilhas da exclusão. In.: CASTEL, Robert. (Org). Desigualdade e a questão social.
São Paulo: EDUCA, 2011.
FERRO, Marc. Cómo se cuenta la historia a los niños en el mundo entero. México: Fondo de Cultura
Económica, 1990.
GALEANO, Eduardo. Os demônios do Demônio. 2005. Disponível em <http://www.geledes.org.br/os-
demonios-do-demonio-por-eduardo-galeano/#gs.6f41b6e1e0ff46e39d6b39f0f49cb72>. Acessado em julho de
2015.
SAID, Edward W. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

171
ISBN 978-85-7566-380-6
RIO GRANDE: PARTINDO DA OCUPAÇÃO PARA ENTENDER A DESIGUALDADE
SOCIOAMBIENTAL

Eron da Silva Rodrigues89


Carlos Roberto da Silva Machado 90

Resumo
Fronteiras sempre foram regiões de intensas disputas e constantes conflitos. E no extremo sul do Brasil não fora
diferente, principalmente no período que tange o século XVIII e XIX. Neste período, diríamos estarem se
formando as raízes das classes e grupos sociais que, ainda hoje, através da educação nas escolas das cidades é
contada como sendo de heróis e salvadores, desbravadores e lutadores que lutaram contra os selvagens, a
natureza inóspita, ou que através de suas bravuras garantiam as ―fronteiras brasileiras‖ que os espanhóis
buscavam ocupar, invadir, dominar. Procuraremos assim, começar um processo de entendimento de como, onde
e quando começa a se estabelecer as raízes da desigualdade socioambiental no estremo sul do Brasil? E a partir
disso, procurar alternativas no campo da educação ambiental para superar as injustiças socioambientais
encontradas com facilidade na Cidade do Rio Grande.
Palavras chave: Rio Grande. Desigualdade ambiental. Educação Ambiental.

A Cidade do Rio-Grande é historicamente marcada pela desigualdade social e exploração de


determinadas famílias sobre as camadas pobres, sejam os indígenas locais, os pobres trazidos para a região a ser
ocupada durante as disputas entre os portugueses e espanhóis, assim como os negros importados para a
escravização. Partimos, enquanto hipótese, que os espaços constituídos hoje na cidade são produto das relações
e conflitos entre estes grupos.

Nos últimos anos a cidade passou por uma explosão econômica decorrente da construção e produção no
polo naval, ainda em benefício de poucos empresários que desfrutam dos recursos públicos para o acumulo de
riqueza, pautados na forte exploração humana e ambiental. Neste cenário houve levas de migração do sudeste,
norte e nordeste do país, servindo como mão de obra para as empresas do porto, a partir disso, foi possível
perceber o emergir de manifestações de ódio e racismo que entendemos serem históricos na região. Mas
geralmente despercebidos como consequências dos conflitos gerados pelo capitalismo e a injustiça e disputa de
poder inerentes a ele. Assim, destacamos que a terra e os territórios, as riquezas e os espaços de poder são
apropriados e usados em benefícios de poucos.

―No Brasil, é sabido que desde a conquista colonial, passando pela ocupação das terras indígenas, pela
exploração dos recursos naturais pela metrópole portuguesa, pela formação intersticial de um mercado
doméstico, o trabalho de muitos fez do território um mundo para poucos. Por muito tempo o poder sobre

89
Mestrando do Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental PPGEA – FURG rodrigues.eron@hotmail.com
90
Professor do Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental PPGEA - FURG carlosmachado2004furg@gmail.com

172
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os homens foi condição do poder sobre o território e seus recursos. Ante a vastidão continental do país e a
enorme disponibilidade de terras livres, o escravismo foi condição essencial da apropriação privada da
base material da sociedade.‖ (ACSELRAD;MELLO;BEZERRA,2009.p.121)

Fronteiras sempre foram regiões de intensas disputas e constantes conflitos. E no extremo sul do Brasil
não fora diferente, principalmente no período que tange o século XVIII e XIX. Neste período, diríamos estarem
se formando as raízes das classes e grupos sociais que, ainda hoje, através da educação nas escolas das cidades
é contada como sendo de heróis e salvadores, desbravadores e lutadores que lutaram contra os selvagens, a
natureza inóspita, ou que através de suas bravuras garantiam as ―fronteiras brasileiras‖ que os espanhóis
buscavam ocupar, invadir, dominar. E é nessa região conflituosa, onde já circulavam índios, contrabandistas de
gado vacum, mercadores, que em 1737 é fundado o Presídio Jesus-Maria-José que deu origem a primeira
cidade do estado do Rio Grande do Sul e que hoje é conhecida como cidade do Rio Grande. Quanto a isto é
possível observar a forte miscigenação já nos primórdios da fundação da cidade, como observa Luis Henrique
Torres:

―A partir de 1737, a atual cidade do Rio Grande se projeta como um laboratório de experiências culturais,
biológicas e de complexas relações sociais que envolveram soldados, europeus, açorianos, índios, negros
e colonizadores do Brasil e da Colônia do Sacramento.‖ (TORRES, 2008. P.101)

Como se pode observar, embora nos dias atuais haja uma forte tendência a exaltar a formação da cidade
do Rio Grande como exclusivamente açoriana, o que se tem na realidade é uma negação de diferentes etnias na
constituição de um povoado que deu origem ao que hoje entendemos como Rio Grande do Sul.

Partimos que isso ocorre, mais fortemente, devido à clara negação desses diferentes grupos étnicos nos
meios de informação e de materiais didáticos que são utilizados para falar de forma histórica sobre tal
momento. Nossas inquietações vão ao encontro de que é neste momento, em meados da metade do século
XVIII, que passam a surgir neste território social pela exploração de alguns, principalmente portugueses, sobre
outros como negros e indígenas e também uma desigualdade ambiental onde um pequeno grupo passa a
controlar e explorar a maior parte da terra e do território. Nossos questionamentos seguem em relação de como
e por que os diferentes atores sociais da época se tornaram quase que ―fantasmas‖ em nossas escolas e
universidades?

Edward Said vai mostrar que a produção literária na Europa aponta sempre no sentido colonizador com
a afirmação de que o outro é o exótico, inculto, bárbaro e selvagem, justificando a exploração e a exclamação
de superioridade do branco e das elites daquele continente sobre os povos escravizados da América e da África,
utilizados para povoação e trabalho forçado para riqueza dos europeus. Esta perspectiva é ainda hoje
reproduzida nos espaços educativos, na mídia e na imprensa servindo como apoio na produção das relações de
poder contra aqueles grupos sociais considerados ―de baixo‖. Lander vai apontar que,

173
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―La conquista ibérica del continente americano es el momento fundante de lós dos procesos que
articuladamente conforman la historia posterior: la modernidad y la organización colonial del mundo.
Con el inicio del colonialismo en América comienza no sólo la organización colonial del mundo sino –
simultáneamentela constitución colonial de los saberes, de los lenguajes, de la memoria y Del imaginario.
Se da inicio al largo proceso que culminará en los siglos XVIII y XIX en el cual, por primera vez, se
organiza la totalidad del espacio y del tiempo -todas las culturas, pueblos y territorios del planeta,
presentes y pasados- en una gran narrativa universal. En esta narrativa, Europa es -o ha sido siempre-
simultáneamente el centro geográfico y la culminación del movimiento temporal. (...)Con los cronistas
españoles se da inicio a la ―masiva formación discursiva‖ de construcción de Europa/Occidente y lo otro,
del europeo y el indio, desde la posición privilegiada del lugar de enunciación asociado al poder
imperial.‖ (LANDER,2005.p.16)

É através destes pontos levantados por pesquisadores como Edgardo Lander, que pretendemos trabalhar
nossas pesquisas, dando um enfoque sob o discurso da ótica europeia portuguesa, frente aos ―outros‖ na
apropriação do território sul da America do Sul.

Nossa perspectiva é de que hoje na região predomina a desigualdade ambiental, à medida que uma
minoria se apropria da terra e da riqueza produzida por ela e pelos trabalhadores, mas não em benefício destes.
Em decorrência disso, afirmamos que a história contada nos livros didáticos e na Universidade tende a
reproduzir esta história dominante e branca.
O objetivo de nosso trabalho, está sendo pesquisar e mapear dados, informações e documentos
históricos, administrativos, relatos, crônicas, etc. para mostrar que, ao contrário disso, há outros atores,
conflitos, visões e percepções sobre a realidade, diferente e em confronto com aquela que nos é contada como
única e inabalável. Podemos, como forma de exemplificação, utilizar as pesquisas da professora Drª Helen
Osório que em sua tese de doutorado trás um quadro que nos mostra o quão forte foi a presença de escravos já
no início do processo de povoamento do Rio Grande do Sul:

Tabela 1 - Escravos importados pelo Rio Grande do Sul, 1792-1822 (OSÓRIO, 2007)
Anos Total de escravos Escravos Escravos % importações
importados pelo Rio importados do importados do Rio de
Grande do Sul Rio de Janeiro da Bahia Janeiro
1792 - 316 - -
1800 400 - - -
1802 519 452 66 87,1
1803 752 618 88 82,2
1805 559 515 28 92,1
1808 1.072 598 363 55,8
1809 768 585 139 76,2
1810 731 552 131 75,5
1811 1527 1 320 76,9
174
1812 1330 1168 110 87,8
1813 2073 1791 173 86,4
1814 3256 2560 297 78,6
1815 1297 1185 41 91,4
1819 1601 1537 23 96,0
174
ISBN 978-85-7566-380-6
1820 1443 1232 194 85,4
1822 - 1799 - -

É possível também , analisar os diversos relatos de viajantes que a partir do inicio do século XIX,
passaram a fazer viagens por essas regiões de fronteira e que através de variados diários de bordo levavam para
seu país natal uma percepção do que viam e do que acontecia nessas regiões. Dentre esses cronistas que, sobre
suas óticas escrevem sobre Rio Grande e região, temos relatos como o do naturalista francês Auguste de Saint-
Hillaire, que trazia uma percepção europeia de ambiente e civilização. Já de antemão acreditamos ser uma visão
preconceituosa e eurocêntrica de uma região que em quase nada se parecia com efervescente Europa do século
XVIII. Como podemos identificar neste trecho abaixo:

[...] Nada se iguala à tristeza desses lugares. De um lado, o bramir do oceano; e do outro, o rio. O terreno,
extremamente plano e quase ao nível do mar, é todo areal esbranquiçado, onde crescem plantas esparsas,
principalmente o senecio. As choupanas, mal conservadas, só anunciam miséria: destroços de
embarcações semi-enterradas na areia recordam pungentes desgraças e nossa alma se enche, pouco a
pouco, de melancolia e terror. O refluxo das águas do rio, produzido pelo mar, e a falta de profundidade
são as causas das dificuldades que a barra apresenta à navegação e dos naufrágios freqüentes que ali
ocorrem. Para prevenilos, foram tomadas, entretanto, várias precauções. A torre, da qual já falei, indica
aos navegantes a embocadura do rio. Um homem encarregado de sondar constantemente a barra, por meio
de sinais, informa às embarcações se a quantidade de água, que varia sem cessar, lhes permite a entrada;
estas também fazem sinais indicativos sobre o calado de suas embarcações; enfim, quando saem ou
entram, o prático da barra, num pequeno barco denominado catraia, vai mostrando, por meio de uma
bandeira, que ele inclina de um lado ou de outro, o caminho a seguir. O prático recebe dez mil-réis de
cada embarcação que sai ou entra. (Saint Hillaire: 1820: 100)

Identifica-se que suas observações são orientadas com o que ele passa e vive em seu continente natal.
Fazendo assim, um comparativo de ambiente com a Europa e as grandes cidades onde o processo de
―domesticação‖ da natureza já naquele momento se encontrava muito amplo, em contraponto ao da cidade do
Rio Grande e de toda região de fronteira do sul do Brasil.
A valoração dos povos distintos, sejam aqueles que já aqui viviam ou aqueles que foram trazidos a força
para serem escravizados, são deixados a margem dos livros de história, ou se aparecem são em poucos casos.
Percebe-se que o nascimento de Rio Grande e por consequência do Rio Grande do Sul, que aparece nos livros
didáticos é quase sempre como uma forma de conter a invasão espanhola e assim evitar o contrabando 91.
Podemos observar no trecho a seguir o como é enaltecido o papel do homem branco português na constituição
do território onde atualmente é localizada a cidade do Rio Grande e através disso, também é possível perceber a
não nomeação de outros atores sociais no processo de povoamento do local:

Para proteger o continente, a Coroa portuguesa criou em 1737 o presídio e o povoado de Rio Grande, no
canal que dá acesso à laguna dos patos. (...) O presídio, chamado de Jesus-Maria-José, serviu também de
ponto de apoio para a Colônia de Sacramento, frequentemente atacada pelos espanhóis. Além disso,
possibilitou o povoamento da região por causa da vinda de centenas de pessoas, que se instalaram nas
áreas ao redor dele. (PILETTI, 2012.p.41)

91
Sobre isso, Guilhermino Cesar diz que “nem o contrabando de víveres ou de tecidos, nem o de gado, nem o da prata e ouro foram
por aqui mais rendosos do que o de carne humana. (...) A Companhia de Jesus, por exemplo, pugnava pela total liberdade do índio,
mas aceitava a escravidão dos negros, ao ponto de importá-los para suas fazendas.” (1978, p.19)
175
ISBN 978-85-7566-380-6
Nota-se que um livro que aborda o tema com crianças de 4º e 5º ano do ensino fundamental o faz como
os portugueses sendo os detentores destas terras e travando lutas contra aqueles que teriam como intuito tomar e
destruir as terras que eram de Portugal. O livro, acima citado, serve principalmente para as escolas públicas da
cidade do Rio Grande, como uma das únicas bases didáticas, não se encontrando outro livro que possa ter uma
proposta e uma ótica diferenciada.

Mas, também na Universidade Federal do Rio Grande, alguns pesquisadores que trabalham a história
deste período, acabam também fazendo afirmações que possibilitam a legitimação de um discurso que nega as
diferentes etnias e os diferentes grupos que aqui habitavam ou passaram a habitar nos meados do século XVIII:

Em relação ao lugar social dos açorianos na Vila do Rio Grande, Queiroz observa que o insignificante
número de famílias açorianas que se tornaram proprietárias de escravos até abril de 1763 (invasão
espanhola) significa claramente que, nesta fase, a mão-de-obra básica das pequenas propriedades – as
chácaras ou sítios –, que os casais açorianos partilharam com tios, primos, sogros, e outros casais, foi
essencialmente livre, branca, açoriana; os açorianos constituíram a autentica classe camponesa da
sociedade rio-grandina deste período. (TORRES. 2008:189)

Pode-se notar o quão ainda um discurso elitista e excludente está intrínseco nessas argumentações dos
livros didáticos e de artigos acadêmicos que circulam na cidade do Rio Grande. Porém, é possível procurar
novas perspectivas e relatos que contrapõem tais discursos, como é o caso de Helen Osório em sua tese de
doutorado, mas também em outras publicações, como Fabio KUHN, que mostram que desde o inicio os
açorianos trouxeram escravos e que estes não podem ser marginalizados dos livros de história, sejam eles
didáticos ou acadêmicos.

Temos que história desse período, portanto, nos é contada quase que de forma única, contadas por
militares portugueses ou seus aliados, funcionários portugueses ou brasileiros brancos, muitos de origem
portuguesa, e assim ressaltando o papel destes na história da cidade do Rio Grande e região. Nestas, os negros,
os indígenas e os espanhóis são os escravos, serviçais, inimigos e/ou selvagens. É enaltecido o trabalho desses
―desbravadores‖ portugueses, que contribuíram em muito para transformar uma terra até então ―selvagem‖ num
lugar apropriado para se viver e explorar suas riquezas naturais.
Assim, como hoje, a história não é feita ou resultado apenas pelas ações dos brancos ou das classes
dominantes, acreditamos que este território que atualmente é compreendido como o Estado do rio grande do Sul
e mais especificamente a localidade onde se encontra a Cidade do Rio grande, fora construído e constituído por
diferentes grupos étnico-raciais e por inúmeros conflitos socioambientais que ainda pouco aparecem nos livros
escolares e nos periódicos acadêmicos da nossa Universidade.
Tal realidade tem corroborado por mais de dois séculos, com uma enorme desigualdade socioambiental,
que tem sido marca histórica da região desde sua povoação organizada e arquitetada pelos colonizadores
176
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portugueses. A partir destas percepções como discurso único, com negação de diferentes povos e grupos nos
livros didáticos que retratam a história da cidade para as crianças, com um discurso no mínimo tendencioso por
parte de alguns professores da Universidade Federal do Rio Grande é que passamos a entender o porque de
estarmos, tão fortemente, inseridos num cenário desolador de exploração e degradação ambiental na Cidade do
Rio Grande. Percebemos que estas ações que negam o outro tem servido para a manutenção de uma realidade
exploratória onde um pequeno grupo que mantém raízes históricas de exploração e manutenção de poder pode
sobrepor-se a outros diversos e que não se entendem representados nestas escritas.
Entendemos que a forte injustiça ambiental que está arraigada na Cidade do Rio grande é fruto de uma
utilização desigual de seus bens, porém corroboramos que

―Se há diferença nos graus de exposição das populações aos males ambientais, isso não decorre de
nenhuma condição natural, determinação geográfica ou casualidade histórica, mas de processos sociais e
políticos que distribuem de forma desigual a proteção ambiental. (...) Outra manifestação da desigualdade
ambiental concerne ao acesso desigual aos recursos ambientais. Este acesso desigual se manifesta tanto na
esfera da produção, no que diz respeito aos recursos do território, como na esfera do consumo, com os
recursos naturais já transformados em bens manufaturados.‖
(ACSELRAD;MELLO;BEZERRA,2009.p.73-74)

Conforme os autores acima evidenciados, é notório que a realidade encontrada na Cidade do Rio Grande
é fruto de disputas sociais e políticas, onde constantemente os grupos que oprimem e forçam a desigualdade
social, ambiental, étnica, de gênero, estão há muito nos contando a história, sob seus prismas, e fomentando a
exploração e a injustiça ambiental. Com isso é necessário compreender essas questões históricas, na qual
estamos inseridos, para que a partir desta realidade possamos trabalhar com mais qualidade e conhecimento de
causa as questões acerca da Educação Ambiental nas escolas, nos bairros e nas comunidades mais atingidas, na
cidade, pela forte desigualdade ambiental da qual fazemos parte.
Esperamos que nossas pesquisas e escritas possibilitem uma maior compreensão dos fatos históricos
desta região, para assim haver um avanço nos processos de não alienação da população riograndina que
permita, cada vez mais, haver contra-discursos frente ao que está posto atualmente. Com isso, poderíamos
avançar em inúmeras questões de ordem pública para um melhoramento mínimo de diversas comunidades que
hoje sofrem com os abusos do Estado e de grupos empresariais que visam não mais que o lucro incessante
explorando e degradando o que for.
Para finalizar trazemos um pequeno trecho extraído do livro Repensar a educação ambiental: um olhar
crítico, onde em um dos inúmeros artigos ali presente, destacamos um trecho onde Philippe Layrargues
apresenta o que ele entende como desigualdade ambiental:

―è definida como a exposição diferenciada de grupos sociais a amenidades (ar puro, áreas verdes e água
limpa) e situações de risco ambiental. Minorias étnicas e grupos de baixa renda estão mais expostos a
riscos ambientais como enchentes (inundações), deslizamentos (desmoronamentos), poluição,
contaminação etc. ou seja, existe uma relação entre baixa condição socioeconômica e alta exposição ao
risco ambiental, corroborando a desigual distribuição das amenidades e dos riscos ambientais entre os
grupos sociais, causando injustiça ambiental para uns e conforto ou segurança ambiental para outros.‖
(LAYRARGUES,2009.p.18-19)
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CESAR, Guilhermino. Primeiros cronistas do Rio Grande do Sul 1605-1801: estudo de fontes primárias
da história rio-grandense acompanhado de vários textos. 2ª.ed.Porto Alegre:EDURGS,1981.
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MIRCO, Carmen Helena Braz. Textos para o estudo da História do Município do Rio Grande, XVI –
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TORRES, Luis Henrique. A cidade do Rio Grande: escravidão e presença negra. Rio Grande: Salisgraf,
2008.
TORRES, Luis Henrique. a colonização açoriana no rio grande do sul (1752 – 1763). Rio Grande, Salisfraf,
2004.

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TRABALHO, TRABALHO PEDAGÓGICO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: UMA
ABORDAGEM DAS ESCOLAS DO CAMPO NA REGIÃO METROPOLITANA DE
CURITIBA
Gerson Luiz Buczenko92

Resumo

O presente trabalho, ainda em fase inicial de pesquisa, para o Doutoramento em Educação pela Universidade
Tuiuti do Paraná (UTP) procura abordar o trabalho pedagógico, desenvolvido em escolas do campo, localizadas
na Região Metropolitana de Curitiba (RMC) e inseridas em áreas de Proteção Ambiental de Mananciais
(APAs), uma vez que a Capital do Estado, faz a captação de águas pluviais para o abastecimento da população,
nos mananciais da RMC. Para um debate teórico inicial apresentamos o conceito de trabalho, com base no
pensamento Marxista, o conceito de trabalho pedagógico e suas conexões com a Educação Ambiental crítica, e
ainda dados iniciais sobre a pesquisa propriamente dita. O objetivo geral do presente trabalho é analisar o
conceito de trabalho em Marx e sua importância para a Educação Ambiental crítica. Como objetivos específicos
elegemos: conceituar trabalho e trabalho pedagógico em aproximação da perspectiva da Educação Ambiental
crítica; e, avaliar, dentro da perspectiva da Educação Ambiental crítica, a relação homem e natureza. A
indagação de pesquisa foi assim definida: os conceitos de trabalho, trabalho pedagógico e Educação Ambiental
estão diretamente relacionados? Ao final apresentamos informações preliminares sobre as Escolas do Campo,
localizadas na RMC e inseridas em APA.
Palavras-Chave: Educação Ambiental. Trabalho. Escola do Campo.

Introdução
O presente trabalho, ainda em fase inicial de pesquisa, para o Doutoramento em Educação pela
Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) que teve seu início no ano de 2014, procura abordar o trabalho
pedagógico, desenvolvido em escolas do campo, localizadas na Região Metropolitana de Curitiba (RMC) e
inseridas em áreas de Proteção Ambiental de Mananciais (APAs), uma vez que a Capital do Estado, faz a
captação de águas pluviais para o abastecimento da população, nos mananciais da RMC. Para um debate teórico
inicial apresentamos o conceito de trabalho, com base no pensamento Marxista, o conceito de trabalho
pedagógico e suas conexões com a Educação Ambiental crítica, e ainda dados iniciais sobre a pesquisa
propriamente dita.
O objetivo geral do presente trabalho é analisar o conceito de trabalho em Marx e sua importância para a
Educação Ambiental crítica. Como objetivos específicos elegemos: conceituar trabalho e trabalho pedagógico
em aproximação da perspectiva da Educação Ambiental crítica; e, avaliar, dentro da perspectiva da Educação

92
Docente da Faculdade CNEC Campo Largo; Doutorando em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná. Email:
buczenko@uol.com.br.

179
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Ambiental crítica, a relação homem e natureza. A final apresentamos informações preliminares sobre as Escolas
do Campo, localizadas na RMC e inseridas em APA, resultantes da pesquisa de campo já iniciada.

Trabalho e Trabalho pedagógico


Do conceito do senso comum, presente no dia a dia, abordamos o trabalho dentro da concepção teórica,
norteadora da presente tese, o Marxismo. Para Marx (1982, p.202) o trabalho é uma necessidade humana, é a
forma como o homem apropria-se da natureza para produzir a sua existência. Segundo ainda Marx (idem, p.
202), o trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo este em que o homem, por
sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza, onde acaba por se confrontar com
a matéria natural na condição de uma potência natural.Em suas análises sobre o trabalho humano, compara as
diferenças entre as atividades desempenhas pelos homens e aquelas realizadas de forma instintiva pelos
animais.

[...] uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao
construir a sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente
sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado
que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre
o qual opera, ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei
determinante do seu modo de operar e ao qual tem se subordinar a sua vontade. (MARX, 1982, p. 202).

A atuação sobre a natureza é comum tanto para o homem, como para os animais, uma vez que este tem
a necessidade de sobrevivência e de satisfação de suas. Porém, as atividades dos animais, ainda que causem
certo espanto pela sofisticação, limitam-se a uma condição que é imediata, ao contrário da ação do homem, que
ao acumular conhecimento, passa a produzir para além das suas necessidades, com a capacidade de idealizar o
que será produzido pelo trabalho. Assim, dá-lhe uma identidade própria do ser humano, transformando a
matéria-prima à sua vontade.

[...] o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano
com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-
se com a natureza como uma das suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e
pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida
humana. (MARX, 1982, p. 202).

No processo de ação e transformação da natureza, o homem produz a sua existência, modificando a


natureza e por consequência, a si mesmo, e acaba criando novas necessidades. Ao atuar sobre ―a natureza
externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica a sua própria natureza. Em razão da transformação do
homem pelo trabalho tendo como mediador principal a natureza, em função da relação direta do homem com a
natureza e sendo também natureza, advém outras formas de trabalho como o trabalho intelectual.
Do conceito de trabalho na perspectiva marxiana, essencial à vida do homem na alienante sociedade
capitalista, partimos para uma abordagem do trabalho intelectual. Temos por pressuposto, dentro desta teoria
180
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que a sociedade do capital labora para renovar-se constantemente, dessa forma, o trabalho intelectual acaba por
ser uma necessidade, dada a necessidade de uma mão de obra letrada e aos poucos, mais especializada, para
constituir o grande exército de reserva, necessário para a manutenção da sociedade capitalista. Assim o trabalho
intelectual, ganha destaque na sociedade do capital, pois, serve de forma incondicional aos apelos da classe
burguesa, preparando o trabalhador para o mercado, cada mais vez mais competitivo e exigente em termos de
qualificação técnica.

A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos de


produção, por conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as relações sociais. A conservação
inalterada do antigo modo de produção constituía, pelo contrário, a primeira condição de existência de
todas as classes industriais anteriores. Essa revolução contínua de produção, esse abalo constante de todo
o sistema social, essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas
as precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, e de ideias secularmente
veneradas; as relações que a substituem tornam-se antiquadas antes de se ossificar. Tudo que era sólido e
estável se esfuma, tudo que era sagrado é profanado, e os homens são obrigados a encarar com
serenidade, suas condições de existência e suas relações recíprocas. (MARX; ENGELS, 2015, p. 12).

Percebemos a condição de que tudo é provisório na sociedade em que prepondera o capital, pois, sempre
há algo novo no mercado e um novo mercado, uma nova mercadoria aliada a uma nova tecnologia e, um novo
sonho de consumo diante da acumulação de capital e ainda, um novo trabalho, que cada vez mais aliena o
homem de sua condição original.
Segundo Moraes (2014, p. 91), aos intelectuais caberia o papel de atuarem como agentes pensantes e
organizadores das classes subalternas na sociedade capitalista, uma missão que não teria apenas o aspecto
profissional, mas, ao contrário, a participação efetiva na construção de uma nova cultura pelo partido que
representa as classes subalternas e, por conseguinte, o trabalhador, com a função de encaminhar as ideias e as
aspirações da classe à qual pertencem organicamente.
Dentre os intelectuais, destacamos aqueles que desenvolvem o trabalho pedagógico, pedagogos e
professores, que de forma geral estão no ambiente educacional servindo de forma alienada ou não aos interesses
da sociedade capitalista, que separa o homem da natureza, coisificando essa relação e transformando o homem
também em mercadoria. À educação, e por sua vez ao trabalho pedagógico cabe o desafio de descontruir este
processo ou então de pelo menos estar ciente da condição de instrumento de mobilização de uma pensamento
dominante.
Para Libâneo (2010, p. 55) trabalho pedagógico nãose reduz ao trabalho escolar e docente, embora todo
o trabalho docente seja um trabalho pedagógico. O autor defende que a base da identidade profissional do
educador é a ação pedagógica, não a ação docente.

Com efeito, a Pedagogia corresponde aos objetivos e processos do educativo. Justamente em razão do
vínculo necessário entre ação educativa e a dinâmica das relações entre classes e grupos sociais, é que ela
investiga os fatores que contribuem para a formação humana em cada contexto histórico-social, pelo que
vai constituindo e recriando seu objeto próprio de estudo e seu conteúdo – a educação. (LIBÂNEO, 2010,
p. 55).

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Conforme coloca o Autor, a pedagogia ―investiga os fatores que contribuem para a formação humana
em cada contexto histórico-social, pelo que vai constituindo e recriando seu objeto próprio de estudo e seu
conteúdo, a educação‖. Dessa forma, podemos perceber como a formação humana pode ser manipulada em seu
contexto histórico social, como o foi verdadeiramente no decorrer da evolução da sociedade capitalista e da
imposição de seu modelo de vida burguês, que atende aos interesses do capital, infelizmente a educação,
embora tenhamos exceções, serviu a esse propósito, inclusive utilizando-se dos intelectuais, pedagogos e
professores, que de forma até ingênua, pois que são dominados pela ideologia dominante, multiplicam
avidamente a condição de separação do homem e a natureza e a transformação de tudo em mercadoria. A
Educação Ambiental em sua vertente crítica, a nosso ver, apresenta algumas respostas ao estado atual da
sociedade e a emergência de sua mudança.

Educação Ambiental crítica


Segundo Loureiro (2012, p. 33) a Educação Ambiental, não atua somente no plano das ideias no da
transmissão de informações, mas no da existência, em que o processo de conscientização se caracteriza pela
ação com conhecimento, pela capacidade de fazermos opções, por ser ter o compromisso com o outro e com a
vida. Para o autor, educar é negar o senso comum de que temos uma minoria consciente, secundarizando o
outro, sua história, cultura e consciência. E ainda, entender que não podemos pensar pelo outro, para o outro e
sem o outro, pois a educação é feita com o outro que também é sujeito, que tem sua identidade e
individualidade a serem respeitadas no processo de questionamento dos comportamentos da realidade.
Assim a Educação Ambiental promove a conscientização, que se dá na relação entre o eu e o outro, na
prática social reflexiva fundamentada teoricamente. Essa ação conscientizadora é mútua, e envolve a
capacidade crítica, diálogo, a assimilação de diferentes saberes e a transformação ativa da realidade e das
condições de vida (LOUREIRO, 2012, p. 34).
Ao voltarmos ao pensamento de Libâneo (2010), focalizando a ideia de formação humana, verificamos
que esta é o lócus da educação e pode se dar sim em cada contexto histórico social, mas como afirma Loureiro
(2012), deve envolver a dialogicidade, a capacidade crítica, o respeito às diferenças, elementos que juntos
transformam a realidade, não para aquilo que a sociedade do capital deseja, mas para aquilo que o ser humano
deve buscar em termos de vida, trabalho e emancipação do pensamento.
Para Layrargues (2012, p. 17) ao debater as ideias propaladas por Loureiro, vem a afirmar que
Educação Ambiental é antes de tudo educação, mas não uma educação genérica, e sim aquela que se nutre das
pedagogias progressistas histórico-críticas e libertárias, que são as correntes orientadas para a transformação
social. Por isso, salienta o autor, é absolutamente crucial para a concretização de um novo patamar societário
que a produção em EA aprofunde o debate teórico-prático acerca daquilo que pode tornar possível ao educador

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discernir um concepção ambientalista e educacional conservadora e tradicional de uma emancipatória e
transformadora.

A Educação Ambiental emancipatória se conjuga a partir de uma matriz que compreende a educação
como elemento de transformação social inspirada no diálogo, no exercício da cidadania, no
fortalecimento dos sujeitos, na criação de espaços coletivos de estabelecimentos das regras de convívio
social, na superação das formas de dominação capitalistas, na compreensão do mundo em sua
complexidade e da vida em sua totalidade (LAYRARAGUES, 2012, p. 17).

Verificamos, assim, que o conceito de trabalho, explorado por Karl Marx, alinha-se à forma de pensar
da Educação Ambiental crítica, proposta por intelectuais da Educação Ambiental aqui citados, que reconhecem
a submissão do ser humano na sociedade capitalista, e defendem, portanto, a emancipação humana, apostando
na educação e, por sua vez, no trabalho pedagógico como etapa fundamental para uma formação humana que
seja no mínimo crítica da realidade da qual estamos inseridos e se possível esclarecedora da alienação, a qual
estamos submetidos, principalmente em ambientes onde a escolarização historicamente é precarizada em nosso
país como no meio rural.

Educação do Campo
A educação do campo, por natureza uma educação envolta na luta, no movimento social, na busca por
uma transformação da realidade que vivem os seres humanos distantes dos grandes centros, apresenta
elementos fundantes para se buscar uma mudança da realidade social à qual estamos submetidos.
Com um histórico de lutas já amplamente conhecido Souza (2011b) destaca que em 2007 foi criada a
Comissão Nacional de Educação do Campo, junto ao Ministério da Educação, um órgão colegiado, de caráter
consultivo, com a atribuição de assessorar o Ministério da Educação na formulação de políticas públicas de
Educação do Campo. Em 2008 foi publicado um documento intitulado Diretrizes Complementares, normas e
princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo. Mais
recentemente, já gestão do Presidente Luis Inácio Lula da Silva tivemos a publicação do decreto presidencial
sob nº. 7.352, de 4 de novembro de 2010, que trata a educação do campo como política de Estado do qual
destacamos o Art. 1:

A política de educação do campo destina-se à ampliação e qualificação da oferta de educação básica e


superior às populações do campo, e será desenvolvida pela União em regime de colaboração com os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, de acordo com as diretrizes e metas estabelecidas no Plano
Nacional de Educação e o disposto neste Decreto.
§ 1º - Para os efeitos deste Decreto, entende-se por: I - populações do campo: os agricultores familiares,
os extrativistas, os pescadores artesanais, os ribeirinhos, os assentados e acampados da reforma agrária, os
trabalhadores assalariados rurais, os quilombolas, os caiçaras, os povos da floresta, os caboclos e outros
que produzam suas condições materiais de existência a partir do trabalho no meio rural; e II - escola do
campo: aquela situada em área rural, conforme definida pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE, ou aquela situada em área urbana, desde que atenda predominantemente a populações
do campo. (BRASIL, 2010).

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Souza (2011a, p.28), salienta que no estado do Paraná, desde 2003, foi formada uma Coordenação de
Educação do Campo junto à Secretaria de Estado da Educação, buscando-se a transformação da escola rural,
voltada para os povos do campo, em escola do campo, de forma que seja pensada, organizada e vivida pelos
próprios povos do campo. Porém, pesa ainda fortemente, sobre este caminhar histórico em favor dos povos do
campo, a questão da terra que no Brasil, ainda está muito distante de ser resolvida, mesmo sendo equacionada
pelo regime democrático.
Após este breve histórico, voltamos nossa abordagem para a prática pedagógica da escola do campo,
Souza (2011b, p. 97) esclarece que:

A prática pedagógica vem sendo marcada, ainda nos dias atuais, por duas vertentes: de um lado, uma que
enfatiza os conteúdos presentes nos livros, ainda desarticulados da realidade ou infantilizados na relação
que trazem com o próprio dia a dia dos alunos e das comunidades; de outro lado, uma vertente que se
propõe transformadora e que se preocupa com o aprofundamento dos conhecimentos e com a
emancipação humana. Essas duas vertentes vinculam-se, por sua vez, às duas concepções de educação
que vimos até o momento: a educação do campo e a educação rural.

Diante desse contexto, e da dicotomia ainda presente entre rural e urbano, surge nossa proposta de
pesquisa no sentido de conhecer a trabalho pedagógico realizado em escolas do campo, inseridas em Áreas de
Proteção Ambiental de Mananciais, na Região Metropolitana de Curitiba, buscando visualizar a abordagem de
Educação Ambiental que é colocada em prática nestes estabelecimentos escolares por Professoras Pedagogas,
na função de Coordenação Pedagógica.
Com o início da pesquisa de campo, nas visitas aos Municípios da RMC que tem em seus limites APAs,
(FIGURA 1) e estabelecendo contato com as Secretarias Municipais de Educação, de início constatamos duas
dificuldades, que serão exploradas na pesquisa atualmente em andamento: a primeira, refere-se ao fato de que
somente o Município de Piraquara soube informar as escolas do campo inseridas em APA, as demais
Secretarias de Educação não souberam informar com precisão, algumas não sabiam também sobre a existência
das APAs; a segunda dificuldade, está na denominação de escolas, pois alguns municípios não tem a
denominação de escola do campo, que depende de Decreto Municipal, embora sejam escolas com
características que se assemelham à escolas do campo, inclusive recebendo livros didáticos do MEC por meio
do Plano Nacional do Livro Didático-Campo (PNLD-CAMPO).

Figura 1: Áreas de ProteçãoAmbiental, RMC/PR.

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Fonte: COMEC, 2013.

Considerações finais
Concluímos o presente artigo, com uma breve explanação teórica buscamos explicitar parte da pesquisa
que está em andamento no Doutoramento em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná. Outros pontos já
abordados na pesquisa, como Educação Ambiental Escolar, Política Ambiental no Brasil, Educação do Campo,
não foram abordados no presente artigo, em razão das delimitações estabelecidas.
Consideramos que o objetivo geral do presente trabalho de analisar o conceito de trabalho em Marx e
sua importância para a Educação Ambiental crítica, foi abordado devidamente, sem a pretensão de totalidade
uma vez que é um dos focos de várias obras de Educação Ambiental já produzidas no País. Consideramos ainda
que a pergunta de pesquisa definida como: os conceitos de trabalho, trabalho pedagógico e Educação Ambiental
estão diretamente relacionados? Foi devidamente respondidaao ressaltar a importância do conceito de trabalho
e do trabalho pedagógico, relacionando ambos com a formação humana, que devem a nosso ver, ser alvo de
uma busca incessante por parte dos educadores ambientais, no sentido de esclarecer efortalecer a formação
crítica e emancipadora das futuras gerações, unindo o que a sociedade do capital apartou, o homem, a natureza
e o trabalho. Ao final apresentamos uma breve resultado parcial da pesquisa, que de início demostra o desafio a
ser enfrentado, uma vez que a educação no meio rural ou do campo, precisa ser também ambiental e
emancipadora.

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Referências
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capital. São Paulo: DIFEL, 1982.

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<http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/manifestocomunista.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2015.

MORAES, Raquel de Almeida. O método materialista dialético e a consciência. In: O método dialético na
pesquisa em Educação. CUNHA, Célio da; SOUSA, José Vieira de; SILVA, Maria Abadia da. São Paulo,
Autores Associados, 2014.

LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos, para quê? 12. ed. São Paulo Cortês, 2010.

LOUREIRO, Carlos Frederico B. Trajetória e fundamentos da Educação Ambiental. 4. ed. São Paulo: Cortez
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LAYRARGUES, Philippe Pomier. Para onde vai a educação ambiental? O cenário político-ideológico da
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Contemporânea de Educação. v.7, n. 14. ago./dez. 2012. Disponível em:
<http://www.revistacontemporanea.fe.ufrj.br/index. php/contemporanea/article/view/410>. Acesso em: 13 ago.
2014.

SOUZA, Maria Antonia de. A educação é do campo no estado do Paraná? In: SOUZA, Maria Antonia de
(Org.). Práticas educativas do/no campo. Ponta Grossa: UEPG, 2011a.

_________. Fundamentos teóricos e metodológicos da educação do campo. Ministério da Educação. Sistema


Universidade Aberta do Brasil. Ponta Grossa: NUTEAD-UEPG, 2011b.

BRASIL. Decreto nº. 7.352, de 4 de novembro de 2010. Dispõe sobre a política de educação do campo e o
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,
Brasília, DF, 5 nov. 2010. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/Decreto/D7352.htm>. Acesso em: 23 fev. 2011.

COMEC. Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba.Disponível em:<


http://www.comec.pr.gov.br/arquivos/File/Mapas2013/RMC_2013_APAs_UTPs.pdf >. Acesso em 14 out.
2015.

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EIXO 2
Espaços consolidados e políticas de Educação Ambiental
A CONSTRUÇÃO DE UM DISCURSO DE NATUREZA NO PAMPA E SUA
PROBLEMATIZAÇÃO SOB AS LENTES DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
RENATA LOBATO SCHLEE – AUTORA93
VIRGÍNIA VIEIRA –AUTORA94
RAQUEL SILVEIRA RITA DIAS – AUTORA 95
PAULA CORREA HENNING –AUTORA96

RESUMO
Focando na produção do discurso de natureza no Pampa, queremos problematizar a complexidade das relações
e interações socioambientais aí estabelecidas e construídas culturalmente sob o olhar da Educação Ambiental. É
um trabalho que estuda e analisa o Pampa do RS, Uruguai e Argentina através de seu expoente cultural
chamado gaúcho ou gaucho (espanhóis). Entendendo que este sujeito expressa um discurso de natureza que é
fabricado e produzido a partir dele e sua cultura.Tomamos o discurso de Natureza do Pampa nos ensinamentos
de Foucault sobre análise do discurso e temos como corpus empírico entrevistas com sujeitos pampeanos
vinculados ao RS, Uruguai e Argentina e ainda, registros fotográficos efetuados pelos entrevistados ao
representarem suas imagens do que é a natureza. A pesquisa encontra-se em sua fase inicial, o que impossibilita
análises nesse momento. A coleta do material é a próxima etapa desse processo. Pelo olhar da Educação
Ambiental provocamo-nos em reflexões que instrumentalizam um melhor entendimento da complexidade do
discurso de natureza do Pampa e sua problemática socioambiental na esteira do que nos ensinam Michel
Foucault, Felix Guattari e Marcos Reigota, entre outros.
PALAVRAS-CHAVES: Natureza. Pampa. Educação Ambiental.

A Construção de um Discurso de Natureza no Pampa


No Rio grande do Sul, Uruguai e Argentina encontramos um território conhecido como Pampa. Essas
terras do extremo sul do continente da América do Sul, tem sua geografia predominantemente distinguida por
relevos de planícies e coxilhas, matas de galeria e banhados. Algumas espécies endêmicas são encontradas
nesses campos que compõe aproximadamente 700 mil Km² (aqui incluindo o sul do Rio Grande do Sul, o
Uruguai e parte da Argentina). Queremos explorar o território pampeano como uma composição histórica.
Como território, entendido como conjunto de diferentes fatores, que incluem maneiras de ser, de pensar e
maneiras de viver já uniformizadas. É Guattari (1995) quem nos ajuda a refletir, quando nos convida a
reexaminarmos as territorialidades a partir de conjuntos que atravessam a relação entre o indivíduo e a
subjetividade, trazendo-os como modos de viver padronizados.

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Mestre e Doutoranda em Educação Ambiental - FURG. Integrante do Grupo de Estudo sobre Educação, Cultura, Ambiente e
Filosofia - GEECAF / FURG. Bolsista CAPES. renataschlee@gmail.com
94
Mestre e Doutoranda em Educação Ambiental - FURG. Integrante do Grupo de Estudo sobre Educação, Cultura, Ambiente e
Filosofia - GEECAF / FURG. Bolsista CAPES. Vi_violao@yahoo.com.br
95
Mestre em Educação - UFPEL. Integrante do Grupo de Estudo sobre Educação, Cultura, Ambiente e Filosofia - GEECAF / FURG.
Raquel.moreira@anhanguera.com
96
Professora e Pesquisadora do Instituto de Educação, do Programa de Pós-Graduação Educação Ambiental e do Programa de Pós-
Graduação Educação em Ciências da Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Coordenadora do Grupo de Estudo sobre
Educação, Cultura, Ambiente e Filosofia - GEECAF / FURG.paula.c.henning@gmail.com

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O Pampa apresenta enunciações de natureza e cultura que caracterizam um modo de ser, estar e
relaciona-se nesse ambiente. Kindel, chama atenção ao nosso espaço-tempo onde ―a representação cultural é
uma das formas mais eficazes de instituição de significados (...)‖. (KINDEL, 2003, p. 255). E é nessa
instituição de significados que vamos nos construindo e expressando verdades como fabricação de nosso
próprio tempo.
Esta pesquisa se propõe a pesquisar as enunciações que constroem e constituem os ditos e não ditos em
suas representações sobre natureza do Pampa Gaúcho.O expoente cultural na fotografia abaixo, é comum ao
Pampa e característico desse território.

Fonte: Paiva, 2013


Nos ditos da foto de Zeca Paiva, a ―parceria‖ gaúcha entre homem, cavalo e cachorro constituem formas
de ser e estar da realidade socioambiental do Pampa. Expressão de vestuário, indumentária, relação com o
cavalo, com o cachorro, com o gado vacum, com seu trabalho, com sua terra em suas planícies, coxilhas ou
serras, com suas matas e com seus pensamentos e maneiras de viver. Verdades construídas discursivamente,
pois a fotografia como artefato cultural, nos ensina quem é esse sujeito e que território é esse que tomamos
como Pampa. Temos na foto o sujeito cultural associado à natureza. Associado através do trabalho, da força
produtiva da pecuária. Percebe-se a velocidade e garra do homem sobre o cavalo. Todas as patas encontram-se
difusas pela velocidade e rapidez, menos o homem, o gaúcho, que se encontra firme em cima de seu cavalo.
Sua posição é central, seu olhar deve estar (certeiro) no rebanho a ―arreparar‖. Cena enunciativa de uma relação
entre cultura e natureza, na potência de problematizarmos o estabelecimento dessa relação. Como se constrói
essa relação? Relação que constitui esse sujeito. Sujeito que se mostra homem, solitário em sua labuta, valente e
destemido, domador do verde do Pampa, do gado que aqui encontra e maneja e tendo como companheiro a
figura do cão.

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O que, aqui, o não dito nos traz? Que enunciações sobre a relação entre cultura e natureza percebemos
nesta imagem? É uma cena enunciativa que nos ensina. Nos dá pistas de como nos construímos. Como nos
percebemos. O que vamos percebendo por natureza, por cultura e de que maneira vamos ensinando sobre isto
Este exercício, através da fotografia de Zeca Paiva, nos traz entendimentos que tomados como
enunciações nos provocam através do não dito sobre o Pampa e seu sujeito pampeano que aqui, chamaremos de
gaúchos (também conhecidos por gauchos no Uruguai e Argentina). Esse gaúcho que aí vive e se constitui.
Fotos que nos fazem problematizar esse território, focando na relação entre cultura e natureza.
Quando escolhemos pesquisar sobre o Pampa e sua cultura, sua natureza e o sujeito que se constitui e ao
mesmo tempo é constituído nesses discursos, percebemos que estamos tentando selecionar e construir
possibilidades de olhares. Atentamo-nos em cruzamentos de itinerários que se apresentam como possíveis no
processo de pesquisa. Tencionamos as forças que se apresentam, através do seguinte problema de pesquisa:
―como o sujeito do Pampa fabrica um discurso de natureza a partir do dito e não dito?‖. Como o discurso
de natureza no Pampa do RS, do Uruguai e Argentina vem se constituir como legítimo? Nosso olhar sobre esse
território vem na tentativa de problematizar como se constitui o discurso de natureza do Pampa na atualidade.
Pois notamos na configuração desse território traços que são marcados através do dito e não dito e que se
estabelecem em um discurso de natureza.
Tomamos o discurso de natureza do Pampa a partir dos ensinamentos de Foucault sobre análise do
discurso, e temos como corpus empírico entrevistas com sujeitos pampeanos vinculados ao RS, Uruguai e
Argentina e ainda, registros fotográficos efetuados pelos entrevistados ao representarem suas imagens do que é
a natureza. Essas narrativas serão tomadas como enunciações sobre o Pampa e sua natureza.
Em conjunto as entrevistas, as imagens compõem a pesquisa no entendimento de que elas também nos
dizem da representação desse território. Ditos e não ditos como forças que nos falam e nos constroem pelas
representações de natureza que constituem e fabricam. Entendendo que essas próprias forças são ao mesmo
tempo constituídas e fabricadas.
As fotografias e as entrevistas serão estudadas na possibilidade de reflexões e análises sobre o problema
que levantamos através desse corpus empírico. É na análise das forças acionadas a partir desse corpus que
vemos potência para o entendimento de como o sujeito pampeano percebe, constrói e fabrica um discurso de
natureza. Diante da temática do problema e do corpus empírico apresentado notamos a possibilidade de
enunciações que se ligam e se tornam fortes para a análise da formação discursiva em estudo: a natureza.
Para olhar para o Pampa de hoje, é preciso olhar para a história. Aqui o dito nos reporta olhar para a
história com os olhos do presente através das entrevistas. Buscar e descrever o dito, esse recorte vai
constituindo o discursivo desse corpus de pesquisa. Pretendemos colocar em evidência alguns enunciados,
definir as regras que os constituem mais potentes entre outros, dentre as condições sociais, ambientais,
econômicas etc. Nossa intenção é chegar ao discurso através dos enunciados, considerando-os como partículas
desse discurso, enfim entender e descrever como o discurso de natureza se formou no Pampa.
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As fotografias selecionadas serão também, narrativas do presente desse território pelo imagético. É o
não dito materializando enunciações. Como nos diria Latour (1994), tudo ocorre por mediação, por tradução.
Percebemos possíveis cenas enunciativas que nos caminhos da Análise do Discurso de Foucault, dão
visibilidade ao discurso, um discurso de natureza que expressa uma determinada constituição do Pampa.
Quando nos voltamos aos documentos históricos sobre o Pampa, notamos a figura central que o gaúcho
recebe em muitos trabalhos. É Assunção (1978) que nos chama atenção inicialmente, dizendo,
El nacimientodelgaucho está condicionado por uma cultura augural, consecuencia de um habitat,
conjunción de grupos étnicos nativos, características de lacolonizacióneuropea (hispana y portuguesa),
razones geopolíticas, y otrosvariosetcéteras, que iránsurgiendo claramente a lo largo de este trabajo, pero,
por sobre todo, consecuencia de laintroducción de losganadosmayores, que se volvieroncimarrones o
alzados, em unos territoriossemivacíos y cuasimarginales o fronterizos, e introducitos antes delhombre, es
decir antes de laefectivacolonización de essas tierras. Y es esta cultura augural la que trasnsforma al
colono, hispano o portugués, a sus hijoscriollos, a muchos de los indígenas, y a otros tantos hombres de
los más diversos orígenes, que se integram al habitat, habitat que resulta centro geográfico de esamisma
cultura, em elementos aparentemente negativos para las rígidas estructurascoloniales, pero social e
economicamente imprescindibles para lasmismas y, especialmente, loshace protagonistas, verdadeiros
ejes motores, de esamisma cultura y de esa sociedade, que debiendo amarlos y preferirlos, los negó hasta
elenronquecimiento, cometendo el pecado de Pedro. (ASSUNÇÃO, 1978, p. 16)

A história do Pampa nos chega enaltecendo a figura do gaúcho. Uma figura que fica condicionada aos
fatídicos fatos que vão compondo sua chegada e permanência no Pampa. Assunção nos mostra nesta obra que,
embora a figura do gaúcho tenha sido o grande eixo cultural do Pampa, é essa mesma figura que será
marginalizada e negada muitas vezes. Sua obra contextualiza a formação cultural do gaúcho desde a sua pre-
historia, como o autor chama os primórdios dessa formação cultural, até os dias atuais. Ele nos apresenta um
gaúcho, de início, fortemente relacionado a introdução do gado vacum nesta região. Uma pessoa que possui
características étnicas miscigenadas em função da colonização e dos povos que primeiramente viviam aqui.
Mas é Estrada (1933), quem nos ressalta as dificuldades e até as amarguras e diversidades desse
momento. Caracterizando o ambiente, mostra a figura do gaúcho como aquele que se posiciona enquanto
paisagem campeira, aquele que opta pelo campo, conhecendo suas leis e distante das leis da cidade que
desprezava.
Era unQuijote de regreso, vencido, el andrajo de unsueño ridículo. Se llenó de orgullo; prefiriólevantarse
contra lajusticia que lenegabalapropiedad y no laposesión de lo que bienpodría ser suyocon arreglo a
lasleyes de laNaturaleza, que conocían a fondoelcurandero, elbaquiano y elcaudillo. Como elcaballero,
alistóla turba enlallanura y fueelcastellanoensu rancho; alzóla tropa delganado y se enfrentó contra
elterrateniente, contra elhombredesconocido de laciudad. Ya se disocióelespíritudel campo, el federal, el
bárbaro, delespíritu de laciudad, elunitario, el monárquico, reuniendoen torno de sus imanes las limaduras
de intereses dispersos. Prefirióvivirenlavastedad de esedominiosin capitular, sinsometerse al
arbitriodelotroadvenedizo; amasósuconcienciaconelpaisaje, renegó de toda tradición y de
ahíresultóelgaucho, elseñorhambriento, elhombre de la tropa ignorante, proseguidor inarmónico de
unsueño frustrado. Enlasoledadllegó a considerarseun despojado, una víctima de lainjusticiadel código y
del tribunal distante. Estabahaciendo causa comúnconelindio, al que siguió mirando conencono y
desprecio de bastardo. (ESTRADA, 1933, p.26)

Durante o século XVIII, essa figura campeira vem sendo trazida por esse autor como esse Quijote que
requeria sua terra, seu bem mais conhecido. O que parece ir caracterizando uma certa dualidade entre dois
mundos, o campeiro e o da cidade.

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Ao mesmo tempo Sarmiento (1999), relaciona a necessidade deste sujeito de vencer as adversidades da
natureza com o forte sentimento de orgulho que vai caracterizando sua personalidade. Esse autor relata o
gaúcho como o homem do Pampa que ―desenvuelve prodigiosamente elsentimiento de laimportancia individual
y de lasuperioridade.‖ (p. 82). É neste momento de seu texto, que o autor diz que esses gauchos desprezam o
europeu, pois ―eleuropeo es, para ellos, el último de todos, porque no resiste a um par de corcovos delcaballo.‖
(p.82). Sentimento de valentia que muitos autores vão associar e relacionar as decorrências de processos
políticos de independência, peleias territoriais, desbravamento territorial e desprezo para com instruções. Ao
gaúcho basta ser altivo, forte e enérgico.
Temos uma figura distinguida por esses autores. O gaúcho, em suas obras vem marcado por um
ambiente que o constrói, mas é evidente também segundo esses autores o quanto essa figura cultural marca,
modifica e fabrica a si mesmo e seu ambiente. Aqui temos pistas de como perceber e investigar esse sujeito
cultural que constitui um conceito de natureza que merece ser pesquisado. Pelas tramas da história, entender o
discurso de natureza do sujeito do Pampa. No dito e não dito da pesquisa, evidenciar os modos em que esse
sujeito do Pampa constitui um discurso de Natureza.
E, esse desfio de entender a história do Pampa não é simples. Podemos começar nos perguntando sobre
o que é a própria história. Colocar a posição que assumimos no entendimento sobre a história passa a ser
estratégico. Nos leva a salientar o quanto é desafiador escrever sobre a história e seus discursos tomados e
apresentados como verdades.

Dos Ditos e Não Ditos sob as Lentes da Educação Ambiental


Quando falamos de história, pensamos em acontecimentos passados que podem ser relatados em nosso
presente. Pensamos ter a capacidade de retratar esse passado exatamente como ocorreu em tempos idos. Os
fatos históricos vão sendo contados e construídos como verdades absolutas e assim vamos construindo
entendimentos sobre o que passou, tomando esses acontecimentos como revelados, desvendados e desvelados.
Sobre um outro olhar para os acontecimentos históricos, pensamos em nossos próprios limites quando
estudamos e analisamos um determinado tempo histórico. Entendemos que fazemos e construímos narrativas
sobre esses tempos através de documentos e testemunhos. Sendo assim, há sempre uma incompletude a ser
considerada. Como nos lembra Veyne (2008), há sempre uma defasagem entre a reflexão da narrativa histórica
e as vivências, próprias do tempo em que ocorreram. A análise histórica, na capacidade e potencialidade
expressada, evidencia posições e escolhas que vamos assumindo na construção dessa narrativa. São seleções
documentais e de testemunhos que vamos executando e produzindo. São narrativas que expressam olhares,
expressam tramas e atravessamentos selecionados de um espaço tempo. É como se pinçássemos os elementos
que formam nossa narrativa. E, ao pinçar, selecionamos entre outros elementos aqueles com os quais queremos
trabalhar nessa análise. Por isso, é possível dizer a história é feita também de escolhas e renúncias.

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Atuamos, na análise histórica, assumindo posições. Assumimos posições de sujeito que anunciam de
que lugar estamos falando e, portanto, nossa posição nas tramas e jogos de poder para e na execução da análise
histórica. Concomitante, a narrativa vai também evidenciar os jogos de poder pinçados sobre aquele espaço
tempo. São relações de poder que estão em evidência. E isto, desloca o entendimento da história como
desveladora das verdades do passado. Entendemos que não desvelamos verdades, mas assumimos uma seleção
e compomos uma narrativa histórica. Construímos essa narrativa em meio a seleção que vamos executando.
Construímos verdades? Sim, construímos verdades em nosso tempo. Construímos, nesta perspectiva, verdades
entendidas como provisórias. Portanto, as verdades históricas são temporárias e sujeitas a revisões, novos
olhares e perspectivas. Sujeitas a novos pinçares, seleções, entendimentos e análises.
Assim, a história é assumida por nós, como campo de possibilidades. É no pinçar das fontes, no seu
manuseio, nas tramas e entrelaçamentos que vamos construindo, de acordo com nossos critérios, o que
chamamos de história.
Então, falar da história do Pampa do RS, Uruguai e Argentina é percebida nesta pesquisa como
possibilidade de destacar algumas tramas e entrelaçamentos. É um pinçar construído na e pela pesquisa. No
manuseio das fontes procurar a história do presente e as especificidades que se apresentam em jogos e lutas,
estratégias e táticas de poder.
Encaramos a história do Pampa como plural e sujeita a diferentes perspectivas. Vamos recortando as
ações humanas em perspectivas temporais e espaciais, montamos narrativas que pretendemos coerentes. E,
como nossa seleção depende dos nossos critérios, encaramos que a história é subjetiva. Encaramos que a
história se dá como campo de possibilidades de interpretações.
A todo momento, dão-se acontecimentos de toda espécie, e o nosso mundo é o do vir a ser; é vão crer-se
que alguns desses acontecimentos teriam uma natureza particular, seriam ‗históricos‘ e constituiriam a
História. Ora, a questão inicial que o historismo colocava era a seguinte: o que é que distingue um evento
histórico de um outro que não é? Como logo se tornou evidente que não era fácil fazer-se essa distinção,
que não se podia confiar na consciência ingênua ou na consciência nacional para fazer a separação, mas
que não se conseguia fazer melhor do que ela e que o objeto do debate escapava por entre os dedos, o
historismo concluiu que História era subjetiva, que ela era a projeção de nossos valores e a resposta às
perguntas que houvéssemos por bem fazer-lhe. (VEYNE, p. 37, 2008)

Procuramos na narrativa histórica do Pampa, explicar o quanto esta narrativa não é natural, é construída
e produzida em interação ou relações. Esse acontecimento que chamaremos de fato (VEYNE, 2008) é um
cruzamento de vários itinerários possíveis. E vem como resposta as nossas perguntas e questionamentos.
Portanto, há um limite. Essa narrativa responde aos questionamentos produzidos. Narra tramas que são
itinerários selecionados e traçados pela pesquisa.
É a descrição dessas tramas que nos interessa, é a descrição desses traçados que compõe a narrativa
histórica que nos interessam. Pois entendemos que os fatos vão existir justamente nessas relações. Nessas
relações produzidas e selecionadas na trama. Poderíamos dizer que trama são descrições através de caminhos
secionados pelo pesquisador e que essas descrições, esses traçados configuram o fato histórico. Assim, na
esteira de Veyne (2008, p.47), podemos dizer que ―acontecimentos não são totalidades, mas núcleos de
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relações‖. E ainda: ―o historiador separa, nas testemunhas e documentos, o acontecimento tal como ele o
escolheu; é por esse motivo que um acontecimento jamais coincide com o cogito de seus atores e testemunhas‖
(IBIDEM).
O Pampa vem sendo bastante estudado nos últimos anos e caracterizado em suas diferentes expressões.
A problemática socioambiental do Pampa vem sendo pauta de diferentes eventos e instituições através de
estudos e trabalhos de cunho científico, artístico, literário, etc. Temos trabalhos elaborados sobre o Pampa que
nos remetem a diferentes dissertações e teses, mas também temos inúmeros trabalhos e instalações artísticas
sobre o mesmo. São atravessamentos que nos fazem pensar e questionar a construída dicotomia entre cultura e
natureza. O que no Pampa podemos dizer como natural? E, o que no Pampa podemos definir como cultural?
Pois, entendemos que são definições e marcações que expressam um discurso de natureza que é fabricado e
produzido na e pela cultura.
Tomamos a natureza como formação discursiva e é Foucault quem nos situa.
No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de
dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas,
se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações),
diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva – evitando, assim, palavras demasiado
carregadas de condições e consequências, inadequadas, aliás, para designar semelhante dispersão, tais
como ―ciência‖, ou ―ideologia‖, ou ―teoria‖, ou ―domínio de objetividade‖. (FOUCAULT, 2002, p. 43)

Assim, uma descrição dos acontecimentos discursivos aparece como a busca das unidades que aí se
formam. O dito e o não dito materializando enunciações, cenas enunciativas que dão visibilidade ao discurso.
Tentaremos colocar em evidência as regras que constituem os enunciados e que surgem a partir de questões
sociais, ambientais, econômicas, políticas... enunciados que surgem e que são partículas de um mesmo discurso.
Desse discurso de natureza que se formou no Pampa. Existe a natureza como materialidade do discurso: os
elementos naturais, a água, os pastos verdejantes, a geada do inverno pampeano, o vento minuano que sopra.
Interessa-nos, como olhamos para esta materialidade e damos sentido a ela através dos discursos tomados como
verdades que fabricamos. Ela é olhada, explicada, almejada, construída, modificada. Temos uma maneira de
pensar, olhar, falar da natureza. E para nós, não há dúvida: esses modos de narrá-la é uma produção cultural.
Daí, produzimos discursos. Importante, então, pensarmos na formação cultural do Pampa. Pensarmos na
formação cultural do sujeito do Pampa que produz um discurso de natureza a partir do que fala sobre ela.
Com esse problema de pesquisa colocado, chegamos a dois grandes questionamentos: 1. Como se
estabelece a relação entre cultura e natureza na constituição do sujeito do Pampa? 2. Como se entrelaçam os
ditos e as fotografias pampeanas na fabricação de um discurso de natureza?
Buscamos o caráter construído, contingente, não transcendental do sujeito que vive no Pampa e fabrica
esse discurso, entendendo que ao mesmo tempo, esse sujeito se constrói no processo. Esse discurso de natureza
que sujeita o sujeito, mas que ao mesmo tempo é construído por ele será colocado em suspenso nesta pesquisa.
Pois os discursos são invenções e como invenções se estabelecem em regimes de verdade. Regimes de verdade
enquanto fabricação cultural. A verdade pode ser vista como um produto de relações de força, jogos de verdade
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em que algumas são dadas como corretas. E voltando ao que foi colocado no início deste texto, tentaremos
entender algumas verdades produzidas historicamente sobre o Pampa e seu sujeito cultural, o gaúcho. Como
esse sujeito pampeano produz um discurso de natureza colocado na atualidade? Vamos nos debruçar sobre a
história dessa formação cultural, procurar entender a produção desse sujeito cultural. Buscar as articulações
entre a história e o discurso de natureza produzido e tomado como verdade.
É com Foucault (2002) que buscamos o entendimento de verdade, pois esse autor transporta para o
sentido de invenção aquilo que se tinha por origem. Ou seja, passamos a encarar a verdade como possibilidade
de invenção. Não buscaremos na história do Pampa do RS, Uruguai e Argentina a verdade absoluta, mas as
verdades sobre natureza inventadas, fabricadas, narradas e assumidas como legítimas pelo sujeito pampeano
nesse espaço específico: o Pampa. Assim, passamos a trabalhar com algumas condições de possibilidade para a
formação do discurso de natureza. Trazendo a história, tentaremos estabelecer possíveis articulações ao
discurso de natureza. Tentaremos escrever e descrever possíveis atravessamentos da história para o discurso de
natureza.
O sujeito pampeano, o gaúcho, é um sujeito discursivamente construído, sendo um resultado, um
produto cultural. Assim nos lançamos em sua história numa perspectiva que entrelace saberes e poderes e
evidencie não só a sua própria fabricação enquanto sujeito, mas em como esse sujeito inventa um discurso de
natureza.
Todo grande homem exerce uma força retroativa: toda história é novamente posta na balança por causa
dele, e milhares de segredos do passado abandonam seus esconderijos – rumo ao sol dele. Não há como
ver o que ainda se tornará história. Talvez o passado esteja ainda essencialmente por descobrir! Tantas
forças retroativas são ainda necessárias! (NIETZSCHE, 2012, p.78)

Nieztsche nos provoca, nos estimula e com e Foucault aparecem como os grandes intercessores deste
trabalho. Buscar no passado histórico alguns dos acontecimentos que constroem o discurso de natureza no
Pampa gaúcho ou gaucho. Sem cair na armadilha da procura por uma originalidade, mas na humildade da
procura (na esteira de Nietzsche) de um olhar que caracterize essa pesquisa. Assim, nos aliamos a Henning
quando diz que,
Diante disto, cabe destacar ainda a compreensão de história não somente com ideia de passado.
Entendemos o passado com os olhos do presente. Pensando assim, considera-se a busca pela história dos
objetos do passado uma tentativa de compreender as condições de possibilidade que o produziram e
levaram-nos a constituir o presente. Sem essa intenção, a história não tem razão de existir. A história do
presente possibilita a mudança de foco da história: de uma visão essencialmente explicativa, busca as
condições de possibilidade que constituem determinados discursos em determinado momento. Olha-se
para a história, enfim, para compreensão do pensamento, para pensar sobre o dito, o escrito, o feito, o
inventado, o produzido. Olha-se para ela para pensar sobre as condições de possibilidade que tornaram
possível a existência de determinados acontecimentos. Que condições de possibilidades de espaço e
tempo foram sendo tecidas para se pensar dessa forma e não de outra no campo dos saberes em dado
momento? (HENNING, 2008, p. 123)

Nesta problematização analisaremos as correlações de forças apresentadas e que vêm legitimando


modos de comportamento e de atuação socioambiental. Encaminhamos nosso problema para a ordem da
singularidade na medida em que a operacionalização desse corpus (dessas formas de expressão) se constitua em

195
ISBN 978-85-7566-380-6
mais um olhar sobre a temática. Um movimento pertinente ao campo da Educação Ambiental, provocadora da
discussão socioambiental, e que tentaremos problematizar enquanto dicotomia estabelecida entre natureza e
cultura no Pampa do RS, Uruguai e Argentina. Tencionando esta dita dicotomia caracterizada pela
modernidade, procuramos os discursos de natureza/cultura, colocando em evidência as relações de poder que aí
são legitimadas e suas implicações na construção de verdades que vão compor o espaço-tempo desse Pampa.
Destacar o processo de constituição do discurso de natureza no Pampa através de desdobramentos do
problema pensando em como se estabelece a relação entre cultura e natureza na constituição desse sujeito do
Pampa, e também, como se entrelaça os ditos e as fotografias pampeanas na fabricação de um discurso de
natureza. Para isso, atravessamos o campo do saber da Educação Ambiental diante o discurso de Natureza
instituído no Pampa do RS, Uruguai e Argentina.
A importância do contar das entrevistas e flagrar das fotografias do Pampa pode ser reforçada pelo que
Foucault nos ensina quando disse que a verdade é discursivamente instituída (FOUCAULT, 2002). Verdades
que vamos trazendo para colocá-las sob suspeita. Entendimentos, relacionamentos e posições de sujeito que
constroem e ao mesmo tempo são construídos em suas verdades e aqui problematizadas sob o olhar da
Educação Ambiental.
Trazendo Reigota, lembramos que ―entre os desafios que se apresentam à Educação Ambiental
contemporânea está o de ultrapassar os aspectos puramente biológicos (evolutivos) da biodiversidade e
incorporar os seus aspectos antropológicos, culturais, econômicos e políticos.‖ (REIGOTA, 2010, p. 546). É na
pauta da problemática socioambiental do Pampa através das lentes da educação ambiental que focamos no
Pampa do RS, nos seus atravessamentos culturais, que o constituem e o tornam potente para a análise do campo
da educação ambiental.

Considerações Finais
Entendemos que neste contexto foi se desenvolvendo um processo cultural singular, na formação e
construção desse sujeito chamado gaúcho e que isso, vai sendo mostrado através dos discursos. Discursos que
podem ser colocados sob suspeita, pois entendemos que vamos nos constituindo enquanto sujeitos através das
produções e construções culturais. Assim, percebemos o gaúcho como uma ―fabricação 97‖ cultural. Um sujeito
cultural que se arranja numa composição histórica, em espaço-tempo definido que o faz ser e interpretar o
mundo e o seu mundo de forma que o caracterize enquanto peculiar em sua territorialidade. O gaúcho, portanto,
se faz como representação cultural e preocupamo-nos em como se constrói esse sistema de representação
cultural.
Esse Pampa, para além de um território geográfico pode ser entendido como uma forma de ser, de viver.
Constitui e é constituído por diversos atravessamentos culturais, geográficos, políticos, sociais, econômicos,

97
Conforme Sampaio (2009, p.83) ―utilizo, então, a palavra ―fabricação‖ com o intuito de sublinhar o caráter construído, contingente e
não transcendental das narrativas de identidade (...).‖
196
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biológicos... historicamente é um campo de saberes, lutas, disputas, chegadas e partidas. Dizemos que o gaúcho
é uma figura cultural que se desenvolveu nos últimos séculos ao longo das pradarias do Pampa e aqui será
buscado em sua singularidade e complexidade nos indagando sempre, sob as lentes da educação ambiental, em
que condições de possibilidade se constitui um discurso de Natureza nesse Pampa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSUNÇÃO, Fernando O. HistoriadelGaucho. EstudioSocio-Cultural / Direccion General de
ExtensionUniversitaria – DivisionPublicaciones y Ediciones. Uruguay. 1978.
ESTRADA, Ezequiel M. Radíografia de la Pampa. Editora Losada. SA. Buenos Aires. 1933.
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. 6ª edição. Forense Universitária. 2002.
GUATTARI, Felix. As três ecologias. 5ª edição. Papirus. 1995.
HENNING, Paula Correa. Efeitos de sentido em discursos educacionais contemporâneos: produção de
saber e moral nas ciências humanas. Tese. UNISINOS, 2008.
PAIVA, Zeca. http://zepaiva.com/portfolio/galeria-expedicao-natureza-gaucha-2/. Acesso em 24 out 2013.
KINDEL, Eunice A. I..A natureza no desenho animado ensinando sobre homem, mulher, raça, etnia e
outras coisas mais... Tese de Doutorado em Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre, 2003.
NIETZSCHE, Friedrich W. A Gaia Ciência. Companhia das letras. 2012.
REIGOTA, M. A Educação Ambiental frente aos desafios apresentados pelos discursos contemporâneos sobre
a natureza. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, nº2, p. 539-553, maio/agosto, 2010.
SARMIENTO, Domingos F. Facundo. www.educ.ar. Buenos Aires.1999
VEYNE, Paul Marie. Como se escreve a história; Foucault revoluciona a história. 4ª edição. Editora
Universidade de Brasília. 2008.

197
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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS98

Vanessa, Bezerra Dias 99 - FURG/UFPel


Carla Valeria Leonini Crivellaro 100 - FURG

Resumo
É importante discutirmos as questões ligadas à Educação Ambiental (EA), principalmente, dentro das
Instituições de Ensino Superior, nos cursos ligados à formação de professores, pois é deste meio que sairão os
profissionais que se dedicarão a formar outros cidadãos. Porém, muitos cursos de graduação carecem da
abordagem da EA. Assim, com o apoio do Programa Interinstitucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(PIBID), do Instituto de Biologia, da Universidade Federal de Pelotas e do Curso de Especialização em EA da
Universidade Federal do Rio Grande, objetivou-se ministrar um curso de EA aos alunos do Instituto que
estivessem estagiando no PIBID. Com base na EA crítica, foi elaborado um curso com 10 encontros, com a
finalidade de refletir e problematizar conceitos e práticas relacionados às questões ambientais. Assim, optou-se
pela pesquisa qualitativa, mais especificamente pela observação participante, a fim de registrar as atividades.
No início do curso, os participantes apresentaram uma percepção aproxima de uma EA conservacionista, o que,
ao longo do curso, foi se modificando indo em direção a correntes mais críticas. Provavelmente, outros cursos,
como este serão necessários, enquanto a EA não estiver entrelaçada em todos os currículos.

Palavras-chave: Ciências Biológicas. Formação de Professores. Educação Ambiental.

Ponto de Partida
A Educação Ambiental (EA) deve ser abordada em todos os cursos de formação acadêmica, assim como
em ambientes não formais. Para concretização desse processo, é necessário formar cidadãos que saibam o
verdadeiro significado e a multidimensionalidade da EA. Caso contrário, serão formados pesquisadores e
principalmente professores que irão passar à sociedade uma visão simplificada da EA, voltada apenas ao lado
preservacionista, o que muito pouco resultado tem na preservação do ambiente e na transformação da
sociedade. Além do fato da necessidade de refletirmos as questões ligadas ao meio ambiente dentro das
Instituições de Ensino Superior (IES), pois é deste meio que saem os profissionais que irão atuar em diversas
áreas e alguns deles possivelmente se dedicarão a formação de outros cidadãos.
Desta forma, trazemos a recomendação nº 3 de 1977, da Conferência Intergovernamental de EA:

Considerando que o meio ambiente diz respeito a todos os habitantes de todos os países, e que
sua conservação e melhoria exigem a adesão e a participação ativa da população, a Conferência
recomendou aos Estados membros que integrem a educação ambiental em sua política geral e
que adotem, no marco de suas estruturas nacionais, as medidas apropriadas, objetivando
sobretudo:
e) aumentar os cursos de ensino superior relativos ao meio ambiente (UNESCO, 1977).

98
O artigo resulta de Projeto de Ação do Curso de Educação Ambiental Lato Sensu (UAB/FURG)
99
Especialista em Educação Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande, Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade
Federal de Pelotas. E-mail: vanessabd.dias@gmail.com
100
Doutora em Educação em Ciências, Mestre em Educação Ambiental. Universidade Federal do Rio Grande – RS. E-mail:
carlavlcrivellaro@gmail.com
198
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Por conseguinte, vemos a necessidade de se discutir a EA nos cursos de formação de professores ou de
bacharéis ou mesmo em ambientes não formais. Desta forma, a EA deve estar presente em todos os espaços e
não somente na licenciatura, limitada à área da educação.
Portanto, a pesquisa se justifica dentro deste contexto e também por ser um retorno e uma continuação
de um estudo anterior realizado no curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Pelotas – UFPel,
tendo como título ―A Educação Ambiental no Curso de Ciências Biológicas: um diálogo entre o Projeto
Político Pedagógico e os estudantes‖ (DIAS, 2013). Essa pesquisa revelou que há uma carência na área da EA
crítica, na formação desses futuros professores. Uma das sugestões apontadas era realizar um curso de
formação. Esta então se tornou a nossa problemática, e assim resolvemos seguir o caminho apontado e investir
em um curso voltado para EA crítica, assim, resolvemos auxiliar na implementação da abordagem de uma EA
crítica dentro da Universidade. Outro fato interessante foi que, após a publicação do estudo citado acima, um
curso de especialização na área de EA foi criado por professores do Instituto de Biologia ―Curso de
Especialização em Educação Ambiental com Ênfase em Espaços Educadores Sustentáveis‖, na modalidade
semi- presencial, porém destinada apenas para professores da rede pública.
Com o ingresso no curso de especialização da Universidade Federal do Rio Grande - FURG surgiu a
oportunidade em desenvolver um Projeto de ação com o foco na formação em EA com estudantes do Curso de
Ciência Biológica Licenciatura.
Dessa forma, com o apoio do Curso de Especialização e do Programa Interinstitucional de Bolsas de
Iniciação à Docência (PIBID), no Instituto de Biologia, da UFPel foi possível ministrar um curso de Educação
Ambiental para os educandos do Curso de Ciências Biológicas Licenciatura que estivessem estagiando no
PIBID. O curso teve duração de 20 horas e finalidade de aproximar os participantes de uma educação política,
de temas relacionados ao meio ambiente, social, cultural e econômico, a fim de desenvolver um pensamento
crítico e emancipatório, servindo como ponto de partida, uma vez que a EA crítica deva ser cada vez mais
discutida e que possa alcançar o ensino básico e a comunidade. Além da necessidade de reflexão quanto ao
meio ambiente, como acadêmicos ou profissionais, que irão atuar em diversas áreas e espaços.
A EA que buscamos é aquela abordada por Loureiro (2012), quando ele afirma que os problemas
ambientais não podem ser vistos isoladamente da complexidade que os formam, portanto, devem estar
associados às práticas sociais, pois, a EA é ―um elemento de transformação social inspirada no diálogo, no
exercício da cidadania, no fortalecimento dos sujeitos, na superação das formas de dominação capitalista e na
compreensão do mundo e sua complexidade e da vida em sua totalidade‖ (LOUREIRO, 2012, p.28). Além de
ser um processo de conscientização que ocorre no âmbito individual e coletivo, se assumindo um compromisso
com o outro e com a vida, contribuindo para a transformação humana e social e para a preservação ambiental.
A EA coloca o ser humano como um ser da natureza e não um ser à parte.

199
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Para atingir esse propósito foram planejados encontros, com finalidade de mostrar e problematizar as
correntes da EA, identificando as possibilidades de ação do biólogo, promover palestras com convidados,
filmes, discussões em grupo, saída de campo, confecções de textos reflexivos e a elaboração de vídeos.
Neste sentido, este artigo traz os resultados obtidos com a realização do Projeto.

Caminho percorrido
Utilizou-se a metodologia qualitativa, tendo como método a observação participante. Todos os
encontros foram filmados, com a devida autorização dos envolvidos, foi necessário filmar os encontros para
uma posterior analise e extração das falas dos participantes.

Observação Participante
A observação participante é uma técnica de captação de dados (ANDRADE, 2009; HAGUETTE ,1999;
MAZZOTTI, GEWANDSZNAJDER, 1998). Ela se diferencia de outras técnicas tais como o questionário e a
entrevista, porém ela não é apenas utilizada para captação de dados, mas também serve como um ―instrumento
de modificação do meio pesquisado, ou seja, de mudança social‖ (HAGUETTE 1999 apud SCHWARTZ;
SCHWARTZ, 1960, p. 69). Portanto,

...definimos a observação participante como um processo no qual a presença do observador


numa situação social é mantida para fins de investigação cientifica. O observador está em
relação face a face com os observados [...]. Logo o observador é parte do contexto sendo
observado no qual ele ao mesmo tempo modifica e é modificado [...] O papel do observador
participante pode ser tanto formal como informal, encoberto ou revelado, o observado pode
dispensar muito ou pouco tempo na pesquisa; o papel do observador participante pode ser uma
parte integrante da estrutura social ou ser simplesmente periférica com relação a ela
(HAGUETTE, 1999 apud SCHWARTZ; SCHWARTZ, 1960, p.71).

Neste trabalho optamos por utilizar a observação participante de forma revelada, assim o observador
será apresentado aos participantes, bem como o projeto de ação. Para auxilio deste método foi utilizado uma
câmera filmadora, porém nos resultados descrevemos apenas alguns detalhes relevantes.

O curso
O curso ―Educação Ambiental no PIBID Biologia‖ teve duração de 20 horas e foi realizado em 10
encontros. Os encontros ocorreram, em sua maioria, na UFPEL, a saída de campo na Cooperativa de Trabalho
dos Agentes Ambientais do FRAGET – COOTAFRA.
No primeiro semestre de 2014 realizamos duas conversas com o coordenador do PIBID para acertarmos
uma parceria. No segundo semestre demos início ao processo de divulgação e inscrição. Participaram 18
pessoas, todas estagiárias do PIBID, pertencentes a vários semestres do curso de Ciências Biológicas
Licenciatura.

200
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Iniciamos apresentando o projeto, os objetivos e forma das avaliações. Posteriormente todos os
participantes se apresentaram respondendo às seguintes questões: o que entendo por Educação Ambiental? E o
que gostaria que fosse abordado no curso?
Abordamos a metodologia das ―Ondas‖, adaptada de Crivellaro, Martinez Neto e Rache (2001)
iniciando com a Onda 1 – Ser natureza, onde foi elaborado o conceito de meio ambiente e de EA. Prosseguimos
com o texto ―Estudo do Meio‖ (p. 18), a ―Onda 2‖ - o lugar onde vivemos e algumas sugestões de trabalho em
sala de aula. A seguir, trouxemos alguns conceitos de autores como Reigota (2010), Dias (2013), Loureiro
(2004, 2007 e 2008), Layrargues, (2000). Para finalizar abordamos a Política Nacional de Educação Ambiental
(PNEA) - Art. 10. e Art. 11 (BRASIL, 1999).
Outra atividade foi a ida à Cooperativa de Trabalho dos Agentes Ambientais do FRAGET101 –
COOTAFRA. A saída de campo teve como objetivo conhecermos mais sobre a cidade e a realidade das pessoas
que trabalham com a coleta de resíduos recicláveis, percebendo assim a importância da separação deste material
e seu trajeto. Além disso, abordou-se o funcionamento da coleta seletiva na cidade de Pelotas.
Outra finalidade do curso era trazer palestrantes com visões mais aprofundadas da EA. Assim, tivemos a
presença em dois encontros das professoras Greici Maia Behling102 e Carla Valeria Leonini Crivellaro103. A
primeira inicia com uma pergunta ―Como falar de educação ambiental?‖ e nos apresentou a Metáfora do
Carcara que ela desenvolveu, dizendo: ―eu sempre me imaginei enquanto estudante de biologia e enquanto
bióloga, como um gavião procurando uma área para pousar, sobrevoei anos várias áreas da biologia e não
encontrei nenhuma, embora gostasse de todas, isso foi me frustrando e me fazendo pensar em sair do curso.
Esta então é a metáfora, sobrevoei a biologia para encontrar o meu ninho, o meu lugar‖, e assim contou sobre
sua trajetória e a relação com a EA.
Para ilustrar, trouxe-nos poemas como ―Narciso cego‖ de Thiago de Mello, imagens, a história de Alice
no País das Maravilhas e Paulo Freire como um educador ambiental. Após, a palestrante adentra conceitos de
EA e para isto utiliza o texto de Sauvé (2005), posteriormente aborda conceitos ligados aos aspectos
pedagógicos da EA e também abordou as macrotendências de Layrargues e Lima, (2011). Para finalizar, Greici
nos coloca várias questões e encerra nos fazendo refletir sobre a nossa trajetória.
Carla iniciou sua palestra pedindo que os participantes fizessem comentários a respeito dos
aprendizados no curso e após propôs uma conversa informal, desta conversa surgiram vários temas como o
capitalismo, a mídia, a política, entre outros. Posteriormente, foram apresentados conceitos de EA e
desenvolvida a metodologia das árvores (CRIVELLARO, MARTINEZ NETO, RACHE 2001), para elaboração
de projetos e/ou sistematização de ideias. Para finalizar, foram abordadas as 5 Ondas que compõem essa
metodologia.

101
Vilas: Farroupilha, Real, Aurora, Guabiroba, Elza e Treptow, presentes no bairro Fragata (Pelotas, RS).
102
Bióloga e Doutoranda em Educação Ambiental, pela FURG.
103
Doutora em Educação em Ciências, Mestre em Educação Ambiental, pela FURG.
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Resultados e Discussões
No momento da apresentação os participantes responderam às seguintes questões, o que entendo por
Educação Ambiental? E o que gostaria que fosse abordado no curso? Assim, surgiram percepções próximas à
vertente conservacionista, aparecendo temas como a natureza, conservação, conscientização; em relação à
segunda questão os assuntos não fugiram desta linha, alguns disseram que queriam aprender sobre questões
ligadas à reciclagem, oficinas de elaboração de sabonetes a partir de óleo, questões relacionadas à evolução,
fauna e flora, apenas dois integrantes possuíam uma visão mais crítica.
Na elaboração do conceito de ―O que é meio ambiente?‖, os participantes escreveram o que viram e/ou
pensavam sobre o tema meio ambiente. Notamos como eles estão presos aos conceitos da natureza intocada que
está ligado a visões mais conservacionista de EA, portanto, se aproximando da crítica que Reigota (2012), faz
quando trata deste assunto, afirmando que visão está relacionada à conservação e à proteção de animais e
vegetais, estando assim próximo da ecologia, sem preocupações com questões políticas e sociais, portanto é
uma visão biologizante. Apareceram algumas respostas mais próximas EA crítica, estas apresentaram uma
preocupação com o coletivo, incluindo sociedade e meio natural.
Após, aprofundamos o tema trazendo autores e conceitos para nos ajudar a refletir. Assim, utilizamos
vários conceitos presentes no livro de Reigota (2010), onde ele busca abordar percepções de vários
profissionais como: geólogos, ecólogos, entre outros, para nos mostrar a importância desse primeiro passo, pois
é importante identificar o que as pessoas entendem por meio ambiente, afinal é a partir deste conceito que
teremos o de EA, ele é também o ponto de partida para o aprofundamento do tema.
E para complementar Reigota (2010, p.14), define meio ambiente como:

Meio Ambiente é o lugar determinado e percebido, onde os elementos sociais e naturais estão
em relações dinâmicas e em interação. Essas relações implicam processos de criação cultural e
tecnológica e processos históricos e sociais de transformação do meio natural e construído.

Meio ambiente é tudo que está a nossa volta e será percebido de forma diferente dependendo da pessoa
que o define, pois, ela faz parte de um contexto social diferente das outras e recebeu influências diferentes.
―Não existe um conceito sobre meio ambiente na comunidade científica em geral. Supomos que o mesmo deva
ocorrer fora dela. Por seu caráter difuso e variado consideramos então a noção de meio ambiente uma
representação social‖ (REIGOTA, 2010, p.14).
Também compreendemos as principais vertentes da Educação Ambiental: o pensamento conservador,
clássico ou tradicional e o pensamento crítico emancipatório. Iniciamos abordando o pensamento conservador,
o qual Loureiro (2004) nos afirma ser individualista, as questões ambientais estão desarticuladas, ocorrendo um
dualismo entre homem e natureza, esse não está inserido no meio, não se sente parte da natureza. O padrão de
consumo e o modelo de produção não são vistos como um problema da sociedade moderna. A ideia de reforma

202
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é tratada com superficialidade, estando distante de toda a complexidade que a envolve, aspectos políticos,
sociais, econômicos, subjetivos do ser humanos.
A EA tradicional está próxima da ecologia, pois esta se relaciona com a proteção de vegetais e animais,
excluindo as relações políticas e sociais (LOUREIRO, 2008). Esta perspectiva aponta que suas soluções podem
ser encontradas na tecnologia e nas ciências (LOUREIRO, 2004).

Além disso, não se tem como objetivo colocar em cheque o modelo capitalista e suas relações
de produção. Tem-se esse modelo como norteador, buscando formas de minimizá-lo na vida da
população, e a crise ambiental é abordada como uma falha sistêmica do capitalismo a ser sanado
(DIAS, 2013, p.26).

Posteriormente abordamos a linha de pensamento crítico, a qual está voltada para transformação da
realidade, na participação sócio-política em um viés da cidadania e democracia (LAYRARGUES, 2000).
Esta corrente enxerga os tempos de hoje marcados pelo consumo desenfreado o que leva a um
esgotamento dos recursos naturais e vê este processo atrelado à crise social (LOUREIRO, 2008). Portanto,
esses conflitos fazem parte de um processo histórico.
O capitalismo ou qualquer modelo econômico que não leve em conta o bem-estar do ser humano e a
adequada utilização dos recursos está extinguindo a vida. O modelo de hoje envolve as pessoas no processo de
consumo desenfreado, chegando a associar a felicidade a essa ação, prendendo as pessoas em um processo de
alienação e desinformação, assim a EA crítica vem assessorar o indivíduo no processo de criticar a realidade e a
si próprio, para que ela se modifique e passe a ser um agente transformador desta realidade, ela não deve ser
vista como uma ―mágica‖ que vai ―salvar‖ o mundo da degradação.
Comentamos a dificuldade de se trabalhar com e EA crítica, principalmente no início do processo,
quando ainda estamos descobrindo o que ela significa. Sendo mais fácil abordar os temas de forma
conservadora e aos poucos ir tomando consciência da multidimensionalidade da EA e assim começar a inseri-la
nas nossas vidas e nas escolas. Por isso se torna importante conhecê-la, principalmente, para sabermos
diferenciar e desta forma conseguirmos abordá-la de forma mais crítica, portanto, vemos que:

os sujeitos que estão inseridos na EA não apresentam as características estáticas em relação a


cada grupo, são frutos de um processo histórico e com diversas influências sociais sendo
possível perceber ora posições tradicionais, ora críticas e até mesmo a conjugação de ambas
(DIAS, 2013, p.26).

Comentamos que a EA crítica é um processo que interage com a política, economia, sociedade, a
subjetividade e a ecologia, estando todos em um processo interdependente.
Abordamos a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) - Lei nº 9.795/99. Seção II - Da
Educação Ambiental no Ensino Formal, o Art. 10, aponta que a EA deve ser uma prática educativa integrada,
contínua e permanente, não podendo ser uma disciplina específica exceto em casos específicos - cursos de pós-
graduação, extensão e nas áreas voltadas ao aspecto metodológico da EA (BRASIL, 1999).

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No Art. 11, relata que nos cursos de formação de professores a temática ambiental deve estar presente
em todas as disciplinas e caso já tenham se formado devem receber formação complementar (BRASIL, 1999).
Esta problemática foi trazida para comentarmos sobre o Curso de Ciências Biológicas, cursados pelos
participantes, onde discutimos sobre a falta de uma EA crítica no curso, o que vem ao encontro do trabalho de
conclusão, de Dias (2013), realizado anteriormente e que serviu como inspiração para este.
Na saída de campo à cooperativa do FRAGET, pudemos observar a estrutura do prédio, as condições de
trabalho, a forma como os resíduos chegam na cooperativa, pois no momento que estávamos ali chegou um
caminhão da prefeitura para despejar os resíduos, a pessoa que nos recebeu fez um resumo da história da
cooperativa, da relação com os vizinhos, com o bairro e com a prefeitura. Os participantes fizeram várias
perguntas como: ―Tem alguma coisa que vocês não conseguem vender?‖; ―Tens noção da quantidade que vocês
não conseguem mandar para cooperativa?‖ Se referindo ao que eles não conseguiam reciclar; ―Com que
frequência vem o caminhão da prefeitura?‖; ―O ponta pé inicial para criar a cooperativa como foi?‖ e alguns
outros questionamentos, inclusive considerações. Por esses motivos a saída se mostrou uma metodologia
produtiva e que atendeu às expectativas. Assim, a saída teve o intuito de estimular a separação dos resíduos nos
participantes para que estes vejam que é possível separar os resíduos recicláveis e qual a melhor forma de fazer
isso e, desta forma provavelmente irão estimular este gesto em seus alunos e nas pessoas à sua volta.
Em relação às palestras, estas foram importantes, pois agregaram conhecimentos e vivências mais
aprofundadas. A primeira palestrante Greici Maia Behling, nos apresentou sua trajetória e vários conceitos
ligados à EA, houve alguns momentos de intervenção com os participantes.
A palestrante nos questiona ―por que a EA piora a vida de gente?‖ e todos se olham, sem saber o que
dizer, e se escutam comentários ―como assim piora?‖ Na realidade ela queria que percebêssemos que após
conhecermos a EA não temos como retornar, pois, saberemos a forma correta de fazer as coisas. Um exemplo
simples é que saberemos que os resíduos devem ser separados e terem um destino adequado, então é provável
que iremos separar os resíduos e tentar destiná-los da melhor forma, mas nem sempre conseguimos, talvez por
não ter coleta seletiva onde moramos. Sua palestra foi intrigante e animadora, fazendo com que refletíssemos
sobre o que queríamos fazer com a nossa trajetória.
A palestra contribuiu abrindo um leque de possibilidades para se trabalhar com a EA e mostrando que é
possível sermos críticos e até mesmo nos negarmos a fazer algo que vai contra a ética e a moral de cada um,
pois é possível fazer a diferença.
A segunda palestrante Carla, destacou, inicialmente duas frases, em sua apresentação:

―o caráter da EA é ser interdisciplinar, multidimensional, que envolva todas as áreas possíveis


do conhecimento, propondo então uma proposta interdisciplinar, quiçá transdisciplinar‖. ―A EA
vem para minimizar conflitos, enfrentar e propor novas práticas, novas metodologias‖.

Após, foi pedido para os participantes comentarem sobre o curso, se ele havia ajudado a refletir e até
mesmo modificar suas visões, assim destacamos alguns comentários.
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A Participante 3, acredita que a EA é muito teórica, porque na prática não se tem muito material, ela
acredita que devesse ―pesquisar meios para que de fato a EA entre na comunidade. Eu não vejo outro lugar
senão a partir da escola‖.
A Participante 14, relatou que tinha um conhecimento superficial sobre a EA e, à medida que foi
conhecendo, observou que era bem mais complexo e isso a fazia querer se envolver e conhecer mais. Ela
comenta sobre a EA, dizendo que quando se fala sobre o tema ―automaticamente já é vista como uma área da
biologia‖; ―é direcionada para a aquela visão clássica que é a floresta, os rios, a ecologia, então deve ser dada
pela biologia‖. A palestrante toma a palavra e diz: ―realmente é difícil‖, pois ―somos sequelados na
fragmentação‖, a escola ainda compartimentaliza atingido todas as áreas, assim a nossa missão deva ser
resgatar esta unidade, essa visão de que não somos apenas ―cabeça, tronco e membros, de que uma árvore não é
só galhos, raízes e caule, tem que ampliar isso.
A Participante 12, entrou para o curso pois ficava indignada com as pessoas que jogavam lixo no chão,
―daí quando vim pra cá eu vi que não era só isso, que não era só culpa das pessoas, mas do sistema‖, ela
também achou importante levar o que aprendeu para dentro das escolas, pois como futura professora acha
necessário se trabalhar com a temática. Ela aborda o meio ambiente, dizendo ―quando a gente entrou no curso
tinha aquela visão de que meio ambiente era aquela paisagem verde, florzinha, os bichinhos na volta, tudo
bonitinho, mas depois eu vi que meio ambiente é tudo, agora por exemplo aqui é nosso meio ambiente; o nosso
corpo é o meio ambiente‖.
Também vimos alguns conceitos de EA e após a metodologia das árvores proposta por Crivellaro,
Martinez Neto e Rache (2001), que fomos desvendando no quadro, a partir desse método podemos
problematizar qualquer temática, de qualquer área, inclusive dentro das escolas. Os participantes ficaram
maravilhados com a facilidade de se utilizá-la, uma vez que esta permite que as ideias sejam organizadas e
transformadas em projetos.
Esta palestra foi interativa possibilitando a participação ativa e a troca de ideias, além de ter sido
passada uma metodologia de fácil aplicação. Assim sendo, a palestra contribuiu no fortalecimento de conceitos
e na introdução de outros.
Para finalizar o curso, foi feito uma pergunta aos participantes ―O que para você era Educação
Ambiental (pensamento antes do curso), e o que mudou ao término do curso?‖
As respostas dos participantes se aproximaram, eles afirmaram possuir uma visão de EA inicial próxima
da ecologia, voltada para a reciclagem e separação do lixo, como por exemplo: ―Para mim EA era aquele
pensamento conservador, do qual todos que não se aprofundam muito no assunto possuem. Pois a questão ainda
não é debatida como deveria na universidade e nas escolas‖. Após o curso afirmaram que suas percepções
foram ampliadas, eles perceberam que a EA aborda diversas temáticas, sendo uma área ampla que envolve
questões políticas, culturais, de relações humanas e ecológicas, como por exemplo: ―agora percebo que esta é

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uma área de ampla abrangência visto que envolve questões políticas, culturais, de relações humanas, ecológicas
enfim, traz um novo conceito de meio ambiente partindo do ambiente ‗corpo que possuo‘‖.
Notamos que na maioria das respostas os participantes afirmam ter modificado seu modo de pensar,
mostrando que o curso atingiu seu objetivo, um participante não respondeu como é sua visão hoje, mas deixou
um indicio de que sua visão modificou, apenas um integrante afirmou que não modificou sua visão, pois esta já
se encaixava na EA crítica.
Percebeu-se a importância da apresentação de cada um dos participantes relatando sobre seus conceitos
de EA e suas expectativas com o curso, pois isto ajudou a formular os encontros subsequentes, auxiliando no
conhecimento mais aprofundado de seus anseios. Também se notou que é necessário que as Instituições de
Ensino Superior levem a sério a EA e desta forma trabalhem com seus discentes para que estes possam entender
e compartilhar sua filosofia e conceitos.
Esta conclusão é importante, pois a grande parte dos discentes que fizeram a curso apresentou ter uma
visão de meio ambiente intocado e de EA mais conservacionista e com as conversas e apresentação dos
conteúdos acabaram revendo sua forma de enxergar a EA se aproximando de uma visão crítica. No entanto,
aqueles que faltaram muito ao curso não conseguiram refletir sobre o assunto e não modificaram suas
percepções.
As palestras foram importantes, visto que agregaram conhecimentos mais aprofundados. As filmagens
foram essenciais para posterior análise e recorte dos pontos de reflexão. Portanto, sem ela não teríamos as falas
dos participantes; a saída de campo possibilitou conhecermos as pessoas que trabalham com a reciclagem e
vermos como elas possuem conhecimentos sobre o assunto e o quanto é importante reciclarmos. Como todo
processo educativo, é necessário continuar estudando, buscando formas de reinventar a EA, e para aqueles que
querem entender o tema mais a fundo é preciso continuar procurando novas possibilidades de aperfeiçoamento.
Por tudo já mencionado, consideramos que o curso ministrado foi produtivo, garantindo conhecimento e
reflexões, possibilitando até mesmo em alguns participantes uma grande mudança em direção à EA crítica.

Considerações Finais
A partir do curso, percebemos que ocorreu uma mudança de pensamento de uma EA mais conservadora
para uma EA mais crítica. Isto pode ser observado no decorrer dos encontros, principalmente quando os
participantes tinham oportunidades de expressar suas reflexões, o que ocorreu em vários momentos.
Obviamente, seria importante realizar mais cursos como este na formação inicial dos graduandos e
principalmente de seus professores para que consigamos tocar um número maior de pessoas e, assim, possamos
chegar mais perto do cumprimento da PNEA, das recomendações da conferência de Tbilisi e tantos outros
movimentos que lutam por um mundo mais igualitário que respeite o direito dos seres vivos.
A EA é um processo, primeiramente, de reflexão e diálogo, e, posteriormente, de mudança, que começa
no ―eu‖ e parte para o coletivo. Sendo assim, é uma educação política que perpassa questões ligadas ao meio
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ambiente, à sociedade, à cultura e à economia, mostrando como esses setores são interdependentes e o quanto
interferem no nosso ―modo de ser e estar no mundo‖. Em suma, a EA crítica, emancipatória e transformadora é
um processo que auxilia no fortalecimento dos sujeitos, apontando caminhos diferentes ao da dominação
capitalista.

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Acesso em: 26 nov. 2011.

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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA PROMOÇÃO DA RESILIÊNCIA NO CONTEXTO
DE TRABALHO DOS EDUCADORES SOCIAIS

BERSCH, Ângela Adriane104


PISKE, Eliane Lima105
YUNES, Maria Angela Mattar106
GARCIA, Narjara Mendes107

Resumo
O presente estudo discorre de uma Pesquisa de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Educação
Ambiental, que vem sendo realizada desde o ano de 2013 em três instituições de acolhimento governamentais
na cidade de Rio Grande- RS, com cerca de 30 educadores sociais. A pesquisa visa refletir sobre a contribuição
da Educação Ambiental na promoção da resiliência no contexto de trabalho dos educadores sociais, além de
buscar identificar a identidade desses profissionais a partir de um levantamento realizado com os educadores
sociais. A Educação Social é um campo de investigação que permeia diversas áreas do conhecimento, o qual
estaremos apresentando no decorrer de alguns estudos desenvolvidos sobre essa temática e que contribuem para
refletir sobre o Educador Social que atua nas instituições de acolhimento. O Educador Social é, ao mesmo
tempo, um ator social, um educador ambiental e mediador social. Enquanto ator social ele vive a complexidade
da vida, no entanto, ele deve ser o sujeito potencializar de processos de emancipação e conscientização. O
Educador Social não pode se furtar a assumir a responsabilidade de consolidar e renovar redes que já vigoram
no contexto, mas ao mesmo tempo, inventar novas redes, novas possibilidades, reforçando as relações de
pertencimento e afetivas.

Palavras-chave: Resiliência. Educação Ambiental. Educadores Sociais.

Introdução
A formação das competências do Educador Social exige um envolvimento pessoal e profissional para
que possa ser desenvolvida de maneira sistemática, coerente, adaptada e acertada. E ela deve transcender os
limites de uma formação formal para uma contínua e permanente (CARVALHO E BAPTISTA, 2004). Ela
deve permitir ao profissional a retroalimentação, a reenergização e atualização frente às novas demandas,
legislação, metodologias pedagógicas, individual e coletiva. O processo de diálogo e conseqüente discussão que
esse sugere são imprescindíveis para a qualificação dos trabalhos destes profissionais.
A formação para ser uma efetiva transformação deve ser contínua e permanente, pois se trata de um
processo. Ser Educador Social implica na integração de saberes, atitudes e do saber-fazer que constituem o que
Perrenoud (2000), chama de competências.

104
Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Educação Ambiental (PPGEA) – Universidade Federal do Rio Grande (FURG); e-
mail: angelabersch@gmail.com
105
Especialista em Educação Infantil pela Universidade Federal de Pelotas- UFPel; Mestranda do Programa de Pós-Graduação em
Educação Ambiental (PPGEA) pela Universidade Federal do Rio grande- FURG; e-mail: e.nanny@hotmail.com
106
Professora Doutorada Associada e permanente no Programa de Pós-graduação em Educação do Centro Universitário La Salle,
Unilasalle, Canoas, RS e colaboradora no Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio
Grande; Rio Grande, RS – Brasil, e-mail: mamyunes@yahoo.com.br
107
Doutora em Educação Ambiental. Professora Adjunta do Instituto de Educação. Docente do PPGEA/ FURG.
narjaramg@gmail.com
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Pela reflexividade, estas deverão conferir ao educador social a possibilidade de intervenção
assente na interpretação exigente da realidade, na comunicação, na avaliação de situações, na
empatia, na perseverança e, enfim, na superação empreendedora do sofrimento perante as
contrariedades e impasses que prolongam intoleravelmente as injustiças e as frustrações que
retiram tantas e tantas vezes aos seres humanos, para além do imediatamente necessário, o
sonho, a esperança e a utopia (CARVALHO E BAPTISTA, 2004, p.86).

Sobre competências os autores esclarecem que essas diferem de qualificações. Se por um lado as
primeiras tratam-se de saberes adquiridos pela pessoa para poder fazer escolhas e assumir as respectivas
responsabilidades, por outro as qualificações passam predominantemente pela inculcação de destrezas para o
exercício de funções específicas. A identidade profissional dependerá de vários fatores: a história pessoal de
cada indivíduo, a formação recebida, a qualidade da vida da instituição em que ele exerce e a intensidade dos
constrangimentos vivencidados (CAPUL & LEMAY, 2003).
Nessa perspectiva se considerarmos a ideia de Sauvé (2005) quando afirma que a Educação Ambiental é
uma proposta de melhora da qualidade da relação de cada um com o mundo, considerando as características do
contexto de cada um, do meio no qual está inserido, o Educador Social é, sem dúvida, um Educador Ambiental,
embora ele próprio não reconheça ou não tenha esse reconhecimento pela sociedade. Ainda para a autora:

A Educação Ambiental acompanha e sustenta de início o surgimento e a concretização de um


projeto de melhora da relação de cada um com o mundo, cujo significado ela ajuda a construir,
em função das características de cada contexto em que intervém. Numa perspectiva de conjunto,
ela contribui para o desenvolvimento de sociedades responsáveis. (SAUVÉ, 2005, p. 320).

Se a identidade do Educador Social está em construção, suas atribuições e função, com certeza também,
e, é urgente que isso se concretize para o ―bem‖ das crianças e adolescentes. Carvalho e Baptista (2004)
afirmam que o Educador Social deve ter como características fundamentais: reflexividade, polivalência técnica,
criatividade, adaptabilidade e dinamismo. E para que sua intervenção possa ser eficaz precisa fazer uma leitura
clara da realidade social, que é problemática e multifacetada. Assim, diante de realidades complexas o educador
social precisa ser multidimensional e polivalente.

Metodologia
A proposta de intervenção com os Educadores Sociais ocorreu de outubro de 2013 a novembro de 2014.
Participaram da pesquisa 30 Educadores Sociais de 3 entidades governamentais de acolhimento no município
de Rio Grande – RS. No primeiro encontro foram aplicados questionários aos participantes a fim de
diagnosticar suas percepções a respeito de suas atribuições e identidade. Nos doze encontros seguintes foram
trabalhadas temáticas pertinentes à instituição de acolhimento, como: práticas de acolhimento, desenvolvimento
na infância e na adolescência, violência, relações intra e interpessoais, comunicação, rotinas da instituição, etc.
A promoção da resiliência no contexto de trabalho dos educadores sociais foi a tônica dos encontros e as
práticas corporais tinham como foco atividades de caráter lúdico e cooperativo, a fim de estimular a

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expressividade corporal e momentos de reflexão sobre as temáticas em questão. Após, em roda, realizava-se a
leitura de um texto teórico relacionado à temática do encontro. Nesse momento, cada participante era motivado
a falar sobre a vivência e articular sua prática e conhecimentos com o tema em debate. No momento final fazia-
se o registro escrito de forma individual, de sua vivência, ao qual denominávamos de memorial descritivo.
Nesse, cada um discorria sobre suas emoções e sentimentos que emergiram no decorrer das vivências corporais
e também as reflexões a partir das discussões coletivas.

Analise dos resultados


A qualidade das (con)vivenvias institucionais na qual atua o Educador Social pode ser determinante no
desenvolvimento da identidade profissional. Por exemplo, o tipo de direção, a forma de gerir a instituição, o
convite ou a reserva das iniciativas pessoais. As crises institucionais podem exercer um poder destrutivo na
autoconfiança dos educadores sociais e por conseqüência atingir profundamente àqueles que vivem nesta
instituição, (CAPUL & LEMAY, 2003) no nosso caso as crianças e adolescentes e pode causar cicatrizes que
desestabiliza a equipe.
A Partir dos questionários aplicados constatou-se que participantes apontam para uma profusão e
confusão no aspecto que se refere a identidade do Educador Social: 30% dos participantes consideram-se
Educadores; 23,3% monitores; 20% cuidadores; e os restantes 26,7% indicaram-se como pedagogos;
psicólogos, enfermeiros e outros. Os resultados mostram a complexidade da compreensão dos Educadores
Sociais sobre suas identidades profissionais.
Os Educadores Sociais têm, em geral, como campo de atuação os contextos que apresentam histórias e
cenários fragilizados. E são os personagens destas cenas aqueles que são diretamente atendidos por estes
profissionais. Portanto, é neste contexto que emerge a necessidade e a urgência deste profissional
multidimensional para ajudar na construção da autonomia destas pessoas por meio de ações e projetos
construídos com eles. A participação no projeto de autonomia é fundamental para a sua sustentabilidade,
porque o Educador Social orienta, acompanha, mas de forma alguma faz pelo outro. Ele por assim dizer é o
mediador das soluções.
O Educador Social é ao mesmo tempo um ator social, um educador e mediador social corrobora
Carvalho e Baptista (2004). Enquanto ator social, papel comum a todos os seres humanos, ele (con)vive a
complexidade da vida em sociedade, entretanto ele deve ser o sujeito de um processo emancipador de
conscientização (FREIRE, 1996).
No papel de Educador social o olhar e atitudes prospectivo e a sugestão de projetos de ação visando a
autonomia dos atendidos devem ser uma constante. No encontro ou no nó górdio entre esses dois papeis surge o
mediador. Deve ter como característica a flexibilidade, o conhecimento, a implicação e ao mesmo tempo o
distanciamento das situações e ser capaz de empreender e gerir criativamente relações interpessoais e inter-
grupais. O educador/mediador social deve assumir a responsabilidade de procurar consolidar e renovar as redes
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que já vigoram no contexto, mas também, ajudar a inventar novas redes, novas possibilidades, criando espaços
de pertencimento e de referencia afetiva (CARVALHO e BAPTISTA, 2004).
São as práticas de relação, de mediação e de hospitalidade que permitem transformar o mundo numa
casa para todos os seres humanos (CARVALHO e BAPTISTA, 2004, p.93) tal como preconiza e ―peleja‖ a
Educação Ambiental. Nesse sentido, os Educadores Sociais devem ser reconhecidos e valorizados como
promotores das chamadas redes sociais.
Uma das questões do questionário referia-se à percepção dos Educadores Sociais sobre suas atribuições.
Estes citaram desde cuidados com a higiene, saúde, educação, controle das atividades escolares,
responsabilidades de dar carinho, afeto, aconselhamentos, orientações educacionais e profissionais. Ficou
evidente a percepção de um emaranhado de atribuições e conotações que sugerem que os profissionais não têm
clareza sobre seu real papel e função na instituição.
É preciso considerar que o Educador Social dificilmente trabalha isoladamente. Em grande parte do
tempo, está inserido num meio institucional e deve simultaneamente articular-se com outros educadores e
profissionais, o que sugere um trabalho em equipe. A equipe é um sistema inter relacional o que indica a
presença de elementos múltiplos e mutantes (CAPUL & LEMAY, 2003). Essa, o trabalho em equipe, por si só
não é uma tarefa fácil, soma-se à essa dificuldade o fato destes profissionais estarem tratando de realidades
dolorosas e às vezes, muitas vezes, cruéis.
No que se refere ao trabalho em equipe Capul e Lemay (2003) pontuam dois movimentos contraditórios
que ocorre nesse processo:
A fusão: a aproximação dos indivíduos em demasiado não respeitando o objetivo que os une – a
necessidade da criança e ou do adolescente – pode asfixiar as relações. Quando o prazer de trabalhar em
conjunto e de trocar experiências torna o clima profissional insuportável há o desejo do divórcio.
Outro erro para o qual nos alertam os autores é a ―divisão ou secção‖ do indivíduo, no caso da criança,
por exemplo, onde cada educador atende a uma das partes: um atende a motricidade, o outro a linguagem, o
terceiro as horas de repouso etc., contudo essa secção nunca é coerente, mas de conveniência dos autores. As
reuniões que sugerem monólogos para compor ou reconstituir o todo da criança mascaram a indigência das
comunicações recíprocas. Para a ação e projeto em equipe ter êxito ela deve ser elaborada no coletivo e
perseguir o mesmo objetivo em conjunto (CAPUL & LEMAY, 2003).
Carvalho e Baptista (2004) alertam para a importância da escrita na afirmação da cultura profissional
que é marcada pela exigência ética, cultural e técnica. Inspirados em Paul Ricoeur (1990) comparam a
identidade profissional dos Educadores Sociais como uma identidade narrativa. Esse autor esclarece que a
subjetividade evolui, e descobre-se num processo de reinvenção contínua. Está-se diante da valorização da
dimensão temporal da existência humana, que pode ser entendida como um processo dinâmico de
aperfeiçoamento e de superação de si.

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A partir destas percepções as interfaces entre a Educação Ambiental e a formação dos Educadores
Sociais na promoção da resiliência povoam as nossas reflexões como possibilidades concretas de ações,
intervenções e de projetos na superação de cenários e histórias fragilizadas e indivíduos vulneráveis em
situação de risco social e pessoal.
Esta formação não pode ter um formato padrão e estanque, ela deve dar conta de acompanhar as
mudanças e exigências da sociedade e dos diversos contextos nos quais estarão inseridos. Nessa reflexão,
mesmo que um grupo de Educadores Sociais esteja inserido em Instituições de acolhimento, estas serão
diferentes, assim também serão as necessidades e encaminhamentos. Ou seja, é preciso pensar cada realidade,
cada contexto, cada indivíduo, cada processo.
Para tamanha complexidade entendemos como uma saída eficiente o que Paulo Freire (1996) chama de
práxis. Ela refere-se à reflexão da pessoa sobre a sua ação e por conseguinte a reação. Para o ato da reflexão,
após o compartilhar de ideias coletivas, a escrita pode ser uma significativa contribuição na constituição da
cultura profissional.

A narrativa desempenha um papel de determinante na constituição da identidade, pessoal e


profissional, dos educadores e na configuração da acção. A capacidade de escrever para
escrever, para narrar o vivido, permite conferir coesão, e sentido, ao intrincado encadeamento
emocional de situações experimentadas. Uma história contada, e recontada, é uma história
avaliada e, a partir daí, reinventada. Ora, da partilha e cruzamento de diferentes narrativas
emerge a especificidade de uma cultura profissional (CARVALHO e BAPTISTA, 2004 p. 91).

Os autores supracitados compreendem o educador social como técnico da relação, visto que esse é
entendido como promotor da condição humana. Na relação humana e por isso educativa (FREIRE, 1996) não é
simplesmente o saber que está em questão, mas o próprio educador enquanto pessoa, imbuído de sonhos,
desejos, angústias, medos, crenças, valores e todo um arcabouço de emoções e sentimentos, afinal ele é um ser
humano.
Vale lembrar que eles na posição que ocupam são pessoas de referência, influenciando outras pessoas a
partir de suas posturas e atitudes o que deveria obrigá-los a uma atitude reflexiva permanente (CARVALHO e
BAPTISTA, 2004) e para isso a formação contínua é imprescindível. Os autores nesta linha trazem um
questionamento bastante pertinente e inquiridor: Num mundo vulnerável, incerto e inconstante, em que se torna
cada vez mais difícil conduzir a própria vida com capacidade de iniciativa, maturidade e segurança, como viver
a responsabilidade de guiar outras pessoas no processo de construção da sua própria autonomia? Este Educador
Social se percebe um sujeito de transformação?
Nesse processo de autopercepção de que o Educador Social é um sujeito de transformação a
compreensão e promoção da resiliência é imprescindível. É ela que irá auxiliar na melhoria da qualidade das
relações e dos ambientes.

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Resiliência é o termo que se refere à superação de adversidades em indivíduos, grupos e organizações
(YUNES, 2001, TAVARES, 2001). A resiliência vem sendo foco de vários estudos e pesquisas, alguns
estudiosos reconhecem a resiliência como um fenômeno comum e presente no desenvolvimento de qualquer ser
humano (MASTEN, 2001), já outros são mais cautelosos e destacam a necessidade de cautela no uso
―naturalizado‖ do termo (MARTINEAU, 1999; YUNES, 2001). Numa tentativa de síntese poderemos afirmar
que a resiliência é a capacidade do indivíduo de produzir respostas positivas, exitosas e prospectivas frente a
crises, desafios e dificuldades de forma a superar situações adversas e ―crescer‖ se fortalecer com as
experiências ―negativas‖.
No Brasil Yunes (2001, 2003, 2006) traz pesquisas e reflexões sobre a resiliência e é uma das
precursoras nos estudos da temática, portanto, introduz o vocábulo no mundo acadêmico e científico brasileiro.
A partir disso vários outros pesquisadores se debruçaram sobre a temática e a estudam em diversos âmbitos,
situações e com vários personagens.
Na tentativa de conceituar resiliência alguns estudos apresentam um caráter ideológico denunciam
Yunes e Szymanski (2001). Será o conceito de resiliência estanque? Ou seja, atribuímos à ela algumas
características e os indivíduos que não as apresentam não são resilientes? Ou será um conceito flexível, sendo
possível à todos os indivíduos serem resilientes em alguma medida? Em alguma situação? Em algum tempo?
É o que apostam alguns autores (YUNES, 2001, TROMBETA & GUZZO, 2002), quando afirmam que
no que tange a resiliência há mudança no decorrer do tempo, de acordo com a cultura e contextos. Além disso,
esclarecem que a resiliência não é uma característica inata do indivíduo, também não é relacionada a um estado
de felicidade ou euforia. Antes, tem mais relação com as aprendizagens e competências adquiridas a partir das
relações e interações positivas entre o indivíduo, seus pares e demais elementos dos contextos em que está
inserido. Contudo, nos questionamos, como fazê-lo? Que método utilizar? Yunes aponta uma possibilidade de
furgir do caráter classificatório de alguns métodos do estudo da resiliência:

(...) a relevância do processo de interpretação e a busca de sentido deveriam ser contínuas. As


estratégias metodológicas deveriam facilitar o entendimento da complexidade do fenômeno
através de um olhar descontaminado (...) o olhar do pesquisador vai desfocar o indivíduo e focar
o grupo familiar, as relações, e consequentemente deixar de priorizar as características para
estudar os processos (YUNES, 2002, p. 49-50).

Citação que nos remete imediatamente aos estudos de Bronfenbrenner (2002, 2011) quando aborda a
teoria Bioecológica e traz o modelo (PPTC) Pessoa, Processo, Tempo e Contexto e, dá ênfase especial, os
processos proximais da pessoa. As interações do indivíduo em seus contextos, num determinado tempo. A
resiliência, sem dúvida, é um conceito permeado de ceticismo, muito porque, não há uma metodologia clara,
rigorosa para identificá-la e necessita de um ―olhar‖ e uma ―ausculta‖ apurada e aprimorada do pesquisador.
Moraes e Rabinovich (1996) em seu trabalho sobre resiliência citam a fala de Urie Bronfenbrenner em
uma conferência proferida em Recife no ano de 1993. Segundo os autores Bronfenbrenner ao conceituar

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resiliência mencionou os sobrevivente de campos de concentração nazista, dos quais alguns reconstruíram suas
vidas ao passo que outros que haviam passado pelo menos trauma, não. Acreditava que havia estreita relação
com a esperança, aspecto que poderia passar de uma geração a outra. A esperança depositada na expectativa de
um futuro melhor mesmo submetidas ao sofrimento.
A complexidade da Abordagem Bioecológica de Desenvolvimento Humano está em considerar os
diversos contextos, o tempo e o processo, no qual a pessoa está inserida e que afeta e são afetados por ela. Tal
teia complexa não é possível dissociar se nosso desejo é compreendê-la. Ao dividi-la ou separá-la em partes
menores nos equivocamos facilmente, pois a parte não é igual ao todo e nem o todo igual às partes que dele se
originaram, são coisas diferentes (MORIN, 2001).
Este estudo tem a proposta de construção de possibilidades, através de uma sistemática dialógica, no que
se refere á Formação Profissional dos Educadores Sociais que atendem crianças e adolescentes no
microssistema das instituições de acolhimento, sob a perspectiva da Educação Ambiental não formal. Esta
última, tendo como finalidade, trabalhar em prol da melhoria do atendimento dos educadores sociais para
potencializar uma melhor qualidade de vida destes e das crianças e adolescentes institucionalizadas. Acredita-se
que isso somente será possível por meio da práxis, o processo de ação/reflexão/ação (FREIRE, 1996), onde
teremos como resultado uma nova ação por meio da transformação dos sujeitos envolvidos e por conseqüência
do microssistema.
Nesse movimento Loureiro (2007) nos aponta a Educação Ambiental Crítica que propõe a
problematização da realidade, dos valores, comportamentos, atitudes de forma dialógica. É também o que nos
ensinava Paulo Freire ao falar da conscientização, que trata-se de um processo de aprendizagens que ocorre
mutuamente por meio do diálogo, da reflexão e ação do ser humano no mundo.
Vale lembrar que só o ser humano é capaz de realizar tamanha façanha. Portanto, a prática educativa
cidadã e participativa deve relacionar-se com todas as esferas da vida de uma pessoa, ou como diria
Bronfenbrenner com todos os contextos relacionados com o indivíduo em desenvolvimento. É imprescindível
ver a educação, independente do contexto, como um processo global e dinâmico, do contrário se perderia sua
dimensão revolucionária (LOUREIRO, 2009)
A Formação de Educadores Sociais prevê a transformação do ambiente a partir das interações e
reflexões sobre as práticas estabelecidas, é, portanto, nesta perspectiva que o estudo se insere, estando em
consonância com a Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA), na qual enfatiza a importância na
formação de educadores ambientais no âmbito formal e não formal, sendo este último, manifestada na educação
ocorrida no microssistema das instituições de acolhimento:

Princípios da Educação para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global: A educação


ambiental deve ter como base o pensamento crítico e inovador, em qualquer tempo ou lugar, em
seu modo formal, não-formal e informal, promovendo a transformação e a construção da
sociedade. (BRASIL, 2004, p.58).

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Paulo Freire (1980) traz o conceito de conscientização como um ponto crucial para desencadear a
compreensão de educação em qualquer contexto. Este elemento para ele não pode ser dissociado do processo de
aprendizagem. Segundo este autor, o homem é o único ser com capacidade de agir conscientemente sobre a
realidade, ―Inicialmente, ocupando uma posição ingênua diante da realidade observada, e, então, ao adotar uma
posição crítica, chega à conscientização‖ (FREIRE, 1979, p 82). Um dos preceitos básicos para que de fato a
conscientização ocorra é a existência de uma relação dialética entre a ação e a reflexão. É a partir das conexões
entre a prática e o pensamento que o homem adquire a capacidade de transformar com sua ação a realidade
social.

Considerações Finais
A partir do nosso estudo constata-se que os conhecimentos advindos dos estudos da Educação
Ambiental contribuíram de forma significativa na compreensão e intervenção na formação dos Educadores
Sociais. O Educador Social é, ao mesmo tempo, um ator social, um educador ambiental e mediador social.
Enquanto ator social ele vive a complexidade da vida, no entanto, ele deve ser o sujeito potencializar de
processos de emancipação e conscientização. O Educador Social não pode se furtar a assumir a
responsabilidade de consolidar e renovar redes que já vigoram no contexto, mas ao mesmo tempo, inventar
novas redes, novas possibilidades, reforçando as relações de pertencimento e afetivas.

Acreditamos que nas articulações entre a Educação Ambiental e a promoção da resiliência no contexto
profissional dos Educadores Sociais pode ocorrer uma potente transformação e resignificação da Identidade,
das atitudes e intervenções dos profissionais entre eles e com as crianças e adolescentes institucionalizados.
Processo que irá promover melhoria na qualidade das relações e dos ambientes em que estão envolvidos.

Considerando a carência e urgência da reconstrução, ressignificação da identidade dos Educadores


Sociais e suas atitudes, apostamos no entrelaçamento da Educação Ambiental e da Educação Social como
fontes de inspiração e de conhecimento para programas de formação destes profissionais. É nosso desejo
também que esses programas de formação possam vir a ser implementadas como programas de políticas
públicas.

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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL, O ENSINO DE GEOGRAFIA E A ESCOLA: (RE)
DISCUTINDO ALGUMAS (IN) CERTEZAS COTIDIANAS
Anderson Weber Pereira108
Gabriela Klering Dias109
Rosangela Lurdes Spironello110

Resumo
Buscando discutir algumas questões que envolvem diretamente a relação entre Educação Ambiental e ensino de
Geografia na escola, este artigo se baliza em duas problemáticas principais comuns ao cotidiano escolar, onde
são trazidos para dialogar com estas problemáticas, dois trabalhos de mesma autoria deste artigo defendidos no
II SEMPGEO/UFPEL. Considerando as reflexões destes trabalhos citados, e objetivando contribuir com a
construção de uma discussão voltada a Educação Ambiental interdisciplinar, os resultados mostram que aquela
visão em que existem áreas predeterminadas a serem responsabilizadas a tratar da atuação da Educação
Ambiental na escola, não passa de uma construção mal fundamentada como consequência do cenário político
brasileiro e que, o que se pensa, está longe de ser de fato verdadeiro. Os mesmos resultados também trazem
para discussão uma reflexão frente algumas limitações atuais de se pensar a Educação Ambiental
interdisciplinar e também de se inserir os assuntos de cunho ambiental o quão mais cedo possível na vida dos
alunos. Por fim, conclui-se este trabalho enfatizando-se que a Educação Ambiental necessita ser pensada de
modo interdisciplinar desde as instituições de formação docente, para que o profissional seja e se sinta
preparado para ser um educador ambiental.
Palavras Chave: Ensino de geografia. Educação ambiental na escola. Políticas públicas educacionais.

Introdução
O presente trabalho traz à tona a discussão a respeito de algumas reflexões e indagações que fazemos
frente a esta relação entre Educação Ambiental (EA), o ensino de Geografia e a escola.
Para tanto, trazemos para discussão os resultados de dois trabalhos previamente realizados pelos autores
deste mesmo artigo. O primeiro, diz respeito a um fragmento de um estudo maior que está em fase de
desenvolvimento onde analisamos a relação histórica da Geografia com a Educação Ambiental no Brasil
presente nos livros didáticos. O segundo, diz respeito a um estudo de caso realizado em uma escola em que o
autor deste trabalho é docente, onde analisamos a concepção e o contato com a Educação Ambiental na
―formação docente‖ (TARDIF, 2014) de educadores do 1° e 2° ciclos do Ensino Fundamental e como isso
refletiu e reflete nas suas atuações profissionais frente ao desenvolvimento da EA na escola.
Vale ressaltar que ambos os trabalhos em que trazemos para discussão já foram previamente
apresentados, defendidos e de alguma forma qualificados durante o II Seminário do Programa de Pós

108
Graduado no curso de Licenciatura em Geografia pela Universidade Federal de Pelotas. Mestrando no Programa de Pós Graduação
em Geografia pela Universidade Federal de Pelotas/PPGG UFPEL – andyweber20@hotmail.com.
109
Graduanda no Curso de Licenciatura em Geografia pela Universidade Federal de Pelotas/UFPEL – gabikdias@hotmail.com.
110
Doutora em Geografia pela Universidade de São Paulo/USP. Professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal de
Pelotas/DEGEO UFPEL – spironello@gmail.com.
219
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Graduação – mestrado em Geografia da Universidade Federal de Pelotas – II SEMPGEO UFPEL, no ano de
2015.
Dessa forma, as principais indagações responsáveis pelas reflexões em que trazemos para debate neste
artigo, giram em torno de duas questões por nós vistas como importantes: a) a primeira, diz respeito a uma
certeza que encontramos pairando no cerne das ideias das pessoas que compõem a comunidade escolar em
contato com a relação entre a EA, a escola e o ensino de Geografia: a certeza de que, segundo uma série de
fatores, a EA e as discussões que envolvem esta temática devem ser desenvolvidas pelas disciplinas de
Ciências, de Biologia e de Geografia.
Logo, analisando por este ângulo, é notório que nas nossas escolas, tudo aquilo que é compreendido
normalmente como vinculado ao trabalho da EA, na maioria das vezes são os responsáveis por estas disciplinas
citadas que são diretamente incumbidos de desenvolver estas discussões e práticas.
Assim sendo, se quem deve desenvolver tal trabalho é exatamente quem desenvolve, visto estes serem
os competentes a desenvolve - lá, podemos concluir que a EA nas nossas escolas ―vai muito bem, obrigado‖.
Será esta uma conclusão precipitada, mal fundamentada que contraria tudo aquilo que os profissionais
que se identificam com a causa buscam? Ou será esta uma análise verdadeira?
Ressaltamos que, neste artigo, trataremos apenas do caso da Geografia, analisando esta (in) certeza do
ponto de vista da consolidação do pensamento geográfico e da atuação do ensino de Geografia nas escolas
brasileiras.
b) Na segunda problemática, procuramos entender como a EA é conduzida ao contato de educadores em
formação que, futuramente, estarão atuando como educadores dos 1° e 2° ciclos do Ensino Fundamental e serão
responsáveis por levar esta discussão à escola. O que estes professores entendem por EA? Será que na sua
formação profissional estes tiveram a oportunidade de discutir abertamente esta temática e sua importância para
a sociedade? Se não, será que a Educação Ambiental é considerada como importante por estes profissionais? Se
sim, de onde estes vêm retirando as informações julgadas como importantes para tal trabalho?
Ressaltamos que ao longo do texto, justificaremos o porquê de nos reportarmos diretamente aos
educadores de 1° e 2° ciclos do Ensino fundamental.
Dessa forma, estas são algumas indagações que nos fizemos e nos instigaram na realização deste
trabalho e que julgamos de suma importância trazer para esta discussão.
Diante destas explanações iniciais, deixemos claro que o objetivo geral neste artigo é trazer para
discussão algumas (in) certezas comuns a esta relação no ambiente escolar e, assim, desmistificá-las a ponto de
estar contribuindo para com a discussão da atuação interdisciplinar da EA na escola e, como metas específicas,
temos: situar o ensino de Geografia na escola e sua relação com a EA a partir dos resultados do levantamento e
análise dos livros didáticos de Geografia, confrontando-os com a primeira problemática aqui anunciada; refletir
sobre a discussão da preparação docente nas instituições formadoras em relação à temática aqui abordada e, por

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fim, apontar se, as (in) certezas na qual citamos acima são positivas ou negativas no que tange a atuação da EA
na escola através das explanações de suas possíveis origens no ambiente escolar.
A justificativa dessa proposta se dá devido ao fato de que julgamos as problemáticas explanadas ao
longo desta introdução como necessárias de serem (re) discutidas visto que, desde quando iniciamos nossos
estudos sobre esta relação entre ensino de Geografia e EA na escola, estas problemáticas são marcantes e
presentes no cenário educacional atual, embora já tenham sido discutidas em outros momentos.
Porém, o fato é que os nossos resultados e indagações trazem esta relação do ponto de vista da
Geografia que, por sua vez, talvez não apresente resultados e conclusões diferentes ou contrários daqueles que
analisam esta relação do ponto de vista exclusivamente da EA.

Metodologia
Inicialmente realizamos uma revisão de literatura a fim de fundamentar o tema pesquisado. Assim, após
expor as problemáticas em que nos balizamos para esta discussão, trouxemos para debate os resultados e
reflexões dos dois trabalhos que defendemos no II SEMPGEO, a fim de desmistificar as problemáticas
anunciadas: o primeiro sobre a relação da EA com o ensino de Geografia na escola a partir da análise de livros
didáticos em diferentes datas da história brasileira, confrontando com a problemática de que existem disciplinas
determinadas a trabalhar a EA na escola; o segundo sobre a EA no processo de formação docente de educadores
do 1° e 2° ciclos do ensino fundamental, sendo confrontado com a problemática de que é necessário pensar a
EA interdisciplinar e que esta deve ser inserida o quão mais cedo possível na vida dos cidadãos em formação.
Mas será que os professores foram preparados para desenvolver tais funções? São esses os eixos norteadores
deste debate.
Para este trabalho, o método utilizado para a organização destas discussões foi o método dialético que,
de acordo com Konder (2008, p. 7) pode ser pensado como ―[...] a arte de, no diálogo, demonstrar uma tese por
meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão‖.

EA no ensino de Geografia ou vice versa: (in) certezas e possibilidades


Para introduzir nossa discussão a esta primeira problemática apontada na introdução deste artigo,
trazemos para o diálogo algumas explanações de Barcelos (2003), já que este autor apresenta uma série de
reflexões acerca da atuação da EA na escola brasileira.
Dentro destas inquietações, são abordados alguns pontos que o autor chama de ―Mentiras que parecem
Verdades‖ (p. 83) e, dentre estas abordagens trazidas pelo autor, uma delas nos interessa diretamente para este
momento: ―EA é coisa para professores de Biologia, Ciências ou Geografia‖ (BARCELOS, 2003, p. 83).
Embasando-nos também nas explanações do autor, porém mais do que isso, nas nossas vivências e
experiências enquanto discentes ou docentes na área da educação formal, sempre que se planeja um trabalho

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voltado a questões que envolvam o meio ambiente, quem são os já determinados responsáveis por conduzir tal
atividade? O professor de Geografia, de Ciências ou de Biologia.
Isso se torna ainda mais perceptível e possível de ser analisado sempre que nos aproximamos de datas
comemorativas que envolvem tal temática. Os professores destas disciplinas diretamente já são os encarregados
de pensar, planejar, elaborar e por em prática as atividades da escola.
De acordo com Barcelos (2003, p. 84) esta (in) certeza de que devem ser estes os profissionais a levar a
diante a EA na escola advêm do caminho histórico em que percorreu a EA no Brasil.
Pois vejamos: se nos reportarmos para o final da década de sessenta e início da década de setenta do
século passado, estávamos no auge da ditadura militar instaurada pelo golpe de 1964.
Com isso, estávamos no auge do capenga milagre econômico financiado pelo capital externo que
precisava manter a engrenagem dos seus trâmites funcionando. Com isso, sabemos a que e para onde isso nos
levou.
Ainda, é nessa época que os problemas ecológicos começaram a se agravar nas grandes cidades,
decorrentes da urbanização acelerada e desordenada, diretamente ligada com a implementação das máquinas,
ascendente monocultura no meio rural e na expansão da criação de gado.
Assim, a aceleração do modelo de industrialização adotado não só aumentava a poluição, mas, também
o consumo de energia que, por sua vez, necessitava de cada vez mais energia elétrica disponível.
Ainda neste período, o incentivo a monocultura de cana-de-açúcar para combustíveis trouxe fortes
impactos a agricultura da época, sem falar da construção da Rodovia Transamazônica e a construção das usinas
nucleares em Angra dos Reis.
Além destas questões mencionadas, sabemos que neste período não se tinha espaço para discussão
política na sociedade brasileira. Desta forma
[...] as questões ecológicas eram delegadas aos técnicos para que estes as resolvessem da melhor maneira
possível desde que, para tanto, não as ―politizassem‖. Neste sentido, nada mais ―natural‖ que entregar as
mesmas aos engenheiros, aos biólogos, aos químicos, aos geógrafos. Enfim, aos técnicos que entendiam
dos problemas da degradação e da poluição física do ambiente (BARCELOS, 2003, p. 84).
Sabemos que ainda vivemos os reflexos da ditadura na educação brasileira. É possível analisar a
educação escolar fugindo das complicações de discutir temas sócio-político-econômicos. Dessa forma, a EA na
educação escolar se restringe a problemas ecológicos. Assim, temas físicos do ambiente se reduzem a esses
professores nos quais recebem esta incumbência, já que são competentes a trabalhar esta temática.
Na nossa concepção, assim como os problemas ambientais emergentes eram relegados ao meio físico
apenas, a educação escolar como consequência destas diretrizes, concepções e tratados políticos de gestão,
enxerga e trata a EA como sinônimo de problemas ecológicos apenas.
Diante desta questão, entendemos que, não que os professores destas disciplinas não consigam trabalhar
a EA no ambiente escolar. O que acontece é que, o ambiente, é composto pelo trabalho e ação de todas as áreas
que, através do conteúdo programático, tende a trazer teoricamente o que é o ‗mundo real‘. Assim o ambiente e

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a educação para a ação nele dependem da colaboração de todas as disciplinas, já que todas estão presentes no
ambiente de alguma forma.
Diante das explanações acima, trazemos o caso da Geografia em específico. Isso porque, conforme
sabemos, embora sejam estas áreas (geografia, ciências e biologia) as encarregadas de tratar dos assuntos de
cunho ambiental na escola, raramente trabalham juntas, numa perspectiva interdisciplinar. Ou seja, na maior
parte do tempo, ou trabalha só o professor de Geografia, ou só o de Ciências, ou só o de Biologia nesta
incumbência que lhes é automaticamente determinada.
Então, frente a este ponto, nos perguntamos: será que o ensino de Geografia, como uma disciplina
apenas, dá conta de levar a reflexão a ponto de formar cidadãos críticos no que tange esta temática? É frente a
essa questão colocada que trazemos as nossas reflexões e resultados obtidos em um dos nossos trabalhos.
Neste referido trabalho, intitulado ―A Relação Do Ensino De Geografia Com A Educação Ambiental:
Um Breve Olhar A Partir Dos Livros Didáticos‖ procuramos analisar a relação do ensino de Geografia com a
EA presente nos livros didáticos. Mas por que nos livros didáticos se nos referimos diretamente ao ensino de
Geografia?
Escolhemos os livros didáticos devido a quatro motivos principais: primeiro, que estes são recursos a
serem utilizados em larga escala na sala de aula, podendo estes ser, às vezes, o único recurso didático (além de
quadro e lousa) a ser oferecido em muitas instituições de ensino do nosso país; segundo, porque estes se
prestam a fazer uma ponte entre as discussões e as relações de ensino e aprendizagem na sala de aula; terceiro:
estes são capazes de expressar a forma como se dá o pensamento e as ênfases de determinada época, em
determinado lugar e, por último, o fato de que, em muitas instituições de ensino, desde tempos mais remotos até
os atuais, inegavelmente o professor de Geografia segue exatamente aquilo que está registrado no Livro
Didático.
Em busca de nossas indagações, formamos um acervo em que os livros didáticos vieram de doações das
escolas públicas de Pelotas e, alguns outros, foram doados por alunos e professores do próprio curso de
Licenciatura em Geografia da UFPEL.
Assim, selecionamos o corpo da nossa pesquisa nos utilizando de seis livros diferentes que também
foram publicados por duas editoras diferentes: Editora Ática e Editora do Brasil. Isso porque foram as editoras
que ao longo do período escolhido, eram as mais utilizadas pelas escolas que contribuíram com o nosso acervo.
Para que pudéssemos constatar nossas indagações em diferentes períodos da relação do ensino de
Geografia com a EA, os livros foram publicados em seis diferentes datas, que são: 1975, 1986, 1991, 2003,
2006 e 2012.
Frente ao que foi explanado, entendemos a nossa proposta como pertinente devido ao fato de que, se
estes foram doados e podemos observar que foram amplamente utilizados, estes livros por hora dão uma dica
do que se pensa no ensino de Geografia não só na década de sua publicação, mas até mesmo na (s) seguinte (s).

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Assim, iniciamos a nossa análise com o livro de Geografia datado do ano de 1975, procurando a
presença do debate e possíveis fontes de reflexões que dizem respeito à EA.
Vale ressaltar que, foi nesta época que as disciplinas de História e de Geografia foram unificadas dando
origem a disciplina de Estudos Sociais e também vigorou as questões voltadas a Lei N° 6.692/71. E com estas,
todos os problemas de má formação docente e de discussões de cunho econômico, social e político em sala de
aula soterrados com a desculpa de juntar as disciplinas em função de que não há separação alguma entre os
conteúdos na vida real (PONTUSCHKA; PAGANELLI; CACETE, 2009).
Em partes até enxergamos tal análise como correta. Mas correto não era o intuito com que se adotou esta
medida.
Com isso, em busca da presença das discussões e possíveis fontes de reflexões sobre a temática
ambiental neste livro, encontramos exatamente o contrário: um possível veículo de dominação política das
massas.
Isso porque a Geografia no momento, em pleno governo militar, se dava extremamente descritiva e
instigava a memorização dos alunos. O estudo da relação do homem com e no espaço, foco do ensino de
Geografia, não era sequer verdadeiramente retratada de forma ampla.
Encontramos nesta obra as informações enaltecendo os feitos do governo, e dentre eles podemos citar: o
milagre econômico, o Brasil industrial e a criação da Rodovia Transamazônica.
O Brasil industrial sendo trazido como o trilho para o sucesso sócio político econômico, sem considerar
as questões ambientais sociais e ecológicas que isso acarretou. Bem como a Transamazônica, vista como
solução econômica por estar ligando através de rodovias a Região Norte com as demais regiões do país. Isso
porque segundo a obra uma das saídas para o crescimento econômico do país é a ligação entre todas as regiões
do país que são desiguais em seus diferentes aspectos.
Assim, a criticidade e a reflexão não são instigadas de forma alguma. As medidas do governo,
desconsiderando os problemas ambientais (sociais e ecológicos) não eram se quer debatidas no ambiente
escolar dentre o corpo docente e os cidadãos em formação inicial, de acordo com as informações extraídas na
análise dos livros didáticos.
Neste contexto, a EA que aparece na legislação brasileira pela primeira vez em 1973, continua
ascendente como pauta das discussões no cenário internacional principalmente representada pela I Conferência
sobre Educação Ambiental, em Tbilisi, na Geórgia, ex-URSS, no ano de 1977.
Diante desta ascensão, de acordo com as explanações de Carvalho (2008) ganha espaço no Brasil a EA
na década de 1980, representado pela criação do PRONEA e devido à inserção desta na Constituição de 1988
como dever do Estado e direito de todos.
Porém, avalia-se a EA brasileira nesta época como enfática apenas no seu caráter legislativo, já que a
EA Formal, no nosso entendimento, nessa época é pouco atuante.

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No caso do ensino de Geografia, em que nos limitamos a trabalhar para este momento, os livros
didáticos analisados nas datas de 1986 e 1991 não apresentam novidades. O impacto ambiental (social e
ecológico) é visto como uma consequência do chamado ‗desenvolvimento‘, que por hora, é associado
diretamente à economia, contrariando as ideias de Brügger (2010), que diz que este é um pensamento
conservador que justifica os impactos ambientais existentes.
As novidades que analisamos nestes livros didáticos citados por último, são a cada vez mais inserida
tecnologia na vida das pessoas, os satélites, a mecanização da agricultura, dentre outras. Um ensino de
Geografia pouco informativo, conservador e descritivo.
Ainda, na década de 1990, a EA começa a, por hora, ganhar vistas no cenário da educação brasileira,
representados pela criação dos centros de EA do Ministério da Educação em 1992 e pelo embalo que a RIO 92
proporcionou ao sediarmos este evento (DIAS, 2004),.
Como fruto deste embalo analisando as explanações de Carvalho (2008), em 1994, foi criado o
Programa Nacional de EA pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Ministério do Meio ambiente (MMA).
Ainda, a questão ambiental vista como demanda social foi incorporada aos temas transversais em 1997 e, em
1999, temos a criação da Lei 9.795 que, compreende e regulamenta a EA como um componente essencial e
permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e
modalidades do processo educativo, em caráter formal e não formal.
Ainda de acordo com Carvalho (2008), em 2001 foi implementado pelo MEC o Programa ―Parâmetros
em Ação: meio ambiente em ação‖. Em 2002, a Lei n. 9.795 foi regulamentada pelo Decreto n. 4.281 e, em
2003, reunindo o MEC e o MMA, cria-se o órgão gestor da Política Nacional de Educação Ambiental.
Assim, percebe-se uma ―ascensão‖ da EA na educação brasileira. Aqui, na Geografia, esse avanço é
relatado ao analisar os livros didáticos de 2003, 2006 e 2012, onde a reflexão e discussão nos assuntos de cunho
ambiental passam a ser em partes, debatidos e considerados.
Ganhando espaço aos poucos, questões raciais, de gênero e sexualidade, causas da urbanização
desenfreada e de migrações são abertamente trazidas nos livros podendo trazendo a reflexão ao aluno que
mantém contato com estes últimos livros abordados.
Ainda, os impactos aos elementos naturais do ambiente (vegetação, hidrografia, dentre outros) são
também demonstrados concomitantemente as questões econômicas.
Se outrora o desmatamento da Mata Atlântica era visto como mera consequência, no exemplar mais
moderno são colocadas para discussão as causas, os objetivos e as consequências disso. Até mesmo os
agrotóxicos e seus impactos aos recursos naturais e ao ser humano, são debatidos no livro datado de 2012 e que,
vale ressaltar que Carson (1969), desde 1962, alertava sobre os efeitos dos agrotóxicos no ambiente na obra
intitulada Primavera Silenciosa, os chamando ironicamente de ―Elixir dos Deuses‖.

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Claro que estas questões todas estão atreladas não só a estes eventos específicos que citamos, mas
também as reformas na educação ao longo dos últimos tempos que passa a considerar a EA a partir das
reformas da legislação.
Assim, fechamos estas explanações salientando que por hora percebemos um avanço num material
utilizado de maneira constante nas aulas de Geografia.
Contudo, deixamos claro que ainda assim a Geografia não é única responsável a tratar da EA na escola,
pois somos competentes (enquanto professores de Geografia) a trabalhar com algumas técnicas, metodologias e
assuntos que podem vir a contribuir para com a atuação e inserção das reflexões pertinentes a EA. Não somos
competentes o suficiente para trabalhar sozinhos com o êxito necessário uma temática tão ampla e complexa.
E frente a esta colocação, deixamos a reflexão: Embora tenhamos notado que um material bastante
utilizado nas aulas de Geografia tenha melhorado, será que o profissional tem estado ou tem se sentido pronto
para trabalhar esta temática? Será que os ―saberes institucionais e disciplinares‖ (TARDIF, 2014) tem
preparado o profissional frente a esta temática? E como trabalhá-la na escola? De onde partir?
Salientamos que quando nos referimos ―ao profissional‖ falamos do professor de qualquer área. São
algumas reflexões a se considerar.

EA, interdisciplinaridade e a atuação desde cedo. Desde cedo?


Iniciamos esta discussão com as palavras de Carvalho (1998, p. 37) falando sobre a simplicidade de
como fazer EA baseando-se em algumas dúvidas comuns dos educadores interessados para com a causa,
dizendo que fazer acontecer EA, ―trata-se de, uma vez sintonizado com o espírito de uma educação para a
cidadania voltada para as questões ambientais, buscar os próprios caminhos, adequados à realidade dos grupos
com os quais trabalhamos‖.
Logo, fazer EA se torna simples com as suas atividades comuns ao dia a dia, visto que em uma atividade
simples o professor pode estar em contato com o ambiente que ao mesmo tempo é o foco de atuação da EA, é a
vida na prática.
Pensando o ambiente naquela concepção de Máximo-Esteves (1998) em que podemos entender como
resultado de uma relação sustentada em três pilares principais que são a cultura, a sociedade e a natureza, o
ambiente por si só é interdisciplinar. Logo, deve ser foco de uma atuação fundamentada, pensada e construída
com a base que cada um dos segmentos disciplinares possui enquanto conteúdos programáticos.
Enxergamos aqui uma possibilidade aliada a uma necessidade no trabalho escolar:
a) a possibilidade é a de que o professor enquanto educador, lá nos 1° e 2° ciclos do Ensino Fundamental é
interdisciplinar. Ele necessariamente pensa, elabora e põem em prática as atividades de todos os segmentos do
conhecimento, referidos como disciplinas.
Dessa forma, analisamos aí uma oportunidade de introdução a visão do trabalho interdisciplinar frente
às questões que envolvem a EA.
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ISBN 978-85-7566-380-6
b) com isso, lançamos o que chamamos de necessidade aliada à possibilidade citada acima. Com essa
possibilidade do trabalho interdisciplinar pelo professor que trabalha com os níveis iniciais, nós entendemos
que as reflexões que envolvem o trabalho da EA, interdisciplinar ou não, devem ser oportunizadas para o
cidadão desde o início de sua formação.
Logo, nós acreditamos que a EA deva ser algo processual, que vá avançando em suas reflexões ao longo
da formação do cidadão. E sobre isso, Formosinho; Oliverira-Formosinho (1998) comentam que se a criança
aprende e se desenvolve desde o seu contexto mais restrito até o mais amplo, logo, é essencial que estas
discussões sejam inseridas o quão mais cedo possível na formação do cidadão. Coloquialmente falando, ―temos
um casamento perfeito‖.
Diante desta questão, nos apossamos dos resultados levantados por um dos trabalhos por nós desenvolvidos
para responder a seguinte indagação: será que o professor está sendo preparado na sua formação para conduzir
e introduzir estas discussões e reflexões na vida dos cidadãos em formação, no caso, os alunos? Diante desta
indagação, o nosso trabalho, intitulado ―Educação Ambiental E A Escola: Reflexões Acerca Do Saber Docente‖
se desenvolve com um grupo de professores de uma dada escola.
Analisando então os resultados do nosso trabalho constatamos que os professores na sua grande maioria,
no nosso entendimento, tem uma concepção de EA e de ambiente um pouco precipitada em que a primeira é
vista como sinônimo de mobilização e conscientização social enquanto o ambiente é visto como algo onde o
meio social e cultural é afastado desta interrelação.
Mas por que isso? Segundo os professores, nas suas formações docentes, nunca houve uma introdução a
esta temática nas suas preparações. Ou seja, o professor não é preparado para levar estas discussões e reflexões
ao cidadão.
Assim, os professores reconhecem a necessidade da inserção desta temática e se mostram abertos a
formação e, desta forma, alguns poucos professores introduzem este tema em suas aulas.
Ao dialogar com o grupo de professores, estes foram indagados sobre de onde são extraídas as
informações que julgam de cunho ambiental? E estes professores, em suma maioria, afirmaram que retiram as
informações dos meios de comunicação de massa onde, a televisão lidera como grande conscientizador do
enfoque ambiental seguido da internet.
Desta forma, a colocação em que nos perguntamos e que nos inquieta é a seguinte: se os professores não
estão sendo preparados, se esta temática não está sendo introduzida na formação dos professores, como
podemos cobrar ou esperar que estes sejam educadores ambientais? Como pensar a interdisciplinaridade da EA
se, dessa forma podemos considerar que não são todas as áreas que pensam a EA de forma efetiva?
Dessa forma, são estas as reflexões que ficam, pois se a EA deve ser interdisciplinar, todos os
segmentos da educação obrigatoriamente devem discutir a EA. E se a temática na escola deve ser introduzida o
quão mais cedo possível na vida do cidadão, o professor que trabalha com este nível deve estar preparado para
tal.
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Enfim, para uma atuação da EA abrangente no ambiente escolar, esta deve ser discutida, pensada e
esclarecida ao professor que irá desenvolvê-la durante a sua formação, fato ainda segundo nossos resultados,
inexistente.

(In) Conclusão
Analisamos que a visão estabelecida nas escolas de maneira geral em que a EA deve ser feita por
profissionais de restritas áreas, é equivocado e mal fundamentado, visto que isso se enquadra como uma
herança de repressão, de má fundamentação.
Enquanto docentes de Geografia reconhecemos que tal incumbência automaticamente preestabelecida é
diretamente prejudicial aos cidadãos que tem em nossas mãos a sua formação. Logo, toda a sociedade é
prejudicada em vários aspectos.
Todavia, este importante debate deve ser introduzido o quão mais cedo possível na vida dos cidadãos e,
acima de tudo, pensado por todos os segmentos da educação.
Mas como se pode pensar a EA interdisciplinar enquanto mantermos essa visão fechada que apenas se
apresenta mais forte na escola, mas que na verdade está instaurada também nas instituições de formação destes
profissionais que na escola atuam? Como trazer estas reflexões para se inserir desde cedo na vida dos cidadãos
se nos ―saberes institucionais‖ (TARDIF,2014) do profissional a EA não é amplamente considerada?
Neste momento, vivemos o impasse de estar buscando respostas de como fazer EA da forma mais
adequada, diante do cenário atual. Enquanto isso trazemos neste momento o objetivo de tornar abertas as nossas
inquietações a todos aqueles que têm pensado na causa.

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passa pela educação ambiental das crianças (desde) pequenas. In: MÁXIMO-ESTEVES, L. (Org.). Da Teoria
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TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional. 17 ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2014.

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A TRANSVERSALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO CURRÍCULO DA
GEOGRAFIA: CONSIDERAÇÕES POTENCIALIZADAS A PARTIR DE UMA
PESQUISA-FORMAÇÃO

Silvana Campos Silveira Faria111


Cláudia da Silva Cousin112
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/CAPES

RESUMO
Este artigo é produto de uma pesquisa em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Educação
Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande – FURG em nível de mestrado, na linha de pesquisa
Educação Ambiental: Ensino e Formação de Educadores(as). Tem-se investigado a seguinte questão de
pesquisa: Quais elementos necessitamser considerados para transversalizar a Educação Ambiental no currículo
da Geografia na Educação Básica? Apresenta-se, nesse sentido, a justificativa da escolha da temática,os
pressupostos teóricos e epistemológicos que fundamentam a pesquisa, com ênfase na Educação Ambiental e no
ensino de Geografia, além dos aportes metodológicos da pesquisa e os resultados preliminares.O estudoé uma
pesquisa-formação nas Rodas de Formação do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência –
PIBID/FURG no subprojeto da licenciatura em Geografia. Utilizou-se como ferramenta a Análise Textual
Discursiva de Moraes e Galiazzi (2007),e através da análise dos dados emergiram as seguintes categorias finais:
a superação da dicotomia da ciência geográfica entre Geografia física e Geografia humana; a importância da
formação inicial e continuada na constituição do educador; a transversalidade e a práxis educativa; e a escola
como uma teia de relações.
PALAVRAS-CHAVE:Educação Ambiental; Ensino de Geografia; Pesquisa-formação.

Introdução
O presente estudo está sendo desenvolvido através de uma pesquisa-formação nas Rodas de Formação
do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência – PIBID/FURG, no subprojeto da licenciatura em
Geografia, que atua em duas escolas parceiras da cidade do Rio Grande – RS. E contempla a participação de 02
(dois) professores supervisores responsáveis pela regência do ensino de Geografia nas escolas da educação
básica e 12 bolsistas de iniciação à docência, sendo esses alunos regulares do curso de licenciatura em
Geografia.
A pesquisa contém os seguintes objetivos específicos: analisar e compreender as políticas públicas
nacionais que tratam da implantação da Educação Ambiental na Educação Básica e sobre o Ensino de
Geografia; promover, na roda de formação, a discussão e problematização sobre a transversalizaçãoda
Educação Ambiental no currículo da Geografia da Educação Básica; compreender os sentidos atribuídos pelos
participantes do PIBID à transversalidade. E a partir disso analisar e compreender como é possível

111
Licenciada em Geografia pela Universidade Federal do RioGrande – FURG. Mestranda em Educação Ambiental na Universidade
Federal de Rio Grande – FURG. E-mail: silvana_cs89@hotmail.com. Bolsista da Capes.
112
Professora do Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Doutora em
Educação Ambiental. Orientadora. E-mail: claudiacousin@furg.br
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transversalizar a Educação Ambiental no currículo da Geografia da Educação Básica, a partir de uma pesquisa-
formação no PIBID.
A temática de pesquisa está associada a minha história de vida e experiência enquanto discente no
processo de formação inicial no curso de licenciatura em Geografia da FURG. Pois, durante a graduação fui
bolsista de iniciação a docência do subprojeto do PIBID da Geografia durante 2 anos e 6 meses. Neste período
tive a oportunidade de atuar juntamente com a professora supervisora no cotidiano da escola parceira do PIBID
e vivenciar o ―ser professora‖, compreender alguns elementos que compõem a complexidade do processo de
ensinar e aprender, a dinâmica da sala de aula, a importância do planejamento, da avaliação, do currículo e da
formação inicial e continuada. Pois, oPIBID promove a inserção do acadêmico licenciando na sala de aula,
mantendo o contato direto com a realidade da escola, e possibilita ainda a formação continuada e inicial
articulada em diálogo em rodas de formação.
E para fundamentar teoricamente esse artigo, a seguir tra-sea articulação da Educação Ambiental e do
Ensino de Geografia, mostrando a constituição desses dois campos do conhecimento e as políticas publicas
educacionais que regem a pesquisa.

Educação Ambiental, Ensino de Geografia e suas composições curriculares


Faz-se a aposta, nesta pesquisa, que a Educação Ambiental e a Geografia, enquanto campos do
conhecimento possuem relações intrínsecas, e estão em constante interação, pois seus pressupostos teóricos e
epistemológicos dialogam, por se constituírem em ciências sociais.
E a partir das correntes que cartografam a história dopensamento geográfico - o Determinismo
Ambiental, o Possibilismo, o Método Regional, a Nova Geografia e a Geografia Crítica, é possível
compreender a emergência de uma Educação Ambiental, a qual inicia sua trajetória com a ecologização das
sociedades, e logo é inserida na agenda internacional a partir da década de 70. Considerando estas questões, e
trazendo para o debate os paradigmas da Geografia, podemos perceber como estes influenciaram
veementemente no agravamento da crise ambiental vigente no século XXI.
No Determinismo Ambiental as condições naturais dominavam o comportamento humano. O homem
não se compreendia como um ser social ativo, o qual poderia intervir nas suas condições de vida, bem como no
meio em que vivia. Era a natureza que determinava a ―ascensão‖ ou o ―fracasso‖, ao mesmo tempo, segundo
essa vertente, esses processos estavam fora do alcance humano. E dialogando com essa questão, Corrêa (1987)
pondera que:
Na realidade, o determinismo ambiental configura uma ideologia, a das classes sociais, países
ou povos vencedores, que incorporam as pretensas virtudes e efetivam as admitidas
potencialidades do meio natural onde vivem. Justificam, assim, o sucesso, o poder, o
desenvolvimento, a expansão e o domínio. Não é de se estranhar, pois, que na Grécia da
Antiguidade se atribuíssem as características do clima mediterrâneo o progresso e o poderio de
seu povo em face dos asiáticos que viviam em áreas características pela inviabilidade anual das
temperaturas. Muito mais tarde, no final do século XIX, seriam outras as características

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climáticas consideradas como favoráveis ao crescimento intra e extraterritorial. Transformava-
se assim em natural, portanto fora do controle humano, uma situação que é econômica e social,
histórica, portanto, denominada imperialismo. (CORREA, 1987, p.10)

Já noPossibilismo, corrente do pensamento geográfico que emerge no final do século XIX, esse quadro,
apresentado por Correa (1987) em relação ao Determinismo Ambiental, começa a ganhar outras dimensões.
Pois, para essa corrente francesa, o meio natural já não é determinante; todavia, a natureza é considerada como
fornecedora de possibilidades para que o homem a modificasse, sendo o principal agente geográfico.
Os adeptos da perspectiva Possibilista não responsabilizam as condições ambientais pela pobreza da
população regional, pois a natureza oferece condições para que o homem a modifique.Ou seja, o homem não
sofre, simplesmente, a ação do meio natural e sim manifesta a sua ação sobre o meio. Dessa forma, isso
proporcionou um avanço rumo a exploração dos recursos naturais, contribuindo para o processo de
industrialização, segregação espacial, desigualdade de classes e gêneros, injustiças ambientais, fome e pobreza.
Com a evolução da história do pensamento geográfico chega-se ao Método Regional, corrente que vem
em oposição ao Determinismo Ambiental e ao Possibilismo, ocorre uma forma mais complexa de conceber a
relação homem/natureza. Essa corrente evidencia a necessidade de produzir uma Geografia Regional, ou seja,
um conhecimento sintético sobre diferentes áreas da superfície da Terra. Preocupação antiga, derivada da
expansão mercantilista dos séculos XVI e XVII, aparecia, então, como resultado da demanda das grandes
corporações e dos aparelhos de Estado (CORRÊA, 1987). Contudo, essa demanda está a serviço do poder
hegemônico, que visa à produção, alto consumo e acúmulo de capital, contribuindo, indiretamente, com a crise
ambiental.
E em meados da década de 50, a chegada da corrente positivista, intitulada Nova Geografia, possui um
papel ideológico a ser cumprido – justificar a expansão capitalista. Já que a sociedade estava vivendo em um
processo de ampliação das grandes corporações existentes, defrontando-se ainda com a decadência dos
impérios coloniais, não se tratava aqui de uma expansão territorial, como ocorria anteriormente. Ocorre, nesse
novo período, uma nova divisão social e territorial do trabalho, envolvendo a difusão de novas culturas,
industrialização, urbanização, bem como o êxodo rural, e o início do processo de favelização. E para mascarar
essa realidade, emerge esse novo paradigma do pensamento geográfico, com a perspectiva de que o
subdesenvolvimento, bem como seus agravantes, denomina-se como necessário, superado em pouco tempo.
Em contraponto a essas transformações vivenciadas na evolução do pensamento geográfico, as quais
afetaram e ainda afetam as diferentes formas de vida, na década de 60 ocorre a emergência de uma série de
movimentos sociais, dentre os quais, como apontaGonçalves (2006), o movimento ecológico, onde foi possível
o desenvolvimento de lutas em torno de diversas questões como a extinção de espécies, desmatamento, uso de
agrotóxicos, urbanização desenfreada, explosão demográfica, poluição do ar e de águas, contaminação dos
alimentos, erosão do solo, diminuição de terras agricultáveis pela construção de grandes barragens.

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Na década de 70, esses problemas e a crise nas relações socioambientais suscitam o advento de uma
Educação Ambiental e de uma nova corrente do pensamento geográfico, a Geografia Crítica.
Nesse contexto, a Geografia Crítica e a Educação Ambiental surgem como forma de libertação,
problematização e transformação, no que se refere às problemáticas vivenciadas no espaço geográfico. Mesmo
embora a Educação Ambiental tenha emergido, na década de 70, com um caráter conservacionista, mantendo
ainda uma concepção antropocêntrica, utilitarista e instrumentalizadora.
Lima (2011) destaca que a Educação Ambiental é um campo de atividade do saber constituído mundial
e nacionalmente, nas últimas décadas do século XX, com o objetivo de responder a um conjunto de problemas
manifestos nas relações que envolviam a sociedade, a educação e o meio ambiente. Porém é necessário pensar
que essas esferas mencionadas possuem relações intrínsecas, e precisam ser analisadas de forma conjunta, para
que a luta pela proteção da natureza não sobressaia à luta por justiça e igualdade social.
Nesse contexto, a Geografia consagrou-se no século XX como a ciência da organização do espaço
geográfico, a qual serve para desvendar máscaras sociais. E por trás de todo arranjo espacial estão às relações
sociais que, nas condições históricas do presente são relações de classe. E o espaço geográfico constitui-se
como espaço interdisciplinar da Geografia. É a categoria por intermédio da qual se pode dialogar com os
demais cientistas que buscam compreender o movimento do todo da formação econômico-social, cada qual a
partir da sua referência analítica (MOREIRA, 2007). Segundo Santos (2006) o espaço geográfico éum
conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não
considerados isoladamente, mas como um quadro único na qual a história se dá.
Na década de 80 a Educação Ambiental começa a ganhar dimensões públicas no Brasil, e a Geografia
Crítica encontra-se em ascensão nos espaços educacionais formais e informais. Esses processos ocorrem pelo
fato de que no Brasil, nesse período, a Ditadura Militar estava chegando ao seu fim.
Na década de 1990, a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei n°
9.394/96, alterou todo sistema educacional do país. E com isso, em 1997, a discussão sobre Meio Ambiente foi
promovida na escola pública, pois foram produzidos com base na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, os
Parâmetros Curriculares Nacionais. Nesse documento não foi tratada a questão da Educação Ambiental como
campo específico, e sim se utilizou o termo Meio Ambiente, o qual foi definido no documento como um tema
transversal. A Geografia, nesse caso, denominou-se como eixo principal, por se constituir em um campo
disciplinar formal.
Na mesma década aconteceu, em 1992, a ECO 92, a qual teve grande relevância no contexto
internacional e nacional, pois desse compromisso resultou a aprovação da Política Nacional de Educação
Ambiental - PNEA, Lei nº 9.795, a qual entrou em vigor em 27 de abril de 1999. Foi criada, entre outras
disposições, para assegurar a inserção da Educação Ambiental no ensino formal e informal, e discussões
futuras, no âmbito educacional, emergem dessa lei, e isso demonstra a sua relevância para a difusão da temática
em diferentes esferas educativas. No Art. 2º do mesmo capítulo, é descrito que a Educação Ambiental é um
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componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em
todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não formal. Esse artigo da lei enfatiza
que a Educação Ambiental não deve ser trabalhada de forma disciplinar, e sim permeando os diversos campos
do conhecimento.
Recentemente, em 2012,nas Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN foiproblematizada a questão da
Educação Ambiental. Segundo as diretrizes, ela precisa ser trabalhada de forma transversal, em diálogo com as
disciplinas. E a Educação Ambiental Crítica e Transformadora aparece com bastante intensidade nesse
documento. De acordo com Loureiro (2004), essa Educação Ambiental possui um caráter emancipatório, em
que a dialética entre a forma e o conteúdo se realiza de tal maneira que as alterações da atividade humana,
vinculadas ao fazer educativo, impliquem mudanças individuais e coletivas, locais e globais, estruturais e
conjunturais, econômicas e culturais.
Além disso, atualmente, a Geografia Crítica vem ganhando espaço na sala de aula, dando abertura para a
discussão, problematização, reflexão entre os desafios enfrentados na sociedade. E, por essa razão, vive-se um
período privilegiado e favorável para promoção de uma discussão crítica, libertadora e emancipatória na escola,
transversalizando a Educação Ambiental no currículo do ensino de Geografia.Nesse contexto, a questão que se
coloca, e que se tem buscado responder nessa pesquisa, é que elementos necessitamser considerados para que
esse processo de transversalidade se configure no espaço escolar, especificamente no ensino de Geografia na
Educação Básica.

Metodologia
A pesquisa em questão é qualitativa, pois a intenção, nesse processo, é a compreensão, éreconstruir
conhecimentos sobre o tema investigado(MORAES e GALIAZZI, 2007, p. 11). Seu foco é, principalmente, a
exploração do conjunto de opiniões e discussões sobre o tema que pretende investigar.
O caminho ao conhecimento desta pesquisa em questão denomina-se como fenomenológico-
hermenêutico, por este privilegiar técnicas não quantitativas, como entrevistas não estruturadas, relatos de vida,
estudos de caso, relato de experiências, etc. Este caminho destaca as críticas e a necessidade de que a
investigação revele e denuncie asideologias subjacentes ou ocultas, decifre os pressupostos implícitos em
discursos, textos, leis, comunicações, ou expresse as contradições, conflitos, os interesses antagônicos, etc.
Além disto, a abordagem fenomenológica trabalha com o conceito de casualidade, entendida como relação
entre fenômeno e essência, entre o todo e as partes, entre variantes e invariantes, entre texto e contexto
(GAMBOA, 2007).
Este estudo constitui uma pesquisa participante, pois a pesquisadora participa ativamente das Rodas de
Formação do PIBID, realizando o exercício de pesquisa que está alicerçado no diálogo e na construção coletiva,
articulando criticamente o saber científico com o saber popular, promovendo assim novas compreensões.
SegundoDEMO(2008) a pesquisa participante não é somente possível, mas necessária para repormos a inter-
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relação dinâmica entre teoria e prática. A Pesquisa Participanterealiza as marcas típicas da dialética entre teoria
e prática: traduz a teoria em opções concreta,não somente confrontando-a com a realidade concreta, mas,
sobretudo realizando e explicitando a opção política e ideológica,(p.104). Para esse autor a vantagem da
pesquisa participante é trabalhar com a conjunção desafiadora de conhecimento e participação, talvez a
potencialidade mais decisiva do ser humano (DEMO, 2008, p.130).
A partir de todos os elementos apresentados, e entendendo a natureza formativa que está imbricada na
pesquisa-participante, por esta possibilitar processos de transformações político-pedagógicas, foi possível
realizar, neste estudo, uma articulação com a pesquisa-formação. Essa aproximação, entre participação e
formação, justifica-se também pelo fato de queao invés de objetos, sujeitos de pesquisa e processos formativos
estão sendo estudados. E estes não foram vistos como fornecedores de dados, mas sim como sujeitos de
conhecimento, de experiências, de diálogo, os quais interagiram mutuamente com apesquisadora, objetivando a
partilha de saberes. Estabelecendo, nesse contexto, uma relação mais orgânica entre as atividades da pesquisa,
participação, e formação, em um processo investigativo que não visou apenas os interesses dapesquisadora, mas
sim do coletivo, priorizando a formação dos sujeitos envolvidos.
A partir das contribuições de Almeida, Ghanem e Biccas (2014), entende-se que em um processo
formativo é necessário o engajamento de todas as pessoas nele implicadas, abordando a formulação e o
desenvolvimento, centrado na investigação desse percurso e evidenciando a dimensão política, tanto na
educação como na investigação educacional. Para, com isso, ocorrer à promoção de consciência emancipatória
dos sujeitos envolvidos.
Inicialmente foi realizada uma pesquisasobre as políticas públicas que tratam da institucionalização da
Educação Ambiental no ensino formal e sobre oEnsino de Geografia na Educação Básica.
Para realizar a produção de dados, convidamos os participantes do PIBID da Geografia para escreverem,
individualmente, na roda de formação, uma narrativa que potencializou a escrita sobre as suas concepções em
relação à Educação Ambiental. Esta atividade aconteceu com o objetivo de dialogar sobre as percepções e
perspectivas iniciais do grupo em relação a esse campo do conhecimento, potencializando a escuta sensível, o
olhar atento, sem busca de verdades, e sim em busca de compreensões e revelações não esperadas. Também
foram instrumentos de produção de dados os registros reflexivos escritos nos portfólios coletivos e as postagens
na Plataforma Moodle. Além disso, foram realizadas, nas rodas de formação do PIBID, leituras e discussões de
referenciais teóricos sobre ensino de Geografia e Educação Ambiental.
Essas atividades de formação, nas quais inclui escrita e leitura, contribuíram para promover a discussão
e problematização sobre como transversalizar a Educação Ambiental no currículo da Geografia da Educação
Básica.
Após as atividades realizadas na pesquisa-formação, fez-se uma entrevista reflexiva coletiva com o
grupo, com a intencionalidade de atender a questão de pesquisa. E para fundamentar teoricamente esse tipo de
entrevista, traz-se as contribuições de Szymansk (2011). Segundo ela:
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O potencial da entrevista reflexiva, e o que a caracteriza, é a disposição do pesquisador de
compartilhar continuamente sua compreensão dos dados com os participantes. Esse movimento
reflexivo proporciona um encontro interpessoal no qual é incluída a subjetividade dos
protagonistas, podendo se constituir um momento de construção de um novo conhecimento, nos
limites da representatividade da fala e na busca de uma horizontalidade nas relações de poder,
isso porque leva em conta a recorrência de significados durante qualquer ato comunicativo e a
busca pela horizontalidade (SZYMANSK, 2011).

Para Szymansk (2011) reflexividade tem o sentido de refletir sobre a fala de quem foi entrevistado,
expressando a compreensão dela pelo entrevistador e submeter tal compreensão ao próprio entrevistado. É um
movimento dialético, que assegura que as respostas obtidas são verdadeiras e não influenciadas pelas condições
de aplicação e conteúdodo instrumento.
Em todo processo de obtenção e análise dos dados produzidos na pesquisa, a pesquisadora utilizouum
diário, que tem anotações sobre as vivências construídas no processo, desde a realização da pesquisa
bibliográfica até o momento final da pesquisa.Barbosa e Hess (2010) dialogam sobre a importância pedagógica
do diário/jornal de pesquisa. Segundo eles, o diário não objetiva ser um instrumento epistemológico, este
refere-se a diversidade do cotidiano do pesquisador, e objetiva o descrever, o contar, numa espécie de
apreensão global, propõem o prazer estético do escrever e a tentativa de compreender-se [...]. Nesse prisma,
compreendoa importância do diário para na pesquisa participante, pois este promove o registro de tudo que
ocorre na pesquisa, observações, encontros, leituras e reflexões teóricas.
Para analisar os dados produzidos utilizou-se como ferramenta a Análise Textual Discursiva (Moraes e
Galiazzi, 2007), que pode ser compreendida como um processo auto-organizado de construção de compreensão
em que novos entendimentos emergem de uma sequência recursiva de três componentes: desconstrução do
corpus, a unitarização e a categorização (MORAES e GALIAZZI, 2003).
Segundo Moraes e Galiazzi (2007) primeiramente deve se realizar a desmontagem dos textos (corpus),
processo também chamado de unitarização com objetivos de atingir unidades constituintes. Geralmente,
segundo os autores o corpus da análise textual que é um conjunto de documentos, são produções linguísticas
referentes a determinado fenômeno e originadas em um determinado tempo, correspondendo a uma
multiplicidade de sentidos que a partir deles, podem ser construídos (MORAES e GALIAZZI,
2007).Posteriormente realiza-se o processo de categorização, com intuito de estabelecer relações entre as
unidades de base, combinando-as e classificando-as, formando as categorias. Essas categorias extraídas
possibilitam a emergência de uma nova compreensão renovada do todo, que é comunicada e validada,
resultando o metatexto, que se apresenta como produto de uma nova combinação dos elementos construídos ao
longo dessas etapas. Segundo Moraes e Galiazzi(2003) a análise qualitativa opera com significados construídos
a partir de um conjunto de textos e o material analisado constitui um conjunto de significantes, onde a
emergência e comunicação desses novos sentidos e significados é o objetivo da análise.

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Realizei o processo de analise seguindo as etapas destacadas acima, através da leitura atenta de cada
corpus, em busca de unidades significativas. Posteriormente, realizei a categorização, agrupando as unidades
semelhantes, chegando aos resultados preliminares e conseqüentemente as categorias finais.
Nesse sentido, os dados sinalizaram para a emergência de quatro categorias, nas quais serão brevemente
discutidas nos resultados premilinares a seguir. São elas: a superação da dicotomia da ciência geográfica entre
Geografia física e Geografia humana; a importância da formação inicial e continuada na constituição do
educador; a transversalidade e a práxis educativa; e a escola como uma teia de relações.

Resultados preliminares
O seguinte estudo tem se constituído em um processo de formação de grande relevância para todos os
sujeitos envolvidos. E além do caráter formativo, as diversas atividades realizadas no PIBID da Geografia têm
contribuído para atender a questão e aos objetivos propostos na pesquisa em questão. Isso porque o grupo tem
se envolvido nas leituras e discussões propostas na Roda, e em todos os momentos de produção de dados
trouxeram questões peculiares sobre o tema da pesquisa.
Embora seja reforçada nesse estudo as relações intrínsecas que existem entre a Educação Ambiental e o
Ensino de Geografia, sabe-se também que a transversalidade ainda requer e exige de muitos elementos, para de
fato ocorrer no contexto escolar. E a partir dos procedimentos metodológicos desenvolvidos na pesquisa-
formação, esses elementos têm emergido constantemente, a cada reflexão e problematização sobre a temática
que envolve o estudo em questão.
Entre esses temos a questão da dicotomia que ainda é presente na Geografia, tanto na universidade
quanto na escola, e que precisa ser superada, para que de fato ocorra a transversalidade. O professor de
Geografia precisa ter a visão de que o homem faz parte do meio. Todavia ainda é muito presente entre esses
profissionais a visão Darwinista, onde há separação do meio físico e meio humano.
Nesse prisma, ao longo da pesquisa ficou evidente a relevância da formação inicial e/ou continuada para
que possamos de fato transversalizar a Educação Ambiental no currículo da Geografiaisso porque as
licenciaturas tratam aindapouco sobre essa temática. E, além disso, esse processo não é algo simples de ser
realizado, e requer diálogo e coletividade.
Importa destacar também que os diversos conceitos que permeiam o campo da Educação Ambiental são
de grande complexidade e diversidade conceitual. Podemos mencionar desses o próprio adjetivo ―ambiental‖, o
conceito de Meio Ambiente,de natureza, e como é vista a relação homem/natureza. Conceitos que se tornam
abrangentes, dando margem a diversas interpretações.
E a transversalidade, termo que vem sendo discutido em diversas políticas públicas de Educação
Ambiental para o ensino formal, em documentos oficiais, em eventos, em bibliografias diversas, é também um
conceito de grande complexidade, e que ainda desafia profissionais da educação. Poderíamos dizer que é um

237
ISBN 978-85-7566-380-6
conceito amplo, que é pouco conhecido em sua concretude.E por essa questão, a grande dificuldade de
promover a transversalidade está no como fazer, na práxis na sala de aula.
Dialogando com as teorias estudadas e com as vivências com o grupo na pesquisa- formação, entendo a
transversalidade como um processo contínuo. Ela vai para além de um simples diálogo entre campos do
conhecimento. Ocorre na sua materialidade de forma imbricada, continua, sem paradas. Ela ocorre quando não
conseguimos diferenciar ou definir quando estamos falando de Geografia ou Educação Ambiental, por
exemplo. Os campos estão tão intrínsecos, que complexificam o processo de ensino aprendizagem
constantemente.
E entende-se como necessárioa horizontalidade nesse processo de transversalização, onde importapensar
na escola como uma teia de relações. Para isso é preciso pensar a escolapara além do currículo e do papel do
professor, entendendo que esta está inserida em um contexto, e que os sujeitos que a compõem possuem
histórias de vida singulares que revelam a sua forma de ser e estar no mundo.
Nesse prisma,o contexto sócio espacial da escola e dos alunos precisa ser considerado para que o
processo de transversalização seja significativo para os sujeitos envolvidos. E, dessa forma, conhecer e ter
clareza e sobre currículo é indispensável para estabelecer diálogos entre a Educação Ambiental e Ensino de
Geografia.
Interessante que o grupo coloca a importância da vivencia de mundo, do professor se sentir parte do
meio, e entender esse meio de forma integrada.Ele precisa ter a concepção de que a Geografia e a Educação
Ambiental são intrínsecas, e que elas juntas podem complexificar os conteúdos na sala de aula, através de um
processo continuo. Poderíamos dizer que o professor precisa transversalizar-se a si mesmo, em um processo de
busca constante.

Considerações finais
Este trabalho tem analisado os elementos que necessitamser considerados para se transversalisar a
Educação Ambiental no currículo da Geografia na Educação Básica. Esses elementos são abrangentes e
revelam a complexidade que envolve o processo de ensino aprendizagem, bem como a promoção da
transversalidade. E para que ela se configure no contexto escolar, especificamente nas aulas de Geografia na
Educação Básica, as dicotomias presentes nessa ciência precisam ser superadas. Além disso, é indispensável
nesse processo a formação inicial e continuada, para que sejam discutidos e problematizados os diversos
conceitos que envolvem o campo da Educação Ambiental.
E entender sobre a transversalidade, e o que ela representa napráxis educativa é um pilar que contribuiu
para que o termo não fique apenas em documentos oficiais e em políticas públicas educacionais, mas que se
configure no espaço escolar, através de um trabalho que considere o lugar escola. Para isso o professor
necessita ter clareza da relação intrínseca entre a Geografia e Educação Ambiental.

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ISBN 978-85-7566-380-6
Nesse sentido, a formação tem sido a base da pesquisa, e ela tem contribuído com a construção da
identidade docente de cada participante. E o que tem emergido é reflexo de um trabalho coletivo, de escrita,
leitura, reflexão e problematização, mostrando que para o professor, seja em formação inicial ou continuada,
esses espaços de Roda são indispensáveis para promover melhorias na qualidade da educação.

Referências
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perspectiva de uma aprendizagem significativa. In: PIMENTA, Selma Garrido; FRANCO, Maria Amélia
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Entrevista na Pesquisa em Educação: a prática reflexiva. Brasília: Liberlivro Editora, 2011.

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CURSOS REGIONALES DE EA: UNA EXPERIENCIA DE CAPACITACIÓN Y
CONSTRUCCIÓN DE REDES LOCALES DE LA RENEA
Prof. Mag. Laura Barcia113
Lic. Lucía Eluén114
Lic. Daniela Guerra115
Mag. Rocío Guevara116
Prof.ª Andrea Ortega117
Prof. Carlos Pazos118
Agencia e instituciones financiadoras: MEC-RENEA

Resumen
La ReNEA , en tanto red mixta y co-gestionada, ha desarrollado cursos de EA desde su fundación en 2005,
tanto en la modalidad presencial (realizados en Montevideo) como a distancia, a través de la plataforma Edu-
MEC. Desde el 2012 comenzó una etapa de capacitación presencial, en la cual docentes de UdelaR (designados
por el Grupo Coordinador de la ReNEA) comenzaron a recorrer los distintos departamentos, bajo el eje
temático EA y AGUA. Como continuación de esta etapa, en el año 2015 se creó un equipo docente
multidisciplinar y multiámbito, conformado por integrantes del Registro de Educadores Ambientales de la Red
Nacional de Educación Ambiental para el Desarrollo Humano Sustentable (ReNEA). Este equipo diseñó e
implementó cursos regionales, cuyos objetivos son capacitar en Educación Ambiental (EA) a educadores
formales y no formales de la ReNEA y generar espacios que propician el encuentro y/o formación de núcleos a
nivel local, redes locales y regionales a escala nacional-país. En este trabajo se comparten los aprendizajes de
dicha experiencia.
Palabras clave: Educación Ambiental. Formación. Políticas públicas.Redes locales.

Resumo:

A ReNEA, enquanto rede mista e co-gestionada, tem desenvolvido cursos de EA desde a sua fundação em
2005, tanto na modalidade presencial (realizados em Montevideo) como a distância, através da plataforma Edu-
MEC. Desde 2012 começou uma etapa de capacitação presencial, na qual docentes da UdelaR (designados pelo
Grupo de Coordenação ReNEA) começaram a explorar distintos departamentos sob o eixo temático EA e Água.
Como continuação desta etapa, em 2015 foi criada uma equipe docente multidisciplinar e multi-nível, composta
por membros do Registo de Educadores Ambientais da Rede Nacional de Educação Ambiental para o
Desenvolvimento Humano Sustentável (Renea). A equipe projetou e implementou cursos regionais, cujos
objetivos são capacitar em Educação Ambiental (EA) educadores formais e não formais da Renea e gerar
espaços que propiciam o encontro e/ou formação de núcleos a nível local, redes locais e regionais a escala
nacional - país. Neste trabalho se compartem as aprendizagens desta experiência.

113
Área de EA-Dirección de Educación-MEC/ Red Nacional de Educación Ambiental para el Desarrollo Humano Sustentable
(ReNEA)
Coordinadora. lbarcia@mec.gub.uy
114
Área de EA-Dirección de Educación-MEC/ Red Nacional de Educación Ambiental para el Desarrollo Humano Sustentable
(ReNEA)
Asistente técnico. eluen@mec.gub.uy
115
Facultad de Derecho-Red Temática de Medio Ambiente (RETEMA)-UdelaR, Coordinadora. dgb1978@gmail.com
116
Facultad de Química-Red Temática de Medio Ambiente (RETEMA) -UdelaR, Coordina Grupo Educación Ambiental RETEMA.
rguevaradorado@gmail.com
117
Consejo de Formación en Educación - ANEP/Universidad Tecnológica (UTEC) - Docente. aortega7@gmail.com
118
Área de Educación No Formal-Dirección de Educación-MEC
Asesor pedagógico. pazostraverso@gmail.com;carlos.pazos@mec.gub.uy
240
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Palavras-chave: Educação Ambiental. Treinamento. Públicas.Redes políticas locais .. professores e
participantes de nível.

Introducción
La Red Nacional de Educación Ambiental para el Desarrollo Humano Sustentable (ReNEA), fue creada en
2005 teniendo como punto focal a la Dirección de Educación del Ministerio de Educación y Cultura (MEC) y
como instituciones co-convocantes al propio MEC, al Ministerio de Vivienda, Ordenamiento Territorial y
Medio Ambiente (MVOTMA), a la Administración Nacional de Educación Pública (ANEP) y a la Universidad
de la República (UdelaR). Constituye un espacio de confluencia y construcción permanente, abierto y
efectivamente integrado por organizaciones gubernamentales, de la educación formal y de la sociedad civil
cuyo eje común es la Educación Ambiental (EA).
La convocatoria surgió a partir del reconocimiento de los problemas ambientales producto del modelo de
desarrollo hegemónico que en nuestro país acontecen, en cuanto al perjuicio y riesgo que significa para la salud
humana y animal, pérdida de diversidad biológica, degradación de ecosistemas nativos, contaminación
atmosférica, de aguas y suelos, erosión, eventos climáticos extremos y otros fenómenos de orden biofísico,
como también de desarticulación social, marginalidad, inequidad, desarraigo, problemas y conflictos de uso del
suelo y urbanización, concentración y extranjerización de la tierra y otros desequilibrios socioterritoriales.
Frente a ellos, las manifestaciones locales a estos problemas están asociados al paradigma global de desarrollo
y, antes, civilizatorio de ―la naturaleza al servicio del hombre‖ que aparece profundamente cuestionado por la
crisis contemporánea. En este sentido, la educación tiene el gran desafío y oportunidad de contribuir a la
modificación o cuestionamiento del actual modelo insustentable de desarrollo. Este esfuerzo transformador del
ámbito educativo debe ir acompañado de cambios actuales en las prácticas o comportamientos. Al mismo
tiempo, la carencia de una formación específica en educación ambiental en el Uruguay genera la necesidad de
capacitación sistemática a fin de profesionalizar las prácticas educativo-ambientales
Para el logro de estos objetivos, es fundamental el fortalecimiento institucional y apuntar a la
institucionalización transversal de la EA, tal como lo manifiesta el artículo 40 de la Ley de Educación N o
18437,artículo 40, literal B, numeral 2 . Por otro lado, para la implementación de la disposición de dicha Ley
conjuntamente con la Ley General de Protección del Ambiente Nº 17283 en su artículo 11, la ReNEA logra
elaborar su PLAN NACIONAL DE EDUCACIÓN AMBIENTAL (PlaNEA), tras tres años de talleres de
elaboración colectiva. Dicho PlaNEA es aprobado y avalado por las autoridades competentes, asumiéndolo
como marco general de sus acciones, en diciembre del 2014 , de manera de encontrarse actualmente en plena
etapa de implementación territorial.

Antecedentes
En el acta fundacional de la ReNEA se acordó promover la identificación e implementación de programas y
actividades de formación y educación ambiental dirigidos a toda la población, particularmente a jóvenes de
todos los segmentos del Sistema educativo: escolar, técnica, básica, diversificada, formación docente y
241
ISBN 978-85-7566-380-6
universitaria), y de las organizaciones de la sociedad civil organizada, definiendo proyectos de alcance nacional
y de nivel local.
Atendiendo a dichos cometidos, desde el año 2007 se comienzan a desarrollar cursos de formación dirigido a
participantes de las organizaciones de la ReNEA. Entre los diversos tipos de cursos que se imparten desde la
Red, en primera instancia, del 2007 al 2009 se desarrollaron cursos presenciales en Montevideo, coordinados y
dictados por la RETEMA. Luego, del 2009 al 2012 comienza una etapa de cursos a distancia desde el Aula
virtual EDU-MEC, con una plataforma Moodle, con diferentes temáticas (EA y territorios, EA y Áreas
Protegidas, etc).
Posteriormente, a partir del 2013, se diseñaron ―Cursos regionales‖, que se caracterizan por desarrollarse en
diversas localidades del territorio nacional, nucleando participantes provenientes de departamentos lindantes
y/o que cuentan con vías de comunicación.
Cada una de las ediciones se centró en un eje conceptual.
En el período 2013- 2014, fue EDUCACIÓN AMBIENTAL Y AGUA, tanto por sus aspectos técnico-
ambientales como por sus potencialidades didácticas. Se desarrollaron 7 ediciones del curso, convocando a 17
de los 19 departamentos del Uruguay (no se incluyeron Treinta y Tres y Cerro Largo), con un total de 245
participantes de todos los ámbitos de la ReNEA, articulando con las Comisiones Departamentales del Sistema
Nacional de Educación Pública (SNEP), intendencias y centros MEC para su difusión y logística. En la segunda
edición, período 2015-2016, el eje temático es DISEÑO Y FORMULACIÓN DE PROYECTOS EDUCATIVOS
SOCIOAMBIENTALES CONTEXTUALIZADOS.
Es la rica experiencia acumulada en estos cursos, sus desafíos, logros y potencialidades las que el presente
trabajo quiere aportar, a fin de colaborar con la construcción de nuevos marcos teóricos y metodológicos de la
EA.

Justificación
Los espacios educativos (tanto formales como no formales) constituyen una herramienta fundamental para
desencadenar procesos de sensibilización y concienciación sobre las problemáticas ambientales que permitan
poner en práctica acciones tendientes a transformar la calidad del ambiente, a distintas escalas espaciales y
temporales. Estos espacios permiten desencadenar procesos comunitarios de construcción de ciudadanía
ambiental que permitan realizar lecturas críticas de la realidad ambiental a transformar, con la finalidad de
contribuir a la gestión y ordenamiento territorial sustentable de los bienes comunes de nuestros territorios.
Las instituciones no son estáticas, tienen su propias dinámica y cultura, lo cual se puede visualizar en al menos
tres planos: poseen una misión o una apuesta política, se da un conjunto de relaciones sociales que posibilitan
(o no) avanzar en la realización de determinadas iniciativas o proyectos, y cuentan con un conjunto de recursos
que viabilizan (o no) la realización esos proyectos o iniciativas.

242
ISBN 978-85-7566-380-6
El fortalecimiento institucional de la Educación Ambiental y de la propia ReNEA, será uno de los resultados de
una serie de acciones que implícita o explícitamente pretenden encontrar la mayor coherencia posible entre los
tres planos y, sobre todo, generar un saber colectivo (apropiación) al respecto.
Es a partir de este concepto dinámico de institución que encontramos una oportunidad para intervenir en la
realidad descripta, para abrir espacios de reflexión y generar un saber colectivo sobre su funcionamiento y
sobre el lugar que ocupa en la sociedad.
La realización de los Cursos regionales nos acerca a esa contribución, para que las instituciones, desde sus
propios integrantes, promuevan ese cambio. Se busca la integración desde distintos lugares del país, del sistema
educativo formal y de la educación no formal, definir principios y líneas de acción orientadoras contemplando
los diversos contextos educativos y ambientales (históricos, sociales, económicos, políticos, culturales,
tecnológicos y ecológicos) y contribuir a promover la articulación, la consolidación y apertura de nuevos
espacios de EA facilitando y promoviendo la interacción entre los mismos.
Esto permite la generación de políticas públicas en la medida del grado de involucramiento de los actores
locales gubernamentales, amparados bajo el marco rector de los lineamientos del PlaNEA, permitiendo su
implementación territorial. Por otro lado, y dada la carencia de un espacio común de formación en educación
ambiental a nivel de grado o especialización, sumado a la diversidad de formaciones de origen de los
educadores ambientales que integran a la Red, se hace imprescindible la unificación de la formación continua
de los mismos, de manera de aunar criterios pedagógicos propios de la EA para el Uruguay.

Objetivo general

El objetivo de los Cursos regionales de EA es proporcionar herramientas teórico-metodológicas para la


formulación de proyectos de EA, mediar formativamente en Educación Ambiental a educadores formales y no
formales de la ReNEA de los 19 departamentos, promover la instalación de pequeños núcleos regionales de la
ReNEA y contribuir a la difusión del PlaNEA.

Objetivos específicos

Los objetivos específicos de esta iniciativa abarcan aspectos conceptuales, metodológicos y actitudinales.

Aspectos conceptuales
 Aportar al marco teórico sobre de la Educación Ambiental para el Desarrollo Humano Sustentable, sus
fines y desafíos.

Aspectos metodológicos
 Discutir sobre las herramientas metodológicas para la el abordaje de los temas ambientales desde el
ámbito educativo a diversas escalas.
243
ISBN 978-85-7566-380-6
 Incorporar estrategias educativas enmarcadas en los principios de la sustentabilidad ambiental,
fomentando la innovación, la creatividad y la contextualización
 Integrar la dimensión pedagógica en el proceso de construcción colectiva de saberes ambientales que
implica la EA.

Aspectos actitudinales
 Sensibilizar a los participantes, sobre la importancia de realizar acciones en el marco de la Educación
Ambiental, acordadas por la ReNEA en su PLANEA.
 Fomentar el espíritu crítico, con respecto a la necesidad de generar una racionalidad ambiental acorde a
los principios del desarrollo sustentable desde los espacios educativos en educación formal y no formal,
resaltando el rol de la ciudadanía ambiental en la gestión compartida de los territorios.

Contenidos desarrollados

La selección de los contenidos temáticos desarrollados responde a la conjunción de las inquietudes planteadas a
lo largo de las distintas ediciones de los cursos, los objetivos definidos en el PlaNEA y la contribución al
fortalecimiento institucional de los actores locales. El equipo de educadores participa tanto en la discusión y
alcance de los contenidos definidos, como de los aspectos pedagógicos y didácticos. Dichos integrantes forman
parte del Registro de Educadores Ambientales, lo cual genera un equipo con mirada multi ámbito e
interdisciplinario que enriquece la discusión e intercambio de experiencias.
El alcance de este trabajo corresponde al año 2015-2016. Los principales temas abordados son:
 Sentidos y fines de la EA. Relación con la gestión ambiental.
 La realidad socio-ambiental del Uruguay y local.
 ¿Qué es un proyecto de Educación Ambiental? EA y proyectos educativos-socioambientales (en
educación formal y no formal).
 El contexto ambiental como motivación y desafío. Encuadre del tema y del problema.
 Ciudadanía ambiental y participación en la gestión del territorio.
 Diagnósticos ambientales participativos y monitoreos ambientales. Indicadores locales.
 Elaboración de proyectos socio-educativos en Educación Ambiental.

Metodología

Los cursos se organizan a partir de una convocatoria abierta de interesados en participar, con un cupo de 60
participantes, designados por sus organismos y provenientes de los dos departamentos correspondientes,
coordinando con los Comités departamentales del Sistema Nacional de Educación Pública (SNEP). Para la
244
ISBN 978-85-7566-380-6
inscripción, cada participante completa una ficha disponible en el sitio web de la ReNEA y la envía al correo
electrónico eduambiental@mec.gub.uy.
Se proporciona material elaborado por el equipo docente en formato impreso y digital, comidas y alojamiento a
los participantes de localidades más lejanas a la sede correspondiente y que lo soliciten.
La modalidad del curso es teórico-práctica, con cuatro módulos presenciales desarrollados en dos fines de
semana consecutivos (viernes y sábado) y una instancia virtual no obligatoria de elaboración, seguimiento y
evaluación de un proyecto. Se recomienda que la redacción del trabajo final (proyecto) sea elaborado por 2 ó 3
participantes.
A aquellos participantes que asistan al 75% de las instancias presenciales se les entrega certificado de
asistencia, acreditando 32 horas. Si además entregan un proyecto de educación ambiental y el mismo resulta
aprobado, se acreditan 45 hs de curso, equivalentes a 3 créditos, mediante certificado de aprobación del curso
mediante evaluación.

Logros alcanzados

En la edición 2013-2014 los cursos, de modalidad exclusivamente presencial, carecían de sistema de


evaluación. Debido a la calidad de los resultados obtenidos en los talleres y atendiendo a la demanda de los
participantes de contar con una instancia de evaluación final para acreditar los saberes adquiridos y construidos
en los talles, en la edición 2015-2016 se incorporó la instancia virtual para seguimiento y elaboración del
trabajo final, con sistema de evaluación. Esto permitió a los participantes contar con apoyo de los educadores
en la realización de los proyectos y la acreditación de saberes así como contribuir a la sistematización de las
experiencias y reflexiones realizadas por los educadores ambientales.
Al momento de presentar este trabajo, todas las instancias presenciales de los cursos planificados para el año
2015 habrán culminado, así como la instancia no presencial y evaluación final de tres de ellos (ver figura y
tablas a continuación).

Figura 1. Mapa político de la República Oriental del Uruguay, en el que se señalan las localidades donde se implementaron (verde) y
se implementarán (rojo) los cursos regionales (elaboración propia).

245
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Tabla 1. Programa de curso Edición 2015

Módulo Docentes Carga Temario


horaria

1 Sentidos y fines de la EA. Relación con la gestión


Laura Barcia 6 horas ambiental. Ciudadanía ambiental y participación en la
gestión del territorio.

2 La realidad socio-ambiental del Uruguay y local.


Andrea
10 Pedagogía de la EA. Diagnósticos ambientales
Ortega Lucía
horas participativos y monitoreos ambientales. Indicadores
Eluén
locales

3 ¿Qué es un proyecto de Educación Ambiental?


Rocío
EA y proyectos educativos-socioambientales (en
Guevara
6 horas educación formal y no formal).
Daniela
El contexto ambiental como motivación y desafío.
Guerra
Encuadre del tema y del problema.

4 10 Elaboración de proyectos socio-educativos en Educación


Carlos Pazos
horas Ambiental.

Tabla 2. Datos cuantitativos de los cursos regionales 2015


246
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Localidad Cantidad de
Cantidad de
participantes
participantes Cantidad de
que Número Número
Cantidad de que participantes
obtuvieron de de
participantes obtuvieron que
certificado proyectos proyectos
inscriptos certificado realizaron
de elaborados aprobados
de asistencia trabajo final
aprobación
(32h)
(45h)

Fray 35 21 3 2 2 1
Bentos

Treinta y 33 29 20 17 5 4
Tres

La 41 28 en proceso en proceso en proceso en


Paloma proceso

Salto A realizarse A realizarse A realizarse A realizarse A A


realizarse realizarse

Entre los resultados más relevantes obtenidos hasta el momento se destacan la generación de espacios de
intercambio a nivel local entre quienes trabajan en los temas vinculados o quieren iniciar su trabajo en esta línea
y las buenas prácticas y aprendizajes del intercambio con los participantes y evaluación de los proyectos
presentados hasta el momento.

Discusión
La reciente firma del PlaNEA ha sido una oportunidad para el acercamiento de las instituciones de ReNEA a
pensar actividades que contribuyan a la difusión e implementación del plan en los territorios. Para ello, es
necesario avanzar en el fortalecimiento institucional de las capacidades locales y formar masa crítica.
Compartir la experiencia de ReNEA y el proceso de construcción del PlaNEA con los participantes de los
cursos regionales acerca a formas concretas de lograr sinergia y acuerdos entre los actores locales, aún con
intereses diferentes. Sin embargo, se asume como riesgo el no lograr que a nivel local avancen en la
construcción de redes a nivel local.
La propuesta de seguimiento y evaluación de los cursos tiene como novedoso y desafiante para los participantes
la realización de un proyecto final que los lleva, a través de la reflexión de los elementos teóricos -
metodológicos propuestos y de su autoevaluación, a la elaboración del mismo.

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El re- pensar críticamente las propias prácticas de EA, sumado a la elaboración conjunta (e
interinstitucional)de experiencias de EA en clave de proyectos ambientales socioeducativos, implica un avance
cualitativo en la concepción de la EA en tanto herramienta de transformación social

Conclusiones

Entendemos al proceso de diseño, implementación, coordinación y evaluación de estos cursos como un


proyecto de educación ambiental en sí mismo. Si bien al momento de presentar este trabajo resumen la edición
2015-2016 de los cursos regionales aún no ha culminado, podemos identificar las buenas prácticas y
aprendizajes del intercambio con los participantes y evaluación de los proyectos presentados hasta el momento.
La propuesta original de los talleres se ha ido enriqueciendo a partir del proceso de evaluación que el equipo
docente ha realizado.
Desde el punto de vista del equipo docente, ha significado el acuerdo de criterios, un diálogo permanente y
enriquecedor para realizar la devolución a cada proyecto de educación ambiental presentado.

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249
ISBN 978-85-7566-380-6
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CURRÍCULO: UMA ANÁLISE A PARTIR DO
PROJETO PEDAGÓGICO DE UM CURSO DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS
BIOLÓGICAS

Lilian Alves Schmitt119


Agência Financiadora: CNPq
RESUMO
Este trabalho visa compreender como a educação ambiental vem sendo discutida na formação inicial de
professores de Ciências e Biologia. Elege-se o currículo de um curso de Licenciatura como objeto de estudo por
que se entende como imprescindível o papel da escola e dos educadores na promoção da sustentabilidade.
Entende-se que a escola, por meio da agência de educadores sensíveis às discussões ambientais, tem inúmeras
chances de tornar-se mais porosa e ampliar sua ação frente à crise ambiental. Por se tratar de um recorte de uma
pesquisa de mestrado, há apenas resultados preliminares, que foram gerados a partir da análise do Projeto
Pedagógico de Curso (PPC) do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. A análise destes documentos feita até o presente momento aponta para uma
abordagem ainda incipiente em relação à temática.
Palavras-chave: Educação Ambiental. Formação de professores. Currículo.

1.Introdução

O planeta em que vivemos passa por um tempo de muitas transformações no âmbito daquilo que muitos
chamam de ―desenvolvimento‖. O ritmo celerado da degradação ambiental e os consequentes desequilíbrios ecológicos,
irremediáveis mesmo com todo o aporte técnico-científico, ameaçam a existência da vida e influenciam a qualidade da
mesma.
A necessidade de formação profissional adquire cada vez mais importância, o mundo do trabalho perdeu a vez
para o mercado de trabalho, e para este é preciso estar sempre buscando ―inovações‖. Discursos relacionados à
sustentabilidade ambiental tem sido discutidos em diversas áreas de formação, a Universidade tem cada vez mais tornado-
se porosa a estas discussões, o que passa por uma política ambiental que inclui a reformulação dos currículos. As
instituições, tentando responder à demanda social acabam entrando num movimento de atualização de seus cursos,
atualização esta que inclui a inserção da temática ambiental em disciplinas e cursos de extensão.
No âmbito da escola básica há ainda muita dificuldade na inserção da temática ambiental no que tange as
dinâmicas curriculares, o que é muitas vezes atribuído à ausência e precariedade da abordagem do tema na formação
inicial dos professores. Neste sentido, a presença da temática ambiental tanto no currículo como nas práticas
universitárias possui um significado estratégico no processo de difusão da discussão acerca da crise ambiental.
Segundo Sorrentino et al. (2011), a educação ambiental nas Instituições de Ensino Superior pode cumprir dois
papéis: o de educar a própria instituição no sentido de que passe a incorporar a questão ambiental no seu cotidiano – ou
seja, a ambientalização da Instituição; e o de contribuir para educar ambientalmente a sociedade. Entretanto, é preciso
caracterizar com maior precisão o que se entende por ambientalização no ensino universitário.

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Bacharela em Ciências Biológicas. Mestranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Email: lilian.schmitt@gmail.com

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Os conceitos de ambientalização e, em específico, o conceito de ambientalização curricular, são tidos como
temas emergentes no que se refere às discussões no campo da educação. Carvalho e Toniol (2010) descrevem a
ambientalização como:
[...] processo de internalização nas práticas sociais e nas orientações individuais de valores éticos,
estéticos e morais em torno do cuidado com o ambiente. Estes valores se expressam na sociedade
contemporânea em preocupações tais como aquelas com a integridade, a preservação e o uso sustentável
dos bens ambientais. Os processos de ambientalização têm uma dimensão educativa importante que
reside, sobretudo, na formação ética, estética e moral de sujeitos e instituições ambientalmente orientados.
A ambientalização das agendas das instituições e dos movimentos sociais pode ser identificada na esfera
pública tanto na emergência de questões e práticas ambientais como um fenômeno novo quanto na
reconfiguração de práticas e lutas tradicionais que se transformam ao incorporar aspectos ambientais
(CARVALHO ; TONIOL, 2010. p.1).

No que tange a presença da temática ambiental no currículo das Instituições de Ensino Superior, os estudos
ligados à Red de Ambientalización Curricular de los Estudios Superiores (Rede ACES) dedicaram-se à definição do
conceito de ambientalização curricular. Uma das definições utilizadas por esta rede entende o referido conceito como:
[...] un proceso continuo de producción cultural tendiente a la formación de profesionales comprometidos
con la búsqueda permanente de las mejores relaciones posibles entre la sociedad y la naturaleza,
atendiendo a los valores de la justicia, la solidaridad y la equidad, aplicando los principios éticos
universalmente reconocidos y el respeto a las diversidades (JUNYENT et al., 2003. p.7).

Ainda sobre o que se pode considerar ambientalização curricular, a definição destaca:


En el ámbito universitario dicho proceso incluye decisiones políticas de la institución en el sentido de
generar todos los espacios necesarios para la participación democrática de los diversos estamentos
internos en la definición de las estrategias institucionales y en el fomento de normas de convivencia que
respondan a los objetivos y valores antes mencionados. Dichos aspectos deben quedar reflejados en los
Planes de Estudios de las diferentes carreras tanto en la caracterización del Perfil del graduado como en
los Alcances de los Títulos que se otorguen. A la vez el diseño curricular debe incluir contenidos,
metodologías y prácticas sociales que aporten explícitamente a las competencias que se enuncien en el
Perfil y los Alcances. Implica la formación de profesionales que puedan vivenciar situaciones reales que
propicien la reflexión sobre las dimensiones afectivas, estéticas, éticas de las relac iones interpersonales y
con la naturaleza1. Ello requiere la realización de trabajos que faciliten el contacto con los problemas
socio ambientales en el propio escenario en que ellos ocurren. Estas vivencias deben contemplar el
análisis y la reflexión crítica acerca de las alternativas de intervención en las relaciones entre la sociedad
y la naturaleza toda vez que ello se constituye en una participación política sobre la cual deberá tomarse
conciencia para reconocer a que segmentos de la sociedad se favorece con dicha intervención. (y deberá
orientarse a propiciar y defender el desarrollo sostenible) (JUNYENT et al., 2003. p.8).

Na universidade, a ambientalização vem sendo tratada como um processo que abrange distintas dimensões: o
currículo (disciplinas e projetos político-pedagógicos); a pesquisa, e a extensão e gestão ambiental do campus
(compromisso institucional centrado em uma política ambiental). Desta forma, os diversos setores e atores sociais da
comunidade universitária, incluindo gestores, pesquisadores, discentes, docentes e demais funcionários, devem estar
integrados, promovendo uma participação cidadã em espaços e processos democráticos que ultrapasse os limites físicos
do campus e estimule a adoção de práticas sustentáveis individuais ou coletivas (GUERRA; FIGUEIREDO, 2014).
Em relação a medidas que impulsionam a inserção do tema nos cursos universitários, a Resolução nº 2 de 15 de
junho de 2012, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental, destaca que o tema é
componente integrante, essencial e permanente da educação nacional e que deve estar presente, de forma articulada, tanto

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nos níveis e modalidades da Educação Básica, como também na Educação Superior. O Art. 9º desta resolução reforça a
ideia de que nos cursos de formação inicial, bem como naqueles de especialização técnica e profissional, de todos os
níveis e modalidades, devem ser incorporados conteúdos que tratem da ética socioambiental das atividades profissionais.
Ainda nesta resolução, o Art. 11º destaca que os currículos de formação, tanto inicial quanto continuada de educadores,
devem abranger necessariamente discussões relacionadas à dimensão ambiental.
Observando os destaques da resolução supracitada, que é apenas uma das políticas que endossam a necessidade
das discussões ligadas ao tema dentro dos espaços educadores, cabe a pergunta: como estão sendo preparados os
alunos/futuros educadores da escola básica no que se refere à pauta ambiental?
Tendo como intuito compreender como ocorre a formação básica de professores das áreas de Ciências e
Biologia no que se refere à temática ambiental, neste artigo proponho discutir a formação destes profissionais a partir de
um olhar mais apurado acerca do currículo de formação inicial destes professores.
Num movimento de significação do que venha a ser currículo, utilizo neste trabalho a definição de Sacristán
(1998) que o entende como ―projeto seletivo de cultura, cultural, social, política e administrativamente condicionado, que
preenche a atividade escolar e que se torna realidade dentro das condições da escola tal como se acha configurada‖. Esta
definição, segundo o autor, sugere ainda outros entendimentos que concretizam a realidade curricular como cultura na
instituição de ensino: i) O entendimento de que o currículo é uma seleção de conteúdos organizados, codificados de
maneira singular e que tanto os conteúdos em si, quanto a organização destes, integram parte deste projeto; ii) O
entendimento de que o projeto cultural se realiza dentro de determinadas condições , ou seja, dentro das regras escolares
que ordenam a experiência de professores e alunos; iii) O entendimento de que por trás do currículo há uma orientação de
ordem teórica que expressa valores e posições epistemológicas (Sacristán, 1998).
Serão enfatizados, neste trabalho, os aspectos ligados ao ―núcleo duro‖ do currículo, ou seja, as disciplinas. Este
artigo apresenta a análise feita a partir das ementas/planos de disciplinas relacionadas ao Projeto Pedagógico do Curso de
Licenciatura em Ciências Biológicas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Para pensar o currículo se faz necessário pensar a o seu caráter político, que está localizado num tempo e espaço
que determinam configurações sociais repletas de interesses e resistências em relação ao que se deve ou não ser
considerado como ―conteúdo‖. Questionar a concepção e os conteúdos que compõe uma grade curricular é problematizar
o campo da educação escolar. A escolha dos conteúdos a comporem a formação profissional de determinado grupo é uma
escolha política, permeada por estruturas hierárquicas e relações de poder. Embora estes apontamentos não sejam o foco
deste estudo no momento, é preciso que estas questões permeiem o campo de análise, pois assim rompemos com a
naturalização histórica de determinados conhecimentos. Segundo Apple (2013), uma maneira mais precisa de se começar
a entender as relações que envolvem a estruturação das bases curriculares seria pensar a partir da pergunta: ―O
conhecimento de quem vale mais?‖.
Este trabalho elenca o currículo de um Curso de Licenciatura como objeto de estudo por que entende como
imprescindível o papel da escola e dos educadores na promoção da sustentabilidade. Entende que a escola, pela via de
educadores sensíveis às discussões ambientais, tem inúmeras possibilidades de tornar-se mais porosa e ampliar sua ação
frente à crise ambiental. A escola, vista a partir do conceito de espaço educador sustentável é uma ―incubadora de
mudanças‖ (TRAJBER; SATO, 2010) e formar professores capazes de impulsionar estas mudanças é também papel da
universidade.
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A inserção da temática ambiental no cotidiano da escola básica, passa pela formação de professores engajados e
sensibilizados em relação à dimensão ambiental. Neste sentido, é preciso que interroguemos as Instituições de Ensino
Superior em relação ao papel que desempenham neste processo.

2. Percurso metodológico

De modo a cumprir o objetivo delineado, a abordagem deste trabalho foi desenvolvida a partir uma análise
documental, seguindo desta maneira algumas estratégias metodológicas.
Num primeiro momento realizou-se uma leitura exploratória do Projeto Pedagógico do Curso, de modo a
compreender o repertório de disciplinas oferecidas pelo mesmo, bem como identificar possíveis objetivos de formação no
que se refere especificamente à educação ambiental. Após esta primeira etapa, realizou-se uma leitura analítica dos
ementas/planos das disciplinas. Nesta etapa foram utilizados os seguintes descritores: ―educação ambiental‖, ―questão
ambiental‖, ―ambiental‖, e ―meio ambiente‖. A partir desta leitura, fez uma análise interpretativa dos dados.
Cabe salientar que os documentos analisados foram cedidos pela Instituição através da coordenação do curso,
com anuência do diretor da unidade (Faculdade de Biociências), podendo estes serem classificados como documentos
institucionais.
Buscando compreender onde a temática ambiental se inseria no currículo do curso, analisou-se o Projeto
Pedagógico de Curso no que se refere aos objetivos de formação relacionados especificamente à educação ambiental, bem
como os nomes das 48 disciplinas (Tabela 1) que compõe o currículo do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas e
os planos e ementas das mesmas.

Tabela 1 – Disciplinas do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas

Disciplinas (Currículo 3/113) Etapa

Bioquímica Estrutural / Biodiversidade I/ Seminário


Integrador I/ Ecologia Geral I/ Matemática para a Biologia/ I
Química

Biologia Celular e Tecidual/Biofísica/Bioquímica Metabólica/


II
Seminário Integrador II/ Física

Psicologia da Educação: Desenvolvimento/ Biologia Molecular/


III
Genética I/ Biodiversidade II/ Ecologia Geral II/ Bioestatística

Didática / Psicologia da Educação: Aprendizagem/


Morfofisiologia Animal Comparada/ Seminário Integrador III/ IV
Diversidade Vegetal I/ Genética II

Biologia do Desenvolvimento/ Morfofisiologia Humana/


Metodologia e Prática do Ensino de Ciências/Diversidade V
Vegetal II/ Geologia e Paleontologia/ Diversidade Animal I

VI
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Imunologia/ Seminário Integrador IV/ Morfofisiologia Vegetal
Comparada/ Evolução/ Metodologia e Prática do Ensino de
Biologia/ Biotecnologia/ Parasitologia e Saúde Pública/
Disciplinas Eletivas

Humanismo e Cultura Religiosa/ Farmacologia/ Estágio


Supervisionado no Ensino de Ciências/ Biologia da
VII
Conservação
Diversidade Animal II/

Língua Brasileira de Sinais/ Organização e Políticas da


Educação Básica/ Filosofia e Bioética/ Estágio Supervisionado VIII
no Ensino de Biologia/ Trabalho de Campo Integrado/
Atividades Complementares

3. Educação ambiental e currículo

3.1 A educação ambiental no Projeto Pedagógico de Curso

A partir de uma leitura exploratória do Projeto Pedagógico do Curso no intuito de se identificar possíveis
objetivos de formação no que se refere especificamente à educação ambiental ou a ―questão ambiental‖, destaca-se o item
3.13 “Responsabilidade Socioambiental‖, que enfatiza a responsabilidade do curso em formar profissionais
comprometidos em ―difundir um comportamento ético e cidadão voltado á conservação e sustentabilidade ambiental‖.
Segundo o documento, este objetivo se cumpriria a partir das disciplinas da área de Ecologia (Ecologia Geral I, Ecologia
Geral II, Métodos em Ecologia, Biologia da Conservação, Parasitologia e Saúde Pública), no entanto, nada é explicitado
em relação a como esta preocupação está incorporada à prática destas disciplinas. Na leitura das ementas relativas às
disciplinas citadas, apenas Biologia da Conservação traz a educação ambiental enquanto objetivo a ser trabalhado na
dinâmica das aulas.
A análise dos nomes das disciplinas, que se deu pela leitura exploratória do Projeto Pedagógico de Curso,
utilizou-se das seguintes palavras-chave: ―educação ambiental‖, ―questão ambiental‖,―ambiental‖, e―meio ambiente‖.
Neste primeiro momento, optou-se pela não utilização da palavra ―ecologia‖, em virtude da justaposição com a área de
conhecimento relacionada ao curso, onde não necessariamente se operam com conceitos ligados à educação ambiental. A
partir destas chaves de busca nenhuma disciplina foi encontrada.
3.2 Sobre os planos de ensino e ementas

A partir da leitura dos 48 planos e ementas foram identificadas três disciplinas que apresentam o tema da
―educação ambiental‖ como item a ser discutido enquanto conteúdo. São elas: Biologia da Conservação, Metodologia e
Prática do Ensino de Biologia e Estágio Supervisionado no Ensino de Biologia.
Em relação à disciplina de Biologia da Conservação, que ocorre no 7º semestre, se pode observar a presença do
tema ―educação ambiental‖ logo na apresentação da ementa, item inicial do plano de ensino. Ademais, temas tais como
―desenvolvimento sustentável‖ e ―problemas ambientais da atualidade‖ mostram o caráter crítico da disciplina em relação
à temática.
A disciplina traz explicitado em seu plano, especificamente no item ―objetivos‖, a preocupação em formar
profissionais atentos às discussões ambientais:
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[...] contribuir na construção do conhecimento do futuro biólogo quanto à problemática ambiental atual,
visando o desenvolvimento de uma postura crítica e a conscientização de seu papel fundamental como
ator de mudanças de atitude em relação ao ambiente natural e como agente multiplicador e educador ao
longo de sua vida profissional, bem como subsidiando seu envolvimento na elaboração de estratégias de
manejo sustentável dos recursos naturais (PUCRS, 2010).

A disciplina Biologia da Conservação propõe duas atividades muito interessantes em relação ao tema – uma
delas é uma saída de campo a uma Usina de Triagem e Compostagem de resíduos, localizada numa zona periférica da
cidade de Porto Alegre. Outra é a atividade “Conversando o Mico”. Esta última consiste na elaboração de uma peça de
teatro, por parte dos alunos da disciplina, a partir de uma espécie ameaçada de extinção. Os alunos que cursam a
disciplina são separados em grupos e precisam escolher uma espécie ameaçada de extinção, escrever um roteiro, montar
cenário e figurino, bem como apresentar publicamente a peça de teatro relacionada à situação da espécie escolhida. A
atividade visa à iniciação dos alunos nos temas de educação e conservação ambiental, bem como a discussão das ações
humanas sobre o ambiente.
Em relação à disciplina de Metodologia e Prática do ensino de Biologia, presente no 6º semestre, observou-se
que trabalhar a educação ambiental enquanto um assunto interdisciplinar é objetivo presente logo na ementa da disciplina:
―Projetos integrados junto a escolas, buscando a interdisciplinaridade, destacando os temas transversais como Educação
Ambiental, Saúde e Orientação sexual, previstos na LDB/96‖.
No item ―conteúdo‖, presente no plano de atividades, destaca-se mais uma vez a presença dos ―Temas
Transversais‖, os quais abrangem a temática ambiental. Essa preocupação confirma-se a partir do cronograma de
atividades, onde é possível visualizar a previsão de uma atividade de leitura dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(referentes a área de Ciências e Biologia) e posterior montagem de oficinas a partir destes temas.
A disciplina de Estágio Supervisionado no Ensino de Biologia, também indica uma preocupação com a
discussão relativa aos temas transversais. Propõe enquanto um de seus objetivos ―discutir, refletir, vivenciar e encontrar
estratégias e recursos para a abordagem de aspectos relativos aos temas transversais, particularmente, Saúde, Educação
Sexual e Educação Ambiental‖. Por ser uma disciplina direcionada à discussão das práticas do estágio docente, não
propõe nenhuma atividade específica relacionada ao tema como as disciplinas anteriormente citadas, mas ainda assim
lista o tema enquanto conteúdo.
4. Considerações finais

Este artigo apresentou as análises preliminares desenvolvidas a partir das ementas/planos de disciplinas
relacionadas ao Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul. A partir das leituras até agora com base nestes documentos institucionais, pode-se observar que há
uma preocupação em discutir a educação ambiental enquanto tema transversal em pelo menos três disciplinas do curso
analisado, o que sinaliza um interesse em relação à inserção da temática na formação dos futuros educadores das áreas de
Ciências e Biologia. Todavia, esta inserção ainda mostra-se muito disciplinar e incipiente, contrariando a orientação
transdisciplinar apontada pelas políticas de educação ambiental vigentes. Há uma ausência de articulação entre as
políticas de formação de professores e de educação ambiental e a estruturação do Projeto Pedagógico do Curso.

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Apesar das fragilidades, os resultados alcançados permitem vislumbrar um processo de inserção da temática
sendo desenvolvido, o que é concernente com a política institucional de ambientalização que vem sendo construída pela
instituição. Este trabalho aponta para a importância de um maior aprofundamento na análise de outros componentes
curriculares, tais como o envolvimento com projetos de extensão, estágios de iniciação à docência, entre outros.
Entrevistas com a coordenação do referido curso, bem como com professores e alunos, mostram-se como
percursos potentes e necessários para um maior aprofundamento, caminhos que vem sendo trilhados pela continuidade
desta pesquisa.

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL E FORMAÇÃO CONTINUADA
Maicon Dourado Bravo120

Resumo
O presente artigo trata de breves reflexões sobre o papel da formação continuada para a Educação Ambiental,
compondo um projeto de aplicação desta formação no Colégio Municipal Pelotense. As reflexões partem da
proposição de uma Educação Ambiental que dê conta das demandas atuais por formação de cidadãos críticos e
capazes de empreender transformações em suas vidas cotidianas e seus entornos. Assim, são apresentadas duas
dimensões para uma Educação Ambiental crítica e transformadora: Amplitude e Profundidade, relacionadas à
visão de totalidade do meio ambiente e a percepção revolucionária da sustentabilidade. A formação continuada
em Educação Ambiental, para ter significado, deve preparar os profissionais da educação para compreender,
problematizar e construir, junto aos estudantes, esta Educação Ambiental ampla e profunda nas instituições
escolares.

Palavras-chaves: Educação Ambiental, Formação Continuada, Educação Formal

Considerações Iniciais
A Educação Ambiental, instituída no Brasil a partir da Lei nº 9.795/99, é considerada ―um componente
essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e
modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal‖. Neste sentido, cabe realizar uma breve
apresentação de que Educação Ambiental se quer e se faz necessária para, em seguida, apontar a presença da
Educação Ambiental em caráter formal nas instituições educativas e o papel dos professores nesta com fins a
demonstrar a importância de uma formação continuada em Educação Ambiental no ensino formal.

Alienação e Exploração
A Educação Ambiental, conforme apresentada na Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA)
trata dos ―processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos,
habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente [...] e sua sustentabilidade‖.
Esta definição, porém, guarda uma desconfortável abertura a interpretações as mais variadas, o que enseja a
apropriação da Educação Ambiental por interesses que queiram conservar/preservar as relações de dominação e
submissão da natureza humana e não-humana em função da acumulação de capital por parte dos setores
dominantes da sociedade.
Sabe-se que o atual sistema econômico tem sua base de sustentação calcada sobre a exploração
descontrolada das duas maiores riquezas existentes: a natureza e o trabalho (MARX in ANTUNES, 2004,
p.125). Através da busca incessante pelo lucro, mobilizando para isso políticos em várias esferas
governamentais, e amparados pela grande mídia, os empresários capitalistas – particularmente de grandes

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Mestre e doutorando em Educação Ambiental no PPGEA-FURG; maicondbravo@gmail.com.
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transnacionais, mas também seus congêneres nacionais e locais – promovem a destruição inexorável de
ecossistemas inteiros (basta ver, aqui em nossa região sul do Rio Grande do Sul, a escassez atual da Lagoa dos
Patos e a expansão dos chamados ―desertos verdes‖ da monocultura de eucaliptos no Pampa) e a exploração do
trabalho humano sob justificativa de trazer o ―desenvolvimento‖ à região (vide o polo naval e as sazonais
investidas mineradoras na região). Amparados por um discurso de progresso, os capitalistas promovem a
degradação ambiental e humana.
Esta exploração da natureza humana ganha matéria através das relações de trabalho alienantes vigentes,
promulgadas e legitimadas através do modo de produção capitalista, em que, para sobreviver, o ser humano é
reduzido a mera mercadoria, abrindo mão de todas as suas aspirações e potencialidades. Esta alienação, em
suma, subtrai do trabalhador os objetos de seu trabalho, afasta-o das coisas que produz, priva-o dos objetos
mais necessários para sua vida e para seu próprio trabalho. Priva-o também da natureza e de seu convívio,
tornando-a uma paisagem idílica e distante, afastando o ser humano de seu entorno concreto, da natureza não-
humana, reduzindo sua zona de convívio à cidade capitalista. Neste sentido, tratando do trabalho alienado,
sabemos que por ser externo ao trabalhador, ―[...] ele não se afirma em seu trabalho, mas nega-se nele, que não
se sente bem, mas infeliz, que não desenvolve nenhuma energia física e espiritual livre, mas mortifica sua
Physis e arruína o seu espírito‖ (MARX in ANTUNES, 2004, p.180). Temos então que na sociedade capitalista,
e na formação para esta sociedade, há a reprodução de formas que não permitem que o sujeito se afirme
enquanto emancipado, autor e proprietário de seu trabalho, mas que deve subordinar-se a forças externas para
manter-se sobrevivendo, reduzindo sua humanidade à satisfação de suas necessidades mais fundamentais:
alimentar-se, dormir, habitar, reproduzir-se.
Com a intenção de mascarar esta dupla exploração, os setores hegemônicos da sociedade se apropriaram
e se apropriam constantemente do discurso ambientalista na tentativa de ―esverdear‖ suas práticas predatórias e
alienantes. Surge desta usurpação a Educação Ambiental de baixo impacto (uma suposta Educação Ambiental),
interessada em disputar significados da luta ecológica para fazer a manutenção do status quo. Trata-se de uma
Educação Ambiental carente de amplitude e profundidade.

Amplitude e Profundidade da Educação Ambiental


As dimensões da amplitude e da profundidade definem o grau de envolvimento da Educação Ambiental
com a superação do modelo capitalista. Em uma estrutura em dois eixos, para representar graficamente a
relação entre estas duas dimensões:

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Onde os círculos 1, 2 e 3 representam, respectivamente o meio natural, o socioeconômico e o cultural,
compondo a totalidade do meio ambiente. O eixo vertical, ou seja, a profundidade da Educação Ambiental
relaciona-se com o caráter revolucionário do conceito de sustentabilidade: quanto mais profundo, maior a
compreensão da sustentabilidade que determinada proposta de Educação Ambiental carrega. Inevitavelmente, a
profundidade da proposta estará ancorada em sua amplitude: a integralidade da noção de sustentabilidade só
pode haver dentro da totalidade da visão de meio ambiente.
A necessária interdependência entre o meio natural, composto pelos fatores bióticos e abióticos
influentes na natureza humana e não-humana, o socioeconômico, em que se dão as relações de produção e
reprodução, distribuição e consumo material dos seres humanos, e o cultural, área em que se constroem os
valores éticos, estéticos, políticos e filosóficos, fundamenta a visão ampla da Educação Ambiental, pois que
compreende a totalidade das relações entre natureza e seres humanos na construção de suas vidas, desvela
limitações, proporciona visão de conjunto e em perspectiva, localizando problemas e, ao ser radical,
conseguindo perceber suas raízes.
Sustentabilidade aparece enquanto conceito revolucionário pois percebe a necessária reestrutura das
relações socioeconômicas, políticas e culturais construídas dentro do capitalismo. Sendo que o sistema
capitalista destrói, mais ou menos vorazmente, as duas principais riquezas – a dizer a natureza e o trabalho –,
ele é em sua própria origem insustentável. Portanto, quando se evoca a sustentabilidade torna-se clara a
necessidade de compreensão profunda deste conceito enquanto superação da exploração capitalista, e esta
compreensão só pode existir integralmente dentro de uma visão do meio ambiente enquanto totalidade.
Propostas curtas e superficiais de Educação Ambiental não conseguem vislumbrar o meio ambiente
enquanto totalidade, focando em ações pontuais, como coleta de lixo reciclável, parcimônia no consumo
doméstico de água, redução pessoal do consumo de energia, mas deixam de perceber as origens destas
demandas, acreditando que ―quando cada um fizer sua parte‖ ou ―quando todos se conscientizarem‖ nossa
relação com a natureza e com o trabalho sofrerá um impacto positivo (CARVALHO in LAYRARGUES, 2004,
p.20).
Por outro lado, uma Educação Ambiental de amplitude alargada e profunda se preocupará com as causas
primeiras da crise ecológica vivida atualmente sob a égide do Capital, e procurará desvelar as relações de

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dominação da natureza e alienação do trabalho, apontando utopias para a superação do capitalismo e suas
relações alienantes e exploratórias.

Educação, Escola e Educadores


Concebemos como Educação ―a combinação, em situação de alimentação recíproca de: a) desvelamento
crítico da realidade, e b) ação transformadora sobre ela‖ (VELASCO, 2009, p.38). Neste sentido, a Educação
tem como pressuposto a capacitação de sujeitos para atuar ativamente sobre suas realidades de forma crítica e
transformadora, ou seja, compreendendo que as relações estabelecidas entre seres humanos e entres estes e a
natureza são construídas, e não dadas; e agindo para superar padrões de injustiça social e sustentabilidade
ambiental.
Considerando o ser humano um ser social, a Educação, enquanto desvelamento crítico e ação
transformadora, nunca se dá de modo isolado ou de modo automático. É sempre construção através da relação
com o outro – indivíduo ou grupo –, diálogo qualificado que parte da materialidade dos sujeitos envolvidos, e
procura sempre aproximar a cultura erudita da cotidianidade com vistas à conscientização e mobilização diante
dos problemas enfrentados em âmbito local e global. Neste diálogo, educador e educando educam-se
mutuamente. Através da exposição e da construção dialogada, ambos podem alcançar graus de reflexão capazes
de proporcionar crescimento intelectual aprimorado e voltado para suas realidades.
A Educação pode, desde que seja crítica e transformadora, formar para a superação do caráter alienante
das relações de trabalho impostas pelo capitalismo, expondo e tornando clara esta situação de alienação, de
redução da humanidade, de subordinação e de privação da realização plena do ser, e oferecendo possibilidades
de se construir uma nova história, de se trilhar alternativas de sociabilidade que não sejam excludentes e
empobrecedoras, mas que promovam a cooperação, a colaboração, a cidadania e a emancipação.
Um locus privilegiado, mas não o único, da Educação é a escola, e seus promotores habilitados os
profissionais da Educação: professores, monitores, merendeiras, técnicos-administrativos. Assim o são também
para a Educação Ambiental, embora esta não tenha sido tratada com a devida seriedade (basta realizar uma
rápida consulta para perceber a presença ou não e a qualidade da Educação Ambiental nas redes escolares).
A escola enquanto instituição de ensino apresenta os elementos essenciais para a construção de uma
Educação Ambiental crítica e transformadora, à medida que conta com a possibilidade de fazer cruzar as
diferentes disciplinas, transcendendo suas barreiras autoimpostas, para fomentar uma compreensão complexa e
holística da realidade. No estudo interessado na Educação formal a oportunidade da transdisciplinaridade se
apresenta como forma de reintegrar o saber humano e dar-lhe significado, vinculando os conteúdos escolares à
realidade concreta dos estudantes.
Nisto, a Educação começa a transitar rumo ao abandono de seu infeliz caráter idealizado, despregado da
realidade e redundante resultante do processo de alienação em instituições escolares. Idealizado na medida em
que atribui a si mesma um fim que não tem por fundamento a realidade concreta da localidade em que está
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inserida (muitas vezes representado na frase: ―A Educação transformará o mundo‖). Como a finalidade da
escola não parte de um problema real e localizado, mas de uma visão genérica de crise enfrentada pela
humanidade – cujas origens no mais das vezes a própria escola é incapaz ou está indisposta a enxergar – sua
atuação raramente terá capacidade funcional de intervir de forma relevante na vida das pessoas envolvidas no
processo educativo.
Isto encaminha o caráter despregado da realidade que a escola ostenta, na medida em que os estudantes
não conseguem vislumbrar as relações que os conteúdos têm com sua realidade circundante. Muitas vezes os
professores deixam de tornar explícita e clara esta relação, o que acaba por alienar o estudante do processo
educativo, tendo em vista que ele está muito mais inserido apenas de forma tangencial do que integralmente
envolvido com sua vida escolar. Pode-se arriscar a dizer que este grau de alienação é, por sua vez, responsável
pelo baixo desempenho escolar, alto índice de evasão e, também, insatisfação profissional por parte de
docentes, monitores, secretários e merendeiras.
A redundância garante o encerramento do ciclo nele mesmo, tornando a escola uma instituição fechada
nela mesma, sem abertura para o mundo exterior (quando consegue romper esta barreira, o faz de modo
limitado e acanhado). Os conteúdos, ao invés de servir para que o estudante faça uma interpretação crítica do
mundo, são um fim neles mesmos, conforme a apresentação do tipo de educação bancária. Não há apropriação,
metabolização, avanço intelectual através deste modelo educativo; pelo contrário, são os conteúdos que se
apropriam dos estudantes à medida que estes são avaliados de acordo com o grau de ―apreensão/absorção‖ do
exposto pelo professor, anulando a apropriação por parte do sujeito e a interpretação destes conteúdos.
Inclusive, o sucesso e o fracasso escolar muitas vezes são determinados por esse grau de alienação e sua
submissão a ele.
Ao iniciar um processo de superação desta alienação, a escola passa a aprofundar seu papel de grande
relevância social, ao efetivamente atuar para a formação de cidadãos críticos e capazes da transformação.
Particularmente os professores, mas no geral todos os profissionais da Educação, têm um papel pivotal
na implementação da Educação Ambiental formal. Na iniciativa de promover processos de mudanças culturais
em direção a uma ética ecológica, e mudanças sociais em direção ao empoderamento de indivíduos, grupos e
sociedades que se encontram em condições de vulnerabilidade face os desafios contemporâneos, os professores
têm à sua disposição o conjunto dos saberes construídos e acumulados pela humanidade dando significado à
relação educativa estabelecida dentro dos muros da escola, com vistas para a sua transposição e transformação
da realidade concreta, de forma a elucidar a natureza das relações vigentes na sociedade capitalista.
Na prática, tal iniciativa contaria, primeiramente, com a apropriação de instrumentos da cultura erudita
para conscientização na luta para superar o capitalismo, tomando como ponto articulador das ações pedagógicas
questões vinculadas ao real concreto dos estudantes e de seu entorno. Nisso, cabe citar Velasco (2009, p.89) em
sua proposta pedagógica para implementar a Educação Ambiental no contexto formal:

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1) Vincular os conteúdos a problemas socioambientais da vida dos alunos e dos brasileiros nas áreas de:
alimentação, saúde, moradia, higiene, trabalho e ecologia, reservando espaços para discutir essas questões sem
medo de se afastar do ―conteúdo específico‖.
2) Promover a pesquisa coletiva e individual, devendo o professor exercer o papel de ―auxiliar de planejamento,
observação, elaboração de hipóteses, testes das mesmas e elaboração dos resultados‖ numa atividade que visa a
―redescoberta‖-―reconstrução‖ dos conhecimentos mediante a reflexão dialogada.
3) Sair para trabalhos de campo e/ou criar espaços, mesmo que modestos, na própria escola ou instituição
educativa, voltados para atividades de pesquisa descritiva ou experimental.
4) Dialogar na escola (ou instituição educativa) e/ou ―in loco‖ com conhecedores do tema em estudo, visando à
integração entre os conhecimentos ―técnicos‖ e as suas implicações sócio-humanas.
5) A partir do trabalho coletivo e das sistematizações elaboradas com a ajuda do professor e de conhecedores,
promover ações voltadas para a informação e a busca de soluções para problemas socioambientais existentes na
escola ou instituição educativa, no bairro desta, no bairro de residência dos alunos e/ou na comunidade onde for
realizada a pesquisa.
Formação Continuada
A formação continuada, considerando o papel dos professores enquanto conscientizadores rumo a uma
realidade que supere o capitalismo e suas contradições internas, é de importância ímpar para a feliz realização
da Educação Ambiental. Sendo que os professores durante suas vidas profissionais encontram milhares de
estudantes, representam multiplicadores indispensáveis para o processo educativo e formativo crítico e
transformador promovido pela Educação Ambiental.
O olhar orientado para a compreensão crítica e transformadora da realidade deve ser construído junto
aos professores, pois que versões superficiais de Educação Ambiental disputam a hegemonia na construção de
sentidos a respeito de pensamentos e ações nesta área. Para cumprir com sua função profunda de questionar e
propor a superação das atuais relações de dominação e subordinação da natureza e do trabalho, a Educação
Ambiental precisa compreender a realidade em sua totalidade, ou seja, precisa abordar a interdependência entre
os meios natural, socioeconômico e cultural rumo à sustentabilidade. Torna-se necessário nesse sentido que a
escola e seus profissionais permaneçam em diálogo constante, em um processo ininterrupto de conscientização,
estimulando diuturnamente a crítica. A problematização das atuais limitações impostas pelo capitalismo
encontra nessa proposta lugar de destaque, contando com a inter-relação e o diálogo de diferentes áreas do
conhecimento em uma atitude conjunta e comum para encontrar alternativas à alienação e à exploração.
Assim, justifica-se um programa de formação continuada em Educação Ambiental a fim de capacitar os
professores a formar cidadãos críticos, aptos a agir sobre suas realidades e tornarem-se agentes ativos de suas
próprias vidas, individuais e comunitárias.
A orientação para a construção de uma sustentabilidade humana passa pela superação das relações de
dominação e subordinação estabelecidas no capitalismo, e para isso é necessário que os professores e demais
profissionais da Educação se apropriem do instrumental político-pedagógico da Educação Ambiental. É
necessário que se promova uma visão de Educação Ambiental com a amplitude e a profundidade desejadas para
a superação da atual crise imposta pelo sistema capitalista, que perceba o meio ambiente em sua totalidade e
que esteja voltada para a sustentabilidade, compreendendo este como um conceito revolucionário.
Para formar cidadãos críticos e transformadores cabe antes criticar e transformar a própria instituição, e
direcioná-la rumo à versão ampla e profunda da Educação Ambiental, capaz de questionar o modelo de
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sociabilidade, de denunciar todos os abusos que vêm sofrendo a natureza humana e não-humana, e anunciar um
novo modelo, emergente, que procure superar as limitações impostas pelo capitalismo no que diz respeito à
plena realização do ser humano (VELASCO, 2009, p.151), e a lógica destruidora pregada pela exploração ad
infinitum da natureza em benefício da acumulação privada e descontrolada de riqueza por uma pequena parcela
da população, promovendo, por fim, uma sociedade em que sejam reconfiguradas as relações estabelecidas
entre seres humanos e entre estes e natureza.

Considerações Finais
A Educação Ambiental formal dotada de amplitude e profundidade contempla o que é proposto pela
Política Nacional de Educação Ambiental, à medida que percebe o meio ambiente em sua totalidade rumo à
sustentabilidade. Compreendendo a disputa por sentidos em torno da Educação Ambiental em si – posto a
existência de várias vertentes de Educação Ambiental (CARVALHO in LAYRARGUES, 2004, p.14) –, sempre
é necessário traçar esclarecimentos sobre quais abordagens devem ser tomadas para superar a crise ecológica
vivida e aprofundada na versão atual do capitalismo. A formação continuada visa dar conta desta especificação,
apontando a crítica e a transformação como horizontes desejados e desejáveis no processo educativo. Os
profissionais da educação ocupam, assim, uma posição privilegiada enquanto multiplicadores dos valores
voltados à sustentabilidade da vida no planeta, e a Educação Ambiental enquanto o meio pelo qual empreender
a caminhada rumo a esta sustentabilidade.

Referências Bibliográficas:
ANTUNES, Ricardo (org.). A dialética do trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2004.
BRASIL. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999.
CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação ambiental crítica: nomes e endereçamentos da educação. In
LAYRARGUES, Philippe Pomier (coord.). Identidades da educação ambiental brasileira. Brasília: Ministério
do Meio Ambiente, 2004.
VELASCO, Sírio Lopez. Introdução à educação ambiental ecomunitarista. Rio Grande: FURG, 2009.

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM ÁREAS PROTEGIDAS: QUEM ESTÁ AUTORIZADO
A FALAR (E A AGIR) EM NOME DO MEIO AMBIENTE?121
Vinícius Ramos Puccinelli122
Apoio CAPES

Resumo
Nesse trabalho tratamos da Educação Ambiental realizada em Unidades de Conservação. O objetivo foi analisar
e problematizar as principais características dos projetos e práticas de Educação Ambiental desenvolvidas
nestes espaços no contexto brasileiro. Tomamos como objeto de análise publicações da Revista Eletrônica do
Mestrado em Educação Ambiental que tratam do tema, além disso, consideramos outros materiais e
experiências de campo, como projetos junto as Unidades de Conservação. A partir destes materiais,
descrevemos algumas características que predominam nos projetos de Educação Ambiental em áreas
protegidas: a) Muitos projetos são pautados pela ―sensibilização ambiental‖ das populações de entorno; b) as
relações entre educadores ambientais e público alvo se dão de maneira unidirecional e; c) os projetos de
Educação Ambiental pouco dialogam com a desigualdade ambiental, traço marcante no contexto de Unidades
de Conservação. Por fim, refletimos que estes projetos apesar de variarem de acordo com os atores que os
realizam, muitas vezes acabam por ofuscar as relações desiguais que se estabelecem a partir da apropriação
material do meio ambiente.

Palavras-chave: Educação Ambiental. Unidades de Conservação. Desigualdade Ambiental.

Introdução
As disputas entre visões concorrenciais acerca do tema Áreas Protegidas não se trata de nenhuma
novidade. Dentro do campo científico (BOURDIEU, 2002), por exemplo, existe um embate teórico entre
antropólogos, cientistas sociais, biólogos, filósofos e outros atores que constituem os pares concorrentes deste
campo. Outros atores comumente envolvidos voluntariamente e/ou involuntariamente nesse ―tema quente‖
(GERHARDT, 2008) são os pescadores artesanais, os latifundiários e representantes do agronegócio,
agricultores familiares, moradores de áreas rurais e, claro, os gestores e fiscais destas áreas.
O modelo atual de áreas protegidas foi implementado no Brasil na década de 1930 através do Parque
Nacional do Itatiaia (1937), localizado na divisa de Minas Gerais com o Rio de Janeiro, mas foi somente entre
as décadas de 1970 e 1980 que este modelo começou a ser intensificado com a criação de diversas áreas de
proteção de norte a sul do país (SETE, 2010). De acordo com Orlando (2009), até o final dos anos de 1980,
foram criadas setenta e quatro (74) Unidades de Conservação123(UC‘s). Segundo o mesmo autor, com a difusão

121
Parte deste título foi inspirada pelo subtítulo do texto:
Almeida, J.; Gerhardt, C. ―ECOLOGIZAÇÃO‖ E DOMINAÇÃO: A PROBLEMÁTICA AMBIENTAL NOS ESPAÇOS RURAIS.
Encontro da ANPPAS, p. 01-08, 2004. No qual serviu de motivação e referência para este trabalho.
122
Biólogo; mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental, ambos pela Universidade Federal de Rio Grande, e
pesquisador do Observatório de Conflitos Socioambientais do Extremo Sul do Brasil.
123
Unidades de Conservação conforme previstas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação SNUC (9.985/00), são divididas
em dois grandes grupos: 1) De proteção integral: Estação Ecológica; Reserva Biológica; Parques; Monumento Natural e Refúgio da
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da noção de desenvolvimento sustentável, a partir da RIO – 92, entre o início dos anos de 1990 até 2008, foram
criadas cento e dezessete (117) Unidades de Uso Sustentável (UUS‘s) e quatorze (14) Unidades de Proteção
Integral (UPI‘s). O aumento considerável dessas áreas (hoje, 17% do território brasileiro) suscitou a
implantação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, instituído pela Lei nº. 9.985/00) no ano
2000, como destaca Martins (2012):
―Sinaliza a consolidação da política nacional de gestão territorial de espaços naturais. [...] Em recente
avaliação do SNUC, o Ministério do Meio Ambiente (2010) afirma que a criação de UC‘s continua sendo
uma das principais estratégias da política ambiental brasileira. [...] Estes dados refletem a dimensão dos
desafios embutidos nas políticas de gestão territorial de cunho ambiental e evidenciam a necessidade de
aprofundar o conhecimento teórico e empírico sobre as áreas protegidas‖ (p. 02).

Desde a década de 1930 até hoje as UC‘s no Brasil assumiram muitas formas de serem estabelecidas nos
territórios, em diferentes categorias previstas pelo SNUC (9.985/00). A criação de um elevado número em
UUS‘s - que permitem algumas formas de uso ―sustentável‖ - comparado à criação de UPI‘s (sem possibilidade
de uso direto) nos últimos anos revela a adaptação deste modelo não somente à realidade brasileira, mas de
outros países que tiveram problemas e conflitos com a criação de áreas protegidas. Dessa forma, os grandes
parques ao típico modelo Yellowstone124 foram adaptados para garantir sua permanência, principalmente nos
países do sul.
Independentemente do modo como se estabelecem, as UC‘s, de norte a sul do Brasil, carregam consigo
uma constante: O conflito125. Como já destacamos a intensificação das implantações das áreas protegidas se deu
nas décadas de 1970 e 1980, normalmente se frisa que foi também o auge dos movimentos ambientalistas, que
inquestionavelmente foram de relevante importância para a efetuação dessas áreas. Porém, cabe lembrar o
contexto político brasileiro: a ditadura militar. Trazemos este fato, pois ao fazermos as pesquisas de campo
sobre este tema frequentemente nos deparamos com relatos, principalmente daquelas pessoas que vivenciaram
este processo inicial das implantações das áreas protegidas, sobre ações policialescas dos gestores e fiscais
ambientais para a dominação do território126 e, um pouco depois, a ―violência jurídica‖ como observou Sete
(2010) ao entrevistar um morador próximo da, hoje, Estação Ecológica do Taim (ESEC – Taim, Rio Grande do
Sul), que diz: ―aqui as decisões são tomadas sem conversas com as pessoas, só chega com papel e já esta na
rua‖ (SETE, 2010, p. 88).

Vida Silvestre. 2) De uso sustentável: Área de Proteção Ambiental; Área de Relevante Interesse Ecológico; Floresta Nacional;
Reserva Extrativista; Reserva da Fauna e Reserva Particular do Patrimônio Natural.
124
O Yellowstone National Park foi criado em 1872, considerado o primeiro parque conservacionista das Américas e patrimônio
mundial pela UNESCO. Frequentemente é citado como modelo ideal para a conservação.
125
Entendemos o conflito conforme Acselrad (2004) tendo sua origem quando grupos de diferentes modos de apropriação, uso e
significação do território, têm suas formas de apropriação ameaçadas ou comprometidas devido aos impactos indesejáveis decorrentes
do exercício das práticas de outros grupos.
126
Ver também:
Alarcon e Torres (2014). Disponível em:
http://www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/blog/pdfs/nao_tem_essa_lei_no_mundo_ebook.pdf último acesso
em 16/10/15. Último Acesso 19/10/2015.
Silva, R. A.; Bonotto, D. M. CRIANÇAS E ADOLESCENTES MORADORES DE UMA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO: QUAL
EDUCAÇÃO AMBIENTAL OFERECER-LHES? Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, v. 20, p. 274-292, 2008.
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Neste contexto de conflito e conforme a Coordenação de Educação Ambiental do Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBIO, a Educação Ambiental - EA em áreas protegidas tem
―foco no fortalecimento de ações institucionais que promovam a qualificação da participação social na gestão e
a promoção da sociobiodiversidade‖ (ICMBIO, [2015]). Porém, dentro do quadro de desigualdade ambiental
que permeiam as UC‘s de todo o Brasil, perguntamo-nos: Quais características predominam em projetos e/ou
pesquisas em EA nas áreas protegidas?
Orientados por este questionamento fizemos um levantamento das publicações da Revista Eletrônica do
Mestrado em Educação Ambiental – REMEA, através das palavras-chave: ―Educação ambiental‖ e ―áreas
protegidas‖. Por meio desta busca obtivemos acesso a quatorze (14) artigos, com a data das publicações
variando de 2005 a 2014, e compreendendo as regiões do Nordeste (6), do Sudeste (2), do Centro-oeste (2) e do
Sul (4). Detemo-nos na leitura e fichamento dos artigos destacando quem faz e como faz, através de qual
perspectiva, e qual a intencionalidade do fazer os projetos e pesquisas em EA.
Dessa forma, organizamos nossa reflexão da seguinte maneira: Primeiramente, a partir de Swyngedouw
(2011) e Foladori & Taks (2004), discutiremos sobre a questão do equilíbrio ecossistêmico, argumento presente
em sete (7) dos quatorzes (14) materiais consultados. Na sequência traremos, a partir do material empírico,
características comuns da EA apresentada nos artigos. Por fim, refletiremos articulando o tema com as questões
suscitadas pelo campo da Desigualdade Ambiental. Para dar conta de uma análise reflexiva nos apoiaremos nas
categorias dos conflitos socioambientais (SATO; SILVA, 2012; ZHOURI, 2014), da justiça e da igualdade
ambiental (ACSELRAD, 2012), da sociologia reflexiva (BOURDIEU, 2004) e da decolonialidade (QUIJANO,
2014).

Sobre o equilíbrio ecológico e a despolitização das questões ambientais


O argumento mais utilizado em espaços que discutem áreas protegidas afirma que: ―É preciso
reestabelecer o equilíbrio ecossistêmico de nossos biomas127‖. Não precisamos dizer quão polêmica são as
questões ambientais e os embates sobre este suposto retorno ao equilíbrio ecológico um dia, supostamente,
existente.
Dentro deste mesmo léxico argumentativo temos os famosos problemas: ―Aquecimento global‖,
―extinção das espécies‖, ―transformação das paisagens‖, ―perca de recursos energéticos‖ e etc. Temos, também,
as soluções: ―desenvolvimento sustentável‖, ―créditos de carbono‖, ―redução de sacolas plásticas‖, ―empresas
‗amigas‘ do meio ambiente‖ e etc. Por último, encontramos o suposto responsável por tudo isso: O ―ser
humano‖, deslocado de sua condição de classe e de determinadas relações sociais.
Todos estes são termos que, nas últimas três décadas, e com certo esforço, foram e continuam sendo
realocados do senso erudito (aqueles que partem ou são revisados pela atividade científica) para o senso comum

127
Esse, por exemplo, foi o tema principal do I Seminário de Conservação da Biodiversidade da Planície costeira do Rio grande do
Sul, realizado em parceria com a Universidade Federal de Rio Grande - FURG e o ICMBIO.
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(retorno ao domínio público) (BOURDIEU, 2002). Por exemplo: ―Ninguém pode sentir o aquecimento global:
quem determina o grau, a amplitude e os efeitos da problemática ambiental são agora os cientistas‖
(FOLADORI; TAKS, 2004, p. 331).
Em nossa perspectiva este léxico discursivo omite a desigualdade na apropriação material dos
territórios, justamente, pois:

―Essas assimetrias revelam a hegemonia de determinadas categorias do pensamento que pretendem


construir o debate ambiental como global, universal e consensual, obscurecendo as relações de poder que,
de fato, existem e promovem o deslocamento da política para a economia, do debate sobre os direitos para
o debate sobre interesses.‖ (ZHOURI, 2010, p. 444).

Como exemplo, destacamos um projeto do ICMBIO em parceria com a empresa VALE S.A, que
―desenvolve atividades de educação ambiental nas comunidades locais para reduzir os impactos da caça na
região‖ (ICMBIO, 2011, grifo nosso), revelando a incoerência deste tipo de projeto, visto que a própria VALE
S.A carrega consigo inúmeros casos de conflitos socioambientais relacionados às suas atividades 128. Por isso,
―precisamos perguntar-nos de que maneira definições particulares de natureza servem a interesses de grupos
particulares‖ (ELLEN, 1996, p. 28).
Com a disputa pela hegemonia e, consequentemente, a conquista pela ―autorização‖ em falar e agir em
nome do ―meio ambiente‖ e/ou da ―natureza‖ parece que, se realmente existe um assunto ―universalizado‖, esse
é o do debate ambiental. Aparentemente, Williams (1980) acertou quando concluiu que ―a [palavra] Natureza é
uma das metáforas mais potentes e performáticas da língua, tanto a nível social quanto político‖. Um exemplo
disso foram as ―armas‖ de campanha de Al Gore em 2000, concorrente direto de Jorge W. Bush para a
presidência dos EUA, que (ab)usava de suas ditas ―verdades inconvenientes‖ sobre a crise ecológica. Badiou
(2008) afirma que:

―[...] a ascensão dos ―direitos da natureza‖ é uma forma contemporânea de ópio para as massas. É uma
religião camuflada: a preocupação com tudo exceto o próprio destino dos povos, novo instrumento para o
controle da vida cotidiana, [...] Se trata de uma operação gigantesca de despolitização dos sujeitos‖ (p.
139).

A justificativa pela manutenção do equilíbrio ecológico planetário (ou ecossistêmico) esvazia o debate
ambiental de significado político no sentido de que somente alguns 129 são autorizados a determinar o que é um
―ambiente ecologicamente equilibrado‖, ao mesmo tempo em que esse tal ―equilíbrio‖ pode ser flexibilizado se
o ambiente em questão estiver na mira de um Grande Projeto de Desenvolvimento, por exemplo.
Sobre a necessidade do retorno às supostas sociedades ecologicamente equilibradas, Badiou (2008)
entende como uma atribuição onde a ―natureza‖ acolhe desejos e fantasias, nesta concepção ela é vista como
―um outro‖ que se bem atendido reestabelecerá seu equilíbrio. Nesse sentido, a busca da ―sustentabilidade‖ ou

128
Ver: https://atingidospelavale.wordpress.com/ último acesso 16/10/15.
129
Cientistas, Gestores, Empresas de Consultoria e etc.
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―equilíbrio‖ desta ―natureza‖ externa às relações sociais, parte do fracasso (talvez intencional) de se pensar e
efetuar, dentro de nossa materialidade social, alternativas que superem o nosso modelo político de sociedade.
Afinal, para alguns ―é mais fácil imaginar o final do mundo que imaginar o final do capitalismo‖ (JAMESON,
2003, p.76).
Obviamente, não se trata de negar a crise socioambiental que se apresenta como uma realidade histórica,
pois não se origina a partir da emergência de um novo modelo societário, mas é produzida pelas próprias
contradições inerente ao capitalismo. Também, não condiz com o ―estúpido gesto de rechaçar ‗o real‘ de todas
as coisas, sentimentos, e processos associados com a natureza‖ (SWYNGEDOUW, 2011, p. 43), mas de alertar
que todas essas atribuições à natureza, ao meio ambiente e mesmo a própria constituição do campo da EA
possuem intencionalidade política determinada e, por isso, não se formam em um vazio histórico. Daí a
importância de tentarmos expor com clareza as questões e direcionamentos políticos do campo ambiental.
Para Swyngedouw (2011):

[...] Não há nenhuma natureza aí fora que precise ou requeira a salvação em nome da própria natureza ou
de uma humanidade genética. Não há nada fundante na natureza que requeira, exija, ou precise ser
sustentado. O debate e as controvérsias sobre a natureza e sobre o que fazer com ela indicam pelo
contrário nossa incapacidade política para embarcarmos em uma discussão diretamente política e social
que permita adotar estratégias de repensar as coordenadas socioecológicas da vida cotidiana, a produção
de novas configurações socionaturais e o questionamento à organização sócio-metabólica que habitamos
– algo habitualmente chamado capitalismo‖ (p. 49).

Voltando ao questionamento de Ellen (1996), precisamos examinar em que medida as definições


oficiais de natureza simplesmente legitimam as práticas dos agentes políticos e o grau em que combinam
definições de diferentes grupos de interesse. O que percebemos é que, apesar do campo ambiental ser um
campo ―vivo‖ em discussões, os órgãos ambientais brasileiros ainda legitimam uma visão hegemônica de
natureza para a dominação material e simbólica dos territórios. Como notaram Almeida & Gerhardt (2004):

―[...] é muito intenso o nível de esforço em termos de mudança comportamental que está sendo exigido,
em um primeiro momento, das pessoas de um modo geral no sentido de se disciplinarem e de
incorporarem e assimilarem estes novos padrões ecológicos de sociabilidade. Mas, acima de tudo, mostra
as contradições existentes deste processo‖ (p. 02).

Contradições estas que ficam expostas quando os conflitos socioambientais são publicizados, por meio
de estudos que abordam o conflito socioambiental130 ―com o intuito de evidenciar os múltiplos sentidos
atribuídos pelos atores às suas bases materiais, assim como as assimetrias sociais na distribuição de recursos,
espaço e poder em UCs‖ (MARTINS, 2012, p. 01). Mas, como quem domina se encarrega de apropriar-se de
quase tudo que se apresenta como potencialmente transformador, é possível observar estratégias de diluição de
conflitos utilizando do mesmo discurso do ―equilíbrio‖, da ―harmonia‖ e de tudo ―que rechaça a
heterogeneidade antagônica do social‖ (SWYNGEDOUW, 2011, p. 53).
130
Ver também: Little, P. A ETNOGRAFIA DOS CONFLITOS SÓCIO-AMBIENTAIS: bases metodológicas e empíricas. Anais do I
Encontro da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade - ANPPAS. 2004.
269
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Uma das orientações seguidas pelo Ministério do Meio Ambiente que se reflete nas ações do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e ICMBIO é o tratado elaborado
pela Convenção da Diversidade Biológica - CDB131. Esta demanda ―global‖ ou a eleição (feita por aqueles que
podem eleger) do que é supostamente ―prioritário para a salvação da biosfera‖ carrega consigo algumas
características que abordamos aqui anteriormente. Isto vai repercutir no cotidiano de muitos brasileiros,
sobretudo os moradores de áreas de entorno de UC‘s, e a marginalização dos grupos de menor apropriação
material e simbólica por serem (como são acusados) ―resistentes‖ à mudança de seus modos de vida e a forma
como percebem e (re)produzem a natureza.
Até aqui, buscamos elucidar como as formas de dominação vão se adaptando e sendo produzidas e
reproduzidas através do cotidiano (LEFEVBRE, 1973), por meio da colonialidade ―daqueles que sabem‖ e
estão autorizados a falar e agir em nome do meio ambiente, e impõe uma série de limitações na vida ―dos que
não sabem‖, ―dos que precisam ser conscientizados‖ como vemos em determinados argumentos, inclusive em
trabalhos científicos. Ainda que as soluções meramente tecnológicas que cientistas podem receitar sejam
insuficientes para os problemas, entendemos que se o ofício científico ou o artesanato intelectual (GODIM &
LIMA, 2006) podem colaborar na transformação efetiva da sociedade, esta colaboração reside na
desnaturalização das relações sociais (BOURDIEU, 1983), sendo essa também a tarefa da Educação Ambiental,
sobretudo em territórios de conflito com as UC‘s.

Educação Ambiental em UC‟s: quem são os “ambientalmente inconscientes”?

―[...] o comportamento determinado dos homens, em face da natureza, condiciona o comportamento entre
eles, e o comportamento determinado entre eles condiciona, por usa vez, as suas relações determinadas
com a natureza‖.
(MARX; ENGELS, 1953 apud IANNI 1987, p. 56).

Dos quatorzes (14) artigos analisados neste trabalho, cinco (5) 132 aproximaram, por vezes igualaram, a
EA com a Conscientização Ambiental. Ainda, quatro (4)133 fizeram aproximações da EA com/para a
sensibilização ambiental. Quanto a quem elabora ou executa estes projetos onze (11) trabalhos apresentaram
pelo menos um autor ou coautor com a formação na área de Ciências da Natureza. O público alvo se dividiu em
dois grupos principais: Crianças (7); Ecoturistas ou visitantes de áreas protegidas (5)134. Quanto a perspectiva
adotada três (3)135 se auto-intitularam partidários de uma EA crítica, apesar dos outros trabalhos não se

131
―Para proteger a fauna do Brasil, o Governo Federal assumiu, no âmbito da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), o
compromisso de adotar medidas para prevenir a extinção de espécies (Decreto Nº 2.519 de 16 de março de 1998)‖. Disponível em:
http://www.icmbio.gov.br/portal/comunicacao/noticias/4-destaques/4810-protecao-da-fauna-brasileira-e-o-tema-do-dia-internacional-
da-biodiversidade.html Último acesso 20/10/2015.
132
Número por regiões: (1) sul; (3) nordeste; (1) centro-oeste.
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Número por regiões: (2) nordeste; (2) sul.
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Abrangendo todas as regiões encontradas.
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Número por regiões: (2) sul; (1) centro-oeste.
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posicionarem no campo da EA cinco (5) expressaram claramente que a EA é uma ferramenta para a
conservação ambiental.
Exemplos como um projeto de EA que visa ―sensibilizar‖ crianças que são moradoras de uma área de
proteção ambiental para o cuidado com a preservação do ambiente onde vivem; ou outro, que salienta seguir os
pressupostos de uma EA ―crítica‖, ―dialógica‖ e ―emancipatória‖ visa ―conscientizar‖ os alunos para o
monitoramento da qualidade da água; ou uma ONG que desenvolve um projeto de EA, patrocinado por uma
empresa petrolífera, visando uma mudança de ―percepções, pensamentos e valores‖ dos pescadores artesanais e
que precisam adaptar-se às novas restrições agora atribuídas ao território devido à implantação de uma UC. São
exemplos genéricos, mas que expressam um pouco do que encontramos no levantamento de artigos
relacionados à EA e UC‘s publicados na REMEA da FURG.
Encontramos, também, muitas parcerias público-privadas entre os órgãos ambientais e grandes empresas
e, como reflexo, o que seria uma possibilidade de enfrentamento à lógica da dominação, por vezes acaba
reforçando-a. Organizações Não Governamentais – ONG‘s constituem outra presença marcante nos projetos de
EA em áreas protegidas, apesar de, no mais das vezes, reproduzirem a mesma lógica.
As metodologias encontradas foram das mais variadas formas, sendo a entrevista semi-estruturada a
mais frequente. Ainda na questão metodológica nos chamaram a atenção algumas metodologias que se
propunham em aumentar a ―percepção ambiental‖ ou ―alfabetizar cientificamente‖ o público alvo. Aspectos
metodológicos como estes revelam o aspecto unidirecional entre o Educador Ambiental (aquele que sabe e está
autorizado a falar em nome do meio ambiente) e o público alvo (os ―analfabetos científicos‖ que precisam ser
conscientizados).
Dentre os trabalhos a grande maioria tratava de uma EA que visa o aumento da ―percepção
ambiental136‖, ou da ―conscientização137‖, ou de uma EA para a ―sensibilização138[139]‖. Projetos deste cunho
obscurecem a heterogeneidade desigual das relações socioambientais e despolitizam as questões ambientais ao
reducionismo vulgar em que existem grupos que são ambientalmente ―inconscientes e/ou insensíveis‖ e por isso
precisam ser ―educados‖. Visivelmente uma relação unidirecional.
Resultados de projetos como estes foram percebidos em nossas saídas de campo nas comunidades
próximas a Estação Ecológica do Taim. Nota-se que os jovens, muitos vivendo em uma realidade socialmente
precarizada, no que diz respeito ao acesso a educação, moradia, trabalho e etc. tinham na ponta da língua o

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Exemplo: ―Uma questão crucial para o sucesso dos programas de EA é a adoção de ferramentas adequadas para que cada grupo
atinja o nível esperado de percepção ambiental‖ (JACOBI et al., 2004 apud TORRES; OLIVEIRA, 2008, p. 231).
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Exemplo: ―A EA seria uma ferramenta de conscientização ambiental dos jovens estudantes do ensino fundamental da APA [de
Genipabu] que contribuiria para sensibilização dos demais moradores na busca da conservação da área que apresenta um forte
potencial turístico‖ (OLIVEIRA; TORRES, 2008, p. 481).
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Exemplo: ―SENSIBILIZANDO ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL I QUANTO À POLUIÇÃO POR LIXO
MARINHO‖ (NETO et al., 2011).
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É importante destacar que não estamos investindo em uma tentativa classificatória dos projetos de EA. Pois, até mesmo alguns
projetos reivindicados como críticos não fogem da lógica unidirecional e reducionista. Ou seja, há certo consenso entre os pares do
campo da EA de que se reivindicar como crítico é algo positivo para se afirmar no campo. A pergunta que fica é: Nos dias atuais,
quem se auto-intitula conservacionista dentro do campo da EA?
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discurso consensual de que eram responsáveis pela ―preservação da natureza‖ e por isso precisavam se adaptar
as novas regras da UC em nome da preservação do meio ambiente. O mesmo discurso não se repete com os
moradores mais antigos, que vivenciaram episódios de violência simbólica. Fato compreensível, visto que as
crianças e os jovens são o ―centro do alvo‖ destes tipos de projetos. É o que confirma um dos artigos
consultados: ―[...] trabalhar EA com crianças é bem mais fácil. O mesmo não se pode dizer quando os
educandos são adultos‖ (OLIVEIRA; TORRES, 2008, p. 482).
Para Zhouri (2010):

―Na sociedade, os sujeitos sociais apresentam-se como portadores de relações e interações diferenciadas
com o meio ambiente, considerado como uma construção ao mesmo tempo simbólica, social e material.
Além de diversos, os sujeitos se localizam desigualmente na sociedade. São, então, portadores de visões
concorrenciais sobre o meio ambiente e a natureza. Fato que chama a atenção para as desigualdades na
distribuição dos recursos naturais [desigualdade ambiental] e dos riscos do desenvolvimento [injustiça
ambiental]‖ (p. 444).

Cabe reconhecermos então que tanto no campo científico (onde normalmente estão inseridos os que
executam os projetos de EA) como no campo social dos grupos a quem são destinados estes projetos, existem
disputas entre visões concorrenciais e diferentes apropriações materiais e simbólicas. Uma das alternativas que
vamos construindo ao trilhar este caminho é o próprio ―reconhecimento do caráter e da intenção extremamente
políticos existentes nas questões ambientais, que não podem ser entendidas sem considerar as relações sociais‖
(LITTLE, 2004, p. 01).
Da mesma forma, estamos percebendo como uma, entre outras, possibilidades, pensarmos na construção
de uma ciência mais modesta (SANTOS, 2002) que para além de impor o ―único‖, o ―verdadeiro‖, pense na
construção, necessariamente coletiva, de decolonialidade (QUIJANO, 2014), que inversamente proporcional à
imposição da hegemonia tente criar espaços de contra-hegemonia que só são possíveis em uma unidade que
pressuponha a diversidade das diferentes formas de ser/estar no mundo, ou das diversas formas de lê-lo e
compreendê-lo, como vem trabalhando Carvalho (2013) com outras epistemologias. Obviamente, sem perder
de vista a localização desigual que os sujeitos ocupam na sociedade.
Outra possibilidade é que, apesar da disparidade em relação à obtenção dos benefícios ambientais, o que
resulta em consequências negativas que o modo de exploração gera e direciona aos grupos com menor
apropriação material e simbólica, sempre haverá o conflito.
Esses conflitos, como explica Machado (2014):

―No momento em que ocorrem, produzem uma ruptura momentânea daquele discurso e das práticas
associadas a ela, e assim os envolvidos têm um vislumbre do contraditório, de projetos, de visões de
mundo e, portanto, o único perde seu lugar para o diverso e o diferente. O momento abre espaço ao devir
(Lefebvre), a possibilidade de, para além daquele momento de ruptura, avançar para aproximar e
identificar a diferença entre este, e o diverso do desigual‖ (p. 01).

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Se o conceito de conflito ambiental se traduz em uma ferramenta importante para interpretarmos as
desigualdades de apropriação do ambiente, os conceitos de injustiça e desigualdade ambiental reforçam a nossa
análise, contrapondo às visões dos ―capitalistas esverdeados‖, ―partidários da modernização ecológica que
tendem a não considerar a presença de uma lógica política a orientar a distribuição desigual dos danos
ambientais‖ (ACSELRAD, 2001, p. 01). A desigualdade ambiental revela-nos o desafio que os gestores de
UC‘s devem enfrentar se pretendem trilhar uma trajetória que rompa com a lógica da dominação entre os
diferentes (e antagônicos) grupos sociais, pois explicita que é a partir da realidade material que os sujeitos
constituem seu poder simbólico, e não ao contrário.

Considerações finais
Este artigo abordou características comuns dos projetos de EA em áreas protegidas. É importante
lembrar que, apesar de compartilharem muitas experiências semelhantes a nível nacional, oriundos de suas
próprias contradições, cada área de proteção possui sua peculiaridade, o que corresponde à dinâmica territorial
onde está inserida.
A nossa intenção é avançar no sentido aparência-essência das contradições que fazem com que estas
áreas muitas vezes ganhem um caráter elitista garantindo a exploração feita por empreendedores, donos do
agronegócio, pescaria industrial, entre outros e consequentemente a precarização da vida dos grupos mais
pobres. Como primeiros passos, em um estranhamento de nossas próprias certezas, sugerimos revisarmos as
concepções despolitizantes e hegemônicas das questões ambientais, pois tais projetos que aparentemente são
tentativas de ―salvar‖ uma natureza externa que precisa ―retornar ao seu equilíbrio‖, quando materializados
através dos órgãos ambientais, trazem severas consequências na vida cotidiana, obviamente, dos grupos mais
empobrecidos nos quais, muitas vezes, não possuem sequer a possibilidade de negar estes projetos quando
impostos.
Entendemos que é importante realizar o ofício intelectual a partir de e com os dominados, talvez um dos
nossos maiores desafios. Neste percurso decolonial, difícil é verdade, mas não impossível, a partir da
experiência vivida, vamos aprendendo alternativas de rompimento com toda e qualquer relação de dominação,
nas quais por vezes, nós mesmos, na ―ânsia‖ de transformar o mundo, acabamos (re)produzindo.

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA ESCOLA: AS VIVÊNCIAS COM A NATUREZA E A
ATUAÇÃO DO PROGRAMA NÚCLEO DE ENSINO DA UNESP, CÂMPUS DE
ROSANA/SP

Fernando Protti Bueno140


Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD), Programa Núcleos de Ensino da UNESP

Resumo
A educação ambiental na escola tem se mostrado passível de ser implantada por diferentes modalidades, seja
por meio da execução de projetos de ação, ambientalização da educação, inserção em projetos políticos
pedagógicos ou mesmo por meio de tema transversal. Na tentativa de atuar com um projeto de educação
ambiental na escola, o presente artigo busca evidenciar alguns dos resultados da intervenção pedagógica de
vivências com a natureza realizada com discentes e professores do ensino fundamental e médio de uma escola
pública localizada no município de Rosana/SP, nos anos de 2013-2014. A pesquisa e ação se utilizaram da
metodologia do aprendizado sequencial de Joseph Cornell, bem como de um roteiro de observação
sistematizado para a coleta e análise de dados. Os resultados evidenciam as qualidades e as vantagens da
metodologia, possível de contribuir com a sensibilização e a ampliação da consciência ambiental dos discentes
e dos professores.
Palavras-chave: Educação ambiental. Vivências com a natureza. Aprendizado Sequencial.

Introdução
A educação ambiental considerada e assumida, em linhas gerais, enquanto um campo de conhecimento e
de práticas pedagógicas, inseridas em um contexto de relações entre a sociedade, a educação e o meio ambiente,
tem ao longo do tempo buscado compreender complexidade dos problemas socioambientais, bem como
oferecer condições para fundamentar e subsidiar uma variada gama de intervenções sociais, posicionadas no
campo da educação, na tentativa de promover transformações em distintas realidades ante as problemáticas
ambientais globais e/ou locais (LIMA, 2011).
Diante disso e com base na Política Nacional de Educação Ambiental, que institucionaliza a educação
ambiental e estabelece diretrizes norteadoras a sua prática, a educação ambiental inserida no contexto escolar
(educação ambiental no ensino formal), visa promover práticas educativas nos diferentes níveis de ensino
(BRASIL, 1999). As escolas, prioritariamente as públicas por concentrarem a maior quantidade de público alvo
abrangido, são consideradas enquanto espaços privilegiados para a prática de educação ambiental, dessa forma,
se acentua o desafio em criar estratégias pedagógicas e metodológicas para o trabalho com educação ambiental
(LIMA, 2011).
Baseados na pesquisa coordenada por Trajber e Mendonça (2007) sobre a educação ambiental
desenvolvida no ensino fundamental público brasileiro, Loureiro e Cossío (2007) e Lima (2011) convergem
para a expansão quantitativa da educação ambiental inserida nos espaços escolarizados, bem como pontuam
que a criatividade e a riqueza das experiências desenvolvidas, prioritariamente estão concentradas em projetos
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Mestre em Turismo e Hotelaria pela UNIVALI; Professor do Curso de Turismo da UNESP, Campus de Rosana/SP; e-mail:
fbueno@rosana.unesp.br

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de ação, que objetivam em sua maioria sensibilizar para o convívio com a natureza, perfazendo, desse modo, o
que Cascino (2003) já mencionava sobre âmbito das práticas pedagógicas na contemporaneidade, a qual tem
situado práticas pedagógicas com o ambiente, na tentativa de promover mudanças na relação homem-natureza,
trata-se de fato de uma reapropriação e reaproximação da natureza pelo homem.
Nesse sentido, Mendonça e Neiman (2003) esclarecem que o trabalho de educação ambiental em
atividades extraclasse, prioritariamente o contato com a natureza, tem o potencial de modificar as formas de
sentir e isso desencadeia o processo de autopercepção, e, portanto, emerge a partir disso a ampliação e o
conhecimento de si e do mundo ao seu redor.
A partir desse contexto, buscou-se desenvolver um projeto de educação ambiental na escola141, o qual se
utilizou das vivências com a natureza, a partir do uso da metodologia do aprendizado sequencial (CORNELL,
1996; 1997; 2005; 2008), como forma de proporcionar o contato direto dos discentes com a natureza. O
objetivo almejado é descrever a proposta de vivências com a natureza, bem como discutir alguns dos resultados
provenientes da realização destas, consideradas enquanto uma possível contribuição à sensibilização e a
ampliação da consciência ambiental destes discentes.
As vivências com a natureza junto aos discentes foram realizadas em dois momentos distintos: o
primeiro no ano de 2013 junto a área da sede e na Trilha do Cedro; e o segundo, já no ano de 2014, junto a
Trilha do Mico, ambos na Estação Ecológica do Caiuá, unidade de conservação de proteção integral, localizada
no município de Diamante do Norte (PR), divisa com o município de Rosana (SP). A amostra da execução do
projeto e, consequentemente da pesquisa, foi intencionalmente selecionada pela escola 142, e, basicamente,
compreendeu as turmas A, B e C do 6º ano do ensino fundamental, as turmas B e C do 7º ano do ensino
fundamental e a turma B do 1º ano do ensino médio, totalizando em torno de 150 discentes143. Já junto ao grupo
de professores da escola, as vivências com a natureza foram realizadas em um único momento no ano de 2014,
sendo realizada uma vivência no período da manhã e outra no período da tarde, envolvendo 33 professores de
um universo de cerca de 60 professores. Para a vivência junto ao grupo de professores participante o projeto se
utilizou de uma área natural (bosque de eucaliptos) localizada em meio ao ambiente urbano.
A proposta se utilizou prioritariamente dos referenciais de Cornell (1996; 1997; 2005; 2008), tanto no
aspecto de suporte teórico e metodológico da pesquisa, bem como à execução das vivências. A coleta e análise
de dados, foi possível a partir de um processo de pesquisa-ação, que se utilizou de um roteiro de observação

141
O projeto foi intitulado ‗Vivências com a Natureza: sentir, pensar e agir‘ e foi realizado no período de 2013-2014 como um dos
projetos do Programa Núcleos de Ensino da UNESP, que basicamente visava desenvolver ações de intervenção educativa e processo
de formação de professores em parceria com as escolas públicas. O projeto foi desenvolvido pelo Curso de Turismo da UNESP,
campus de Rosana em parceria com a Escola Estadual Professora Maria Audenir de Carvalho, localizada no Distrito de Primavera,
município de Rosana/SP.
142
A escola justificou a escolha devido as características sócio comportamentais das turmas, a realidade social da escola, e a inclusão
das chamadas turmas vulneráveis (de recuperação intensiva).
143
Esta caracterização se refere ao ano de 2013 (primeiro momento), pois no ano de 2014 as turmas eram as mesmas, mas em seus
anos subsequentes (7º e 8º anos do ensino fundamental e 2º ano do ensino médio).

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sistematizado (MARCONI; LAKATOS, 2010) desenvolvido com base nos pressupostos evidenciados no
quadro do aprendizado sequencial (quadro 01), bem como ordenado a partir de fatores comportamentais;
atitudinais; valorativos; perceptivos e afetivos, sendo este roteiro preenchido ao longo da execução das
atividades. Além deste, também se utilizou do registro fotográfico das atividades realizadas, como forma de
ilustrar as diferentes situações experienciadas pelos discentes e os supostos potenciais atingidos pela
sensibilização. A partir da abordagem qualitativa e do caráter exploratório e descritivo da pesquisa (LUDKE;
ANDRÉ, 1986), buscou-se explorar, analisar e aprofundar sobre as qualidades e as vantagens que o uso da
metodologia do aprendizado sequencial pode despertar no indivíduo durante um processo de vivência com a
natureza, sendo este tratado como forma de desenvolver educação ambiental no contexto escolar. A análise dos
dados gerados, tanto pelas anotações realizadas durante as observações e preenchimento do roteiro, quanto das
descrições dos registros fotográficos, foi realizada por meio de análise descritiva (MARCONI; LAKATOS,
2010).
Sendo assim, pelas vivências com a natureza serem consideradas como uma forma de interação e de
contato direto e profundo com a natureza, por meio da qual se dá o aprendizado a partir de um aspecto
sensitivo, inserido no corpo e na mente dos indivíduos que vivenciam os aspectos relativos à natureza (física e
humana) e, com isso, podem apreender sobre si, sobre os outros e sobre a sua relação com o ambiente, de modo
a produzir conhecimento, no campo da educação ambiental, esta consiste, então, em uma proposta de
experimentação de conceitos de observação das emoções, dos sentimentos e dos pensamentos, com o objetivo
de contribuir para com as relações dos indivíduos consigo, com o outro e para com o meio ambiente, bem como
com a ampliação da consciência ambiental.

A educação ambiental na escola e as vivências com a natureza


Ao considerar a educação ambiental, a partir dos preceitos da Conferência Intergovernamental de
Tbilisi, como ―[...] um processo de reconhecimento de valores e clarificação de conceitos, objetivando o
desenvolvimento das habilidades e modificando as atitudes em relação ao meio, para entender e apreciar as
inter-relações entre os seres humanos, suas culturas e seus meios biofísicos‖ (1977 apud SATO, 1999, p. 23-
24), parte-se do pressuposto de que a mera transmissão de informações e de conhecimentos, tida por muitos
como elementos base da educação, dificilmente consiga atingir o que se preconiza nesta definição.
Ao vislumbrar a educação ambiental brasileira, institucionalizada por meio da Política Nacional de
Educação Ambiental (BRASIL, 1999), como um ―componente essencial e permanente da educação nacional,
devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo em caráter
formal e não-formal‖ e devendo ser desenvolvida como uma prática educativa integrada, contínua e
permanente, tanto para estudantes quanto para professores, verifica-se a oportunidade de desenvolvimento de
diferentes propostas que envolvam processos educativos voltados à concepção de educação ambiental.
Assim, a partir do desenvolvimento de um projeto de ação, como forma de inserção da educação
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ambiental no contexto escolarizado, permeado por atividades extraclasse, inseridas no espaço não-formal de
aprendizagem, se apresenta a proposta de trabalho de ‗Vivências com a Natureza‘ como forma de atuar com
ensino e aprendizagem de modo integral e em conjunto com a escola, a partir das realidades globais e locais, e
refletindo acerca de questões ambientais problematizadoras, porém de modo lúdico, interativo e a partir do
aspecto sensitivo, inserido no corpo, na alma e no espírito, e ainda centrado no sentimento de amor
desenvolvido entre educador e aprendiz (MENDONÇA; NEIMAN, 2003).
Essa proposta está centrada e é desenvolvida a partir da metodologia do aprendizado sequencial,
desenvolvida por Joseph Cornell e considerada enquanto uma metodologia original de educação ambiental que
visa facilitar o aprofundamento e a interação que os indivíduos podem ter em contato com a natureza,
possibilitando o aprendizado e o desenvolvimento de sentimentos e valores, necessários para uma
transformação social. Ao desenvolver o aprendizado sequencial (traduzido do inglês flow learning), Cornell
pensou em estabelecer e proporcionar uma melhor relação dos indivíduos com a natureza, pois ao longo de suas
experiências com a natureza percebeu que havia um fluxo a ser trabalhado para que as atividades fossem mais
produtivas, e, assim, concluiu que as pessoas reagiam favoravelmente a uma determinada sequência, em função
desta se harmonizar aos aspectos da natureza humana (CORNELL, 1997; 2005).
A metodologia se baseia nos diferentes estágios que auxiliam os indivíduos a alcançarem uma estrutura
mental permitida pelo potencial de uma experiência direta e profunda. Assim, o aprendizado sequencial tem o
poder de auxiliar as pessoas a esquecerem as suas preocupações, a partir da descontração, da diversão e da
apreciação da natureza, sugerindo que o aprendizado seja por inteiro (corpo e mente), pois a metodologia é, ao
mesmo tempo, pedagógica e terapêutica, sendo que diante do processo de desenvolvimento dos estágios o
indivíduo acalma a mente e realiza melhor suas atividades, aprendendo a ouvir, a respeitar os outros e a refletir
sobre suas necessidades e seus desejos (CORNELL, 1997; MENDONÇA, 2000; 2006).
Cornell (1997; 2005), então, considerou o aprendizado sequencial como uma simples, porém, poderosa
estratégia de ensino, que consiste na escolha de atividades lúdicas adequadas, como dinâmicas e jogos,
baseadas em princípios universais de consciência e de educação vivencial, organizadas e direcionadas perante
uma sequência de 04 estágios – despertar do entusiasmo; concentrar a atenção; experiência direta; e
compartilhar a inspiração – desenvolvidos de forma sutil, gradativa e divertida, com a intenção de criar um
fluxo de energia, que vá de um estado de maior agitação para um estado de maior concentração da atenção e
envolvimento, sendo que esses estágios fluem de um para o outro de maneira suave e natural, e o indivíduo ao
passar pelos diferentes estágios, alcança as estruturas mentais proporcionadas pelas experiências diretas e
profundas com a natureza (Quadro 01).
Cornell (1997; 2008) explica que o estágio 1 - ‗Despertar o entusiasmo‘ - é marcado pela diversão e
pelo desenvolvimento de atividades que geram um intenso fluxo de energia, no sentido de haver um crescente
interesse por aquilo que está sendo feito. No estágio 2 - ‗Concentrar a atenção‘ -, busca-se conduzir o
entusiasmo na direção de uma atenção mais refinada, sendo que somente assim será possível perceber a
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natureza e, ao mesmo tempo, dispor de calma, atenção e entusiasmo. No estágio 3 - ‗Experiência direta‘ -, o
intuito é levar o indivíduo a experimentar o contato direto com a natureza, abrir o coração das pessoas e
intensificar um ou mais sentidos, para que os participantes possam descobrir um íntimo e profundo sentimento
de pertencimento e compreensão. Por fim, no estágio 4 - ‗Compartilhar a inspiração‘ - é o momento em que os
integrantes do grupo estão calmos, alegres e sensíveis a ouvir e contar (compartilhar) suas estórias, seus
sentimentos, suas emoções etc.

Quadro 01 – Qualidades e vantagens dos estágios da metodologia do aprendizado sequencial


Fonte: adaptado a partir de Cornell (1997, p. 46-47)

Mendonça (2007, p. 119) infere ainda que o processo educativo proporcionado por meio de ‗vivências‘
―[...] considera os indivíduos de forma integral, incluindo e priorizando o aprendizado através do corpo, dos
sentidos e da percepção mais sutil de si mesmos, dos outros, do mundo, da natureza, e dos processos vitais que
dão origem e sustentam a vida [...]‖.
Portanto, como fundamentos dessa metodologia há a crença de que o aprendizado efetivo deva incluir e,
por vezes até priorizar, a vivência e a experiência, sendo que apenas as transmissões de informações, por mais
importantes que sejam não são suficientes para promover o aprofundamento, o enraizamento e o estímulo às
mudanças de comportamentos. Com isso, afirma-se que o contato com a natureza realizado por meio de um
processo educativo que atenda a esse fluxo de energia possibilita o alcance dos objetivos da educação ambiental
– o desenvolvimento da consciência (processo de sensibilização e conscientização), por meio da clarificação de
novos valores e atitudes (MENDONÇA, 2006; 2007).

Alguns resultados e discussões


As vivências com a natureza junto ao grupo de discentes foram realizadas em dois momentos distintos.

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O primeiro entre os meses de novembro e dezembro do ano de 2013 e o segundo no mês de outubro do ano de
2014. Estes dois momentos foram realizados com o mesmo grupo de discentes 144 (as 6 turmas de ensino
fundamental e médio) da Escola Estadual Profª. Maria Audenir de Carvalho, localizada no Distrito de
Primavera, município de Rosana/SP. As vivências foram realizadas na Estação Ecológica do Caiuá, unidade de
conservação de proteção integral, localizada no município de Diamante do Norte/PR (divisa com o município
de Rosana/SP).
No primeiro momento foi utilizada a área gramada ao lado da estrutura da sede e também a Trilha do
Cedro (localizada ao lado desta área gramada), que conta com somente 500 metros de extensão e é considerada
uma trilha pequena, fácil de ser percorrida e sem muitos atrativos. Já no segundo momento, fez-se a opção por
se utilizar da Trilha do Mico, localizada distante da sede da unidade, bem como tem-se a necessidade de
caminhar cerca de 1,5 km até chegar a trilha, que possui cerca de 2,5 km de extensão e se refere a uma trilha
também de fácil percurso, mas por ser mais fechada está mais imersa na natureza. Os dois momentos tiveram
uma duração média de até 3 horas.
Em relação as vivências com a natureza junto ao grupo de professores da escola 145, estas foram
realizadas apenas no ano de 2014, tanto no período da manhã quanto no período da tarde, o qual se utilizou
exclusivamente do horário de ATPC, de modo a envolver uma amostra de 33 professores de um universo de
cerca de 60 professores. Esta vivência se utilizou de uma área natural localizada em meio ao ambiente urbano
da cidade, muito procurada para diferentes usos, que compreendia um espaço formado por uma extensa área
gramada com árvores, tendo ao seu lado um grande bosque de eucaliptos. Trata-se de uma área de fácil acesso,
uso múltiplo e com grande interferência urbana, mas, que ainda sim mantém a possibilidade de um contato
intenso e profundo com a natureza.
Em relação às vivências realizadas, sem distinção em relação ao grupo, buscou-se basicamente realizar
as mesmas atividades dentre um rol de atividades disponíveis e possíveis para cada estágio do aprendizado
sequencial de Cornell (1996; 1997; 2005; 2008), de modo que assim, seria possível proceder a uma análise
sobre as qualidades e as vantagens de cada atividade ou do estágio a cada um dos grupos. Esse suposto roteiro
de atividades, passível de ser alterado mediante uma série de fatores, mas também pelo fato do educador achar
mais conveniente perante ao estado de espírito do grupo participante, foi idealizado levando-se em conta alguns

144
Em 2013 a amostra totalizou aproximadamente 150 indivíduos, tendo em torno de 105 participantes efetivos. No ano de 2014, os
discentes em seus anos letivos subsequentes, estiveram em 65 participantes efetivos, sendo que destes, poucos foram os discentes que
não haviam participado da vivência no ano anterior. Essa redução no quantitativo de público participante no ano de 2014 se explica
devido ao fato das vivências terem sido marcadas para um período de planejamento escolar.
145
O processo de formação de professores na proposta das vivências com a natureza, não apenas compreendia a participação destes na
realização das vivências, mas, também no ano de 2013 compreendeu a participação dos mesmos em reuniões de apresentação do
projeto e da proposta, bem como a realização e exibição de uma palestra junto a Rita Mendonça (representante da Sharing Nature
Brasil), na qual apenas 26 professores participaram nos dias e horários previamente agendados com a coordenação pedagógica da
escola e que basicamente compreendiam os dias e horários destinados ao ATPC escolar. Esse processo procurou detalhar e explicitar
a proposta, bem como envolver os professores, buscando nisso, um processo de formação que culminaria com a realização de
vivências com a natureza para que este grupo também pudesse sentir e perceber as qualidades e vantagens oriundas dessa proposta.
Nesse processo inicial, apenas 09 professores se demonstraram interessados em participar de uma vivência com a natureza.
281
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elementos como: o espaço físico utilizado, o tempo disponível, a quantidade de público participante, entre alguns
outros.
Em alguns dos grupos discentes foi possível notar a grande dificuldade em se atingir o resultado
pretendido em algumas das atividades desenvolvidas e até mesmo nos estágios da proposta, e isso se deve a
uma série de fatores, normalmente externos a proposta desenvolvida, como, por exemplo, citam-se tanto
relativo a indivíduos quanto ao grupo em geral, a apatia, a falta de vontade e de interesse ou ainda a negação em
participar das atividades; a extrapolação de brincadeiras físicas de agressão e violência ou ainda as de duplo
sentido; alguma certa falta de respeito ou de atenção; alguma certa inferência negativa proporcionada pelo
auxílio dos professores e dos inspetores; o comportamento inadequado de alguns professores para certas
situações; a reprodução das regras e normas relativas ao ambiente escolar; a enorme distração relativa a
proximidade com a estrutura de bebedouros e de sanitários; e também o interesse e o foco em quaisquer outros
elementos que não os quais estavam sendo propostos.
Normalmente estes fatores foram mais perceptíveis no primeiro momento da execução da proposta,
sendo que no segundo momento, inclusive com os grupos menores, inseridos em um ambiente desconhecido,
mais imerso na natureza e mais distante de uma infraestrutura e/ou de outras distrações, e até por já conhecerem
a proposta e algumas das atividades a serem realizadas, bem como por partir do pressuposto de que estavam
mais amadurecidos, foi possível notar uma certa maior facilidade na condução dos grupos e na realização das
atividades, aos quais se pressupõem uma maior possibilidade em se atingir os resultados almejados pela
proposta.
Nos dois grupos de professores, já foi possível notar uma maior facilidade em se atingir os resultados
almejados pela proposta das vivências com a natureza, contudo, ainda sim também foi possível notar alguns
fatores, externos a proposta, que de certo modo interferiram no planejamento, execução ou resultado das
mesmas, aos quais se pode citar, por exemplo, o fato de alguns terem participado da vivência somente devido a
insistência da coordenação da escola; a demonstração de apatia e certa vergonha em participar das atividades,
apesar de se visualizar uma maior facilidade nas expressões gestuais e corporais; em específico, um dos grupos
abusou da realização de brincadeiras de duplo sentido; a apresentação de uma maior dificuldade de
concentração devido as preocupações com os afazeres cotidianos (acadêmicos, profissionais e pessoais); e certa
dificuldade em proporcionar silêncio em alguns momentos, já que alguns indivíduos aparentavam ter a
necessidade de falar e assim poder chamar a atenção dos demais membros do grupo.
Assim, sem distinção aos grupos de discentes e professores, alguns dos principais pontos a serem
destacados são: a forma como alguns indivíduos e/ou grupos encaravam algumas das brincadeiras, de modo a
extrapolar estas ao nível de uma acirrada competição (mesmo que estas não tivessem este intuito); a questão da
limitação e/ou restrição ao sentido da visão, a qual o uso de vendas em algumas atividades causava extremo
desagrado, bem como certa aflição, assim como proporcionava ainda as diferentes formas de ver e de se
relacionar com a natureza, como, por exemplo, a trilha ou o caminho sendo percorrido com e sem a venda; e as
282
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distintas formas de demonstração de afeto, carinho, cuidado, respeito, atenção, compaixão e solidariedade para
consigo, com o outro e com a natureza.
Dentre os grupos de discentes mais novos (as turmas do 6° ano), houve uma demonstração de maior
facilidade e de espontaneidade, bem como estes também se expunham mais as práticas corporais, sem a
erotização do corpo (comum entre os discentes mais velhos, normalmente as turmas do 9° ano do ensino
fundamental e do 1° ano do ensino médio), ou seja, alguns discentes e alguns grupos em específico se
permitiram imitar com gestos os animais, além, por exemplo, de se possibilitarem abraçar a árvore e ouvir seu
coração, em uma metáfora comum a vida que pulsa na natureza.
Dentre os grupos dos professores foi possível notar além de uma maior participação e envolvimento, um
maior engajamento junto as atividades dos estágios de experiência direta e de compartilhar a inspiração,
respectivamente os estágios 3 e 4 da proposta de vivências com a natureza. Diferentemente dos discentes, os
professores pareciam mais confortáveis com algumas situações, dentre estas o fato de externarem os sentidos,
os sentimentos e os pensamentos que os permeavam aquele momento. Em contrapartida, nos discentes o maior
enfoque foi dado por eles aos estágios de entusiasmo e também ao de experiência direta, respectivamente os
estágios 1 e 3 da proposta.

Considerações
Diante do exposto, considera-se que as vivências com a natureza realizadas a partir da metodologia do
aprendizado sequencial, neste caso em específico junto ao Projeto Núcleo de Ensino da UNESP, tem se
mostrado para além de uma simples estratégia pedagógica, podendo ser considerada enquanto um recurso
metodológico flexível e adaptável a diferentes contextos, escolarizados ou não escolares, que por meio de
práticas realizadas no espaço não-formal tem possibilitado a sensibilização e a ampliação da consciência
ambiental, passível, então, de ser vislumbrada como uma forma de educação ambiental a ser inserida na escola
na tentativa de buscar o envolvimento e a solução de problemáticas socioambientais que se apresentam,
especificamente a partir da interação e do aprofundamento em relação ao contato com a natureza, tanto física
quanto humana de cada indivíduo abrangido, desde discentes aos seus professores.
Em geral, é possível considerar que as vivências, independente dos grupos trabalhados, realmente tem
potencial de imergir os indivíduos com a natureza e isso se deve prioritariamente aos estágios e as brincadeiras
idealizadas por Cornell, as quais atreladas a escolha, a sequência e a forma de condução, bem como ao local de
natureza conservada e o interesse e envolvimento dos participantes, possibilitam uma real sensibilização e o
início de um processo de ampliação da consciência humana e ambiental.
Nesse sentido, considerou-se que a experiência de vivências com a natureza proporcionou aos
discentes um momento de aprendizagem, no mínimo, diferente ao qual estão acostumados (as salas de aula do
ensino formal e sua relação com os professores), além de uma possibilidade de imersão e (re)integração com a
natureza, o que também é passível de ser considerado ao grupo de professores, ressaltando o fato de que neste
283
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caso, o momento de aprendizagem é relativo a formação inicial de professores no âmbito da educação
ambiental.

Referências
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em: <http://www.mec.gov.br/se/educacaoambiental/pdf/lei979599.pdf> Acesso em: 23 out. 2005.
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SENAC São Paulo, 2003.
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São Paulo: Companhia Melhoramentos: Editora SENAC São Paulo, 1996.
__________. A alegria de brincar com a natureza: atividades na natureza para todas as idades. São Paulo:
Companhia Melhoramentos: Editora SENAC São Paulo, 1997.
__________. Vivências com a natureza: guia de atividades para pais e educadores. São Paulo: Aquariana,
2005.
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2008.
LIMA, Gustavo Ferreira da Costa. Educação ambiental no Brasil: formação, identidades e desafios.
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escolas: considerações iniciais sobre os resultados do projeto ―O que fazem as escolas que dizem que fazem
educação ambiental‖. In: MELLO, Soraia Silva de; TRAJBER, Rachel (Coord.). Vamos cuidar do Brasil:
conceitos e práticas em educação ambiental na escola. Brasília: Ministério da Educação, Coordenação Geral de
Educação Ambiental: Ministério do Meio Ambiente, Departamento de Educação Ambiental: UNESCO, 2007,
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MENDONÇA, Rita. A experiência na natureza segundo Joseph Cornell. In: SERRANO, Célia (Org.). A
educação pelas pedras: ecoturismo e educação ambiental. São Paulo: Chronos, 2000, p. 135-154.
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contemporânea. Série Documentos Técnicos. Brasília: Órgão Gestor da Política Nacional de Educação
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MENDONÇA, Rita; NEIMAN, Zysman. À sombra das árvores: transdisciplinaridade e educação ambiental
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ISBN 978-85-7566-380-6
SATO, Michèle. Educação ambiental. São Carlos: Rima, 2002.
TRAJBER, Rachel; MENDONÇA, Patrícia Ramos (Orgs.). Educação na diversidade: o que fazem as escolas
que dizem que fazem educação ambiental. Brasília: Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade, 2007.

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL NARRADA NA LITERATURA INFANTIL-
PRODUZINDO SUJEITOS EM TEMPOS DE CRISE
Camila da Silva Magalhães146 - Autora
Elisângela Barbosa Madruga147
Paula Corrêa Henning148

Resumo
A Educação Ambiental é um dos temas mais discutidos atualmente. Previsões catastróficas e anúncios sobre um
provável esgotamento dos recursos do planeta Terra estão nos noticiários diariamente. Dessa forma, este
trabalho propõe a pensar sobre os modos como somos produzidos a partir dessa rede discursiva que está
presente em diferentes espaços do nosso dia-a-dia. Para isso, ao lançarmos nosso olhar para a literatura infantil,
pretendemosmostrar como o homem vem sendo retratado como o único culpado pela degradação do planeta e
principalmente pelo uso inadequado dos recursos naturais, e por outro lado também como único com o poder de
reverter a situação.Podemos encontrar também em algumas obras uma espécie de ―manual de como cuidar do
planeta‖, onde vemos dicas que tratam desde a questão do descarte e reciclagem de lixo, poluição do ar e do
solo até noções de como podemos economizar água e preservar a fauna e a flora. Para a análise destes livros
utilizamos algumas ferramentas da analise do discurso do filósofo Michel Foucault e de outros autores do
campo pós-estruturalista. Desse modo, propomos em nosso trabalho, questionar o leitor sobre as formas de
como a Educação Ambiental vem sendo retratada nessas histórias infantis.
Palavras-chave: Educação Ambiental. Literatura Infantil. Mudança de comportamento.

Educação Ambiental, Um Chamamento em Defesa do Planeta


O primeiro objetivo é verificar o ritmo dos Estados-Membros para ver onde estamos. Mas também
sabemos que o mundo precisará de mais fôlego para combater as alterações climáticas. Estamos, portanto,
à procura de soluções e inspiração de uma pessoa jovem que já conseguiu implementar com sucesso
ações climáticas na sua comunidade (KUTESA, 2015, s/p)

Inicio estetexto com a fala de Sam Kutesa, atual presidente da Assembleia Geral da Organização das
Nações Unidas. Kutesa fez esse convite para jovens empreendedores, engajados em ações em prol do planeta.
O evento em questão se refere a uma reunião que foi realizada dia 29 de junho deste ano (2015) e que
antecedeu o encontro entre países em Paris, ao fim de 2015, para a definição de novas diretrizes e um possível
acordo universal sobre as mudanças climáticas. Esta notícia com o título ―Procura-se: Jovem para compartilhar
ação climática de sucesso na Assembleia Geral da ONU‖ foi publicada no dia 22 de abril no boletim semanal
da ONU e faz parte das ações em busca de soluções para as problemáticas relacionadas ao aquecimento global,
uso de recursos hídricos, crise ambiental entre outros.
Pode parecer curioso a ONU publicar um chamamento global em busca de um jovem envolvido em
ações pelo planeta e dar a este uma responsabilidade tão grande que é participar de um encontro internacional
em busca de saídas para as problemáticas relacionadas ao clima no mundo. Digo que isso não é nem um pouco

146
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande-FURG. Participante
do Grupo de Pesquisa GEECAF (Grupo de Estudos em Educação, Cultura, Ambiente e Filosofia) da FURG. E-mail:
camilapedag@gmail.com.
147
Acadêmica do curso de Pedagogia e bolsista de iniciação científica do Grupo de Estudo sobre Educação, Cultura, Ambiente e
Filosofia – GEECAF da Universidade Federal do Rio Grande – FURG.E-mail: elisangelamadruga@yahoo.com.br,
148
Doutora em Educação pela UNISINOS. Professora Adjunta do Instituto de Educação, do PPG Educação em Ciências e do PPG
Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa de Cultura, Subjetividades
e Políticas de Formação da PUCRS. Pesquisadora e coordenadora do GEECAF (Grupo de Estudos em Educação, Cultura, Ambiente e
Filosofia) da FURG. E-mail: paula.c.henning@gmail.com.
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inusitado! Todos os dias, recebemos um chamamento, seja da mídia televisiva ou impressa e de outros
materiais, como por exemplo a Literatura Infantil. Esse chamamento pede para que mudemos alguns de nossos
comportamentos em prol da manutenção da vida para as gerações futuras. Outro exemplo disso é a campanha
veiculada pela Rede Globo de Televisão, que faz, através de vídeos com artistas famosos, um convite ao não
desperdício de água. Atores como Alexandre Borges, Marcos Palmeira, Juliana Paes, Paulo Vilhena e Isabella
Santoni aparecem neste vídeo expondo o slogan ―Menos é Mais‖. Abaixo, segue o texto pronunciado pelos
atores:
Pra mim, menos é mais
Pra mimo calor tá demais e a água tá de menos
Pra mim o pessoal está gastando demais e pensando de menos
Pra mim o problema não é só dos outros
O problema é meu 3x
Meu 2x
O problema é de todo mundo
Pra mim a gente precisa de menos
Menos pra ter mais
Menos desperdício e mais consciência
Menos indiferença e mais participação
Menos quero e mais faço
Pra mim, menos é mais 2x
Mais 2x
Uma campanha da Globo e de quem acredita que menos é mais. (GLOBO, 2015)

Assim, pode-se ver que esse chamamento é global, pois ―o problema é meu, o problema é de todo
mundo‖. Dessa forma, todos são responsáveis pela tentativa de resolução; todos têm a responsabilidade de fazer
alguma coisa para mudar; todos nós somos chamados a participar. A atual campanha da marca de produtos de
limpeza Ypê também vem ao encontro desses outros dois chamamentos. Com o slogan ―Ypê, vale mais
cuidar!‖, a promoção oferece um milhão e meio de reais em prêmios para quem cadastrar os produtos da
promoção e enviar vídeos mostrando formas de economia de água e de cuidado com o meio ambiente.
Neste sentido, com estes exemplos quisemos demonstrar o quanto estamos rodeados, todos os dias, de
intervenções em busca de um mundo melhor. A todo o momento, somos interpelados pelo discurso de cuidado
com o planeta e chamados a tomar alguma atitude, modificar comportamentos, usar sacolas retornáveis,
desligar a torneira enquanto escovamos os dentes ou enquanto ensaboamos a louça, diminuir a frequência de
lavagens do carro, separar e reciclar o lixo; enfim, inúmeras ações que acabam constituindo uma nova forma de
ser e estar no mundo. Porém com isso não queremos dizer que não devemos adotar novas formas de existência,
mas questionar como isso vem nos tornando sujeitos ecologicamente corretos, respondendo a um tempo de
crise, um tempo de instabilidades. Também não podemos negar que existe, sim, uma materialidade do fato, com
ela, se torna legítimo falar e pensar em ações acerca de uma crise ambiental vivida por nós. Sabemos da
precariedade dos recursos hídricos em São Paulo, Minas Gerais e no Nordeste, por exemplo. Sabemos também
do aquecimento global que faz os gaúchos estarem de mangas curtas em maio e de casacos em outubro.
Sabemos ainda dos terremotos e tsunamis enfrentados em diferentes localidades do globo terrestre. Portanto,

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não se pode negar que estamos passando por um momento de crise, a mídia e os artefatos culturais não nos faz
esquecer isso. Assim, Kirchof, Wortmann e Bonin nos dizem:

Parece-nos importante lembrar, ainda, que a problemática ambiental ganhou, a partir do final dos anos
1990, significativo destaque na televisão, no cinema, nas revistas e jornais de circulação nacional e
internacional, marcada por eventos que indicariam a urgência de uma mudança de atitude frente à
natureza e ao mundo em que vivemos. (2011, p. 119)
Assim, como referem os autores citados acima, é inegável o potencial desses artefatos em fazer com que
temas emergentes se tornem mundialmente visíveis. Porém a discussão sobre Educação Ambiental e as
mudanças climáticas não é algo novo. Desde a década de 70 do século XX, a preocupação com os danos
ambientais é pauta de inúmeras conferências e encontros reconhecidos internacionalmente. A partir da
necessidade de repensar os modos de vida na modernidade, assuntos como sustentabilidade, consumo e relação
entre o homem e a natureza começaram a aflorar na sociedade. De acordo com Carvalho (2008), o pensamento
ambiental surge principalmente pautado pela visão ecológica. Houve uma necessidade de restabelecer as
relações homem/natureza e de repensar a égide antropocêntrica. Neste sentido, os primeiros movimentos
ambientais tinham como motivação tentar denunciar os impactos ambientais e os modos de vida da sociedade
industrial e moderna. Ainda para a autora:

A Educação Ambiental é parte do movimento ecológico. Surge da preocupação da sociedade com o


futuro da vida e com a qualidade da existência das presentes e futuras gerações. Neste sentido, podemos
dizer que a EA é herdeira direta do debate ecológico e está entre as alternativas que visam construir novas
maneiras de os grupos sociais se relacionarem com o meio ambiente. (CARVALHO, 2008, p. 51)
A partir daí, a compreensão da crise ambiental se tornou uma questão social e política. A preocupação
com a possível escassez dos recursos naturais se tornou uma questão educativa, envolvendo diferentes esferas
da sociedade. A Educação Ambiental foi se tornando aos poucos um campo de saber que se consolidou mais
fortemente a partir da década de 80. Com isso, no Brasil, tivemos a elaboração do Programa Nacional de
Educação Ambiental, em 1984, que estabelece diretrizes ligadas à educação, ao direito e à sociedade civil.
Também, na década de 80, a Educação Ambiental se tornou direito de todos e dever do estado, ao ser incluída
na Constituição Federal. Já na década de 90, o meio ambiente foi incluído nos Parâmetros Curriculares
Nacionais como tema transversal e no fim desta mesma década é aprovada a Política de Educação Ambiental
através da Lei 9.795/99. Com isso, a necessidade de uma Educação Ambiental presente em diferentes esferas
sociais tornou-se crucial para o enfrentamento da atual crise que assola o planeta. Dessa forma, neste trabalho
abordaremos como a Educação Ambiental vem sendo narrada na Literatura Infantil, mais especificamente, em
algumas obras que fazem parte do acervo complementar do Programa nacional do Livro Didático, que é
distribuído em escolas públicas em todo o Brasil. Este acervo compreende livros infantis destinados as turmas
de primeiros a terceiros anos do ensino fundamental e são materiais de apoio do PNAIC 149. É importante

149
O PNAIC-Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa é um programa do Governo Federal que visa garantir a alfabetização
das crianças até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental.
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ressaltar que este trabalho é um recorte de uma pesquisa maior, que tem como objeto de análise dezesseis
livros, porém aqui utilizaremos quatro deles.

A abordagem da Educação Ambiental na Literatura Infantil


Retomando o inicio deste trabalho, todos os dias, somos interpelados por inúmeras informações
veiculadas pelas mídias sobre a problemática ambiental e, muitas vezes, ao entrar em contato com essas
enunciações, acabamos por assumi-las como verdades. Para Michel Foucault (1979), essas verdades são
construídas, são fabricadas a partir da circulação de discursos que adotamos como verdadeiros. Para o autor, a
verdade não significa a diferença entre o certo e o errado, mas sim uma produção por um jogo de forças que ele
define como relações de poder. Essas relações de poder dão a ver alguns discursos, posicionando-os como
legítimos. Dessa forma, para o autor, o discurso é constituído pelas enunciações e que, em conjunto, dão vez a
um enunciado. Para Foucault, é preciso entender que:
A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos
regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua ‗política geral‘ de verdade: isto
é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias
que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sancionam uns e outros;
as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que
têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro (FOUCAULT, 1979, p. 12grifos do autor.)
Assim, de acordo com o exposto e apoiadas no referencial foucaultiano e dos Estudos Culturais,
olhamos para a Literatura Infantil como um artefato cultural que traz consigo diferentes enunciações sobre
Educação Ambiental. Com isso, nesta pesquisa tomamos os livros infantis como artefatos culturais, que
produzem significados e que nos interpelam a partir de seus ensinamentos. Para Costa, Hessel e Sommer:
[...] somos também educados por imagens, filmes, textos escritos, pela propaganda, pelas charges, pelos
jornais e pela televisão, seja onde for que estes artefatos se exponham. Particulares visões de mundo, de
gênero, de sexualidade, de cidadania entram em nossas vidas diariamente (2003, p.57).
A partir dessa perspectiva, ao analisar o material empírico desta pesquisa, por diversas vezes nos
deparamos com ensinamentos que mostram a problemática ambiental retratada pela poluição, separação de lixo,
reciclagem e uso adequado da água e de outros recursos naturais. Alguns deles constroem seu enredo apontando
para o homem como degradador e também como o único responsável por uma possível reversão dos danos
causados ao planeta. Colocar em análise algumas enunciações sobre Educação Ambiental existentes nos livros
infantis torna-se uma questão potente no atual momento, já que a problemática ambiental permeia nossas
relações diárias e todos nós somos convidados, de alguma forma, a participar dessa empreitada em busca de um
futuro melhor. É importante ressaltar que essa discussão só é possível porque enfrentamos uma crise
socioambiental e a preocupação com o futuro é de grande proporção. Essa discussão é amparada pelas
condições históricas e culturais em que estamos inseridos. Talvez não fizesse sentido, ou não houvesse tanta
relevância, levantar essa discussão há trinta anos, porém no atual momento se faz pertinente. Outro ponto
importante é que assim como, muitas vezes, somos capturados pelas enunciações lançadas pelas mídias, as
crianças também são interpeladas pelas enunciações existentes nas histórias infantis. Dessa forma, desde
pequenas são constituídas nessa lógica de que precisamos de alguma forma transformar essa realidade que nos
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aponta para um futuro cheio de obscuridade e incertezas. Para Marchi (2000, p. 8) ―a literatura infanto-juvenil é
um gênero literário extremamente permeável às ideologias provenientes dos conflitos históricos, evidenciando,
deste modo, os traços constitutivos da sociedade‖ em que está inserida.
Partindo dessa ótica, ao falar em literatura, compreendemos que ela carrega uma série de saberes que
nos interpelam e acabam constituindo nossa forma de pensar e agir em relação ao planeta. Mesquita (2011) diz
que a Literatura Infantil preocupa-se em fazer publicações com temas atuais, incluindo preocupações com a
sociedade, o meio ambiente e a defesa da ecologia. Ainda de acordo com o autor, em 1976, o escritor português
Sidónio Muralha recebe o prêmio ―O Ambiente na Literatura Infantil‖ pelo livro ―Valéria e a vida‖ (1976), no
qual já alertava para as questões ambientais. Vale dizer que ainda hoje o referido livro é literatura básica nas
escolas portuguesas. Corroborando com a proposta deste texto, que pretende mostrar como a literatura vem
trazendo consigo modos de ser sujeitos, o autor acima citado ainda completa:
Esta mensagem de Valéria, dirigida a todas as crianças do mundo que serão ―os homens e as mulheres de
amanhã. Que serão os pais e as mães de novos meninos e de novas meninas‖ para que salvem a natureza e
a vida, porque as mesmas estão em perigo, é um grito suplicante e angustiante de que a própria natureza
se faz o veículo dessa divulgação. (MESQUITA, 2011, p. 42) [grifo do autor].

Com esse excerto pode-se ver claramente o quanto a presença da Educação Ambiental na Literatura
Infantil está pautada pelas ideias de sensibilização, conscientização, de responsabilização do sujeito com o bem
da vida e de uma espécie de resgate a uma natureza perdida, esquecida, danificada e, sob nossa perspectiva,
utópica.
Desse modo ao iniciar nossas análises, primeiro livro apontado é o Quem é o centro do mundo?,de Clara
Rosa Cruz Gomes (2010), que retrata a relação de dominação do homem com a natureza. Resumidamente, a
história baseia-se na ideia de que todos pensavam que eram o centro do mundo e assim foram eliminando uns
aos outros. O sapo comeu todos os mosquitos, a águia comeu todos os sapos, o tigre comeu todas as águias e
por fim o homem matou o tigre e usou seu busto para enfeitar sua parede composta por diversos outros animais.
Cada personagem desta história tinha a certeza de que todos os outros aspectos relacionados à natureza existiam
para servi-los e, dessa forma, não se importavam com o restante do mundo. Com isso, ao fim da história, o
mundo encontrava-se totalmente desequilibrado e desordenado. De acordo com o livro: ―Os animais, a chuva, a
noite, o dia, as estrelas, a lua e a natureza ficaram desordenados e saíram do seu equilíbrio ecológico‖
(GOMES, 2010, p. 16). Completando essa visão de que o homem degrada o mundo em que vive pensando em
suas vontades, ao fim do livro o autor destaca que: ―Este livro discute a arrogância e o egocentrismo dos
homens em relação à natureza. Alerta que o resultado dos comportamentos dos homens pode vir a ser a perda
do bem mais precioso: a vida em equilíbrio no planeta‖ (GOMES, 2010, p. 20). Vê-se claramente neste livro a
condição do homem como principal dominador e responsável pela degradação da natureza marcada pela visão
antropocêntrica; isso aparece na história e também nas ilustrações.

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Dando sequência aos excertos dos livros, a história Se o lixo falasse, do autor Fernando Carraro (2011),
apresenta um diálogo encenado por embalagens plásticas, metálicas e alimentos conversando sobre sua origem
e destino.
- Eu era avião nos Estados Unidos.
- Que chique!
- Imaginem se uma pessoa que estivesse bebendo soubesse que a sua latinha de refrigerante geladinho já
tinha sido avião?!
- Tinha razão Lavoisier quando tornou mundialmente conhecida a lei da conservação das massas ao dizer
que: na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.‖.
- Nossa! Quem é esse cara?
- Lavoisier foi um cientista francês que nasceu em 1743 e morreu em 1794.
- Por esse motivo é possível que a água que bebemos hoje seja a mesma que matou a sede dos
dinossauros que viveram há milhões de anos. É o maravilhoso e eterno ciclo da água.
- O que Lavoisier disse vale para todos os recursos naturais e, inclusive para nós.
- Eu não quero parar na barriga de um rato – disse a banana. – Minha casca, bem como as cascas de
outras frutas e legumes, gostaria de virar composto orgânico, que é adubo para alimentar hortas, pomares
e jardins... Bem melhor do que apodrecer no lixão. (CARRARO, 2011, p. 8).

Após este diálogo, as embalagens seguem conversando e tentando traçar um plano para que elas sejam
melhor aproveitadas e não apenas tratadas como lixo comum. Assim, a Banana ensina como fazer uma
composteira e incentiva a criação de uma horta em diversos lugares. Na sequência, as embalagens começam a
discutir sobre uma ideia que levasse as pessoas a se preocupar mais com o destino delas. Apontam como
exemplo um projeto realizado por uma escola e arquitetam um plano para capturar Pedrinho, um menino da
escola do bairro. Quando Pedrinho joga uma garrafa pet no lixo, ela o chama e assim fala:
-Eu e todas as embalagens não entendemos como pessoas tão inteligentes nos tratam como se fôssemos
lixo.
-Se não são lixo, o que são?
-Eu e minhas amigas somos importantes recursos naturais. Podemos ser úteis por muito tempo ainda.
Sabe, é muito triste sermos tratados como lixo quando não somos lixo. [...]
-E o que quer que eu faça?
-Por que você não conversa com seus pais, sua irmã e depois com sua professora e colegas da escola para
refletirem um pouco mais sobre o que eu estou lhe dizendo? Tratando-nos como lixo, nosso destino será o
lixão, já pensou? É muito triste estar numa hora dentro de sua geladeira e depois ser jogada num lixão
imundo...
-Preciso de um tempo. Já disse que estou confuso. Se ao menos eu estivesse sonhando.
-Mas não está. Escute sua consciência, Pedrinho. Quando eu estava dentro da sua geladeira cheia de
guaraná, você e sua família não me consideravam lixo, não é mesmo? Agora, só porque acabou o guaraná
eu viro lixo? Em que eu mudei para ser tratada dessa forma tão diferente? Não sou a mesma, com ou sem
guaraná? (CARRARO, 2011, p. 13-14).

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A história continua e assim Pedrinho segue a dica da garrafa de guaraná e fala com seus pais, irmã,
colegas e professora. A escola adota a ideia e, juntamente com os alunos, cria um projeto de coleta seletiva e
Pedrinho recebe o título de ―amigo do lixo‖. A partir de ações como a separação do lixo e seu envio para a
reciclagem, ao fim da história, Pedrinho e seus colegas têm a sensação de dever cumprido. ―Nessa história
houve um final feliz. Já pensou se isso acontecesse de verdade na sua escola? Vai depender somente de alguém
dar o primeiro passo. E que tal se esse alguém for você? Pense nisso e... Boa sorte!‖ (CARRARO, 2011, p.
31).Nessa história, a partir da ação de Pedrinho, a sua família, colegas e professores são convidados a participar
juntos de um projeto que visa à diminuição do consumo e à destinação correta dos resíduos. A partir da
mobilização geral, a problemática do lixo na cidade foi resolvida e todos ficaram felizes com o resultado de
suas ações. Comparando a imagem do início da história e a da última página é evidente o resultado positivo do
projeto.

Nessa mesma correnteza, o livro A poluição tem Solução, do autor Guga Domênico (2009), apresenta a
problemática da poluição nas suas diversas formas: sonora, das ruas, do ar e das águas. O personagem principal
dessa história é um menino chamado Nando que tem sete anos e observa que em sua cidade esses vários tipos
de poluição estão presentes em todos os espaços. Mostrando, no enredo, como esses tipos de poluição afetam a
vida humana, Nando acaba por dizer que ―a poluição nasce pequena, todo mundo aumenta um pouco. E o
pouco de todo mundo, faz o pouco virar muito. Um grande monstro!‖ (DOMÊNICO, 2009, p. 10). Logo após,
no decorrer da história, Nando aponta caminhos para que esse monstro chamado poluição seja aos poucos
exterminado, sugerindo a utilização de bicicleta, transporte público, carona, ―lugar de lixo é no lixo, reciclar é
uma boa ideia‖ (op. cit., p. 18). Após essas dicas, Nando propõe a união de todos, pois só assim encontraremos
a solução.Esses excertos da história provocam-nos a pensar sobre como é essa relação que temos com o meio
ambiente, com a natureza e o quanto somos responsáveis pelo cuidado e pela necessidade de repensarmos
nossas ações para garantia do futuro. Com isso as sugestões para a diminuição desse quadro de poluição são
apontadas pelo personagem principal e, ao fim da história, o cenário se transforma em um ambiente limpo e
sadio, mostrando o quanto nossos atos resultarão em uma retomada de uma natureza perfeita e limpa. Então
perguntamos, será que mesmo com todas as medidas sugeridas pelo personagem, a cidade se transformaria em

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um lugar limpo, ordenado e despoluído? Mesmo que tomemos todas as providências possíveis para reparar a
poluição, o ambiente nunca retornará ao seu estado inicial. Porém, com esse questionamento, não queremos
dizer que não devemos zelar pelo bem do planeta. Pensamos ser prudente problematizar tais questões,
provocando nossos modos de enxergar o meio ambiente e a natureza para além de ―ações verdes‖. Como diz
Zilberman (2006), a Literatura Infantil auxilia a criança a construir seu entendimento de mundo. Portanto a
criança também aprende certas formas de comportamento enquanto lê, colaborando para a compreensão que
adquire também sobre as problemáticas ambientais.
Outro livro que traz a problemática do lixo é Não afunde no lixo, da autora Nilce Bechara (2011), que
também aborda as questões relacionadas ao recolhimento dos resíduos e sua separação. Zeca, o personagem
principal, chega da escola contando que na aula a professora disse que era o dia do Meio Ambiente. A partir
disso, a história se desenrola numa campanha de Zeca e seus amigos em limpar o bairro. Realizam então um
mutirão de crianças e ao longo do enredo são expostos os modos de separar o lixo, classificando-o por sua
composição e dando a ele o descarte correto nas lixeiras específicas.
- Pessoal, vamos fazer uma campanha na nossa rua, com muitos cartazes para não atirarem lixo na rua?
Que tal: Se liga no lixo!? E se todos colocarem uma lixeira suspensa na frente de casa? O que vocês
acham? - Pergunta Zeca.
- Apoiado! Apoiado! Apoiado! - Grita a turma. (BERCHARA, 2011, p. 26).

Temos aqui mais um exemplo de prática em prol do planeta, vinculada ao recolhimento e à separação de
lixo. Cada criança se coloca na posição de responsável e, juntamente com o grupo de amigos, faz a limpeza do
seu bairro. Ao deitar-se exausto, o menino tem um sonho, no qual é o capitão de um barco que luta contra um
monstro chamado Papa-lixo. ―Eles encaram novamente o monstro Papa-lixo. Feito o desafio. Mas cadê o lixo?
Não tem! A água é limpa e muito azul. Papa-lixo desaparece na água. – Oba! Oba! Gritam e as ondas suaves
balançam o barquinho...‖(BERCHARA, 2011, p. 32).Esse último excerto se mostra semelhante ao da história
anterior, em que, depois de uma ação e de sugestões de práticas ―ecologicamente corretas‖, o lugar envolvido se
regenera e se torna um ambiente limpo e saudável.
No livro O Canteiro, de Margareth Darezzo (2011), a autora mostra de diferentes formas como podemos
nos relacionar com o mundo, com os animais e com as pessoas; ensina como fazer uma horta e, ao final,
apresenta alguns comportamentos que temos que adquirir para que possamos cuidar do planeta, finalizando
com uma poesia:
O MUNDO DE HERANÇA
Onde está o mundo
Que você sonhou pra mim?
Um mundo de paisagens,
De águas transparentes,
De animais contentes
Vivendo em harmonia
Com flores, ar puro,
Num lindo amanhecer!
Por que você deixou
Tudo desaparecer?

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Fumaça, barulho,
Destruição sem fim,
Faça aquele mundo
Pra você e para mim!(DAREZZO, 2011, s/p)

A partir da leitura dessa enunciação, pode-se perceber o quanto a ação do homem está marcada pela
visão de degradação e de culpa. Se hoje vivemos as catástrofes, a culpa é nossa! O modo de vida moderno e
suas consequências aparecem retratados na poesia pela ―fumaça, barulho e destruição sem fim‖, dando a ver o
estilo de vida de grandes metrópoles, onde os veículos lançam cada vez mais poluição e provocam o
―desaparecimento das águas transparentes e dos animais contentes‖. Vê-se também uma clara exaltação de uma
natureza perdida, destruída pela ação humana. Não pretendemos aqui dizer que nós, a humanidade, não temos
nossa parcela de culpa nesse cenário apresentado pela poesia. Contudo, é preciso dizer também que essa
degradação não é feita apenas pelo homem individual, que, instantaneamente, conseguiria reverter aquilo que as
empresas, o consumo desenfreado de toda uma população fizeram com o planeta. Não se trata de uma ação
individual para ―salvar o planeta‖, como muitas vezes e romanticamente as histórias sob análise tratam. Dessa
forma, a partir do escopo teórico deste estudo, gostaria de provocar o pensamento do leitor – e o meu também –
acerca dos modos como enxergamos a natureza e o homem, colocando-nos, sempre, como responsáveis diretos
pela degradação ambiental. Com isso, é responsabilidade nossa a salvação deste mesmo planeta. Vale
pensarmos: ―ações verdes‖ individuais dão conta de ―salvar‖ a humanidade e a natureza das devastações
ambientais que por séculos vimos travando com o espaço em que vivemos? Dessa forma, tanto esse, quanto os
outros livros, propõe ações que partem do individuo, mas que acabam por mobilizar o coletivo também. Esses
são os maiores ensinamentos que vemos nos livros investigados.
A partir dos excertos que recortamos para este texto, procuramos mostrar o quanto as questões
relacionadas à Educação Ambiental nos livros sob análise se resumem a ações limitadas ao cuidado com o lixo,
a presença nociva do homem em relação à natureza, o engajamento em prol do resgate a uma melhor qualidade
de vida e a responsabilidade de cada um apontada em todas as histórias. Também é preciso destacar como
paradoxalmente o homem é retratado como aquele que destrói e usufrui da natureza de forma indiscriminada,
mas também é apontado como o principal responsável por desenvolver ações que apresentem como resultado a
diminuição das degradações feitas ao longo dos anos. Com isso, mostra-se visível sempre a marca
antropocêntrica onde ora de forma negativa, ora de forma positiva, o homem ainda se encontra como centro das
ações.
As enunciações e as imagens fazem com que olhemos para a Educação Ambiental como um processo
linear, em que a adoção de determinados comportamentos levam à resolução dos problemas. Assim, a Educação
Ambiental que circula nos livros é pautada principalmente na proposição da mudança de comportamento,
mostrando que pequenas ações podem sim modificar a condição de crise em que nos encontramos e que de
alguma forma temos que fazer algo para que essa situação se reverta. Esse discurso circula e nos afeta devido à
sua reverberação por diversos outros veículos midiáticos que reforçam essa ideia. De acordo com Bert (2013, p.
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181), ―os discursos são práticas sujeitas a regras particulares, entre elas, a regra de estarem sempre ligados a seu
contexto de produção.‖. Com isso, esses ensinamentos não estão descolados; eles compõem uma rede que se
atrela a outros discursos que amarrados dão sustentação à formação discursiva que visa a prevenção e a
segurança da vida na Terra.

Encaminhamentos Finais
Ao longo deste texto procuramos mostrar algumas enunciações que os livros infantis trazem com a
preocupação em indicar uma mudança de comportamento pensando na manutenção da vida no planeta. Dessa
forma, entendendo que essas dicas para salvar o planeta circulam nos livros que estão presentes em todas as
escolas a nível nacional, vemos que as estratégias não se dirigem ao corpo individual, mas sim a uma grande
parcela da população, promovendo uma ação que é destinada sempre ao coletivo, contribuindo diretamente para
uma mudança de comportamento. É incalculável o número de crianças que têm acesso a este material que, se
disponibilizado sem discussão e problematização, continua promovendo o esvaziamento do que se pensa sobre
a Educação Ambiental, deixando-se retratar, muitas vezes, apenas pelas questões relacionadas ao lixo, à
reciclagem e se utilizando da responsabilidade do indivíduo para atingir seus objetivos.

Referências:
BECHARA, Nilce. Não afunde no lixo. Birigui: Terra do Saber, 2011.
BERT, Jean François. Pensar com Michel Foucault. São Paulo/SP: Parábola, 2013.
CARRARO, Fernando. Se o lixo falasse. Barueri: Editorial 25, 2011
CARVALHO, Isabel Cristina Moura. Educação, Natureza e cultura: ou sobre o destino das latas. In:
ZARZKZEVSKI, S.; BARCELOS, V. (org.) Educação ambiental e compromisso social: pensamentos e ações.
Erechim: Edifapes, 2004.
COSTA, Marisa Vorraber, HESSEL, Rosa Silveira, SOMMER, Luis Henrique. Estudos culturais, educação e
pedagogia.Revista Brasileira de Educação, Maio/Jun/Jul/Ago Nº 23/2003. P. 36-61.
DAREZZO, Magareth. Canteiro. São Paulo: Anglo, 2011.
DOMENICO, Guga. A poluição tem solução. São Paulo: Voltaemeia, 2009.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: edições Graal, 1979.
GLOBO. Globo lança campanha para incentivar uso consciente de recursos. Site institucional. Disponível
em: http://g1.globo.com/economia/crise-da-agua/noticia/2015/03/globo-lanca-campanha-para-incentivar-uso-
consciente-de-recursos.html Acesso em: maio de 2015.
KIRCHOF, Edgar Roberto, WORTMANN, Maria Lúcia Castagna, BONIN, Iara Tatiana. Lições de
Sustentabilidade em um Jornal Brasileiro. Revista eletrônica Mestrado Educação Ambiental. ISSN 1517-
1256, v. 27, julho a dezembro de 2011. Disponível em: http://www.seer.furg.br/remea/article/view/3493/2075
acesso 21/04/2015.
KUTESA, San. Procura-se: Jovem para compartilhar ação climática de sucesso na Assembleia Geral da
ONU. Site Institucional. Disponível em: http://nacoesunidas.org/procura-se-jovem-para-compartilhar-acao-
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MARCHI, Diana Maria. A literatura infantil gaúcha. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000.
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ISBN 978-85-7566-380-6
MESQUITA, Armindo. Pintar a Natureza com as Letras, In: AZEVEDO, Fernando, MESQUITA, Armindo,
BALÇA, Ângela e SILVA, Sara (coord).Globalização na Literatura Infantil. Vozes, Rostos e Imagens. Lulu
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OST, François. A natureza à margem da lei. A ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 2006.

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO SANEAMENTO BÁSICO: UMA EXPERIÊNCIA EM
SÃO LOURENÇO DO SUL - RS150
Cibele Hax Gonçalves151
Dione Kitzmann 152

Resumo
Este trabalho apresenta o resumo do desenvolvimento de uma ação de Educação Ambiental realizada no Bairro
Medianeira, do município de São Lourenço do Sul (RS), o qual tem implementado políticas de gestão de seus
resíduos, tendo como marco a Política Municipal e o Plano Municipal de Saneamento Básico. Mesmo assim,
ocorrem problemas como o descarte incorreto de resíduos em pátios baldios, ruas e logradouros do município,
não sendo diferente no Bairro Medianeira. A partir do tema gerador ―descarte incorreto dos resíduos sólidos‖,
extraído desse contexto, a ação buscou despertar a reflexão sobre as causas e consequências desse fato. As
atividades ocorreram entre julho e novembro de 2014, tendo sido divididas em três momentos: mobilização,
diagnóstico e oficinas com a comunidade. Através do diagnóstico, obtivemos os seguintes resultados: o
descarte ocorre na maioria das ruas do bairro, sempre do lado oposto aos das residências, em pátios baldios.
Para os entrevistados, a causa do descarte são ―as pessoas‖, e como solução para problemática sugerem que
haja fiscalização. As oficinas com a comunidade apontaram demandas como calçamento das ruas e a
necessidade de uma associação de bairro.

Palavras Chaves: Educação Ambiental. Política Pública de Saneamento Básico. São Lourenço do Sul.

Introdução
O Município de São Lourenço do Sul está localizado na região sul do estado do Rio Grande do Sul às
margens da Lagoa dos Patos. Nos últimos anos, vem se destacando na implementação de políticas municipais
para gestão de seus resíduos, tendo como marco a Política Municipal e o Plano Municipal de Saneamento
Básico.

A implementação destas políticas se deu com o advento da Política Nacional de Saneamento Básico (Lei
11.445/2007), anteriormente ao advento destas políticas no município, o mesmo já havia implantado o sistema
de coleta seletiva, que realiza a coleta de resíduos orgânicos, recicláveis e de entulho nos bairros da zona
urbana, sendo esta coleta de responsabilidade da Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo (SMOU). Já as
ações e projetos de Educação Ambiental (EA) no município, bem como o recolhimento de pneus velhos e
eletrônicos são de competência da Secretaria Municipal de Planejamento e Meio Ambiente (SEPLAMA).

Porém, o município não foge de problemas como o descarte incorreto de resíduos em pátios baldios,
ruas e logradouros. Este descarte ocorre na zona urbana como um todo e não é diferente no bairro Medianeira e
como moradora deste bairro, a situação sempre me trouxe muitos questionamentos, e, com a possibilidade da

150
Este resumo resulta das atividades do curso de Educação Ambiental Lato Sensu, da Universidade Federal do Rio Grande
(FURG/UAB).
151
Tecnóloga em Gestão Ambiental, Discente do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental (PPGEA/FURG), Campus
Carreiros. Rio Grande – RS. cibele_hg@hotmail.com
152
Docente do Instituto de Oceanografia (IO/FURG), Laboratório de Gerenciamento Costeiro, Rio Grande – RS. docdione@furg.br
297
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realização da ação de Educação Ambiental, o tema e o local para a realização da mesma não poderiam ser
diferentes.

Diante destas considerações, no ano de 2014 realizou-se no bairro Medianeira a ação de Educação
Ambiental, que foi estruturada nas atividades de mobilização, diagnóstico e oficinas com a comunidade, tendo
como tema o ―descarte incorreto de resíduos sólidos‖.

Referencial Teórico

A Política Nacional de Saneamento Básico (Lei 11.445/2007) estabelece as diretrizes nacionais e a


política federal de saneamento básico, e um dos seus princípios básicos fundamentais é a universalização dos
serviços de saneamento básico.

A mesma lei define como saneamento básico o conjunto dos serviços, infraestruturas e instalações
operacionais em quatro componentes: abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e
manejo de resíduos sólidos e manejo de águas pluviais e drenagem urbana (Art. 3º). Define também que cabe
aos municípios organizar a prestação dos serviços de saneamento básico à população local, ficando sob sua
responsabilidade a elaboração da política e o plano de saneamento básico, que deve abranger a área urbana e
rural (Art. 48, inciso VII).

No mesmo documento está colocado que a EA assumida pelo Programa de Educação Ambiental e
Mobilização Social em Saneamento (PEANSS), prevê ações críticas, transformadoras, propositivas e
continuadas, considerando-a como um processo por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem
valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências, como anuncia a Politica Nacional de
Educação Ambiental (Lei 9.795/99).

Esta responsabilidade inclui planejar os serviços nos seus quatro componentes, prestá-los diretamente ou
delegá-los, definir o ente responsável pela sua regulação e fiscalização, definir os parâmetros de qualidade,
fixar direitos e deveres dos usuários e estabelecer os mecanismos de participação e controle social.153 (Art.11,
inciso V).

A Lei 11.445/2007 ao estabelecer o controle social como um de seus princípios fundamentais, o define
como o ―conjunto de mecanismos e procedimentos que garantem à sociedade informações, representações
técnicas e participações nos processos de formulação de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados
aos serviços públicos de saneamento básico‖ (Art. 3º, inciso IV). E o Plano Nacional de Saneamento Básico
(PNSB) traz que em seus projetos devam constar os programas e ações para a educação ambiental e a
mobilização social, bem como para o fortalecimento da participação e do controle social.

153
Grifo das autoras.
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O estabelecimento de políticas municipais e o plano de saneamento básico municipal além de serem
importantes no que tange à organização e melhoramento nos serviços de saneamento, é uma obrigação, pois o
Decreto n° 7217/2010 (Art. 26 inciso 2 e Art. 34, inciso 6) define que só tem acesso a recursos públicos da
União para os serviços de saneamento básico o município que tiver elaborado o seu Plano Municipal de
Saneamento Básico e instituído o controle social por meio de órgão colegiado de caráter consultivo.

Neste contexto, o município de São Lourenço do Sul, através da Lei 3.412/ 2012, seguindo as
orientações da Política Nacional, institui sua Política Municipal de Saneamento Básico Participativo (PMSBP)
e também aprova o seu Plano Municipal de Saneamento Básico Participativo (PLAMSABP).

Assim como na Política Nacional a participação e o controle social aparece como um dos princípios da
PMSBP, como estabelece o inciso V do Artigo 8º (―A participação social nos processos de planificação, gestão
e controle dos serviços‖), e nas diretrizes gerais, estabelecidas no Artigo 9º:

Promoção de programas de educação ambiental e sanitária, com ênfase na temática do


saneamento básico e áreas afins (inciso X); (grifo nosso)
Realização de investigação e divulgação sistemática de informações sobre os problemas de
saneamento e educação sanitária (inciso XI).

Já no PLAMSABP do município os programas de educação ambiental e sanitária não aparecem


estabelecidos, nem tampouco o mesmo faz referência sobre qual sistemática de divulgação de informações será
estabelecida.

As demandas das políticas nacionais e municipais trazem, além de um aporte teórico para prática,
também subsídios para organização da ação, pois nestas a participação aparece como diretriz para sua
elaboração, implementação e fiscalização.

Esta participação passa pela implementação de processos educativos que não sejam apenas informes,
mas que levem à participação qualificada dos atores. Ao se falar de Educação em Saneamento Básico podemos
remeter esta à educação no processo de gestão ambiental, pois, segundo Quintas (2005)

Falar em educação no processo de gestão ambiental nos remete a uma concepção educativa que
objetiva a participação qualificada na gestão do uso dos recursos ambientais, na concepção e
aplicações de decisões que afetam a qualidade do meio ambiente (QUINTAS, 2005).

Neste sentido, pensar em programas, projetos e mesmo pequenas ações de EA no tema saneamento
básico, é qualificar os participantes à participação, é buscar no saber popular a contribuição para uma prática
legitimada, viabilizando assim a atuação consciente dentro do processo decisório. Para tal, a EA não pode cair
no imediatismo, mas deve ser incorporada à realidade de cada região, com o envolvimento da comunidade
(SATO, 1999) para que se possa construir um processo participativo qualificado.

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Não obstante, é importante que os programas, ações ou qualquer atividade em EA sejam elaborados
considerando os princípios básicos e os objetivos da Educação Ambiental, estabelecidos respectivamente nos
Artigos 4º e 5º da Lei 9.795/99, que estabelece a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA).

Como o trabalho desenvolvido contemplou a temática dos resíduos sólidos, é preciso que observemos
também o que traz a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS) que aponta novos desafios para o poder
público e para os cidadãos. Dentre estes desafios, está a implantação de sistemas de coleta seletiva, com o qual
todos têm que estar envolvidos. E como meio de obter sucesso neste desafio, a PNRS traz como um de seus
instrumentos a Educação Ambiental (Art. 8º, inciso VIII). Neste sentido, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos
(MMA, 2012), determina que o papel da Educação Ambiental seja de sensibilização e mobilização,
influenciando diversos segmentos da sociedade e a população como um todo.

Segundo Quintas (2007), a proposta para educação no processo de gestão é que esta seja crítica,
transformadora e emancipatória, como definido a seguir:

Crítica, na medida em que discute e explicita as contradições do atual modelo de civilização, da


relação sociedade natureza e das relações sociais que ele institui. Transformadora porque ao
por em discussão o caráter do processo civilizatório em curso, acredita na capacidade da
humanidade construir um outro futuro a partir da construção de um outro presente e , assim,
instituindo novas relações dos seres humanos entre si e com a natureza. É também
emancipatória, por tomar a liberdade como valor fundamental e buscar a produção da
autonomia dos grupos subalternos, oprimidos e excluídos (QUINTAS, 2007, p.139, grifos
nossos).

E para que as práticas se concretizem no sentido crítico, transformador e emancipatório é preciso o


entendimento da educação como processo, que não acaba e não se encerra a cada nova ação executada, mas que
seja colocado como processo contínuo que precisa de revisão e de reestruturação permanente.

Importante também enfatizar que estas práticas não se darão no individualismo e na competitividade,
mas nas relações com e para com as pessoas, e começa no viver em comunidade na interação e nos encontros
dialógicos entre homens e mulheres nas respostas cotidianas de suas vidas, (SANTOS; SANTOS, 2005).

Metodologia

A metodologia da ação foi uma adaptação das sugestões encontradas no Caderno Metodológico para
Ações de Educação Ambiental e Mobilização Social em Saneamento do Programa de Educação Ambiental e
Mobilização Social em Saneamento (PEANSS) da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério

300
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das Cidades, o qual indica o diagnóstico participativo, a mobilização e a realização de reuniões com a
comunidade para escolha das ações a serem desenvolvidas (BRASIL, 2009). Como material de apoio à prática
utilizou-se o Guia de Limpeza Urbana do ano de 2013/2014 do município de São Lourenço do Sul.

A partir disso, a ação dividiu-se em três momentos: mobilização, diagnóstico e oficinas com a
comunidade, descritos a seguir.

1. Mobilização: Para que a ação pudesse ocorrer foi realizada a mobilização de entidades e atores do bairro,
através de contato direto com responsáveis pelas entidades ali presentes, EEEF Vicenti di Tolla, EMEI Mundo
Mágico, Unidade Básica de Saúde Lomba e Medianeira, APAE (Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais), Grupo de Redução de Danos.

Através de uma conversa foi apresentado o projeto e as intenções do mesmo e nesta reunião solicitei a
cooperação de cada instituição para que pudesse colher as informações necessárias ao trabalho. Também foi
contada a Secretaria de Obras e Urbanismo (SMOU) do Município, que disponibilizou o Guia de Limpeza
Urbana 2013/2014, o qual continha as datas de recolhimento dos resíduos, os tipos de resíduos recolhidos na
zona urbana do município e telefones das secretarias competentes. O material foi distribuído aos participantes
durante a ação.

2. Diagnóstico: Este momento constou de duas atividades, descritas a seguir.

2.1. Levantamento fotográfico: Para a realização do levantamento fotográfico foram convidados os


alunos do 9º ano da escola de Ensino Fundamental do bairro. O contato com a escola foi feito através da visita e
conversa com a diretora da mesma, onde foi exposto qual trabalho seria realizado com os alunos. Por uma
questão de disponibilidade de professores para acompanhar o trabalho foi direcionados ao mesmo os alunos do
9º ano.

Conforme a disponibilidade de horário dos alunos as caminhadas ocorreram no turno da manhã, assim
como também em turno inverso, no horário da tarde. Participaram nove alunos, do total de doze alunos da
turma. O registro foi realizado utilizando-se máquinas fotográficas e caderno de anotações.

2.2. Entrevista com moradores: Por se tratar de uma ação que ocorreria em curto espaço de tempo, e
visando facilitar o acesso aos moradores, estes foram entrevistados no Posto de Saúde local, na Associação de
Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), e na Escola de Educação Infantil do Bairro Medianeira.

Antes dos questionamentos os participantes recebiam informações a respeito do projeto de ação bem
como recebiam os panfletos com as datas de recolhimento dos resíduos no bairro. Após isso, os participantes
foram convidados a responderem os seguintes questionamentos: Qual a causa do lixo espalhado pelas ruas;
Qual a consequência do lixo espalhado pelas ruas? Qual a solução para o lixo espalhado pelas ruas? As
perguntas eram feitas oralmente aos participantes e as respostas anotadas em cartaz disposto na parede.

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3. Oficinas: Foram realizadas duas oficinas, com um intervalo de duas semanas entre elas, que ocorreram na
sede do Grupo de Redução de Danos, localizada na parte central do bairro. Foram utilizados equipamentos
multimídia, também disponibilizado pelo Grupo. As oficinas contaram com a participação de moradores do
bairro, alunos do EJA da escola local, participantes do Grupo de Redução de Danos, totalizando quinze
participantes em cada oficina.

A primeira oficina contemplou a apresentação do projeto de ação, resultado do diagnóstico e


apresentação dos instrumentos legais em vigor do município. Para tal se utilizou de recursos audiovisuais, com
apresentação em Power Point e utilização de equipamento multimídia. Também nesta oficina os participantes
tiveram espaço para refletirem e discutirem a respeito da temática proposta, bem como para proporem
alternativas para mitigação da problemática.

Para melhor organização das atividades durante a primeira oficina, os participantes foram divididos em
três grupos de cinco participantes cada. Estes receberam fichas (nas cores vermelha, verde e amarela), bem
como papel pardo e canetões. Foi proposto que cada grupo discutisse e propusesse três alternativas para
mitigação da problemática, e, com ajuda das fichas coloridas, deveriam priorizar as sugestões em função da
urgência de execução. Pois As fichas coloridas representavam a ordem apresentada no Quadro 2.

Quadro 2 – Cores e priorização das alternativas escolhidas pelos grupos das Oficinas.

Cores das
Priorização em função da urgência na execução das ações
Fichas

Ação prioritária, ou seja, a que deveria ser realizada imediatamente

Ação prioritária, porém a sua execução não necessita de imediata execução

Ação prioritária, porém sua execução poderá se dar em outro momento.

Fonte: Elaboração própria.

Após a escolha e priorização das ações cada grupo foi convidado a se apresentar aos demais
participantes da oficina. No seguimento da atividade, a ação prioritária (a que recebeu a ficha vermelha) de
cada grupo foi colocada novamente em votação. Desta vez todos os participantes deveriam escolher a ação
prioritária, que representaria a demanda de todos participantes.

Para a segunda oficina, foi convidado através de oficio o representante da Secretaria de Obras e
Urbanismo (SMOU). Essa segunda oficina serviria como espaço de debate entre os participantes e o
representante municipal, na qual seriam expostas ao mesmo uma prévia dos resultados do projeto e a ação
escolhida como prioritária pelos participantes.

Resultados e Discussão

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A coleta seletiva no Bairro Medianeira, segundo o Guia de Limpeza Urbana disponibilizado pela
SMOU, acontecia da seguinte forma: os resíduos orgânicos eram recolhidos nas terças, quintas e sábados no
horário da manhã; os resíduos recicláveis eram recolhidos nos mesmos dias, porém uma hora antes do
recolhimento dos orgânicos; o entulho era recolhido quinzenalmente, também no horário da manhã.

A partir do conhecimento da dinâmica de recolhimento (datas e tipo de resíduos coletados) foi realizado
o levantamento fotográfico nos dias posteriores aos da coleta. Este indicou que, nas ruas percorridas, na sua
maioria havia pontos de descarte irregular de resíduos, localizados sempre do lado oposto às residências, em
pátios sem construções, terrenos abandonados e valas. Dentre os materiais descartados foram encontrados
plásticos, madeiras, roupas, boa quantidade de resíduos orgânicos, pneus, eletrônicos, dentre outros materiais
que poderiam ser descartados nos dias de coleta seletiva.

Segundo Quintas (2009), a partir de uma condição ambiental ou tema gerador extraído do contexto, é
possível organizar uma ação e assim chegar aos resultados que se espera. Ainda quanto ao tema gerador o
mesmo autor traz que este pode ser um problema, um conflito ou potencialidade da comunidade. Neste sentido,
sendo moradora do bairro e compartilhando com os demais moradores das necessidades do mesmo, e
percebendo que o descarte incorreto dos resíduos sólidos configura-se como um problema para a comunidade,
tornou-se relevante trazer este tema para o trabalho a ser desenvolvido.

Durante as saídas com os alunos foi possível observar também que no dia de coleta de Entulho pelas
ruas do bairro os resíduos descartados incorretamente, também eram recolhidos como tal. Alguns pontos de
descarte, como observaram os alunos, já são pontos de descarte há muitos anos e mesmo assim não houve ainda
uma mobilização para que a situação fosse equacionada. Os alunos envolvidos nesta atividade mostraram certa
preocupação quanto à situação, porém manifestaram que não sabem como agir diante deste problema, mas
acreditam que os responsáveis pela coleta deveriam fiscalizar não só os moradores do bairro, mas também
como está sendo feito o recolhimento.

Dando seguimento ao Diagnóstico, realizou-se a Entrevista com os moradores, ao todo participaram da


entrevista 105 moradores do bairro, e como forma de registro foi solicitado aos participantes que assinassem
uma lista de presença.

Para a questão “Qual a causa do lixo espalhado pelas ruas?”, a maioria dos entrevistados colocou que
são as ―pessoas‖. Aparece também a Prefeitura Municipal como responsável, pois não fiscaliza, não
disponibiliza lixeiras e não faz recolhimento nos dias marcados. Também aparece como causa a presença de
muitos cachorros abandonados, que para se alimentarem acabam espalhando o lixo.

Na questão ―Qual a consequência do lixo espalhado pelas ruas?”, os entrevistados, na sua maioria,
responderam que eram as doenças, seguido dos entupimentos de valos e enchentes, e o aparecimento de moscas
e ratos.
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Para a questão ―Qual a solução para o lixo espalhado pelas ruas?”, os participantes apontaram em sua
maioria para: fiscalização (com intuito de punir quem descarta incorretamente os resíduos), campanhas e
reuniões (que explicassem melhor como descartar os resíduos), campanhas de conscientização, e união das
pessoas.

Estes questionamentos e respostas nortearam a organização do material a ser apresentado nas Oficinas.
Neste sentido, além de apresentar o projeto de ação e esclarecer quanto às datas e tipos de resíduos recolhidos e
formas de descarte, também se discutiu o papel de cada um e de todos no sistema de coleta seletiva.

O diálogo estabelecido durante as oficinas possibilitou observar que seus participantes têm um
conhecimento dos horários e itinerários da coleta seletiva no bairro, porém sentem dificuldades na hora de
separar os resíduos, como relatado por alguns participantes.

No decorrer das Oficinas foram levantadas outras questões que merecem atenção e também solução. A
primeira delas é o calçamento das ruas do bairro, sendo esta uma das demandas mais antigas dos moradores que
fazem críticas às administrações, colocando que estas não se interessam pelo bairro. Outra demanda apontada é
a falta de uma Associação de Bairro, onde os participantes colocam que já existiu no bairro uma Associação,
porém faz muitos anos que não atua mais, ressaltando que quando esta existia as coisas se resolviam de modo
mais rápido.

O representante da Secretaria de Obras e Urbanismo do município não compareceu à segunda Oficina,


nem enviou representante ou justificativa para a sua ausência. Diante deste não comparecimento, sugestionou-
se a elaboração de uma carta contendo a alternativa escolhida na primeira Oficina, ou seja, a fiscalização como
forma de mitigação da problemática. A carta foi redigida pelos participantes e recebeu assinatura dos mesmos.
Posteriormente esta foi entregue na SMOU, mas não foi recebida qualquer resposta à mesma.

A partir desta ação de EA, foram realizadas as seguintes observações: existência de poucos espaços
participativos, deficiência dos canais informativos entre bairro-prefeitura e, vice-versa, falta de consulta à
população para decisões que as afetam (ex: troca de datas de recolhimento de resíduos realizada anualmente
pela SMOU), fragmentação da gestão dos resíduos (no município compete a três Secretarias), recolhimento de
resíduo descartado incorretamente é recolhido como entulho pela SMOU.

Observamos também que entre o propõem as Secretarias competentes e o que ocorre na prática, ao
menos no bairro Medianeira, está distante das práticas ideais e pode, de certa forma, influenciar a não resolução
da problemática dos resíduos descartados incorretamente pois, como coloca Rucheinsky (2007), nenhuma
técnica ou planejamento é totalmente segura diante das incertezas do mundo real.

Outra questão constada é o entendimento dos participantes de que tanto o descarte incorreto quanto a
solução para esta situação deriva de ―outros‖, e esta não responsabilização (LESTINGE, 2004) pode ser

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derivada da frágil relação estabelecida entre os sujeitos com o seu meio, sendo que hoje habitamos lugares,
porém não estamos mais engajados com estes lugares.

Para que mudanças sejam possíveis, e os textos teóricos das leis sejam efetivados, será necessário mais
do que ações pontuais em comunidades. E para que esta mudança aconteça, a Educação Ambiental é outro
ponto de partida (BRANDÃO, 2007), o elo necessário para começarmos a pensar e a sentir nosso meio de
maneira diferente e para que entendamos que mais do preservar, conservar ou mitigar situações é preciso uma
nova ética de cuidados entre e para nós.

Considerações Finais

Muito além de um produto final, a ação desenvolvida proporcionou um maior conhecimento sobre o
tema aos envolvidos. Tal conhecimento não é objetivo e quantificável, mas expresso no olhar, no falar e no
participar de cada um que esteve presente. Brandão (2005), diz que podemos ou não estar conscientes disto,
mas cada troca de palavras, cada troca de gestos, cada reciprocidade de saberes e de serviços com uma pessoa,
costuma ser também um momento de aprendizagem.

As diretrizes das políticas públicas para as ações de Educação Ambiental para o saneamento apontam
para ações participativas onde os cidadãos possam opinar e atuar. Porém, o caminho para a efetivação desta
prática deve ser construído localmente, sendo preciso conhecer o contexto local, suas dinâmicas, os problemas
enfrentados, assim como os diferentes públicos as serem envolvidos nas ações.

Esta experiência nos mostrou que as ações de Educação Ambiental têm imenso valor, na construção de
novos saberes e entendimento locais, porém essas não devem ser realizadas pontualmente, mas devem estar
inseridas no nosso cotidiano, sendo assim começar pelo lugar onde moramos e vivemos e temos nossas
experiências, é também uma via para começarmos a nos posicionar, articular, denunciar e almejar a construção
da cidadania planetária (FRIEDRICH, 2013, p. 200).

Neste sentido, trabalhar com a comunidade e os grupos excluídos das decisões ambientais como propõe
Quintas (2005, 2007 e 2009) é uma forma de fazer Educação Ambiental no processo de Gestão Ambiental, pois
assim, as comunidades têm a oportunidade não só de desvelar seus problemas, mas também de pensar junto e
resolvê-los.

Referências
BRASIL, Lei nº 11445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico.
Disponível em: <www.planalto.gov.br/legislacao>. Acesso em: 18/10/2014.

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BRASIL, Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a Educação Ambiental, institui a Política Nacional
de Educação Ambiental e dá outras providências. Disponível em: <www.planalto.gov.br/legislacao>. Acesso
em: 18/10/2014.
BRASIL. MINISTÉRIO DAS CIDADES. SECRETARIA NACIONAL DE SANEAMENTO AMBIENTAL.
PROGRAMA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E MOBILIZAÇÃO SOCIAL EM SANEAMENTO. Caderno
metodológico para ações de educação ambiental e mobilização social em saneamento. Brasília, DF:
Ministério das Cidades, 2009.
BRASIL. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Plano Nacional de Educação Ambiental. 2012, 103 p.
Disponível em: <http://www.sinir.gov.br/web/guest/plano-nacional-de-residuos-solidos>. Acesso em:
08/04/2015.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues, Comunidades Aprendentes. In: Ferraro, L. A. Jr. Encontros e Caminhos:
formação de educadoras (es) ambientais e coletivos educadores, Departamento de Educação Ambiental,
Ministério do Meio Ambiente, Vol 1, Brasília, 2005.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues, Texto de Introdução, In: Ferraro, L. A. Jr. Encontros e Caminhos: formação
de educadoras (es) ambientais e coletivos educadores, Departamento de Educação Ambiental, Ministério do
Meio Ambiente, Vol 2,Brasília, 2007.
FRIEDRICH, Nelton, Gestão Participativa, In: Ferraro, L. A. Jr. Encontros e Caminhos: formação de
educadoras (es) ambientais e coletivos educadores, Departamento de Educação Ambiental, Ministério do
Meio Ambiente, Vol 3, Brasília, 2013..
SANTOS, Severiano Joseh Jr.; SANTOS, Alba Maria Nunes. Comunidades Educadoras. In: Ferraro, L. A. Jr.
Encontros e Caminhos: formação de educadoras (es) ambientais e coletivos educadores. Departamento de
Educação Ambiental, Ministério do Meio Ambiente, Vol 2, Brasília, 2007.
LESTINGE, Sandra Regina. Olhares de Educadores Ambientais para Estudo do Meio e Pertencimento, Tese de
doutorado, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. Piracicaba, 2004.
QUINTAS, José da Silva. Educação no Processo de Gestão Ambiental Pública: a construção do ato pedagógico.
In: Loureiro, C. F. B; Layargues, P. P; Castro, R. S. Repensar a educação ambiental: um olhar crítico. São
Paulo: Cortez, 2009.
QUINTAS, José da Silva. Educação na Gestão ambiental Pública, In: Ferraro, L. A. Jr. Encontros e
Caminhos: formação de educadoras (es) ambientais e coletivos educadores, Departamento de Educação
Ambiental, Ministério do Meio Ambiente, Vol 2, Brasília, 2007.
RUSCHEINSKY, Aloísio, Atores Socioambientais, In: Ferraro, L. A. Jr. Encontros e Caminhos: formação
de educadoras (es) ambientais e coletivos educadores. Departamento de Educação Ambiental, Ministério do
Meio Ambiente, Vol 2, Brasília, 2007.

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EDUCACIÓN Y GESTION AMBIENTAL:
POSIBLES Y NECESARIOS ENCUENTROS

Beatriz Dárdano154
E.T.E.A155
Intendencia de Montevideo- Uruguay

Resumen
Este trabajo intenta mostrar la tarea ambiental de la Intendencia de Montevideo a través del Equipo Técnico de
Educación Ambiental perteneciente al Departamento de Desarrollo Ambiental. El mismo procura articular la
educación ambiental y la gestión ambiental por lo cual su personal procura estar informado de las obras, planes
y acciones que se generan en el departamento para transferir a la ciudadanía esta información. Para ello se
llevan adelante actividades de difusión de la tarea ambiental que realiza la Intendencia de Montevideo y los
Municipios, construyendo y fortaleciendo fuertes vínculos con diversos actores y organizaciones. Es así que
tiene como desafíos aproximar a organizaciones, adultos, jóvenes y niños al conocimiento del entorno del cual
forman parte y al desarrollo conjunto de pautas de comportamiento para un mejor cuidado del ambiente
acompañando la gestión medioambiental que se propone desde la Intendencia de Montevideo.
Palabras clave: Educación. Ciudadanía. Ambiental.

¿Quiénes somos?

El Equipo Técnico de Educación Ambiental tiene como finalidad primordial articular la Educación y la Gestión
Ambiental, así como promover comportamientos cotidianos amigables y responsables con el ambiente por parte
de los montevideanos/as tanto niños, jóvenes y adultos.
Para realizar esta tarea se llevan adelante actividades de difusión de la tarea ambiental a través de espacios
colectivos de intercambio, por lo cual su personal procura estar informado de las obras, planes y acciones que
se generan en el departamento para transferir a la ciudadanía esta información. Para ello se busca construir y
fortalecer vínculos entre la Intendencia de Montevideo y los Municipios con diversos actores y organizaciones.

El ETEA esta conformada por: Área Educativa, Área Social y Sistema de Gestión de Playas.

Área Educativa: Trabaja en la construcción de procesos mediante los cuales los individuos y la colectividad
toman conciencia sobre su ambiente y sobre los conocimientos, los valores, las habilidades, la experiencia y la
determinación que les permita actuar, individual y colectivamente para resolver problemas presentes y
futuros.156 Esta tarea es llevada a cabo a través de talleres, concursos, recorridas, publicación de material

154
Magíster en Educacion y Sociedad, Equipo Técnico de Educación Ambiental, Intendencia de Montevideo,
beatrizinfancia@gmail.com
155
Equipo Técnico de Educación Ambiental, Intendencia de Montevideo
156
Definición del Programa Internacional de Educación Ambiental, PIEA, Moscú, 1987.
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didáctico, apoyo a comisiones de medio ambiente y contactos con ONG.
Área Social: Procura generar espacios de articulación con distintos actores sociales, estableciendo vínculos con
las distintas organizaciones para la resolución de situaciones ambientales; crear conjuntamente procesos de
aprendizaje transversales; construir una ciudad sustentable que integre a los diversos actores en sus entornos.
Para esto, acompaña en el proceso de diagnóstico, creación, implementación y evaluación de planes; fortalece
espacios de articulación entre éstos y promueve nuevos ámbitos que continúan y multiplican esta línea de
trabajo. A través de acciones en territorio, el Área Social aporta la visión departamental a la educación
ambiental, contribuyendo a fortalecer a las Organizaciones y Comisiones de Medio Ambiente zonales. De este
modo se establecen vínculos entre los distintos órganos de la IdeM, Municipios, ONGs y las organizaciones
locales, promoviendo así el trabajo grupal y en red.
El Sistema de Gestión de Playas funciona como una herramienta que posibilita la gestión integral de toda la
costa de Montevideo, esto permite asegurar a los usuarios el compromiso de una gestión ambiental demostrable
a través de certificaciones realizadas por organismos internacionales

¿Como se llevan a cabo sus objetivos?

1- Publicaciones

Iv Agenda Ambiental de Montevideo


El GAM (Grupo Ambiental Montevideo) y COMMAC (Comisión Mixta de Monitoreo Ambiental Ciudadano)
representan espacios de articulación e intercambio entre el Estado, ONGs, sector empresarial privado, sector
académico y sociedad civil con el apoyo de la Intendencia de Montevideo a través del Departamento de
Desarrollo Ambiental. En forma conjunta han confeccionado hasta el momento cuatro agendas ambientales
2000, 2002–2007, 2008–2012 y 2013– 2019.
Luego de un largo proceso, en 2015 se asistió a la presentación de la ―IV Agenda Ambiental de Montevideo‖ en
la búsqueda de consensos sobre el cuidado, conservación y mejora del ambiente y la calidad de vida de los
Montevideanos.

Manual de Educación Ambiental “UNA Travesía Ambiental”


Durante el 2012 se redactó y diseñó un Manual de Educación Ambiental, en convenio con CEMPRE
(Compromiso Empresarial para el Reciclaje).

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El mismo, busca ser un apoyo para los educadores al momento de debatir y construir conceptos acerca del
cuidado del ambiente. El objetivo del mismo es aproximar al niño, al joven y a las organizaciones al
conocimiento del ambiente del cual forman parte y la adquisición de pautas de comportamiento que valoren el
espacio público.

El manual se estructura a través de seis pilares fundamentales: Recursos Hídricos, Residuos, Atmósfera,
Energía, Áreas Rurales, Participación Ciudadana.

Cada área temática cuenta con actividades y tips prácticos. Luego de la entrega de los manuales en diversas
instituciones, se procedió a encuestar a quienes lo recibieron, acerca del diseño, concepto, utilización y aspectos
a mejorar. En función de esto en 2015 se lanza la segunda edición del manual con una mirada desde la
diversidad y el género. Nuevas imágenes, información y personajes que acompañan a los lectores/ as en la
aventura de la Educación Ambiental.
A través del acuerdo con el Plan Ceibal se logra la difusión del manual a nivel nacional.

Guía de gestión de residuos no domiciliarios en comercios


El objetivo de dicha Guía es brindar herramientas e información que permitan un adecuado manejo integral de
Residuos sólidos en los distintos tipos de comercios. Se dirige al pequeño comercio, pudiendo ser de utilidad
para aquellos de mayor escala, grandes superficies y otros.
En su interior se puede encontrar información acerca de que es un residuo, quien es responsable de su
producción, diferenciación entre residuos domiciliarios y no domiciliarios, la gestión integral de residuos, tipos
de residuos, manejo de residuos en los comercios, plan de gestión de residuos en los comercios, que es un
relleno sanitario, plantas de clasificación y normativa vigente.
El mismo fue realizado por el ETEA con el apoyo de la Asesoría jurídica del Departamento de Desarrollo
Ambiental, División Limpieza y CEMPRE.
Hoy en día se está confeccionando en el ETEA una Guía de RESIDUOS DOMICILIARIOS

Revista El Tomate Verde


El ETEA cuenta desde 2007 con un espacio para tratar temas ambientales y difundir sus programas educativos
en la revista El Tomate Verde, editada por REDES/Amigos de la Tierra. Se trata de una publicación bimensual
de alcance nacional que llega a 80.000 niños a través de los 1.600 maestros suscritos, además su difusión se
extiende también a Centros Comunales Zonales y clínicas pediátricas del CASMU.
Las páginas de esta revista transmiten motivación y concientización en asuntos ambientales a sus lectores. Es
utilizada por docentes de primaria como herramienta de difusión ambiental y posee un amplio alcance en el
público infantil.
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De esta forma se logra aproximar a adultos, jóvenes y niños al conocimiento del ambiente del cual forman parte
y estimular pautas de comportamiento para un mejor cuidado del mismo.

2- Concursos

Concurso de Educación Ambiental: “Mi Residuo, Mi responsabilidad”


Este concurso es desarrollado por la Intendencia de Montevideo, a través del ETEA dando participación al
Consejo de Educación Secundaria, Redes Amigos de la Tierra y Plan Ceibal. Tiene como objetivo contribuir
con un cambio de actitud en los ciudadanos en sus vida cotidiana y fomentar conductas amigables con el
ambiente
Se invita a los alumnos/as del primer y segundo ciclo de Liceos Públicos y Privados de Montevideo a participar
en ―Mi residuo, Mi responsabilidad‖. Se les solicita a los alumnos/as que creen una producción audiovisual que
incluya conceptos, ideas o propuestas relacionadas a la mejora de gestión ambiental referidas a la problemática
de los residuos en el municipio en que se encuentra el liceo.
En 2015 se está implementando la 4ta Edición del Concurso y los participantes están realizando los
audiovisuales con apoyo de educadores del ETEA . Se ha convocado al 100% de los liceos públicos y al menos
a 20 liceos privados.

3- Programas

Programa de Educación Ambienta “ANIMAEDUCATIVA”


Es un programa dirigido a nivel primario de enseñanza tanto pública, como privada. El mismo busca la
reflexión y discusión de cuestiones ambientales a través de la creación de animaciones, con el fin de formar un
espíritu crítico y participativo en los niños, actuando también como difusores/formadores de la temática
ambiental en su centro de enseñanza
Posee como objetivos concientizar y sensibilizar acerca del ambiente en que vive y sus problemáticas. Por otro
lado busca replantear los valores y fomentar un sentido de responsabilidad ambiental a través de la
participación activa; desarrollando un sentido critico y analítico de la información que brindan los medios de
comunicación; facilitando la adquisición de nuevas aptitudes para identificar y resolver problemas; generando
espacios educativos y de intercambio de experiencias y debatiendo como se puede actuar (personal y local) para
mejorar la situación

En el año 2015 se esta trabajando sobre las temáticas: Aire en Montevideo, residuos sólidos y el nuevo
contendedor de reciclado de aceite doméstico.
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Estos vídeos se realizan mediante un proceso educativo en formato audiovisual, realizado por los niños;
permitiendo la expresión creativa y participativa; construyendo un sentido de pertenencia por parte de todos los
actores involucrados.
Los vídeos elaborados se encuentran en el canal de YouTube denominado Animaeducativa157

4- Participación Ciudadana

COMMAC
La Comisión Mixta de Monitoreo Ambiental Ciudadano (COMMAC), es un espacio creado en el año 2002,
impulsada desde el Área Social del E.T.E.A. Está integrada porla Comisiones de Medio Ambiente de los
Centros Comunales Zonales y algunasONGs dedicadas a lo ambiental.
Tiene el propósito de monitorear el acontecer ambiental del Departamento de Montevideo y funciona como una
herramienta de diálogo y participación ciudadana, un encuentro de diversos saberes.

Sistema de Gestión de Playas


El SGA es una herramienta que se aplica desde 2004 y posibilita la gestión integral de la costa del
Departamento.

Para el desarrollo de esta tarea cuenta con el apoyo de la Unidad de Gestión de Calidad de la IdeM.

Asegura a los usuarios el compromiso de una gestión ambiental demostrable a través de certificaciones
realizadas por organismos internacionales, da cumplimiento, seguimiento e incorporación de cláusulas
ambientales aplicables al alcance de la gestión ambiental.

Su actuación se enfoca a la prevención de la contaminación, lo que implica reducir el riesgo de conflictos


ambientales. Un punto significativo resultó ser el control de la erosión costera a través de la preservación de la
arena.

Comité Participativo de Playas (CP)


La realización de mediciones y análisis periódicos de las actividades generadoras de aspectos ambientales de
las Playas del sistema, es uno de los pilares fundamentales en el control y seguimiento del SGA. Con el

157
https://www.youtube.com/user/Animaeducativa
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resultado de dicha identificación, existe un Comité Participativo de Playas que elabora un plan anual
correspondiente a las mediciones y análisis relativos a cada aspecto ambiental identificado.

El mismo esta encargado de la definición, análisis, seguimiento y mejora del sistema. Aquí se establecen los
mecanismos para fijar los objetivos del SGA y su cuantificación, ya sea fruto del análisis y la discusión de los
compromisos de la Política Ambiental, como de los aspectos ambientales identificados. Además se establece su
revisión, con la posibilidad de ser modificados de ser necesario.

La evaluación periódica del cumplimiento de los objetivos es realizada por el comité en sus reuniones, para
adaptarlos en función del desarrollo del SGA. El mismo responde a los reclamos planteados por diferentes
actores involucrados en el desempeño ambiental de las playas de Montevideo.

El CP ha establecido mediante el procedimiento: ―Comunicaciones externas‖ la sistematización en la recepción,


manejo y respuesta a las inquietudes significativas y diferentes comunicaciones, planteadas por usuarios,
proveedores y comunidad, con referencia al Sistema de Gestión Ambiental.

El CP identifica los posibles incidentes y accidentes ambientales en el proceso de definición de las actividades y
aspectos ambientales, a fin de prevenir las emergencias o responder de forma rápida y adecuada en caso de que
se produzcan.

Organismos Certificadores: UNIT por Uruguay y AENOR a nivel internacional, son los organismos
encargados de certificar la gestión ambiental de las playas de Montevideo con base en la Norma ISO 14001.

Playas con certificación:

Ramírez, Pocitos , Buceo, Malvín, Honda , De los Ingleses, Playa Brava , Franja costera entre playa de los
Ingleses y Buceo, incluyendo puntas rocosas y áreas verdes.

La planificación es una herramienta del Sistema de Gestión Ambiental de Playas. El cometido de la misma es
monitorear, organizar acciones e incorporar las evaluaciones para así evidenciar mejoras continuas.

Educación ambiental y gestión ambiental


Los conflictos ambientales, así como las soluciones, se multiplican, pero éstos no se resuelven sólo con
especialistas, sino que es fundamental la participación de ciudadanos y ciudadanas comprometidos y
comprometidas con el entorno y sus derechos.

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Para ello es importante promover la construcción de Ciudadanía Ambiental a través de la participación y
concientización, creando así una cultura ambiental que permita velar por el cuidado del entorno promoviendo
una ética ambiental e involucrando a la ciudadanía en el diseño de las políticas públicas. De esta forma las
personas pueden asumir un verdadero protagonismo en la definición de un modelo de desarrollo desde una
perspectiva ética y comunitaria, recuperando el sentido de pertenencia e identidad local, por lo cual es necesario
contar con estrategias de Educación Ambiental desde donde se construyan los conocimientos y reconocimientos
de los sistemas naturales que nos rodean y las interrelaciones sociedad-naturaleza.

Actores involucrados

La Educación Ambiental debe ser abarcativa e inclusiva de todos los ámbitos de enseñanza, pero además debe
llegar a los vecinos y vecinas, organizados o no, de todas las edades, recuperando los saberes locales de todas
las generaciones. Pero también otro grupo de interés para trabajar son las autoridades departamentales y
municipales como tomadores de decisiones en la gestión ambiental y todos aquellos que participan en la
gestión, para juntos construir ciudadanía que permita generar un verdadero diálogo en la discusión y propuesta
de las políticas ambientales locales y regionales.
Lograr esas sinergias es necesario para garantizar una cultura ambiental sustentable a nivel local.

Lineas de acción

Las lineas de acciones mas destacadas son:


• Promover encuentros, generar instancias de intercambio permanente que tiendan a desarrollar
comunidades pro-activas con permanencia en el tiempo e independientes.
• Sensibilizar respecto al ambiente cotidiano más cercano al ciudadano destacando fortalezas y
debilidades de la comunidad.
• Construcción de Diagnósticos Ambientales Participativos
• Trabajar con los vecinos en la elaboración de mapas comunitarios de riesgo, que permita a la comunidad
estar preparada ante eventos adversos aumentando su resiliencia.
• Accionar en RED como forma de optimizar recursos y colectivizar la información y las experiencias.
• Formación de Educadores y Comunicadores Ambientales que manejen un lenguaje común con criterios
consensuados, enfocados a vecinos, docentes, comisiones barriales, funcionarios públicos y
voluntariado, etc.
• Valorizar los saberes locales que dan sentido de pertenencia e identidad local.
• Elaborar materiales novedosos e interactivos (folletos, revistas, publicaciones, juegos) que consideren la
realidad local.
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La Intendencia de Montevideo junto con los gobiernos departamentales deberán trabajar desde una nueva
visión, donde el ciudadano junto a la intendencia y los municipios, dialogue, proponga, planifique y ejecute
acciones para mejorar la realidad local.

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EXPERIENCIANDO A COMISSÃO DE MEIO AMBIENTE E QUALIDADE DE VIDA
– COM-VIDA NA ESCOLA MUNICIPAL VINTE DE SETEMBRO

Aurici Azevedo da Rosa158

Resumo

As políticas públicas de educação ambiental nas escolas tem se multiplicado nos últimos anos. Os ministérios
de educação e de meio ambiente investiram na primeira década dos anos 2000 em projetos de mobilização e
participação de jovens, proporcionando o desenvolvimento de consciência ecológica, cidadania e o surgimento
de lideranças. As Conferências Infantojuvenis e as Comissões de Meio Ambiente e Qualidade de Vida – COM-
VIDA nas escolas tem possibilitado a participação e o aprendizado desses jovens, a COM-VIDA na EMEF
Vinte de Setembro não fugiu a regra. Além de formar lideranças, também tem contribuído à sensibilização e a
percepção ambiental. Fatores estes que se construíram no trilhar do trabalho. O presente relato intenciona rever
está política pública de educação ambiental ao mesmo tempo em que se debruça em demonstrar como ela se
encaminhou nesta escola. Salientando a relação cognitiva e sensível entre professor orientador e alunos/alunas.
PALAVRAS-CHAVE: políticas públicas, COM-VIDA, percepção ambiental, sensibilização.

Introdução

Intenciona-se aqui relatar a experiência vivenciada com a implantação e desenvolvimento da Comissão


de Meio Ambiente e Qualidade de Vida – COM-VIDA na Escola Municipal de Ensino Fundamental Vinte de
Setembro do município de Viamão/RS. A escola localiza-se na Vila Cecília, periferia do município de Viamão
e da região metropolitana de Porto Alegre. Enfrenta todas as dificuldades que uma escola pública se depara,
financeira, violência, drogas, falta de professores, etc. Apesar disso, é uma escola que tem um histórico de
ações sociais e ambientais, se tornando um referência à comunidade local e regional. Em função de ter
realizado o VI Conferência Infantojuvenil do Meio Ambiente em 2013, ela se inseriu no Programa Dinheiro
Direto na Escola – PDDE Escolas Sustentáveis, o que lhe conferiu uma relativa obrigação de construir a COM-
VIDA. Este fato se concretiza em 2015, e é esse relato de experiência que pretendo expor neste artigo.

Em função de ter realizado várias Conferências em outras escolas, mas não ter concretizado a
construção da COM-VIDA, considerei interessante e, especialmente significativo, esta vivência, por todo
aprendizado intelectual e sensível por mim experimentado e, também, pelo laço estabelecido com estes jovens.
A afinidade, a experiência, o mundo vivido neste caminho trilhado e conduzido, proporcionou o aprendizado
coletivo, onde ao mesmo tempo em que fui mostrando o caminho, aprendendo e ensinando e, eles construindo
sua própria identidade.

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Mestra em Educação pela PUCRS; Especialista em Educação Ambiental (UFSM); auricidarosa@gmail.com

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Breve histórico das Conferências e da COM-VIDA

Como política pública159 de incentivo e promoção à Educação Ambiental (EA) nas escolas, os
ministérios de educação (MEC) e meio ambiente (MMA), em parceria, iniciaram uma sequência de ações e
propostas envolvendo escolas, jovens adolescentes e professores. Uma dessas ações constituiu-se na realização
da I Conferência Nacional Infantojuvenil pelo Meio Ambiente na Escola – CNIJMA, em 2003 (BRASIL, 2012,
p. 7). Até o momento mais três Conferências se concretizaram nos anos de 2006, 2009 e 2013. A partir da I
Conferência os estudantes propuseram a criação de ‗conselhos jovens de meio ambiente‘, se concretizando na
COM-VIDA – Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida na Escola. Para se chegar à estrutura da
COM-VIDA, foi criado o programa ‗Vamos Cuidar do Brasil com as Escolas‘, programa este que passa a
concretizar várias ações e agregar os diferentes atores com o objetivo de criar e fortalecer a COM-VIDA como
―[...] um espaço permanente e dinâmico para ‗Cuidar do Brasil‘ (BRASIL, 2012, p. 7). No prefácio do livro
Vamos cuidar do Brasil: conceitos e práticas em educação ambiental na escola, trás bem claro estas intenções,
onde:

Este livro culmina um processo participativo, iniciado em 2003, com milhares de escolas e comunidades,
e conta com a experiência advinda de duas edições da Conferência Nacional Infanto-Juvenil pelo Meio
Ambiente, da criação da Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida na Escola (COM-VIDA), da
implantação de projetos de Agendas 21, entre tantas. É também resultado de um trabalho que debate,
dentro da escola, o local e o global, compartilhando conhecimentos e saberes com a comunidade,
trazendo lições que podem ser extraídas no dia-a-dia da escola.

Com Vamos Cuidar do Brasil – Conceitos e Práticas em Educação Ambiental na Escola, o MEC se
propõe a dialogar com professores e professoras sobre como a educação pode contribuir para a construção
de sociedades sustentáveis (BRASIL, 2007)

Já na II Conferência Nacional Infantojuvenil pelo Meio Ambiente na Escola – CNIJMA, em 2004,


torna-se necessário a presença das COM-VIDA na organização do evento, além de se fazer presente em todas
as demandas relacionadas às questões socioambientais da comunidade escolar. No manual de orientação para a
organização dessa Conferência, é apresentada bem claramente a importância da COM-VIDA, delineando sua
organização, orientações e pressupostos. O porquê da COM-VIDA vem da já citada indicação dos jovens
resultante da I CNIJMA. Quanto ao que seja esta Comissão trata-se de ―[...] uma nova forma de organização na
escola e se baseia na participação de estudantes, professores, funcionários, diretores, comunidade‖ (BRASIL,
2004, p.9). A sua organização é realizada pelo delegado ou delegada indicados/eleitos na CNIJMA, com a
colaboração de educadores. Caso a escola não tenha participado da conferência um grupo de alunos/as

159
Considerando a ética da sustentabilidade e os pressupostos da cidadania, a política pública pode ser entendida como um conjunto de
procedimentos formais e informais que expressam a relação de poder e se destina à resolução pacífica de conflitos, assim como à construção e ao
aprimoramento do bem comum (SORRENTINO, 2005, p.289).

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interessados e um professor formam a Comissão, onde se indicará ou elegerá o delegado/delegada (aluno ou
aluna) e seus suplentes.

É perceptível que a COM-VIDA vêm fortalecer as ações participativas e democráticas da escola e de


educação ambiental, pois seu principal objetivo é envolver não só alunos e alunas, como educadores de todas as
disciplinas e outros fóruns de ação e debate da escola, como Grêmio Estudantil, Conselho da Escola,
Associações de Pais e Mestres, dentre outros (BRASIL, 2004, p.9). Para tanto, são participantes da COM-
VIDA todos aqueles que tenham interesse em tornar a Escola um espaço de debate e participação. Além de
educandos e professores, são também convidados pais, pessoas da comunidade que se alinham a ideia de
cuidado ao ambiente local, ONGs, enfim diferentes atores que buscam um mundo melhor social e
ambientalmente.

Conforme o mesmo manual, a COM-VIDA tem a intenção de ―[...] envolver a comunidade escolar para
pensar nas soluções para os problemas atuais e na construção de um futuro desejado por todos [...] tem um
grande objetivo para todo o Brasil: Construir a Agenda 21 na Escola‖ e os seguintes objetivos específicos:

• Acompanhar a Educação Ambiental na escola;

• Organizar a Conferência de Meio Ambiente na Escola;

• Promover intercâmbios com COM-VIDAS surgidas em escolas do município, região ou estado.

Cada escola vai debater quais são os outros objetivos específicos da sua COM-VIDA (BRASIL, 2004,
p.10).

Após a formação da COM-VIDA dá-se a organização e planejamento das ações. Entretanto, o


delegado/delegada deverá organizar a primeira reunião com o apoio dos professores, convidando todos aqueles
que se alinham à temática socioambiental. Essa primeira reunião deve ser bem divulgada procurando atingir ao
máximo a comunidade escolar. Nela será discutido a aprovação da COM-VIDA, sua organização, agenda,
metas, plano de ação e o acordo de convivência que regrará as articulações e convívio entre os participantes
(BRASIL, 2004, p.11).

Em todas as Conferências realizadas a partir de 2004 tornou-se necessário a presença da COM-VIDA.


Previamente foi disponibilizado um manual orientando a sua formação e consolidação como órgão da escola
organizador da CNIJMA. Cada Conferência aposta em temáticas que orientam as abordagens e pesquisas nas
escolas e a comunidade onde esta se insere. Na I Conferência o tema foi Vamos Cuidar do Brasil, (BRASIL,
2004, p. 7).

Quanto a II Conferência acontece no início da Década da Educação para o Desenvolvimento


Sustentável. As questões de debate foram mudanças climáticas, biodiversidade, segurança alimentar e
nutricional e diversidade étnico-racial (BRASIL, 2006, p. 4). Foi a partir dessa etapa que o município de
Viamão se inseriu no contexto das Conferências. Em 2009 duas escolas municipais participaram efetivamente

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neste processo, sendo que uma delas possui até hoje a sua COM-VIDA. Comissão esta que só se concretiza
depois da III Conferência, enfrentando todas as dificuldades comuns nas escolas brasileiras, tempo de
dedicação de um professor orientador, espaço e envolvimento.

Ao passo que a III CNIJMA na escola, ocorrendo nos anos 2008/2009, se efetivou ―[...] em meio ao
enfrentamento de dois grandes desafios: um planetário - pesquisar, estudar e debater nas escolas as alternativas
civilizatórias e societárias para as mudanças ambientais globais; o outro, educacional, que acontece no bojo do
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) [...]‖ (BRASIL, 2009, p. 4). O tema central foi Mudanças
Climáticas, propondo-se os seguintes subtemas ―[...] a biodiversidade e a questão da homogeneização, das
queimadas e desmatamento; a água e o problema da escassez, da poluição e da desertificação; energia e
mobilidade, com a questão do modelo energético atual e dos transportes (BRASIL, 2009, p. 5), no que se
resumiu em água, terra, ar e fogo. Aqui a participação das escolas de Viamão se amplia, foram em torno de 13
escolas participantes. Uma delas foi a que realizou a II Conferência e que até hoje tem sua COM-VIDA e,
posteriormente foi contemplada com a verba do PDDE Escola Sustentável. E novas que aderiram a ideia das
Conferências.

Na última edição da CNIJMA, em 2012/2013, a abordagem foi Vamos Cuidar do Brasil com Escolas
Sustentáveis. A IV CNIJMA acontece ao final da Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável que
se encerrou em 2014. Portanto, a Conferência tenta resgatar as orientações de sustentabilidade com o objetivo
de tornar a escola um espaço educador sustentável. Fomentando valores éticos como respeito, cuidado e
responsabilidade socioambiental com a Terra em todos os seus âmbitos. (BRASIL, 2012, p.4).

Após a realização da Conferência, as escolas participantes se inserem no programa de governo intitulado


Escola Sustentável, programa este instituído nas escolas participantes da III Conferência e que se amplia após a
IV CNIJMA. Este projeto estimula a escola a se tornar um espaço de atividades de EA constituindo-se num
referencial na comunidade local. E ao realizar a IV CNIJMA na EMEF Vinte de Setembro se formalizou a sua
atuação como pólo irradiador de práticas socioambientais. Formalização esta decorrente de um histórico de
práticas em EA e ações socioambientais, de acordo com a exposição do próximo tópico.

Relato de experiência a COM-VIDA na EMEF Vinte de Setembro

A Conferência tornou-se um marco histórico em educação ambiental da EMEF Vinte de Setembro. Com
uma caminhada em projetos de EA, a realização da Conferência agregou todos os segmentos da escola,
promovendo uma teia de ações que contribuíram para o sucesso do evento. Realizada em 27 de agosto de 2013,
envolveu em sua organização alunos e alunas, professores e professoras de todos os anos. Foram nove grupos
com propostas onde a temática central foi à sustentabilidade dentro e fora da Escola. Apesar de ser um final de
tarde frio e úmido, característico do inverno do Rio Grande do Sul (RS), conseguiu-se uma platéia de mais de
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150 pessoas entre alunos e alunas, professores, direção, pais, comunidade e com a presença da Secretária de
Educação e assessorias. Além de representações políticas e de ONGs. Todos identificados com crachás
construídos pelos alunos com material reutilizado e sendo entregues pelo cerimonial de recepção. Pode-se dizer
que foi um sucesso. Além de se escolher a proposta foram eleitos a delegada e sua suplente (Figura 1).

Figura 1: na ordem votação e grupo selecionado

Após a Conferência, tentou-se colocar em ação o plano escolhido. Neste mesmo ano tornou-se difícil,
em função de diferentes entraves e com a aproximação do final do ano letivo. A professora orientadora não
tinha carga horária para se dedicar a COM-VIDA e os alunos/alunas, talvez por falta de prática de trabalho em
grupo e sem um orientador, não conseguiram dar continuidade. Em 2014, a mesma professora orientadora,
afasta-se para fazer seu mestrado, pouco se avançou na realidade escolar no que se refere à COM-VIDA.
Porém, se elaborou o projeto onde um grupo de professores delineou estratégias para tornar a escola um espaço
educador sustentável. Ao retornar em 2015, a referida professora consegue, com o apoio da direção, uma carga
horária para orientar a COM-VIDA, e assim se inicia uma série de ações que proporcionou a formação de um
grupo de alunos/alunas atuantes e empenhados em tornar a escola um espaço sustentável.

O grupo de alunos/alunas se constituiu por adesão voluntária, a professora passou nas salas de aula e os
convidou para uma reunião de formação da COM-VIDA. Os alunos e alunas eleitos na conferência ou não
estavam mais na escola ou não quiseram se envolver no grupo. A princípio um bom contingente de educandos
se manifestou em participar da equipe. Os encontros ocorriam duas vezes por semana no turno inverso, ou seja,
uma manhã atendendo o turno da tarde, e o grupo da manhã no vespertino. Na primeira reunião esclareceu-se o
que seria uma COM-VIDA e alinhavaram-se as possíveis ações do grupo. No próximo encontro estabeleceram-
se as linhas, os parâmetros que se tornariam as diretrizes de convivência da comissão. A equipe construiu um
cronograma de ações, onde o ponto de partida seria a formação para a COM-VIDA, ou seja, se debateria a
importância do grupo, os pressupostos teóricos e orientadores, o significado social, ambiental e político da
agremiação, etc. Enfim tudo que se refere à cidadania e as questões socioambientais. Além disso, a
identificação das deficiências da escola enquanto espaço educador sustentável. A ideia seria potencializar o
grupo para a ação socioambiental e política na escola, identificar lideranças que se tornariam os possíveis
candidatos a coordenadores ou delegados/delegadas da COM-VIDA. Ou seja, aqueles ou aquelas que na falta

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da professora orientadora pudessem dar continuidade ao projeto, coisa que se tornou significativa para um
momento futuro a ser relatado aqui.

Outro aspecto observado e trabalhado nos primeiros encontros foi a percepção, não a que se refere aos
sentidos, mas aquela que vai além do olhar, a que toca a sensibilidade. Fator este tão enrijecido nos dias atuais
em função da supremacia da racionalidade, da desatenção, da minimização de valores éticos de convivência
com todas as formas de vida e não vivas, humanas e não-humanas. Percepção esta que permite ver e sentir o
mundo vivido, que ultrapassa os ―[...] limites do cognitivo ou dos saberes científicos‖ (ROSA, 2015, p.151), ou
como oferece Merleau-Ponty em que ―o mundo é não aquilo que eu penso, mas aquilo que eu vivo; eu estou
aberto ao mundo, comunico-me indubitavelmente com ele, mas não o possuo, ele é inesgotável‖ (MERLEAU-
PONTY, 2006, p.14). A inesgotabilidade do mundo da escola e de seu em torno, sensível aos olhos e sentir,
produz a necessidade de repensar as condutas humanas, buscar uma nova ética que amplie a visão
antropocêntrica. Favorecendo uma educação que possibilite a percepção de nossas ações frente ao mundo
natural e o humano e que contribua na aquisição de uma ética de responsabilidade (JONAS, 2006, p. 39). E o
espaço da COM-VIDA parece ser propício as essas reflexões, pois foge a formalidade da sala de aula e a seus
conteúdos ainda rígidos, científicos e segmentados.

Paralelo a construção da COM-VIDA, nas reuniões de planejamento do início e no decorrer do ano


letivo, procurou-se envolver e mostrar aos educadores a importância do projeto. Como a escola se inseriu no
projeto do MEC de escolas sustentáveis, esforçou-se em alcançar todos os segmentos da escola.

Um dos primeiros problemas identificados pela COM-VIDA foi o recreio dos pequenos, dos alunos do
1º ao 5º anos. Visualizando um ambiente agitado, agressivo e barulhento, o grupo se interessou em cuidar o
recreio. Neste momento eles perceberam a dificuldade de contê-los. Na sua ignorância pedagógica, atuaram
com agressividade e dureza tentando colocar ordem no caos ―professora essas crianças são uns demônios‖
manifestou uma aluna ao final da demanda. Percebendo a inquietação deles e as suas dificuldades, a professora
orientadora resolveu aproveitar o momento para um aprendizado significativo. Inicialmente resolveu recordá-
los de suas infâncias. Após este momento sensível, os questionou quais seriam então as possibilidades de
proporcionar aos pequenos um recreio agradável, mas que não fosse repressivo. No debate surgiu a ideia de
construir brinquedos com materiais alternativos e reutilizados. Os alunos realizaram pesquisa na internet de
tipos de brinquedos e construiu-se boliche de garrafas pet, jogo da velha em bandejas de isopor, vai e vem com
garrafa pet e um dominó com caixas de leite (não concluído). Entre estes brinquedos o que mais fez sucesso foi
o boliche e o vai e vem (Figura 2)160.

160
Todos os alunos e alunas aqui expostos nas fotos possuem autorização prévia de uso de imagem no ato da matricula
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Figura2: construção de brinquedos alternativos

O próximo diagnóstico consistiu na horta da escola, iniciada em 2013 e trabalhada parcialmente em


2014. Os alunos verificaram o abandono e a necessidade de reativá-la, a princípio no mesmo local. Entretanto,
por necessidades da escola, a antiga horta foi desativada e realocada em outro lugar.

O novo ambiente necessitou de um preparo para se tornar uma horta, e os alunos da COM-VIDA não
mediram esforços para transformá-lo. Capinaram, transportaram terra fértil da antiga horta, a professora de
ciências colaborou na feitura dos canteiros e semeou-se. O grupo fez na escola uma campanha de doação de
mudas e sementes, juntamente com outra proposta trazida para a escola de coleta de óleo de fritura para venda a
uma empresa coletora deste produto. Boa parte da escola, principalmente os menores do 1º ao 5º anos e
professores, contribuiu com sementes e o óleo. A ideia da coleta e venda do óleo se constituiria em uma fonte
de renda para a COM-VIDA, visto que a verba da escola sustentável não tinha perspectiva de repasse. A
primeira semeadura não se mostrou muito eficaz, observou-se que a maioria das sementes não germinou e as
mudas demonstram maior eficiência (Figura 3).

Figura 3: trabalho na nova horta

Além da coleta e venda de óleo para suprimir a deficiência orçamentária, criou-se outra campanha na
escola, o recolhimento/recebimento de resíduos recicláveis para venda. Localizou-se na comunidade um galpão
que recebe e repassa este tipo de material e estabeleceu-se uma parceria. A comunidade escolar se mostrou
colaboradora com o projeto e passou a trazer para a escola seus materiais recicláveis. O grupo COM-VIDA
organizou o espaço e a campanha de recolhimento e, quinzenalmente, arrecadava-se um razoável valor. O
recurso era controlado pela professora orientadora e, juntamente com o grupo, compravam no comércio local
mudas para a horta, a um preço mais acessível, conforme negociações e divulgação do projeto da escola. Com o
tempo a horta passou a produzir hortaliças, como couve, rúcula, alface, etc. Parte do produto se repassava à
cozinha da escola e o excedente revendido aos professores, como mais uma forma de arrecadação financeira.
Era visível a alegria dos alunos da COM-VIDA, que não mediam esforços neste projeto. Pode-se dizer que a
horta constituiu-se na tarefa mais desejada por eles.

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A COM-VIDA também se envolveu na reestruturação e cuidado dos jardins da escola. Os alunos/as e a
professora orientadora pesquisaram no comércio local, e conseguiram mudas de flores a um preço mais
adequado. Interessante que o comerciante escolhido, ao ver o ofício da escola, as alunas e a professora
explicando o projeto não titubeou em colaborar e prontamente fez o desconto, podendo-se naquele momento
adquirir uma boa quantidade de mudas. O grupo utilizou garrafas pets para montar um jardim suspenso nas
paredes de alguns espaços da escola (Figura 4), o que deu ao ambiente outro visual.

Figura 4: Jardim suspenso

Houve um fato significativo na vida de todos, que se constituiu na visita de uma pesquisadora
canadense, a Dra Janet McVittie, bióloga com pesquisas em educação ambiental. O grupo vivenciou um misto
de alegria, importância, ansiedade, etc. Foi uma conversa informal, mas devido à dificuldade do idioma,
contou-se com a ajuda de duas alunas de doutorado da PUCRS que a acompanhavam. Embora houvesse este
obstáculo, a conversa fluiu muito tranquilamente, eles a pegaram pelo braço e a levaram para conhecer a horta,
a escola, o que eles estavam fazendo pelo ambiente da escola. Como resultado dessa experiência, a
pesquisadora se encantou e solicitou a colaboração do grupo para responder uma série de perguntas. Neste
momento já foram respondidas e estão sendo traduzidas pela professora de inglês da escola.

Neste breve relato observa-se a importância do trabalho do grupo para a escola, entretanto percebe-se
que o maior legado seja aos alunos/alunas. Com o passar do tempo, ou seja, em seis meses de atividades,
eles/elas desenvolveram habilidades que, conforme relatos, não haviam enfrentado. Escolher mudas, lidar com
a terra, pensar financeiramente, etc. A heterogeneidade do grupo proporcionou trocas e aprendizados a todos,
inclusive à professora que, apesar de bióloga, pesquisou em livros de horta como escolher mudas, formar
canteiros e também organizar a finança do grupo, dentre outros aspectos. Outro fator proporcionado pela COM-
VIDA, foi à vida em grupo, debater, compreender o outro, paciência, tolerância, valores éticos que às vezes
ainda não estão bem elaborados na adolescência. Escolher lideranças mostrou-se ao mesmo tempo um desafio e
aprendizado, após algum tempo de convivência, a professora orientadora propôs ao grupo a indicação da
coordenação. Perceberam-se a vaidade e a humildade, modalidades normais na psique humana. Todavia,
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verificou-se também o censo de justiça ao indicarem aqueles que se mostravam mais ativos e responsáveis. O
grupo da manhã parecia ser mais amadurecido e unido, já os da tarde havia um misto, mas mesmo assim,
escolheram com sabedoria e discernimento.

O aprendizado durante este tempo, a escolha das lideranças e o amadurecimento do grupo, contribuiu
para o enfrentamento mais difícil da COM-VIDA, a saída da professora orientadora. Por questões particulares e
profissionais, a professora teve que sair definitivamente da escola e da rede municipal. Este momento revelou-
se o mais crítico para todos. A professora mostrou ao grupo o grande desafio a ser enfrentado, incentivou-os a
manter a união, os objetivos propostos, enfim tudo que os unia e os motivava. Eles/elas manifestaram ―não
vamos deixar o projeto morrer‖ e é o que vem acontecendo. É pouco tempo, um pouco mais de um mês,
entretanto, o grupo tem se mantido firme neste propósito. A horta continua ―bombando‖, a arrecadação de óleo
e sucatas permanece, os jardins estão belos e cuidados. Religiosamente, todas as quartas pela manhã e quintas à
tarde eles vão para a escola para mantê-la como um espaço sustentável. Embora até o momento não tenha
nenhum educador/educadora os orientando, eles permanecem firmes. A comunicação via WhatsApp, onde
criou-se um canal de comunicação entre todos, permanece até hoje, inclusive a ex-professora, que os orienta na
medida do possível até o momento. Além de uma página pública criada no Facebook da Com-Vida EMEF
Vinte de Setembro.

A experiência da COM-VIDA na EMEF Vinte de Setembro, neste curto espaço/tempo é a experiência


do e no vivido. O corpo, não só a mente, explorou, sentiu cada momento, cada vivência, cada toque, foi o
caminhar e crescer junto. Este andar junto ―assim como acompanhar alguém é andar o mesmo caminho através
do mundo de experiência vivida, lembrar é também a pessoa refazer seus passos. Mas cada repasse é um
movimento original, não uma réplica‖ (INGOLD, 2010, p. 23). Eles acompanharam a professora, porém
criaram seus próprios caminhos. Talvez, a orientadora serviu como o ponto articulador e educador da atenção,
―criar situações‖, ir mostrando e proporcionando a experiência. Ainda como diz Ingold ―O processo de
aprendizado por redescobrimento dirigido é transmitido mais corretamente pela noção de mostrar. Mostrar
alguma coisa a alguém é fazer esta coisa se tornar presente para esta pessoa, de modo que ela possa apreendê-la
diretamente, seja olhando, ouvindo ou sentindo‖ (INGOLD, 2010, p. 21). E é por isso que eles agora criam seus
próprios caminhos, sabem e querem se autodirigem e conseguem levar a COM-VIDA com força e
determinação. Ao pergunta-lhes por que fazem isto a resposta de duas alunas foi:

 ―Por que podemos ajudar com o nosso esforço, nossa união pode transformar ajudar o planeta,
evitando várias coisas e preservando a natureza‖
 Por que nós ajudamos o mundo, por que nós fazemos bem as coisas, tipo as plantas, o mundo inteiro e
etc. Por que eu gosto, nós fazemos coisas legais! Por que nós plantamos e colhemos, por que nós
regamos, nós fazemos cartazes bonitos. É por isso que gosto do comvida‖

A diferença na vida desses adolescentes não foi a única a da professora também, valeu!

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Considerações Finais

Conforme o relato acima, se constata como se torna importante projetos que vão além das paredes da
sala de aula e dos muros da escola. Como as políticas públicas de incentivo a educação podem e são potências
ao aprendizado e ao crescimento como ser humano inserido no mundo. Mas não basta ter políticas de incentivo
se a escola não se mostra aberta, em todos os segmentos, a ensaiar esta experiência. Além da escola, as
secretarias de educação deveriam também se mostrar fomentadoras e fortalecedoras de tais projetos e políticas.
O que nem sempre acontece, em Viamão, por exemplo, são raras as escolas que tem esta oportunidade. A falta
de professores e de uma política de educação ambiental vem dificultando estas ações, muitos professores usam
seus horários de planejamento para esta orientação, trabalham por utopia e por acreditarem num mundo melhor
(ROSA, 2015, p. 132).

Nota-se também a importância da relação não só cognitiva como sensível entre o professor orientador e
os alunos/alunas. Estar ali mostrando e seguindo junto o caminho de construção socioambiental e humana
aproximou e facilitou o aprendizado. A experiência no vivido extrapolando o intelecto, o espaço e o tempo,
contribuiu à construção pessoal e a de uma consciência ecológica. Observa-se que educação se deu no tempo
real e também nos fluxos da relação. Ela vem do ambiente vivido, perpassa pelos caminhos, pelo saber, pelo
sensível e é percebida, apreendida e reconstruída. E vai se tornar própria de cada ser, de cada educando e do
educador.

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GRUPO DE ESTUDOS MOVIMENTO E AMBIENTE:
A AMBIENTALIZAÇÃO CURRICULAR

Álvaro Luís Ávila da Cunha161

Resumo
O Grupo de Estudos Movimento e Ambiente (GEMA) foi criado em abril de 2011. É constituído por
acadêmicos/as e docentes dos cursos de Licenciatura em Educação Física e Ciências da Natureza, além de
integrantes dos cursos de Aquicultura, Enfermagem e Fisioterapia da Universidade Federal do Pampa
(UNIPAMPA) Uruguaiana/Brasil. Nosso objetivo tem sido mostrar o contexto local e global, favorecendo o
processo de formação e atuação profissional. Considerando o corpo como ambiente, construímos aproximações
entre o ritmo orgânico corporal e o ritmo do ambiente, possibilitando a percepção de que somos ambiente e
cultura. A cidade se transformou em espaço e tempo de criação. Produzimos conhecimentos que emergem no
movimento, em práticas corporais como caminhadas e pedaladas pelos bairros, regiões centrais e arredores; no
contato com pessoas de outras instituições; no processo de vivenciar diferentes universos socioambientais; nos
modos de habitar; na valorização e problematização dos lugares em que vivemos, moramos, estudamos,
trabalhamos; no encontro com culturas, dentro e fora dos espaços institucionais de ensino. Neste percurso,
construímos outra organização e articulação entre saberes e conhecimentos – ambientalização do currículo.
Palavras-chave: GEMA, práticas corporais; corpo; ambientalização curricular.

.
O Brasil é conhecido por suas proporções continentais, significativa variedade climática, respeitável
patrimônio ambiental/cultural, uma imensa biodiversidade. À medida que se consolidam demandas
direcionadas ao resgate da enorme dívida social existente no país, cresce proporcionalmente a pressão sobre a
sustentável e saudável utilização dos ―recursos naturais‖ disponíveis. Entendemos corpo e ambiente como
indissociáveis; acreditamos que a justiça social implica economia sustentável. Sustentabilidade entendida como
a capacidade de por fim a aporia da sociedade contemporânea que produz alimentos para 15 bilhões de pessoas
e alimenta satisfatoriamente somente 5 bilhões, de seus quase 7 bilhões de habitantes; desconsiderando, muitas
vezes, a qualidade do alimento produzido. Alteramos bruscamente nossos ecossistemas, destruímos fenômenos
que possibilitam a continuação da vida de inúmeras espécies animais e vegetais. Como exemplo recente, no ano
de 2015, o fim do encontro de águas da conhecida Pororoca162, no norte do Brasil, provocado pela pecuária
extensiva e pela construção de hidrelétricas Os argumentos e a ética parecem erodir frente à lógica da ciência
econômica.
Nesse contexto, nas instituições educacionais, licenciandos/as e docentes estão construindo alternativas
pedagógicas e curriculares adotando e garantindo formas de ensino e aprendizagem que consideram a
problemática ambiental como currículo. A esse processo muitos denominam ambientalização curricular e, como
registra o autor, ela está implicada com ―o processo de inovação que realiza mudanças no currículo através de

161
Doutor em Educação Ambiental. UNIPAMPA – Uruguaiana/RS. E-mail: alvaro.balas@gmail.com.
Eixo temático 2 - Espaços consolidados e políticas de Educação Ambiental
162
O encontro do mar com o rio Araguai, na Amazônia, foi interrompido. Especialmente a produção pecuária desencadeou o
assoreamento do referido rio.
326
ISBN 978-85-7566-380-6
intervenções que visam integrar temas socioambientais aos seus conteúdos e práticas‖ (KITZMANN; ASMUS,
2012, p. 270).
Além da Política Nacional de Educação Ambiental-PNEA163 (considerada por muitos/as educadores/as e
ambientalistas brasileiros/as mais do que um avanço na política educacional do país, uma verdadeira conquista
dos movimentos sociais, nos últimos anos ou mesmo décadas, foram elaboradas em 2012 as Diretrizes
Curriculares Nacionais específicas para a Educação Ambiental164, que prescreve:
O reconhecimento do papel transformador e emancipatório, da Educação Ambiental
torna-se cada vez mais visível diante do atual contexto nacional e mundial em que a
preocupação com as mudanças climáticas, a degradação da natureza, a redução da
biodiversidade, os riscos socioambientais locais e globais, as necessidades planetárias
evidencia-se na prática social (...).

Neste contexto, os cursos de Licenciaturas também estão produzindo dispositivos de formação que vão
ao encontro da legislação e das necessidades educacionais. Nossa universidade é separada em dez unidades
espalhadas pela metade sul do estado do Rio Grande do Sul, no Brasil. O bioma pampa abrange quatro países;
isto significa que transitamos em zonas fronteiriças com Uruguai, Argentina, próximos do Paraguai.
Acreditamos que a formação docente combina com estradas e caminhos, percursos que possibilitam a
fabricação de conhecimentos e saberes.
O Grupo de Estudos Movimento e Ambiente – GEMA, da Universidade Federal do Pampa de
Uruguaiana-Brasil objetiva tornar mais visível o contexto e as comunidades escolares envolvidas nas ações
educativas de licenciandos/as, favorecendo o processo de formação e atuação profissional. Buscamos
oportunizar o contato, o conhecimento e a reflexão acerca das formas de habitar e viver a cidade, utilizando
práticas corporais como a caminhada e a pedalada. A cidade vem constituindo o universo subjetivo dos/as
estudantes, permitindo fazer a articulação entre o global e o local, entre a educação básica e os cursos de
licenciatura, entre o corpo e o ambiente. Subjetividade que se faz presente nas palavras do autor:

Poderia falar de todos os lugares, destas ruas, daquelas casas, do cheiro de capim molhado e esterco, do
vento e da chuva em nossas caras, no jogo mágico e sincrônico dos músculos e articulações nos fazendo
movimentar, de nosso metabolismo alterado depois da primeira meia hora de trajeto, do som das águas,
da força dos verdes, do silêncio da noite de luas. Confesso que meus ―recuerdos‖ (re-cordar significa
voltar ao coração), minhas melhores e mais frequentes lembranças referem-se aos estudantes quase
colegas trilhando vias, como se estas só existissem para que elas e eles desfilassem, as enchessem de cor,
movimento, graça e um natural barulho. Os lugares precisam de nós para que continuem existindo, e nós
precisamos dos lugares para nos tornar maiores, mais vastos, mais amplos mais e mais humanos,
humanas. Educar é se oferecer à vida (CUNHA, 2010)165.

Além do estudo das comunidades escolares, lugares e ambiência, propomos o desafio de relacionar o
conhecimento local regionalizado com o macropolítico. Acreditamos que, nesse contato com diferentes

163
Lei Federal nº 9.795, de 27 de abril de 1999.
164
Resolução nº 2, se 15 de junho de 2012 estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental.
165
Discurso proferido na formatura do Curso de Licenciatura em Educação Física da UNIPAMPA-Uruguaiana- Brasil em 2014.
327
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contextos, os/as estudantes poderão visualizar mais atentamente os elementos culturais que sustentam uma
possível identidade. Nesse sentido escreve o autor:
Finalmente podemos perguntar: como a escola organiza e transmite as representações do urbano? Qual o
lugar dos lugares de memória nos processos educativos escolares? É preciso que perguntemos: que cidade
estamos, ontem e hoje, dando a ver/ouvir/sentir/cheirar aos nossos estudantes? (FILHO, 2006, p.118)

Considerando o corpo como ambiente, construímos aproximações entre o ritmo orgânico corporal e o
ritmo do ambiente, possibilitando a percepção de que somos o ambiente e cultura – produzimos sentidos e
significados à vida e ao mundo. Problematizamos a relação corpo/ambiente/cultura na busca e ou construção de
saberes frutos da vivência empírica de trilhar caminhos.
O caminhar desde o início do processo civilizatório garantiu nossa sobrevivência e, na atual sociedade
dromológica166, como anunciou Virilio (1996), velocidade/mobilidade são estratégias de sobrevivência e estilo
de vida. O saudável ato de caminhar, este colocar-se em movimento, aprendendo com o ritmo da paisagem,
com o habitar das casas e com as formas de olhar e percorrer as ruas faz pensar outra sociedade, menos
degradada, em que os indivíduos se compreendam parte da natureza. Como escreveu o poeta ―a rua só é rua
porque necessitamos caminhá-la, porque as casas, enquanto moradas singulares, precisam ser lidas em seu
conjunto na escrita do improviso dos pés‖ (ANDRÉ, 2012, p.2).
A irrigação, oportunizada aos tecidos de nossos órgãos, estimulada pela atividade aeróbica de baixo e
médio impacto (caminhar/pedalar) nutre o organismo ao mesmo tempo em que fortalece o sistema
cardiopulmonar. Em nossas aprendizagens, em espaço aberto, a aventura também nos acompanha, superamos
limites e desenvolvemos a segurança individual. Investimos na solidariedade coletiva em esportes como o
rafting; no equilíbrio e na força necessários ao rappel e à escalada, no silêncio do corpo em meditação, como
nos templos budistas da cidade de Três Coroas no RS.
A seguir, elencamos alguns desafios específicos que têm orientado nossas investigações e nos auxiliam
à ambientalização do currículo de graduação dos cursos de Licenciatura:
-cartografar o município de Uruguaiana e suas fronteiras a partir da experiência de andar, ver e registrar;
-desenvolver o hábito de andar, correr e pedalar como práticas de liberdade e bem estar;
- compreender a Educação Física como componente curricular potencializador de processos interdisciplinares;
- alargar o espaço pedagógico percebendo a cidade como currículo; aproximar os cursos de licenciatura da
UNIPAMPA- Uruguaiana;
- apresentar a cidade como campo de estudo da cultura local;
-criar equipes multidisciplinares para coordenação do trabalho; construir roteiros geográfico-históricos;
-publicar a Cartilha de Uruguaiana – os caminhos de uma cidade (mapa socioambiental);
-elaborar material videográfico e fotográfico das saídas de campo realizadas pelos/as estudantes;
-problematizar o pertencimento como cultura pedagógica necessária à docência;

166
Dromo do grego, corrida - a lógica da corrida.
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-perceber as diversas realidades locais, as pluralidades de modos de vida que comporta uma localidade;
-identificar áreas, locais, prédios capazes de contar os caminhos trilhados pela cidade;
-desenvolver a escrita a partir dos registros sistemáticos (observações e narrativas de jornada);
-percorrer as distâncias do município a partir do deslocamento: andar e do pedalar;
-sensibilizar os/as estudantes aos ambientes urbanizados e menos impactados pela ação humana;
-enriquecer o universo subjetivo dos/as estudantes a partir da cidade, permitindo fazer a articulação entre o
global e o local, entre a educação básica e os cursos de licenciatura, entre o corpo e o ambiente;
-oportunizar ao/a futuro/a professor/a experiências de pesquisa das realidades educacionais em que atuará,
planejando sua intervenção, ampliando o campo de estágio e do próprio trabalho de conclusão do curso.
-construir um perfil socioambiental de comunidades escolares percebendo o ambiente escolar não somente
como o prédio em que se ensina, mas como ambiente que se apreende;
-visualizar mais atentamente os elementos culturais que sustentam uma possível identidade regional;
- propor às escolas envolvidas repensar projetos políticos pedagógicos, planos de estudo e regimentos em
função dos estudos realizados;
-produzir pôsteres e demais trabalhos a serem apresentados e publicados em eventos e periódicos da área, além
de textos e relatos distribuídos nos órgãos de imprensa e no site da universidade.
Temos vivenciado saídas e reuniões semanais, trilhando o rio Uruguai e seus arroios, participação no
―VI Congresso Brasileiro de Atividades de Aventura em Pelotas‖ e na ―1ª Jornada de Estudos do rio Uruguai ao
oceano Atlântico – balneário Cassino-Rio Grande‖ e, recentemmente, o convite da 10ª Coordenadoria Regional
de Educação - CRE para organizarmos algumas saídas de campo com professores/as e escolares da rede pública
de Uruguaiana.
Nossas perspectivas se voltam para o envolvimento com as comunidades escolares, em direção ao
estudo das diferentes realidades socioambientais, agregando os materiais elaborados nestes anos, projetando e
produzindo o mapa socioambiental a ser distribuído como material pedagógico nas escolas de educação básica.
Estamos investindo na aproximação com as instituições escolares e no alargamento da visão sobre a
região de Uruguaiana, nos seus múltiplos aspectos. Ao mesmo tempo em que buscamos associar estudo de
realidades com propostas pedagógicas, criamos oportunidades para estudantes se aventurarem em lugares,
ritmos e ambientes não urbanizados, nas histórias esquecidas pelo mundo veloz, efêmero e imediato das
cidades.
Desde abril de 2011, este grupo se volta para a ambientalização de currículo, compreendida como: ―a
inserção de conhecimentos, de critérios e de valores sociais, éticos, estéticos e ambientais nos estudos e
currículos universitários, no sentido de educar para a sustentabilidade socioambiental‖ (GUERRA;
FIGUEIREDO, 2014, p.111),
Em atividades com escolares da educação básica, relato do acadêmico, ao se referir à composição do
grupo, nos faz imaginar possibilidades interdisciplinares. Felipe, acadêmico do curso de Licenciatura em
329
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Ciências da Natureza, mostra167 o encontro de diferentes indivíduos, de diferentes disciplinas e áreas do
conhecimento:
Jornada Arroio Cacaréu

Sexta-Feira, dia 19/06/2015, pela parte da tarde foi realizada uma caminhada/trilha ecológica em
comemoração ao mês do meio ambiente.O ponto de encontro para a saída a campo foi na E.E.E.M. Dom
Hermeto às 13h30min, com destino ao Arroio CACARÉU que percorre o extremo oeste da cidade de
Uruguaiana (RS) e deságua no Rio Uruguai.Participaram desta caminhada estudantes da E.E.E.M. Dom
Hermeto, especificamente alunos do 9º ano; Profº. Elias Rodrigues responsável pela turma, Profª.
Multiplicadora do Programa de Educação Ambiental na E.E.E.M. Dom Hermeto - Maria de Lujan
Berreneche, as Prof(as). Biólogas convidadas Maristela Plucinski Cardoso e Marlise Grecco Silveira -
Assessoras Ambientais representando a 10ª CRE (Coordenaria Regional de Educação) e representantes da
Comissão Binacional de Saúde e Meio Ambiente (Uruguaiana-BR e Paso de Los Libres-AR), uma equipe
da Brigada Militar, a turma 03 de Técnicos em Segurança do Trabalho (SENAC URUGUAIANA), o
Ambientalista e Idealizador do Grupo Ação pelo Rio Uruguai o Sr. Arcidio Trojan
(FACEBOOK:http://migre.me/qp86t), acadêmicos de Educação Física e Licenciatura em Ciências da
Natureza da Universidade Federal do Pampa (Campus de Uruguaiana), além de integrantes do Grupo de
Estudos Movimento e Ambiente (GEMA) da Unipampa, liderado pelo Coordenador do Grupo (2015,
p.2).

O espaço e tempo de produção de conhecimento emergem com o movimento, no deslocamento – a pé


ou de bicicleta – pelos bairros e pela região central da cidade e arredores, no contato com pessoas de outras
instituições, no processo de vivenciar diferentes universos socioambientais, nos modos de habitar, na
valorização e problematização dos lugares em que vivemos, moramos, estudamos, trabalhamos, na articulação
entre diferentes conhecimentos e, especialmente, no encontro com culturas diferentes, dentro e fora dos espaços
acadêmicos.
Ao longo do trabalho conhecemos outras cidades, lugares e ecossistemas. Uma dessas experiências foi
relatada168 pelo jovem estudante do curso de Licenciatura de Educação Física e integrante do GEMA:
Em uma praia tão grande que se estende por mais de 220 quilômetros, vai da barra do Rio Grande à barra
do Chuí [...] Em pequenos passeios com breve caminhadas descobrir belezas que passam despercebidas
em multidões que no inverno dizem adeus [...] Os detritos que se vê às vezes matam animais, mas serve
de alimentos para outros (2015, p.3)

O rio encontrou o mar em nossas expedições de estudo, que cruzavam o estado do Rio Grande do Sul de
Oeste para Leste, de Uruguaiana até a praia de Torres (litoral norte) e Parque dos Aparados da Serra; ou para a
praia do Cassino, cidade do Rio Grande e Pelotas (litoral sul); percorremos ambientes oceânicos, marismas,
banhados e praias. No centro do estado trilhamos a estrada do Perau em Santa Maria e perambulamos entre
paredões de pedras e matas, incríveis grutas e cascatas em Nova Esperança do Sul. Além da cidade de Itaqui e
suas ruas – túnel do tempo com paralelepípedos lisos e casas com pé direito baixo.
Nossas ações contabilizam 426 horas de atividades voltadas ao ensino, pesquisa e atividades de extensão
englobando e construindo conhecimentos nas áreas de Educação Física, Ciências, Estudos Sociais e Artes.

167
Fragmento do registro online, encaminhado ao Grupo de Estudos Movimento e Ambiente - GEMA.
168
Fragmento do registro online, encaminhado ao Grupo de Estudos Movimento e Ambiente- GEMA
330
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Conta com a participação das Licenciaturas de Educação Física e Ciências da Natureza, dos cursos de
Aquicultura, Enfermagem e Fisioterapia, estudantes e professores da rede pública de ensino.
As tabelas abaixo, são sínteses de nossas jornadas. As atividades incluem saídas, expedições, oferta de
cursos de formação, participação em eventos, apresentação de trabalhos, publicações de artigos, capítulos de
livro e resumos.

Saídas de campo Uruguaiana Expedições ambientais

Arroio Cacaréu (4) Torres-RS – trilhas

Salso de cima (3) Três Coroas trilhas e


esportes de aventura:
raffting, rapel cachoeira,
tirolesa
Salso de baixo (1) Rio Grande-Cassino museus
e palestra ambiental NEMA

Pastoril (2) Nova Esperança do Sul


trilhas e oficina de
astronomia

União das Vilas (1) Cambará do Sul- trilha


Itaimbezinho

Quartéis UNIPAMPA (1) Itaqui-trilha margens do


Uruguai e cidade

Cantão (3) Praia Formosa (1) Paso de los Libres (2)


corrida na costaneira-trilha
urbana

Estância de Santiago (2) Rio Grande Cassino trilhas e


oficina

QG (1) Trilha do Perau Santa Maria

Volta Ciclística (3) Pelotas participação evento


– esportes de aventura: rapel
paredão de pedra escalada
Tabela 1-saídas de campo

Eventos Cursos oferecidos


V CEBAA (Congresso Brasileiro Curso Educação
331
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de Atividades de Aventura – Ambiental: a dimensão
Pelotas/RS) ecológica nos saberes
acadêmicos

III Extremos do Sul – Formação Semana de estudos:


Profissional em Educação Física filosofia, arte, história e
(FURG- Rio Grande/RS) ambiente.

IV, V, VI SIEPE (Salão Seminário de educação


Internacional de Ensino, Pesquisa ambiental: sonho, cinema e
e Extensão). trilha.

IV, V, VI SIEPE (Salão Seminário de educação


Internacional de Ensino, Pesquisa ambiental: sonho, cinema e
e Extensão). trilha.

I Simpósio Sulbrasileiro de
Educação Física e Saúde
(UNIPAMPA-Uruguaiana)
Tabela 2- Eventos e Cursos

Publicações

Trabalhos de Conclusão de Curso (dois)


- Título do TCC Possibilidades da educação física na
perspectiva ambiental: um relato de caso do grupo de estudos
movimento e ambiente
- Título do TCC Mapa socioambiental de Uruguaiana: os
caminhos de uma cidade.
- Artigo no Cadernos de Formação RBCE, maio de 2012.
- Título do artigo Pedagogia das ruas: caminhar, correr e
pedalar

- Capítulos do livro Pró Docência-Núcleo Interdisciplinar de


Educação
- Título do capítulo Corpo-ambiente-cultura na formação de
professores/as.
- Título do capítulo A construção de conhecimentos no grupo
de estudos movimento e ambiente.

Pôsteres em eventos
V CBAA, Extremos do Sul, IV- V- VI SIEPE, I Simpósio
Sulbrasileiro de Educação Física e Saúde.

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Apresentações orais
Extremos do Sul, IV- V- VI SIEPE.

Tabela 3-Publicações

No segundo semestre de 2015, realizamos a Mostra GEMA Quatro Anos, relatando a história do grupo,
suas conquistas e as dificuldades enfrentadas. Esse evento buscou divulgar, sensibilizar e socializar os saberes
e conhecimentos produzidos.
O GEMA vem pautando-se pelo que denominamos pedagogia das ruas. Utilizando o ato de caminhar e
pedalar, nos conectamos com os modos de viver, as distintas culturas que habitam as cidades; aprendemos a
valorizar e nos relacionar com as diferenças. O cotidiano da cidade, suas ruas, seus bairros, arredores e
moradores têm orientado nosso olhar sobre o mundo e se transformaram em estratégias para produzir
conhecimentos corporais e socioambientais. Para nós, esse percurso é uma possibilidade de ambientalização
curricular.

Bibliografia
ANDRÉ, M.(30 de março de 2012). Sintaxe das Ruas. Confraria do Vento, p.2. Acessado no
site www.marcioandre.com e http://marcioandre.confrariadovento.

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BRASIL. Resolução n. 2, de 15 de junho de 2012. Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a


Educação Ambiental. Diário Oficial da União, Brasília, n. 116, seção 1, p. 70, 18 jun. 2012.

CERTEAU, M. de; GIARD, L.; MAYOL, P.(2008). A invenção do cotidiano 2. Morar e Cozinhar. Petrópolis –
Rio de Janeiro: Vozes.

DEMO, P.(1999). Avaliação Qualitativa. Campinas: Autores Associados.

FILHO, L M; de F.(2006). As cidades da cidade - Cidade, Novas Tecnologias e Educação: debatendo com
Henrique Lins de Barros Belo Horizonte ed. UFMG.

GUERRA. S. F; FIGUEIREDO, M. L (2014).Ambientalização curricular na Educação Superior: desafios e


perspectivas. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, Edição Especial n. 3/2014, p. 109-126. Editora UFPR.

LEFF,E.(2001). Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade e poder. Petrópolis, RJ:


Vozes.
KITZMANN, D.; ASMUS, M. L. Ambientalização sistêmica ‐ do currículo ao socioambiente. Currículo sem
Fronteiras, v. 12, n. 1, p. 269‐290, jan./abr. 2012.

LOVELOCK, J.(2006). A Vingança de Gaia. Rio de Janeiro: Intrínseca.

PORTO-GONÇALVES, C.W.(2004). O desafio ambiental. Rio de Janeiro: Distribuidora Record de Serviços


de Imprensa.
333
ISBN 978-85-7566-380-6
THOREAU, H.(1990). Desobedecendo. São Paulo: Círculo do Livro.

VELASCO, S. L.(2008) Introdução à Educação Ambiental Ecomunitarista. Rio Grande: Ed. da FURG.

VIRILIO, P. (1996), Velocidade e Política. São Paulo, Estação da Liberdade.

334
ISBN 978-85-7566-380-6
INFORMAÇÃO AMBIENTAL: DEMOCRATIZAÇÃO E DIREITO DE ACESSO

DZIEKANIAK, Cibele Vasconcelos169


DZIEKANIAK, Gisele Vasconcelos170
FREITAS, José Vicente de171
MATTOS, Leandro Cougo172

Resumo
Aborda a informação ambiental e seu processo de constituição no campo da Educação Ambiental (EA).
Para tanto, foi realizado um levantamento nos principais documentos da área de EA e Meio Ambiente, a fim de
evidenciar as principais recomendações sobre o tema. A partir das teses e dissertações do Programa de Pós-
Graduação em Educação Ambiental (PPGEA) da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), publicadas na
Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), foi realizado um estudo bibliométrico, em busca da
produção científica sobre a referida temática. Conclui que a informação socioambiental precisa ser vista como
um elemento transformador dentro do processo de constituição do campo da EA, uma vez que a
democratização e o acesso à informação empodera os indivíduos e os insere no processo de superação das
desigualdades sociais, no exercício da cidadania e na efetiva participação no processo de tomada de decisão e
acesso à justiça ambiental.

Palavras-Chave: Informação ambiental. Direito de acesso. Produção científica PPGEA/FURG.

Introdução

O direito de acesso e a democratização da informação socioambiental são de grande importância para o


processo de constituição do campo da Educação Ambiental (EA), uma vez que empoderam os indivíduos e os
inserem no processo de superação das desigualdades sociais e no exercício da cidadania. Neste contexto,
define-se informação ambiental:
Todas as informações relacionadas direta ou indiretamente à situação do meio ambiente podem ser
consideradas informação ambiental. O âmbito das informações ambientais é amplo e incluem desde leis,
regulamentos e normas ambientais, estrutura, funcionamento e responsabilidades de órgãos
governamentais atuantes na área; decisões tomadas pelo poder público; assim como planos de
desenvolvimento, resultados de pesquisas científicas, documentos de licenciamento ambiental e relatórios
de monitoramento ambiental. (ARTIGO 19, 2008, p. 8).

Procura-se evidenciar as principais referências à temática de informação socioambiental nos


documentos da área de EA e Meio Ambiente, assim como na produção científica do Programa de Pós-
Graduação em Educação Ambiental (PPGEA) da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), a fim de

¹ Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Mestre em Engenharia de Produção pela
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental
(PPGEA/FURG). Bibliotecária coordenadora da Sala Verde Judith Cortesão da FURG. E-mail: cibelevasconcelos@gmail.com
170
Doutora em Engenharia do Conhecimento (UFSC). Professora do Curso de Biblioteconomia da FURG. E-mail:
giseledziekaniak@yahoo.com.br
171
Doutor em História e Sociedade (UNESP). Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental (PPGEA/FURG).
E-mail: jvfreitas45@gmail.com
172
Graduando do Curso de Biblioteconomia da FURG. E-mail: ldrcmattos@gmail.com
335
ISBN 978-85-7566-380-6
subsidiar uma maior compreensão da formação do referido campo, construindo-se de uma interação produtiva
com as recomendações contidas nestes documentos, no que se refere à informação ambiental.

A informação ambiental e seu processo de constituição no campo da EA

A Educação Ambiental foi construindo sua identidade a partir de inúmeros espaços de debates e reflexões,
tanto governamentais, quanto não governamentais, que tiveram lugar em diversas partes do mundo. No Brasil,
o campo da EA passou por significativas mudanças, se compararmos com os argumentos presentes na EA nas
suas primeiras décadas, os quais se relacionavam, principalmente, com a proteção/conservação/preservação dos
recursos naturais e a sensibilização ambiental, desconsiderando outras dimensões sociais e políticas, tais como:
transformação social e cultural, justiça social, cidadania, relações sociais, empoderamento, processos
educativos permanentes, continuados e articulados, emancipação, autonomia, pertencimento, formação humana,
ética nas relações (sociais e com a natureza), entre outras.
Justifica-se, assim, a importância de se fazer um breve resgate histórico, a partir dos principais
documentos de EA e Meio Ambiente, a fim de subsidiar o processo de constituição da informação ambiental no
campo da EA, bem como destacar algumas importantes recomendações neles contidas.
Em 1968, no Reino Unido, nasce o Conselho para EA, reunindo organizações voltadas para temas de
educação e meio ambiente. Neste mesmo ano, surge o Clube de Roma (Roma), resultado de uma reunião de
cientistas dos países industrializados para discutir o consumo, as reservas dos recursos naturais e o crescimento
demográfico mundial até o século XXI. Em 1972, este grupo produziu o relatório ―Os Limites do Crescimento
Econômico‖, conhecido como Relatório Meadows. Em 1992, foi publicada uma edição revisada deste
documento.
A 3ª edição desta obra foi lançada em 2008, intitulada ―Limites do Crescimento: a atualização de 30
anos‖, a qual destaca: a informação é a chave para a transformação, isso não necessariamente significa que
quanto mais informações, melhores os dados estatísticos ou maiores bancos de dados, embora tudo isso possa
desempenhar uma parte. Significa informações relevantes, obrigatórias, selecionadas, convincentes, oportunas e
precisas fluindo em novas formas para novos destinatários, carregando novos conteúdos, sugerindo novas
regras e metas. Quando se modifica o fluxo de informação de um sistema, o sistema se comportará de forma
diferente (MEADOWS; RANDERS; MEADOWS, 2008).
Na Conferência Intergovernamental sobre EA (Conferência de Tbilisi - Geórgia, 1977), foi aprovada a
―Declaração de Tbilisi‖, a qual apresentou como recomendações:
Nº 6 - Estratégias de desenvolvimento da educação ambiental: cada país deve intensificar ou estabelecer
as estruturas orgânicas idôneas que permitam, entre outras: [...] c. Atuar como centro de informações e
intercâmbio de dados para a formação em educação ambiental; [...] nº 20 - Difusão da informação -
recomenda aos governos: a. Programas e estratégias relativos à informação sobre o meio ambiente; b. A
informação ambiental através dos meios de comunicação de massa. nº 21 - Pesquisa em EA - recomenda

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aos governos: [...] g. Que tomem medidas para promover o intercâmbio de informações entre os
organismos nacionais de pesquisa educacional, difundir amplamente os resultados de tais pesquisas e
proceder a avaliação do sistema de ensino. [...] nº 23 - Cooperação regional e internacional - recomenda
aos Estados membros: Promover em todos os ramos da EA uma cooperação bilateral, regional e
internacional baseada na pesquisa científica, em um amplo intercâmbio de informações e de experiências
sobre a execução de programas em comum (DECLARAÇÃO DE TBILISI, 1977, p. 5-14).

Neste contexto, na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92), o
acesso à informação ambiental também foi discutido em âmbito internacional, resultando numa série de
documentos que abordaram o tema de maneira clara e objetiva, entre eles a Agenda 21 Global, a Declaração do
Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e a Carta da Terra. Merece destaque a Agenda 21 Global por
dedicar todo o seu capítulo 40, ―Informação para a Tomada de Decisões‖, para tratar da importância da
informação no desenvolvimento sustentável. Enfatiza que cada pessoa é usuária e provedora de informação em
sentido amplo (incluindo dados, informações, experiências e conhecimentos); desta forma, a necessidade de
informação surge em todos os níveis, desde o de tomada de decisões em instâncias superiores de governança,
nos planos nacional e internacional, ao comunitário e individual. A Agenda 21 institui duas metas: reduzir as
diferenças em matéria de dados e melhorar a disponibilidade da informação.
Outro marco para a área de informação ambiental foi a Convenção de Aarhus (Convenção da Comissão
Econômica para a Europa das Nações Unidas sobre acesso à informação, participação do público no processo
de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente), assinada em Aarhus (Dinamarca, 1998),
durante a 4ª Conferência Ministerial "Ambiente para a Europa". Entrou em vigor em 30 out. 2001 e produziu o
documento ―Convenção sobre acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e
acesso à justiça em matéria de ambiente‖. Apesar de estar em vigor apenas nos países que fazem parte da União
Europeia, pode influenciar a maneira como o poder público em todo o mundo aborda o direito de acesso do
cidadão às informações ambientais geradas pelos diferentes órgãos ambientais, bem como a maneira como a
sociedade civil pode intervir nas tomadas de decisão (ARTIGO 19, 2008). O ―Tripé de Aarhus‖ se baseia no
trinômio ―informação, participação pública nos processos de tomada de decisões e acesso à justiça‖, como
pressupostos indispensáveis para o desenvolvimento de um novo ambiente cultural: o de uma sociedade da
informação ambiental (MAZZUOLI; AYALA, 2012).
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20, Rio de Janeiro, 2012),
em seu documento ―O futuro que queremos‖ cita no seu item II - Renovação do compromisso político: c)
Aproximar-se dos grandes grupos e de outras partes interessadas: 44. Reconhecemos que uma maior
participação da sociedade civil supõe, entre outros fatores, um melhor acesso à informação, a capacitação e um
ambiente propício. Reconhecemos que as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) facilitam o fluxo
de informações entre governantes e governados. Nesse sentido, é essencial trabalhar para a melhoria do acesso
às TICs, especialmente às redes e serviços de banda larga e reduzir o fosso digital, reconhecendo a contribuição
da cooperação internacional nesta matéria. Já no item V- Quadro institucional para o desenvolvimento
sustentável cita: - promover uma forte interface ciência-política, com base nos instrumentos internacionais
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existentes, tais como avaliações, painéis e redes de informação, como um dos processos que visam reunir
informações e avaliação para apoiar a tomada de decisão; - disseminar e compartilhar informações ambiental
baseadas em evidências e sensibilizar o público para as questões ambientais críticas e emergências; - ação nos
níveis regional, nacional, subnacional e local: - encorajamos ações nos níveis regional, nacional, subnacional e
local para promover o acesso à informação, a participação pública no processo decisório e o acesso à justiça em
questões ambientais[...].
O VII Congreso Iberoamericano de Educación Ambiental (Peru, 2014) produziu o documento
―Declaración de Lima‖. Em seu item ―Incorporar la Educacion Ambiental‖ cita:
Solicitar se incluya en los Mecanismos de Implementación de la Convención - referidos al desarrollo de
capacidades, la transferencia tecnológica y el financiamiento– metas y acciones financiadas para el acceso
a la información ambiental, participación ciudadana en la toma de la decisiones ambientales y acceso a la
justica ambiental según las orientaciones del Principio 10 de la Declaración de Río y los principios de la
sustentabilidad, interculturalidad, igualdad de género y responsabilidad compartida. (DECLARACIÓN
DE LIMA, 2014, p. 7).

Mais recentemente, durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, que
ocorreu na sede da ONU (Nova York, 2015), foi adotada uma nova Agenda, denominada ―Agenda 2030 para o
Desenvolvimento Sustentável‖, a qual faz menção à disseminação da informação, ao aumento significativo do
acesso às TIC‘s, em assegurar o acesso público à informação, bem como em facilitar o acesso e fornecer
informações adequadas sobre plataformas Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI) existentes (ONU, 2015).
Destaca-se, igualmente, no Brasil, a produção de documentos que apresentam relevante importância para
a área da informação ambiental como, por exemplo, a 1ª Conferência de EA (Brasília, 1997), que teve por
objetivo criar um espaço para reflexão sobre as práticas da EA, avaliando suas tendências e identificando as
perspectivas e estratégias futuras. Este documento objetivou consolidar as sugestões de diretrizes políticas para
a EA no Brasil por meio da produção do documento ―Declaração de Brasília para a EA‖, o qual recomenda:
estabelecer políticas públicas que visem à democratização da informação e insistam na formação e exercício da
cidadania plena, possibilitando a autonomia dos grupos locais; fomentar o acesso às informações, através de
bancos de informações, redes, internet, publicações periódicas, boletins, programas de rádio, vídeos, que
alimentem os projetos de EA formal; aponta como problemática a insuficiência de recursos institucionais que
permitam viabilizar ações de divulgação de informações ambientais de caráter educativo.
Outro documento importante produzido no Brasil durante o I Encontro Governamental Nacional sobre
Políticas Públicas de EA (Goiânia, 2004) foi o ―Compromisso de Goiânia‖. No que se refere à informação
ambiental, o documento considera que: a participação cidadã, na elaboração e implementação de políticas de
EA, requer a garantia do direito ao acesso à informação e ao conhecimento e fortalecimento da organização em
rede da sociedade. No item ―Abrangência Institucional e Política‖, cita: - criar, consolidar, democratizar e
fortalecer as Comissões Estaduais Interinstitucionais de EA, através da ampliação de suas representatividades e
da disponibilização de informações de forma qualificada e democrática. No item ―Comunicação‖: - fomentar

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produção local de materiais de informação, e de comunicação ambiental nas escolas e comunidades. - difundir e
alimentar de forma descentralizada o Sistema Brasileiro de Informações sobre Educação Ambiental (SIBEA).
Por fim, o Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA), no seu item ―Comunicação e
Tecnologia para a EA‖, cita como linhas de ação e estratégias para o país, o estímulo e apoio:
- à veiculação de informações de caráter educativo sobre meio ambiente, em linguagem acessível a todos;
- à criação de canais de acesso às informações ambientais que possam ser utilizadas na produção de
programação, veiculação de notícias, em debates e outras formas de comunicação social; - à coleta e
difusão de informações sobre experiências de EA junto a usuários de recursos naturais, como forma de
fortalecer ações locais que visem a adoção de procedimentos sustentáveis no uso do patrimônio comum; -
à socialização de informações por meio das ―Salas Verdes‖ de secretarias estaduais e municipais de meio
ambiente; - à realização de capacitação específica sobre o acesso às tecnologias de informação e
comunicação, inclusive sobre o uso do SIBEA; - ao fortalecimento do SIBEA para que funcione como
fonte confiável de dados e informações de interesse da Política e do Programa Nacional de Educação
Ambiental, por meio de sua integração com as redes de EA; - à alimentação de bancos de dados com
informações sobre ações na área de educação ambiental (BRASIL, 2014, p. 33-34).
Portanto, conforme análise de alguns dos principais documentos da área ambiental percebe-se a
informação ambiental como um dos pontos-chave para o desenvolvimento da EA e suas políticas públicas,
podendo ser vista, segundo Sousa (2010, p. 1), como o ―insumo básico para a práxis da Educação Ambiental‖.
Vieira (1992) enfatizava que a informação ambiental deveria ser vista como orientadora dos gestores
ambientais, destinada a apoiar o processo decisório (no governo e nas empresas privadas) em questões
ambientais, bem como elemento balizador da sociedade, base e aliada da educação e que tem como objetivo a
mobilização social.
Sendo assim, pressupõe-se que ―o direito à informação é um direito fundamental e imprescindível para a
efetivação da democracia. Um indivíduo só pode exercer plenamente sua liberdade de escolha se tiver a
oportunidade de acessar informações completas, verídicas e de qualidade.‖ (ARTIGO 19, 2009, p. 1). Deste
modo, para iniciar este processo de engajamento e enfrentamento dos problemas socioambientais, torna-se
necessário a indissociabilidade teórico-prática de profissionais conscientes do direito à informação como
condição para a tomada de decisão e transformação social.

Democratização e direito de acesso à informação

A Lei nº 12.527/2011 e conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI), regulamenta o direito
constitucional de acesso às informações públicas e foi regulamentada pelo Decreto nº 7.724/2012, criando
mecanismos que possibilitam, a qualquer pessoa, física ou jurídica, receber informações públicas dos órgãos e
entidades, sem necessidade de apresentar motivo. Esta Lei igualmente é válida para as entidades privadas, sem
fins lucrativos, tornando-se obrigatória a disponibilização de informações referentes ao recebimento e à
destinação dos recursos públicos por elas recebidos e aplica-se, inclusive, às informações ambientais.
Na década de 1990, Fernandes e Skolimovski (1992) já chamavam a atenção para um melhor
equacionamento da organização e disseminação da informação ambiental no país. Eles entendiam que seu
desempenho dependia de fatores intrínsecos, como política de difusão de informações, desenvolvimento das

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TIC's, relacionamento dos órgãos do governo que atuam na área de meio ambiente e os que atuam na área de
informação, política adotada pelo governo no gerenciamento ambiental e investimentos na capacitação de
recursos humanos.
Além destas legislações referentes à garantia do acesso à informação, foi instituída a Lei nº 10.650/2003,
que dispõe sobre o acesso público aos dados e informações existentes nos órgãos integrantes do SISNAMA,
legitimando o direito de acesso à informação ambiental.
Como parte da Política Nacional do Meio Ambiente, foi criado o Sistema Nacional de Informação
Ambiental (SINIMA), instrumento responsável pela gestão da informação ambiental no âmbito do Sistema
Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). O SINIMA possui três eixos: o desenvolvimento de ferramentas de
acesso à informação; a sistematização de estatísticas e elaboração de indicadores ambientais; e a integração e
interoperabilidade de sistemas de informação correlatos. De acordo com Loures (2006), na prática, o SINIMA
ainda não proporcionou aos órgãos ambientais e à coletividade, todos os benefícios vislumbrados desde a sua
instituição. Os próprios agentes públicos demonstram receio em relação à divulgação das informações sob seu
controle.
Ainda no que se refere ao marco legal, outras leis e decretos legitimam e incentivam o direito de acesso à
informação ambiental no Brasil, ou seja, existe um conjunto de legislações que regulamentam esta questão173,
além de programas que amparam a EA e que oferecem suporte ao direito de acesso à informação ambiental174.
De acordo com a legislação apresentada, pode-se concluir que o livre acesso à informação ambiental é
garantido como um direito dos cidadãos e um dever do Estado, sendo discutido e destacado por uma série de
legislações, programas e documentos nacionais e internacionais, os quais abordaram o tema de maneira clara e
objetiva.
Segundo Waterton e Wynne (1998 apud COSTA; FERRAZ; FURNIVAL, 2002), nos últimos vinte anos, a
informação ambiental vem desenvolvendo um papel mais proeminente na implementação e na moldagem das
políticas públicas ambientais mundiais. Nota-se, ainda, que a preocupação da sociedade brasileira, com relação
à informação ambiental, se apresenta na forma de lei e aponta para a criação de mecanismos facilitadores de
acesso e uso dessa informação.

173
Lei nº 6.938/81: Política Nacional do Meio Ambiente; Decreto nº 99.274/90: regulamenta a Lei nº 6.938; Lei nº 9.795/99: dispõe
sobre a EA e institui a Política Nacional de Educação Ambiental; Lei nº 10.650/2003: dispõe sobre o acesso público aos
dados/informações existentes nos órgãos/entidades do SISNAMA; Decreto nº 4.281, 25/2002: regulamenta a Lei nº 9.795; Portaria nº
160/2009: institui a Política de Informação do MMA.
174
Lei nº 9.394/96 - Diretrizes e Bases da Educação Nacional; Resolução nº 2/2012, que estabelece as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a EA a serem observadas pelos sistemas de ensino e suas instituições de Educação Básica e de Educação Superior;
Parecer CNE/CEB nº 7/2010 - Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica, que segundo Brasil (2012a, p. 1) ―em todas
as suas etapas e modalidades reconhecem a relevância da Educação Ambiental‖; Parecer CNE/CP nº 8/2012, que estabelece as
Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos e que segundo Brasil (2012a, p. 1) ―incluindo os direitos ambientais no
conjunto dos internacionalmente reconhecidos, e define que a educação para a cidadania compreende a dimensão política do cuidado
com o meio ambiente local, regional e global.‖; Programa Nacional de Formação de Educadoras(es) Ambientais (ProFEA); Programa
Nacional de EA (ProNEA).
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Podemos citar como exemplo a implantação do Sistema Brasileiro de Informações em Educação
Ambiental (SIBEA)175 pelo MMA em 2002 para atender justamente à falta de integração das informações sobre
Educação Ambiental, entretanto, o mesmo ficou disponível por muito pouco tempo e atualmente encontra-se
desativado.
Embora a informação ambiental tenha o papel de potencializar os recursos de transformação, no caso do
Brasil, seus conceitos, teorias e legislações apresentam muito pouco impacto no campo operacional. Algumas
observações e indagações são importantes para o construto da área como, por exemplo: dentro do processo de
constituição do campo da EA, como vem se constituindo e ganhando forma as questões de informação
ambiental? Que sentidos e significados são atribuídos a elas? Que papel elas tem desempenhado neste campo?
Partindo do princípio de que a informação gerada só é útil se utilizada, é necessário criar mecanismos
eficientes de análise e síntese dos dados para transformá-los em informação compreensível,
disseminando-a na linguagem adequada. Uma sociedade sustentável pressupõe uma sociedade informada,
na qual os vários segmentos produzem e têm acesso à informação qualificada, utilizando-a nos processos
de formulação e decisão política. Não há pesquisa nem programas educacionais que possam prescindir de
um bom sistema de informação. (Brasil, 2000, p. 9).

Portanto, além da gestão de dados de qualidade e compreensíveis aos sujeitos, da análise destes dados e
da geração de informação de fácil acesso, torna-se fundamental a construção de planos de ação com metas
quantificáveis. Considerar os conceitos, teorias e legislações, no que tange à informação ambiental, deve ser o
ponto de partida para uma discussão e atuação mais ampla com os segmentos representativos da sociedade. O
tema deve ser aprofundado e operacionalizado, a fim de que se desenvolvam, de acordo com Brasil (2000): -
políticas e sistemas de intercâmbio de informações; - intensificação de programas de capacitação na utilização
de TICs; - incentivo à cultura de redes; - priorização no apoio a fontes naturais de dados, tais como: coleções
científicas, unidades de conservação (inventários, planos de manejo, etc.), pesquisadores de instituições de
pesquisa, indicadores biológicos, demográficos, socioeconômicos, etc., bibliotecas, estudos e documentos
produzidos por formuladores e implementadores de políticas e por comunidades específicas.

Metodologia

Foi realizado um levantamento da produção científica do Programa de Pós Graduação em Educação


Ambiental (PPGEA/FURG)176, na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, referente à temática informação
ambiental, por meio de estudos bibliométricos, os quais se caracterizam como métodos de verificação aplicados

175
O SIBEA foi um importante instrumento de democratização da informação socioambiental, desenvolvido pelo Órgão Gestor da
Política Nacional de EA (PNEA), sob responsabilidade do MMA, em parceria com redes e instituições governamentais e não
governamentais que atuavam em EA. Surgiu como ferramenta de acesso e gestão da informação ambiental, constituindo-se em um
espaço público de acesso às informações sobre especialistas, instituições, legislação, publicações, programas, projetos e notícias
relacionadas à EA no Brasil.
176
Foram analisadas 163 publicações, sendo 31 teses e 132 dissertações, defendidas no PPGEA da Universidade Federal do Rio
Grande e publicadas na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) desta universidade, até o mês de abril de 2014. O total de
defesas, com base nos dados informados pela secretaria do PPGEA, até o ano de 2013, foi de 230 dissertações de mestrado e 61 teses
de doutorado. A produção não analisada se deve a não disponibilidade das mesmas de modo on-line na BDTD. Sendo assim, a
pesquisa conseguiu atingir uma média de 50,81% das teses e de 57,39% das dissertações produzidas pelo PPGEA, em busca da
produção científica sobre a referida temática.
341
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quantitativamente. Entretanto, à medida que os dados são compreendidos, analisados e explicados, utiliza-se a
abordagem qualitativa. Apoiando-se em Guedes e Borschiver (2005), estudos bibliométricos buscam oferecer à
comunidade acadêmica científica indicadores que possibilitam realizar previsões e apoiar os pesquisadores da
área na tomada de decisão.
De cada trabalho produzido, foram coletados os seguintes dados: ano de defesa, tipo de produção (tese ou
dissertação), título, palavras-chave, temática pesquisada, idioma prevalente nas citações, idade média das
citações, banca/instituição e referências adotadas. Tal método foi utilizado para recuperar na produção do
PPGEA as pesquisas, bibliografias e autores relacionados às seguintes temáticas: direito de acesso,
democratização e disseminação da informação; desenvolvimento, necessidade, estímulo, criação, qualificação
de bibliotecas, centros, núcleos, banco de dados, base de dados, plataformas e sistemas de informação e de
documentação ambiental; TIC's; Ciência da Informação; Biblioteconomia.

Resultados e discussões

Conforme Mugnaini (2006 apud PERUCCHI; ARAÚJO JR., 2012), estudos bibliométricos auxiliam na
identificação dos estudos desenvolvidos em uma área específica, os quais determinam o crescimento de
qualquer campo da ciência, por meio da variação cronológica do número de trabalhos publicados. De fato, o
estudo bibliométrico realizado na produção do PPGEA/FURG necessita de continuidade, a fim de se atingir a
totalidade da produção do programa. Entretanto, a abordagem realizada nesta primeira fase, a qual atingiu a
metade da produção científica do Programa, nos aponta para um número inexpressivo de pesquisas na íntegra,
referentes à temática informação ambiental.
Nesta primeira fase, não foi localizado nenhum estudo específico sobre o tema. Todavia, temos
conhecimento de um estudo realizado no ano de 2004 intitulado ―Um estudo sobre as possibilidades de diálogo
que o Sistema Brasileiro de Informações em EA (SIBEA) oferece ao usuário‖ de autoria de Rogério Arruda e
orientado pelo Prof. Dr. José Vicente de Freitas. Contudo, por não estar cadastrado na BDTD, não foi analisado
nesta primeira etapa do estudo.
Das 31 teses e 132 dissertações analisadas, foram identificadas apenas 23 bibliografias referentes às
temáticas: direito de acesso, democratização e disseminação da informação; desenvolvimento, necessidade,
estímulo, criação, qualificação de bibliotecas, centros, núcleos, banco/base de dados, plataformas e sistemas de
informação e de documentação ambiental; TICs; Ciência da Informação; Biblioteconomia. Destas 23
bibliografias, 3 são da década de 1990 e as demais todas a partir dos anos 2000. Apenas 6 autores foram citados
em mais de um trabalho, o que demonstra haver pouco impacto de citação, ou seja, poucos autores foram
considerados unanimidade pela área. Em duas produções não constavam as referências que foram utilizadas. As
palavras-chave destes trabalhos analisados não citam a expressão ―informação‖, tão pouco ―informação
ambiental‖.

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Já no âmbito dos principais documentos produzidos nos eventos de EA e Meio Ambiente em âmbito
mundial, a coleta de dados permitiu retratar como foi abordada a questão da democratização, da difusão, do
acesso e do direito à informação socioambiental e foi de fundamental importância este resgate. Aponta-se para
um número expressivo de documentos que se preocupam com as questões referentes à informação ambiental e
que indicam caminhos a se seguir. O levantamento destes documentos e suas relações estabelecidas com as
questões de informação socioambientais e com o desenvolvimento de centros/núcleos/sistemas de informação e
documentação ambiental destacam a importância das questões socioinformacionais ambientais para o
fortalecimento da EA. Entretanto, em alguns casos, sequer a palavra informação aparece citada e tão pouco
fazem menção às questões de democratização, disseminação, direito e acesso à informação socioambiental.

Considerações finais

Embora a questão da democratização, do acesso e do direito à informação ambiental apareçam veiculados


por diversos autores e vinculados a alguns conceitos de EA, tornou-se importante investigar de que forma a
informação ambiental/socioambiental vêm sendo apontada no campo da Educação Ambiental, tanto pelos
documentos internacionais e nacionais produzidos ao longo de décadas, pela legislação e pelas políticas
públicas brasileiras, quanto no único Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental do país.
Os dados coletados nos principais documentos que fundamentam, legitimam e difundem a EA,
nacionalmente/internacionalmente, tornam-se marcos frente à informação ambiental. A partir do momento que
estes documentos destacam tais questões como fundamentais para o campo da EA, acabam por oficializar e
reconhecer a importância de se promover um amplo acesso dos cidadãos/cidadãs à informação ambiental, bem
como a sua efetiva divulgação e democratização, de forma a contribuírem com uma participação mais efetiva
da população nas questões ambientais e no processo de tomada de decisão para um ambiente melhor.
Ainda que este trabalho não tenha analisado a totalidade da produção do PPGEA/FURG, pode-se
perceber, por meio do material analisado, que o campo da informação ambiental ainda encontra-se pouco
explorado em suas pesquisas. Torna-se oportuno que mais trabalhos sejam desenvolvidos, para que o referido
Programa possa contribuir efetivamente com o construto teórico-prático na área Informação ambiental.
Conclui-se que a informação socioambiental precisa ser vista como um elemento transformador dentro
do processo de constituição do campo da Educação Ambiental (EA), uma vez que a democratização e o acesso
à informação empoderam os indivíduos e os inserem no processo de superação das desigualdades sociais, no
exercício da cidadania e na efetiva participação no processo de tomada de decisão e no acesso à justiça
ambiental. É preciso avançar do ponto de partida, que foi dado principalmente na década de 1990, por meio de
discussões, definições de conceitos, teorias e legislações sobre o tema. Até o presente momento, muito pouco se
avançou estrategicamente e operacionalmente no Brasil, no sentido de efetivas práticas, políticas públicas,
sistemas de informações ambientais e no incentivo à cultura de redes de informação socioambiental.

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Tais abordagens nos levam a um amplo debate em prol da democratização da informação
socioambiental, reforçando o papel dos agentes de informação no processo de construção de uma sociedade
mais justa, igualitária, na promoção e exercício da cidadania, na preservação da vida e na melhoria da condição
humana no planeta. Brasil (2009, p. 10) faz um chamamento: ―todos que têm alguma contribuição a dar para o
desenvolvimento da Educação Ambiental são chamados a comparecer. Ninguém pode ficar de fora, deixar de
aportar seus conhecimentos, experiências e seu capital social‖. Portando, estende-se aqui este chamamento aos
profissionais bibliotecários e cientistas da informação.

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INSERÇÃO ECOLÓGICA NA ESCOLA: UM OLHAR SOBRE O PROCESSO DE
ESCOLARIZAÇÃO NOS ANOS INICIAIS A PARTIR DA ÓTICA DA CRIANÇA
Marcia Soares da Silva177¹
Narjara Mendes Garcia²178
Resumo
O presente artigo apresenta um estudo que será realizado durante o Curso de Mestrado em Educação
Ambiental, do Programa de Pós – Graduação Em Educação Ambiental - PPGEA, da Universidade Federal do
Rio Grande – FURG. Este envolve um olhar ecológico da pesquisadora sobre a ótica da criança sobre seu
próprio processo de escolarizaçãodentro nos primeiros anos iniciais do ensino fundamental e consiste em
aprofundar a discussão sobre a forma em que essa modalidade de ensino está sendo desenvolvida dentro do
processo de ensino-aprendizagem das crianças. Será utilizada como base metodológica de investigação, a
Bioecologia do Desenvolvimento Humano de Urie Bronfenbrenner (1996), como uma percepção cautelosae
atenta, dirigido para os sujeitos, para os processos, para os contextos em questão e também o tempo, assim com
o objetivo de conhecer essa realidade, através da compreensão da criança, famílias e escola.
Palavras Chave:Inserção Ecológica. Criança. Educação Ambiental.

Introdução
A aprendizagem que pretende-se desenvolver com este estudo tem como principal foco olhar a partir do
que a criança interpreta sobre seu processo escolar nos primeiros anos do ensino fundamental. A aprovação e
reprovação estão presentes neste processo microssistêmico, assim como também o novo modelo de ensino
dentro dos primeiros anos do ensino fundamental, a progressão continuada.
O enfoque central será acompanhar a trajetória de uma turma de crianças no término de seu processo de
escolarização, no 3º Ano, no fim do ano de 2015 e novamente, o mesmo grupo no início do ano de 2016 (os
aprovados e reprovados), para assim perceber se sua visão sobre a escola modificou-se. A intenção com este
estudo é de conferir os resultados do processo de ensino-aprendizagem nos primeiros três anos da escolarização
infantil e o sentimento das crianças que estão fazendo parte este processo. O estudo irá acontecer em umaescola
pública municipal, localizada no bairro Santa Rosa, no município do Rio Grande/RS.
O anseio por estudar o tema surgiu a partir da prática docente da professora/pesquisadora, desenvolvida
em uma turma do 4º Ano. Essa tem inclusão de crianças com necessidades específicas, e se caracteriza por ser
uma turma ―mesclada‖, no que diz respeito aos níveis de aprendizagem. A vontade de buscar respostas a partir
das experiências dos educandos irá fazer com que se tenha mais vontade de aprender com as crianças, a partir
de suas vivências, pode-se dizer que ensino porque pesquisei, busquei, indaguei e pesquiso, porque ainda não
conheço. (Freire, 1996).

177
Mestranda em Educação Ambiental, pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental – FURG. E-mail:
marcia_ss_rg@yahoo.con.br
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Professora Orientadora, docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental - PPGEA/FURG, Rio
Grande, RS – narjaramg@yahoo.com.br
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Segundo Freire (1987), a educação é uma das partes principais da ação humana como forma de conferir
sentido e novas compreensões. Assim, uma educação transformadora modifica o sujeito, fazendo com que ele
se perceba como um ser ligado ao mundo, que deve reconstruí-lo, modificando a sua realidade.Pretende-se
assim através desse estudo mostrar, entre outros fatores, a importância da Educação Ambiental como
ferramenta que concretize a participação política das crianças como cidadãos, que tem possibilidade de
contribuir com uma proposta de reflexão e transformação da realidade.
De acordo com Reigota (1994), a Educação Ambiental escolar deve levar em conta o ambiente em que é
vivenciado pelo educando. [...] “A escola é um dos locais privilegiados para a realização da educação
ambiental, desde que dê oportunidade à criatividade”. (Reigota, 1994, p. 24). Acredita-se que este conceito
deve ser levado em consideração, desde que a ênfase seja abordar os aspectos políticos e críticos sob relações
de poder construídas historicamente entre a sociedade e a dominação exercida dentro dela, não se esquecendo
da dominação praticada entre sociedade e natureza.
Percebe-se que a criança é sujeito social que interage com a história, presente no tempo e espaço,
construindo a sua própria história e sendo transformado por ela, seja ela, nas culturas de pares, ou nas
interações nos diferentes contextos em que ela estabelece suas relações. Ressalta-se que a criança é
intensamente marcada pelo meio social, em que se desenvolve. As interações realizadas em diferentes espaços
implicam, no seu desenvolvimento e aprendizagem.
De acordo com Arroyo (1994), ―A infância não é algo estático, é uma categoria em permanente
construção.‖ Logo, a infância não estagna no tempo, transforma-se conforme os contextos sociais também
modificam-se. Vale ressaltar que observa-se na fala de muitos sujeitos, frases tais como: ―quando eu era
criança não era assim‖; ―a minha infância era diferente‖. Sim, cada infância tem suas peculiaridades e tempo
cronológico para acontecer, não podemos comparar, por exemplo, a infância de nossas avós, à infância da
década de 70, dos anos de 1970, assim, como não podemos comparar à infância dos dias de hoje. Este é o
primeiro passo para compreendermos as várias transformações que a infância passou durante as décadas, fruto
das modificações histórico sociais.
Neste sentido, um processo de ensino-aprendizagem onde se busca promover a liberdade através da
valorização do saber trazido pelo educando, transformando a curiosidade, algumas vezes ingênua em uma
consciência mais crítica, é um espaço que supera os obstáculos que perpassam em sua prática pedagógica.
Segundo Freire (1996):

O exercício da curiosidade a faz mais criticamente curiosa, mais metodicamente ―perseguidora‖ do seu
objeto. Quanto mais a curiosidade espontânea se intensifica, mas, sobretudo, se ―rigoriza‖, tanto mais
epistemológica ela vai se tornando. (Freire, 1996, p. 34).

A concepção de infância em que se acredita, traz o conceito de uma construção social, histórica e
cultural. Pode-se dizer que não existe uma única infância e sim várias, cada uma diferente da outra, com suas
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próprias experiências de vida, em distintos contexto onde estásendo constituída. Assim como Sarmento (2003)
diz:

[...] a construção histórica da infância foi resultado de um processo complexo de produção de


representações sobre as crianças, de estruturação dos seus quotidianos e mundos de vida e,
especialmente, de constituição de organizações sociais para as crianças. (Sarmento, 2003, p. 3).

Em consonância com o pensamento de Sarmento (2003), pode-se também dizer que as crianças
aprendem muito umas com as outras, compartilhando os mesmos espaços, estabelecendo assim a cultura de
pares em que podemos definir como: um conjunto de ações estabelecidas na rotina das crianças, entre elas,
produções delas mesmas e que partilham nas interações com seus pares, pois permite que as crianças possam se
apropriar, reinventar ou até mesmo reproduzir o contexto em que estão inseridas contribuindo assim para o seu
processo de desenvolvimento.
É evidente que ao longo dos anos tem-se evoluído no quesito valorização da infância, mais ainda há
muitas limitações em termos do que se pensa e do discurso em se prega sobre a infância. Por isso a necessidade
de se realizar pesquisas com crianças, escutando-as. Se fala muito em um ensino de qualidade, mas ainda não se
pensou em um ambiente de ensino no qual se priorize o pensamento da criança por si só.
Portanto, este estudo vem para atenuar questões que surgiram e tem a ver com um curiosidade, um
desejo de suprir estas questões. Vem para enriquecer e ampliar o conhecimento sobre como as crianças pensam
sobre sua escolarização, pois o que muito se encontra são pesquisas voltadas para o conhecimento
adultocêntrico sobre a criança e o que se pretende é expor-me o maior tempo possível com o fenômeno de
pesquisa, para assim expor a verdade e fazer com que os sujeitos pesquisados tenham resultados para suas
dúvidas também.

Metodologia
A escolha por realizar um estudo com crianças surge em um momento em que se percebe a importância
de escutar a opinião delas. É necessário construir um pesquisa em que seja captada a voz das crianças, o que é
diferente de ter como protagonista os adultos decidindo por elas.Pretende-se mostrar que as crianças podem e
envolver em uma pesquisa, como seres que tem sua leitura de mundo própria. Para Cruz (2008), não podemos
considerar apenas a opinião do adulto, apreender a perspectiva da criança é urgente.

[...] Em vez de adotar a postura de valorizar o conhecimento do adulto como necessariamente superior ao
da criança, entender que ambos – tanto adulto como criança – apresentam possibilidades distintas de
compreensão das experiências que compartilham, as quais igualmente valorizadas e devidamente
analisadas. [...] (Cruz, 2008, p. 53).

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A intenção é com que estas atividades remetam a percepção da criança sobre sua vivência dentro do
atual sistema de ensino nos anos iniciais, escutando às crianças e oportunizando a elas que se expressem seus
sentimentos sobre a passagem do primeiro ciclo (1º ao 3º ano do ensino fundamental) para ano que―reprova por
notas‖ (4º ano), assim, reconhecendo e legitimando sua opinião e seus saberes.
O estudo tem como base teórica e metodológica a Bioecologia do Desenvolvimento Humano
(Bronfenbrenner, 1996; Bronfenbrenner; Morris, 1998). A metodologia da Inserção Ecológica propõe um olhar
mais cuidadoso, conduzido para as pessoas, para os processos, para os contextos em questão e o tempo nas
concepções da abordagem Bioecológica de Bronfenbrenner (1979/1996, 2005).
A Inserção Ecológica (Cecconello & Koller, 2004) será o método utilizadodesde os primeiros contatos
com os sujeitos a serem investigados (as crianças, as famílias e os educadores), com a intenção de se criar um
vínculo, ou seja, para que o pesquisador estabeleça uma relação mais próxima com o contexto de pesquisa, mas
que aos poucos se torne pertencente aos ambientes de pesquisa. Para a coleta dos dados, a pesquisadora fará um
diário de campo, visitas e permanência com observações por tempo ampliado (aproximadamente um ano) nos
contextos pesquisados, com o intuito de tornar os dados válidos.
A metodologia de intervenção ecológica que será realizada, com atividades lúdicas com as crianças, é
uma das forma mais coerente de coleta de dados, pois assim, elas conseguem se expressar naturalmente. É de
costume, quando a pesquisa é realizada com adultos, realizar entrevistas, porém, se realizar este tipo de
intercessão com crianças, elas podem ficar nervosas, inibidas e, até mesmo, não responde ou, responder o que
for mais conveniente para o pesquisador, tornando os resultados pouco válidos para o estudo.
Essas atividades de intervenção irão possibilitar uma interação com as crianças. Entrevistas diretas, com
perguntas se tornam inadequadas neste caso, pois as crianças podem não estar interessadas ou também perceber
o foco do entrevistador e darem respostas apenas para agradar o adulto. Desta forma, esta metodologia seriaaté
mesmo constrangedora, de acordo com Cruz (2008):

A entrevista direta com crianças revela-se inadequada, porque estabelece um constrangimento de várias
ordens sociais: geracionais, de gênero, de classe social, étnicos ou racionais – além de impingir à criança
algo que é produto de um mero interesse de investigação e da dificuldade que o adulto tem de abandonar,
de fato, uma perspectiva de manter relações hierárquicas de poder, em que ele decide de forma unilateral
o que é legítimo para as crianças. [...] (Cruz, 2008, p. 45-46).

Dentro do processo de Inserção Ecológica será utilizado o modelo de entrevista reflexiva (Szymanski,
2004). Geralmente utilizada nas entrevistas face a face, o modelo também será adaptado à metodologia que será
utilizada com as crianças, com a intencionalidade de conhecer o assunto (Szymanski, 2004). Este modelo de
entreviste permitirá envolver as emoções que estão presentes nas relações humanas, na qual, é um ponto
importante quando se está entrevistando. A reflexividade pode entender-se segundo a autora, como uma
reflexão da fala do entrevistado, trazendo para o mesmo sua narrativa onde poderá alterar concordar ou
discordar, entre outras conjeturas durante a entrevista. Considera-se este procedimento, uma possibilidade de
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fazer com que o entrevistado reflita sobre sua fala, e perceba o quanto ela é interessante e importante para a
pesquisa, pois estará fundamentada em suas vivências e experiências de vida.
Com a Inserção Ecológicapretende-se perceber a avaliação dos processos de interação dos sujeitos com
o contexto no qual estão se desenvolvendo. Isto irá proporcionar uma aproximação com o contexto escolar e a
possibilidade de perceber a criança dentro daquele microssistema e o seu olhar sobre seu processo de
escolarização. A pesquisa a ser realizada, tem a intencionalidade de apresentar à escola os resultados da coleta
de dados, para que assim, possam observar e refletir sobre a escolarização das crianças dentro da progressão
continuada. Ainda, ressalta-se que as atividades terão o áudio registrado, na íntegra, para que nenhum detalhe
dos encontros seja esquecido.

Discussão e Resultados Esperados


A principal característica da Inserção Ecológica é acontecer em ambientes naturais, onde os sujeitos
interagem dentro de quatro níveis sistêmicos: o microssistema, o mesossistema, o exossistema e o
macrossistema. O microssistema é o sistema onde os sujeitos se relacionam de forma imediata. A família, a
escola, o bairro, são exemplos de microssistema. O mesossistema é o conjunto de relações entre os
microssistemas da pessoa. O exossistema é a estrutura que não tem presente o sujeito em desenvolvimento,
porém, acabam influenciando sua vida do mesmo. O macrossistema abrange políticas públicas, valores,
crenças, no qual, está o ensino fundamental de nove anos em relação à criança e os outros sujeitos escolares.
Esta compreensão dá ênfase as discussões que serão construídas. Assim, entende-se que o papel do
professor é de extrema importância e deve levar em consideração o que a criança traz de bagagem cultural e
escutar o que ela tem a dizer, fazendo que o que está em sua volta tenha significado para o educando. Percebe-
se que o educador deve levar em conta o conhecimento que o educando traz, não considerando como errado ou
sem valor. Ele deve trabalhar com os diferentes contextos que permeiam a vida cotidiana da criança, utilizar
diversos artefatos culturais em sua prática educacional, planejar intencionalmente e refletir sobre seu saber-
fazer pedagógico e fundamentar e argumentar teoricamente a sua ação educativa.
Dentro do atual contexto educacionalbrasileiro, aprogressão continuada veio para resolver um problema
histórico, a reprovação para a exclusão das crianças nos primeiros anos do ensino fundamental e a função social
conferida à escola que é a de tornar a criança com mais dificuldades de aprendizagem submissa e excluída.
Essa hipótese de reprovação, muitas vezes pode classificá-la como incapaz, marcando a criança por toda
a vida escolar. Neste caso, a implementação verticalizada da progressão continuada, considera o aspecto
pedagógico de que toda criança tem capacidade de aprender e se desenvolver no seu ritmo natural e a escola
com o papel de garantir essa aprendizagem aoeducando.
A seguir se apresenta as leis que tem como proposta em uma de suas metas garantir a todas as escolas o
ensino de nove anos.

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A LDBE - Lei nº 9.394 de 20 de Dezembro de 1996. Estabelece no Artigo 32 que: ―O ensino
fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis)
anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante‖
A LEI Nº 13.005, de 25 de junho de 2014,o Plano Nacional de Educação (PNE), em uma de suas metas
para a próxima década, prevê: “Meta 5: alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º (terceiro)
ano do ensino fundamental.” (p. 10). E traz também algumas estratégias para que a meta aconteça. Neste caso
surge a aprovação automática, como uma política pública verticalizada, prevista como uma possibilidade aos
sistemas de ensino e às escolas do ensino fundamental, que tem o objetivo de erradicar um problema histórico,
que é a reprovação, como já dito acima. Neste processo, os educandos do 1º ao 3º ano, são avaliados através de
parecer descritivo e, também dentro do período de três anos está estipulado à aprendizagemda leitura e da
escrita.
O Plano Municipal de Ensino, aprovado neste ano, institui o plano de 2015 a 2025, acompanha as
mudanças no PNE e apresenta metas a serem cumpridas dentro deste prazo, trazendo Meta 05 - Ensino
Fundamental/Alfabetização Alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º ano do Ensino
Fundamental. Especificando na meta 7.3–
“estabelecereimplantar,noMunícipio,diretrizespedagógicaseumasugestãocurricularcomumparaosAnosIniciais,
queatendaerespeiteosdireitoseobjetivosdeaprendizagemespecíficosdecadaanodestaetapaescolar,entendendoo1º,
2ºe3ºanosdealfabetizaçãocomoumciclo,quetemsuasespecificidadesemcadaano,seminterrupçõese/ouquebrasems
euprocessodeensino-
aprendizagem.Os4ºe5ºanosdevemserpensadostambémemsuasespecificidades,naóticadainterdisciplinaridade,em
queasáreassecomuniquemepromovamumaaprendizagemcontextualizadaesignificativa,respeitandoacaminhadad
oestudantenociclodaalfabetização”
Perceber que a repetência não é uma das melhores alternativas para as crianças é importante, porém, o
que se tem que pensar são estratégias e critérios de avaliação que não sejam superficiais, ou seja, aqueles em
que a criança pode ter um bom rendimento neste momento e em outro, possa ter um péssimo rendimento,
exemplo, as tradicionais provas. As crianças devem ser acompanhadas continuamente para que seu
desenvolvimento seja efetivamente verificado e considerado.
Portanto, ao apresentar esta pesquisa, no final do Curso de Mestrado, almeja-se expor a importância de
uma ação investigadora para compreender como as crianças envolvidos com o ensino de nove anos estão
vivenciando-a. Lembrando da própria prática docente da pesquisadora, que está dentro deste macrossistema e,
também busca com esse trabalho responder suas inquietações. Constantemente, procura a construção de novos
conhecimentos e caminhos e para o processo de ação-reflexão-ação sobre a realidade ambiental que envolve os
sujeitos abrangidos com a aprovação automática.

Considerações Finais
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As percepções que serão obtidas durante a pesquisa, irão fazer com que se construa uma nova visão
sobre a forma com que as crianças percebem a escola e o seu processo de escolarização. Compreendo que cada
escola tem suas peculiaridades, o que é importante dentro desta ação investigativa, para a compreensão de como
as, crianças e familiares envolvidos com a aprovação automática estão vivenciando-a.
Com este estudo, se tem a pretensão de comprovar que as criança tem voz e são sujeitos que podem
muito bem participar de uma pesquisa sobre elas. Muitas pesquisas sobre infância e crianças enfatizam o olhar
do adulto sobre diversos fatores que envolvem as crianças, tornando-as sujeitos invisíveis.O movimento de
interação com as crianças ainda, tem a intencionalidade de mostrar quais são as questões pertinentes para elas
dentro da temática de pesquisa, viabilizando a participação efetiva dentro da pesquisa.
A Inserção Ecológica será o suporte para que os dados da pesquisa sejam vinculados a veridicidade da
realidade, lembrando que ela só será possível após o pesquisador criar um vínculo de confiança com os sujeitos
investigados. A investigação e posteriormente, a coleta de dados não se resumirá em um momento de
questionamentos e resposta, por exemplo, e, sim, uma maior apropriação pela compreensão da realidade. O
modelo Bioecológico do Desenvolvimento será uma base importante para a realização da pesquisa, pois se
compreenderá as relações dos sujeitos em desenvolvimento com os seus ambientes de convivência mais
imediata.
A pesquisa sobre processo de escolarização das crianças nos três primeiros anos dos anos iniciais do
ensino fundamental se tornará coerente no momento em que se estabelecer uma compreensão ecológica sobre
esta realidade. O estudo apontará a verdadeira face das qualidades nas relações mais imediatas das crianças
envolvidas com a problemática da pesquisa, com o destaque para a participação delas como sujeitos ativos e co-
construtores deste processo.

Referenciais
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MEC/SEF/COEDI, Brasília, 1994.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 9ª. Ed. Brasília: Senado
Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1996.
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Edições Técnicas, 2014.
BRONFENBRENNER, U. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e
planejados.Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
BRONFENBRENNER, U.; MORRIS, P. The ecologyofdevelopmental processes. In W. Damon (Org.).
Handbookofchildpsychology. V. 1. New York: John Wiley Sons, 1998.
CECCONELLO, A. M.; KOLLER, S. H. Inserção Ecológica na comunidade: uma proposta metodológica para
o estudo de famílias em situação de risco. In: KOLLER. S. H. (org.). Ecologia do desenvolvimento humano:
pesquisa e intervenção no Brasil. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
CRUZ, S. H. V. A criança fala: a escuta de crianças em pesquisas. São Paulo: Cortez, 2008.
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_________. Pedagogia do oprimido. 17º Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
REIGOTA, M. O que é Educação Ambiental. São Paulo, Editora Brasiliense S.A. 1994.
RIO GRANDE. Lei Municipal 5.332/1999. Sistema Municipal de Ensino. Disponível em:
https://www.leismunicipais.com.br/legislacao-municipal/4191/leis-de-riogrande.html. Acesso em: 16/10/2015,
às 20h.
SARMENTO, M. J. As culturas da infância nas encruzilhadas da 2ª modernidade. (2003). Disponível em:
http://cedic.iec.uminho.pt/Textos_de_Trabalho/textos/encruzilhadas.pdf Acesso em: 15/10/2015, às 19h20min.
SZYMASKI, H. (org.); ALMEIDA, L. R. de; PRANDINI, R. C. A. R. A entrevista na pesquisa em
educação: a prática reflexiva. Brasília: Liber Livro, 2004. 2ª Ed., 2008.

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“NINGUÉM MORA PERTO DO ARROIO PORQUE QUER”: EDUCAÇÃO
AMBIENTAL PARA JUSTIÇA AMBIENTAL DA/NAESCOLA MUNICIPAL
PRESIDENTE DEODORO DA FONSECA (NOVO HAMBURGO/RS)
Adriana Backes179
Caio Floriano dos Santos180

RESUMO
O artigo traz um relato de experiência da/na escola municipal Presidente Deodoro da Fonseca (Novo
Hamburgo/RS) de um Projeto de Ação de Educação Ambiental realizado no ensino fundamental. Usando como
metodologia a Educomunicação procurando articular a Educação Ambiental com a realidade socioambiental
dessa comunidade que vive em torno de arroios e sofre os danos e perdas causados por essa convivência. Para o
desenvolvimento do trabalho se usou como sustentação para os debates e reflexões as produções
teórico/práticas sobre (in)justiça ambiental, visto que essa comunidade sofre com essa prática. Os resultados do
projeto mostram como está arraigada em nossa sociedade a naturalização da desigualdade e injustiça ambiental,
o que de forma orquestrada gera uma despolitização sobre o debate ambiental.
Palavras-Chave: injustiça ambiental; desigualdade ambiental; educação ambiental;

INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo central apresentara experiência de Educação Ambiental (EA) da/na
Escola Municipal de Ensino Fundamental Presidente Deodoro da Fonseca, localizada no bairro Canudos,
município de Novo Hamburgo/RS181. Durante o período de desenvolvimento do projetos e propôs politizar os
debates em torno das questões pertinentes aos arroios Pampa e Peri com alunos e comunidade escolar, usando
como escopo teórico os debates em torno da justiça ambiental.
A população total de Novo Hamburgo é de 238.940 habitantes com um grau de urbanização de 98,27%
(IBGE, 2010), integrando a Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos182. Ao todo, possui três rios afluentes e 65
arroios, com uma área de 4.328 quilômetros quadrados abrangendo 28 municípios183. O município de Novo
Hamburgo está dividido em quatro microbacias, formadas pelos arroios Pampa, Cerquinha, Luiz Rau e

179
Pedagoga, FEEVALE.Especialista em Educação Ambiental, FURG,e-mail: adrianabackesmacedo@gmail.com
180
Professor da especialização em Educação Ambiental pela Universidade Aberta do Brasil na modalidade Educação a Distância.
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande (PPGEA/FURG).
Bolsista FAPERGS/CAPES. E-mail: caio_floriano@yahoo.com.br
181
Projeto de ação desenvolvido a partir do Curso de Especialização em Educação Ambiental oferecido pela FURG
182
O Rio dos Sinos é apontado como sendo o quarto mais poluído do Brasil por alguns sites, entre os quais,
http://www.ecodesenvolvimento.org/posts/2012/marco/dados-do-ids-destacam-os-10-rios-mais-poluidos-do
ehttp://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2015/04/nivel-de-oxigenio-se-aproxima-de-zero-nas-aguas-do-rio-dos-sinos.html
que referenciam como fonte os dados do IDS 2010 (Indicadores de Desenvolvimento Sustentável), do IBGE. Porém, no site do
IBGE(http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/recursosnaturais/ids/ids2010.pdf), não encontramos essa referência direta, mas
encontramos descrito ―que o rio dos Sinos é considerado o mais poluído da região de Porto Alegre, pois possui grande parque
industrial, com destaque para a indústria coureiro-calçadista‖, além de diversas tabelas, demonstrando a qualidade das águas doces.
183
novohamburgo.org/site/nossa-cidade/dados-gerais/
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Gauchinho. Além destes, vários são os arroios que deságuam na região da várzea do Sinos, na margem norte e
sul184.
O bairro Canudos, onde se localiza a escola e foi desenvolvido o projeto, é o maior do município - área
urbana e população. Tem sofrido com as enchentes185 e alagamentos, que vem se repetindo em espaço de tempo
variado (cada vez mais frequentes) e que se tornaram uma preocupação constante dos moradores e assunto em
noticiários impressos e televisivos, trazendo sérias consequências para a sociedade distribuídas de forma
desigual entre sua população, o que, segundo nosso entendimento, se configura numa questão de desigualdade
ambiental.
Assim, decidimos pela realização de um projeto de Educomunicação, denominado de ―Vozes do Arroio
Pampa e Peri‖ com alunos do 3º ano do Ensino Fundamental. Procuramos propiciar aos alunos tornarem-se
protagonistas na realização de um projeto de Ação de Educação Ambiental que possibilitasse aos atores sociais
envolvidos falarem sobre seus saberes, suas vivências, opiniões, expectativas, sentimentos a sua relação com os
arroios que passam pela comunidade. Ao objetivarmos a troca de saberes e a identificação das
responsabilidades dos atores sociais implicados nessa realidade socioambiental, na qual se encontram
deflagrados conflitos186 e injustiça ambiental187.
Para tanto, utilizamos como metodologia a Educomunicação, para retratar a nossa realidade
socioambiental através de fotografias, entrevistas,filmagens e vídeos e jornais locais sobre a situação dos rios e
arroios, buscando, dessa forma, instigar aos alunos uma maior reflexão sobre a complexidade da nossa
realidade realizando encontros para coletivamente construir uma concepção sobre os fatos e problemas
relacionados às enchentes,para que os alunos pudessem realizar as entrevistas com atores diretamente
envolvidos com a possível resolução da situação.

INJUSTIÇAS AMBIENTAIS E CONFLITOS VIVENCIADOS


Para o prefeito do município de Novo Hamburgo/RS o ―crescimento da população seria um dos motivos
188
dos alagamentos‖ , percebe-se, claramente uma despolitização por parte do prefeito municipal referente aos
problemas causados pelas enchentes recorrentes, culpabilizando a população por sua própria "tragédia". Se é

184
novohamburgo.org/site/nossa-cidade/dados-gerais/
185
Santos (2010) e Santos et al. (2014) utilizam o termo enchente para descrever as inundações que ocorrem no município de
Itajaí/SC, por ser a forma como a comunidade denomina o fenômeno. Nesse sentido, por ser a forma como a comunidade, a
comunidade escolar e os alunos se referem ao fenômeno vamos adotar essa nomenclatura durante o artigo.
186
Conflito Ambiental são "aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do
território, tendo origem quando ao menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que
desenvolvem ameaçadas por impactos indesejáveis – transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos decorrente do exercício das
praticas de outros grupos" (ACSELRAD, 2004, p. 26).
187
"Para designar esse fenômeno de imposição desproporcional dos riscos ambientais às populações menos dotadas de recursos
financeiros, políticos e informacionais, tem sido consagrado o termo injustiça ambiental." (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009,
p. 9).
188
Notícia veiculada em: http://www.jornalnh.com.br/_conteudo/2014/02/noticias/regiao/21327-crescimento-da-populacao-seria-um-
dos-motivos-dos-alagamentos-afirma-lauermann.html

355
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verdade que a cidade cresceu rapidamente, como coloca o prefeito, é também verdade que não houve uma
política de planejamento para a ocupação desse espaço, visto que o ―rápido crescimento populacional (...) fez
com que a organização do espaço urbano não acompanhasse esse ritmo" (THIELE, 2004,p.73).
Também não podemos perder de vista que a ocupação dessas áreas não se deu de forma tranquila e por
vontade própria,uma vez que muitos deles ali se instalaram o fizeram por não terem outra opção de moradia por
questões econômicas e sociais, visto ―que ninguém mora perto do arroio porque quer!‖, como relata um pai. E,
além disso:
[...] faz parte, também da realidade local, uma série de conflitos que envolvem interesses diversos tais
como: os eleitorais, imobiliários, de empreiteiras e ambientalistas; que agem nestes espaços segundos
seus interesses particulares. Os conflitos surgidos dessas diversidades de ideias, de interesses que só
fazem aumentar a tensão social dessas áreas. Invariavelmente, transformam os seus moradores e,
instrumentos políticos de pressão e, o que é pior, geralmente com pouco resultado prático e favorável a
essas pessoas (THIELE, 2004, p.84).

As questões históricas dos alagamentos ocorridas no bairro e a espera por soluções ficam evidentes, ao
pensar que "um temporal e três enxurradas seguidas em 25 dias foram suficientes para provocar estragos,
apresentar problemas históricos e provocar a ira da população" (JORNAL NH, 14.03.2014, p. 4, grifos
nossos). Interessante observar que o conflito é apresentado como "ira da população", ou seja, acaba por
culpabilizar a própria vítima e despolitizar o debate sobre a questão ambiental e a imposição da injustiça
ambiental. Essa população "irada" acaba por cobrar dos gestores municipais como conseguem, visto que o
acesso aos mesmos não é fácil e simples, fato que fica claro quando os moradores interpelam o prefeito,que
olhava as máquinas trabalharem, e sentenciaram: ―não façam como outros prefeitos que vieram aqui, falaram
que era herança do passado e não resolveram. Queremos solução‖ (JORNAL NH, 14.03.2014, p.4).
Essa população mora e trabalha às margens dos arroios Pampa e Peri e compõe a comunidade escolar.
Foi com essa comunidade que o Projeto de Educação Ambiental se concretizou, focando as questões
socioambientais pertinentes a essa realidade, uma vez que e a própria comunidade manifestou o seu interesse
através da pesquisa sócio antropológica189 realizada na comunidade e por ocasião dos alagamentos ocorridos, os
pais manifestaram o desejo de que a escola trabalhe a questão da poluição nos rios e das inundações190.
Neste mesmo trabalho ficou o registro de algumas visões e sentimentos dos alunos em relações aos
arroios,uma vez que parte deles definiram arroio como sendo um lugar com ―água suja", "onde vai o esgoto" e
"onde se coloca o lixo". Por outro lado, registramos seus medos em relação à chuva, por vezes demonstrado em
sala de aula, sendo confortados pela professora191 (BACKES; SANTOS, 2015, no prelo).

PROJETO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL - POLITIZANDO O DEBATE AMBIENTAL

189
Pesquisa realizada nas escolas da rede municipal de ensino conforme orientações da SMED de Novo Hamburgo, no
mês de março de 2014.
190
Artigo de conclusão do Curso de Pós em Educação Ambiental da FURG de autoria de Adriana Backes sob orientação de Caio
Floriano dos Santos.

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A EA no município de Novo Hamburgo regulamentou-se em conformidade com as leis vigentes no
país. Assim, durante o debate da I Conferência Municipal de Educação de Novo Hamburgo chegou-se ao
entendimento de que a Educação Ambiental em nossa rede de ensino baliza"a construção de responsabilidades
socioambientais entre escola e comunidade. Abrange a sustentabilidade, a segurança alimentar, os ecossistemas,
a economia local, as espécies, a interação humana, a energia e as tecnologias sustentáveis" (I Conferência
Municipal de Educação, 2012, p.11).
Percebe-se, na legislação municipal um discurso genérico que acaba por despolitizar o debate em torno
das questões ambientais. Nesse sentido, nos filiamos a Acselrad (2013), para quem
(...) a questão ambiental [...] não diz respeito, como pretende o senso comum, despolitizado, à
racionalidade mais ou menos ―ecológica‖ das escolhas técnicas, mas sim à disputa entre diferentes formas
de apropriação e uso dos recursos ambientais – terras, águas, atmosfera e sistemas vivos -, por um lado,
fonte de sobrevivência para os povos e, por outro, fonte de acumulação de lucros para as grandes
corporações (ACSELRAD, 2013).

Assim, buscamos romper com a concepção construída historicamente e ampliar o nosso olhar frente aos
conflitos ambientais vivenciados em nossa comunidade, lidando, assim, com as questões de injustiça e justiça
ambiental. Visto que os conflitos ―[...] evidenciam que há uma configuração desigual – que chamamos de
injustiça ambiental [...] que não devem ser vistos como um risco ou problema a ser mediado, mas [...] como [...]
uma possibilidade de ruptura com essa realidade e sua posterior superação‖ (SANTOS et al., 2013, p.201).
Conscientes dessa configuração desigual da sociedade, propomo-nos a exercer uma educação ambiental
impregnada de cidadania, entendendo que para isso é necessário se colocar ―lado a lado dos mais fracos e
desorganizados visando aumentar-lhes as forças na defesa de seus interesses‖ (SANTOS et al., 2013). Assim,
entendemos que
A EA assim pensada deve ter, nos conflitos existentes a sua pauta de pesquisa e ação. Deve posicionar-se
em defesa do ambiente, mas também dos segmentos vulneráveis da sociedade. Deve ser critica de toda e
qualquer ação que promova injustiça ambiental ou que busca, explícita ou implicitamente, negar ou não
considerar essa realidade existente em nosso país e a busca de sua superação/transformação (SANTOS et
al., 2013. p.267).

Nesse sentido, esses foram os caminhos que nos propomos a percorrer quando nos desafiamos a
implementar e realizar o projeto de EA na Escola visando a construção do documentário ―Vozes do Arroio
Pampa e Peri‖,abrindo espaço para um diálogo problematizador com os diversos atores sociais envolvidos
nessa realidade, entre eles: a comunidade e o governo - com a Companhia Municipal de Saneamento
(COMUSA) e Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos (COMITESINOS).Assim,
buscou-se realizar atividades que pudessem se construir com os alunos a visão deles sobre os rios, arroios e os
danos e perdas causados pelas enchentes, para dialogarem com os diferentes atores sociais.

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Em um de nossos encontros nos utilizamos de uma edição do Jornal Canudos192, que tratava da questão
dos entulhos jogados pelas ruas, calçadas e próximos ao arroio. A pergunta que foi feita por alguns foi: ―Por
que as pessoas estão jogando entulhos ao lado do arroio?‖"De onde vem tudo isso?" E afinal se temos materiais
de construção e móveis, para descartar, qual seria o descarte correto? Todas essas situações e questionamentos
foram colocados em pauta e discutidos com eles.
Em outro momento, lemos uma reportagem do jornal NH (26/ago/2014, p.10)que tratava das ações que
as prefeituras do Vale do Rio dos Sinos planejavam ou estavam realizando para evitar as enchentes e
alagamentos. As crianças comentaram que o gestor municipal não cumpria o que prometia, assim como os
outros políticos que passaram pela comunidade. Falaram da revolta e da insatisfação dos moradores,
sentimentos e a cobrança (que já tinha sido veiculada inclusive no Jornal NH na edição de sexta-feira, 14 de
março de 2014 na página 13). Os alunos insistem ―que os políticos não fazem nada, só prometem e depois não
dão mais as caras.‖, resultado de anos de aguardo da comunidade, como colocou um morador na mesma
reportagem, acima citada: ―Não façam como outros prefeitos que vieram aqui, falaram que era herança do
passado e não resolveram. Queremos solução!‖. Assim se encerrou a aula nesse dia e ficamos no aguardo do
momento em que poderíamos falar com o prefeito, que acabou não retornando sobre um agendamento da
entrevista a ser realizada pelos alunos.
Voltamos a falar da cobrança de políticas públicas em prol dos problemas sociais e ambientais do
município e da importância do estudo e planejamento sobre as ações a serem feitas na cidade, buscar saber das
causas e das consequências. Pretendendo, assim,lidar com uma questão que envolve diferentes e complexos
saberes sem perder de vista que haverá diferentes interesses, que irão deflagrar conflitos. Conflitos estes, que
deverão ser trazidos à luz para serem explicitados e debatidos, buscando dessa forma soluções que respondam
aos anseios da comunidade.
Isso, pois as enchentes passam, mas, suas marcas ficam, como se percebe na manchete ―um ano depois,
a enchente que ainda machuca‖193. Essa reportagem tratava das impressões e marcas que ficaram nas famílias
após serem vítimas da grande enchente do ano anterior (2013). Após a leitura, as crianças começam a falar
todas de uma vez só. Todas queriam contar as suas vivências ou a de seus familiares, vizinhos, amigos ou
colegas. Tento organizar essa fala, mas desisto, porque sei que esse fato provoca muitas ansiedades e
sentimentos, então deixo que falem em duplas ou grupos, contando um para o outro, pois eles realmente
precisavam falar sobre isso e essa conversa entre eles.
Após esses trabalhos em sala de aula buscou-se realizar entrevistas com o COMITESINOS, COMUSA e
comunidade. A primeira entrevista foi realizada som o presidente do COMITESINOS, que esclareceu que se
trata de um órgão que reúne representantes da sociedade para fazer acordos coletivos sobre o uso da água e para
assegurar quantidade, qualidade da água e a preservação da vida do rio. Sendo um espaço de tomada de decisão

192
Jornal Canudos, sexta-feira, 8 de agosto de 2014, nº43, p.3 e 4, edição suplementar do Jornal NH.
193
Jornal NH, segunda feira, 25 de agosto,de 2014, p.4 e 5.
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e de acordos sobre a utilização da água do rio, o que acaba por ocasionar tensões e conflitos pelos interesses de
cada setor da comunidade que faz uso compartilhado de suas águas e pelas quais também são responsáveis,
conforme fica bem representado na apresentação digital (Figura 4), elaborada pelo do próprio
COMITESINOS194.

Fonte: COMITESINOS

Foi falado também a respeito do Plano de Bacia do Rio dos Sinos195, lançado em 03 de julho de 2014,
pelo COMITESINOS, fruto de construção coletiva e da participação social, cujas metas devem ser cumpridas
em até vinte anos, entre elas, a prevenção de enchentes, o planejamento de habitação e a qualidade da água.
Segundo o presidente do COMITESINOS as causas das enchentes em nosso município são os solos cobertos
por ruas, muitas casas, arroios muito canalizados, desmatamento, canos entupidos de lixo e areia. E para evitar
tem que haver planejamento e gestão da prefeitura e do estado para controlar esse problema e tem que se fazer
um sistema de prevenção. Também é importante se saber quando virá uma chuva muito forte e avisar as
pessoas que moram numa zona de risco para que os danos não sejam muito graves.
O presidente do COMITESINOS conversou um pouco sobre sua vivência pessoal, que quando criança
morava no bairro São Jorge da nossa cidade, e que brincava na rua e no arroio, esse ainda limpo. Ele e seus
amigos tomavam banho, brincavam, e traziam peixinho para casa, que eram os barrigudinhos. Também havia
muitas tartarugas (os cágados), sapos, e muitos pássaros. E também na sua rua havia um enorme pé de Ingá, em
que subia e brincava.A aluna L. disse: ―Que coisa injusta. Vocês podiam brincar no arroio, nós não!‖ Ao que
Arno respondeu: ―Você tem toda a razão! É injusto mesmo! Não podem nem brincar no arroio, nem nas ruas.‖
(BACKES; SANTOS, 2015, no prelo).
Houve um momento em que fizemos a saída de estudos a COMUSA e a entrevista com a técnica
química responsável pelo setor de educação ambiental. Durante a entrevista a fala mais marcante foi a de que o

194
http://www.consorcioprosinos.com.br/downloads/NOVO%20HAMBURGO_PMSB_rev_0_pdf.pdf
195
Links para o Comitesinos e o plano de bacia: http://www.comitesinos.com.br/2014/07/806/http://www.comitesinos.com.br/planos-
estudos-tecnicos-e-legislacao/1o-plano-de-bacia/
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Arroio Pampa e o Rio dos Sinos já quase atingiram o nível máximo de poluição (nível 4) e que não poderia
mais ser coletado água do rio para consumo. E como será no futuro se realmente não pudermos mais utilizar de
suas águas? Também foi falado da falta de chuvas e que poderemos em breve passar pela mesma situação que
São Paulo está passando e não termos mais água. Para a possibilidade da falta de abastecimento de água para a
nossa cidade, uma aluna apontou a solução:―comprar água de garrafinha!‖ Estava solucionado! Então fizemos
os questionamentos sobre a possibilidade de todos poderem comprar água para suprir todas suas necessidades,
já que o preço seria mais elevado. Concluímos novamente que as crises ambientais atingem de modo diferente
as pessoas dependendo das condições sociais ou econômicas (BACKES; SANTOS, 2015, no prelo).
Na entrevista com a comunidade o fato mais evidenciado foi a questão do lixo que é colocado em torno
e dentro do arroio, e que eram visto como a maior causa das enchentes e que a prefeitura deveria fazer
limpezas periódicas, como pode ser percebido nas falas: ―Eu me acostumei com o arroio desde que me conheço
por gente, só que agora eles largam muito lixo [...] muita poluição e lixo que o pessoal larga [..] é onde acontece
os alagamentos [...] tem que fazer uma limpeza bem feita pela prefeitura nos bueiros e as pessoas parar de jogar
lixo, a população tem que se conscientizar...‖; ― Agora, qualquer chuvinha a gente tem medo e não sai mais de
casa, já levanta as coisas‖; ―As pessoas andam sujando bastante o arroio‖; ―Isso é de cada pessoa, se procurar
fazer um pouquinho [...] aí quando vier aquela chuva forte, aquele pedacinho de papel já não vai segurar a água
ali na frente...‖. Percebe- se, claramente, que a comunidade já assumiu a corresponsabilidade pelas enchentes e
poluição dos rios, o que evita um debate aprofundado sobre as causas desses problemas que revelam a
desigualdade e injustiça ambiental.
Importante ressaltar que as entrevistas foram pensadas coletivamente e depois realizadas pelos alunos,
que antes do inicio desse documentário ouviram de profissionais do jornalismo e da fotografia orientações e
dicas para que eles pudessem aprimorar o seu próprio trabalho, o que fez com que eles se sentissem mais
valorizados, aumentando o seu interesse e envolvimento no projeto.
Após a exibição das entrevistas na pré-estreia, houve uma roda de conversas com a comunidade
presente, que pouco falou a respeito das responsabilidades de outros setores da sociedade (privado e governo)
em relação aos arroios ou em questões sociais que levavam as pessoas a morarem em cima dos arroios, com
exceção de um pai que comentou que ninguém morava perto do arroio porque queria e que seria preciso um
planejamento de habitação. Reduzir as questões sócio-ambientais os arroios assoreados, ao esgoto doméstico
lançado direto as águas e o lixo colocado pela comunidade que sofre diretamente com o arroio poluído,
demonstra que a mídia tem propagado muito bem o discurso em que todos aparecem como culpados pelos
―problemas‖ ambientais, enquanto atribui-se a cada um a solução196 (BACKES; SANTOS, 2015, no prelo).
Como também ficou evidente no depoimento de um pai: ―não adianta a prefeitura fazer sua parte, como ela fez

196
Refletindo o que Santos et al. (2013) chamam de EA de Etiqueta, Autoajuda e Perfumaria, focada apenas na mudança individual de
postura sem uma crítica envolvendo a realidade societária.
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recolhendo o lixo. Mas quem tem condições de deixar o arroio Pampa como tem que ser, não é a prefeitura, o
governo federal, é eu, é você, é nós, não adianta! É nós!(...)‖.
Por fim, culminamos com a apresentação do documentário197 na nossa escola, que ocorreu junto a
Mostra Multicultural. Nesse dia, não finalizamos a exibição e nem houve debate, devido ao temporal que se
armou, fazendo com que a comunidade quisesse voltar logo para suas casas.

CONSIDERAÇÕES
Como educadores, cada nova ação proposta, traz imensos desafios, possibilidades e limites, que
provocam, ensinam e transformam na medida em que vamos refletindo, questionando, avaliando e avançando
em nossa caminhada. No atual momento histórico, temos que fazer nossas escolhas de modo cada vez mais
conscientes, frente aos alunos que atendemos e à comunidade na qual estamos inseridos. E não podemos mais
ignorar os conflitos que se evidenciam em nossos territórios, nem as desigualdades sociais que só produzem
mais injustiças socioambientais.
Também cabe lembrar que devemos resistir à mídia hegemônica, que defende a ideia de que cada um
dos cidadãos individualmente deve ―salvar o nosso planeta‖. Que, assim, estaríamos fazendo a nossa parte sem
abrir mão de um modo de vida que serve a uma sociedade consumista e bastante lucrativa para uma pequena
minoria da sociedade. Esse sistema que vem trazendo como consequência a devastação do nosso ambiente, em
que os menos favorecidos além de não terem participação neste dito ―desenvolvimento‖, têm ficado com a
conta mais alta, pois muitas vezes são expulsos de seus territórios ou sentem com maior intensidade os efeitos
dessa destruição.
As questões sociais, politicas e econômicas não podem mais serem apartadas das questões ambientais.
Elas devem que ser debatidas em sala de aula e fora dela, seja em espaços formais ou não formais. Só o que é
trazido à luz, o que deixa de ser negado ou camuflado é que pode ser reconhecido para ser enfrentado.
E, por fim, nós educadores, que temos em nossas mãos crianças de todas as idades, devemos nos
desafiar a trazer conceitos de justiça social e ambiental às nossas salas de aula em todas as séries e níveis.
Fazemos os pequenos refletirem, em seu convívio diário e brincadeiras, sobre seus conflitos, apontando o que
os faz com que se sintam injustiçados ou excluídos das brincadeiras ou até de determinados espaços. Esses
momentos, em que enxergamos esses conflitos acontecendo, são oportunos pra trazê-los para o diálogo,
provocando-os a refletir, dialogar e rever suas atitudes buscando uma postura mais justa de todos os envolvidos.

Referências

197
Link para assistir ao documentário: Vozes dos arroios Pampa e Peri:
http://ecoletivodeodoro.blogspot.com.br/search/label/Document%C3%A1rio%20%20%20Vozes%20dos%20arroios%20Pampa%20e
%20Peri

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ÁVILA, João Carlos, Prefeito acompanha trabalho de limpeza e ouve moradores atingidos por
alagamentos.JORNAL NH, Novo Hamburgo, 14 mar. 2014, p.4.
ACSELRAD, Henri; MELO, Cecilia Campelo; BEZERRA, Gustavo das Neves. O que é justiça ambiental.
Rio de Janeiro: Garamond, 2009.

ACSELRAD, Henri. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: ACSELRAD, Henri (Org.).
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ACSELRAD, Henri. Apresentação. In: FÓRUM DOS ATINGIDOS PELA INDÚSTRIA DO PETRÓLEO E
PETROQUÍMICA NAS CERCANIAS DA BAÍA DE GUANABARA (Org.). 50 anos da refinaria Duque de
Caxias e a expansão da indústria petrolífera no Brasil: Conflitos socioambientais no Rio de Janeiro e
desafios para o país na era do Pré-sal. Rio de Janeiro: Fase, 2013. p. 9-12.

BACKES, Adriana,SANTOS Caio Floriano dos.Vozes do Arroio Pampa e Peri (Novo Hamburgo/RS): A
Educomunicação como proposta para a Educação Ambiental. 2015, 18p. no prelo.

CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. 1, 2012, documento final. Novo Hamburgo, 2012.


Disponível em:
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SANTOS, Caio Floriano et al.Conflitos no centro da Educação Ambiental. In: MACHADO, C. et al. In:
MACHADO, Carlos RS et al. (Orgs.). Conflitos ambientais e urbanos – debates, lutas e desafios. Porto
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SGARBI, Karina. As ações das prefeituras contra enchentes. JORNAL NH, Novo Hamburgo, 26 ago. 2014,
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THIELE, Paulo Renato. Análise das políticas ambientais aplicadas aos moradores das margens do Arroio
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Alegre. 2004. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/6143. Acesso em: 14/09/2015.

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NOÇÕES DE ÉTICAS NAS DISSERTAÇÕES EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL DO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL –
PPGEA/FURG
ETHICAL CONCEPTIONS FOUND IN THE MASTER‟S THESES IN
ENVIRONMENTAL EDUCATION
Humberto Calloni198

RESUMO

Trata-se de elencar determinadas concepções de ética (ethos) e moral (mores) de filósofos que se debruçaram
sobre estes conceitos e que contribuíram – a ainda contribuem – para uma melhor compreensão do nosso modo
de ser e estar no/com o mundo, notadamente na mira da importância do debate ético na atual crise
socioambiental. Trata-se, igualmente, de registrar em que medida as produções de dissertações do Mestrado em
Educação Ambiental do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental – PPGEA – da FURG conferem
à ética/ética ambiental concepções significativas e suas articulações com a Educação Ambiental. A análise das
dissertações refere-se aos anos 2006 e parcialmente ao ano de 2007.
Palavras-chave: Ética, Ética Ambiental, Educação Ambiental.

ABSTRACT
It is a compilation of certain conceptions of ethics (ethos) and moral (mores) by philosophers who have
developed these concepts and have contributed to a better understanding of our way of being in/with the world,
mainly regarding the importance of an ethical debate in the current socioenvironmental crisis. Besides, it
registers how the Master‘s theses in Environmental Educational, defended in the Post-graduation Program in
Environmental Education (PPGEA) at FURG, have brought meaningful conceptions to Ethics/Environmental
Ethics and how they have been related to Environmental Education. This paper reports the analysis of theses
which were defended in 2006 and part of 2007.
Key words: Ethics, Environmental Ethics, Environmental Education

PROLEGÔMENOS

Não é necessária uma ciência ou filosofia para se saber o que deve ser feito, para ser honesto e
bom, e mesmo virtuoso e sábio: A inteligência comum pode ambicionar alcançar o bem tão bem
quanto qualquer filósofo pretenda para si.

(Kant. Prefácio da Fundamentação da Metafísica dos Costumes)

Baruch de Espinosa (1632-1677), em sua Ética, demonstra, na Proposição LIX, que ―Uma ação
qualquer diz-se má na medida em que nasce do fato de sermos afetados pelo ódio ou por alguma afecção má
198
Professor Associado de Filosofia da FURG. Licenciado em Filosofia e Pedagogia (UFRGS). Mestre e Doutor em Educação (UFRGS).
Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa da Complexidade – GEC/FURG.
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(...). Ora, nenhuma ação, considerada em si mesma, é boa ou má (...), mas uma só e a mesma ação é umas
vezes boa, outras má” (Espinosa, 1983:259).

Jean-François Dortier lembra que Espinosa,

(...) em sua Ética, afirma que a conduta humana não deve ser pautada por leis morais que ditam o
bem e às quais o homem teria de se submeter por dever. Para o filósofo de Amsterdam, o bem em
si não existe; Espinosa reduz o bem ao útil e o mal do nocivo e indica ao leitor um meio para se
libertar de tudo o que diminui o seu poder de agir e para alcançar a sabedoria (Dortier, 2010:53).

A ética, para Espinosa, é o correspondente grego do termo ethos, isto é, modo ou maneira de ser do
humano como tal. Ao distinguir ética de moral, o filósofo enfatiza que a moral, tal como a religião, são sistemas
―que impõem certos deveres ao homem‖. É livre o humano que se governa pelos ditames da Razão, ou seja,
pela causa (lembremo-nos que a ética em Espinosa é uma ontologia universal, ao mesmo tempo em que uma
lógica e uma antropologia com clara menção às categorias aristotélicas: ser é conhecer pela causa), onde ―(...)
Deus é a causa eficiente e não causa final da realidade. A causa final é uma pura projeção antropomórfica na
Natureza‖ (Espinosa, 1983:XVI).

É interessante registrar a interpretação de Japiassú quanto ao seu entendimento da ética espinosiana,


notadamente quanto à noção do dever. Japiassú registra que, para o autor do Tratado da Correção do Intelecto,

(...) a ética nada tem a ver com deveres: quem age por dever não é autônomo, não é livre, age por
mandamento (...), onde ―aqueles que não conseguirem alcançar a verdadeira liberdade devem pelo
menos aceitar as imposições da Moral e da Religião‖. (Espinosa, 1983:XIV), ainda que, nos
adverte Japiassú, (...) Não devemos confundir o sentido de um discurso com a verdade das coisas.
Se o Deus sive Natura de Espinosa não é um Deus criador, pessoal e juiz, nem por isso pode ser
dissolvido no mundo (panteísmo) (Japiassú, 1990:86).

O nosso interesse não é o de polemizar sob um aspecto pontual ou derivativo acerca da noção de moral –
embora o leitor verificará que este procedimento poderá ocorrer em algum momento deste texto – entre o
filósofo e o intérprete, mas procurar elencar algumas contribuições de pensadores acerca dos sentidos de ética e
moral.

Para o hermeneuta Paul Ricoeur (1913-2005), em ―O si mesmo como um outro‖, distingue a ética da
moral. Ainda na letra de Dortier, Ricoeur situa a ética no domínio da teleologia, isto é, na busca da vida correta
para um sujeito. A moral, por sua vez, remeteria a uma dimensão deontológica, isto é, a um dever universal.
Sublinhamos também em Ricoeur a noção de dever enquanto atributo da moral. Dever universal, dado que o si

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mesmo é o indivíduo subjetivo que resulta do movimento transubjetivo referendado pelo outro, que pode ser o
imediato ou o universal, o Outro enquanto tal.

Mauro Grün, em sua obra ―Em busca da dimensão ética da Educação Ambiental‖ revela-nos uma
profunda reflexão de pertinência entre o conceito de Ética e Educação Ambiental. Em sua abordagem
hermenêutica e no capítulo destinado ―À Outridade da Natureza‖, Grün enfatiza que o conceito de ―coisa‖, em
Gadamer é, justamente, uma ―Natureza ativa. A Natureza é o Outro que nos aborda‖ (Grün, 2007:151).
Encontramos no Outro, na Natureza, através da linguagem, a dignidade e a inteligibilidade resgatadas e que
foram desdenhadas pela herança da Modernidade e seus maiores expoentes: Francis Bacon e René Descartes.
Assim que, trata-se, agora, de permitir que a ―Natureza venha à fala‖ (Ibidem:127). Ou seja: ―o vir à vala do
significado‖, explica Grün, referindo-se a Gadamer, pois Ser que pode ser compreendido é linguagem
(Ibidem:128).

Não precisamos temer o significado da outridade, destaca o autor, pois ―(...) participar com o outro e ser
parte do outro é o mais e melhor pelo que podemos lutar e realizar‖, anota o filósofo ao citar Gadamer
(Ibidem:166).

Em relação à Educação Ambiental, Grün destaca que esta,

(...) por sua vez, constitui apenas um dos vários modos de tratar as conseqüências da vida
contemporânea. O respeito pela outridade da Natureza implícito em tal processo poderia, por sua
vez, despertar novas formas de solidariedade e respeito pela outridade do Outro. Quero propor que é
precisamente para essa postura ético-política que uma educação ambiental efetiva e radical precisa
se voltar se quiser se libertar dos limites do pensamento cartesiano (Ibidem:166-7).

Max Weber (1864-1920), no quadro de uma reflexão sobre a ação política, propõe, retornando a Dortier,
uma antinomia entre a ―ética da convicção‖ e a ―ética da responsabilidade‖. A ―ética da convicção‖ não se
preocupa com as conseqüências de uma ação, pois o que importa, para o adepto dessa modalidade ética, é a
autoridade das leis que anunciam o bem e o mal, e essas obrigações são absolutas, transcendentes e
incondicionais. Por outro lado, a ―ética da responsabilidade‖, ao contrário, prioriza as consequências da ação do
agente. Seus adeptos consideram que as consequências são imputáveis à ação. Para o filósofo e sociólogo
alemão, haveria uma ―oposição abissal‖ entre ambas as atitudes éticas; isoladamente, cada uma delas é
insuficiente...

Por sua vez, Hans Jonas (1903-1993), em sua obra O Princípio Responsabilidade, também distancia-se
das éticas tradicionais de predomínio antropocêntrico e propõe uma ética para o futuro, dado que ―o poder
tecnológico transformou aquilo que costumava ser exercícios hipotéticos da razão especulativa em esboços

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concorrentes para projetos executáveis‖ (Jonas, 2006:63). Para o filósofo, há um significativo descompasso
entre a complexidade da ordem natural, sua evolução, e a velocidade das ―intervenções tecnológicas na
organização da vida‖: ―O grande empreendimento da tecnologia moderna, que não é nem paciente nem lento
comprime (...) os muitos passos minúsculos do desenvolvimento natural em poucos passos colossais, e com isso
despreza a vantagem daquela marcha lenta da natureza, cujo tatear é uma segurança para a vida‖ (Ibidem:77).
Vale a pena destacar a constatação de Jonas quanto ao acelerado (pre)domínio tecnológico em nível mundial
em comparação com a ―lentidão‖ com que os processos naturais ocorrem. Se uma das raízes éticas (Morin)
repousa no caráter biológico da nossa natureza, queremos dizer, da espécie/natureza, o descompasso entre o
desenvolvimento biológico e antropossocial requer, de alguma maneira, uma reflexão profunda quanto ao nosso
futuro imediato. É nesse sentido que Jonas enfatiza um dos elementos fundamentais em toda e qualquer noção
de ética: a responsabilidade. A Educação Ambiental é, antes de tudo, uma educação para a responsabilidade que
cada indivíduo/sujeito deve exercer em relação ao seu meio ambiente imediato no que se refere ao resguardo da
qualidade de vida humana e não humana, a fim de que o presente espelhe, diacronicamente, o futuro das
sociedades, do próprio planeta Terra.

Em sua tese de doutorado sobre ―O princípio da responsabilidade como fundamento filosófico da ética
ambiental para a sustentabilidade: contribuições de Hans Jonas‖, Gilmar Luis Joner afirma que

Jonas pondera sobre a necessidade de uma ética que conduza os atos humanos não só no
particular, mas também no coletivo. Os efeitos decorrentes do poder que o ser humano possui e
está demonstrando, levaram Jonas a rever os conceitos de responsabilidade e ética, pois, de certa
forma, as consequências desses efeitos tomaram proporções seriamente perigosas a ponto de
ameaçar a vida na Terra, na qual o ser humano é chamado a ouvir a natureza para assim ser o seu
guardião. O mundo moderno - continua Joner - com seu avanço tecnológico, está diante de um
grande paradoxo: se por um lado as tecnologias fazem parte do nosso dia-a-dia nos auxiliando (às
vezes até impondo como essenciais), de outro, trazem, também, consequências inerentes que
podem ser perigosas, a ponto de tornar inviável a continuidade da vida no planeta, a médio e longo
prazos (Joner, 2010:37).

Em O princípio Responsabilidade e no capítulo intitulado ―Novas dimensões da responsabilidade‖,


Hans Jonas enfatiza que, de fato, ―A técnica moderna introduziu ações de tal ordem inédita de grandeza, com
tais novos objetos e consequências que a moldura da ética antiga não consegue mais enquadrá-las‖ (Jonas,
2006:39).

O filósofo e historiador francês Luc Ferry, nos ensina, lembrando os legados dos estóicos que, para
estes, "(...) de fato, a estrutura do mundo ou a ordem cósmica, não é apenas uma organização magnífica, mas
também uma ordem análoga a de um ser vivo‖ (Ferry, 2007:38). Para os antigos, a the-oria, consistia,
exatamente, em esforçar-se por contemplar o que é divino no real que nos cerca, enfatiza Luc Ferry, ao
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descrever a concepção estóica de theoria. Ta theia orao significa, recomenda o historiador, ―eu vejo (orao) o
divino (theion), eu vejo – eu me esforço por ver - as coisas divinas (theia)‖ (Ibidem:38). Naturalmente, esse
esforço de buscar/contemplar o divino, hoje, pode ser interpretado como sendo a busca pelo que há de essencial
nos fenômenos da vida, da realidade, da existência humana e não humana. A ética ou teoria da moral, desvela-
se no esforço para bem conduzir a vida, isto é, para o viver bem ou o bem-viver. Viver e morrer sabiamente, eis
um princípio da moral estóica. Neste sentido, a ética/moral torna-se de fundamental importância para a reflexão
ambiental, queremos dizer, para uma educabilidade ambiental em que os conceitos de vida e morte produzem
sentidos e significados nucleares para redefinir nossa responsabilidade para com o presente e o futuro.

Por outro lado, em seu texto ―Público, Privado, Despotismo‖, a filósofa Marilena de Souza Chauí, ao
comentar sobre os conceitos de Modernidade e de Pós-Modernidade, discute se a crise dos valores morais
presente na linguagem cotidiana não seria o resultado, também, assim interpreto, da imponderabilidade de um
lugar determinado no universo cósmico quanto ao anúncio de uma verdade derradeira, de uma certeza absoluta
ou de um lugar específico do Cosmos grego, cuja epifania se faria revelada em forma de ―mundo‖. Entendo,
contudo, que esta é uma questão que não pretendo adiantar nesta breve reflexão. Porém, em relação à ética, é
interessante destacar o que relata essa filósofa e o que ela nos ensina quanto à recepção do conceito de ética a
partir das concepções de mundo. Ou seja,

Os antigos afirmavam que a ética, cujo modo era a virtude e cujo fim era a felicidade, realizava-se
pelo comportamento virtuoso entendido como a ação em conformidade com a natureza do agente (seu
ethos) e dos fins buscados por ele. Afirmavam também que o homem é, por natureza, um ser racional
e que, portanto, a virtude ou o comportamento ético é aquele no qual a razão comanda as paixões,
dando normas e regras à vontade para que esta possa deliberar corretamente. Embora Platão,
Aristóteles, os estóicos e os epicuristas divergissem quanto à definição de virtudes, da razão, da
vontade, das paixões e da Natureza, concordavam com os princípios expostos. Essa concordância
derivava de uma outra, cuja definição também variava, mas que era a mesma como princípio geral,
qual seja, a admissão da existência de uma ordem universal, de um cosmos racional, em cujo interior
os homens e cada homem, assim como todas as coisas, possuíam um lugar próprio e definido que
determinava a conduta racional de cada um segundo certos fins tidos universalmente como belos, bons
e justos (...) (Chauí, 1992:348).

Entrementes, a fadiga ou a saturação do conceito de ordem universal inicia-se com o advento da noção
de modernidade, tal como está presente na obra de Mauro Grün. Mas, igualmente, a ordem universal, entendida
como imanente ou transcendente ao mundo – ―o movimento do saber moderno na forma de ciências naturais‖
(Jonas, 2006:65) desloca o conceito de espaço finito, de ordem ou de ―lugares naturais‖ (Cosmos) para um
espaço infinito, desprovido de centro e periferia (Chauí) e de ―indivíduo livre, átomo no interior da Natureza e
para o qual já não possuímos a definição prévia de seu lugar próprio e, portanto, de suas virtudes próprias‖
(Chauí, Ibidem, 350). Prossigo esta reflexão da filósofa lembrando que as virtudes próprias ao seres vivos como

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um todo se mantêm preservadas, ou seja, cada animal ou planta possui sua própria ―virtude‖, dado que ocupam,
cada qual e em cada espécie, o seu devido lugar na ordem cósmica ou no mundo da Natureza. O humano,
contudo, parece ter transgredido (hybris) o seu lugar na ordem do natural, ―desadaptando-se‖ da ordem
cósmica, insurgindo-se e ao mesmo tempo excedendo-se em relação às leis/sistemas/metabolismos espácio-
temporais da Natureza.199

A filósofa Chauí também parece denunciar, assim como Jonas, o ideal kantiano acerca da ética e seu
embate em relação à Natureza, ao sugerir que ―A ética vai deixando de ser a conformidade com a Natureza para
tornar-se, sobretudo com I. Kant (1724-1804), o abandono da Natureza e mesmo oposição a ela‖ (Chauí,
Ibidem, 350). Ora, esse ―abandono‖ e, a fortiori, essa ―oposição‖ do humano em relação à Natureza é o que
poderíamos designar de ―desadaptação ontológica‖ à ordem universal da Natureza, ou ao imaginário Cosmos
grego, se quisermos. Essa desadaptação ocorre tanto nos reclamos por um resgate da ordem da unidade
essencial do humano com o todo (transcendências a partir do ritual religioso, das artes ou da filosofia), quanto o
estranhamento/alienação do indivíduo/sujeito humano em relação à própria espécie a que pertence na ordem
natural homo sapiens-sapiens-demens (o conceito é de E. Morin). A Educação Ambiental tem uma tarefa
decisiva na reflexão acerca da ontogênese do humano, na instauração dos processos culturais (noologia) como
propriedades ou especialidades externas da animalidade do humano, mas que o facultam para
redimensionamento da sua existência e de seu ser a partir do caráter eminentemente cultural de sua interface
com a Natureza.

Retomemos Hans Jonas e lembremo-nos também do imperativo categórico de Kant que diz, em A
crítica da razão prática (1788): ―age de tal forma que a norma de tua ação possa ser tomada como lei
universal‖. A este imperativo Jonas propõe ―um imperativo adequado ao novo tipo de agir humano (...)‖
parecendo adequar: ―aja de modo a que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma
autêntica vida humana sobre a Terra‖; ou, expresso negativamente: ―aja de modo a que os efeitos de tua ação
não sejam destrutivos para a possibilidade futura de uma tal vida‖; ou, simplesmente: ―não ponha em perigo as
condições necessárias para a conservação indefinida da humanidade sobre a Terra‖; ou, finalmente, em um uso
propositivo: ―inclua na tua escolha presente a futura integridade do homem como um dos objetos do teu querer‖
(Jonas, 2006: 48). Educar, pois, para a responsabilidade, equivale a educar para a consciência dos nossos
limites do conhecimento; das nossas apostas para a solidariedade e integridade das nossas relações simbióticas
com a Natureza e a fraternidade universal entre humanos e não humanos, objetivando formas alternativas e
saudáveis de sustentabilidade planetária.

199
A expressão “nada em excesso” incita os humanos a encontrarem sua justa medida na ordem cósmica, para evitar a hybris, esse
arquétipo da falta de sabedoria, essa vaidade ou descomedimento que desafia os deuses e, através deles, a ordem cósmica (...).
Para os mortais, a hybris sempre conduz à catástrofe (...) (Ferry, 2009:169).
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Sírio Lopez Velasco, filósofo e professor de Filosofia, autor de inúmeros trabalhos acerca do
Ecomunitarismo, ou seja, ―a ordem socioambiental utópica pós-capitalista‖ (Velasco, 2003:20), reconhece a
falência das éticas tradicionais de natureza teológico-universal e reinstala o conceito de ―ética argumentativa‖,
baseado em estudos sobre J. L. Austin, e pensadores, tais como Karl-Otto Apel e Jürgen Habermas, Russell e
Wittgenstein, entre outros. Da maneira como eu leio o texto de Velasco, não há dúvida de que se trata de uma
ética voltada para a normatização de ações e valores pós-capitalismo para o conjunto das sociedades, dado que
as éticas atuais, ancoradas em um tradicionalismo teológico e teleológico são incapazes de romper com a
alienação do ser humano, uma vez que prosperam no âmbito profundamente ideológico do capitalismo e seus
valores globalizados, ainda que encontre resistências/resiliências em determinados países e no próprio espectro
governamental das sociedades capitalistas. A citação a seguir torna-se imprescindível para uma melhor
compreensão do leitor acerca do que Velasco anuncia a partir do seu entendimento sobre a ética, ou melhor, a
Ética Ecomunitarista:

Precisamente no momento em que o capitalismo, graças à subsunção sistemática da ciência como


força produtiva, alcança seu apogeu, e com ele se fazem patentes os perigos de um holocausto
socioambiental da humanidade, a ética aparece desarmada para dar uma resposta de alcance
universal aos riscos planetários da era da ciência, colocada a serviço do capital. Com o
―desencantamento do mundo‖ que acompanha e retroalimenta o desenvolvimento do capitalismo,
as éticas de fundamento teológico têm sido feridas de morte pela crítica devido à sua carência de
universalidade (...) (Ibidem: 09).

A ética, em Velasco, apresenta-se, naturalmente, profundamente imbricada com outro modelo de


sociedade, que não o capitalismo. É por isso que se trata de uma ética voltada ao pós-capitalismo. A esse
modelo sugere o nome de ecomunitarismo, que, como vimos acima, é esboçada a partir do diálogo
argumentativo entre os sujeitos e membros constituintes das diferentes sociedades e culturas. Contudo, a
validade intersubjetiva universal dos preceitos normativos da ética ecomunitarista pode, eventualmente,
fragilizar-se na hipótese de o devir histórico descaracterizar o conceito de trabalho como centralidade da
condição humana. Entrementes, o filósofo não faz futurologia e sabe que o sistema capitalista, eivado de
injustiça, alienação, corrupção, logros, além de destruidor confesso da Natureza, promotor de incontáveis
doenças e mortes e hipocritamente deísta, tem os seus dias contados, malgrado a sagacidade do uso e abuso de
sua razão instrumental, que metaboliza, em âmbito social e em seu interior organizacional, tudo o que possa
ferir de morte a sobrevivência do lucro, não importando as hostes ao seu ataque. Este parece ser o grande
desafio a ser encetado a todos quantos pretendem um novo mundo ou um mundo novo (Morin): a transformação
da antítese capital e trabalho como relação alienada e injusta entre si em uma síntese não exatamente comunista
à maneira stalinista, mas uma sociedade global, isto é, de caráter universal, que sintetize o meio ambiente

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natural, a dignidade humana e não humana e a solidariedade, ou seja, uma sociedade que, respeitando suas
especificidades culturais, se realize enquanto eco-sócio-comunitária ou ecomonitarismo.

Por último, dado o avanço imponderável da ciência e tecnologia presentes no mundo hodierno, a ética
ecomunitária, de Sírio Velasco, pode, até certo ponto, penso eu, dialogar com o princípio responsabilidade, de
Hans Jonas, dado que ambas propõem a denúncia de uma ética presente na sociedade global atual e ao mesmo
tempo anunciam propostas alternativas. As utopias são idéias-força que nos habilitam a propor formas
alternativas de coexistência comum para o bem da humanidade. O prefixo eco, hoje indispensável para quem se
debruça sobre a práxis humana, reforça o caráter do resgate da dimensão universal e planetária para as novas
configurações éticas de qualidade de vida no âmbito da nossa finitude existencial. A Educação Ambiental, ao
refletir o estatuto do ecomunitarismo, adianta a complexidade entre as relações humanas e não humanas,
repondo em seu ideário os elementos políticos, econômicos, sociais, históricos, filosóficos, dentre outros, que
informam sobre estratégias da nossa condição humana para o bem e para o bom procedimento para uma vida
digna e saudável. Porém, como todas as utopias, o ecomunitarismo reconhece, também, a finitude humana e, de
resto, dos fenômenos naturais, com os quais deve contar para dar sobrevida histórica ante as incertezas face ao
futuro.

Por outro olhar, Ernst Tugendhat, em seu Lições sobre Ética, também não concorda com uma
fundamentação ética de caráter universal, ou melhor, de pretensões absolutas, tal como encontramos em o a
priori kantiano. E isso porque juízos morais podem ser verdadeiros apenas para aquele que julga ser verdadeiro
(porque eles não são empiricamente verdadeiros), ensina o filósofo:

Ora, apenas para filósofos que acreditam que a nossa consciência possuía uma dimensão pré ou
supra-empírica, como Platão e Kant, poderia aparecer como compreensível que pudéssemos
compreender a priori algo não empírico. Não é sugestivo que quando temos que recusar uma
fundamentação religiosa, tenhamos que rejeitar também uma fundamentação a priori
(―metafísica‖)? (Tugendhat, 2000:16).

Cai-se em um profundo dilema, segundo Tugendhat, quando a recusa de uma fundamentação universal,
ainda que religiosa, por não ser mais esclarecedora e por si mesma evidente e, ao mesmo tempo, acreditarmos
que um juízo moral não pode ser fundamentado empiricamente.

Diferentemente de Velasco, o filósofo Tugendhat parece resistir a uma passagem pela alfândega
ideológica de radicalidade crítica do capitalismo sem que haja uma teoria consolidada capaz de suportar a
―superioridade‖ de uma ordem moral alternativa, ou normatividade, que não deixe dúvidas quanto à sua
eficácia. Ou seja, não basta, para Tugendhat, denunciar que o sistema capitalista é injusto meramente devido a
sua base sócio-econômica, ainda que, para nós, que assistimos ao debate, possa nos parecer suficiente... Mas a
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proposta do filósofo não deve ser desconsiderada, na medida em que, de fato, a alternativa a um sistema
normativo injusto não pode ser ―implementada‖, em tese, sem o devido concurso de uma teoria prospectiva que
afiance, em seu núcleo genético e genérico organizacional, um contraponto plausível de possibilidades
históricas e culturais que propiciem a emergência de normatividades sintonizadas com os seus referenciais
morais e que sejam ao mesmo tempo percebidas pelo senso comum como saturadas e objetivamente dispostas à
mudança de um sistema alternativo (normativo) da sociedade pós-industrial.

(...) o questionamento normativo de um sistema sócio-econômico – por exemplo, o capitalismo –


pressupõe que este sistema seja medido a partir de certos juízos morais que devem eles mesmos
ser tidos por nós como corretos. Não se pode colocar o sistema em questão do ponto de vista
normativo, na medida em que simplesmente questionamos os juízos morais presentes no interior
deste sistema com base nas suas condições sócio-econômicas (Tugendhat, 2000:17).

É que a mistura da análise empírica e crítico-normativa remonta, para Tugendhat e, em grande parte, a
Marx (apesar de que o próprio Marx tenha se livrado dessa mistura, em sua obra tardia, ao deixar o mais
possível de lado a sua própria concepção normativa, e não oferecendo mais em sua análise do sistema
econômico atual uma aparência normativa).

Tugendhat entende, enfim, que a ética é, de fato, uma reflexão filosófica sobre a moral que, assim me
parece, possui a mesma positividade da obra de Vásquez, Ética, que abaixo comentaremos.

Aqui fica mais clara a distinção que Tugendhat faz entre ética e moral, tal como o filósofo Adolfo
Sánchez Vázquez que, em seu livro Ética entende ser a ética um estudo científico ou reflexivo sobre a moral.
Ou seja, um estudo filosófico e científico sobre a moral. É que, para Vásquez, ―o valor da ética, como teoria,
está naquilo que explica, e não no fato de prescrever ou recomendar com vistas à ação em situações concretas‖
(Vásquez, 1982:11). Nesse sentido, a ética é o estudo científico, filosófico, rigoroso sobre a moral de uma
determinada sociedade e que, para conhecermos o bem, o dever e os valores morais, ou seja, o conjunto de
princípios, valores e prescrições que o ser humano considera válidos em uma determinada sociedade,
comunidade ou grupo social, são encarnados e se concretizam como dinâmica de relacionamento numa
determinada cultura, num determinado tempo histórico. Assim para conhecermos a moral ou mores (costume)
de uma determinada cultura é imprescindível imergirmos, inteirarmo-nos, vivenciarmos essa mesma cultura.

De qualquer forma, o rigor semântico entre ética e moral não é tão agudo quanto se poderia supor, pois,
adianta o pensador, ―A palavra ‗moral‘ nada tem de sagrado e nem mesmo é muito antiga. Na filosofia devemos
sempre ter como ponto de partida que não faz sentido discutir sobre o verdadeiro significado das palavras‖.
Quero dizer que, para Tugendhat,

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(...) Existem, contudo, autores contemporâneos que fazem uma diferença entre ‗ética‘ e ‗moral‘.
Mas também neste caso é preciso ver certamente que não se trata de uma distinção necessária. É
claro que também então esperamos – ao distinguirmos ética e moral entre si, de uma ou de outra
maneira – chegar a uma distinção importante, distinção que já esteja previamente dada na
compreensão humana. Estas diferenças então não residem propriamente nestes termos. A pergunta
sobre em que consiste em si a diferença entre ética e moral seria absurda. Ela soa como se a gente
quisesse perguntar sobre a diferença entre veados e cervos‖ (Tugendhat,2000:35).

Em sua análise sobre a moral, Tugendhat entende que é necessário que tenhamos claro que não existe
uma única concepção de moral, e que cuidemos de discutir com outras definições de moral antes de
contestarmos explícita e reciprocamente do que seja uma moral. Essa advertência em um período histórico
como o atual, em que ―não estamos mais seguros de uma fundamentação‖, o filósofo enfatiza que

É uma falha fundamental das éticas correntes, que elas sempre vejam como o conflito moral
fundamental, aquele que se dá entre quem quer se compreender moralmente e aqueles que não
querem assim se compreender (o ―egoísta‖). O conflito moral fundamental no qual propriamente
nos encontramos hoje é o que subsiste entre as diferentes concepções de moral (Ibidem: 27).

Por outro lado, Edgar Morin também conclui que a ética está francamente em crise em fundamentos. Na
verdade, a crise dos fundamentos da ética alastra-se para um universo mais amplo da crise dos fundamentos dos
conhecimentos científicos e filosóficos. Trata-se, enfim, da crise da Razão universal e, ao lembrar I. Kant,
afirma que ―a razão não pode ser considerada como o fundamento do imperativo categórico‖. Citando
Tugendhat, E. Morin parece concordar que a tentativa de Kant, com vistas a definir o imperativo categórico
como um imperativo da razão e a dar-lhe um fundamento absoluto racional, deve ser considerada como um
fracasso (Tugendhat, apud Morin, 2005:27).

Importa, para o pensador francês, ―refundar a ética‖, ou seja, compreendê-la a partir do que denomina de
―pensamento complexo‖ (complexus = o que é tecido junto). O pensamento complexo, cuja paternidade deve-se
a Edgar Morin no que diz respeito à noção que o mesmo recebe em seu O Método, é um pensamento que reúne,
conecta, religa os saberes entre si, transita entre os incontáveis conhecimentos (científicos, filosóficos,
literários, etc.) produzidos pela humanidade e sabe que o acontecimento humano é uma emergência - assim
como a própria vida – de situações específicas que cercam o debate, no limite, entre o acaso e o determinismo.

Assim como alguns autores acima citados entendem que a ética chegou a um impasse devido, em grande
parte, à questão da crise dos fundamentos universais da razão (ou da Razão), assim também E. Morin entende
que, hoje em dia, o que assalta a nossa civilidade e os valores antes tidos como irrefutáveis, é a inoperância ou a

372
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degenerescência das éticas universais, sejam elas de orientação teológica (Velasco, Jonas, Morin, Chauí) ou
não, mas de qualquer forma ―exteriores‖ ao indivíduo humano. Impositivas, normativas, coercitivas, e assim
por diante.

A noção de uma refundamentação ética parte da constatação de que o ser humano é a um tempo um
indivíduo/sujeito que pertence a uma determinada espécie (natureza) e a uma determinada cultura/sociedade. Se
as éticas tradicionais tem separado o indivíduo/sujeito da espécie a que pertence (homo sapiens-sapiens-
demens), e mesmo priorizado um indivíduo sem a devida dignidade sociológica em meio à sociedade/cultura, o
pensamento complexo ―recupera‖ o conceito de indivíduo sociológico em sua instância e dignidade
particulares, bem como o conceito de sujeito (no sentido complexo = o que cogita). Assim que, doravante,
indivíduo/sujeito é uma dialógica (isto é, a interação entre dois ou mais conceitos que interagem entre si e que
são, ao mesmo tempo, contrários, concorrentes e complementares).

As raízes da ética, que ampliam o conceito de sua complexidade, residem, justamente, nessa triunidade
(= onde três conceitos distintos entre si são inseparáveis para estabelecer um fenômeno único) que não pode ser
compreendida se separarmos qualquer um dos seus componentes, ou seja, o indivíduo/sociedade/espécie.
Podemos e devemos, é claro, distinguir tanto a instância individual quanto as demais instâncias, como a social e
a de origem natural (espécie) do sujeito. E ao distinguir e complexificar a instância individual - para o
escândalo e rubor das metafísicas tradicionais - a complexidade refundamenta, no indivíduo/sujeito, a instância
decisiva do conceito de ética alçada à Natureza, para o arrepio das éticas reduzidas à Razão absoluta, de caráter
metafísico.

A leitura atenta de O Método 6: ética, informa que há, para Morin, três ramos da Ética: a autoética, a
socioética e a antropoética. Trata-se de uma epistemologia complexa que concebe uma antropologia ampla
como condição mesma de uma ética complexa, em um círculo em que cada termo é necessário aos demais,
como acima procurei demonstrar, ou seja: Epistemologia - Antropologia – ética

Para efeito de brevidade, dedico-me, nesse estágio, ao conceito de autoética, presente na obra acima
citada.

Para o autor de O Método, a autoética é um conceito que reforça a responsabilidade e a consciência do


indivíduo/sujeito em sua instância práxica. Sua complexidade reside justamente em que ela é, ―antes de tudo,
uma ética de si para si que desemboca naturalmente numa ética para o outro‖ (Morin, 2005:93). Para o filósofo,
a autoética impõe algumas condições para o seu aparecimento e efetivação, que estariam ligadas à perda da
certeza absoluta imposta pelas instâncias transcendentais superiores; no enfraquecimento da voz interior que diz
―bem‖ ou ―mal‖; na impossibilidade de decidir sobre fins: à teleologia religiosa em que a Providência divina
guiava o curso da História sucedera a teleologia do Progresso, tornando providencial; não se sabe mais quais os

373
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fins da história humana para além da vida e do universo; na consciência das contradições e das incertezas
éticas; na consciência de que a ciência, economia, política e artes têm finalidades que não são intrinsecamente
morais. (Ibidem: 91).

A autoética realiza-se em nível do indivíduo/sujeito, dada a crise dos fundamentos universais - cujas
fontes, repetimos, estão enraizadas, precipuamente, nas éticas de coerções exteriores (moral religiosa, familiar,
clã, social, militar, cultural, etc.) - e, ainda que o indivíduo/sujeito retenha a inevitabilidade dos imprintings
(impressões indeléveis) da espécie e da cultura em que está inserido, a condição do individualismo ético ou
autoética exige algumas condições para sanar a sua ―barbárie interior‖ que, na verdade, segundo o pensador
francês, constitui uma cultura psíquica, mais difícil e mais necessária de sanar do que a cultura material e física.
Eis o porquê de a autoética compor o seguinte quadro esquemático:

1. A ética de si para si comporta, segundo Morin:


a) autoanálise; b) autocrítica; c) honra; d) tolerância; e)prática de recursão ética; f) luta contra a
moralina (moralina é um conceito de Nietzsche, que significa condenar e julgar alguém com
bases superficiais de moralidade, evitando o debate pela exclusão dos adversários julgados
indignos ou de refutação, transformar o erro do outro em falta moral, sendo redutiva, pois
transforma a oposição entre o bem e o mal naquilo que, na realidade, não passa de conflito de
valores); g) resistência contra a lei de talião e ao sacrifício do outro; h) tomada de
responsabilidade.
2. Uma ética da compreensão:
a) com a consciência da complexidade e dos desvios humanos;
b) com a abertura à magnanimidade e ao perdão.
3. Uma ética da cordialidade (com cortesia, civilidade)
4. Uma ética da amizade.

Com essas considerações, concluimos, neste segmento, o meu exórdio e passo, a seguir, a descrever,
embora parcialmente, a pesquisa que estou realizando com base em dados objetivos acerca da presença (ou não)
do conceito/concepção de ética nas produções em nível de mestrado do PPGEA/FURG.

BREVE APRECIÇÃO DE INDICADORES

Tabulação de dados parciais relativos ao conceito/concepção de ética/ética ambiental presente nas dissertações de
Mestrado

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Período: 2006 a 2007.

Ano defesa Total páginas Sexo Título Sumário Resumo Texto Conclusão

2006 236 F N N N N N

2006 177 M N S N S N

2006 157 F N N N N N

2006 171 F N N N N N

2006 159 F N N N N N

2006 165 F N N N N N

2006 93 F N N N N N

2006 115 M N N N S N

2006 123 F N N N N N

2006 94 F N S S S S

2006 154 D N N S S N

2006 276 M N N N S S

2007 133 M N N N S S

2007 78 M N N S S N

2007 162 F N N N S N

N = o conceito ética ou ética ambiental não consta ou não comparece

S = o conceito ética ou ética ambiental consta no quesito apontado

O quadro acima é uma mostra, uma apreciação parcial da pesquisa em andamento, ou seja, apresenta
somente dados do ano de 2006 e parte do ano de 2007. Com estes dados parciais, ainda não é possível antecipar
uma percepção maior da presença ou não do conceito de ética nas dissertações. Mesmo assim, os dados
elencados já apontam uma presença, ainda que tímida, do conceito de ética/ética ambiental nas produções
científicas em nível de mestrado do PPGEA.

Foram elencados quesitos de verificação de ocorrência do conceito de ética nos Títulos das
Dissertações, bem como nos Sumários, Resumos e Textos (corpo) e Conclusões. Os da presença da categoria de
gênero/sexo, bem como os demais quesitos apresentados, serão adequadamente interpretados por ocasião da
finalização da pesquisa em andamento.
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Nota-se que em todas as quinze dissertações analisadas não há em seus títulos o conceito de ética ou de
ética ambiental. Apenas duas apresentam alguma menção no Sumário e três nos Resumos. Oito dissertações
apresentam uma abordagem sobre ética ao longo do texto, sendo que sete dissertações apresentam uma
abordagem da ética ecomunitarista e uma dissertando sobre a ética com um enfoque da complexidade
moraniana. Contudo, somente três dissertações apresentam em suas Conclusões algum comentário sobre
ética/ética ambiental.200

COMENTÁRIO FINAL

Tenho a convicção de que a questão ética/ética ambiental é uma demanda significativa no atual contexto
cultural e histórico. Ninguém ignora o fato de que é chegado o momento de um investimento reflexivo sobre o
conceito de ética e suas compreensões para o mundo da vida. Naturalmente, trata-se de um investimento
reflexivo no sentido de uma racionalidade capaz de operar transformações no modo de ser do mundo atual.
Portanto, reflexão-ação, como o próprio conceito de ética nos recomenda.

A pesquisa acerca das ―Concepções éticas nas pesquisas em Educação Ambiental‖ ainda está em
desenvolvimento, embora os dados apontados pelos levantamentos e até agora obtidos (cuja colaboração
fundamental deveu-se à aluna Tânia Garcia Camargo, mestranda do PPGEA, a fim de que esses dados
pudessem ser obtidos e registrados a partir das leituras metódicas e cuidadosas das dissertações) mostram que
as pesquisas em Educação Ambiental no Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental, da
Universidade Federal do Rio Grande – FURG, ainda se ressentem de uma maior reflexão sobre ética/ética
ambiental.

É verdade que o discurso sobre a Ética possui uma característica plural de acordo com o seu
autor/pensador, como procuramos demonstrar nos Prolegômenos (preferimos este termo para significar
considerações preliminares sobre conceito de ética) deste Artigo. Contudo, podemos verificar que muitos
pensadores/filósofos preocupam-se com um discurso ético que aponte para uma reconversão do nosso olhar em
relação à Natureza/planeta Terra e, certamente, com as concepções e relações que estabelecemos entre nós,
humanos, com o nosso presente e o nosso futuro comuns, na intrínseca dependência com o meio ambiente
natural, do qual somos oriundos e com o qual é fundamental desenvolvermos uma ética de civilidade e
responsabilidade para com toda a expressão de vida.

REFERÊNCIAS

200
Para efeitos da tabulação dos dados não foram inseridas os enfoques teóricos sobre ética/ética ambiental, embora acreditemos
importante descrever a sua ocorrência, por mera formalidade.
376
ISBN 978-85-7566-380-6
CHAUI, Marilena de Souza. Público, Privado, Despotismo. In: NOVAES, Adauto (Org.). Ética. São Paulo: Cia
das Letras, 1992 [Coletânea].

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O CENTRO DE INCLUSÃO DIGITAL COMO INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO
AMBIENTAL E UM ESPAÇO EDUCADOR SUSTENTÁVEL.

Cláudio José Braga de Bittencourt201


Daniela da Silva Pieper202
RESUMO

Nesta pesquisa é investigado como as tecnologias de informação e comunicação, principalmente os Centros de


Inclusão Digitalpodem ser considerados um espaço de educador sustentável de modo a ser utilizados para
facilitar as práticas pedagógicas voltadas para a educação ambiental - EA.Os pressupostos teóricos sobre meio
ambiente e educação ambiental adotados são baseados nas leituras de Araújo, (2014), Jacobi,(2003), Rodrigues
e Colesetti, (2008),Passarelli, (1993) e Loureiro, (1999).Quanto ao uso das TIC a pesquisa se apoia em Macadar
e Reinhard, (2002) e Takahashi, (2000).O estudo está sendo desenvolvido em duas etapas: na primeira foi
realizado um estudo exploratório, no qual foramanalisadosos centros de inclusão digital implantados no Brasil,
por diferentes entidades. Esta etapa permitiu a identificar diferentes formas de implantação. A partir dos
resultados desta análise exploratória, será pesquisadoin loco a criação de um Centrode Inclusão Digital e
Ambiental – CIDA, com o objetivo de trabalhar a EA, implantado pela ONG CEADI Planeta Vivo, na cidade
de Pelotas, aqui seguindo os pressupostos definidos por YIN (2002). Como resultado poder-se-á
constatarseoCIDApodem atuar como um espaço educador sustentável.
Palavras-chave: Tecnologia da informação, educação ambiental e espaço educador sustentável.

Introdução

Nos últimos anos, em especial na última década, a tecnologia da informação, como os smartphones,
tablets e computadores ganhou um espaço muito grande na vida das pessoas, em especial na vida das brasileiras
e dos brasileiros. Vivemos na era da informação e dispomos de uma gama de formas de obter e se apropriar
dessas informações, inclusive no processo de educação. Damesma forma, atualmente, grande parte dos bens e
serviços,que as pessoas possuem,é adquirida ou manuseada por meio eletrônico.

Os meios digitais estão sempre presentes na vida das pessoas, vemos isso quando vamos ao
supermercado, a uma loja ou indústria, no entanto, ainda uma parcela da população ainda não tem acesso a um
celular ou computador.

Aliado a toda essa tecnologia como fonte de informação ganhou muito espaço entre nós o uso da
internet, como podemos ver no quadro a baixo, no qualconstatamos seu uso passou de 20, 9% da população
para 49,4% da população brasileira se conectando por meio eletrônico, isso representa um aumento
significativoda ordem de 136,36% em um período de 8 anos, significandoum crescimento médio anual de
15,15%.

201
Ciências Econômicas/ FURG e Pós-graduando em Educação Ambiental, com ênfase em espaços Educadores Sustentáveis, UFPEL,
claudiobittencourt@ceadi-rs.org.br;
202
Mestre em Educação Ambiental/ FURG. Produtora Cultural/Centro de Educação à Distância - CEAD/UFPel.
danypieper@gmail.com
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Gráfico – Percentual de pessoas que utilizam Internet

Fonte: IBGE, 2013.

Outro fator importante que ressalto é que de acordo com PONTES (2012), no cenário atual,não há como
negar quea presença da informática na educação é importante e inevitável, pois o computador tornou-se objeto
sociocultural integrante do cotidiano das pessoas. A educação não pode ficar à margem desse processo,
indispensável para a formação plena do indivíduo.

Já em relação à Educação Ambiental, o uso das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC)
representa um avanço no ensino formal, já que a integração da informática e dos multimeios propiciam a
sensibilização e o conhecimento de ambientes diferenciados e dos seus problemas intrínsecos, por parte dos
alunos, por mais distantes espacialmente que eles estejam.(ARAÚJO, 2014).

Segundo Lima e Capitão apud FANTINI (2015), háuma necessidade de mudança de paradigma no
sistema de ensino e aprendizagem que nos obriga a repensar no processo de ensinar, dando ênfase à
apresentação de conteúdos de leitura fácil, concisos e atrativos, recorrendo à interatividade através de imagens,
vídeos e sons.

Diante desse cenário e na perspectiva do espaço comunitário como um ambiente privilegiado deprodução e
reprodução de relações sinérgicas da sociedade e, portanto, estreitamente dependente das técnicas utilizadasna

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criação de formas de ações coletivas e de senso de grupo com acesso as TICs, por meio dos telecentros ou
centros de inclusão digital têm uma contribuição a oferecer ao processo Educação Ambientalnão-formal203.

Além do conhecimento repassado pelo reaproveitamentoe recuperação dos resíduos eletroeletrônicos


propiciarem a conservação do ambiente pelo aumento da vida útil dos equipamentos e da não poluição, as
técnicas usadas nos espaços dos telecentros, segundo Macadar, e Reinhard(2002), possibilitam a construção de
mecanismos interpretativos, investigativos bem como detroca de experiências entre os indivíduos, incluindo
necessariamente o uso da tecnologia e informação, favorecendo o seu autoconhecimento como sujeitos sociais e
cooperativos na direção da melhoriada qualidade ambiental.

O presente trabalho justifica-se, posto que computador e a internet são ferramentas imprescindíveis tanto
nos modos de vida atual, como nas diferentes formas de educação, seja ela formal, não formalou informal.

As tecnologias da informação constituem-se a maior expressão da sociedade moderna. Nesse sentido


pretende-se, através de um estudo bibliográfico da pesquisa-ação e observação do trabalho executado pelo
centro de inclusão digital da comunidade do bairro Lindoia, na cidade de Pelotas, mensurar a real contribuição
do computador e da internet como mediação pedagógica como um espaço educador sustentável como
disseminador do conhecimento eda educação ambiental crítica.

Sociedade da informação

Vivemos na era da informação e da tecnologia, somos bombardeados diariamente com anúncios sobre novos
equipamentos com capacidades inimagináveis a alguns anos atrás, da mesma forma temos informações quase
instantâneas de acontecimentos em diferentes partes do globo terrestre. AInformação, a comunicação e o
conhecimento, são termos amplamente propalados, principalmente a partir do final dos anos noventa, quando a
internet e as tecnologias de informação e comunicação ganharam espaço. Obviamente que para isso foi
fundamental o aumento do poder aquisitivo da população e a redução do valor dos equipamentos, conseguido
graças ao aumento da concorrência entre os fabricantes.

A sociedade da informação é caracterizada pelo acesso democrático, universal, global e total a


informação e ao conhecimento, através de quaisquer meios de comunicação e equipamentos eletrônicos, já a

203
De acordo com Chagas, I. (2012) a educação formal caracteriza-se por ser altamente estruturada. Desenvolve-se no seio de
instituições próprias — escolas e universidades — onde o aluno deve seguir um programa pré-determinado, semelhante ao dos
outros alunos que frequentam a mesma instituição.
A educação não formal processa-se fora da esfera escolar e é veiculada pelos museus, meios de comunicação e outras instituições
que organizam eventos de diversa ordem, tais como cursos livres, feiras e encontros, com o propósito do ensinar ciência a um
público heterogéneo. A aprendizagem não formal desenvolve-se, assim, de acordo com os desejos do indivíduo, num clima
especialmente concebido para se tornar agradável. Finalmente, a educação informal ocorre de forma espontânea na vida do dia-a-
dia através de conversas e vivências com familiares, amigos, colegas e interlocutores ocasionais.
380
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sociedade do conhecimento teve sua origem na ampliação do acesso e uso das redes sociais, das interações
entre as pessoas.

De acordo com Rodrigues e Colesanti (2008), nos últimos vinte anos o desenvolvimento das novas
tecnologias da informação e comunicação, bem como a ampliação de seus usos têm criado enormes
expectativas e possibilidades na educação escolar.

Para Manuel Castells (2005), desde o final do século XX, vivemos um raro momento de transformação
conduzida por um novo paradigma que se baseia nas tecnologias da informação. Caracteriza ele o momento
atual como sendo ―no mínimo, um evento histórico da mesma importância da Revolução Industrial do século
XVIII‖. Para ele, ―a tecnologia da informação é para esta revolução o que as novas fontes de energia foram para
as revoluções industriais sucessivas‖.

A característica principal dessa revolução tecnológica, segundo o citado autor, seria a aplicação do
conhecimento e da informação para a geração de novos conhecimentos. As atuais tecnologias mais do que
ferramentas a serem usadas, seriam processos a serem desenvolvidos. ―Usuários e criadores podem se tornar a
mesma coisa (...). Pela primeira vez na história, a mente humana é uma força direta de produção, não apenas
um elemento decisivo do sistema produtivo‖ (CASTELLS, 2005, p.69).

O uso da tecnologia

A inserção de uma nova tecnologia provoca uma série de mudanças nos processos perceptivos, nas
atitudes e valores, o que por sua vez demanda outros métodos de ensino e aprendizagem, ou seja, um novo
processo educacional sintonizadas com as novas necessidades que surgem, já que todo o processo educacional é
um ato comunicativo.

A internet como ferramenta tecnológica passa a cada dia mais a se constituir como um grande canal de
comunicação e divulgação. Primeiramente, voltada à transmissão de informações textuais, posteriormente
abrangendo figuras em geral e atualmente, difundindo músicas, fotografias, filmes, mapas, de todas as partes do
mundo para todas as partes do mundo. O uso da internet, como meio de comunicação e informação, realmente
acarretou uma verdadeira revolução em termos de tratamento e processamento de todo tipo de informação [...].
(RODRIGUES e COLESANTI, 2008)

CRISE AMBIENTAL

Para Araujo (2014), a crise ambiental no mundo reflete os modelos contemporâneos constituídos de sociedade e
de produção/consumo, resvalando em uma crise sobre o conhecimento científico e as disciplinas
tradicionalmente constituídas, criando ao mesmo tempo a necessidade de novos saberes e conhecimentos.
Jacobi nos ensina:
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Refletir sobre a complexidade ambiental abre uma estimulante oportunidade para
compreender a gestação de novos atores sociais que se mobilizam para a apropriação da
natureza, para um processo educativo articulado e compromissado com a
sustentabilidade e a participação, apoiado numa lógica que privilegia o diálogo e a
interdependência de diferentes áreas de saber. (JACOBI, 2003)

Partindo do pressuposto acima, acredita-se que os centros de inclusão digital ou os telecentros sejam uma
ferramenta para o processo de ensino–aprendizagem da educação ambiental, transformando-se, portanto em um
espaço educador sustentável.

A TECNOLOGIA E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NÃO FORMAL


Para Rodrigues e Colesanti(2008) além das características específicas, o processo de mudança de
suporte das informações para o meio digital acarreta alterações na forma de pensar, que passa a funcionar como
um tecido, em rede, gerando formas de comunicação e de aprendizagem diferentes das tradicionalmente
utilizadas, o que implica também em um redimensionamento das relações entre comunicação e educação.

O uso de computadores no processo de ensino/aprendizagem, de acordo com Passarelli (1993), tem


como base três teorias: a Teoria Behaviorista, cujo princípio norteador é a atividade instrucional planejada de
acordo com os comportamentos desejáveis do aprendiz, os quais devem ser observados e quantificados; a
Teoria dos Sistemas, de modo mais amplo trata da organização e estrutura dos organismos como um todo e a
teoria cognitivista que se preocupa principalmente no que tange ao processamento da informação, em entender
como se processam e podem ser estimuladas.

De acordo com Yildirim apud Rodrigues e Colesetti, 2008, uma das formas de alcançarmos tal propósito
é utilizar o computador como uma ferramenta cognitiva, que não apresente apenas a informação, mas também
estimule os usuários a acessar, analisar, interpretar e organizar seu conhecimento pessoal a partir de problemas
propostos. Para tanto, segundo os já citados autores, é de extrema necessidade que um contexto de
aprendizagem construtivista seja disponibilizado aos usuários, em que o uso de múltiplos modos de
representação e perspectivas, a ocorrência de experiências realistas e relevantes.

―O modo de utilização dessas ferramentas e os objetivos de seu uso devem ser prerrogativa exclusiva
dos próprios atores sociais em contextos sociais específicos e em nome de seus valores e interesses‖
(CASTELLS, 2000, p.437).

A realidade atual também exige uma reflexão cada vez menos linear, e isto se produz na inter-relação
dos saberes e das práticas coletivas que criam identidades e valores comuns e ações solidárias diante da
reapropriação da natureza, numa perspectiva que privilegia o diálogo entre saberes.

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Assim, segundo Rodrigues e Colasanti, (2008) as práticas de Educação Ambientaldevem se vincular a
uma pedagogia da complexidade,onde existe espaço para a mono, inter etransdisciplinaridade, a fim de se
induzir efomentar as capacidades e habilidades mentais ver o mundo como sistemas complexos,
paracompreender a causalidade múltipla, a interdeterminação e interdependência dos diferentes processos,
estimulando o pensamentocrítico, participativo e propositivo dos educandos eda comunidade, sendo que esse
impulso ao saberambiental crítico deve se dar por vários espaços decomunicação e com apoios tecnológicos
diferenciados.

Loureiro (1999, p 49) concebe a Educação Ambiental (EA) como ―um processo educativo de construção
da cidadania plena e planetária, que visa a qualidade de vida dos envolvidos e a consolidação de uma ética
ecológica‖. De acordo com este ponto de vista, o ensino e as práticas pedagógicas que envolvem a EA devem
perceber a formação do aluno como um cidadão crítico e consciente.

Tratando-se da educação ambiental devemos entender o saber ambiental na perspectiva de uma


educação cidadã apresentada aqui como o acesso aos meios digitais, a qual proporciona a democratização dos
conhecimentos aos aprendizes na medida em queao apropriar-se dessa ferramenta poderão ampliar seus
conhecimentos para a construção deatitudes ecologicamente sustentáveis.

O grande salto de qualidade, segundo JACOBI (2003) tem sido feito pelas Organizações Não
Governamentais e comunitárias, que desenvolvem ações não formais centradas principalmente na população
infantil e juvenil. A lista de ações é interminável e essas referências são indicativas de práticas inovadoras
preocupadas em incrementar a corresponsabilidade das pessoas em todas as faixas etárias e grupos sociais
quanto à importância de formar cidadãos cada vez mais comprometidos com a defesa da vida.

Takahashi, (2000, p. 34), em seu ―Livro Verde‖ define o telecentro como local onde existem instalações
que prestam serviços de comunicações eletrônicas para camadas menos favorecidas, especialmente nas
periferias dos grandes centros urbanos o mesmo em áreas mais distantes.

Uma educação para a cidadania apresenta-se com uma possibilidade para motivar e sensibilizar os
cidadãos a transformar as diversas formas de participação em caminho potencial na dinamização da sociedade e
de concretizar de uma proposta social baseada na educação participativa.

O CEADI como uma ONG tem seus pontos fortes baseadas na sua credibilidade, princípios e ética; na
eficiência quanto à intervenção social nos grupos e comunidades, o que lhes permite formular e propor projetos
e estratégias de atendimento, com eficiência e agilidade que têm como marca a inovação e a sustentabilidade
com a equidade social.

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O centro de inclusão digital do projeto reconstruindo – CEADI pode ser definido de uma forma simples
como sendo o local onde estão disponíveis as Tecnologias de Informação e Comunicação para pessoas que têm
pouca ou nenhuma oportunidadeacesso e\ou aprendizagem de ferramentas que os colocam em contato com o
conhecimento universal.

Estas têm proporcionado aos excluídos digitais diferentes formas de acessar às TICs, bem como
desenvolver atividades comunitárias que tem melhorado a qualidade de vida das pessoas
envolvidas.(MACADAR E REINHARD, 2002)

METODOLOGIA

A presente investigação será baseada em um estudo de caso num centro de inclusão digital e ambiental do
bairro Lindoia. Isso se faz necessário, pois integra o trabalho de conclusão do curso de especialização em
Educação Ambiental – ênfase em formação de espaços educadores sustentáveis204 a que estamos vinculados e
prevê a metodologia de pesquisa-ação pela qual há a necessidade da intervenção do aluno no ambiente
depesquisa.Segundo Demo (1999) pesquisa-ação é uma modalidade alternativa de pesquisa qualitativa que
coloca a ciência a serviço da emancipação social, trazendo alguns desafios: o de pesquisar e o de participar, o
de investigar e educar, realizando também a articulação entre teoria e prática.

Partimos de uma pesquisa bibliográfica de caráter exploratório, e analise quali-quantitativa dos dados
obtidos no centro de inclusão digital. Este método foi o preferido uma vez que não se pretende generalizar suas
conclusões, mas sim investigar de forma precisa a possibilidade de considerar o espaço comunitário de inserção
no mundo da informatização como um espaço educador sustentável. Tal como sugere Yin (1994, p.15), a ideia
não é generalizar, mas sim, objetiva-se identificar elementos que poderão originar futuras pesquisas, uma vez
que ―[...] o objetivo precípuo de uma pesquisa exploratória é desenvolver hipóteses e proposições que poderão
redundar em pesquisas complementares‖. Buscará se utilizar do princípio de ―triangulação na coleta dados‖ de
acordo com o proposto por Yin (1994, p. 91).Com isso a partir de pesquisa-ação com os usuários e monitores
do CIDA tentar-se-á verificar como se dá a construção e a troca de conhecimento, no que tange a educação
ambiental.

RESULTADOS

Os resultados aqui são destacados de forma parcial, pois se refere apenas primeira etapa da pesquisa.Analisando
o referencial bibliográfico no que tange a criação dos centros de inclusão digital, pode se observar que os
mesmos não desenvolvem nenhuma atividade relacionada a educação ambiental, trabalham exclusivamente o

204
Curso de Pós Graduação à Distância do Instituto de Biologia\ UFPel: Educação Ambiental com ênfase em espaços educadores
sustentáveis.

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acesso da população a informatização, seja por cursos de manutenção de hardware ou software.A maioria dos
participantes dos Centros de inclusão digital são jovens que encontram nestes uma ocupação que, além de
qualificá-los para um mercado de trabalho, lhes possibilita uma convivência social nem sempre encontradas na
comunidade onde moram.

Observa-se quena maioria dos centros de inclusão digital existe uma subutilização, pois deixam de lado a
possibilidade de trabalhar estes espaços como indutores da formação de agentes potencializadores da educação
ambiental. As possibilidades que o acesso ao meio digital é transformador e amplia o universo do
conhecimento, capaz de formar indivíduos que possam fazer a diferença socioambiental.

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386
ISBN 978-85-7566-380-6
O DISCURSO DE NATUREZA EM EVIDÊNCIA: A CONSTITUIÇÃO GAÚCHA E A
MÚSICA PAMPEANA.
Virgínia Tavares Vieira205 - Autora
Renata Lobato Schlee206
Paula Corrêa Henning207
Clarissa Corrêa Henning208
Raquel Silveira Rita Dias209

Resumo
O presente estudo busca problematizar a como vimos constituindo, por meio da música, a natureza na região do
Pampa gaúcho. Aqui nos interessa investigar de que forma as enunciações de paisagens naturais, homem e a
relação dos sujeitos com este espaço natural contribuem para a fabricação de um discurso de natureza nesta
região. Salientamos que o cenário natural do Pampa são enunciações recorrentes na música gaúcha e, desta
forma, vêm fortemente fabricando sujeitos, bem como modos de ser e viver nestas terras. Sendo assim, para
responder a esta investigação, tomaremos como corpus discursivo algumas obras artísticas que estavam e estão
intimamente atrelados a cultura de nosso Estado. Apoiada em autores como Michel Foucault e Leandro
Guimarães a pesquisa demonstra a importância da cultura na produção de saberes e verdades que nos
constituem, entendendo que por meio desta somos ensinados a perceber um mundo e se expressar nele.
Palavras-chaves: Natureza, Cultura, Educação Ambiental, Música Pampeana.

Primeiras notas
Rio Grande do Sul / O gaúcho quer cantar / A querência e o céu azul / Os verdes campos e o mar / E as
mulheres que são belas / As calmas noites nos rincões / O céu bordado de estrelas / Manto de heróis e
tradições / Rio Grande do Sul / Dos prados que não tem fim / Por maior que sejas Rio Grande / Caberás
sempre dentro de mim (GOLDMAN, 1970).

Investigar a constituição de um sujeito gaúcho herói e o enaltecimento da natureza nas letras de música
pampeana a partir da Revolução Farroupilha é o propósito desta pesquisa. Neste texto temos como objetivo ir
cercando o nosso problema de pesquisa. Para isso, nos interessa mostrar ao leitor o quanto a natureza se faz
presente em muitas letras de música pampeana. Pontuaremos alguns conceitos importantes que nos fazem ver e
ler a natureza do pampa gaúcho de uma forma naturalizada na história e na cultura.

205
Mestre em Educação Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG e Doutoranda deste mesmo Programa de Pós-
Graduação.
Participante do Grupo de Pesquisa Cultura, Subjetividade e Políticas de Formação da PUCRS e Pesquisadora do GEECAF (Grupo de
Estudos em Educação, Cultura, Ambiente e Filosofia) da FURG. E-mail: vi_violao@yahoo.com.br.
206
Mestre em Educação Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG e Doutoranda deste mesmo Programa de Pós-
Graduação. Participante do Grupo de Pesquisa Cultura, Subjetividade e Políticas de Formação da PUCRS e Pesquisadora do
GEECAF (Grupo de Estudos em Educação, Cultura, Ambiente e Filosofia) da FURG. E-mail: renataschlee@gmail.com
207
Mestre em Educação pela mesma instituição. Doutora em Educação pela UNISINOS. Professora Adjunta do Instituto de Educação,
do PPG Educação em Ciências e do PPG Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Pesquisadora do
Grupo de Pesquisa de Cultura, Subjetividades e Políticas de Formação da PUCRS. Pesquisadora e coordenadora do GEECAF (Grupo
de Estudos em Educação, Cultura, Ambiente e Filosofia) da FURG. E-mail: paula.c.henning@gmail.com.
208
Mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e Doutoranda em ciência da comunicação
pela Unisinos. E-mail: Clarissa.henning@gmail.com.
209
Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pelotas – UFPel. Professora Substituta da mesma instituição. E-mail:
raquel.moreira@anhanguera.com

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ISBN 978-85-7566-380-6
Para dar conta dessa investigação, procuramos fazer ―um tipo especial de história‖ e, assim, apreender
quais as condições de possibilidade para a emergência da natureza no material colocado em suspenso. Nas
palavras de Veiga-Neto,
[...] trata-se de uma história que tenta descrever uma gênese no tempo. Mas, na busca da gênese, a história
genealógica não se interessa em buscar um momento de origem, se entendermosorigem no seu sentido
―duro‖, isso é, como uma solenidade de fundação em que ―as coisas se encontravam em estado de
perfeição‖, ou se entendermos como ―o lugar da verdade‖ (VEIGA-NETO, 2007, P. 56, grifos do autor).

Assim sendo, nosso compromisso, enquanto pesquisadoras, trata de explicitar que verdades são essas
que nos fazem ler e ver a natureza como algo ―belo‖, ―romântico‖ de ―céu azul bordado de estrelas‖, ―campos
verdes‖, enfim, uma terra que foi e ainda é ―o manto de heróis e tradições‖ (GOLDMAN, 1970).
Tomamos a música como corpus discursivo, por entendermos sua potência na fabricação de verdades e
sentidos no mundo em que vivemos. Assim, apreendemos a música como um contíguo de questões sociais,
políticas, econômicas, culturais e de subjetividade humanas. Abordamos essa arte como artefato cultural
potente na (re)produção de saberes e verdades que nos interpelam e nos constituem enquanto sujeitos de um
determinado tempo social e cultural. Seguindo nesta mesma linha argumentativa, compreendemos por artefato
cultural um conjunto de coisas e/ou práticas culturais, de saberes que circulam na e pela cultura produzindo
sentidos e significados permeados por relações de poder.
Nossa proposta é compor uma conversa entre Música Pampeana Gaúcha, Cultura e Sociedade com o
objetivo de evidenciar o quanto e como a natureza está presente nessas músicas, problematizando, também,
como se constitui um discurso de natureza nas terras sul-rio-grandenses. Panitz (2010) entende a música como
um fenômeno artístico capaz de criar representações sociais e espaciais agindo no e sobre o espaço e, desta
forma, reproduzindo a de um modo particular. De acordo com o autor, podemos entender tal arte como um
instrumento potente a nos fazer apreender como constituímos o espaço geográfico e cultural do pampa. Ou seja,
como fabricamos por meio da música a natureza pampeana, a relação do homem com a paisagem natural dessas
terras que representam, muitas vezes, o Rio Grande do Sul. Trazemos a questão geográfica pontuada por Panitz
(2010) por entender que esta contribui significativamente para a constituição dos sujeitos que habitam as terras
sul-rio-grandenses e, que essas representações atravessam e são também atravessadas pela música desta região.
De acordo com esta colocação, Dos-Santos (2012, p. 56) nos diz que ―A canção é uma das formas, aliás, não-
forma, que tem expressado ao longo dos anos as paisagens, lugares e cenas do cotidiano. Nesse sentido, a letra
da canção pode ser encarada como fonte de representação das pessoas e lugares‖. Salientamos que as paisagens
naturais do Pampa são enunciações recorrentes na música gaúcha e, de tal maneira, vêm fortemente fabricando
sujeitos, bem como modos de ser e viver nessas terras. Aqui investigaremos como essas enunciações
contribuem para a constituição de um discurso de natureza e de que forma o homem se relaciona com essa
paisagem natural. Desta forma, evidenciaremos algumas canções que estão intimamente atreladas à cultura de
nosso estado, pontuando especificamente as enunciações de natureza e a relação do homem com a paisagem

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natural. Podemos dizer que, por meio da música, vamos sendo ensinados a olhar a natureza do Pampa gaúcho,
assim como os hábitos e costumes do homem com esse cenário natural.

O Pampa Gaúcho e a sua cultura

A Pampa é um país com três bandeiras e um homem que mateia concentrado, seus olhos correm por sobre
as fronteiras que o fazem tão unido e separado! A Pampa é um lugar que se transcende, fronteiras são
impostas pelas guerras; "y el gaúcho", com certeza, não entende três nomes, três brasões pra mesma terra!
O campo a se estender, imenso e plano, alarga o horizonte "mas allá"...Talvez seja por isso que o
pampeano enxerga além... De onde está! Assim é o povo fronteiro, tropa, cavalo e tropeiro vão na mesma
vez... Pátria e querência na estampa, somos um só nessa pampa, mas se contam três... Por que se contam
três? Meu verso vem de Jaime e Aureliano, de Rillo e Retamozo - um céu azul! Sou Bento e Tiaraju,
heróis pampeanos da forja desse Rio Grande do Sul! A voz vem de Cafrune e canta assim, a rima de
Lugones, minha sina, e a fibra de Jose de San Martín; a História é quem me inscreve na Argentina! Meu
canto vem de Osíris, voz antiga da Pampa que em meu sangue não se esvai... Comigo vem Rivera, vem
Artigas... Legenda eu sou... No Uruguai! Rumos dessa Pampa Grande, viemos dos versos de
Hernandez,somos céu e chão... Todo o pampeano, sem erro, tem muito de Martin Fierro pelo coração...
Dentro do coração!(MARTINS, 2008).

Um campo a se estender imenso e plano onde céu e campo se encontram no horizonte – é desta
paisagem que gostaríamos de falar. A região do Pampa, cenário de múltiplos processos históricos e culturais,
herança dos diversos povos que habitaram essas regiões, até nossos contemporâneos, contribuíram
significativamente para a construção da cultura pampeana. Para entendermos sua geografia, bem como tais
procedimentos culturais, trazemos sucintamente algumas considerações desse campo imenso que foi
cenário/palco de grandes artistas que, por meio da música, ao longo dos tempos, vêm narrando o Pampa.
Em uma pesquisa prévia, pudemos observar o quanto se faz presente na música pampeana
peculiaridades que descrevem os hábitos e costumes dos sujeitos habitantes dessas terras, principalmente em
sua relação com a natureza. Músicas estas que tem por características cantar as coisas de uma natureza
naturalizada. Com isso, ressaltamos a importância de olharmos para a música como um instrumento que é capaz
de produzir discursos e verdades diante desse entrelaçamento entre cultura e sociedade.
De acordo com Dos-Santos (2012, p.51), ―o pampa é horizonte do viver e das relações socioculturais de
diversos povos que ali se encontraram ao longo dos anos, desde os indígenas até os nossos contemporâneos‖.
Para o autor, ela é ―peculiar e característica‖, pois carregamos a herança de nossas colonizações luso-espanhola,
indígena, africana, alemã e italiana.
É com este intuito que o estudo se apresenta. Estabelecer um entrelaçamento entre música e cultura para
problematizarmos: que ideal de natureza está posto nas letras colocadas em suspenso? Qual relação existente
entre o homem e a paisagem natural sulina que compõe e delineiam o Pampa? Estes são alguns dos
questionamentos que nos movem à escrita do texto. Entender que discurso de natureza está presente na música
pampeana torna-se importante, pois através deste vamos dando sentido e significado às coisas e ao mundo,
como nos diz Veiga-Neto (2007). As verdades fabricadas neste mundo vão nos subjetivando e nos fazendo
estabelecer relações com o tempo em que vivemos. Apreendendo que os conceitos nada mais são que uma
fabricação de nosso tempo histórico e cultural, nas palavras de Nietzsche, questionamos:
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O que é, pois, a verdade? Um exército móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, numa
palavra, uma soma de relações humanas que foram realçadas poética e retoricamente, transpostas e
ordenadas, e que, após uma longa utilização, parecem a um povo consolidadas, canônicas e obrigatórias:
as verdades são ilusões das quais se esqueceu que ela assim o são, metáforas que se tornaram desgastadas
e sem força sensível, moedas que perderam seu troquel e agora são levadas em conta apenas como metal,
e não mais como moedas. Ainda não sabemos de onde provém o impulso à verdade: pois, até agora,
ouvimos falar apenas da obrigação de ser veraz, que a sociedade, para existir, instituiu, isto é, as
metáforas habituais; portanto, dito moralmente: da obrigação de mentir conforme uma convenção
consolidada, mentir em rebanho num estilo a todos obrigatório (NIETZSCHE, 2008, P. 36).

Sendo assim, entendemos que a verdade é produzida, fabricada a partir de discursos que fazemos
circular como verdadeiro, ou seja, quando elegemos aquilo que deve ou não funcionar como verdade.
Corroborando com estas colocações, Foucault, ao discorrer sobre a verdade, nos diz que:
O importante, creio, é que a verdade não existe fora do poder ou sem poder [...]. A verdade é deste
mundo; ela é produzida nele raças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder.
Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua ―política geral‖ de verdade: isto é, os tipos de discursos
que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir
os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os
procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de
dizer o que funciona como verdadeiro (2011, p. 12, grifo do autor).

Na correnteza dos autores é que colocamos em suspenso ditos sobre a natureza do Pampa gaúcho que,
através da cultura, vêm constituindo verdades sobre essas terras.
O Pampa, região de terras planas, conhecida também como região Platina, compreende os territórios do
Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina. Os campos do sul, outra forma de referir-se ao Pampa, abarca uma
área de aproximadamente 700 mil km². Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, só o estado do Rio
Grande do Sul ocupa uma área equivalente a 176 mil km². A região do Pampa é caracterizada por uma
vegetação composta por plantas rasteiras, árvores, serras, morros e coxilhas. Outra característica dessa região
são os banhados, como o Banhado do Taim localizado no sul do Rio Grande do Sul, bem como o Banhado de
São Donato, este situado entre os municípios de Itaqui e Maçambará na fronteira com a Argentina, ambos
reconhecidos como reservas ecológicas. A região pampeana é considerada rica por sua biodiversidade, com
diversas espécies de plantas, gramíneas, leguminosas, além de aves e mamíferos. Outro aspecto importante que
deve ser ressaltado é que no ano de 2004 o Pampa foi reconhecido como um bioma brasileiro. Segundo dados
do Núcleo Amigos da Terra (2007, p.12), o bioma Pampa possui apenas ―17 áreas protegidas distribuídas por
6.494 hectares, e representativas de somente 3,6% da área total deste bioma‖. A ampliação de lavouras e
plantações de árvores como o eucalipto, pinos e acácia-negra, que foram substituindo as pastagens nativas,
tornou-se uma forte preocupação e também uma ameaça aos campos do sul, devido à grande devastação de
áreas nativas.
No que tange a questões culturais sobre o Pampa, Braun nos diz que,
Pampa é a planície sem fim que vai do Rio Grande do Sul aos contrafortes dos Andes na taiga da
Cordilheira. É o campo imenso – a pradeira, dos centauros campesinos, rio-grandenses e platinos, titãs da
raça campeira. Vem do Quíchua – e quer dizer, o campo aberto – a planura, o descampado – a lonjura, a
várzea que se destampa. Nele a liberdade acampa e o civismo não estanca. Animal cabeça branca também
é chamado de Pampa (1998, p. 254).

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De origem indígena, o termo Pampa representa mais do que terras divididas geograficamente entre esses
países. Esse amplo espaço de terras compartilha culturas, hábitos de vida e costumes que fazem parte da nossa
história, tal como da cultura do gaúcho e desse povo pampeano que atravessam as fronteiras. Para Golin,
Pampa é também palavra simbólica, reproduzida até nossos dias pelos artistas e escritores. Utilizado na
linguagem estética, a qual necessariamente não precisa restringir-se às regras científicas da geografia, o
vocábulo pampa, em uma distorção do seu sentido original, geográfico e sociocultural, disseminou-se
como a designação do ―meio rural‖, mais propriamente como o espaço real e imaginário da pecuária
(2004, p. 14, grifos do autor).

A região do Pampa foi alvo de muitas disputas, principalmente entre portugueses e espanhóis, nações
essas que lutavam pelo predomínio dessas terras e que foram definindo suas fronteiras principalmente após os
Tratados de Madri (1750), Santo Ildefonso (1777) e Badajós (1811).
Inicialmente, essas terras eram habitadas por índios como os Charruas e Minuanos. Com a chegada dos
Jesuítas espanhóis que atravessaram o rio Uruguai com o desígnio de catequizar os índios, muitas lutas se
travaram. Até a chegada dos Jesuítas, os povos que habitavam esses campos viviam da caça, da pesca e também
da agricultura, utilizando a técnica da coivara210. Produtos como a mandioca, o milho, a batata doce, o fumo, o
feijão e a erva-mate foram herdados dos índios Guarani. Segundo Baioto e Quevedo (1997), foram os Jesuítas
de São Miguel, juntamente com os índios guaranis, que introduziram nos vastos campos das Missões as
primeiras cabeças de gado, dando início às estâncias rio-grandenses, característica econômica do Pampa e que
permanece até os dias atuais.
Nos excertos abaixo, apresentamos enunciações recorrentes em muitas canções pampeanas ao
descreverem a natureza do Pampa.
Sou grito do quero-quero / No alto de uma coxilha / Sou herança das batalhas / Da epopeia
farroupilha / Sou rangido de carreta / Atravessando picadas / Sou o próprio carreteiro / Êra boi,
êra boiada [...] Sou a cor verde do pampa / Nas manhãs de primavera / Sou cacimba de água pura / Nos
fundos de uma tapera / Sou lua, sou céu, sou terra / Sou planta que alguém plantou / Sou a própria
natureza / Que o patrão velho criou / Êraêra boi Brasino / Êraêra boi Pitanga / Boi Fumaça, Jaguaré /
Olha a canga [...] (SILVA, 1981, grifos nossos).

Guardiãs de pátria, memorial dos ancestrais / Onde trevais nascem junto ao pasto verde / Sangas
correndo, açudes e mananciais / Pra o ano inteiro o gaderio matar a sede / Grotas canhadas e o
poncho do macegal / Para o rebanho se abrigar nas invernias / Varzedo 211 grande pra o retoço212 da
potrada / Mostrar o viço e o valor das sesmarias / Sombras fechadas de imponentes paraísos / Onde
resojam pingos de lombo lavado / Que após a lida até parecem esculturas / Moldando a frente do galpão,
templo sagrado / Pras madrugadas, mate gordo bem cevado / Canto de galo que acordou pedindo vasa /
Cheiro de flores, açucena, maçanilha / E um costilhar de novilha pingando graxa nas brasas / Pra os
queixos crus, os bocais dos domadores / Freios de mola pra escramuçar bem domados / E pra os turunos
ressabiados de porteira / O doze braças, mangueirão dos descampados / Pra os chuvisqueiros
galopeados de minuano / Um campomar castelhano e o aba largadesabado / Pra o sol a pino dos
mormaços de janeiro / Um palita avestruzeiro e o bilontra bem tapeado / Pras nazarenas, garrão forte e

210
Segundo Baioto e Quevedo esta técnica consistia na limpeza do terreno para o plantio, através da derrubada da mata e queima dos
galhos (1997, p. 7).
211
Segundo o dicionário de Regionalismos do Rio Grande do Sul, varzedo é o mesmo que vargedo, ou seja, várzea longa, planície
campestre.
212
Segundo o dicionário de Regionalismo do Rio Grande do Sul, retoço é o mesmo que retouçar, ou seja, faceirar, namorar, brincar,
retocar.
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égua aporreada / Pras paleteadas o sepilhado de coxilha / Pra o progresso do Rio Grande estas
estâncias / Mescla palácio com mangrulho farroupilha (VIEIRA, 1999, grifos nossos).

Eram arroios, eram matos e enchentes / Era alambrado, "sete fios", divisa e linha / Um casarão de portas
grandes para o leste / E uma história de ancestrais que era minha. / Era a cuscadaretoçando frente às casas
/ E um palanque pra potrada se amansar / Era uma várzea a se perder compondo a vista / Aonde tropas
vicejavam pra engordar. / Eram esporas, era um mango e um chapéu / Um lenço rubro uma guaiaca e um
par de botas, / Uma bombacha já puída dos invernos / E tantas coisas que por simples nem se notam. /
Eram irmãos na cevadura de uns amargos / Num jeito bueno pela prosa de galpão / Era rebanho, era
gado e a cavalhada, / Pela invernada que hoje é terra em plantação./ Eram gaúchos bem montados
indo embora levando o verde e nos seus olhos banhadal/ Foi a incerteza "de a cabresto" em trajetória /
E a minha história que eu não sei qual o final./ Era um tempo que se foi pela ansiedade / Deixando o
campo assim perder a sua essência / Ficaram sonhos de um gaúcho já sem viço / Por saber que tudo isso
aconteceu na minha querência! (ROGÉRIO MÉLO, ISSO ACONTECEU NA MINHA QUERÊNCIA,
grifos nossos).

As letras apresentadas nos salientam elementos muito comuns ao homem do campo e que contribuem
para a constituição da paisagem natural dessas terras. A primeira canção ―Me comparando ao Rio Grande‖ nos
fala do quero-quero, da boiada, das coxilhas, do ―rangido das carretas e a cor verde do pampa‖. Ditos assim vão
descrevendo a natureza pampeana – o verde dos campos, a primavera, a terra e o céu azul vão constituindo a
natureza, esta muitas vezes apenas associada ao que é ―verde‖, ―natural‖. Além de discorrer sobre a natureza, as
enunciações nos evidenciam um sujeito que se sente pertencente a esta paisagem natural, ou como diz a letra: o
homem é o verde do pampa, é a terra, é a lua, é a água: é a própria natureza!
Muitas canções pampeanas têm a peculiaridade de retratar temas como estes em suas letras. O amor a
terra, a imensidão dos campos, o verde a se estender imenso e plano em contraste com o azul do céu, os rios, os
animais como o cavalo, o gado e o cachorro vão constituindo o cenário natural e cultural da região da campanha
no sul do Brasil.
No segundo excerto, na música ―Estância da Fronteira‖ pontuamos enunciações de uma natureza bela e
de amor a terra. Como podemos observar, a letra faz referência a elementos ditos naturais da natureza como os
rios, as sangas, os açudes, o vento, o campo, as flores, o verde, as coxilhas, o calor, o frio e a geada. São
enunciações como essas que nos constituem e, ao mesmo tempo, nos fazem ler a natureza de uma forma
naturalizada na e pela cultura.
Já a terceira canção fala de um Pampa que vem perdendo a sua essência de campos nativos, das
invernadas para as plantações. Desta maneira, a relação que se estabelece entre a paisagem dos campos com o
gaúcho fica na memória desses sujeitos. Diante de tais modificações, o gaúcho vai perdendo seu espaço no
campo, na lida com os animais. A letra discorre sobre os elementos e as relações que se estabeleciam entre o
campo e o homem. Ou seja, eram os campos, os arroios, os matos, os alambrados, a várzea grande a se perder
de vista. É ainda a história dos ancestrais guardada nos casarões, ficando apenas uma saudosa lembrança de
―como era e o que aconteceu‖ na sua terra.
Assim sendo, entendemos que as enunciações salientadas por nós neste estudo nos dão subsídios para
pensarmos na fabricação de um discurso de natureza através da música. Pois como nos diz a letra: pasto verde,
sangas e açudes, um ―campomar” para garantir o bem estar do gado; ―grotas canhadas e o macegal‖ abrigam os
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animais no inverno gelado do Pampa; ―varzedo grande, sombras fechadas‖; enfim – um imponente paraíso, o
templo sagrado do gaúcho, onde ―os chuvisqueiros galopeados de minuano‖ fazem parte da vida campeira nas
estâncias que tanto orgulham este homem farroupilha.
Enunciações como essas vão descrevendo a paisagem natural do Pampa como uma aquarela que
representa uma natureza bela e romântica que se instaurou em nossa história através da cultura. Ou seja, esta
naturalização da natureza tão enaltecida na música colocada em suspenso nos faz reconhecer na pampa uma
natureza romântica como aquela retratada na literatura do século XIX. Já o homem aparece como um sujeito
valente, heroico, bravo, viril, como aquele também representado na literatura e na historiografia regional. Um
homem do campo, acostumado na lida com os animais, domador de cavalo, amigo e muitas vezes resistente às
forças da natureza. Segundo Oliven (1992), são enunciações como essas que fabricaram e ainda vêm fabricando
a figura do gaúcho marcado pela vida nos descampados do Pampa. Ainda, para o autor, a natureza ganha um
fator de destaque na composição da ―[...] figura do gaúcho, homem livre e errante que vagueia soberano sobre
seu cavalo tendo como interlocutor privilegiado a natureza como ela se descortina nas vastas planícies dessa
área pastoril do estado‖ (OLIVEN, Idem,p. 69).
A música pampeana tem uma importância significativa na e para a cultura tradicionalista gaúcha. Por
meio desta, muitas disputas se travam em torno da construção e fabricação dos sujeitos que habitam essas
terras. Os modos de ser e viver (tantas vezes pautados no homem da campanha, tendo como cenário o campo)
vão constituindo um discurso de natureza. Assim, nas palavras de Luís AgostinhoAgostini,
[...] A música tradicionalista atualiza o mito, à medida que os festivais e outras manifestações musicais se
sucedem, ano após ano. Através da apropriação de imagens simbólicas já cristalizadas no imaginário
social, percebe-se que a música tradicionalista ajuda a ordenar a sociedade sul-rio-grandense, imprimindo
regras e valores essenciais à identidade que o gaúcho ostenta e da qual parece não querer se desfazer
(2005, p. 67).

A proposta de colocar em suspenso as enunciações de natureza descritas em tantas letras de músicas


pampeana se dá no intuito de problematizarmos a forma como vem sendo narrada a paisagem natural e cultural
do pampa. Apreendemos a música como um instrumento potente na produção de modos de ler e ver a natureza.
Além disso, tal artefato cultural em seu significado próprio comunica sentidos que, de alguma maneira,
constroem subjetividades humanas.

Algumas considerações

Entendemos que é importante olhar para a natureza pampeana e para o sujeito gaúcho herói, pois a partir
desses ditos vamos sendo educados e ensinados por meio da cultura, a assumirmos modos de ser e viver ante a
paisagem natural sulina, ante ao Rio Grande do Sul. Fala-se de um modo de ser gaúcho, de ser rio-grandense!
As composições que vimos evidenciando neste estudo vêm ao longo do tempo narrando a história do
Rio Grande do Sul e dos gaúchos: seus hábitos, seus costumes, suas tradições e suas ―culturas‖ muitas vezes

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atreladas à vida campeira e à paisagem natural do Pampa. Entender ―como e por que‖ irrompem esses saberes é
compreender que questões como essas estão amarradas a determinadas relações de poder e saber que não
estiveram sempre aí colocadas. Acreditamos que esse entrelaçamento entre Música, Cultura, Natureza e
Educação Ambiental se faz potente para um Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental, num tempo
de crise social, em que o meio onde vivemos e a natureza assumem um lugar de destaque em nossas vidas.

Referências

AGOSTINHO, Luís Agostini. O Pampa na cidade: o imaginário social na música popular gaúcha. Dissertação
(Mestrado). Universidade de Caxias do Sul. Programa de Mestrado em Letras e cultura Regional, Caxias do
Sul, RS, 2005.
BAIOTO, Rafael e QUEVEDO, Julio. São Miguel das Missões. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1997.
BRAUN, Jayme Caetano. Pátrias – fogões – legendas – Vocabulário Pampeano. Porto Alegre: Edigal, 1998.
DOS-SANTOS, José Daniel Telles. Lúcio Yanel e o Violão Pampeano: memória(s), história(s) e identidade(s)
de um fazer musical no sul do Brasil. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pelotas, Programa de
Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural, Pelotas, 2012.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2011.
GOLDMAN, Simão. Hino ao Rio Grande. Intérprete: Paixão Côrtes. In: PAIXÃO CÔRTES. Hino ao Rio
Grande. Brasil, 1970. Lado B. Faixa 1.
GOLIN, Tau. O povo do pampa. Passo Fundo, RS: Ed: UPF, 2004.
MARTINS, Joca. Pampa. Intérprete: Joca Martins. In: JOCA MARTINS. Pampa. Brasil, 2008. 1 CD. Faixa 3.
NIETZSCHE, Friedrichi. Sobre verdade e mentira. Tradução e organização de Fenando de Moraes Barros. São
Paulo: Hedra, 2008.
OLIVEN, Ruben George. A parte e o todo: a diversidade cultural no Brasil-nação. Petrópolis: Vozes, 1992.
PANITZ, Lucas Manassi. Por uma geografia da música: o espaço geográfico da música popular platina.
Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Geociências. Programa de
Pós-Graduação em Geografia, Porto Alegre, RS, 2010.
SILVA, Iedo. Me comparando ao Rio Grande. Intérprete: Os Farrapos. In: OS FARRAPOS. A volta do peão.
Brasil, 1981. Lado A. Faixa 4.
VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault e a Educação. 2 ed. 1 reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
VIEIRA, Anomar Danúbio. Estâncias da fronteira. Intérprete: Luiz Marenco: In: LUIZ MARENCO. Estâncias
da fronteira. Brasil: Vozes o som do Sul, 1999. 1 CD. Faixa 1.

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O PROGRAMA DE GÊNERO DA INTERNATIONAL UNION FOR CONSERVATION
OF NATURE (IUCN)

Dárcia Amaro Ávila213


Paula Regina Costa Ribeiro214
Paula Corrêa Henning215

Resumo
O presente ensaio procura discorrer sobre as enunciações do programa temático de gênero da mais antiga
organização ambiental global – International Union for Conservation of Nature –, a fim de problematizar os
efeitos discursivos na contemporaneidade. Para isso, utilizamos algumas ferramentas teórico-metodológicas de
Michel Foucault e dos estudos de gênero na sua vertente pós-estruturalista. Identificamos nesse primeiro
movimento de análise a integração do gênero como programa temático implicado em uma tática de
agenciamento dos sujeitos para o desenvolvimento sustentável. Isso só é possível pela potencialidade do
dispositivo da sustentabilidade que convoca todos e todas para a ordem do discurso sustentável, tendo as
mulheres uma posição específica devido à produção de seu gênero nas sociedades.
Palavras-chaves: Sustentabilidade. Gênero. Políticas Ambientais.

Introdução

A International Union for Conservation of Nature - IUCN (em português, União Internacional para a
Conservação da Natureza - UICN) estabelece relações com mais de 1.000 organizações em mais de 160 países
reunindo organizações não governamentais (ONG), empresas, cientistas e as Nações Unidas, constituindo-se
como uma das maiores associações globais de meio ambiente. A IUCN é a mais antiga organização, fundada
em 1948 com a missão de influenciar e apoiar as sociedades a ―conservar a integridade e diversidade da
natureza e assegurar que todo uso dos recursos naturais sejam equitativos e ecologicamente sustentáveis‖
(IUCN, 2015, tradução nossa).
Neste contexto, desenvolve ações que visam um mundo justo que valoriza e conserva a natureza. Com
seu programa temático de gênero a IUCN, desde 1984, tem se comprometido com a igualdade e equidade de
gênero. O que nos provoca a questionar: Como o gênero emerge como programa temático da IUCN? Quais seus
efeitos na contemporaneidade?
Na busca por refletir essas questões que em um primeiro momento traçamos algumas discussões sobre
um dispositivo que com suas linhas de visibilidade e enunciação como nos aponta Deleuze, vem colocando o
gênero em discurso no desenvolvimento sustentável, o dispositivo da sustentabilidade. Em seguida, procuramos
analisar algumas enunciações presentes no programa de gênero do portal da união. Para isso, fundamentamos as

213
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande - FURG.
darcia.avila@furg.br.
214
Professora doutora da Universidade Federal do Rio Grande - FURG. pribeiro.furg@gmail.com
215
Professora doutora da Universidade Federal do Rio Grande - FURG. paula.c.henning@gmail.com
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problematizações com base nas ferramentas teórico-metodológicas do filósofo francês Michel Foucault e nos
estudos de gênero na sua vertente pós-estruturalista.

Situando o aporte teórico-metodológico


―Quanto você ama a natureza? Recorda da sua primeira caminhada em um bosque? A primeira vez que
nadou no mar? A primeira vez que viu um animal silvestre? Todos amamos a natureza. Todos dependemos da
natureza‖ (IUCN, 2008, tradução nossa). Com essas enunciações presentes no vídeo sobre a IUCN é apontado
o objetivo dessa instituição. Uma união internacional que procura conservar a natureza que amamos e
dependemos. Mas, que natureza é essa apresentada pela IUCN?
O Conceito de natureza que conhecemos na contemporaneidade se desenvolve a partir do nascimento da
ciência moderna. Um conceito baseado em aspectos físicos e exteriores aos seres humanos como um objeto de
investigação e dominação. Entretanto, outros conceitos estiveram implicados e produziram visões de natureza
desde a antiguidade grega. Como aponta Thomas Kesserling (2002) ao realizar uma história do conceito de
natureza no ocidente, fomos produzindo historicamente visões de natureza interpeladas pelos contextos de cada
época. Para os gregos, por exemplo, a natureza era vista como um processo circular, o princípio de tudo que
surge e desaparece. Na Idade Média temos uma visão de natureza como criação, baseada no antigo testamento.
Já no período da Idade Moderna desenvolve-se uma visão baseada nas leis naturais pela ciência. Atualmente,
Kesserling (2002) destaca outra visão baseada na articulação da natureza com a técnica. Não queremos resumir
a discussão proposta pelo autor, mas destacar que houve um processo de produção e fabricação da natureza que
―amamos e dependemos‖, portanto, como aponta Carvalho:
Situações de calma e lentidão, o barulho do mar ou o canto dos pássaros, junto com o perfume
das flores ou o odor das plantas úmidas, costumam nos deixar convictos de estarmos diante de
coisas naturais, diante da natureza. Mas, essas idealizações e imagens estereotipadas que
costumam associar ao natural apenas aparências florestais ou bucólicas, ritmos lentos ou suaves
e sons agradáveis, arriscam-se a excluir da natureza um bom número de componentes e de
características que igualmente lhe conferem realidade (CARVALHO, 2013, p. 13).

Assim, o modo como olhamos, interagimos e protegemos a natureza é produzido com base em uma
visão historicamente desenvolvida. Precisamos reconhecer essas múltiplas visões e considerar as outras
características que conferem realidade como a produção humana, por exemplo. Para além de um
antropocentrismo em que os seres humanos encontram-se longe da natureza ou dependentes e, assim,
necessitam de conservá-la. Mas, porque precisamos conservar a natureza? Atualmente, essa pergunta não faria
sentido, considerando a proliferação de discursos sobre uma crise ambiental – desastres, colapsos, escassez,
mudanças climáticas, pobreza, entre outras –, assim já está legitimado em nossa sociedade a importância da
conservação da natureza. Mas, como isso se configurou em nossa época e quais seus efeitos discursivos?

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Inspirada nas teorizações de Michel Foucault216, Shaula Sampaio (2012) procura discutir na atualidade a
potência de um dispositivo da sustentabilidade que com base em suas ―linhas de visibilidade e enunciação‖ vem
produzindo subjetividades, leis, instituições, artefatos, etc. Para Foucault (1980), um dispositivo responde a
uma emergência histórica sem fins de causalidades e consequências, pois está relacionado as condições e
emergências datadas historicamente. Assim, mais do que definir o que é um dispositivo nos propomos a refletir
com os autores e autoras os efeitos e as condições de possibilidades do dispositivo da sustentabilidade que vem
se tornando potente nos saberes e fazeres ambientais.
Sampaio destaca o caráter recente das discussões sobre o desenvolvimento sustentável e de sua variante
sustentabilidade com base nas críticas ambientalistas enraizadas a partir das modificações da segunda Guerra
Mundial, iniciada em 1939 e encerrada em 1945, participando todos os países do globo direta ou indiretamente.
Além disso, destaca a ONU (Organização das Nações Unidas), o Fundo Monetário Internacional e o Banco
Interamericano de Desenvolvimento como instituições envolvidas na proliferação de medidas para a melhoria e
desenvolvimento dos países no pós-guerra. Nas palavras da autora: ―O desenvolvimento foi atrelado
indelevelmente ao crescimento econômico a partir da assunção de que haveria um patamar a ser almejado e
alcançado pelas nações consideradas ‗subdesenvolvidas‖ (SAMPAIO, 2012, p.100).
Assim, na década de 1960 e 1970 o termo desenvolvimento foi criticado pelos movimentos
ambientalistas pelo viés econômico e tecnológico, provocando várias conferências, encontros e tratados.
Segundo Michele Sato (2003), ao longo das últimas duas décadas podemos destacar as Conferências de
Estocolmo e de Tbilisi (originaram as primeiras manifestações de Educação Ambiental); o Relatório Brandt de
1980; a Estratégia Mundial de Conservação de 1980, o Relatório de Brundtland ou ―Nosso futuro comum‖ de
1987, a Agenda 21 em 1992 , bem como a Rio 92 e a Rio +20. Esses acontecimentos são assinalados por
Sampaio como condições de emergência para o desenvolvimento sustentável presente no documento intitulado
―Nosso futuro comum‖. Este que ainda é alvo de críticas de pesquisadores/as e movimentos ambientalistas que
denunciam o viés econômico presente no mesmo. Entretanto para Sampaio ―nestes mais de vinte anos de
existência, a noção de desenvolvimento sustentável – ou da sua variante ―sustentabilidade‖ – vem se
popularizando e se disseminando cada vez mais‖ (2012, p. 102).
―Fecha a torneira para escovar os dentes‖, ―coloca o lixo nas cores indicadas‖, ―Apague a luz antes de
sair de casa‖, ―plante uma árvore‖ são alguns exemplos de como o dispositivo da sustentabilidade opera nos
detalhes. O dispositivo, segundo Foucault é um conjunto heterogêneo, um mecanismo de poder217

216
A partir de seus estudos sobre a história da sexualidade, Foucault apresenta a historicidade de um dispositivo da sexualidade e sua
função estratégica na sociedade. Seguindo suas pistas teórico-metodológicas outros autores passaram a analisar os acontecimentos
contemporâneos e a emergência de outros dispositivos: Dispositivo da maternidade (MARCELLO, 2009); dispositivo da infantilidade
(CORAZZA, 2002), dispositivo pedagógico da mídia (FISCHER, 2001), dispositivo da educação ambiental (GARRÉ, 2015).
217
Para Michel Foucault (2002) o poder não é negativo de repressão, mas produtivo instaurado a partir do século XVIII. Além disso,
destaca que esse poder não é conservador, mas inventivo que detém os princípios de transformação e inovação. Um poder que não
está ligado ao desconhecimento, pois pode funcionar com uma formação de saber.
397
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ele é absolutamente heterogêneo com relação aos novos procedimentos de poder que
funcionam, não pelo direito, mas pela técnica, não pela lei mas pela normalização, não pelo
castigo mas pelo controle, e que se exercem em níveis e formas que extravasam do Estado e
seus aparelhos (FOUCAULT, 1980, p. 86).

Por esse viés, o dispositivo configura-se como um mecanismo de normalização e controle para além de
governos e instituições, mas, também, interpelando-os. O autor destaca outra característica do dispositivo, ele
nunca opera sozinho. Aqui, podemos notar a sua articulação com outros dispositivos como o dispositivo da
educação ambiental (GARRÉ, 2015). Somente somos interpelados por essas enunciações sustentáveis, pois os
discursos sobre a crise ambiental se proliferaram e, segundo a autora, a visão catastrófica do planeta e o medo
são disseminados em diferentes instâncias sociais e artefatos culturais 218. Nesse contexto, somos ensinados e
convocados para essa ordem do discurso sustentável para o futuro das gerações. Quem ousaria na atualidade
não ensinar para seus filhos/as ou na escola a sustentabilidade? Somos todos convocados a participar, mas será
que todos participam da mesma maneira?
Segundo Hernández (2010) a relação gênero e meio ambiente teve inicio com as feministas
(ambientalistas e ecologistas) como uma resposta aos problemas ambientais em que as mulheres eram as mais
afetadas. Assim, a relação das mulheres com o ambiente está articulada a uma participação diferenciada das dos
homens no que tange a sua interação com a natureza devido as suas atividades como mulheres no espaço
doméstico, no manejo dos recursos naturais, bem como são as mais afetadas pela degradação do ambiente.
Precisamos estar atentos a esse discurso que vem legitimado a relação das mulheres com o ambiente e a
natureza, provocando uma desnaturalização como aponta Mara Garcia (1992). Como foi produzida essa
diferenciação?
Apesar de aparentemente ter se tornado natural a relação das mulheres em nossa sociedade se dá em
relações de luta. Desde os primeiros movimentos feministas do século XIX as mulheres lutam contra a opressão
e o determinismo biológico que assegurava posições restritas e as definia na sociedade. Na rejeição a esse
determinismo que gera desigualdades, discriminações e violências que o conceito de gênero emerge. Isso não
quer dizer uma negação a biologia, mas uma ênfase a construção social e histórica das relações entre homens e
mulheres. Ele passa a considerar a dimensão relacional, já que conforme Guacira Louro (2011) é no âmbito das
relações sociais que se constroem os gêneros. No Brasil, será só no final da década de 1980 que timidamente os
estudos feministas passarão a adotar esse termo. Outras feministas vêm provocando discussões em torno desse
conceito: Joan Scott (1995) e Judith Butler (2003), referências utilizadas na contemporaneidade.
Assim, fundamentadas nos estudos de gênero e instigadas pelas inquietações de Sampaio (2012): ―o que
mais pode produzir o dispositivo da sustentabilidade?‖, ―Que outras modulações podem derivar de suas

218
Entendemos artefatos culturais como produções resultadas da cultura - livros, campanhas publicitárias, filmes, jornais, programas
de TV e radiofônicos, entre outras.
398
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linhas?‖, passamos a problematizar os efeitos desse dispositivo e a identificar na contemporaneidade com base
na integração do gênero nos programas globais certo agenciamento dos sujeitos. Segundo Sampaio
Nos entrelaçamentos do visível e do enunciável se produzem os agenciamentos dos sujeitos pelo
dispositivo da sustentabilidade. Esses agenciamentos afetam a todos, sejam crianças, homens,
mulheres, ricos, pobres... (2012, p. 105).

Considerando que todo o dispositivo possui suas táticas que nos atinge ―instando-nos a falar sua língua,
a moldar nossas atitudes em conformidade com seus discursos‖ (p.100), compreendemos que a partir de uma
tática de agenciamento marcada e normatizada por gênero, classe e etnia/raça esse dispositivo da
sustentabilidade atua de forma a produzir certa posição discursiva das mulheres no desenvolvimento
sustentável. Que posição seria essa? A partir dessa inquietação lançamos nossos olhares para o programa de
gênero da IUCN.

Entrelaçando as enunciações: analisando o gênero na IUCN


Precisamos antes de tudo recusar as explicações unívocas, as fáceis interpretações e igualmente
a busca insistente do sentido último ou do sentido oculto das coisas [...]. (FISCHER, 2001a, p.
198)

Nas esteiras da perspectiva foucaultiana, procuramos focar nossas análises no que está dito e visível no
material empírico (o Programa de Gênero do portal da IUCN), ou seja, em suas enunciações sem a preocupação
de haver algo oculto ou se é desenvolvida as orientações.
O que nos interessa são os efeitos discursivos desse programa que, conforme Foucault (2008, p. 55), os
discursos mais do que um conjunto de signos que remetem a conteúdos ou a representações, são ―práticas que
formam sistematicamente os objetos de que falam‖. Assim, passamos a analisar a rede de enunciações presentes
no corpus de análise a fim de problematizar essa prática discursiva que constitui a relação do gênero no
desenvolvimento sustentável e a posição discursiva das mulheres.
Em sua aba de apresentação ―Gênero‖ já é pontuado a importância do gênero como parte da missão da
IUCN como podemos notar na enunciação: ―A igualdade de gênero e equidade são questões de direitos
humanos fundamentais e justiça social, bem como uma pré-condição para o desenvolvimento sustentável e a
realização da missão da IUCN‖ (2015, tradução nossa). Com isso, a união destaca o Escritório Global de
Gênero da IUCN e as instituições que ela auxilia com suas ferramentas setoriais, dentre elas, a Convenção
sobre Diversidade Biológica, UNEP (United Nations Environment Programme), CSD (Comissão das Nações
Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável), CSW-integração do género (Comissão sobre o Status das
Mulheres) e Fórum Mundial da Água. Além disso, fornece apoio para as instituições desenvolver seus planos
de gênero. Na mesma página está presente as imagens do Escritório Global de Gênero, o item Gênero, Ação,
Política e Conhecimento, no qual está presente o projeto gênero e energia e sobre as mudanças climáticas
(figura 1).
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Figura 1: Portal do programa de gênero da IUCN, 2015.
FONTE: http://www.iucn.org/about/work/programmes/gender/

No link ―Sobre nós‖ é destacada a relação da IUCN com o gênero com base em sua política de gênero.
Desde 1984 a União de Conservação da Natureza incorpora o gênero em seu programa, em 1996 aprovou a
resolução que institui o gênero transversalmente nos programas da IUCN. Na 48° reunião do Conselho da
IUCN em 1998 a união construiu a sua política sobre equidade e igualdade de gênero e nomeou um Consultor
Sênior Global para a implementação do plano de ação. Em maio de 2007 a união atualizou a sua política. Mas,
afinal, o que compõem essa política de gênero?
Para a União homens e mulheres possuem diferentes papéis e responsabilidade variando dependendo de
cada cultura. Destaca que as mulheres contribuem em diferentes espaços – família, comunidade, sociedade –,
entretanto, enfrentam as desigualdades no acesso e controle dos recursos, bem como na distribuição e gestão
dos mesmos. Com base nesses fatores é que a união procura incorporar o gênero em seus projetos, programas e
ações. Segundo a política de equidade e igualdade de gênero da IUCN:
género se refiere a los papeles socialmente construidos y las oportunidades asociadas con ser
hombre y mujer, así como al poder oculto de las estructuras que gobiernan las relaciones de
género. En la mayoría de las sociedades existen diferencias y desigualdades entre hombres y
mujeres en cuanto al acceso y control sobre los recursos y las oportunidades para tomar
decisiones, en especial con relación a los recursos del medio ambiente. El género es parte del
contexto socio-cultural, económico y político más amplio, y también considera factores tales
como clase, situación económica, grupo étnico y edad. (IUCN, 2007)

Como podemos verificar essa política é fruto dos movimentos feministas que engendraram o conceito
de gênero como uma construção cultural sobre o feminino e o masculino em meio às relações de poder. Assim,
com base nas desvantagens e falta de oportunidades que as mulheres ficaram submetidas nessa relação que a

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IUCN desempenhará suas funções. Notamos, assim, que no discurso de equidade e igualdade de gênero da
união é produzido um sujeito discursivo alvo de suas práticas, as mulheres. Mas, quem são essas mulheres?
A feminista Judith Butler (2003) vem questionando a categoria ―Mulher‖ que exclui as singularidades
ao problematizar a desconstrução dos sujeitos. Entretanto, desconstruir para Butler (1998), não é negar ou
apagar, mas problematizar, pôr em questão. Afinal, que sujeito é esse? Que mulheres e homens têm em nossa
sociedade? De acordo com a autora, ―no começo da década de 1980, o ―nós‖ feminista foi atacado com justiça
pelas mulheres de cor que diziam que aquele ―nós‖ era invariavelmente branco e que em vez de solidificar o
movimento, era a própria fonte de uma dolorosa divisão‖ (BUTLER, 1998, p. 24). Gisele Espinosa (2002)
também contribui para pensarmos na universalização da categoria mulher, ao problematizar as questões do
feminismo histórico que não dariam mais conta das demandas das mulheres, em especial das camadas
populares. Nesse sentido, torna-se problemático pensar universalmente em mulher, assim, que mulheres são os
sujeitos dessa política de gênero?
A IUCN destaca algumas estatísticas em sua política para identificar esses sujeitos como ―as mulheres
representam 70% dos 1.300 milhões de pessoas que vivem na pobreza‖. A esse fator a União denomina como
feminização da pobreza. Além disso, traz um contraponto com a enunciação a seguir: ―as mulheres
desempenham importante papel na redução da pobreza devido ao fato de serem as responsáveis pelo bem-estar
de suas famílias e comunidades‖ (2007, tradução nossa). Podemos notar que os sujeitos do discurso da IUCN
são as mulheres que estão na linha da pobreza e são responsáveis por suas famílias e comunidades. Como
destacamos anteriormente, defendemos a tese de que nesse discurso do desenvolvimento sustentável
impulsionado pelo dispositivo da sustentabilidade, o gênero tem sido colocado como uma tática de
agenciamento dos sujeitos. Assim, podemos perceber que as mulheres são colocadas nessa posição de
agenciamento, pois como destaca a política de gênero da IUCN, a responsabilidade pelo bem-estar da família e
da comunidade é das mulheres.
Outro aspecto que a união destaca para a integração do gênero em sua política é a reação em cadeia que,
muitas vezes, acontece quando as mulheres passam a sair da pobreza contribuindo para o desenvolvimento e a
conservação do meio ambiente. Assim, destaca os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), ao ligar a
meta 1 sobre a erradicação da pobreza e a meta 3 igualdade de gênero com o objetivo 7 relativo a
sustentabilidade ambiental. Nesse sentido, é sobre o tripé erradicação da pobreza - igualdade de gênero -
sustentabilidade ambiental que a IUCN atuará com a perspectiva de gênero em suas políticas, programas e
projetos.
Como auxílio em suas atividades a união conta com os relatórios, publicações e monitoramento do
Escritório Global de Gênero da IUCN (http://genderandenvironment.org/) que recentemente criou em
colaboração com a ONU Mulheres um novo conjunto de dados sobre a participação das mulheres na tomada de
decisão ambiental. Segundo essa publicação a voz das mulheres é essencial devido as suas diversas

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experiências como agricultoras, pescadoras, domésticas, empresárias, etc. Além disso, destaca que as posições
de liderança na arena ambiental local, nacional ou internacional continuam a ser dominadas pelos homens.
No ícone ―Nosso Trabalho‖ encontram-se as iniciativas e principais atividades do escritório do Assesor
Sênior de Gênero, tais como: Trabalho político global sobre sexo com as Convenções do Rio; Apoio e
fortalecimento das mulheres vozes nos fóruns ambientais internacionais; Política de trabalho no seio da União
sobre as relações entre gênero e mudança climática; A integração do gênero na Iniciativa de Energia da IUCN,
em paisagens e Modos de Vida, em políticas de economia, comércio e investimento; Continuar a desenvolver
trabalhos sobre a redução do risco de desastres e de gênero (IUCN, 2015).
Em outro ícone da página do programa temos ―Gênero e Redução de Riscos e Desastres‖ abordando os
impactos dos desastres, catástrofes e mudanças climáticas nas desigualdades das relações sociais, bens
econômicos e poder político. Seus impactos têm piorado as condições desiguais enfrentadas pelas mulheres,
crianças, povos indigenas, entre outros. Assim, juntamente com a Estratégia Internacional para a Redução de
Desastres procura integrar a equidade de gênero. Na publicação da IUCN em parceria com PNUD e UNISDR
sobre as políticas sensíveis ao gênero nos desastres é apontado ―Desastres não discrimina, mas as pessoas
fazem‖ (UNISDR; UNDP; IUCN, 2009), com base nas pesquisas demonstram que os desastres ambientais
reforçam e aumentam as desigualdades de gênero. Assim, desde 2006 a UNISDR procura intensificar a
integração do gênero na redução dos riscos de desastres ambientais para alcançar o desenvolvimento
sustentável. Nesse contexto, podemos perceber a operacionalização do dispositivo da sustentabilidade que
posiciona o gênero de forma estratégica para o agenciamento deste ―grupo de risco ambiental‖, ou seja, as
mulheres que são as mais afetadas pelas degradações e desastres.
No item ―Gênero e a Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD)‖ trata-se sobre a partilha equitativa
dos beneficios da biodiversidade entre homens e mulheres. O escritório da IUCN começou a trabalhar na
ligação entre equidade de gênero e igualdade para a biodiversidade em 2004 desenvolvendo ferramentas para a
participação das mulheres na convenção da biodiversidade. Em 2007 em parceria com a IUCN a CBD fez um
acordo ambiental para assegurar a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres.
Atualmente, a União presta apoio técnico para a implementação do plano de gênero da CBD.
―IUCN e a Aliança do Clima Global do Gênero –GGCA‖, ressaltam que os impactos das mudanças
climáticas serão distribuídas de forma diferente para povos indígenas e mulheres que devido as rápidas
mudanças não conseguem se adaptar. Assim, em parceria com a Climate Alliance (GGCA), UICN junto com
WEDO, PNUD e UNEP, e outras organizações membros procura considerar o envolvimento das mulheres no
uso de energia, no desmatamento, crescimento populacional e econômico ciência e tecnologia, etc. Em seguida
temos as seções: Recursos (Vídeos e áudios), novos eventos e contatos que trazem reportagens e informações
referentes ao gênero e a IUCN.

Algumas considerações sobre o gênero como tática de agenciamento


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Ao navegar pelo portal da International Union for Conservation of Nature – IUCN, em seu programa de
gênero, identificamos a potencialidade de um agenciamento do gênero como tática engendrada pelo dispositivo
da sustentabilidade. Esta tática monitora e classifica determinados sujeitos a partir de estatísticas (―as
mulheres representam 70% dos 1.300 milhões de pessoas que vivem na pobreza‖); posiciona esses sujeitos
como um possível grupo de risco ambiental (―Desastres não discrimina, mas as pessoas fazem‖, as mulheres
são afetadas pelas mudanças climáticas e desastres ambientais) e; agencia a partir das políticas para o
desenvolvimento sustentável (projetos sobre gênero e energia, gênero e mudanças climáticas, plano de gênero
para a diversidade biológica).
Nesse sentido, essa tática de agenciamento colocada em funcionamento pelo dispositivo da
sustentabilidade responde a uma urgência história que na atualidade permeia os discursos de crise ambiental.
Em outras palavras, diante da crise ambiental produzida na atualidade todos e todas são capturados para o
combate e melhoria do planeta para as futuras gerações, entretanto, determinados sujeitos são posicionados
como principais aliados, neste caso as mulheres. Essa possibilidade de articulação das mulheres no
desenvolvimento sustentável é urgente devido às enunciações produzidas, principalmente, sobre a pobreza que
impossibilita um desenvolvimento sustentável. Assim, é com vistas a erradicar a pobreza para o
desenvolvimento sustentável que essa tática de agenciamento está presente na IUCN.
Notamos as relações de forças que se engendram no interior do dispositivo que como acrescenta
Sampaio (2012, p. 103), ―o dispositivo da sustentabilidade possibilita que o capitalismo transnacional se
atualize e se revigore, aliado a conservação ambiental e ao crescimento econômico‖. Nesse contexto que o
gênero se torna potente, pois todos e todas precisam ser capturados/as para uma boa economia. Quanto mais for
a pobreza e as desigualdades, maiores os desastres e os impactos, por exemplo.
Nesse sentindo, intentamos a problematização – ainda que inicial – das enunciações presentes na
política ambiental da IUCN que articula a perspectiva de gênero, bem como refletir as provocações de Sampaio
(2012), ou seja, o que mais pode produzir o dispositivo da sustentabilidade? Não tivemos a pretensão de
responder a esse questionamento, mas a partir dele provocar as discussões sobre as verdades produzidas e os
efeitos desse dispositivo nos fazeres ambientais. Nossa discussão continua e novas inquietações vão surgindo,
por exemplo, como nessa tática de agenciamento são produzidas as subjetividades desses sujeitos? Mas, isso
fica para outra ocasião.

Referências

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2012.

404
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O PROTAGONISMO DOS EDUCANDOS A PARTIR DAS DEMANDAS
SOCIOAMBIENTAIS DA ESCOLA: A EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
DA EMEF MARIA QUITÉRIA EM NOVO HAMBURGO/RS
Daniela Vieira Costa Menezes219
Alexandre Macedo Pereira220

Resumo

Este artigo relata a experiência do Projeto de Ação em Educação Ambiental, vivenciado na EMEF Maria
Quitéria, em Novo Hamburgo/RS, que permitiu a presença da Educação Ambiental Transformadora no
ambiente escolar através da metodologia de ensino-aprendizagem pela pesquisa. Tal metodologia insere no
cotidiano escolar os princípios da pesquisa científica com o objetivo de observar como os princípios da
investigação científica podem potencializar o processo de ensino-aprendizagem, sobretudo no que se refere à
integração da EA ao currículo das séries iniciais do ensino fundamental. Educandos de cinco (05) turmas entre
4º e 5º anos das séries iniciais do ensino fundamental planejaram, desenvolveram, aplicaram e avaliaram
projetos de pesquisa a partir da observação das demandas socioambientais da escola, expressando suas
aprendizagens para a comunidade escolar. Para tanto, foi necessário abrir espaços de debate nas salas de aula,
onde os educandos assumiram uma posição de protagonismo com o exercício da autoexpressão individual e
coletiva. As atividades desenvolvidas possibilitaram a compreensão de conceitos científicos e a propagação de
ideias através da expressão artística, relacionadas de forma interdisciplinar aos conteúdos da EA, contribuindo
para a transformação do ambiente escolar e a disseminação de atitudes sustentáveis na comunidade escolar.

Palavras-chave: Educação Ambiental; Ensino-Aprendizagem; Pesquisa; Interdisciplinaridade.

Palavras iniciais

O presente artigo é o relato de experiência221 de uma prática pedagógica direcionada à Educação


Ambiental Escolar – EAE, mas também é o resultado de uma reflexão a partir da relação entre a legislação para
a EA no Brasil e o cotidiano escolar. A prática pedagógica relatada foi desenvolvida durante as aulas do projeto
que cobriu a hora-atividade dos professores titulares da Escola Municipal de Ensino Fundamental Maria
Quitéria, localizada no município de Novo Hamburgo/RS, que atende educandos até o fim das séries iniciais do
ensino fundamental. Tal prática, integrada às exigências curriculares, inseriu na realidade da escola em 2014 a

219 Licenciada em Pedagogia pela UFRGS e especializada em Educação: espaços e possibilidades da formação continuada, pelo
IFSul Pelotas, em TIC aplicada à Educação, pela UFSM e em Educação Ambiental, pela FURG. Atua como Professora concursada no
município de Novo Hamburgo/RS, responsável pelo projeto de Educação Ambiental da EMEF Maria Quitéria desde 2010
(daniela.vieira.costa@gmail.com).
220 Pedagogo e doutorando em EA pelo Programa de Pós Graduação Ambiental PPGEA/FURG,
(alexandremacedopereira@gmail.com).
221 Projeto de Ação desenvolvido a partir do Curso de Especialização em Educação Ambiental, oferecido pela FURG entre 2013
e 2015.
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metodologia de ensino-aprendizagem pela pesquisa, voltada à observação, identificação e busca de soluções
para questões socioambientais locais, a partir das demandas socioambientais da escola.

Desenvolveu-se um processo didático-pedagógico visando potencializar a reflexão crítica e criativa,


onde os educandos do 4º ano e do 5º ano das séries iniciais do ensino fundamental envolvidos no projeto,
ocuparam uma posição de protagonismo no processo de ensino-aprendizagem, utilizando-se da linguagem
artística e científica como ponto de encontro entre a crítica e a criação para a formação cidadã. Em atividades
sequenciadas, as turmas participantes, construíram coletivamente de forma autoral projetos de pesquisa
relevantes para a realidade socioambiental da escola, compartilharam seus projetos, os desenvolveram e
avaliaram, expressando suas aprendizagens dentro e fora do espaço escolar.

Este artigo visa também refletir sobre as possibilidades de concretização de propostas de EA


apresentadas nos documentos oficiais e práticas pedagógicas transformadoras no espaço de educação formal,
em uma discussão pautada nos princípios freireanos. Primeiro, são apresentadas as relações entre a legislação
vigente e a prática pedagógica apontando uma reflexão sobre a legalidade e a ética da inserção da EA no
cotidiano escolar.

Em seguida, é apontada a organização do trabalho pedagógico para a adoção de uma metodologia de


ensino-aprendizagem pela pesquisa, apontando alternativas metodológicas integrando arte e ciência para a
EAE. Para completar a análise, o projeto desenvolvido na EMEF Maria Quitéria é relatado como uma
experiência de encontro entre a exigência do texto legal, a ética da inserção da EA no currículo e a organização
do cotidiano escolar, promovendo os princípios da Educação Ambiental Transformadora. Para finalizar,
algumas considerações são apresentadas, defendendo a presença da metodologia de ensino-aprendizagem pela
pesquisa nas escolas, assim como a abertura de espaços onde os educandos se posicionem como protagonistas,
autores de suas aprendizagens.

Entre a Legalidade e a Ética da EA: princípios da EA transformadora

Ser Educador Ambiental hoje é estar sob a influência de várias forças pedagógicas e ideológicas que
atuam sobre nós. Ao mesmo tempo em que nos relacionamos com elementos externos a nós, como as políticas
públicas nacionais e internacionais e os conflitos socioambientais do nosso cotidiano, também nos relacionamos
com os valores que nos constituem enquanto seres situados em um lugar e um tempo.

O limite das relações entre seres humanos e meios naturais se configurou em uma prática que envolve o
consumo e os desequilíbrios, colocando a natureza como algo que poderia ser subjugado pelos caprichos de
uma sociedade marcada pela individualidade, competição e artificialidade. Nesse contexto, a vida humana

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passou a se isolar em um mundo de concreto, máquinas e poluição, criando a dicotomia natural-humano, onde
uma espécie animal racional, seria superior ao conjunto de elementos naturais de todo o planeta. Assim,
chegamos a era pós-industrial, onde o desenvolvimento das ciências e da tecnologia reforçavam tal dicotomia.

Seguindo as tendências internacionais, o Brasil elabora seus próprios documentos legais para a
Educação Ambiental, são eles: Os Parâmetros Curriculares Nacionais – Meio Ambiente, de 1999; A Política
Nacional de Educação Ambiental, Lei 9795 de 1999; o Programa Nacional de Educação Ambiental, de 2003; e,
finalmente, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Ambiental, Resolução CNE/CP nº 2, de 15 de
junho de 2012.

A lei 9795/99 que institui a Política Nacional de Educação Ambiental – o PNEA, apresenta uma visão
de EA abrangente tendo como princípio ―a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a
interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade‖
(BRASIL, 1999, Capítulo 1, Art 4º Inciso II), inserindo-a na sociedade brasileira como um compromisso de
todos os cidadãos e instituições privadas ou públicas.

No que se refere à inserção da EA no ambiente escolar, a recomendação é de que ela não seja uma
disciplina curricular, mas que esteja presente de forma interdisciplinar nos diferentes componentes curriculares
de cada etapa de ensino, com uma recomendação de que se insira nos currículos das licenciaturas uma formação
para a EA, assim como se promova a formação continuada para os educadores em exercício.

O conhecimento escolar deve estar sintonizado com as demandas sociais, expressando-se de forma
relacionada e interligada ao cotidiano social dos educandos, diretamente conectados à forma como as novas
gerações se relacionam com a realidade socioambiental na qual estão inseridas. Assim, sendo os processos
educativos um ato político que visem a emancipação e a transformação (FREIRE, 2002), estes devem
transcender a exigência da lei, expressando-se em práticas do cotidiano dos seres humanos.

Portanto, a partir das contribuições de Freire entende-se que a educação ambiental é:

Práxis social que favorece a interdependência entre o ―eu e o outro‖ em relações sociais na natureza,
estabelecendo processos dialógicos com a finalidade de emancipar as pessoas e transformar a realidade
por meio de processo reflexivo e politicamente comprometido com a revolução das subjetividades e
práticas na sociedade capitalista (LOUREIRO; COSTA, 2013, p. 16).

O que observa-se é o descompasso entre as determinações legais e o fazer pedagógico na prática


cotidiana da educação formal. Mesmo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental (2012)
apontando para a necessidade da realização de um trabalho interdisciplinar e os Parâmetros Curriculares
Nacionais (1999) apresentando o meio ambiente como um tema transversal, no cotidiano escolar os projetos de
EA têm dificuldades em vivenciar a integração entre as diferentes áreas do saber, posicionando a

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sustentabilidade como uma área de expressão da cidadania, integrada ao currículo das diferentes etapas
escolares.

Podemos concluir que os movimentos de aproximação da EA com o ambiente escolar não são oriundos
de idealismos desconexos das necessidades reais dos seres humanos, mas estão diretamente relacionados com
as demandas éticas da sociedade contemporânea. Dessa forma, precisamos inserir os princípios de cidadania,
solidariedade, sustentabilidade, entre outros, na formação dos educandos conforme as exigências legais e éticas.

Portanto, o fazer da Educação Ambiental está situado entre as obrigações legais e as implicações éticas
que exige o reordenamento da organização social vigente. Por isso, o fazer educativo deve ser ao mesmo tempo
ecológico, cidadão, crítico e criativo, através de uma educação dialógica com nós mesmos, com a sociedade e a
comunidade onde vivemos, com os outros seres vivos e não vivos.

Criando Condições Favoráveis para a EAE: pressupostos teórico-metodológicos

É preciso encontrar alternativas para a realização das transformações que gerem um modelo de
sociedade cidadã, comprometida com o meio ambiente. Para tanto, é necessário organizar uma nova forma de
ser e estar no mundo, promovendo uma autorreflexão acerca dos nossos condicionamentos e práticas, em busca
de alternativas para superação do modelo de educação individualista, competitiva e artificial.

Na escola, a EA deve estar pautada em projetos que permitam uma relação dialética com o
conhecimento, onde os envolvidos possam contrapor visões sobre a realidade dos ambientes, e a comunicação
dialógica entre educandos, permitindo a contraposição de ideias e a existência de debates críticos e criativos,
pois:

para o MEC (1996) a interdisciplinaridade ocorre num nível epistemológico, enquanto a transversalidade
ocorre num nível didático. Na nossa concepção, todavia, são duas dimensões inseparáveis e
intrinsecamente conectadas entre si. (SATO; PASSOS, 2003, p. 18).

Além disso, é na relação entre o conhecimento, o meio ambiente e o processo educativo que
―construímos a nós mesmos na medida em que construímos o mundo‖ (SATO; PASSOS, 2003, p. 16).

Como a aprendizagem depende, também, da construção de relações entre os conteúdos exigidos pelo
currículo escolar, a superação das fronteiras entre as diferentes áreas do conhecimento é fundamental para uma
aprendizagem que faça parte da vida cotidiana de todos os envolvidos. Para tanto, é preciso superar alguns
paradigmas pedagógicos fundados em concepções fragmentadas do conhecimento, em busca de uma
metodologia de trabalho interdisciplinar, que valorize a formação do professor-pesquisador e do aluno-
pesquisador. Segundo Sato e Passos (2003, p. 17), a EA deve possibilitar o desenvolvimento de uma prática

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pedagógica integradora (de conteúdos e de pessoas), sustentada em processos de ensino-pesquisa-aprendizagem
transdisciplinar, uma vez que o ser humano é uma totalidade que se constitui em relações múltiplas e
complexas.

Em relação a isso, Freire (2002, p.36) aponta que ―a necessária promoção da ingenuidade à criticidade
não pode ou não deve ser feita à distância de uma rigorosa formação ética ao lado sempre da estética. Decência
e boniteza de mãos dadas‖. Tal relação permite uma aproximação entre a justiça, como exemplo de um
comprometimento ético da sociedade, e a arte, como a expressão do potencial estético do ser humano.

Uma vez que as múltiplas linguagens artísticas são fortes aliadas à disseminação da informação e à
autoexpressão, para crianças no período escolar das séries iniciais do ensino fundamental, o uso da linguagem
artística integrando teatro, música, dança, artes plásticas e literatura, criam um ambiente lúdico que potencializa
a leitura de mundo.

Como as referências sobre os pressupostos metodológicos para o ensino-aprendizagem pela pesquisa e


suas implicações no cotidiano das salas de aulas das séries iniciais do ensino fundamental são escassas. Para a
construção do projeto de ação no qual se baseia este artigo foi necessário construir uma organização
metodológica pautada nos pressupostos teóricos estudados, usando a estrutura do processo de pesquisa
científica difundido no mundo acadêmico, adaptado à realidade escolar.

Quadro 1 – Organização Metodológica da Metodologia de Ensino-Aprendizagem pela pesquisa

Ensino-Aprendizagem pela Pesquisa nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental


Etapa Possibilidades Metodológicas Papel do Professor Atividades
Materiais apresentados pelo professor Abrir espaço para a
Roda de conversa,
como fonte de inspiração; autoexpressão dos
registro individual,
Escolha da Questionamentos dos educandos sobre educandos, fomentando um
discussões em
Construção do Projeto de Pesquisa

Temática os conteúdos apresentados nos materiais; posicionamento crítico dos


pequenos grupos,
Discussão da turma diante dos mesmos; mediar as
votação...
questionamentos. discussões e conflitos.
Temática – O assunto escolhido para a
Apresentar as sessões de um
pesquisa.
projeto de pesquisa; abrir e Roda de conversa,
Objetivos – O que a turma pretende
mediar o debate entre os texto coletivo no
Escrita do aprender.
educandos; participar do quadro, distribuir
Projeto Justificativa – Relevância socio-
debate, propondo opções a sessões em grupos,
ambiental da pesquisa.
partir das sugestões dos votação, cartaz...
Metodologia – Ações a serem
educandos.
desenvolvidas.
Levantar questões presentes Saídas da escola para
Elaboração de perguntas que nortearão a no cotidiano escolar; observação do bairro;
Questões
investigação, a partir de observações da fomentar o levantamento de escrita individual ou
iniciais
realidade circundante da escola. hipóteses; auxiliar na em pequenos grupos;
organização das perguntas. cartazes...

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Separar material para as
consultas; propor exercícios
Consulta de sites, livros, revistas e outros de leitura reflexiva e Exercícios de leitura e
materiais impressos. identificação dos pontos escrita; fichas de
Pesquisa Registro das informações relevantes. principais de um texto; leitura; questionários
bibliográfica Discussão das impressões dos auxiliar na interpretação do diretivos; registro
participantes. material selecionado; individual e coletivo
realizar questionamentos (caderno de pesquisa).
Desenvolvimento da Pesquisa

diante das informações


selecionadas.
Roteiro de saída de
Saídas de Estudo para observação de Planejar saída de estudos;
estudos; elaboração de
situações e espaços relevantes para a convidar profissionais da
questionário ou
pesquisa. área da pesquisa; planejar
Coletas de entrevista; aulas
Palestras Temáticas para ampliação de aula expositiva sobre
Dados expositivas; visitas a
informações. questões da pesquisa;
outras turmas;
Entrevistas com outras turmas, famílias organizar visitas a turmas
observação sistemática
ou outros. ou outros espaços da escola.
de espaços escolares...
Seminários; escrita
Promover espaços de
Tratamento da informação coletada individual e coletiva;
registro; organizar
Organização durante a pesquisa. organização da
momentos de socialização
das Apresentações das aprendizagens informação em
da aprendizagem dentro da
aprendizagens individuais e coletivas. turma; fomentar a
imagens e gráficos;
Finalização da Pesquisa

Relatório de pesquisa. análise do processo da


divulgação dos resultados.
pesquisa.
Relacionar as aprendizagens
Preparação de material
iniciais com as finais;
Material impresso ou digital. impresso ou digital
valorizar as produções dos
Produto final Ação na comunidade escolar. com textos, imagens,
educandos; sugerir
Atividade de integração da turma. gráficos; Palestras para
desdobramentos da
turmas e comunidade.
pesquisa.
Fonte: Produzido pela autora

O quadro acima foi inspirado nas etapas de uma pesquisa científica, valorizando as características dos
educandos das séries iniciais do ensino fundamental e o papel fundamental do educador durante todo o
processo, mantendo o espaço de protagonismo do educando. Apesar disso, tal metodologia de ensino-
aprendizagem não se limita ao estudo do componente curricular ―ciências‖, ampliando seus princípios para
todos os componentes curriculares que envolvem interdisciplinarmente situações do cotidiano da comunidade
escolar, em especial as questões socioambientais. O termo ―científico‖ aqui se refere muito mais ao método
sistemático de produção do conhecimento do que de um conjunto de conteúdos, ou seja, diz respeito a uma
postura diante dos fenômenos circundantes que envolve elaborar perguntas e construir respostas.

Portanto, o pressuposto metodológico defendido para a inserção da Educação Ambiental no currículo


escolar das séries iniciais do ensino fundamental é do ensino-aprendizagem pela pesquisa, promovendo a
alfabetização científica, onde o educando se posiciona como protagonista de um processo pedagógico autoral
que visa a observação crítica da realidade socioambiental e o desenvolvimento de soluções criativas para a
superação dos conflitos percebidos, objetivando a equidade social e ambiental.

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Construindo uma Escola Sustentável? A experiência da EMEF Maria Quitéria

As reflexões entre a legalidade e a ética da EA e a metodologia de ensino-aprendizagem pela pesquisa,


apresentadas nas sessões anteriores, serviram de embasamento para um projeto de Escola Sustentável, que
acompanha as indicações do MEC e a política de Educação Ambiental implementada em Novo Hamburgo/RS.
As exigências legais foram consideradas no caminho para a transformação socioambiental. Entretanto, as ações
desenvolvidas no segundo semestre de 2014 foram fruto de uma caminhada anterior, tanto do município quanto
da própria escola.

As escolas de Novo Hamburgo/RS foram estimuladas a desenvolver um projeto de Educação Ambiental


para a cidadania, envolvendo os diferentes componentes curriculares. Nesse contexto, a Escola Municipal de
Ensino Fundamental Maria Quitéria222, localizada no bairro Roselândia223, em Novo Hamburgo/RS, ofereceu, o
projeto VIDAA – Vivências InterDisciplinares Artísticas e Ambientais no ano letivo de 2014, visando articular
componentes curriculares previstos para as séries iniciais do ensino fundamental e os princípios da cidadania,
solidariedade e sustentabilidade estabelecidos pela Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) e
Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Ambiental (DCNEA) no desenvolvimento de um projeto de
EAE.

Fundamentados na proposta pedagógica de ensino-aprendizagem pela pesquisa, os educandos de cinco


(05) turmas do 4º ano e 5º ano planejaram e realizaram diversas ações resultando no quadro abaixo. O referido
quadro apresenta o resumo das ações de cada turma, ao longo do desenvolvimento dos projetos idealizados. É
importante ressaltar que nem todo o planejamento feito pelas turmas foi efetivado, porém outras ideias foram se
agregando às ideias iniciais, configurando uma produção autoral e coletiva de cada turma.

Quadro 2 – Projetos desenvolvidos pelas turmas


Turma Projeto Objetivos Produções
A Horta Sustentável: Construir uma horta escolar e estimular Horta orgânica com vasos de ervas.
4º A
construindo uma a horta doméstica no bairro. Distribuição de mudas para a comunidade.

222 A escola atendeu 14 turmas, entre a Faixa Etária 5 (educação infantil) e o 5º ano (ensino fundamental no ano letivo de 2014 e
contou com uma equipe de aproximadamente 30 profissionais entre equipe diretiva, educadores e funcionários (merenda, limpeza e
secretaria) para atender cerca de 340 educandos (fonte: censo escolar 2014).
223 O Bairro Roselândia teve sua ocupação inicial como uma área rural, especializada no cultivo de rosas. Na década de 80, o
município de Novo Hamburgo teve um crescimento populacional em função do crescimento da indústria calçadista e o bairro passou a
abrigar famílias de outros municípios que chegavam à cidade em busca de emprego. A ocupação foi pouco planejada e o bairro
contava com um espaço onde funcionava o ―lixão‖ da cidade, desativado na década de 90 e reativado quase 2 décadas depois como
um centro de triagem de resíduos, após adequado aterramento do material lá existente. Sua população tem um histórico de fragilidade
econômica e social, porém, nos últimos anos o bairro passou por uma reorganização estrutural (sanitária e de serviços), com a criação
de loteamentos para famílias de classe média baixa (Fonte: Projeto Político Pedagógico da Escola).
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alimentação melhor Panfleto sobre horta doméstica.
Economizando a Água para Identificar as melhores maneiras de usar Cisterna para coleta de água da chuva na
4º B um mundo melhor a água na cidade (tratamento da água e escola. Folder sobre o uso consciente da
coleta da chuva). água no dia a dia.
Pesquisando e aprendendo Conhecer e identificar as árvores da Placas de identificação das árvores da
4º C sobre as árvores da escola escola; aumentar a área verde da escola. escola. Exposição de desenhos. Adoção de
mudas de árvores nativas pela comunidade.
Animais: os melhores Conscientizar a comunidade escolar Vídeo para conscientização sobre cuidados
5º A amigos do ser humano sobre a responsabilidade de cada um em com animais.
relação aos animais urbanos.
Arte e Lixo: reutilização e Disseminar ideias criativas que ajudem Exposição de objetos produzidos pelos
5º B reciclagem com a combater a poluição no bairro. educandos a partir de oficinas de
criatividade reutilização e reciclagem.
Fonte: produzido pela autora.

As aulas relacionadas ao projeto foram planejadas coletivamente com as turmas, através das proposições
individuais ou coletivas, questionamentos, seguidos por debate e votação. Em algumas turmas os participantes
sustentaram as discussões com desenvoltura, aceitando os desafios propostos, e em outras as construções eram
constantemente revisitadas, com participações que precisavam ser estimuladas.

As aulas foram semanais, com duração de 2 períodos (50 minutos cada). De acordo com as
necessidades das atividades e do calendário escolar, a quantidade de aulas para cada etapa foi maior ou menor,
aproveitando o horário destinado para cada turma. A cada aula, as turmas desenvolveram atividades que
visavam ampliar os conhecimentos sobre as temáticas escolhidas. Apesar de existir uma proposta comum para
cada atividade, as turmas desenvolveram uma caminhada particular, seguindo pelas etapas de pesquisa
científica desde a elaboração dos projetos até a socialização das ideias e dos resultados obtidos, utilizando-se de
diferentes linguagens artísticas. O projeto vivenciado na EMEF Maria Quitéria foi organizado em etapas
progressivas e relacionadas, organizas em atividades, a saber:

Atividade 1 – Construção dos Projetos de Pesquisa das Turmas


Atividade 2 – Pesquisa bibliográfica inicial
Atividade 3 – Organização das Primeiras Aprendizagens
Atividade 4 – Seminário de Educação Ambiental Escolar
Atividade 5 – Saídas de Estudo
Atividade 6 – Palestras Temáticas
Atividade 7 – Ações das Turmas
Atividade 8 – Mostra de Arte Ecológica
Visando a construção dos projetos de pesquisa, cada turma teve que, inicialmente, observar o ambiente
escolar de forma crítica. Essa atividade teve como foco refletir sobre questões locais de cunho
socioambientais. Nessa etapa, os educandos foram estimulados a analisar os modos de vida e de produção que
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proporcionam os padrões de consumo e seus impactos no ambiente, a partir do ambiente escolar, reconhecendo-
se como parte da problemática socioambiental ali presente. Os pontos observados foram coletivamente
organizados e registrado em tabelas, gráficos e listas.

Os educandos seguiram para a escrita do projeto de pesquisa das turmas, que levou em consideração
a problemática socioambiental identificados na etapa anterior. Os educandos foram estimulados a refletirem
sobre as causas, fatores relacionados e possibilidades criativas de superação do desequilíbrio socioambiental
identificado. Essa etapa exigiu o protagonismo dos educandos, em busca de uma escrita autoral.

Com a aprovação da equipe gestora e dos demais educadores da escola, os educandos iniciaram a
pesquisa bibliográfica e coleta de dados. O objetivo dessa etapa foi possibilitar que os educandos
constituíssem um conjunto estruturado de argumentos que fundamentassem suas propostas e planos de ação.
Esse momento esteve pautado na formulação de perguntas e construção coletiva de respostas.

Na etapa seguinte, o desafio dos educandos foi organizar suas aprendizagens iniciais. Nesse
momento, eles foram provocados a refletir sobre as informações levantadas na pesquisa, as experiências
vivenciadas no processo e as implicações das aprendizagens construídas e seu potencial para planejar ações
comprometidas com a transformação da realidade socioambiental pesquisada.

Para que a comunidade escolar conhecesse as produções das turmas, na etapa seguinte foi organizado o
Seminário de Educação Ambiental Escolar. Nesse evento, as turmas apresentaram para a comunidade escolar
os resultados do trabalho desenvolvido até aquele momento. Nessa atividade, o comprometimento dos
representantes das turmas e a parceria com as titulares das mesmas foi o diferencial entre as apresentações.

Cada turma procurou enriquecer o trabalho em desenvolvimento e para isso assistiram palestras
temáticas, realizaramsaídas de estudo e fizeram uma revisão bibliográfica complementar sobre o tema de suas
pesquisas. O maior desafio desse momento foi o de adequar os agendamentos aos tempos escolares.

Dentro do processo de avaliação das pesquisas, as turmas tiveram a tarefa de transformar as


aprendizagens em ações. Utilizando-se de linguagens artísticas – com teatro, dança, música, poesia e artes
plásticas –, as turmas apresentaram os princípios da educação ambiental transformadora através da arte. O
potencial de criação dos educandos foi expresso nessa etapa, onde a preocupação foi disseminar as
aprendizagens construídas.

Por fim, foi realizada a Mostra de Vivências Artístico-Ambientais. Essa atividade teve como objetivo
a socialização das produções das turmas com toda a comunidade escolar, promovendo o fechamento de um
ciclo de trocas e aprendizagens. Foi um dia colorido, alegre e cheio de ensinamentos, onde os educandos
assumiram definitivamente sua posição de protagonismo para todos os convidados e entre si.

413
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Todas as etapas foram acompanhadas e sistematicamente registradas pelos educandos no diário de
campo coletivo de cada turma e a divulgação das aprendizagens e atividades desenvolvidas foi realizada no
blog do Projeto VIDAA224. A cada aula, procurávamos os avanços construídos e os horizontes planejados,
buscando sempre avançar na pesquisa de forma autoral, expressando o protagonismo do educando no cotidiano
da sala de aula nos momentos vividos fora dela.

Um projeto de EAE pautado na metodologia de ensino-aprendizagem pela pesquisa é mais do que um


conjunto de objetivos, justificativa e etapas a vencer. É um processo metodológico que possibilita aos sujeitos
envolvidos o desenvolvimento do equilíbrio entre as exigências subjetivas de uma política educacional e os
anseios pedagógicos de uma formação crítica; é criar as condições necessárias ao crescimento coletivo, tanto
cognitivo quanto social, através de uma prática pedagógica pautada no acolhimento, no questionamento, no
respeito e na coerência.

A partir da experiência relatada, é reforçada a convicção de que a Educação Ambiental Escolar tem o
potencial de criar espaços de observação, reflexão e compreensão da realidade socioambiental, e sua
problemática atual, de maneira interdisciplinar. Para tanto, é preciso promover a metodologia de ensino-
aprendizagem que vise a construção de uma aprendizagem pautada na leitura de mundo e na autonomia, através
do trabalho colaborativo e da integração da linguagem artística e científica para a organização das
aprendizagens dos educandos.

Porém, a construção de uma escola sustentável envolve uma discussão muito maior do que aquela que é
possível ser feita em dois períodos semanais, durante um semestre letivo. Deve ser um debate assumido por
todas as turmas com seus titulares no cotidiano escolar, da comunidade escolar que vive o intercâmbio entre os
ambientes no entorno da escola, dos educandos com suas famílias na realidade fora da escola e de toda a
comunidade com o poder público nos espaços de construção da democracia.

Palavras finais

Levar um projeto de Educação Ambiental Transformadora para uma escola não é uma tarefa fácil.
Muitos dos ideais presentes nessa proposta de EA encontram resistências no cotidiano escolar, onde a utilização
dos tempos e espaços são bem demarcados e pouco flexíveis.

Os educandos estranharam a proposta, pois inicialmente não sabiam o que fazer com o poder de decisão
e com as divergências que surgiam. Foi preciso muita perseverança, criatividade pedagógica e coerência para

224 www.sustentabilidadedasaladeaula.blogspot.com

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que eles começassem a se sentir parte do processo de construção de suas aprendizagens em busca de uma
participação protagonista e autoral.

A experiência relatada mostra, portanto, que a criação de condições favoráveis para o protagonismo do
educando contribui para a qualificação do processo educativo escolar. A construção coletiva de projetos de
pesquisa integrando ciência e arte, tornam-se um projeto de reflexão e ação enquanto proporciona uma
aprendizagem contextualizada e interdisciplinar que se manifesta dentro e fora dos muros escolares.

O jogo democrático esteve presente em todo momento, acompanhado das ressalvas que envolvem sua
presença no ambiente social: A cada debate, foi preciso reforçar a importância do momento de expor as ideias;
a cada atividade que exigia a construção coletiva, foi necessária a defesa do equilíbrio entre o ouvir e o falar,
entre o liderar e o seguir, entre o criar e o criticar; a cada leitura, foi vital incentivar e exemplificar a
identificação do cerne do texto e o processo de reflexão para a construção de ideias próprias; a cada votação, foi
fundamental valorizar as escolhas conscientes contrapondo os discursos competitivos ou derrotistas que
surgiam.

Mais do que atingir os objetivos propostos, a experiência com pesquisa integrando os conteúdos
curriculares, expressos nas linguagens científica e artística, se mostrou uma possibilidade didático-
metodológica eficaz para educadores dispostos a inserir os princípios freireanos, inseridos na Educação
Ambiental Transformadora, no cotidiano escolar.

Referências

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Ambiental. Brasília: Diário Oficial da União,
2012.

_______. Política Nacional da Educação Ambiental. Brasília: Diário Oficial da União, 1999.

LOUREIRO e COSTA, C. A. Educação Ambiental Crítica e Interdisciplinaridade: a contribuição da


dialética materialista na determinação conceitual. NUPEAT-IESA. UFG, v. 3, n. 1, jan-jun, 2013. p. 1-22,
artigo 34.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,
2002.

SATO, M e PASSOS, L. Notas desafinadas do poder do saber: qual é a rima necessária à educação ambiental?
Contrapontos - volume 3 - n. 1 - p. 9-26 - Itajaí, jan./abr. De 2003.

415
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OS LIMITES E AS POSSIBILIDADES DA EDUCAÇÃO NA GESTÃO AMBIENTAL
NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR (IES):
A EXPERIÊNCIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE
POZENATO, Maryanna Oliveira225
KITZMANN, Dione226
RESUMO

Este artigo tem por objetivo contextualizar a Educação Ambiental (EA) dentro dos processos de Gestão
Ambiental nas Instituições de Ensino Superior (IES) a partir da experiência na Universidade Federal do Rio
Grande (FURG). Esta contextualização se deu por meio do exercício de interpretação da Tríade das Práticas da
Gestão Ambiental (PGAs), destacando-se o papel da EA no processo, através da ênfase na dimensão Pessoas.
Por meio deste foi possível identificar os limites e as possibilidades da mesma dentro do contexto das ações
institucionais referentes à Gestão Ambiental Institucional. Identificou-se também que a EA neste contexto não
se apresenta de forma menos complexa do que em qualquer outro espaço, que esta se faz tão importante quanto
as demais concepções de Educação Ambiental, e que entre os limites e as possibilidades há sempre o que se
possa fazer.
Palavras-chave: Educação Ambiental. Gestão Ambiental Pública. Universidade.

Instituições de Educação Superior (IES) e a dimensão socioambiental

As universidades, em especial como promotoras do processo de construção do conhecimento, e as


demais Instituições de Educação Superior (IES) em termos amplos, como responsáveis por processos de
formação profissional também possuem uma tarefa de histórica responsabilidade na difusão da dimensão
socioambiental (RUSCHEINSKY et al., 2015).

Sorrentino et al. (2011) enfatizam o importante papel das universidades na sociedade, onde para os
autores:

As universidades ainda são importantes referências para as sociedades que as abrigam e mantêm
como centros de produção de conhecimentos e possibilidades de soluções para os problemas por
ela vivenciados, como oportunidade de melhoria da qualidade de vida e como local de formação
de nosso povo. Nesse sentido, o que nela é feito e como ela o realiza, pode servir como
parâmetro para diversos setores da sociedade. (SORRENTINO et al. 2011, p.23).
Evidencia-se assim a importância e a responsabilidade que as IES assumem perante a sociedade,
apresentando desta forma a necessidade de educar pelo exemplo, pois estas assumem o caráter de referência,
segundo Milton Santos (SANTOS, 1998 p. 57 apud SORRENTINO 2011, p 22) é urgente e cabe à universidade
rever o seu caminho atual.

Desta forma pode se dizer que:

225
Tecnóloga em Gestão Ambiental e Discente do Programa de Pós Graduação em Educação Ambienta – PPGEA. Universidade
Federal do Rio Grande (FURG), marypozenato@gmail.com.
226
Doutora em Educação Ambiental e Docente do Programa de Pós Graduação em Educação Ambienta – PPGEA. Universidade
Federal do Rio Grande (FURG), docdione@furg.br.
416
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A sociedade espera que a universidade lidere o caminho da incorporação da sustentabilidade,
seja articulando ações ambientais na rotina administrativa ou pedagógica, seja promovendo a
vivência de experiências interdisciplinares em espaços, por sua natureza, caracterizados pela
pluralidade (LEITE et al. 2014, p. 49)

Ao incluir a dimensão socioambiental nas suas discussões, seja nas ações de ensino, pesquisa, extensão
e gestão as IES indicam o compromisso e a responsabilidade que assumem para a transformação efetiva com
ênfase na sustentabilidade socioambiental, contribuindo assim e a partir de seus espaços educativos para a
construção de sociedades mais sustentáveis.

A experiência a partir da Universidade Federal do Rio Grande: da Gestão à Educação Ambiental

A Universidade Federal do Rio Grande (FURG) instituída em 1969 apresenta uma comunidade
universitária constituída em torno de 14 mil pessoas (dentre Docentes, Discentes, Técnicos Administrativos em
Educação e Servidores Terceirizados). A instituição está distribuída em quatro campi nas cidades de Rio
Grande (Campus Carreiros), Santo Antônio da Patrulha, Santa Vitória do Palmar e São Lourenço do Sul, e uma
Unidade de Saúde (Hospital Universitário - HU), todas localizadas na zona costeira do Rio Grande do Sul.

Por sua significativa população universitária a FURG pode ser comparada ao complexo funcionamento
de uma cidade, em sua rica diversidade de ecossistemas, pessoas, saberes e culturas.

A FURG apresenta como missão segundo o seu Projeto Pedagógico Institucional (PPI 2011-2022, p.5)
―promover o avanço do conhecimento e a educação plena com excelência, formando profissionais capazes de
contribuir para o desenvolvimento humano e a melhoria da qualidade socioambiental‖, como vocação por estar
situada em um ecossistema de zona costeira identifica-se como uma ―universidade voltada para os ecossistemas
costeiros e oceânicos‖ e ―expressa seu compromisso socioambiental e seu alinhamento com o desenvolvimento
local, regional, nacional e global, envolvendo todas as áreas do conhecimento‖ (PPI, 2011-2022, p. 4).

Em seu Plano Político Pedagógico de 2004, citado no atual Projeto Pedagógico Institucional (2011-
2022) a universidade reconhece a interdependência entre sujeito e ambiente e o seu papel sobre estes.

(...) a Instituição prima pela formação acadêmica marcada pela qualidade formal e política,
fundamentada em metodologias que destaquem a sensibilidade solidária para com o meio
ambiente, do qual somos inextricavelmente parte constituidora, determinante e determinada
(PPP, 2004, p. 4 ).

Apesar de a FURG apresentar e reconhecer o seu compromisso com a dimensão socioambiental desde
suas origens nas suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, foi apenas a partir do ano de 2011 que a
universidade agregou a dimensão socioambiental nas suas atividades de Gestão Institucional, organizando-se
assim os processos de Gestão Ambiental Institucional o que consolidou em 2014 (após aceleramento frente às
intervenções externas dos órgãos ambientais licenciadores) com a instituição da Política Ambiental (PA) da
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universidade, configurando-se este como um processo relativamente novo frente sua longa trajetória de
destaque no âmbito educacional e principalmente de referência local.

Sobre a dimensão da gestão Sorrentino et al. (2011) destaca a inclusão desta sobre o tripé do ensino,
pesquisa e extensão, tornando-se esta também um papel de destaque nas universidades:

Ao tripé ensino/pesquisa/extensão, que caracteriza a Universidade, previsto na Constituição


Brasileira de 1988 e consolidado ao longo da história dessa instituição em todo o Planeta,
agrega-se a dimensão de ―gestão‖ cotidiana de todos os seus processos (SORRENTINO et al.
2011, p. 22).

O autor aponta ainda que muitas IES no Brasil não desenvolvem atividades socioambientais em todas as
suas dimensões e evidenciam que apontá-las pode servir de estimulo ao diálogo sobre a necessidade e as
possibilidades de incorporar as mesmas em seus cotidianos, e que desta forma estariam comprometidas com a
sustentabilidade socioambiental.

No âmbito da FURG a complexa Gestão Institucional da universidade é realizada pela Administração


Superior através da Reitoria e esta articulada a mais sete Pró-reitorias sendo: Pró-Reitoria de Extensão e Cultura
(PROEXC), Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD), Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPESP),
Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE), Pró-Reitoria de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas
(PROGEP), Pró-Reitoria de Infraestrutura (PROINFRA), Pró-Reitoria de Planejamento e Administração
(PROPLAD).

Dentro deste contexto agrega-se a Gestão Ambiental Institucional a qual se compreende como sendo
aquelas ações e atividades ligadas à dimensão socioambiental promovidas e orientadas pelos gestores
responsáveis pela organização dos processos institucionais, com vista à adequação e à melhoria contínua da
instituição e da qualidade socioambiental como um todo.

Para Leite et al. (2014, p. 50) ―a gestão ambiental em uma IES remete a uma questão complexa, imposta
pelo próprio conceito de ambiente que envolve desde questões socioeconômicas até aquelas relacionadas à
diversidade cultural e natural em diferentes escalas.‖

Dentro deste cenário, as atividades referentes à Gestão Ambiental Institucional são aquelas referentes a
planos e programas (planejamento) e/ou a adequações estruturais (infraestrutura) ligadas aos temas de Água,
Urbanismo, Bidiversidade, Energia, Mobilidade, Resíduos, Contratação Responsável, Licenciamento e
Auditoria ambiental, entre outros.

Perante a complexa Gestão Institucional subdividida entre Pró-reitorias e diferentes atores e tomadores
de decisão, todos condicionados pelas normativas da Gestão Pública, a Gestão Ambiental Institucional, a
depender das atividades as quais se propõe desenvolver, articula-se e perpassa por essas diversas subdivisões,

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adquirindo dessa forma o caráter transversal, e, por dialogar com os diversos atores envolvidos nos processos
de organização institucional adquire um caráter multidisciplinar.

Mas, e a Educação Ambiental neste contexto de Gestão Ambiental Institucional?

A Gestão Ambiental Institucional, a depender do âmbito da atividade a qual irá se realizar ainda pode (e
deve) interagir com as diferentes áreas e atividades ligadas ao ensino, pesquisa, extensão e ainda com as ações
de capacitação dos funcionários, sendo o espaço especialmente propício ao desenvolvimento e integração da
Educação Ambiental. Desta forma, a EA deve ―estimular e facilitar, por diversos meios, o engajamento de
estudantes, docentes e funcionários nas ações socioambientalistas promovidas pela instituição e/ou na
instituição‖ (SORRENTINO et al. 2011, p.28), seja ela através do desenvolvimento e aplicação de
metodologias para o envolvimento e a participação da comunidade universitária na Coleta Seletiva da
universidade, seja através de princípios e objetivos presente nos processos de tomada de decisão dos gestores.

Ao falar em Educação na Gestão Ambiental Institucional podemos chegar a Morin (2003 p. 99) e à
impossibilidade lógica de que ―não se pode reformar a instituição sem uma prévia reforma das mentes, mas não
se podem reformar as mentes sem uma prévia reforma das instituições‖.
Interpretando a fala do autor neste contexto, pode-se entender como a necessidade da reforma da
instituição estar em consonância com a reforma das mentes, da mesma forma como a Gestão em consonância
com a Educação Ambiental, evidenciando a importância da mesma nos processos de transformação
institucional. Qual é a superação do impasse: É preciso começar de alguma forma, até que ―a ideia é
disseminada e, quando se difunde, torna-se uma força atuante‖.

Os limites e as possibilidades da EA e a Tríade das Práticas da Gestão Ambiental (PGAs)

Após contextualizar o processo de Gestão Ambiental Institucional em IES foi possível articular o
mesmo à Tríade das Práticas de Gestão Ambiental (PGA‘s) (Figura 1) proposta por Kitzmann (2009).

Figura 1: Tríade das Práticas de Gestão Ambiental (PGAs).

Fonte: Kitzmann (2010).

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Segundo Kitzmann et al. (2011):

Esse triângulo une todos os elementos de tal forma que as Práticas de Gestão Ambiental (PGAs)
constituem um conjunto indissociável desses três elementos. A Infraestrutura e o Planejamento
estão interligados de forma inerente à gestão ambiental, e ainda, ligam-se às pessoas, por meio
de Educação Profissional e Educação Ambiental. (KITZMANN; KNUTH; MENDES, 2011).

A partir desta articulação podem ser identificados os limites e as possibilidades da EA na GA.

A infraestrutura uma de suas articulações se consolida por meio de estruturas e equipamentos sendo
estes fundamentais para o desenvolvimento da Gestão Ambiental, como por exemplo, estações de tratamento de
esgoto e coletores de resíduos e uma central temporária de resíduos perigosos.

O planejamento na base propicia estabelecer as metas e os objetivos e programar as ações para a


transformação institucional. As mais bem sucedidas tomadas de decisões resultam de um intenso planejamento.

As Pessoas no topo do triângulo constituem a dimensão mais importante, que viabiliza as demais, ao
mesmo tempo em que depende destas. Nesse contexto, os processos de Educação Ambiental fazem tanto o seu
envolvimento nos planos, programas e atividades de Gestão Ambiental Institucional, quanto devem realizar um
processo educativo que contribua para a constituição de cidadãos ambientais.

Para Kitzmann (2015):

(...) são as Pessoas que constituem a dimensão mais importante, mas nem sempre valorizada ou
evidenciada como tal, devendo os processos de Educação Ambiental (para sensibilização e
comprometimento) e as capacitações ambientais (para domínio técnico) fazerem o envolvimento
das mesmas nos planos e programas de gestão ambiental. (KITZMANN et. al, 2015 p. 254).

Após a interpretação da Tríade das Práticas de Gestão Ambiental (PGAs) observa-se que as ações de
EA na Gestão Ambiental nas IES para serem efetivas e apresentarem resultados transformadores, é preciso que
os constituintes do triângulo – as dimensões Pessoas-Infraestruturas-Planejamento – se integrem e articulem
para a melhoria contínua da instituição, contribuindo assim para a qualidade socioambiental como um todo.

Se as dimensões compreendidas em Infraestrutura e Planejamento apresentam fragilidades, as mesmas


não oferecem o aporte suficiente para que a dimensão Pessoas (entendidas aqui como as potencialidades da EA
dentro da Gestão Ambiental) integre e potencialize o processo de transformação da realidade, fazendo com que
ao ponto desta fragilização, limitam-se as possibilidades da Educação Ambiental neste processo, mostrando
desta forma a importância da convergência e do equilíbrio entre as três dimensões da Tríade das Práticas de
Gestão Ambiental (PGAs) para que as devidas e necessárias transformações possam acontecer.

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Ainda sobre a dimensão Pessoas e as possibilidades da EA neste processo Sorrentino et al. (2011) nos
diz que:

(...) A EA nas IES pode cumprir dois papéis: (i) o de educar a própria instituição para ela
incorporar a questão ambiental no seu cotidiano - a ambientalização da Instituição, presente em
todas as suas atividades de ensino, pesquisa, extensão e gestão; (ii) e o de contribuir para educar
ambientalmente - um projeto ambientalista de país e as ações educadoras com ele
comprometidas (SORRENTINO et al, 2011. p. 22).

Através da fala do autor identificam-se as possibilidades da EA dentro do contexto universitário, a qual


no primeiro ponto demonstra-se claramente o espaço e a importância da Educação nos processos de Gestão
Ambiental Institucional, através do ―educar a própria instituição‖, na ambientalização institucional.

No segundo ponto demostra-se, também de forma clara, a potencialidade da Educação Ambiental no


processo de ambientalização curricular que para Kitzmann (2007) significa ―inserir a dimensão socioambiental
onde ela não existe ou está tratada de forma inadequada‖ (KITZMANN, 2007, p. 554 apud GUERRA et. al
2015, p.25).

Considerações Finais

Este artigo buscou contextualizar a Educação Ambiental dentro dos processos de Gestão Ambiental em
Instituições de Ensino Superior a partir da experiência na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), e por
meio da Tríade das Práticas da Gestão Ambiental (PGAs) a fim de possibilitar o entendimento dos seus limites
e possibilidades dentro deste contexto institucional.

Através do exercício de interpretação da Tríade das Práticas da Gestão Ambiental (PGAs) destacando-
se o papel da Educação Ambiental observa-se que a mesma está apenas em uma das dimensões que compõe
este triângulo de práticas, compreendida na dimensão Pessoas e que mesmo esta sendo considerada a mais
importante, se apresenta limitada quando a base compreendida pelas dimensões Planejamento-Infraestrutura
estão fragilizadas, comprometendo desta forma os possíveis processos educativos a ser desenvolvidos.

Um exemplo neste sentido é o de que, ao se promover uma campanha para o envolvimento da


comunidade universitária na coleta seletiva, se os coletores de resíduos estiverem inadequados (em termos de
cores e identificação) e os planejamentos referentes aos dias de recolhimento ou de destinação destes resíduos
apresentarem algum problema, fragiliza-se todo o processo de Educação Ambiental pensado inicialmente. Uma
das explicações é que pode ocorrer uma dissonância cognitiva entre o que é trabalhado em termos de EA e a
realidade ao redor do sujeito.

Portanto conclui-se que a Educação nos processos de Gestão Ambiental Institucional não se apresenta
de forma menos complexa do que em qualquer outro espaço que esta possa ocupar, e que a mesma se faz tão
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importante quanto às demais concepções de Educação Ambiental, retomando Quintas (2007, p. 136) ―ao se
falar em Educação no Processo de Gestão Ambiental, não está se falando de uma nova Educação Ambiental.
Mas, em uma outra concepção de educação que toma o espaço da gestão ambiental‖(...).

E entre os limites e as possibilidades há sempre o que se possa fazer!

Referências

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Paulo. 2003.

KITZMANN, D. et al. O Estado da Arte da Adequação Ambiental na Universidade Federal do Rio Grande –
FURG. Revista Contrapontos. Itajaí –SC. Vol.15. n 2. mai/ago, 2015. p. 243-260. Disponível em:
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Profissional Marítimo – EPM. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental –
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Mestr. Educ. Ambient, v. 18, p. 553-574, 2007 in: GUERRA, A. F. S. et al. A ambientalização na Educação
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KITZMANN, D.; KNUTH, F. G.; MENDES, P. M. A Educação Ambiental nos Sistemas de Gestão Ambiental
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SORRENTINO, Marcos. NASCIMENTO, Elimar. Portugal, Simone. Universidade, Educação Ambiental e
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QUINTAS, J. Educação na Gestão Ambiental Pública. Encontros e Caminhos: Formação de Educadoras(es)


Ambientais. Volume 2. p. 133-144. Brasília. 2007.

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OS SABERES DOS ACADÊMICOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO CURSO DE
LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO UAB/UFPel: UMA ANÁLISE À LUZ
DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL ECOMUNITARISTA

Raquel Alves PereiraAvila227


Augusto Luis Medeiros Amaral228

Resumo
O presente artigo trata-se de uma pesquisa concluída e analisou o eixo de Educação Ambiental, na turma 1, do
Curso de Licenciatura em Educação do Campo - UAB/UFPel. Este texto é um recorte da pesquisa e vai abordar
os saberes dos acadêmicos no eixo de Educação Ambiental. A análise foi realizada a partir de entrevista
semiestruturada com os acadêmicos. O objetivo é analisar as convergências e divergências da Educação
Ambiental do curso, em relação à Educação AmbientalEcomunitarista, para compreender as potencialidades da
emergência de uma Educação Ambiental problematizadora e que engloba a crítica da presente crise
socioambiental e a busca de ações transformadoras.O estudo tem como critério para análise, os pressupostos da
EA Ecomunitarista. A metodologia utilizada é o Estudo de Caso, de natureza qualitativa. Os dados revelam que
o curso apresenta muitos aspectos convergentes com a EA Ecomunitarista, mas não trabalha na proposta de
superação do modelo de sociedade capitalista. Verificou-se a carência de uma abordagem metodológica para
trabalhar a EA no Ensino Infantil e também a deficiência de temas na área de ecologia. Um aspecto importante
e que convergente com a educação ambiental ecomunitarista é a relação da teoria e prática na realização de
projetos de extensão no eixo de Educação Ambiental.
Palavras-chave:Educação Ambiental Ecomunitarista. Educação Ambiental.Educação do Campo.

Introdução

O presente artigo baseia-se em uma pesquisa concluída no curso de mestrado do Programa de Pós-graduação
em Educação Ambiental (PPGEA/FURG), defendida em 2014 e financiada pela CAPES. A pesquisa foi
realizada na turma 1 do curso de Licenciatura em Educação do Campo – Modalidade a Distância (UAB/UFPel),
especificamente no eixo de ECO – Educação Ambiental. O período letivo da turma 1, desenvolveu-se entre 31
de agosto de 2009 e o segundo semestre de 2013.
O objetivo é analisar as entrevistas dos acadêmicos tendo como critério de análise, a perspectiva da Educação
Ambiental Ecomunitarista, no que tange as convergências e divergências com essa teoria.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa tipo Estudo de Caso e, na dissertação,foi realizada uma entrevista
semiestruturada com os acadêmicos, professores, tutores a distância, tutor presencial, professor pesquisador e
coordenador do curso. Neste artigo, iremos abordar a análise das entrevistas com os acadêmicos do eixo de
ECO - Educação Ambiental. Das 8 cidades/polos, 7 participaram da pesquisa, sendo 1 acadêmico de cada um
dos seguintes polos: Itaqui, Rosário do Sul, São Francisco de Paula, São Lourenço do Sul, São Sepé, Sapiranga

227
Mestre em Educação Ambiental. UFPEL. E-mail: raquelavila111@gmail.com
228
Doutor em Educação Ambiental. FURG. E-mail: augustoamaral@hotmail.com

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e Sapucaia do Sul.As entrevistas com os acadêmicos dos polos, residentes nas cidades em que o curso é
ofertado, foram do tipo online, síncrona isolada (ao mesmo tempo, mas em espaços diferentes), via
comunicação de voz pelo ―Skype‖, devidamente gravado o áudio. Inicialmente, alguns polos não responderam
ao convite de participação, por isso, algumas entrevistas desenvolveram-se também através de bate-papo pelo
Gmail.
Com base no Projeto Pedagógico de 2008, que foi consultado na dissertação (atualmente o Projeto Pedagógico
foi atualizado), os Estudos Colaborativos (ECO) fazem parte de um dos núcleos do currículo do curso e tem a
função de aprofundar os conhecimentos em áreas específicas da atuação docente, dentre elas, a Educação
Ambiental. Os Estudos Colaborativos apresentam as seguintes temáticas: Educação Ambiental, Educação
Infantil, Educação para os anos iniciais do ensino fundamental de nove anos, Educação Especial, Educação para
Jovens e Adultos (EJA), Gestão Escolar, Educação e Tecnologias e Educação e Folclore.
No 3°. Semestre do curso, os acadêmicos escolhem uma dessas temáticas e prosseguem com ela até o 7°.
semestre (ECO I, II, III, IV e V), sendo que no último eixo de ECO (V), os alunos executarão um projeto que
foi sendo elaborado nos eixos anteriores, pertinente à temática que será implantada na escola parceira (escola
que o aluno está realizando o estágio de ECO). Dessa forma, a temática de Educação Ambiental é de caráter
optativo.
A proposta do curso de Licenciatura em Educação do Campo prioriza a formação de profissionais da educação
capazes de atender às especificidades que caracterizam as áreas rurais e também de periferia urbana,
caracterizada por uma população trabalhadora rural ou vinculada a atividades produtivas que dependem das
condições de produção do meio rural, ou seja, municípios rurais ou rururbanos. Essas populações, vivendo ou
não no campo, desenvolvem uma cultura própria, com hábitos e relações que buscam reproduzir características
do campo.

A Educação Ambiental Ecomunitarista

A educação, na sua compreensão ambiental, emergiu nas décadas de 60 e 70 a partir da tomada de consciência
dos problemas ambientais decorrentes da poluição e devastação dos recursos naturais originários da
intensificação e expansão do sistema capitalista de produção, distribuição e consumo. A concepção
problematizadora e libertadora da educação ambiental à luz do Ecomunitarismo, tem um caráter ético e político,
visando à problematização das questões socioambientais para a sua transformação.
A Educação Ambiental Ecomunitarista, com base no Ecomunitarismo, propõe uma educação revolucionária
que contesta o sistema capitalista e vislumbra uma sociedade pós-capitalista, descrevendo os parâmetros dessa
nova sociedade e propondo atitudes que se fazem necessárias, mesmo dentro do capitalismo, para que se
concretizem as transformações com vistas à busca da superação da alienação e opressão dos seres humanos. O
Ecomunitarismo confere à Educação Ambiental, um caráter político-pedagógico, intrinsecamente ligado à

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transformação social, por isso, a EA Ecomunitarista tem um caráter que integra a sociedade e a natureza de
forma dialética.
A Educação Ambiental Ecomunitarista fundamenta-se na ética argumentativa da libertação, segundo a qual:
devemos dialogar com os outros, é bom fazê-lo no contexto da ação teórico-prática de desvelamento crítico e
transformação libertadora da realidade, e devemos buscar uma ordem socioambiental sustentável. Lopez
Velasco (2008, p. 38) define ―libertação‖ como o processo histórico de desenvolvimento da liberdade de
decisão consensual a propósito de nossas vidas através da discussão e da luta contra as instâncias de dominação
intersubjetiva e de auto-repressão alienada. Desse processo de libertação faz parte o estabelecimento de
relações produtivas e estéticas de caráter preservador-regenerador entre os seres humanos e o restante da
natureza.
A compreensão naturalista separa o homem da natureza. O meio ambiente é uma teia de interações entre
cultura, sociedade, base física e biológica dos processos vitais, no qual todos se modificam dinâmica e
mutuamente, por isso, o trabalho da educação ambiental precisa ter uma visão da totalidade das questões
ambientais locais e regionais, um agir e pensar local e global.
Para a educação formal, Lopez Velasco (2012, p. 36) propõe as seguintes diretrizes:
1) Vincular os conteúdos a problemas socioambientais da vida dos alunos e dos brasileiros nas áreas de:
produção, distribuição, consumo, lixo, classes sociais, alimentação, saúde, moradia, higiene, lazer, sexualidade
e ecologia. Trabalhar essas questões como temas transversais e incluir nos conteúdos específicos;
2) Promover a pesquisa coletiva e individual. O professor deve exercer o papel de ―auxiliar de planejamento,
observação, elaboração de hipóteses, testes das mesmas e elaboração de resultados‖, numa atividade
investigativa que visa à redescoberta, reconstrução dos conhecimentos mediante a reflexão dialogada;
3) Fazer trabalhos de campo e/ou criar espaços, mesmo que modestos, na própria escola ou instituição
educativa, voltados para atividades de pesquisa descritiva ou experimental;
4) Dialogar na escola e/ou ―in loco‖ com conhecedores do tema em estudo, visando a integração dos
conhecimentos técnicos e as suas implicações socioambientais;
5) A partir do trabalho coletivo de investigação e sistematização elaboradas com a ajuda do professor e de
conhecedores, promover ações voltadas a informação e intervenção na busca de soluções para problemas
socioambientais existentes na escola ou instituição educativa, no entorno desta, no bairro de residência dos
alunos e/ou na localidade onde for realizada a pesquisa.
A prática de uma pedagogia problematizadora nos cursos de formação de professores é fundamental para a
multiplicação da leitura crítica do capitalismo e sua inserção transformadora no processo de libertação (LOPEZ
VELASCO, 2012, p. 162).
A pedagogia problematizadora visa formar professores capazes de problematizar a realidade social vigente para
a sua superação e transformação libertadora, que conduzam a uma sociedade com relações horizontais. A
problematização da realidade implica inserir a competência científica a serviço da luta dos oprimidos e
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trabalhar os conteúdos a partir do ideal de superação da condição opressora, num processo de conscientização e,
consequentemente, transformação de si e do meio onde vive.
A pedagogia do oprimido é aquela que tem que ser forjada com ele e não para ele. Pedagogia que faça da
opressão e de suas causas, objeto da reflexão, de que resulta no seu engajamento necessário na luta por sua
libertação (vocação histórica do ―ser mais‖) (FREIRE, 2011, p. 43).
A concepção problematizadora parte da análise da própria realidade para compreender os problemas e superá-
los, em contrapartida, a concepção ―bancária‖ não abre espaço para a problematização. A EA tem a importante
e difícil tarefa de estabelecer o diálogo inter e transdisciplinar e agir na problematização dos homens em suas
relações com o mundo, desenvolvendo sua capacidade de participação da vida social de forma crítica e
investigativa, isso significa que a aprendizagem de um conhecimento deve ser útil para transformar a realidade.
A formação do professor deve capacitá-lo a perceber o vínculo entre a educação e a política, no intuito de
entender e criticar essa ligação entre a ciência e a dominação numa sociedade capitalista. Isso é possível com o
trabalho de contextualização dos conteúdos com a realidade, por isso, o professor precisa estar informado e
atualizado dos acontecimentos tendo uma postura crítica e posicionando-se a favor dos oprimidos. O educador
problematizador compreende que a sociedade é dividida em classes e que a educação é uma das ferramentas
que as classes dominantes utilizam para perpetuar-se no poder e produzir indivíduos acríticos e passivos. Por
isso, ele pode e deve encontrar um espaço dentro do sistema educacional concebido, formando cidadãos críticos
da opressão e engajados na luta por sua superação.
O Ecomunitarismo é compreendido como um horizonte utópico (irrealizável na sua plenitude, mas
indispensável guia para a ação) de uma ordem socioambiental, no qual fazem parte os seguintes pressupostos:a)
uma economia ecológica e solidária sem patrões, sem dinheiro e sem desemprego que preserva-regenera a
saúde da natureza humana e não humana e articula-se com base no princípio ‗de cada um segundo sua
capacidade e a cada um segundo suas necessidades‘; b) uma erótica do prazer compartilhado, não sexista e não
repressiva; c) uma pedagogia ambiental problematizadora; d) uma política de todos; e) uma comunicação livre
e simétrica baseada na mídia comunitária associativa, expropriando as oligarquias do seu monopólio (LOPEZ
VELASCO, 2012, p. 17).

Análise das entrevistas com os acadêmicos: saberes da Educação Ambiental

As entrevistas com os acadêmicos do eixo de Educação Ambiental tiveram como critério de análise a Educação
Ambiental Ecomunitarista. Os acadêmicos foram identificados da seguinte forma: Acadêmica 7 do polo de São
Sepé, acadêmica 6 de Sapiranga, acadêmica 5 de São Francisco de Paula, acadêmica 4 de Itaqui, acadêmica 3
de São Lourenço do Sul, acadêmica 2 de Rosário do Sul e acadêmico 1 de Sapucaia do Sul.
O eixo de Educação Ambiental, principalmente a última etapa, que se constituina implementação dos projetos,
promoveu uma imersão dos alunos na escola e no seu entorno. A relação da teoria e prática desenvolve o senso

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crítico e a formação de um professor pesquisador. A elaboração de um projeto e a sua execução requerem
autonomia nos estudos, criatividade e desenvolvimento de habilidades, o que constatou-se no discurso dos
acadêmicos.
A acadêmica 6 comenta a sua experiência no projeto: ―(...) Consegui, com apoio dos meus colegas de escola
desenvolver um projeto de conscientização ambiental, realizamos plantio de árvores, construção de horta
suspensa, horta caracol, separação do lixo na escola toda...Claro, esse é um projeto que ainda está
engatinhando, mas tomou proporções bem legais e atingiu uma grande parte da comunidade‖. (AVILA, 2014,
p. 218). Esse é um dos projetos de extensão que os alunos realizaram no eixo de Educação Ambiental, que
mobilizou a comunidade escolar e aproxima-se da Educação Ambiental Ecomunitarista, nos aspectos de
articulação teórico-prática e de incentivo a ações coletivas junto à comunidade, com a intenção de resolver, ao
menos parcialmente, os problemas socioambientais do entorno.
Aacademica5, no consentâneo as práticas estimuladas no curso (AVILA, 2014, p. 215), explicou seu projeto de
extensão no eixo de Educação Ambiental e seu trabalho com a comunidade: ―Começamos tirando umas fotos
do lugar com o lixo a céu aberto, apresentamos para a comunidade em uma reunião, e fomos anotando o que
poderíamos fazer para melhorar e não acontecer mais. Tem uma família que tem mais cães do que filhos e tem
muitos filhos, conseguimos castração para quase todas as fêmeas, já que os donos não conseguem alimentar os
animais, eles espalham o lixo. Conseguimos que a prefeitura mandasse um caminhão de coleta uma vez por
semana para esse lixo não se acumular. As famílias aprenderam a separar o lixo e já estão fazendo‖. Esse
projeto da aluna tem convergência com a Educação Ambiental Ecomunitarista, porque desenvolveu ações
coletivas no âmbito da comunidade escolar para resolver, pelo menos parcialmente, as questões
socioambientais estudadas. Nesse caso, os alunos demandaram ao poder público e atuaram em conjunto com a
comunidade na resolução dos problemas socioambientais detectados no bairro e no entorno escolar. Ao
estimular o espírito crítico e a investigação individual e coletiva, a referida atividade contribuiu para que o
professor utilizasse esses dados, contextualizando os conteúdos estudados (atividade própria à formação de
professores-pesquisadores).
No seu planejamento inicial, a acadêmica 4 abordou no seu projeto o tema do uso de agrotóxicos nas lavouras
de arroz da região e seus impactos na saúde humana e ambiental, mas em função de motivos alheios a sua
vontade, teve que abandonar sua ideia inicial e, por isso, optou por fazer uma brinquedoteca na escola.
Dissertando sobre essa questão (AVILA, 2014, p. 201), a aluna explanou sobre a situação dos agricultores das
lavouras de arroz, e sobre as consequências do uso dos produtos químicos: ―(...) ele não tá ali porque ele quer
esse trabalho, ele precisa (...) mesmo eles dizendo e confessando isso pra gente, que eles adoecem e sabem
porque que é, mas precisam colocar o pão na mesa (...) por isso que eu acho importante trabalhar a base da
sociedade que são as crianças, para que no futuro sejam críticas e já criem uma consciência ambiental e
consigam ir para um outro lado, que não seja trabalhar com coisas que contaminem o meio ambiente,
herbicidas, defensivos, coisas que os pais fazem, mas por falta de opção‖.
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Esse relato exemplifica o trabalho alienado, a exploração que não respeita a liberdade de decisão individual, em
que o trabalhador, para sustentar a sua família, é obrigado a cumprir uma atividade nociva a sua saúde. Por isso,
é importante a produção agroecológica, que resguarda a saúde dos trabalhadores, dos ecossistemas, e
consequentemente de toda a região. Os agricultores precisam organizar-se e desenvolver sua própria produção
agroecológica para não depender do trabalho nas grandes lavouras. A solidariedade e a resistência comunitária
podem dar bons resultados nesse caso. A EA Ecomunitarista defende uma abordagem político – pedagógica e,
nesse sentido, tratar das questões econômicas e sociais em conjunto com o aspecto ambiental, já que estão
interligados.
A acadêmica 2 comentou a importância da disciplina (AVILA, 2015, p. 185): ―(...) ela é fundamental, em
princípio, pra manter o jovem no campo também (...) porque quando eu elaborei agora esse projeto, as crianças
ficavam encantadas que iam coloca a mão na terra, com plantas, geralmente isso não se usa em sala de aula,
eles não aprendem na educação e por isso que eu acho que a Educação Ambiental com essa faculdade que eu
escolhi da Educação do Campo, elas tem que andar dentro da sala de aula juntos sim‖.A alunatrabalhou no seu
projeto de Educação Ambiental com horta em pneus, e os seus alunos tocaram na terra e nas plantas e gostaram
muito desse contato. Nesse caso, estimulou a integração e sensibilização dos alunos com os elementos da
natureza (terra, plantas, água, ar, etc.) e o sentir/compreensão de que nós somos natureza e podemos senti-la
como nós mesmos. Essa atitude é fundamental para que aja a conscientização, a sensibilização e o sentido de
cuidado, de preservação e de respeito pelo meio ambiente.
A aluna compreende a Educação Ambiental como ―trabalhar com o meio ambiente‖, ou seja, utiliza o verbo
trabalhar que é ação, transformação de algo. Por ser agricultora, ela vê o meio ambiente como fonte de vida,
trabalho e sustento. Em várias passagens da entrevista, percebe-se que a acadêmica é pessoa muito
comprometida e preocupada com os problemas ambientais, e que articula o ambiente à sociedade,
principalmente quando promove as hortas comunitárias que beneficiam os mais carentes.
Percebe-se ademais, uma integração intensa dos saberes dessa aluna como agricultora com os saberes
acadêmicos do eixo de Educação Ambiental. A história de vida pessoal, o trabalho e a cultura da região
presentes nos projetos dos acadêmicos, conferem uma peculiaridade aos conceitos e aprendizados teóricos dos
eixos que, quando postos em prática, mostram a autonomia e o poder de criatividade de cada aluno. Esses
aspectos convergem com a Educação Ambiental Ecomunitarista, pois incentivam a autonomia de pensamento e
a ação academicamente dirigida.
A acadêmica 7, sobre a integração escola e comunidade, comentou sua experiência no projeto
relativa à importância do eixo de Educação Ambiental para o curso, a aluna referiu-se a preservação e
regeneração da natureza e ao uso de tecnologias ecologicamente sustentáveis:
―Este curso formou professores para trabalharem principalmente no meio rural, por isso acho que este eixo foi o
mais importante. Os indivíduos do campo devem ser educados para produzirem sem agredir a natureza, usarem

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os bens naturais, mas conservá-los, respeitarem mais as florestas e os rios e buscarem formas de
sustentabilidade‖. (AVILA, 2014, p. 222)
A questão da Educação Ambiental ser de caráter optativo foi levantada pelos entrevistados. A acadêmica 6 diz
que: ―Penso que ele deveria ser explorado com todos os graduandos do curso, ficou bem restrito o número de
acadêmicos que fizeram parte deste eixo. Acho muito relevante o assunto, pois todos os educadores devem
pensar e fazer os demais pensarem sobre a Educação Ambiental‖ (AVILA, 2014, p. 218). Já a acadêmica 3
ponderou: ―o eixo é total importância, tanto que não deveria ser somente um eixo optativo e sim uma disciplina
com um maior aprofundamento sobre o tema‖. (AVILA, 2014, p. 194)
A Acadêmica 6 (AVILA, 2014, p. 219) mencionou que sentiu falta de um referencial teórico para trabalhar
metodologicamente os conteúdos de Educação Ambiental para a Educação Infantil: ―No ambiente (moodle)
recebíamos mais referencial teórico para nós, educadores, para desenvolver com os alunos tive que buscar na
biblioteca da escola e até mesmo em sites que possuem um material mais acessível a idade deles‖.Em resposta
ao quesito pertinente a avaliação do eixo (AVILA, 2014, p. 220), a acadêmica 6 sugeriu: ―Acho que poderia
colocar mais ideias de atividades práticas para se desenvolver com os educandos, não que já não houvesse, mas
penso que poderia haver mais. Também acredito que todos os acadêmicos deveriam realizar este eixo e não
somente os que por ele optarem. Deveria se ter mais tempo para por em prática junto com as escolas parceiras
projetos ambientais. /acho que é isso‖.
A acadêmica 3ao abordar a relação teórico-prática dos conteúdos (AVILA, 2014, p. 196), argumentou que o
eixo deveria propiciar uma carga horária mais ampla destinada aos trabalhos práticos: ―mais ou menos, poderia
ter mais prática, pois o conteúdo de EA tem uma abrangência enorme, quando se pesquisa algo sobre EA, são
inúmeras teorias, mas a prática, que na verdade sensibiliza as pessoas, tem uma carga horária insuficiente para
que isso ocorra‖.
O acadêmico 1 manifestou-se da seguinte forma sobre o eixo de Educação Ambiental(AVILA, 2014, p. 183):
―(...) seguir o eixo de educação ambiental, eu acho que é fraco, eu acho que ele poderia ter muito mais a
agregar, mais conhecimento, buscar mais conhecer o natural mesmo, um pouquinho da botânica, um pouquinho
da fauna, da flora ã das regiões, como eu te disse faltou essa parte no curso de Educação Ambiental, porque da
maneira que ele tá agora, ele não te prepara pra entrar na sala de aula...‖.Considerando sua prática no estágio, o
aluno percebeu que faltaram conhecimentos de ecologia e biologia, principalmente relativos à fauna, a flora e
ao funcionamento dos ecossistemas, bem como sobre geografia, especialmente na parte de biomas (que está
intrinsecamente relacionada à flora e fauna, e que poderiam ser trabalhados de forma integrada).
Muitos alunos relacionaram a teoria-prática do eixo de Educação Ambiental à execução doprojeto na
comunidade escolar, que se dá no sétimo semestre do curso (último semestre do eixo de Educação Ambiental).
Alguns consideraram que a parte prática foi escassa, ou que o tempo foi insuficiente para a execução do projeto
na escola. Isso demonstra que eles gostaram de colocar em prática suas ideias e projetos, percebendo o caráter
transformador do estágio de extensão, e que se dispuseram dar continuidade aos mesmos. Em uníssono, os
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acadêmicos compreenderam que a prática promove transformações, e que o eixo foi importante nesse sentido,
mas que poderia ter mais tempo para a prática do projeto e mais aprofundamento teórico dos materiais do eixo
dedicado nesse sentido.
A acadêmica 2disse que trabalhou a interdisciplinaridadeno seu projeto(AVILA, 2014, p. 187): ―(...) quando eu
passei pra eles a matemática, na parte prática, eu ia lá nos canteiro com eles e mostrava nos pneus, na hora das
partes geométrica, como era o pneu, eu mostrava que era o círculo pra ele, eu mostrava como plantava as
plantinha, eu fazia eles contar, entendeu, eu associava o conteúdo e a prática ao mesmo tempo (...)‖. A
interdisciplinaridade é de suma importância na prática docente da Educação Ambiental, e a acadêmica realizou
um ótimo planejamento de suas aulas nesse sentido.
Nas entrevistas foi observada uma postura crítica e um forte sentido de consciência ambiental e
responsabilidade individual e coletiva com a problemática ambiental. Com base nesses relatos, foi possível
apurar-se a capacidade de criação voltada à resolução ou minimização dos problemas, na prática do projeto de
extensão, estágio de ECO, que mostraram criatividade e senso de responsabilidade para com o ambiente em que
vivem. Nenhum aluno ficou alheio aos graves problemas ambientais enfrentados na sociedade mas, de acordo
com a perspectiva ecomunitarista, careceu relacionar a causa dessa problemática ao sistema capitalista.
A Acadêmica 4 (AVILA, 2014, p. 205), avaliou o eixo dessa forma: ―(...) eu penso que eu aprendi muita coisa
nova, eu percebo até pelas minhas atitudes em casa, por exemplo assim ó, eu vejo por mim, a gente pensa duas
vezes antes de jogar alguma coisa fora, passamos a fazer composteira em casa que eu não sabia nem como era
(...) e outra coisa que lá na escola mudou né toda essa alimentação saudável é o pomar da escola, que tem um
pomar enorme e as crianças não eram beneficiadas comendo as frutas do pomar, aí eu falei com a diretora e
disse pra ela, não é pras professoras levar pra casa as frutas, eu penso que o melhor é dar as frutas como
sobremesa pras crianças e ela me disse – não tinha pensado nisso (...)‖. Mencionou ainda que:―(...) mesmo que
o curso tenha terminado, não termina meu trabalho lá porque eu sempre continuo fazendo coisas e fazendo
projeto, agora tem projetos de Educação Ambiental que são solicitados na Secretaria de Educação né, já me
pediram pra fazer, pra ver qual, o que que eu acho que precise, então que dizer ainda tá rendendo, tá
frutificando o trabalho (...)‖(AVILA, 2014, p. 205).
Com efeito, a Educação Ambiental Ecomunitarista trata de estimular o espírito crítico e investigativo individual
e coletivo dos acadêmicos e professores. A conscientização, a problematização, a leitura crítica do capitalismo e
a ação transformadora são elementos essenciais na promoção de outras formas de convivência social.
Analisando-se as entrevistas que embasam essa dissertação, é possível concluir que o eixo desenvolve o caráter
crítico e investigativo, todavia, não realiza de forma clara e objetiva a leitura crítica do capitalismo, com vistas
à construção de uma sociedade ecomunitária ou numa outra perspectiva de modelo social.

Considerações finais

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No discurso dos acadêmicos sobre seus projetos de extensão no eixo de Educação Ambiental constata-se o
entusiasmo, a responsabilidade e o comprometimento dos mesmos com as questões ambientais da sua região e
com a comunidade escolar que sempre esteve presente nos seus projetos, fortalecendo a conscientização
ambiental e as ações coletivas de intervenção socioambiental no local pesquisado.
O eixo de Educação Ambiental trabalha o senso crítico, as capacidades criativas e investigativas dos
acadêmicos, principalmente, na elaboração e execução dos projetos de extensão dos Estudos Colaborativos.
Assim, converge com a Educação Ambiental Ecomunitarista quando trata de realizar trabalho de campo e criar
espaços para a pesquisa descritiva e experimental para a formação de professores pesquisadores.
Na pesquisa, constatou-se unanimemente a importância da Educação Ambiental no curso, e que esse
ensinamento deveria ser disponibilizado a todos os acadêmicos, assim como um tempo maior para a prática do
estágio e um aprofundamento maior dos temas estudados. Nessa hipótese, a Educação Ambiental poderia fazer
parte do ―Núcleo de Estudos Básicos‖, por exemplo, sendo ofertada para todos os acadêmicos, e também
constar como Estudos Colaborativos em caráter optativo, mas então com um aprofundamento maior do
conteúdo, e com mais tempo destinado à execução dos projetos extensionistas.
A inclusão de temas relacionados à ecologia e biomas foi sugerida por alguns acadêmicos, por serem esses
assuntos relevantes no momento da elaboração dos projetos e porque no estágio, seus alunos fizeram muitos
questionamentos envolvendo esses conceitos. O estudo dos ecossistemas tem relação com a norma ecológica do
ecomunitarismo de preservação e regeneração da natureza.
Ademais, poderia haver uma integração maior dos projetos de extensão com entidades, ONG‘s, associações de
bairro e até mesmo poderia ser criado um grupo ambiental pela própria turma (sugestão de um acadêmico) para
fortalecer as ações socioambientais que são realizadas no eixo. A criação desse grupo fortaleceria os espaços
relativos as decisões consensuais democráticas, e possibilitaria a utilização dos recursos tecnológicos da EaD
como o chat, vídeo, blog e videoconferência, incentivando o trabalho nas mídias como TV comunitária, blog‘s,
e sites, que divulgariam e multiplicariam as ideias ecomunitárias (alternativas ao modelo capitalista,
fundamentais quando se trata do respeito à natureza humana e não-humana e para a justiça social e ambiental).
Nos projetos há uma contextualização dos conteúdos com os problemas socioambientais do bairro ou do
entorno escolar, mas a crítica ao sistema capitalista inexistiu. Faltou uma discussão envolvendo práticas
efetivas, que levem a reflexão-ação do modelo econômico e dos valores presentes no capitalismo, com base na
perspectiva ecomunitarista.
De acordo com a Educação Ambiental Ecomunitarista, o eixo de Educação Ambiental poderia incentivar mais
os diálogos e ações coletivas com conhecedores do tema pesquisado pelos acadêmicos, integrando
conhecimentos científicos com os saberes regionais.
A análise do eixo apontou a falta de uma abordagem metodológica para trabalhar a Educação Ambiental no
Ensino Infantil. Nesse aspecto, ficou evidente que o eixo de ECO - Educação Ambiental necessita metodologias
diversas e mais eficazes, considerando-se a Educação Infantil.
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O eixo de Educação Ambiental do curso não se posiciona criticamente em relação ao sistema capitalista, mas
contra as consequências causadas por esse sistema, sem abordar a causa real da crise socioambiental enfrentada
pela sociedade. Não houve uma leitura crítica do capitalismo e nem da alternativa transformadora, rumo a uma
sociedade ecomunitária. Mesmo assim, o eixo de Educação Ambiental trabalhou com os problemas
socioambientais causados pelo sistema capitalista, principalmente nos projetos de extensão realizados pelos
acadêmicos, que fizeram intervenções ambientais na comunidade escolar. Essa atuação convergiu com a
Educação Ambiental Ecomunitarista.
Ademais, os alunos participantes da pesquisa referiram-se aos aspectos sociais vinculados aos ambientais, já
que os seus projetos envolveram intervenções sociais - ecológicas na comunidade escolar. Nesse particular,
acreditamos que o trabalho da equipe (professores e tutores) na orientação dos acadêmicos e na produção do
material didático, direcionou a esse viés de intervenção socioambiental.
À vista do material coletado, percebe-se que os alunos não possuem uma visão naturalista da Educação
Ambiental, essa capacidade de compreensão até pode ter existido inicialmente nos primeiros eixos de Educação
Ambiental, mas ela foi superada, consoante os depoimentos dos acadêmicos entrevistados. Pode-se considerar
que os alunos que participaram dessa pesquisa possuem uma visão holística e transformadora da Educação
Ambiental, o que é um grande passo para o desenvolvimento de uma sociedade ecomunitária, porque as pessoas
almejamtransformações, sabem que o mundo precisa de mudanças profundas e radicais que tutelem a
biodiversidade e a espécie humana.

Referências bibliográficas

AVILA, Raquel Alves Pereira.A educação ambiental no curso de Licenciatura em Educação do Campo: uma
análise à luz da educação ambiental ecomunitarista e do ecomunitarismo (o caso da turma 1 – UAB/UFPel,
Pelotas/RS). 2014. 263 f. Dissertação (Mestrado em Educação Ambiental) – Programa de Pós-Graduação em
Educação Ambiental, Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2014.
Disponível em: <http://www.argo.furg.br/bdtd/0000010488.pdf>.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Educação do Campo – Modalidade a Distância.
MEC/UAB/UFPEL. Pelotas, 2008.
VELASCO, Sirio Lopez.Introdução à Educação Ambiental Ecomunitarista. Rio Grande: editora da FURG,
2008.
______. Ideias para o socialismo do século XXI com visão marxiana-ecomunitarista. Rio Grande. Editora da
FURG, 2012.

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PERCEPÇÃO SOCIOAMBIENTAL NO ENSINO SUPERIOR

Leda Belitardo de Oliveira Pereira229


Edinei Oliveira Chagas230

Resumo
Um dos objetivos deste trabalho foi de verificar como a população encara os problemas de saúde e saneamento
em seus bairros, através de um inquérito elaborado pelos alunos da disciplina de Gestão Ambiental no ensino
superior em Administração da Faculdade de Casa Branca, no primeiro semestre de 2015. Outro objetivo foi
promover uma melhor percepção dos aspectos socioambientais nos próprios discentes, mediante a indagação e
a busca por soluções para o meio em que vivem. Os alunos tiveram a oportunidade de uma aproximação
intelectual e afetiva da situação ambiental e social da população do bairro visitado. E ainda, foram estimulados
à participação ativa, através da elaboração de sugestões para melhoria da qualidade de vida da população da
periferia no município de Casa Branca/SP na ―Feira de Meio Ambiente‖ com a presença dos munícipes e do
poder público local.
Palavras-chave: Percepção. Socioambiental. Discentes.

Introdução

O crescimento das cidades brasileiras vem sendo caracterizado por inúmeros problemas de ordem social,
política, econômica e ambiental. O processo de urbanização necessita de planejamento estratégico para criar
condições satisfatórias de habitação. O interesse meramente político e econômico favorece o desenvolvimento
inadequado da área urbana, gerando permanentemente conflito na sociedade contemporânea. A carência de
consciência ética, de pensamento crítico e de valorização humana reflete em ações de interesse individualista e
insolidário, de desrespeito à formação social. Neste sentido, a participação dos indivíduos é fundamental para
reivindicações de ações do poder público que favoreçam as condições básicas de infraestrutura e saneamento
para uma melhor qualidade de vida da população.

Esses aspectos demandam tempo para efetivação do conhecimento, da reflexão e da ação coletiva sob a
ótica multidisciplinar para resultar em práticas profundas e duradouras às várias gerações, capazes de
enraizamento cultural inerente às condições sociais, econômicas, políticas e ideológicas da sociedade brasileira.
Inúmeras pesquisas com ênfase nos problemas ambientais têm indicado que a intervenção humana é fator
determinante de mudanças na dinâmica dos ecossistemas, resultando em desequilíbrios que atingem a
biodiversidade, as condições climáticas regionais, sobretudo, os seres humanos e o seu modo de vida, conforme

229
Mestre em Engª Agrícola - UNICAMP, área: Planejamento e Desenvolvimento Rural Sustentável, Especialista em Gestão
Ambiental, Engª Agrª e Pedagoga, Professora da Faculdade de Casa Branca, Diretora de Escola Técnica e Professora de Gestão
Ambiental - Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza – CEETEPS/SP. Email: leda.belitardo@gmail.com
230
Graduado em Matemática e Física - Unifeg, Especialista em Física – UNICAMP, Professor na Secretaria Estadual de Educação de
São Paulo e no Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza – CEETEPS/SP. Email: edineichagas@gmail.com
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relata Sànchez (2008 p.38-39). O autor justifica que as ações humanas no ambiente influenciam os fatores
sociais, culturais e econômicos da sociedade.

Um dos objetivos deste trabalho foi verificar como a população encara os problemas de saúde e
saneamento em seus bairros, através de um inquérito elaborado pelos alunos da disciplina de Gestão Ambiental
no ensino superior em Administração da Faculdade de Casa Branca, no primeiro semestre de 2015. Outro
objetivo foi promover uma melhor percepção dos aspectos socioambientais nos próprios discentes, mediante a
indagação e a busca por soluções para o meio em que vivem. Os alunos tiveram a oportunidade de uma
aproximação intelectual e afetiva da situação ambiental e social da população do bairro visitado. E ainda, foram
estimulados à participação ativa, através da elaboração de sugestões para melhoria da qualidade de vida das
populações da periferia no município de Casa Branca/SP na ―Feira de Meio Ambiente‖ com a presença dos
munícipes e do poder público local.

A existência do ser humano e o processo contínuo de aprendizagem são construídos pelo conjunto de
ações e interações significativas com a natureza material, com os demais membros de uma sociedade e com a
consciência simbólica cultural. Sendo assim, o ensino, de caráter abstrato, passa a ser mediador destas relações
de significação profunda, garantindo a efetivação da Educação. Neste sentido, entende-se que a Educação
Ambiental deva contemplar três dimensões: do conhecimento, dos valores e a da participação política, não
como possibilidade de mudança no quadro de degradação ambiental, mas como instrumento eficaz de
transformação social, por intermédio do pensamento crítico e da ação libertadora do indivíduo. (CARVALHO,
2006 p.20)

A dimensão dos valores

A sociedade contemporânea legitima valores universais, imposto pela cultura hegemônica, como a
igualdade, a liberdade e a justiça, que são transmitidos por incumbência da Educação, haja vista a história dos
parâmetros curriculares escolares. Neste mesmo percurso histórico, a legitimação dos valores sociais se
manifesta de maneira divorciada dos sentidos emocionais e da afetividade, ou seja, considerando a construção
do juízo moral apenas pelo aspecto cognitivo. Enfatizamos o relato de Bonotto (2008 p. 303), que um trabalho
significativo na educação por valores, depende da correspondência equitativa da esfera da cognição, na
apreensão do conhecimento, com a esfera da afetividade, na experiência sentida, pois resultarão na reflexão e
na ação do indivíduo.

Para Nucci (2000 p. 85-87), a necessidade do ensino de valores tradicionais na sociedade ocidental,
objetiva a construção de virtudes nos educandos, contudo, o autor abre um questionamento se de fato, este
ensino, é suficiente para o desenvolvimento da perspectiva moral crítica, fundamental ao ser humano. Neste
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caminho, o autor destaca algumas implicações, necessárias à educação moral, entre elas, a necessidade de
formar concepções nos estudantes sobre noções de justiça e bem-estar nos outros, sobretudo, em sintonia com o
desenvolvimento e com as experiências sociais concretas dos mesmos.

Para La Taille (2000 p.109), do ponto de vista psicológico (baseado em Piaget), as virtudes morais
participam da gênese da moralidade e representam os traços de caráter essenciais à ―coesão da personalidade
moral‖. As representações do indivíduo, que formam a sua identidade, são sempre valorativas e, nesse meio, as
virtudes são consideradas qualidades que possibilitam para o ser humano uma ―leitura valorativa‖ de si próprio
e dos outros.

De acordo com Severino (2001, pg. 91), ―a moral é uma experiência comum à humanidade. A
sensibilização moral possibilita que os sujeitos avaliem suas ações, geralmente como boas ou más, lícitas ou
ilícitas, corretas ou incorretas‖. Desse modo, a prática educativa, pela produção cultural, resulta em material
simbólico que produzirão conceitos e valores, de referência para a intencionalização da ação do indivíduo,
juntamente com sua consciência subjetiva, constituindo sentidos.

Dentre a dimensão valorativa, configura-se a problematização da estética aproximada à ética para na


sensibilização moral, conforme relata Hermann, (2005 p.36). Para a autora a razão, muito instrumental, não da
conta de explicar a pluralidade de orientações valorativas, desde os estilos de vida até a subjetividade, neste
caminho, a estética pode contribuir para a sensibilidade moral.

Conforme descreve Carvalho (2006 p. 17), a compreensão da arte vem ser uma forma de simbolização
das nossas subjetividades e um caminho para a compreensão sobre a natureza e a vida. Neste sentido, a
produção artística tem relação profunda com as práticas simbolizadoras e sua apreciação pode promover a
criatividade e o pensamento crítico, fundamentais a uma cultura emancipadora.

A dimensão do conhecimento, da participação e da cidadania

Por intermédio da consciência significativa o indivíduo pode construir representações, conhecimento,


valor e juízo moral. Estes aspectos podem ser subsidiados pela educação, através de diálogo e discussão, para
uma compreensão reflexiva e crítica que resulte em ação, sobretudo, na ação coletiva transformadora. A
educação, como prática política e social, tem por finalidade construir sujeitos críticos despidos do discurso
ideológico na construção de comportamentos compromissados, envolvidos com a democracia e atuantes em sua
esfera histórica.

Neste sentido, espera-se que a Educação Ambiental forme um indivíduo capaz de debater, argumentar e
opinar no contexto sociopolítico, construindo sua essência histórica e cultural, especialmente, dos valores e da
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moral na relação sujeito-sociedade-natureza. Independente do conhecimento científico organizado
separadamente em disciplinas no ensino formal, ou mesmo do conhecimento trabalhado no ensino informal. É
fundamental considerar o conhecimento como a intencionalização da prática humana e a aplicação da
subjetividade a um sentido, na esfera do trabalho, na esfera da sociabilidade e na esfera da cultura, conforme
descreve Severino (2001, p. 119-120).

A Educação é formadora do ser humano e, como mediadora do conhecimento, tem a finalidade de


conduzir o pensar a um entendimento simbolizador. Este pensar significativo, através da inter-relação com a
circunstância social, política e histórica do indivíduo, com suas experiências estéticas e com os fenômenos
naturais do seu meio, sobretudo, deve ajudar o educando a apreender o mundo. Pela perspectiva filosófica, a
educação é reconhecida como um fenômeno com significado real, diante do um processo de construção da
atividade prática, na qual a teoria é coadjuvante. Na realidade, a percepção das ações práticas ganha sentido, na
medida em que esta prática pensada se torna intencional, ou seja, com significação valorativa, vinculada a um
fim. Contudo, é fundamental o reconhecimento de que a prática humana necessita da teoria para se efetivar
significativamente. A teoria esclarece a opacidade da gênese do ato prático, ganhando sentido quando
intencionaliza a prática. Neste sentido, ―a educação só é humanizadora se for intencionalizada pelo
conhecimento e pela valoração, desde que referidos à significação apreendida na existência histórico-social‖
(SEVERINO, 2001 p.9).

Metodologia

A fim de se realizar o inquérito motivador da reflexão desejada com este trabalho, foi feito uso do
método estatístico que consiste, de acordo com Toledo (2012 p.35 ), em: definição do problema; planejamento;
coleta de dados; apuração dos dados; análise e interpretação dos dados. Na fase de definição do problema, foi
proposto aos alunos que investigassem em diversos bairros da cidade de Casa Branca/SP acerca das percepções
que os moradores tinham sobre diversos aspectos relacionados com as problemáticas: ambiental e social. Com o
problema definido, Toledo (2012 p.35) afirma que, durante a fase do planejamento, deve-se ―determinar o
procedimento necessário para resolver o problema e, em especial, como levantar informações sobre o assunto
objeto de estudo. Que dados deverão ser obtidos? Como se deve obtê-los?‖.

Após discussão coletiva com os alunos envolvidos na pesquisa, optou-se por fazer o levantamento de
dados com base em sete quesitos, a seguir: 1 – Condições sanitárias gerais; 2- Abastecimento de água; 3 –
Coleta de lixo; 4 – Condições de habitação; 5 – Fontes de poluição; 6 – Serviço disponível de saúde; 7 –
Serviço disponível de assistência social. Para cada um dos quesitos acima, o morador deveria atribuir uma nota
de 0 a 10, de acordo com a seguinte escala: Não satisfeito: 0 – 3; Mediamente satisfeito: 4 – 7; Satisfeito: 8 –
10.

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Para se obter os dados necessários, inicialmente, foram sorteados oito bairros da periferia municipal. Os
moradores de cada bairro compuseram a população estatística a ser estudada. Dessa população, por motivos de
padronização e facilidade na análise dos dados, optou-se por selecionar uma amostra de 100 moradores de cada
bairro que, de maneira aleatória, foram entrevistados pelos alunos. De posse dos dados brutos obtidos através
da coleta, foi necessária uma organização dos mesmos, primeiramente através de tabelas de distribuição de
frequências e, em seguida, para uma melhor visualização e facilidade de interpretação, os dados tabulados
foram representados por meio de gráficos. Para a confecção das referidas tabelas de distribuição de frequências
cada grupo confeccionou uma tabela seguindo o modelo abaixo:

Tabela XX: Satisfação dos moradores do bairro **** com o quesito ****
Grau de satisfação Notas Frequência absoluta Frequência relativa
Não satisfeito 0–3 X X
Mediamente satisfeito 4–7 X X
Satisfeito 8 – 10 X X
Fonte: Pesquisa realizada pelos alunos do curso *** no bairro ***

Por frequência absoluta, entende-se o resultado da contagem direta dos votos para cada categoria.

A leitura dos dados absolutos é sempre enfadonha e inexpressiva; embora esses dados traduzam um
resultado exato e fiel, não têm a virtude de ressaltar de imediato suas conclusões numéricas. Daí o uso
imprescindível que faz a Estatística dos dados relativos. (CRESPO, 2009 p. 23)

Dentre os dados relativos, o mais utilizado é através das porcentagens, obtendo, assim, a frequência
relativa percentual relativa àquele item em análise. Para se calcular a frequência relativa em forma de
porcentagem (%) referente a um resultado, primeiramente, fazemos o quociente (divisão) entre a frequência
absoluta para esse resultado e o número de elementos da amostra escolhida, multiplicando, em seguida, o
resultado obtido por 100.

Frequência absoluta da resposta


Frequência relativa (%) = x 100
Número de elementos da amostra

Após a elaboração das tabelas para cada bairro optou-se, para fins de simplificação da análise,
condensá-las com os dados acerca de cada um dos sete itens avaliados em uma única tabela, indicando apenas
os índices percentuais das respostas com notas entre 8 e 10, conforme modelo abaixo:

Tabela XX: Porcentagem de satisfação dos moradores do bairro ***


Quesito Porcentagem de moradores satisfeitos
Assistência social X
Serviço disponível de saúde X
Fonte de poluição X
Condições de habitação X
Coleta de lixo X

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Abastecimento de água X
Condições sanitárias gerais X
Fonte: Dados coletados pelos alunos do curso *** no bairro ***

Conforme já citado, após a apresentação dos dados no formato tabular (tabelas) é útil, para facilidade de
visualização e interpretação, colocar tais dados na forma de um gráfico.

A apresentação gráfica é um complemento importante da apresentação tabular. A principal vantagem


de um gráfico sobre uma tabela prende-se ao fato de que ele permite conseguir uma visualização
imediata da distribuição dos valores observados. Propiciam os gráficos uma ideia preliminar mais
satisfatória da concentração e dispersão dos valores, uma vez que através deles os dados estatísticos se
apresentam em termos de grandezas visualmente interpretáveis. Por outro lado, os fatos essenciais e as
relações que poderiam ser difíceis de reconhecer em massas de dados estatísticos podem ser
observados mais claramente através de gráficos. (TOLEDO, 2012, p.75)

A fim de se obter essa facilidade de análise dos dados obtidos, foram confeccionados gráficos do tipo
colunas, através do software Microsoft Excel. Tal escolha se justifica, pois os gráficos de colunas, da mesma
maneira que o de barras, ―têm por finalidade comparar grandezas por meio de retângulos de igual largura e
alturas proporcionais às respectivas grandezas‖. (Toledo, 2012 p. 76). Neste caminho, a confecção dos gráficos
de colunas referentes às tabelas obtidas, facilitou a apuração dos dados e permitiu a apresentação mais clara dos
resultados.

Análise e discussões

Foram analisados oito bairros da periferia de Casa Branca, os quais revelaram características de
desequilíbrio ambiental e social distintas. Alguns bairros analisados apresentaram uma organização mais
efetiva, ou seja, possuem uma associação formalizada para defesa e reivindicações dos moradores. Já em
outros, a população se sente abandonada, pois suas solicitações permanecem no descaso de vários setores
administrativos municipais.

Para as condições sanitárias gerais, foi analisada a higiene e a organização, sobretudo, a canalização e o
escoamento do esgoto doméstico. Quanto ao abastecimento de água, o objetivo era verificar as condições
qualitativas para a população. Em relação à coleta de lixo, por ser um serviço terceirizado, a intenção do
trabalho foi de revelar a eficiência da coleta nos bairros. Acerca das condições de habitação, buscou-se retratar
a infraestrutura geral para as comunidades, principalmente a pavimentação, a iluminação, a segurança. Sobre as
fontes de poluição, pretendeu-se explorar fatores contaminantes às margens dos bairros, visto que alguns se
localizam próximos de áreas agrícolas, ou em locais pertos de grandes terrenos baldios sujeitos ao acúmulo
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clandestino de lixo urbano. Nas questões que trataram de avaliar os serviços de saúde e assistência social, a
meta era mostrar a efetividade de setores descentralizados, contudo, na maioria dos bairros isso não acontece,
em razão da ausência dos tão desejados ―postinhos‖ de assistência médica, psicológica, odontológica e social
aos moradores da periferia.

a- Bairro Industrial

O bairro Industrial caracterizou-se diferentemente da maioria dos outros bairros pesquisados, por conter
uma organização que pleiteia melhorias para seus moradores, uma ―Associação de Amigos do Bairro
Industrial‖, a qual luta de maneira atuante nas reivindicações de melhoria ao poder público e, mobilizando a
participação de mais moradores.

Fonte: Dados de pesquisa dos autores

Durante a pesquisa, notou-se que em relação aos serviços de assistência a saúde e assistência social a
Prefeitura Municipal não oferece apoio. Os moradores se dirigem aos postos centralizados de assistência
médica e social. A coleta de lixo é irregular trazendo transtornos à comunidade, pois alguns munícipes jogam
seu lixo em terreno baldio.

b- Bairro Jardim América

Fonte: Dados de
pesquisa dos autores

O bairro Jardim América apresentou-se com uma infraestrutura melhor em relação a outros bairros,
pois os moradores apontaram satisfação nas condições sanitárias (higiene, segurança, organização,

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ISBN 978-85-7566-380-6
conservação). Possui um sistema de coleta de lixo mais adequado, porém não possui postos de atendimento a
população nas áreas de saúde e assistência médica.

c- Bairro Nazareth

Fonte: Dados de pesquisa dos autores

O bairro Nazareth, possui uma população que não está satisfeita com a assistência médica e social, pois
não existe posto local, só no centro da cidade. Durante campanhas de vacinação infantil, existe o atendimento
provisório dentro da escola municipal no bairro. Quanto ao abastecimento de água os moradores se sentiam
satisfeitos, já que uma das estações de tratamento se localiza no bairro e os moradores podem verificar o
trabalho e o monitoramento da qualidade da água.

d- Conjunto Habitacional Cecap

Fonte: Dados de pesquisa dos autores

O bairro Cecap está localizado próximo ao centro da cidade e foi um dos primeiros conjuntos
habitacionais construídos em Casa Branca, no final da década de 1970. O nível de satisfação dos moradores foi
maior do que 70% em todas as características pesquisadas. Além disso, o bairro oferece área de lazer e praça
aos moradores, resultado das reivindicações de um grupo de moradores mais atuante.

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e- Bairro Parque São Paulo

Fonte: Dados de pesquisa dos autores

No bairro Parque São Paulo o que mais impressionou foi o nível de insatisfação das fontes de
poluição. Existe uma falta de disciplina, por parte da população no uso das caçambas de contenção de lixo. O
lixo e o entulho ficam acumulados aos redores destes coletores causando péssimo cheiro. Mesmo com está
situação visível, a população tem pouca percepção dos problemas, permanecendo apáticos e incrivelmente
satisfeitos e conformados com a situação local, conforme indica o resultado da pesquisa. È necessário uma
sensibilização dos setores administrativos para a elaboração de campanhas de orientação aos moradores, quanto
à organização geral do bairro, principalmente na questão do lixo espalhado pelas ruas.

f- Bairro Jardim Bela Vista

Fonte: Dados de pesquisa dos autores

O Jardim Bela Vista é um bairro distante das áreas de assistência médica e social municipal. A
população sofre com o descaso na infraestrutura, com a falta de pavimentação das ruas e calçadas, além de
pouca iluminação. As fontes de poluição são diversas, mas o que incomoda os moradores são as queimadas de
cana-de-açúcar de áreas agrícolas no entorno.

g- Bairro Desterro

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Fonte: Dados de
pesquisa dos autores

Nota-se que este foi o bairro onde a população revelou os maiores índices de satisfação. Este loteamento
historicamente é o mais antigo de todos os bairros pesquisados, o que favoreceu uma melhor oportunidade de
desenvolvimento estrutural e maior manutenção da qualidade das condições sanitárias. Possui serviço de
atendimento médico e social, além disso, conta com uma ―Associação de Amigos do Bairro do Desterro‖
atuante, a qual constantemente reivindica melhorias para seus moradores.

h- Conjunto Habitacional Waldemar Pereira (Andorinhas)

Fonte: Dados de pesquisa dos autores

O Conjunto Habitacional Waldemar Pereira por ser um bairro distante do centro da cidade está sujeito a
inúmeras fontes de poluição e ao desinteresse político e sua infraestrutura deixa a desejar. Possui falta de
orientação no controle e adequação dos resíduos sólidos e os moradores sofrem com as frequentes queimadas
em terrenos baldios.

Considerações Finais

A organização e o desenvolvimento urbano é um desafio que necessariamente devem ser encarados


através de um planejamento participativo e com tomadas de decisões em cooperação. Neste trabalho, ficou
evidente que os bairros de Casa Branca que possuem associações de moradores são mais organizados,
apresentando menores problemas de ordem ambiental e social. Contudo, estes colegiados somente serão ativos
se a população estiver fundamentada em princípios éticos, democráticos, além de conhecimento legislativo,

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para efetivação de uma real participação e cidadania. O processo de construção de valores sociais, de
conhecimentos e de cidadania deve ser fundamentado na relação dos indivíduos com o meio natural e com a
sociedade, respeitando-se os limites e as perspectivas a caminho de uma prática transformadora. Grande parte
dos discentes que participaram da elaboração desta pesquisa reside em áreas afastadas do centro urbano.
Através do trabalho de campo e o contato direto com a população, estes alunos passaram a entender as causas e
as consequências das negligências políticas administrativas, sendo sensibilizados a participarem de associações
na luta para a melhoria das condições de vida na periferia.

Referências

Bonotto, D. M. B. Educação Ambiental e o Trabalho com Valores In: BONOTTO, D. M. B.; Carvalho, M. B.
S. S. (Org.) Educação Ambiental e o Trabalho Com Valores: reflexões, práticas e formação. São Carlos:
Pedro& João editores, p. 35-55, 2012.

______________. Contribuições para o trabalho com valores em Educação Ambiental. Ciência e Educação,
v.14, nº 2, p. 295-306, 2008.

Carvalho, L. M. de. A temática ambiental e o processo educativo: dimensões e abordagens. In: Cinquetti, H. C.
S.; Logarezzi, A. (Orgs.). Consumo e resíduo: fundamentos para o trabalho educativo. São Carlos: EdUFSCar,
2006. p. 19-41

Crespo, Antônio A. Estatística Fácil. 19.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

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PROBLEMATIZANDO O DISCURSO DE UM PROGRAMA DE EDUCAÇÃO
AMBIENTAL GOVERNAMENTAL COM BASE NO CONCEITO DE FORMAÇÃO
DA ATITUDE ECOLÓGICA
Dayse Vilas Boas Pinto231

Resumo
O presente artigo teve como foco da análise a problematização do discurso oficial do Programa de Educação
Ambiental do Governo de Minas: AmbientAÇÃO. A análise documental foi feita com base na questão
norteadora: Em que medida o discurso do Programa AmbientAÇÃO anuncia o ideal expresso no conceito de
formação da atitude ecológica? Esse conceito foi desenvolvido por Carvalho (2004). Como metodologia para
análise crítica dos aspectos do discurso do AmbientAÇÃO foi realizada a análise documental da cartilha
AmbientAÇÃO Educação Ambiental em prédios públicos de MG: conceitos e procedimentos. Os resultados
das análises indicaram que o discurso do Programa AmbientAÇÃO expressa uma Educação Ambiental voltada
para a disciplinarização do comportamento no ambiente de trabalho.
Palavras-chave: Formação da atitude ecológica. Educação Ambiental. Gestão Ambiental.

Programas de Educação Ambiental se multiplicam em diversos ambientes tendo como justificativa o


discurso da atual crise ambiental, o que revela que a preocupação com as questões ligadas à degradação do
meio ambiente vem crescendo. No entanto, algumas dessas iniciativas têm se mostrado, até o momento,
ambíguas, restritivas, reducionistas e pouco capazes de considerar os problemas socioambientais de forma
sistêmica, ao invés de considerar as complexas interações que compõe essa dinâmica. Frequentemente a
essência destes reflete a cultura imediatista e consumista na qual estamos imbricados, têm como proposta
minimizar os impactos negativos do ser humano sobre o meio ambiente que resulta na intensa geração de
resíduos e tendem a enfocar demasiadamente na gestão dos resíduos ao invés de visarem a uma outra forma de
viver e conceber as relações socioambientais.
A análise do material de programas de EA é uma proposta pertinente, pois a forma como um tema é tratado
define tanto a concepção pedagógica quanto o entendimento sobre a questão ambiental que estão sendo
assumidos na proposta. Problematizar – no sentido de voltar a reflexão para o que está sendo dito e o que está
sendo feito, identificando se estão em coerência, e a que estão coerentes – o discurso traz à tona o que está por
detrás dele.
Esta investigação se deu com base na problematização do discurso de um programa de EA, a saber, o
Programa AmbientAÇÃO: Educação em prédios públicos de Minas Gerais, com a seguinte questão de
pesquisa: Em que medida o discurso do Programa AmbientAÇÃO anuncia o ideal expresso no conceito de
formação da atitude ecológica (CARVALHO, 2004)?

231
Mestre em Educação Ambiental. Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental – PPGEA FURG.
daysevilasboas@yahoo.com.br. Trabalho resultante da dissertação “O conceito de Formação da Atitude Ecológica: Problematizando
o discurso e a prática de um Programa de Educação Ambiental Governamental – AmbientAÇÃO”, defendida em março de 2013.
Pesquisa financiada por meio de bolsa CAPES.
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O AmbientAÇÃO se enquadra nas diretrizes da política pública de meio ambiente do Governo do Estado
de Minas Gerais. É inédito e por sua trajetória tem se revelado sólido e com resultados mensuráveis. É
comparável ao Programa A3P do Governo Federal, portanto, se constitui um modelo a ser replicado. Tem como
público-alvo os servidores públicos mineiros – funcionários das Secretarias de Estado, Autarquias, Fundações,
Empresas Públicas e Prefeituras. O AmbientAÇÃO é um Programa de EA não formal.
Foi concebido em 2003. Implantado como projeto piloto em 2004. Teve início em 2005 a sua expansão.
Em 2006 é publicado o Manual de Implantação do AmbientAÇÃO. Com a Lei estadual 16.689 e a política de
apoio e incentivo à coleta de lixo, em 2007 o Programa ganhou argumento. Em 2008 foi elaborada uma
metodologia para cálculo de ganhos ambientais e econômicos e produzido o curso à distância ―Formação de
multiplicadores do Programa AmbientAÇÃO‖. Em 2010 as metas do Programa foram inseridas no Acordo de
Resultados das instituições, com a pactuação de metas de desempenho, específicas e comuns, dentre as quais
está a redução do custo com a área/meio das despesas com papel, energia e etc.
Em 2010 é inaugurado em Belo Horizonte o novo centro do Governo de Minas, a Cidade Administrativa –
CA. Tem a capacidade de agregar, em uma área construída de 265 mil m 2, mais de 17 mil pessoas. Durante o
processo de licenciamento, o AmbientAÇÃO foi apresentado como uma medida mitigadora dos impactos
ambientais negativos com a utilização do complexo. Em 2011 e 2012 na CA o Programa é implementado em
diversas instituições, sendo que a estrutura padronizada das instituições e o contato facilitado com a comissão
coordenadora foram facilitadores. Também o indicador de implantação foi inserido no acordo de resultados,
logo todas as instituições assinam o termo de adesão e constituem comissões setoriais. Desde 2013 a comissão
gestora tem adaptado e desenvolvido novos esforços para atingir toda a comunidade da CA.
O Programa desenvolve duas linhas de ação: A linha de Consumo Consciente objetiva a redução do
desperdício e do volume de resíduos nos setores, com o uso racional dos recursos naturais, e principalmente
incentiva a não-geração de resíduos. A linha de Gestão de Resíduos foca no reaproveitamento e na reutilização
do material que pode ser destinado para outro fim ou setor, e na coleta seletiva simplificada, onde são separados
os materiais recicláveis do papel e dos não-recicláveis (AMBIENTAÇÃO, 2012:19).

Problematizando a educação que se diz ambiental


Como educadora ambiental, busco a EA produtora de aprendizagens significativas, ao invés da que apenas
foca o comportamento, que é mecânica e somente provê conteúdos e informações. Assim, proponho que a
análise dessas intervenções seja tida como contribuição para o processo de planejamento da EA capaz de
contribuir com a transformação da realidade. Compreendo que é possível adquirir comportamentos pontuais
considerados ecologicamente corretos sem desenvolver uma atitude ecológica no sentido pleno (CARVALHO,
2004).
―Essa atitude poderia ser definida, em seu sentido mais amplo, como a adoção de um sistema de crenças, valores
e sensibilidade éticas e estéticas orientado segundo os ideais de vida de um sujeito ecológico – um modo de ser
relacionado à adoção de um estilo de vida ecologicamente orientado; um modo específico de ser no mundo, em
outras palavras, é um ‗jeito ecológico de ser‘‖.
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Problematizo a educação que se diz ambiental e que está, na verdade, apenas preocupada com a mudança
de comportamento dos indivíduos. Essas formas de ensino ambiental são reduzidas ao uso funcionalista de
técnicas informativas. Guimarães (2006a, 2006b) sintetiza a EA mecânica que é mecânica porque se baseia nos
seguintes argumentos: basta ensinar o conhecimento do que é ecologicamente correto (conteudista), para que o
educando, compreendendo esse ensinamento (racionalista), transforme seu comportamento, passando a agir
corretamente (comportamentalista). Problematizo a educação comportamentalista que se baseia em dar
(transmitir) ao educando os conhecimentos (aspecto cognitivo) necessários e acredita que assim estaria ainda
provocando nele uma sensibilização (aspecto afetivo) pela questão ambiental, que resultaria na transformação
do seu comportamento incorreto.
Guimarães (2006b:14, 2006a:24) afirma que um educador pode até ter uma intenção sincera de contribuir
na superação dos problemas ambientais, mas ―estar atrelado a uma visão (paradigmática) fragmentária,
simplista e reduzida da realidade‖ e por isso manifesta inconscientemente ―uma compreensão limitada da
problemática ambiental e que se expressa por uma incapacidade discursiva que informa uma prática pedagógica
fragilizada de educação ambiental‖. Por causa dessa visão e compreensão limitadas, suas práticas acabam por
reproduzir uma educação conteudista, racionalista e comportamentalista, e o ―padrão tradicional de educação,
referenciado pelos mesmos paradigmas, que reforça aspectos de um processo pedagógico focado no indivíduo‖.
Essa EA tende à reprodução de práticas educativas consolidadas e ―se mostra pouco eficaz para intervir
significativamente para a superação dos problemas e a construção de uma nova sociedade ambientalmente
sustentável‖ (GUIMARÃES, 2006b:14, 2006a:24). Portanto se mostra precária para os dias atuais.
Há também a EA que eu chamaria apocalíptica, que utiliza uma pedagogia do medo e restringe-se apenas à
difusão da percepção sobre a gravidade dos problemas ambientais e suas conseqüências, enfatizando a ameaça à
vida humana e que caminhamos para um terrível fim. Guimarães (2006a:16) mostra que essa perspectiva não é
suficiente nem capaz de intervir no processo de transformações socioambientais em prol da superação da crise
da atualidade.
Essa fragilização e essa dinâmica contraditória têm sido, freqüentemente, percebidas nas práticas de
programas de EA. Muitas vezes há um discurso de ir além, mas as metodologias enfocam apenas o
comportamento e revelam ―abordagens reduzidas e simplificadoras na análise/compreensão dos problemas
ambientais e as conseqüentes propostas de solução/ação, muito recorrentes nas discussões ambientais‖
(GUIMARÃES, 2006b:11).
Ensinar não é transferir conhecimento. A aprendizagem em seu sentido radical vai muito além do
provimento de conteúdos e informações, não se atém à ênfase da indução ou mudança de comportamentos, no
que fazer e como fazer certo, nem na transmissão de uma série de procedimentos ambientalmente corretos
(CARVALHO, 2004). Se o foco está apenas no comportamento, não estamos promovendo o espaço de ensino e

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aprendizagem necessário para uma educação que resulta em aprendizagens significativas. Se quisermos
promover essa EA, essa aprendizagem ambiental, precisamos romper com a outra.
Como educadores ambientais realmente comprometidos com a mudança positiva na sociedade, devemos
buscar uma EA que gera processos de formação de uma atitude ecológica que institui novos modos de ser, de
compreender, de posicionar-se ante os outros e a si mesmo, enfrentando os desafios e as crises do tempo em
que vivemos (CARVALHO, 2004:180). Um educar que envolve a ―capacidade compreensiva (relativa à
apreensão por um sentido e alcançado pela inteligência) e interpretativa (sucintamente, síntese entre
conhecimento racional e compreensão), historicamente situadas na leitura e atuação no mundo‖. (Carvalho,
2004, apud LOUREIRO, 2006:133).
Uma EA que resulta na formação de um sistema de valores que será internalizado como uma visão de
mundo orientadora dos posicionamentos do sujeito sobre como relacionar-se com o ambiente. ―O grande
desafio da EA é, pois, ir além da aprendizagem comportamental, engajando-se na construção de uma cultura
cidadã e na formação de atitudes ecológicas‖ (CARVALHO, 2004:182). Essa sim é a EA que creio que
devemos almejar, que é reflexiva.

Problematizando o discurso de Educação Ambiental do AmbientAÇÃO


Para fazer uma análise de qual é o conceito de EA expresso, a pesquisa documental teve como base a
Cartilha AmbientAÇÃO Educação Ambiental em prédios públicos de MG: conceitos e procedimentos, 2ª
edição, publicada em janeiro de 2012. Impressa em papel reciclado, tem um visual colorido e ilustrado. Nela
são apresentados: conceito; histórico; objetivos; aspectos, impactos e benefícios socioambientais; Rede
AmbientAÇÃO; linhas de ação; como aderir; como implantar; e contém ainda as siglas, o anexo com o Termo
de Adesão e as referências bibliográficas. Tem um conteúdo didático do como fazer e serve de referência para
as comissões setoriais e facilitadores nas instituições. Também é distribuída a interessados do público em geral,
como forma de divulgação para ações em diversos espaços. Em leitura atenciosa para destacar os conceitos
relacionados a EA presentes no texto, apresento a seguir a compilação das informações e algumas reflexões.
Logo no Prefácio (p. 3), as palavras do então Secretário de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável enfatizam que o AmbientAÇÃO:
tem a audaciosa missão de modificar hábitos e padrões de comportamento, já que o consumo sem critério aliado ao
desperdício é postura destrutiva que ameaça a própria sobrevivência das futuras gerações. Ano após ano, essa
postura, infelizmente, tornou-se uma das principais causas dos problemas ambientais hoje enfrentados pela
humanidade. (...) É desta forma, com ações práticas, e fazendo o dever de casa, que esperamos mostrar aos cidadãos
que o desenvolvimento sustentável é responsabilidade de todos, e que ações cotidianas podem fazer a diferença.

Nessa visão, o consumismo e o desperdício são ameaças para a continuidade de vida no Planeta e
sobrevivência das futuras gerações, porém, se cada um cumprir a sua responsabilidade, fizer a sua parte,
alcançaremos o desenvolvimento sustentável.
Em seguida, na Apresentação (p. 4), são palavras do então Presidente da FEAM:

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O Programa AmbientAÇÃO posiciona o funcionário público como protagonista em ações direcionadas à
sustentabilidade. Para a internalização de atitudes ambientalmente corretas, o primeiro passo é ―querer mudar‖.
Mudar hábitos, transformar olhares e percepções, construir novos referenciais. (...) os caminhos nos conduzem à
reflexão e à ação para definir contornos de uma nova cultura institucional, fundamentada nos princípios da educação
ambiental para o uso racional dos recursos naturais. Mais do que repassar informações, nossa missão é buscar a
sensibilização de mais funcionários públicos e convidá-los a integrar a equipe do AmbientAÇÃO como
multiplicadores do conceito do consumo consciente, somando esforços na construção de um futuro sustentável.
(AMBIENTAÇÃO, 2012:4)

A meu ver, esse seria um discurso mais trabalhado, faz uso dos termos ―internalização de atitudes‖ e
―mudança de hábitos‖, que estão focadas no comportamento, mas há indícios de intenção da formação da
atitude ecológica especialmente nos trechos ―transformar olhares e percepções, construir novos referenciais‖ e
―reflexão e ação para definir contornos de uma nova cultura institucional‖. Quando o Presidente da Fundação
reconhece que não é suficiente repassar informações, mas necessário sensibilizar os funcionários, faz uso desse
termo que é impreciso e remete à emoção. Por fim, a construção de um futuro sustentável seria o
desenvolvimento sustentável, que não é assim tão possível.
No 1º parágrafo dedicado ao Conceito, a página 7 é ilustrada com recortes de manchetes de jornais com as
seguintes frases:
―Degelo no Ártico já é o 2º maior, aponta satélite‖, ―Aquecimento torna furacões mais fortes‖, ―Em busca do Kyoto
perdido‖, ―Gelo marinho ártico é o 2º menor da história‖, ―Novo mapa mostra aqüífero Guarani mais limitado‖ e
―Tempo quente em BH‖.

Logo abaixo das ilustrações o texto começa com as indagações:


Como deter o avanço do processo de degradação ambiental? Quais são as mudanças que o desenvolvimento
sustentável exige? As respostas e soluções para essas questões passam, necessariamente, pela prática da educação
ambiental.

Analisando o conteúdo desses trechos, o discurso revela a crença de que as atividades humanas têm
acelerado o processo de degradação ambiental e de que é possível detê-lo com a mudança de comportamento.
Como educadora ambiental, acredito que as ações humanas têm impacto sobre a natureza e que o estilo de
vida adotado atualmente pelos países desenvolvidos e pelos países em desenvolvimento acelerado tem tido um
forte impacto ambiental. Não desconsidero a posição de cientistas que afirmam que a natureza cumpre um ciclo
que inclui o aquecimento global ao longo dos anos, mas creio que como humanidade temos acelerado esse
processo por meio da crescente produção industrial e sofrido as conseqüências negativas de nossas ações.
Porém o foco ainda no desenvolvimento sustentável me remete à ideia ingênua de que se os indivíduos se
derem conta e mudarem seu comportamento, e essa mudança será proposta pela EA, automaticamente
prolongarão a sustentabilidade desse desenvolvimento.
Em seguida é citado o conceito de EA da Agenda 21:
um processo que visa a ―desenvolver uma população que seja consciente e preocupada com o meio ambiente e com
os problemas que lhes são associados. Uma população que tenha conhecimentos, habilidades, atitudes, motivações e
compromissos para trabalhar, individual e coletivamente, na busca de soluções para os problemas existentes e para a
prevenção dos novos (...)‖.

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Esse, como outros tantos conceitos oficiais, é vago, se utiliza de um discurso muito amplo e não clarifica o
que quer dizer com os termos utilizados. Porém, reconheço sua intenção de unir o individual ao coletivo, o que
é necessário para a efetiva transformação das políticas públicas. É apresentado o discurso do Programa:
Para o alcance da sustentabilidade, a educação ambiental propõe novas formas de conduta, impulsionando os
processos de mudanças culturais e sociais, tanto no que se refere ao papel do indivíduo - incluindo o de produtor e o
de consumidor - quanto no que diz respeito ao cumprimento de obrigações e deveres coletivos, na qualidade de
cidadão. Dentro dos princípios da sensibilização para a ação, a Fundação Estadual do Meio Ambiente - FEAM criou
o AmbientAÇÃO - programa de comunicação e educação socioambiental, desenvolvido em prédios públicos de
Minas Gerais tendo como alicerce de atuação a construção de novos referenciais de padrões de produção e de
consumo, a partir da prática dos 5Rs: Repensar, Recusar, Reduzir, Reutilizar, Reciclar.

Nesse trecho, o foco é a sustentabilidade que seria alcançada a partir das mudanças no comportamento,
que, por sua vez, resultariam em mudanças culturais e sociais. Aqui, me intrigou a referência ao papel do
indivíduo como produtor, sendo que não há esclarecimento algum sobre o que seria isso. Já o papel de
consumidor remete à responsabilidade de fazer um consumo responsável, que para o Programa é o
cumprimento de um dos deveres do cidadão.
Novamente é usado o termo sensibilização, levando a crer que o servidor é sensibilizado quando muda o
seu comportamento. E aqui surge o alicerce do Programa: a construção de novos referenciais de padrões de
produção, que não fica claro, e interpretei como geração de resíduos, e de consumo, que seriam conseguidos
com a prática dos 5Rs.
Na parte dos Objetivos (p. 13), estes são apresentados da seguinte forma:
O AmbientAÇÃO tem como objetivo promover a sensibilização para a mudança de comportamento e a
internalização de atitudes ambientalmente corretas, proporcionando a melhoria contínua do bem estar dos
funcionários públicos do Estado de Minas Gerais (p. 13). Desafios: estimular a reflexão, a participação e a mudança
de atitude dos funcionários; motivar ações e procedimentos ambientalmente corretos; usar racionalmente os recursos
disponíveis; orientar a segregação e a destinação final de resíduos, inclusive os perigosos; incentivar a melhoria da
qualidade de vida.

Nesse trecho, o discurso é de uma EA comportamentalista, acrescida de uma possível formação da atitude
ecológica com a referência à ―internalização de atitude ambientalmente corretas‖, se ela for resultado da
reflexão e da participação, desafios que o Programa reconhece. A melhoria da qualidade de vida seria resultado
da mudança de comportamento.
No capítulo seguinte, Aspectos, impactos e benefícios ambientais (p. 15), há algumas conceituações:
Aspectos e impactos ambientais possuem uma relação de causa e efeito. Aspecto ambiental é tudo aquilo que pode
modificar o meio ambiente, ou seja, refere-se à causa. Impacto ambiental é efeito, qualquer modificação, benéfica
ou adversa, ao meio ambiente. Somente a partir da percepção dos indivíduos para os aspectos ambientais das
atividades realizadas, é possível reduzir e, até mesmo, evitar os impactos ambientais. Seguindo o conceito de
prevenção, o programa AmbientAÇÃO é fundamentado nos principais aspectos ambientais encontrados nas
instituições públicas que geram impactos negativos ao meio ambiente, como o consumo de água, de energia elétrica
e de material de escritório, além da geração de resíduos e de ruídos, trazendo como benefícios: Redução do consumo
de água, de energia elétrica, de copos descartáveis e de papel A4; do desperdício; da geração de resíduos; de custos;
da poluição do solo, da água e do ar. Ampliação da reciclagem. Melhoria da qualidade de vida. Aumento da vida útil
dos aterros sanitários. Geração de trabalho e renda. Melhoria da qualidade de vida.

Aqui, de forma bem prática, é mostrado que toda atividade humana tem impactos sobre o meio ambiente, e
que é possível minimizá-los. Seria a busca por uma menor pegada ecológica – o tamanho das áreas produtivas

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de terra e de mar, necessárias para gerar produtos, bens e serviços que sustentam o estilo de vida – nas
instituições públicas.
No capítulo que apresenta as Linhas de ação (p. 19, 20), o texto é:
O Programa AmbientAÇÃO desenvolve as linhas de ação Consumo Consciente e Gestão de Resíduos, de maneira a
fomentar a prática dos 5Rs (repensar, recusar, reduzir, reutilizar e reciclar) e orientar na implantação da coleta
seletiva, por meio de ações contínuas de sensibilização e mobilização dos funcionários da administração pública de
Minas Gerais. Entenda os 5Rs: Repense: avaliar os valores e princípios que guiam suas ações é o primeiro passo
para o consumo sustentável; Recuse: aprenda a usar os recursos naturais para satisfazer as suas reais necessidades,
sem consumismo. No ato da compra, recuse, por exemplo, embalagens desnecessárias; Reduza: evite o desperdício e
a geração de resíduos, com a revisão dos hábitos diários; Reutilize: reaproveite o material em outra função. É
preciso reformar, restaurar, compartilhar, doar, trocar, estimular artesões e feiras de troca; Recicle: transforme
materiais já usados por meio do processo artesanal ou industrial, em novos produtos.

Na 1ª parte da apresentação das linhas de atuação, o foco é também a sensibilização e a mobilização para a
mudança de comportamento na instituição de trabalho. Já na prática dos 5Rs para o consumo sustentável e sua
descrição, essa mudança extrapola esse espaço e traz um novo indício da formação da atitude ecológica quando
remete à avaliação dos valores e princípios que guiam suas ações para outras situações que podem ocorrer fora
da CA, como os exemplos práticos sugeridos em cada um dos R‘s.
É apresentada a definição de consumo consciente como:
Evitar o desperdício é usar racionalmente os recursos naturais. Antes de realizar qualquer ação, é importante fazer a
seguinte pergunta: ―Eu realmente preciso usar isso? Ou comprar aquilo? Ou imprimir esse e-mail?‖

O objetivo da linha de ação Consumo Consciente é expresso como


conscientizar e a sensibilizar os funcionários para a redução do desperdício e para a importância do
reaproveitamento dos materiais, levando-os a repensar sobre os hábitos de consumo.

Esse consumo consciente é o uso racional sem desperdício dos recursos. O termo usado é conscientizar,
como algo que pode ser feito por meio da sensibilização. Entendo que a conscientização é resultante de um
longo e contínuo processo de reflexão e problematização da realidade. Assim como define Loureiro (2012), a
conscientização é um processo que depende da interação entre pessoas e da atuação na realidade, portanto não é
possível ―conscientizar alguém‖. Essa é uma afirmação e uma tentativa prepotente.
E em um quadro em destaque na página, está a informação:
Você sabia? Segundo dados da ONG WWF, a demanda humana por recursos naturais chega a 50% a mais do que o
planeta pode suportar. Seriam necessários quatro planetas Terra para permitir que todas as pessoas do mundo
consumissem tanto quanto os norte-americanos.

Aqui, a informação sobre a pegada ecológica dos norte-americanos é a referência para mostrar a
insustentabilidade da atual produção e padrão de consumo que tem pressionado a capacidade do planeta.
Conhecida como a maior pegada ecológica, o consumo dos norte-americanos é, talvez inconscientemente,
desejado por muitos brasileiros, e o crescente incentivo ao crescimento acelerado da economia para o
desenvolvimento do país, defendido pelo governo e apoiado por muitos, é um reflexo desse desejo.
No tópico Consumo consciente na prática (p. 21, 22) são dadas diversas dicas que podem ser aplicadas ao
contexto de um escritório, foco principal do Programa, e destacadas as ações prioritárias dessa linha: confecção

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e distribuição de blocos de rascunho com a reutilização do verso do papel A4 e substituição dos copos
descartáveis por canecas. E em um quadro em destaque na página está a informação:
Você sabia? Para fabricação de uma tonelada de papel reciclado, são necessários dois mil litros de água, ao passo
que, no processo tradicional, esse volume pode chegar a 100 mil litros por tonelada de papel produzido. A
reciclagem do papel também representa uma economia de energia elétrica de até 80%. Outro benefício é que, a cada
50kg de papel reciclado, uma árvore deixa de ser cortada.

Essa informação incentiva a reciclagem e a apresenta como uma solução possível e viável. Pelo exemplo
citado mostra-se como talvez a melhor alternativa para o papel, que é o principal resíduo gerado pelas
atividades na maioria das instituições públicas de Minas Gerais. No entanto, essa viabilidade é bastante
questionável com relação a outros tipos de resíduos, como mostram os autores estudados no referencial teórico.
Na apresentação da linha de Gestão de Resíduos (p. 23), destaco:
Todos nós geramos resíduos. Em média, cada pessoa gera 1kg de resíduo por dia. No Brasil, grande parte ainda é
depositado em áreas irregulares a céu aberto, gerando poluição da água, do solo e do ar, além da proliferação de
vetores de doenças, como ratos, moscas, baratas e escorpiões – impactos que poderiam ser reduzidos e evitados com
a prática dos 5Rs. É nesse contexto que se destaca a coleta seletiva – processo de separação e recolhimento dos
resíduos, conforme sua constituição em recicláveis e não-recicláveis. Além de preservar os recursos naturais e
prolongar a vida útil dos aterros sanitários, dispor separadamente os resíduos é uma responsabilidade social,
contribuindo para a geração de trabalho e renda e resgate da cidadania dos catadores de materiais recicláveis.

É apresentada a problemática dos resíduos sólidos, especialmente no que tange à sua disposição final. Em
relação ao trecho sobre a coleta seletiva, cabe uma crítica direcionada a essa visão simplista do cumprimento da
responsabilidade social do indivíduo, que seria dispor separadamente os resíduos, e outra à ideia de que
fornecer um resíduo reciclável com uma separação chamada ―de qualidade‖ significa o caminho para o resgate
da dignidade dos catadores. Infelizmente, o sistema no qual vivemos está interessado não apenas na exploração
ilimitada dos bens materiais para alimentar a sua produtividade material, como também, e especialmente, na
manutenção da desigualdade e da exclusão social e ambiental, pois se nutre dela. Assim, o discurso de resgate
da cidadania é absolutamente esvaziado. Ao invés de um novo trabalho com condições verdadeiramente dignas,
se propõe uma melhoria nas condições de um trabalho absolutamente indigno, pois alguém tem que fazer o
serviço sujo.
O objetivo da linha Gestão de resíduos é apresentado como:
fazer com que os servidores públicos assumam o papel de co-responsáveis pela gestão dos resíduos por meio da
redução do consumo, do reaproveitamento dos materiais e da identificação e separação dos recicláveis no ambiente
de trabalho.

Aqui, o servidor se torna co-responsável pela diminuição da geração de resíduos resultantes da sua
atividade e pela gestão desses resíduos de acordo com a proposta do Programa de reutilização dos papéis para
rascunho e a coleta seletiva.
Continuando, a cartilha apresenta os procedimentos para a realização da coleta seletiva, as ações
complementares e o processo de adesão e implantação do Programa. Nessas partes não identifiquei nenhum
termo relacionado à EA para destacar e comentar.

Problematizando o discurso da Cartilha do AmbientAÇÃO

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É notável a recorrência no discurso do Programa dos termos: ―modificar hábitos e padrões de
comportamento‖, ―o desenvolvimento sustentável é responsabilidade de todos‖, ―ações cotidianas podem fazer
a diferença‖, ―funcionário público como protagonista em ações direcionadas à sustentabilidade‖,
―internalização de atitudes ambientalmente corretas‖, ―nossa missão é buscar a sensibilização de mais
funcionários públicos‖ e ―multiplicadores do conceito do consumo consciente, somando esforços na construção
de um futuro sustentável‖.
Logo no início é revelada a crença de que o desenvolvimento sustentável é possível e alcançado por meio
do consumo consciente. Como critica Loureiro (2012), essa é uma tentativa de conservar as práticas
econômicas e associar desenvolvimento a crescimento e à expansão do mercado, o que se tornaria sustentável
desde que esse desenvolvimento seja pautado pelos princípios solidários, o reconhecimento do outro que está
por vir, como se isso garantisse a compatibilidade entre preservação da natureza e justiça social.
Sobre o termo cidadania estar relacionado ao cumprimento das obrigações e deveres coletivos dos
servidores, isso seria no âmbito do local de trabalho. Também quando é relacionado ao resgate da cidadania dos
catadores é usado de forma simplista e errônea. Não há citação ou relação do termo como deveria ser,
remetendo à existência do indivíduo em sociedade, segundo normas estabelecidas no âmbito do Estado e em
cada país, com direitos reconhecidos e garantidos pelo Estado, responsabilidades pessoais e perante o outro, e
que atua politicamente na definição dos rumos que se quer para a vida social (LOUREIRO, 2012). Somente na
citação do conceito de EA da Agenda 21 poderíamos fazer uma leitura do termo cidadania relacionado à
população consciente e que trabalha na esfera individual como na coletiva, mas essa interpretação fica a cargo
do indivíduo, como a sua transposição.
Nos diversos trechos a respeito do processo educativo, onde os objetivos e missão são expressos em
conjunto com os termos que estão voltados para a EA comportamentalista, acho necessário contrapor com a
afirmação de Loureiro (2006), de que o processo educativo
vai muito além da aquisição de informações, sensibilização, explicação causal de fenômenos e mudança de
comportamento (Loureiro, 2004b). Está além, portanto, da noção de que a informação e o uso de uma racionalidade
pragmática conduz o outro a adotar o ―comportamento ambientalmente correto‖, normatizando a ação cotidiana,
como se o ―correto‖ fosse uma condição exclusivamente objetiva e de acesso à informação cientificamente
produzida. (LOUREIRO, 2006:132)

E, de acordo com Guimarães (2008, s.p.), ―conscientizar não é simplesmente transmitir valores ‗verdes‘...
é, na verdade, possibilitar ao educando questionar criticamente os valores estabelecidos pela sociedade... em
busca de uma síntese pessoal que refletirá em novas atitudes‖. Portanto, não há nenhuma pista de que essa
problematização é proposta e construída com os servidores, em um exercício de constante reflexão que favoreça
à conscientização.
Sem esse processo que favorece a construção da conscientização, e se há apenas a formatação do
comportamento, a possibilidade de formação da atitude ecológica fica debilitada. Não há a emergência de um
sistema de crenças, valores e sensibilidades éticas e estéticas que possam ser adotados de forma a orientar os

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ideais de vida de um sujeito ecológico. Sem esse sistema internalizado como uma visão de mundo orientadora,
o máximo que se pode esperar é o cumprimento de uma série de regras a respeito de procedimentos
ambientalmente corretos e a conseqüente incongruência com relação ao comportamento adotado em outros
espaços, externos ao local onde se dá a prática educativa.
Após a análise documental, concluo que a ideia de EA expressa pelo Programa, com base na análise da
Cartilha AmbientAÇÃO: Educação Ambiental em prédios públicos de MG, está relacionada ao provimento de
informações para a sensibilização e a disciplinarização do comportamento, previstas na educação conteudista,
mecânica e racionalista.

Conclusões
A necessidade de desenvolver programas de EA com uma visão sistêmica da dinâmica ambiental, que
integrem a EA e a gestão ambiental de forma eficaz, o que é essencial para um trabalho efetivo e sólido, é
urgente, pois muitas das propostas que se dizem de EA se mostram, na prática, incipientes e reducionistas,
enfocando demasiadamente a reciclagem ao invés de ir ao cerne da questão, o consumo. Para tanto é preciso
problematizar constantemente o discurso e a prática e buscar sempre melhorias.
Problematizar o conceito de EA revela o tipo de visão dos envolvidos, a sua concepção pedagógica, se de
uma EA que almeja a aprendizagem significativa, ou outra que está apenas voltada para a provisão de
conteúdos e informações, e foca a mudança de comportamentos, tipo de proposta que pode até trazer alguma
contribuição à diminuição dos impactos negativos causados ao meio ambiente, mas é insuficiente. Carvalho
(2004:180-181) alerta que conseguir ―gerar comportamentos individuais ordeiros, preocupados com a limpeza
de uma área ou com a economia de recursos ambientais como a água ou a energia elétrica, pode ser socialmente
desejável e útil‖, e justificável até mesmo pela economia nos cofres, o que pode ser visto como um benefício
para a sociedade, ―mas não significa necessariamente que tais comportamentos sejam integrados na formação
de uma atitude ecológica e cidadã‖.
Educar ambientalmente é ir além. Para formar uma atitude ecológica e cidadã, os educadores ambientais
comprometidos devem estar atentos à orientação pedagógica das propostas que concebem e com as quais lidam,
para que essas não tenham como objetivo final apenas a mudança de comportamento, o que é importante no
processo, pelo seu efeito participativo e como modelo a ser seguido, mas não deve ser o alvo final. Precisam
romper com a visão paradigmática fragmentária, simplista e reduzida da realidade e apreender que o processo
educativo da EA precisa focar a formação da atitude ecológica, se quiserem, verdadeiramente, fomentar
esperanças de um viver melhor, de justiça e bem-estar.
Se somos educadores comprometidos com a mudança positiva na sociedade, então visamos a uma EA
crítica e transformadora, com propostas que estejam realmente alinhadas a esse ideal, sem contradições entre o
discurso e a prática, para promover o ambiente reflexivo e problematizador, tão essencial às aprendizagens
significativas. Esse educar é que resulta na formação de um sistema de valores internalizado como uma visão de

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mundo e orientadora dos posicionamentos do sujeito em todas as suas relações socioambientais, nos diversos
espaços. Com esperança esse sistema de valores internalizado passará por um processo de amadurecimento, de
movimento entre teoria e prática, entre ação e reflexão, e resultará em valores e visões de mundo mais
permanentes, revelando formação da atitude ecológica.

REFERÊNCIAS
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Belo Horizonte: Fundação Estadual do Meio Ambiente, 2012.
CARVALHO, I.C.M. Educação Ambiental: a formação do sujeito ecológico. São Paulo: Cortez, 2004.
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Ministério do Meio Ambiente, 2004. p. 25-34.
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LAYRARGUES, P.P. CASTRO, R.S. (Orgs). Pensamento complexo, dialética e educação ambiental. São
Paulo: Cortez, 2006a. p. 15-29.
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Educação Ambiental: da forma à ação. Campinas, SP: Papirus, 2006b.
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Ciência Moderna: a objetivação da natureza. Rio de Janeiro: SENAC/DN, 2008, s.p.
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Bernardo. Sustentabilidade e educação: um olhar da ecologia política. Coleção questões da nossa época, v. 39.
São Paulo: Editora Cortez, 2012. p. 55-73.
LOUREIRO, C.F.B. Problematizando conceitos: contribuição à práxis em educação ambiental. IN:
LOUREIRO, C.F.B.; LAYRARGUES, P.P. CASTRO, R.S. (Orgs). Pensamento complexo, dialética e
educação ambiental. São Paulo: Cortez, 2006. p. 104-161.

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PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL NA ESCOLA E AS RELAÇÕES DE
PERTENCIMENTO NA PROMOÇÃO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA
EDUCAÇÃO INFANTIL
JULIANO, Andreia232
BERSCH, Ângela Adriane Schmidt233
GARCIA, Narjara Mendes234
COUSIN, Claudia da Silva235

Resumo
O trabalho busca refletir sobre a importância do sentimento de pertencimento ao lugar na formação de
Educadores Ambientais, bem como na formação de crianças da Educação Infantil, público ao qual se direciona
esse ensaio reflexivo, assim como na proposta de pesquisa. A escola deve ser entendida como uma teia de
relações, pois se constitui num lugar de pertencimento onde os indivíduos atribuem um conjunto de signos e
símbolos a sua existência, se relacionam entre si e com o meio, tendo nessas relações um potencial
transformador. O ambiente enriquecido por símbolos e objetos, numa intra-relação, inter-relações entre os
sujeitos e com o próprio ambiente é o propósito da Educação Ambiental por meio das sessões de
Psicomotricidade Relacional, onde as crianças interagem e constroem significados ao longo de sua formação.
Sendo assim, pretende-se compreender como essa relação das crianças e/com o lugar, pode ser uma ferramenta
para a Educação Ambiental na base da formação e do desenvolvimento humano, assim como a potencialização
do sentimento de pertença ao lugar.

Palavras Chave: Pertencimento; Educação Ambiental; Psicomotricidade Relacional.

Introdução

Os indivíduos carregam seus lugares e isso os constitui como seres humanos atuantes na sociedade em
que vivem. Esses lugares são resultados de nossas interações e da profundidade de significados que atribuímos
a eles. As pessoas atribuem ao lugar o seu sentido seja ele físico ou subjetivo.

Ao iniciar sua vida escolar, as crianças de Educação Infantil, devem ter uma relação com o lugar
(escola) que seja rica de sentido para elas, contribuindo para uma educação transformadora, rica em valores de
respeito, solidariedade, consciência ecológica, relações sadias respeitando as diferenças e aprendendo a
construir uma sociedade ecologicamente equilibrada em todos seus ambientes.

232
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental- PPGEA, Universidade Federal do Rio Grande- FURG
andreiacosta.juliano@gmail.com
233
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental – Universidade Federal de Rio Grande – FURG; Docente do
curso de Educação Física – FURG angelabersch@gmail.com
234
Doutora em Educação Ambiental; Professora Adjunta do Instituto de Educação e docente no curso de Pós-Graduação em
Educação Ambiental – Universidade Federal de Rio Grande – FURG narjaragarcia@furg.br
235
Doutora em Educação Ambiental. Professora do Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental. Universidade Federal do
Rio Grande – FURG. profaclaudiacousin@gmail.com
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Ao refletir que o lugar acompanha sempre o indivíduo que percebe esse lugar de modo objetivo ou
subjetivo, vi que a proposta de pesquisa, tem uma grande relevância e importância social, pois tem como
objetivo intervir nas intra-relações e inter-relações que acontecem em um dos microssistemas da criança, que é
a escola.

Percebe-se portanto, a escola como um lugar de transformação pelo olhar do Educador Ambiental, a
inserção e atuação no ambiente escola é a possibilidade de educar pelas relações. Os indivíduos se relacionam
por meio de lugares e essas relações tem potencial transformador. Através das sessões de Psicomotricidade
Relacional236, que é a forma como se dará a intervenção com a Educação Infantil, é transparente essa relação
das crianças e/com o lugar e vice-versa, uma ferramenta para a Educação Ambiental na base da formação e do
desenvolvimento humano visando potencializar esse ―novo humano‖ que é a criança, a partir de uma educação
problematizadora rumo a uma nova ordem social sem opressores e oprimidos (VELASCO, 2008).

Nos primeiros anos de vida escolar, o significado desse lugar para as crianças deve ficar eternizado
como aquele espaço que foi preenchido com relações afetivas e vínculos marcantes que dão o sentido de
pertencimento do lugar. Lugar esse que forma, que educa, que permite vivências diversas e experiências ricas e
transformadoras.

Da mesma forma, esse lugar constitui a vida do Educador Ambiental, que vai preencher esse espaço e
deve atribuir a ele o significado transformador numa percepção de responsabilidade social. Esse lugar deve
pertencer ao educador assim como o educador deve pertencer esse lugar compondo um cenário propício à
aprendizagem, enriquecido por símbolos que formam esse lugar e assim se apropriam deles, num ―Balé do
Lugar‖ (MELLO, 2014) como conceituou o geógrafo Seamon que os movimentos corporais seriam o balé-do-
corpo e nossas rotinas espaço-temporais compõe a coreografia do cotidiano das pessoas. Esse conceito procura
analisar toda a interação social que acontece entre o indivíduo e sua corporeidade nas atividades simples do dia-
a-dia como tomar banho, caminhar num parque, brincar na escola formando assim o cenário da vida das
pessoas.

Por balé-do-corpo são entendidos gestos, passos, itinerários e movimentos que fazem parte de uma tarefa
ou um objeto qualquer como lavar pratos ou operar um maquinário. A rotina espaço-temporal incorpora o
balé-do-corpo e envolve atividades tais como levantar da cama ou caminhar para a fábrica. Desse modo, o
suporte ambiental, as rotinas espaço-temporais e o balé do corpo se fundem completamente. (MELLO,
2014, p.36)

236
Técnica de Intervenção que baseia-se, principalmente, nas relações entre os sujeitos através de jogos simbólicos, brincadeiras e
ludicidade explicada na continuidade do texto.
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Qualificar essa relação do corpo com a coreografia de forma tal que traga melhoria na qualidade de vida
dos envolvidos é um dos propósitos enquanto Educadores Ambientais. Para tanto, é preciso encontrar
mecanismos e estratégias para alcançar sucesso em tal tarefa.

A relação entre o lugar e a psicomotricidade relacional

O ambiente enriquecido por símbolos e objetos, numa inter-relação entre os sujeitos com eles mesmo,
com o outro e com o próprio ambiente é a nossa estratégia para atingir o propósito da Educação Ambiental.
Assim, adotamos a metodologia de intervenção intitulada de Psicomotricidade Relacional, onde as crianças
interagem e constroem significados ao longo de sua formação numa perspectiva da Teoria Bioecológica do
Desenvolvimento Humano desenvolvida por Bronfenbrenner (2002 e 2011). Para justamente refletir sobre a
importância das características das pessoas e os mecanismos dos processos proximais primários (lugar e
símbolos) como motores do desenvolvimento psicológico. O lugar, pensando no ambiente escolar, é um
microssistema da criança e nesse por sua vez, acontecem as interações mais imediatas possuindo elementos que
influenciam esse desenvolvimento.

A psicomotricidade relacional explica Negrine (1995), é organizada com momentos de rituais que são:
rito de entrada (onde são feitos os combinados e exercícios de planejamento das atividades de brincar), sessão
propriamente dita (atividades que promovam desafios com postura lúdica e interacional), sensibilização
(relaxamento e/ou reflexão sobre a sessão) e rito de saída (comentários sobre criações nos jogos e atividades,
além de proporcionar o exercício de escuta e verbalização) num ambiente próprio e estimulador, estabelecendo
assim um lugar de interações e relações e não apenas um espaço sem significados.

Nessa reflexão e pesquisa é perceptível e o ―Triunfo do Lugar sobre o Espaço‖ (MELLO, 2014),
considerando que a escola, e mais especificamente esse lugar onde as sessões de Psicomotricidade Relacional
irão acontecer, não pode ser entendido por um espaço das crianças brincarem e sim um lugar onde acontece um
comprometimento com seu desenvolvimento, que visa a idealizar um novo modelo de ser humano que supere o
modelo de desenvolvimento social e econômico vigente.

Desta forma, esse olhar ecológico não enfoca na construção do lugar negativo e transitório e sim no
olhar de um lugar onde a responsabilidade social do educador deve ser em proporcionar o desenvolvimento,
perceber esse aluno em processo, em mudança; acreditando sempre que essas mudanças são para melhor. São
as diferentes relações que acontecem nos lugares e como esses indivíduos as percebem que influenciam no
desenvolvimento humano (BRONFENBRENNER, 2002).

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O ato de brincar é a tônica das sessões de Psicomotricidade Relacional. Visto que através do ato de
brincar, a criança se comunica com o mundo e o constrói. Quando brinca, demonstra sentimentos, angústias,
dificuldades e habilidades. Percebe-se enquanto ser e coloca-se em sociedade. As crianças não são
explicitamente ensinadas a brincar. Vão construindo suas histórias a partir de suas vivências e ―bagagem‖ de
mundo, aprendem sem sequer saber que estão aprendendo com o simples ato de brincar (FALKENBACH,
1999).

Implicitamente, a criança se desenvolve tanto no aspecto motor quanto no aspecto psicomotor. O corpo
é sua ferramenta de interação e comunicação, sabemos que quanto mais estímulos recebemos, mais interações
nervosas estão sendo estimuladas a acontecer no nosso cérebro, o que é extremamente benéfico para o
desenvolvimento humano. Portanto, um ambiente estimulador em forma de observatório pode ser um grande
caminho de possibilidades do ato de aprender e um lugar eternizado para rememorar situações vividas e que
contribuíram para formação do indivíduo e sua qualidade de vida.

Na relação de pertencimento o lugar pode ser percebido de modo objetivo ou subjetivo e nesse sentido,
essa pesquisa tem um impacto significativo e uma relevância social, uma vez que propõe a intervenção nas intra
e inter-relações que ocorrem em um dos principais contextos de atuação da criança, a escola. Os indivíduos
estão diretamente interligados a outras pessoas e seus lugares e isso os constitui como seres humanos atuantes
na sociedade em que vivem. Esses lugares, o que Bronfenbrenner (2002) denominaria de micro e mesosistemas,
são resultados de nossas interações e da profundidade de significados que atribuímos a eles, segundo o que nos
diz Lívia de Oliveira (2014). As pessoas atribuem ao lugar o seu sentido seja ele físico ou subjetivo. Ao iniciar
sua vida escolar, as crianças de Educação Infantil, devem ter uma relação com o lugar (escola) que seja rica de
sentido para elas, contribuindo para uma educação transformadora, rica em valores de respeito, solidariedade,
consciência ecológica, relações sadias respeitando as diferenças e aprendendo a construir uma sociedade
ecologicamente equilibrada em todos seus ambientes.

Percebendo, portanto, a escola como um lugar de transformação pelo olhar do Educador Ambiental, a
inserção e atuação no ambiente escola é a possibilidade de educar pelas relações. O ambiente enriquecido por
símbolos e objetos, numa inter-relação entre os sujeitos com eles mesmo, com o outro e com o próprio
ambiente é o propósito desse estudo no campo da Educação Ambiental.

Discussão e Resultados

Seguindo nas reflexões a cerca desses lugares que permeiam nossa existência (e as existências que
permeiam os lugares), pôde-se identificar que a identidade do sujeito se firma com as relações que acontecem
em determinados espaços como corrobora Berdoulay (2014). Nesse emaranhado de relações entre sujeitos e

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lugares, o indivíduo toma consciência de si mesmo, de seu papel na sociedade, de seus afetos, suas relações
consigo mesmo bem como com o outro. Sendo assim, partindo do pressuposto dessa pesquisa onde as crianças
serão estimuladas a brincar e relacionar-se através das sessões de Psicomotricidade Relacional, o lugar - que é a
sala onde acontecem as sessões - não pode ser desconsiderado da sua formação, pois ele será um ambiente
estimulador dessa percepção de si mesmo em interação com o contexto e suas ações.

Esse lugar, nesse contexto de pesquisa, que é a sala onde acontecem as sessões, torna-se o palco dos
atores sociais. Numa sessão de Psicomotricidade Relacional os atores não são somente as crianças que
participam dela, mas também todos os objetos que permeiam esse espaço e compõem esse lugar assim como a
pesquisadora e educadora. Dessa forma, como nos diz Berdolay (2014) esse lugar torna-se nosso território de
troca de experiências e relações transformadoras, diferentemente do conceito de território visto apenas como
uma divisão administrativa e sim numa visão de relações, representações, sentimentos de pertencimento, ou
seja, um território de laços que teremos com esse meio.

De todo o modo, as questões de extensão, limites e escala permanecem, frequentemente, incontornáveis


para quem quer, ou deve, utilizar a noção de território. Sua utilização torna-se ainda mais difícil quando
nos interessamos pelas representações, pelos sentimentos de pertencimento territorial, por todos os
aspectos (inclusive afetivos e emocionais) dos laços que o homem mantem com seu meio. (BERDOLAY
e ENTRIKIM, 2014 p. 96-97)

Ao considerar esse microssistema que é a escola e mais especificamente a sala de Psicomotricidade


Relacional, os sujeitos irão agir no interior das tensões criadas pela autonomia percebendo seu pertencimento ao
grupo e sua subjetivação. Essa percepção do indivíduo sobre sua própria identidade e essa capacidade de
reflexão e transformação de comportamentos é a base desse estudo onde a mudança de comportamentos seria a
ideologia de formar sujeitos mais conscientes e atuantes na sociedade em que vivem. Avaliar os processos
de interação das crianças com o contexto no qual estão inseridas e se desenvolvendo em um determinado
período de tempo torna-se uma grande responsabilidade social enquanto pesquisadora, pois o sujeito e lugar são
constitutivos um do outro (BERDOLAY, 2014). Agindo nesse microssistema e permitindo o empoderamento
desses sujeitos sobre o lugar, a criança nessa relação de pertencimento, pode transformar e qualificar suas
relações com outros microssistemas a partir de experiências significativas que vivencia.

A situação da criança estar na escola é a situação que produz uma circunstancialidade, ou seja, um
acontecimento no mundo contemporâneo em determinado lugar (MARANDOLA, 2014), especificamente no
caso dessa pesquisa, das vivências na sala de Psicomotricidade Relacional. Essa proposta de intervenção,
procura estabelecer com as crianças um lugar constitutivo da existência humana pelas relações. Não somos
seres isolados e sim seres no mundo se relacionando por meio de lugares. Não nos constituímos isoladamente.
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É através de lugares que nos identificamos ou recordamos, firmando assim nossa existência no mundo
circundante como explicita Marandola ―o mundo circundante se converte em esferas de proteção e sentidos
vividos pelo eu na contemporaneidade‖ (2014, p. 231).

Partindo da ideia de mundanidade sendo tudo que está no mundo, o universo, as relações mais amplas
que nos afetam e o lugar se referindo à mundanidade de nosso cotidiano (MARANDOLA, 2014), todos os
lugares contribuem para nosso desenvolvimento humano de acordo como percebemos esse lugar. A
possibilidade de viver e experimentar corporalmente uma sessão de Psicomotricidade Relacional atribui para
esse lugar a responsabilidade social na construção dos sujeitos envolvidos, sendo mais um lugar de afetos.
Nossos lugares de afeto são sempre lembrados pelas vivências. A forma como o sujeito constitui sua presença
nesse lugar vai constituir a forma como vai ver e atuar no mundo contribuindo para a ideia de que o lugar está
diretamente ligado ao nosso ser-no-mundo. E o corpo é onde projetamos e acondicionamos os significados e
sentimentos das diversas e múltiplas relações e interações com os diferentes lugares, como nos ensina Chaveiro
(2014) ele assume um conceito de ―guardador de lugares‖ por todas as relações que temos ao longo de nossa
vida, sejam por ligações simbólicas ou concretas.

Dessa forma que a Psicomotricidade Relacional se insere por ser uma prática de ensino que tem por base
a construção de possibilidades de aprendizagens, por meio de uma sistemática dialógica. Negrine (1995), um
dos precursores desta prática no Brasil esclarece que se trata de uma abordagem que oportuniza uma atitude
ativa dos participantes diante de possíveis conflitos internos por meio de atividades lúdicas e jogos simbólicos
em um ambiente seguro e prazeroso. Aos participantes, afirma Negrine (1995), a Psicomotricidade Relacional
pode propiciar o exercício do pensamento por intermédio do planejamento, elaboração e desenvolvimento de
atividades concretas; a promoção da atenção, da verbalização e da escuta de si e dos demais colegas;
oportunidades de vivências corporais concretas diversas e plurais; o comportamento cooperativo e agregador
entre os participantes; a criatividade, o desenvolvimento e planejamento de temas teatrais e da dança. Por essas
ações e experiências nesse lugar, que as crianças vão atribuindo significados de modo a proporcionar o
pertencimento desse lugar e não o seu ―desencaixe‖, para que esse lugar não se torne fantasmagórico com
relações superficiais e sim assuma um caráter de ―casulo protetor‖.

O desencaixe (...) indica o descolamento das relações sociais dos contextos locais e suas articulações
através do espaço-tempo. (...) O reencaixe só pode ocorrer de maneira significativa se for possível ajustar
as práticas regulares a especificidade do lugar (...). No entanto, quando Giddens busca uma ligação mais
originária para segurança ontológica, como característica própria do mundo circundante, ele recorre ao
casulo protetor. Esse ente é o que garante a condição protetora do mundo circundante. (MARANDOLA,
2014, p. 240-241)

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Contudo, a experiência rica em significados e sentimentos não se dá de forma simples, ao contrário, é
um processo complexo, mas quando mediado por um Educador Ambiental que tem o conhecimento sobre essas
relações e como se estabelecem pode transformar as vivências em experiências ricas em significados e
aprendizagens.

Considerações finais

As sessões de Psicomotricidade Relacional são uma forma de explorar as possibilidades das crianças,
entendendo o corpo como instrumento de ação e de comunicação com o mundo, potencializadas pelo
sentimento de pertencimento ao lugar. Através do corpo exprimimos nossas sensações e intenções. Antes
mesmo de verbalizarmos, nosso corpo já está ―falando‖. Essa comunicação por meio do corpo pode ser
explorada a fim de potencializar as diversas formas de aprender particulares de cada sujeito.

O corpo é o veículo para dar sentido aos lugares, é uma potência de transformação. Dessa forma, assume
também a posição de ator de todas as relações e interações no lugar. O corpo é a principal via de comunicação
da criança e é por meio dele que ela experimenta as múltiplas sensações, sentimentos e significados. Nas
sessões de Psicomotricidade Relacional o corpo e as emoções têm espaços privilegiados na formação da pessoa,
visto que por meio desta metodologia potencializa-se o desenvolvimento e a aprendizagem, nesse caso
especificamente das crianças, numa perspectiva de educação ambiental transformadora dos sujeitos em
desenvolvimento. Essa metodologia permite que a criança passe de uma situação passiva diante de possíveis
conflitos à outra ativa, onde por meio do brincar, das relações e interações que ali se estabelecem, mediadas
pelo Educador Ambiental, potencializa o seu desenvolvimento bioecológico.

Referências

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ed. Porto Alegre: ArtesMédicas, 2002.

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Artmed, 2011.

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HOLZER, Werther.; OLIVEIRA, Lívia de.; Qual o espaço do lugar 1. ed. São Paulo: Perspectiva, 2014.

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HOLZER, Werther.; OLIVEIRA, Lívia de.; Qual o espaço do lugar 1. ed. São Paulo: Perspectiva, 2014.

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Porto Alegre: Ed. Prodil, 1995

VELASCO, Sírio Lopez. Introdução à educação ambiental ecomunitarista. Rio Grande: Ed. da FURG, 2008

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ISBN 978-85-7566-380-6
SUBPROJETO PIBID INTERDISCIPLINAR: PROBLEMATIZANDO DISCURSOS E
PRÁTICAS EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO CONTEXTO ESCOLAR
Larissa Rodrigues de Oliveira237
Danielle Monteiro Behrend 238
Instituição Financiadora: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

Resumo

O presente texto põe-se a discutir sobre o trabalho que vem sendo desenvolvido no Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID, no Subprojeto Interdisciplinar da Universidade Federal do Rio Grande
– FURG, o qual tem como objetivo oportunizar a formação inicial e continuada de professores, propondo
estudos e discussões no campo da Educação Ambiental (EA). Nesta escrita apresentamos inicialmente o
Subprojeto Interdisciplinar, destacando a sua estrutura organizacional, campo de atuação e sujeitos
participantes. Posteriormente, abordamos uma breve análise dos discursos sobre Educação Ambiental, os quais
estão sendo construídos pelos participantes do Subprojeto Interdisciplinar. Por fim, apresentamos os projetos
que estão sendo desenvolvidos em três escolas públicas no município do Rio Grande, a partir da pesquisa do
contexto escolar e dos estudos realizados. Por meio da análise dos discursos dos participantes do Subprojeto e
da elaboração dos projetos nas escolas, compreendemos que o processo de apropriação dos conceitos que
compõem as ações sobre a Educação Ambiental no cotidiano escolar, se realiza de forma progressiva e
continuamente, enquanto são aplicados e reiterados com base nos estudos e pesquisas desenvolvidos pelos
membros do Subprojeto Interdisciplinar.

Palavras-chave: Escola. Educação Ambiental. Projetos.

Subprojeto Interdisciplinar: “Abordagens Temáticas para Sociedades Sustentáveis”


O Subprojeto Interdisciplinar vinculado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência –
PIBID, intitulado ―Subprojeto Interdisciplinar: Abordagens Temáticas para Sociedades Sustentáveis‖ tem como
principal objetivo problematizar a formação de professores com foco na sustentabilidade e no contexto
sociocultural, através de abordagens temáticas interdisciplinares e transversais a serem desenvolvidas nas
escolas. (SUBPROJETO PIBID INTERDISCIPLINAR, 2013).
O Projeto iniciou suas atividades no primeiro semestre de 2014 e neste ano de 2015 segue com o
desenvolvimento das ações com as escolas parceiras, são elas: a Escola Estadual de Ensino Fundamental Nossa
Senhora Medianeira; a Escola Municipal de Ensino Fundamental Sant´Ana e a Escola Municipal de Ensino
Fundamental Professor João de Oliveira Martins.
O Subprojeto PIBID Interdisciplinar, ao qual pertencemos, é constituído por dezenove integrantes,
sendo uma coordenadora de área, professora da universidade, três professoras supervisoras, que atuam na

237
Acadêmica do 6º semestre do curso de Pedagogia. Universidade Federal do Rio Grande - FURG.
E-mail: lara.adm11@gmail.com
238
Pedagoga, Mestre em Educação Ambiental e professora Assistente da Universidade Federal do Rio Grande – FURG. E-mail:
daniellefurg@yahoo.com.br
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educação básica e quinze licenciandos de diferentes áreas do conhecimento, entre elas: Pedagogia; Letras;
Educação Física; Química, História e Biologia.
Nossa dinâmica de trabalho articula-se com as propostas do PIBID Institucional, desenvolvendo ações
que são construídas coletivamente com os coordenadores dos demais Subprojetos. Destacamos como ações
articuladoras, as Rodas de Formação semanais que ocorrem na Universidade; a inserção na escola; o
desenvolvimento de ações no espaço educativo; escrita de histórias de sala de aula; diálogos virtuais no
ambiente moodle239 e escritas reflexivas registradas nos portfólios coletivos.
Em nossas reuniões na universidade apostamos na escrita como potencializadora do processo de
formação docente, realizando estudos e escritas com embasamento em referenciais teóricos acerca da formação
de professores, articulado com leituras no campo da Educação Ambiental, a saber: Loureiro (2012a), (2012b);
Carvalho (2004); Reigota (2009); Layrargues (2002), Cascino (1999), além da análise das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental (DCNEA) e do documento que institui a Política Nacional
de Educação Ambiental (PNEA).
Cabe destacarmos que as atividades na escola também ocorrem semanalmente. Neste contexto, uma
professora supervisora que atua na escola recebe cinco licenciandos e juntos iniciam o trabalho de
reconhecimento da instituição, buscando no primeiro momento conhecer a história da escola, a estrutura
organizacional, física e pedagógica. Para realização deste trabalho de pesquisa, o grupo conta com o apoio e a
participação de membros da equipe diretiva da escola, os quais colaboram com o processo de investigação.
A partir do trabalho de pesquisa do contexto escolar em cada uma das instituições, o grupo de
licenciandos e professoras supervisoras fizeram um levantamento das necessidades destas, realizando um
estudo das questões observadas para a construção de projetos interdisciplinares numa perspectiva
socioambiental, que aposta em práticas coletivas realizadas na/com a escola e nas/com as comunidades.
As ações interdisciplinares planejadas para serem desenvolvidas com a escola, estão para além das
aproximações entre as diferentes áreas. Nas palavras de Cascino (1999), entendemos que ―não se trata de
simples cruzamento de ―coisas‖ parecidas; trata-se, bem ao contrário, de constituir diálogos fundados na
diferença, abraçando concretamente a riqueza derivada da diversidade‖ (p. 71).
As discussões sobre Educação Ambiental no grupo de estudo principiaram no segundo semestre de
2014, para tanto, inauguramos um debate virtual no ambiente moodle, a partir do seguinte questionamento: O
que entendemos sobre Educação Ambiental?.
Neste espaço dialógico de aprendizagem os licenciandos e os professores supervisores trouxeram o seu
posicionamento sobre as compreensões que estavam sendo construídas a partir das leituras e das discussões
oportunizadas no Subprojeto Interdisciplinar. Tais compreensões proporcionaram foco aos projetos elaborados
para serem desenvolvidos nas escolas, em consonância com a Resolução nº 2, que estabelece as Diretrizes

239
Ambiente virtual de Aprendizagem.
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Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental (DCNEA). Em seu artigo 8 é defendido que a Educação
Ambiental ―deve ser desenvolvida como uma prática educativa integrada e interdisciplinar, contínua e
permanente em todas as fases, etapas, níveis e modalidades [...]‖ (BRASIL, 2012, p. 3).
A partir desse enfoque, somado as observações realizadas e aos posicionamentos construídos na
concepção de EA, os projetos, que serão mencionados no decorrer do trabalho, foram elaborados sobre as
perspectivas sócio-político-ambiental da EA com intuito de proporcionar aos envolvidos (licenciandos,
professores, discentes e comunidade escolar) o desenvolvimento de suas ―competências, capacidades,
habilidades e comportamentos vinculados à formação do ser, ao pensar o mundo e refletir sobre a existência, ao
atuar na construção da história e ao se posicionar politicamente‖ (Loureiro, 2012a, p. 76), permitindo a
aproximação entre a teoria envolvida na temática principal dos projetos e as ações resultantes dos mesmos,
principalmente no ambiente escolar.
Partindo dessa compreensão, conforme Loureiro (2012a, p. 13) cada indivíduo ao ampliar a visão crítica
a respeitos das relações em sociedade e dos papéis de cada um nessas relações, distancia-se das ―[...] panaceias
e ―soluções caídas do céu‖, com baixa problematização sobre suas premissas e meios de realização‖, da mesma
forma Layrargues (2002, p. 4) defende ―[...] que a educação, no contexto de uma crise ambiental, é uma fonte
de grande esperança para o futuro, pois ela representa o locus propício para que a sociedade possa se
reencontrar com a natureza‖.
Sendo assim, na próxima seção do texto apresentamos brevemente os discursos dos bolsistas de
graduação e das professoras supervisoras, com interlocuções teóricas para melhor compreender o
posicionamento do grupo sobre a Educação Ambiental.
Análise das discussões realizadas no Fórum: “Qual a minha compreensão acerca da Educação
Ambiental?”
Ao realizar a análise das manifestações do grupo sobre os entendimentos anteriores aos estudos de EA,
foi possível perceber que a maioria relacionava o conceito com questões direcionadas ao meio ambiente, tais
como: conservação de recursos naturais; reciclagem de lixo; ecologia, entre outros. Essas questões somadas às
percepções sobre as relações existentes entre os indivíduos, e desses com o meio em que vivem no intuito de
gerar novas alternativas para as problemáticas resultantes dessas relações, constituem o conceito amplo de EA.
Entendemos que ao propor discussões e práticas em Educação Ambiental, precisamos (re) significar a
nossa compreensão acerca do termo, contemplando a dinâmica social, cultural, histórica e política, pois só
assim vamos superar as visões reducionistas acerca deste campo de conhecimento, percebendo-o de forma mais
ampla e interdisciplinar.
A partir desse entendimento, Reigota (2009) aponta a Educação Ambiental como educação política que
―está comprometida com a ampliação da cidadania, da liberdade, da autonomia e da intervenção direta dos
cidadãos e das cidadãs na busca de soluções e alternativas que permitam a convivência digna e voltada para o
bem comum‖ (p. 13).
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A percepção acerca dos estudos sobre EA por parte dos licenciando e das professoras, foram avançando
na medida em que o grupo se aprofundava nas leituras desse campo, percebendo que a EA não refere-se
exclusivamente às questões de proteção e conservação das espécies animais e vegetais. (Reigota, 2009). Esse
entendimento foi sendo aprimorado nas manifestações dos licenciandos e das professoras supervisoras. Após os
primeiros estudos das bibliografias sobre o tema, e no aprofundamento das discussões com os demais, outras
questões foram levantadas como: aspectos sociais, a postura dos sujeitos frente às problemáticas da vida em
sociedade, a conscientização sobre os papéis de cada indivíduo na manutenção da vida de forma geral e o papel
da educação escolarizada no que tange aos exemplos de conduta e mudança de paradigmas.
Segundo Boff (2012) a educação ―reforça o processo emancipatório humano. As pessoas passam de
espectadoras passivas a sujeitos ativos de sua história‖ (p. 150) e acrescenta ainda, a importância de permitir
aos educandos a apropriação de conhecimentos úteis para ―atender suas necessidades e desenvolver suas
potencialidades‖ ao passo que permite realizar um levantamento crítico e uma avaliação sobre as experiências
do passado para a partir disso desenvolver sua própria forma de pensar e agir frente as adversidades da
sociedade atual.
Com base nessas premissas embasamos o trabalho desenvolvido com os licenciandos e professoras
supervisoras, ao identificar em suas falas exemplos como os seguintes:
Educação ambiental apareceu pra mim como algo que engloba todas essas relações [de valores entre
―ser‖ e ―ter‖, sentimento de coletivo, honestidade e respeito], e que deve ser transmitida como algo presente o
tempo todo como uma doutrina escolar (no lugar de algo elaborado em oficinas) regendo como uma espécie de
bom senso para se enraizar na cultura esses princípios que estão ficando de lado (Licenciando do curso de
Biologia).
E ainda: ―pensar educação ambiental como educação política, que deve se comprometer com a
ampliação da liberdade, da autonomia, da intervenção da sociedade, como busca de soluções e alternativas
para o bem-estar comum, e a construção da cidadania. Onde as reflexões se transformam em ações. Por fim,
não adianta apenas falar, mas também mudar comportamentos individuais e coletivos, e que esses exemplos a
serem seguidos partam de nós, não com a ambição de mudar o mundo e a todos, mas que estaremos fazendo a
nossa parte‖ (Licencianda do curso de Letras).
Nesta perspectiva uma das professoras da educação básica, manifesta que: ―quero destacar o meu
entendimento de que a educação ambiental é um fazer pensar, é criar consciência, é transformar o aluno em
um ser crítico, capaz de refletir sobre suas ações e principalmente as transformarem em algo melhor. Que a
educação ambiental escolar deve enfatizar o estudo do meio onde vive o aluno, problematizando seu cotidiano
e contextualizando seus estudos na busca de possibilidades concretas para a solução dos mesmos”.
Os exemplos citados acima corroboram com as intenções da política de EA esplanadas no artigo 1º da
Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, que dispõem sobre a Educação Ambiental e institui a Política Nacional de
Educação Ambiental-PNEA:
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Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade
constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a
conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua
sustentabilidade (Brasil, p. 1).

Assim como vem ao encontro do objetivo definido no inciso I, art. 5º, da referida lei, que aplica a EA ao
―desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações,
envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e
éticos‖. (p. 2). Nesse sentido, os estudos sobre EA atingem o patamar de relevância social, e mais
especificamente no âmbito escolar, (que é o foco principal do programa mencionado – Pibid) o de construção
de conhecimento e pensamentos críticos e reflexivos que se tornarão ações e condutas pró ativas, como
mencionado nas manifestações a seguir:
(...) a educação ambiental não é apenas a preservação do meio em que vivemos, é também a
construção política social voltada para conscientização das pessoas. Por isso acho muito importante esse tema
ser debatido nas escolas desde o início do ensino fundamental” (Licencianda do curso de Química)
Em direção semelhante, a licencianda do curso de Letras afirma:
Pude perceber que a Educação Ambiental não esta somente relacionada a natureza e/ou a "movimentos
verdes", mas na construção de uma política social voltada para conscientização dos cidadãos, como seres
pensantes que são, de que apresentam direitos e deveres. E que esta conscientização deve estar relacionada a
uma política social voltada para a prática de ações democráticas dos cidadãos .‖
Percebemos nas escritas exemplificadas que os membros do subprojeto têm se apropriado do conceito
de EA no sentido mais amplo que envolve as relações sociais, pois entendem que falar de EA é também
modificar a conduta no que tange ao modo de vida e perspectivas de um futuro, tanto para si quanto para a
coletividade, defendendo interesses globais de preservação da vida humana e não humana.
Como menciona Loureiro (2012a), a EA é portadora de processos individuais e coletivos que
contribuem para redefinir o ser humano como parte da natureza, para ―o repensar‖ a vida e existência humanas,
e ainda para:
[...] a potencialização das ações que resultem aos patamares distintos de consciência e de atuação política,
a reorganização das estruturas escolares e dos currículos em todos os níveis de ensino formal; e a
vinculação das ações educativas formais, não formais e informais em processos permanentes de
aprendizagem, atuação e construção de conhecimentos adequados à compreensão do ambiente e
problemas associados. Em síntese, uma práxis educativa que é sim cultural e informativa, mas
fundamentalmente política, formativa e emancipadora, portanto, transformadora das relações sociais
existentes (p. 37).

Com base nas manifestações dos componentes do Subprojeto e da bibliografia utilizada, relacionamos
tais compreensões com as ações vinculadas aos projetos, o que comprova a transformação ocorrida nos
entendimentos e como isso pode auxiliar nas interações sociais, nas atividades pedagógicas, e, sobretudo nas
relações construídas com a comunidade escolar como um todo.

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Na concordância com essas concepções entendemos que ao propor ações coletivas com as escolas na
perspectiva de uma Educação Ambiental que potencializa a participação dos sujeitos, a autonomia e o pensar
crítico, é possível que essa proposta gere um movimento na escola, (re) significando os pensares sobre as
práticas em EA. Segundo Tristão (2002) ―Trata-se de ampliar a função da escola, de simples transmissão de
conhecimento para estabelecimento de uma comunicação crítica, criadora de um sistema imaginativo e
transformador da cultura e do ser humano” (p. 173).
Embasados nessa premissa, defendemos a importância de realizar práticas educativas e pedagógicas
voltadas para EA no ambiente escolar, para que possamos proporcionar aos sujeitos em formação escolar, a
ampliação de suas formas de entender, pensar e agir critica e estrategicamente, frente às dificuldades que serão
enfrentadas durante suas trajetórias de vida em sociedade.

Apresentação dos projetos nas escolas


Os projetos desenvolvidos no ano de 2014 são respectivamente: ―Interação lendo o mundo‖ (Escola
Estadual de Ensino Fundamental Nossa Senhora Medianeira), ―O Ciberbullyng no ambiente escolar‖ Escola
Municipal de Ensino Fundamental Sant´Ana e ―Juventude e meio ambiente: semeando ideias, colhendo
transformações‖ (Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor João de Oliveira Martins).
No ano de 2015 os projetos das escolas Medianeira e João de Oliveira Martins receberam novos
enfoques, sendo respectivamente ―Mãos e Ideias: Repensando a Educação Ambiental‖ e ―Juventude e meio
ambiente, semeando ideias, colhendo transformações: Um outro olhar‖, e o projeto da escola Sant`Ana manteve
o mesmo tema ampliando as discussões acerca do Ciberbullyng.
Todos os projetos consistem na realização de pesquisas e estudos bibliográficos sobre as temáticas a
serem debatidas em Rodas de conversa, que embasarão as atividades, como as oficinas, saídas de campo240,
desenvolvimento de material escrito (revistas), análise de vídeos, esquetes241 de teatro, e mostras de produções
(portfólios, painéis, jogos e brinquedos).
Os encontros na escola acontecem semanalmente e contam com a participação ativa dos discentes das
escolas, e também com o apoio das equipes diretivas, no sentido de propiciar o trabalho coletivo e
principalmente incentivar a reflexão e a ação dos alunos, na intenção de que eles sejam protagonistas das
transformações que almejam.
Conforme mencionado anteriormente, os estudantes da educação básica participantes dos projetos, são
convidados a participar de acordo com a proposta e com as demandas da escola. Atualmente contamos em
média com vinte alunos da escola Sant´Ana, cinquenta e sete alunos da escola Medianeira e aproximadamente
trinta estudantes da escola João de Oliveira Martins.

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Devidamente autorizadas pelos responsáveis, com o aval das escolas, organizadas e acompanhadas pelos membros das equipes dos
projetos.
241
Designa peça de curta duração e poucos atores.
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Importante destacar que os estudantes da escola Medianeira são das turmas de 5º ano, já que a
professora supervisora que atua conosco no subprojeto é docente neste nível de ensino e as turmas atendidas
das escolas Sant´Ana e João de Oliveira Martins são das séries finais do Ensino Fundamental.
As proposições em cada escola são realizadas a critério de cada equipe, respeitadas as peculiaridades das
faixas etárias para a definição das ferramentas de comunicação a serem utilizadas, assim como a linguagem e as
atividades voltadas aos interesses dos estudantes das escolas.
A formação de um pensar crítico e estratégico na criação de soluções práticas pode ser considerado um
dos objetivos da realização dos projetos vinculados a EA, pois os conhecimentos agregados a partir desses
estudos devem e precisam ser desenvolvidos nas práticas escolares, de modo claro e lúdico, para ser assimilado
e realizado no cotidiano escolar, pois entendemos que a Educação Ambiental possibilita interlocuções
pertinentes e enriquecedoras para refletir e problematizar as relações socioambientais (Carvalho, 2004).

Considerações finais
O Pibid enquanto política pública de formação docente tem potencializado a inserção de futuros
professores na escola desde o início do curso de licenciatura. A aposta do Subprojeto Interdisciplinar está em
articular ações interdisciplinares com as escolas a partir das emergências deste contexto.
A partir de todas as etapas deste trabalho, entendemos que pensar a Educação Ambiental na escola,
requer compreendermos os discursos dos educadores em formação sobre EA, para então problematizar suas
percepções e assim avançarmos em ações coletivas que pretendem desenvolver no espaço educativo.
Nossa intenção não foi buscar um marco conceitual para EA, pois entendemos que é um campo que
predomina a diversidade de opiniões, assim como diversas maneiras de conceber e de praticar a ação educativa.
(Sauvé, 2005).
Cabe salientar que as compreensões apresentadas dos licenciandos e das professoras das escolas
apontam na direção de uma EA que possui um caráter emancipatório de mudanças comportamentais, tanto em
relação ao próprio sistema educacional e suas funções, quanto às reflexões a respeito dos papéis sociais e
daquilo que é possível realizar a partir da ampliação desse entendimento.
Reconhecemos que o trabalho que estamos desenvolvendo por meio do Pibid nas referidas escolas ainda
caminha na busca por uma EA para além das relações naturais e ecológicas. Assim, como sinaliza (Loureiro,
2012b), apostamos na EA transformadora, por visar à mudança societária, a partir da compreensão do mundo
em sua complexidade e na vida em sua totalidade.

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RUSCHEINSKY, Aloísio (org.). Educação Ambiental: abordagens múltiplas. Porto Alegre: Artmed, 2002.

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VIVÊNCIAS E RELATOS DO PROJETO TEATRAL SOCIOAMBIENTAL:
“A CARAVANA DO SUPERLIX”

ÉDER RODRIGO VARUSSA242

RESUMO
Resultante de um projeto, com aplicação prática na Educação, este artigo visa relatar as experiências, trocas e
vivências com os alunos, na divulgação de informações sobre o meio ambiente, em especial, os resíduos sólidos
urbanos.Nesse contexto, de busca, popularização e divulgação de práticas de Educação Ambiental, cria-se a
ideia da criação de uma caravana de teatro, calcada nesta temática, com o objetivo de levar informações, para
os alunos da rede municipal de ensino de Rio Claro- SP, na Educação Infantil e Ensino Fundamental, buscando
por meio de uma linguagem lúdica, como é teatro, atender as múltiplas necessidades de incentivo no meio
educativo, quanto às práticas corretas de conscientização ambiental na separação dos resíduos sólidos urbanos
do município.
PALAVRAS- CHAVE: Educação Ambiental. Conscientização. Vivências.

Introdução

No contexto de crise ambiental, insegurança e incertezas em relação aos riscos produzidos pela
sociedade global, evidencia-se a importância da reflexão ambiental, em especial de práticas de educação
ambiental. (JACOBI 2005).
Sobre a Educação Ambiental, Sorrentino et. al (2005, p. 288-9) destaca que esta ―nasce como um
processo educativo que conduz a um saber ambiental materializado nos valores éticos e nas regras políticas de
convívio social e de mercado, que implica a questão distributiva entre benefícios e prejuízos da apropriação e
do uso da natureza.
Em termos políticos, de acordo com a Lei Nacional nº 9795, de 13 de Abril de 1999, a Educação
Ambiental, compreendeprocessos por meio dos quais os indivíduos e a coletividade constroem conhecimentos,
habilidades e atitudes voltadas à conservação do meio ambiente, garantindo uma maior sustentabilidade.
No objeto de disseminar atitudes socioambientais, através da educação, Jacobi (2005, p. 233), destaca a
importância de ―práticas educativas articuladas com a problemática ambiental‖.
Os educadores têm um papel estratégico e decisivo na inserção da educação ambiental no
cotidiano escolar, qualificando os alunos para um posicionamento crítico face à crise
socioambiental, tendo como horizonte a transformação de hábitos e práticas sociais e a
formação de uma cidadania ambiental que os mobilize para a questão da sustentabilidade no seu
significado mais abrangente.

Para Ruscheinsky, Aloísio (2007), a Educação Ambiental, certamente só é possível se desenvolvida por
uma equipe que discuta e reinvente permanentemente o processo educativo, para que os objetivos buscados
sejam construídos.
242
Éder Rodrigo Varussa- Mestrando em Geografia,Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências e Ciências
Exatas (UNESP) – Campus de Rio Claro.
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Diante desse cenário e da importância destas práticas, têm-se a necessidade de colocar em prática,
trabalhos ambientais no âmbito escolar, com jovens e crianças, visando elucidar hábitos ecologicamente
corretos.
A criação de um projeto socioambiental alavancaria as formas de pensamento e sensibilidade quanto à
responsabilidade de preservação dos recursos, o descarte consciente, a separação e reciclagem dos resíduos
sólidos urbanos, contribuindo para o bem humanitário e um ambiente ecologicamente equilibrado.
Com isso foi realizada e projetada uma caravana teatral, aos alunos da rede pública municipal de ensino
de Rio Claro- SP, na Educação Infantil e Ensino Fundamental, pela problemática ambiental dos resíduos
sólidos urbanos neste município, em razão do aumento dos casos de doenças provenientes de lixos colocados
em locais inadequados (acumulados em ruas e canteiros centrais). Busca-se através da linguagem lúdica, do
teatro,sensibilização em crianças e jovens, quanto ao respeitoà saúde humana, e ao ambiente em que vivem,
envolvendo a participação da família nos processos de separação correta dos resíduos sólidos urbanos,
contribuindo com os profissionais e os serviços da coleta no município, assumindo uma postura consciente, e
maior responsabilidade com a qualidade de vida na cidade.

Objetivo geral:
Promover fundamentos da Educação Ambiental, incentivando os alunos da rede pública municipal de ensino
de Rio Claro-SP, na Educação Infantil e Ensino Fundamental, a importância da separação correta dos resíduos
sólidosurbanos, em reciclável e não reciclável;da valorização das pessoas que trabalham no processo de coleta, e
as etapas de escoamento destes no meio urbano.

Objetivos específicos:
- Revelar aos alunos a importância da reutilização de materiais descartados e suasações efetivas.

- Incitar o aluno a participar do processo de separação de resíduos sólidos urbanos, capacitando o mesmo
quanto a uma maior visão ecológica diante da realidade em que vivem.

- Expor ao aluno a sua importância como disseminador de conhecimento no quesito de reaproveitamento e


disposição dos resíduos finais, e como agente incentivador e protetor dos recursos naturais a sua volta,
garantindo qualidade de vida.

- Esclarecer aos alunos a importância do ponto final e intermediário de disposição de todos os resíduos
separados e descartados por eles, citando o Aterro Sanitário, como sendo o ponto final de destinação de
resíduos não reaproveitáveis e a Cooperativa de Reciclagem como local de reaproveitamento de materiais.

- Explicar a importância dos trabalhadores da Coleta.


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- Disponibilizar aos alunos, após o teatro, materiais que contenham atividades que promovam a prática de
absorção do conteúdo do teatro apresentado.

- Disseminar a concepção de que os alunos poderão ser os colaboradores, multiplicadores e fiscalizadores da


separação correta do lixo , contribuindo com a causa e promovendo uma melhor conscientização ambiental.

Procedimentos metodológicos:
Para a efetividade dos objetivos e das ações propostas, visando facilitar uma melhor organização,
participação e responsabilidade das partes envolvidas, bem como proporcionar um caminho estrutural e bem
formalizado para que as atividades fossem colocadas em prática, o projeto dividiu-se em três etapas.

A primeira etapa compreendeu aelaboração do texto Teatral. Houve parceria a Empresa Junior de
Geografia (GEOPLAN) da UNESP- do campus de Rio Claro-SP, e do Grupo de Teatral Bumba Meu Baco
(UNESP), e apoio da Prefeitura Municipal de Rio Claro-SP e do Departamento de Educação Ambiental da
Ambientelix Ambiental. Houve também nesta etapa inicial a: montagem e estruturação de cenário e confecção
de figurino dos personagens.

Na segunda etapa, houve exposição do projeto teatral socioambiental, ―Caravana do Superlix‖, para uma
banca examinadora, composta por representantes da Secretaria de Planejamento, Desenvolvimento e Meio
Ambiente (SEPLADEMA) e Secretaria Municipal de Educação, recebendo-se sugestões pelas partes presentes.

A terceira etapa foi efetivamente a implantação do projeto com o público-alvo, com as primeiras
apresentações do teatro ―A Caravana do Superlix‖ que aconteceram no Centro Cultural Roberto Palmari, em
Junho de 2013, no advento Semana do Meio Ambiente, direcionado aosalunos da rede pública de ensino de Rio
Claro- SP, no nível Básico e Fundamental e deu prosseguimento de forma itinerante até setembro de 2014.

Resultados
Resultante de um projeto, com aplicação prática na Educação, este artigo visa relatar as experiências e
trocas e vivencias com os alunos da rede municipal de ensino, na divulgação de informações sobre o meio
ambiente, em especial, os Resíduos Sólidos.

Nesse contexto, de busca de popularização e divulgação de práticas de educação ambiental, cria-se a


ideia da criação de uma caravana teatral calcada na temática ambiental, itinerante, com o objetivo levar
informações da área para os alunos da rede municipal de ensino de Rio Claro- SP, na Educação Infantil e
Ensino Fundamental.

Buscou-se atender as necessidades múltiplas de incentivo no meio educativo, quanto às práticas corretas
de conscientização na separação dos resíduos sólidos do município, por uma linguagem lúdica, transmitida por
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intermédio do teatro,que seria de grande valia para absorver melhor o conteúdo, esclarecer dúvidas e propiciar
práticas corretas de educação ambiental.

O projeto socioambiental ―A Caravana do Superlix‖, onde por intermédio da linguagem lúdica


evidencioua importância da preservação dos recursos e o descarte correto dos materiais em desuso.
Sobre a caravana teatral, esta consiste na apresentação do teatro voltada à temática dos resíduos sólidos,
seus caminhos e percursos. O conteúdo doteatro envolve
a história de uma cidade, que se modifica, devido a proliferação de lixo ocasionado por um personagem mau
(personificado em uma bruxa). No desfecho a cidade, consegue ser salva graças a atitudes e ações de um
personagem bom, (personificado em um super-herói conhecido como Superlix e toda sua turma). O teatro
utiliza-se da interação de personagens reais e fictícios, e uma linguagem lúdica e dinâmica, incentivando-se as
práticas corretas de separação do lixo, promovendo a conscientização ambiental.
O público alvo do projeto foram as Escolas Municipais da Rede Pública de Ensino, de Rio Claro/SP,
atingindo um total de 19.000 alunos.No período que corresponde ao início comemorativo, da Semana do Meio
Ambiente de 2013até o mês de setembro de 2014, a ―Caravana do Superlix‖, realizou suas atividades. (FOTO 1
a 10).
Foto 1 e 2 : A ―Caravana do Superlix‖ na escola municipal Jardim das Palmeiras- CAIC, em Rio Claro-SP,
2013.

Fonte:Autoria própria
(2013)

Foto 3 e 4: A ―Caravana do Superlix‖ na escola municipal Dante Agregio, em Rio Claro-SP, 2013.

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Fonte:Autoria própria (2013)

Foto 5 e 6 : A ―Caravana do Superlix‖ na escola municipal Antônio Sebastião, em Rio Claro-SP, 2013.

Fonte:Autoria própria (2013)


Foto 6 e 7: A ―Caravana do Superlix‖ na escola municipal Benedito José Zaine, no Distrito Ferraz, no muncípio
de Rio Claro-SP, 2014.

Fonte: Autoria própria (2014)

Foto 8 e 9: A ―Caravana do Superlix‖ na escola municipal Hamilton Padro em Rio Claro-SP, 2014.

Fonte:Autoria própria
(2014)

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No contexto das ações de educação ambiental, promovidas com a caravana teatral, na finalização da
apresentação foi entregue aos alunos uma atividade visandoà memorização dos temas que foram abordados,
com exercícios de caça palavras, colorir e busca por caminhos.

Figura 1: Atividade distribuída aos alunos no término do teatro socioambiental.

Fonte: Organização do autor (2013)

É possível destacar alguns pontos importantes verificados com a aplicação doteatro com os alunos e as
trocas de experiências nestas atividades, são elas:disposição pela colaboração dos alunos na transmissão de
informações as famílias sobre a importância de separar e descartar seus resíduos sólidos corretamente e em
locais adequados; e o posicionamento esclarecido por parte dos alunos, no sentido de evitar o descarte de
resíduos em vias públicas contribuindo com a limpeza e higienização do espaço local.

Considerações finais:

Compreende-se que o teatro é um importante instrumento para a formação educativa, e de transmissão


de conhecimento coletivo, e somando-se a consciência ecológica, permite a construção de habilidades e
conceitos idealizados para uma postura ambientalmente correta.

A partir das apresentações do teatro ―A Caravana do Superlix‖ pode-se perceber a elevação no grau de
participação dos alunos às ações que devem ser tomadas para garantir o equilíbrio ambiental,e interação destes
com os personagens da históriacompreendendoassim, os impactos causados ao ambiente e as pessoas, em razão
da falta de cuidados com a separação dos resíduos sólidos urbanos.
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Asapresentaçõesagregaram soluções ambientais ao dia-a-dia, atravésposturas conscientes, que
permitiram aos alunos e toda comunidade escolaratribuir uma identidade ambiental, e tornarem-se
possíveismotivadores e transformadores desta realidade.

Portanto ―A Caravana do Superlix‖ vem contextualizar dentro do processo teatral o dimensionamento


ecológico associado à cultura, pois a maior parte dos problemas ambientais, incluindo o descarte e separação de
resíduos sólidos urbanos, tem suas raízes culturais, despertando em todos a consciência de que não somos parte
individualizada e sim integrantes do meio ambiente.

Referências bibliográficas:
BRASIL. LEI nº 9795, de 13 de Abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional
de Educação Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9795.htm >Acesso em: Set/ 2015.
JACOBI. P. R. Educação Ambiental: o desafio da construção de um pensamento crítico, complexo e reflexivo.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 2, p. 233-250, maio/ago. 2005. Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/ep/v31n2/a07v31n2.pdf>
RUSCHEINSKY, A; COSTA, A.. A educação ambiental a partir de Paulo Freire. In: RUSCHEINSKY, Aloísio
(org). Educação Ambiental: abordagens múltiplas. Porto Alegre: Artmed, 2007.
SORRENTINO. Et. al. Educação ambiental como política pública. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 2,
p. 285-299, maio/ago. 2005. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ep/v31n2/a10v31n2.pdf>
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Severino, A. J. Educação, Sujeito e História. São Paulo: Olho d‘Água, 2001.
Toledo, Geraldo L.; OVALLE, Ivo I. Estatística Básica. 2. Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012.

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EIXO 3
Perspectivas e utopias da Educação Ambiental
UMA PRÁTICA DE CULTIVO COMUNITÁRIO MEDIADA PELA CRIAÇÃO DO
DISPOSITIVO DO DIÁRIO DE CAMPO

Augusto Luis Medeiros Amaral243


Raquel Alves Pereira Avila244
CAPES
Resumo
O texto aborda uma pesquisa-intervenção em andamento que se fundamenta numa concepção de Educação
Ambiental inspirada na Ecosofia de Félix Guattari, tendo como objetivo analisar a capacidade de reinvenção da
relação consigo mesmo, com o outro e o meio ambiente. O trabalho voluntário realizado junto à rede de
comunidades Casa do Caminho, no qual os pesquisadores fazem parte, articulado com as atividades do Grupo
de Pesquisa ―As Três Ecologias de Félix Guattari‖ (CNPq/DGP), privilegia um tipo de análise respaldada pela
atuação multiprofissional e intercâmbio de saberes. Os dados produzidos e os coletados no campo de pesquisa
são registrados no diário de campo no Facebook, e estão em um permanente jogo de correspondência com o
campo teórico-conceitual, enquanto são problematizadas algumas das temáticas que vêm sendo colocadas como
desafio para a Educação Ambiental: a necessidade de valorizar a vida, de desenvolver atividades cooperativa e
solidariamente, de cuidar o meio ambiente, de desejar um futuro melhor e, sobretudo, de buscar romper com a
alienação humana. A questão que impulsiona a pesquisa propõe examinar de que forma é possível produzir
modos de coexistência que procurem romper com os processos alienantes, promovendo o cuidado consigo
mesmo, o outro e o meio ambiente.
Palavras-chave: Prática de cuidado. Ecosofia. Alienação.

Rede de comunidades Casa do Caminho: campo de análise

O trabalho voluntário em rede solidária, realizado desde 1998, permite o atendimento de forma gratuita,
especialmente, às camadas mais pobres da cidade de Pelotas/RS. Sua atuação consiste, fundamentalmente, no
tratamento dos enfermos e na orientação da população sobre a prevenção de doenças e o cuidado com o meio
ambiente. Na Casa do Caminho245 (Organização Não Governamental, coordenada por Marcolina Tacca, mais
conhecida como Irmã Assunta), realiza-se o cultivo agroecológico de plantas medicinais, matéria-prima dos
medicamentos, assim como verduras e legumes para consumo dos voluntários. Na produção de medicamentos
são utilizadas práticas alternativas à medicina tradicional, envolvendo a produção artesanal de homeopatias e
fitoterápicos, essências florais e xaropes246.

Este artigo, escrito por membros do Grupo de Pesquisa247 ―As Três Ecologias de Félix Guattari‖ (CNPq/DGP),
baseia-se na pesquisa-intervenção que acontece junto à rede de comunidades Casa do Caminho e é respaldada

243
Doutor em Educação Ambiental. FURG/PPGEA. augustoamaral@hotmail.com
244
Mestre em Educação Ambiental. UFPel. raquelavila111@gmail.com
245
http://www.youtube.com/watch?v=FgVLxvXk3-U&feature=youtu.be
246
Como práticas alternativas à medicina tradicional, também é utilizada a aplicação de reiki, massoterapia, medição de glicose e
pressão arterial, acupuntura, jin shin jyutsu, massagem haitiana, atendimento psicossocial, entre outras práticas na área da saúde e da
educação na rede de comunidades.
247
O Grupo de Pesquisa ―As Três Ecologias de Félix Guattari‖ examina e problematiza as relações entre ética, estética, saúde coletiva
e Educação Ambiental.
480
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pela análise multiprofissional e interdisciplinar, privilegiando a ação comunitária que vem sendo realizada a
partir de nossa inserção em algumas das comunidades vinculadas à rede Casa do Caminho.

Nossa primeira intervenção foi realizada na comunidade São João Batista 248 (Av. Domingos de Almeida, 1117
– Bairro Areal, Pelotas/RS), a partir de maio de 2013. Os desdobramentos da ação comunitária têm
continuidade nas atividades desenvolvidas na sede da comunidade Casa do Caminho249 (Rua Zeferino Costa,
129 – Bairro Três Vendas, Pelotas/RS) e, posteriormente, na comunidade Lar Amigos de Jesus 250 – Travessão
do Porto Bettin, Coxilha dos Campos, Primeiro Distrito de Canguçu/RS. Por final, nossa atuação se voltou às
atividades desenvolvidas na comunidade Santo Antônio, onde atualmente (Outubro de 2015) participamos do
cultivo desenvolvido na horta comunitária.

O Grupo de Pesquisa extrapola os limites da ciência clássica, na medida em que dialoga permanentemente com
os saberes oriundos das práticas e estudos realizados por educadores sociais, espiritualistas, artistas, cuidadores
e ativistas da Educação Ambiental, que não utilizam metodologias acadêmicas, mas também atuam na rede de
comunidades Casa do Caminho. Ao falar sobre os contextos possíveis para a realização da Educação
Ambiental, Marcos Reigota afirma que

Numa breve explicação podemos dizer que uma prática pedagógica interdisciplinar trabalha com o
diálogo de conhecimentos disciplinares e que a transversalidade pelos menos como foi definida pelos
precursores, entre eles Félix Guattari, não desconsidera a importância de nenhum conhecimento, mas
rompe com a ideia de que os conhecimentos sejam disciplinares e que são válidos apenas os
conhecimentos científicos (REIGOTA, 2009, p. 42).

Trata-se de uma pesquisa-intervenção em andamento e tem como objetivo analisar a capacidade de reinvenção
de si mesmo e da relação com os outros e o meio ambiente. Um dispositivo em que o pesquisador ora se
aproxima, ora se distancia do objeto, colocando em dúvida espaços de ensino-aprendizagem que obstaculizem o
encontro humano, que reduzam o tato, o contato e a interação. Um dispositivo criativo, multiprofissional, de
saúde coletiva, interdisciplinar, agroecológico, com efeitos educativo-ambientais.

Os dispositivos são analisadores, artificiais ou naturais, que proporcionam a explicação de problemas


socioambientais e fornecem pistas para a resolução destes. Quando inventados e implantados podem-se ―valer
de qualquer recurso (procedimentos artísticos, políticos, dramáticos, científicos, etc.), qualquer montagem que

248
Na comunidade São João Batista foi realizado o cultivo orgânico de plantas medicinais e a revitalização do Jardim dos Sentidos,
um espaço externo da comunidade São João Batista utilizado para realizar práticas de meditação e de sensibilização com relação si
mesmo, os outros e ao meio ambiente.
249
Na comunidade Casa do Caminho foi feito o cultivo orgânico de plantas medicinais e o atendimento ao público através da Clínica
Psicossocial, com a participação da psicóloga Ceci Silva Souza e do sociólogo Augusto Luis Medeiros Amaral.
250
Na comunidade Lar Amigos de Jesus foram feitos mutirões voltados ao cultivo orgânico de plantas medicinais, bem como o
plantio de verduras e legumes. Também foi realizado o atendimento ao público da região rural de Canguçu/RS através da Clínica
Psicossocial, com a participação da psicóloga Ceci Silva Souza e do sociólogo Augusto Luis Medeiros Amaral.
481
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torne manifesto o jogo de forças, os desejos, interesses e fantasmas dos segmentos organizados‖
(BAREMBLITT, 1992, p.135).

A pesquisa-intervenção envolveu uma série de acontecimentos, muitos deles sem um planejamento prévio, já
que essa atitude de abertura ao novo, ao fluxo dos acontecimentos, às necessidades e demandas, faz com que
aproveitemos as possibilidades que vão surgindo e nos envolvemos com isso, ampliando e fortalecendo a rede
de comunidades vinculadas à Casa do Caminho.
Este texto, fruto do entrecruzamento de diferentes perspectivas e visões de mundo, se propõe examinar a ação
comunitária onde os integrantes do Grupo de Pesquisa são voluntários atuantes. Tanto os dados produzidos
quanto os coletados no campo de pesquisa, se dão em um permanente jogo de correspondência com o campo
conceitual, enquanto são problematizadas algumas das temáticas que vêm sendo colocadas como desafio para a
Educação Ambiental: a necessidade de valorizar a vida, de desenvolver atividades cooperativa e solidariamente,
de cuidar o meio ambiente, de desejar um futuro melhor e, sobretudo, de romper com a alienação humana.

A dimensão de alienação aqui utilizada defende que no mundo urbano contemporâneo o ser humano vem
eliminando gradualmente do seu corpo a capacidade de lidar com imprevistos, oscilações e incertezas
(AMARAL, 2013, p. 145), o que está atrelado ao fato de deixarmos de ser donos dos nossos próprios destinos
ao vendermos nossa força de trabalho e abrirmos mão de atributos e qualidades potenciais, como sugere a
concepção marxista.

A relação do trabalhador com sua atividade laboral é alienada porque esta, assim como o produto e o benefício
econômico, não lhe pertence. Todavia, além dos problemas ligados à divisão social do trabalho, torna-se
imprescindível avançarmos na análise, pois na contemporaneidade alienação também significa diminuição da
capacidade de pensar e agir por conta própria, falta de engajamento político, crescente sentimento de solidão e
isolamento, inércia intelectual, passividade diante dos problemas socioambientais, embotamento da criatividade
e da expressão, indiferença e falta de cuidado com os outros e o mundo, perturbação mental, falta de
sensibilidade, inatividade física251, entre outros aspectos.

Compreendemos que é importante romper com um tipo de alienação que, na atualidade, passa a ser entendida
como condição normal dos corpos, como se a apatia, o desejo252 fraco e a falta de potência253 fossem
características da própria natureza humana.

251
As estatísticas atuais sugerem que 31% da população mundial é considerada inativa fisicamente, sendo que no Brasil o percentual
avança para 49,2% (HALLAL, 2012).
252
O desejo ―é essencial e imanentemente produtivo, gera e é gerado no processo mesmo de invenção, metamorfose ou ‗criação‘ do
novo. Sua essência não é exclusivamente psíquica, pois participa de todo o real. Correspondente aproximadamente ao que Nietzsche
denominou ‗Vontade de Potência‘, ao que Espinoza chamava ‗Substância‘ e os estóicos ‗Acontecimento incorporal‘, que resulta do
encontro entre os corpos (devir). Igualmente o desejo (assim entendido) tem afinidade com o ‗virtual‘ bergsoniano, com as
‗quantidades intensivas‘ em Kant e com as ‗impressões intensivas‘ em Hume. Esse desejo atua em todo e qualquer âmbito do real, não
carece do objeto, ignora a lei e não precisa ser simbolizado porque se processa sempre de forma inconsciente. Não tende à morte
482
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A questão que impulsiona esta pesquisa propõe examinar de que forma é possível produzir modos de
coexistência que procurem romper com os processos alienantes, promovendo o cuidado consigo mesmo, o
outro e o meio ambiente. Elaborá-la implica lidar com certos limites da aprendizagem tradicional, pois não
basta refletir e conscientizar-se a respeito dos problemas socioambientais, é preciso tomar decisões e
efetivamente produzir as mudanças necessárias – na subjetividade humana, nas relações sociais e no meio
ambiente.

Uma análise preliminar evidencia a necessidade de promovermos pesquisas implicadas, movidas pelo desejo,
que demandem o envolvimento direto do pesquisador, capazes de propor modos de coexistência que
ultrapassem os limites impostos pelos processos de alienação na contemporaneidade. Iniciativas prático-teóricas
que fomentem a intervenção do pesquisador em seu campo de pesquisa, bem como os processos autogestivos, a
inventividade e a autonomia de grupos e pessoas. Procura esclarecer a concepção filosófica, os objetivos e
peculiaridades de um processo aberto à multiplicidade de saberes. Expõe as relações entre o conteúdo
propriamente teórico e uma prática de pesquisa que coloca em relevância o contato com o impensado, pondo
em dúvida os valores que sustentam certas normas, regras, modelos e padrões instituídos, propondo a
transmutação destes.

A implicação do pesquisador em sua pesquisa: aspectos teórico-metodológicos

A pesquisa-intervenção provoca rupturas nas perspectivas colocadas pelo movimento da Pesquisa-Ação254


(THIOLLENT, 1998), principalmente naquelas referentes às relações entre teoria e prática, entre sujeito e
objeto. As reflexões desenvolvidas neste texto são objetivos da ação na pesquisa, através do exercício de
desnaturalização das instituições255, bem como da noção de implicação colocada para o sujeito cognoscente.

porque constitui a essência da vida como ‗Eterno Retorno das Diferenças Absolutas‘. Assim entendido, o desejo também está
parcialmente submetido a entidades repressivas, mas essas não são exclusivamente psíquicas, e sim um complexo conjunto ao mesmo
tempo político, econômico, comunicacional, etc. Na esquizoanálise de Deleuze e Guattari, o desejo é imanente à produção, daí o
conceito de produção desejante‖ (BAREMBLITT, 2002, p.144).
253
Potência, na Análise Institucional, refere-se ―às capacidades virtuais ou atuais de produzir, inventar, transformar, etc. Em geral, a
potência designa a magnitude das forças geradoras do radicalmente novo, criador de vida‖ (BAREMBLITT, 2002, p.163).
254
No projeto da Pesquisa-Ação, contraponto radical ao positivismo na defesa de uma teoria amalgamada na ação comprometida do
pesquisador, a busca de dados inclui testemunhos, associa entrevistas, questionários, análise de conteúdo e restituição das informações
aos pesquisados. Visa, muitas vezes, à tomada de consciência e à mudança de comportamento. Propõe que teoria e ação estejam
imbricadas na pesquisa.
255
Instituição ―são árvores de decisões lógicas que regulam as atividades humanas, indicando o que é proibido, o que é permitido e o
que é indiferente. Segundo seu grau de objetivação e formalização, podem estar expressas em leis (princípios-fundamentos), normas
ou hábitos. Toda instituição compreende um movimento que a gera: o instituinte; um resultado: o instituído; e um processo: da
institucionalização. Exemplos de instituições são: a linguagem, as relações de parentesco, a divisão social do trabalho, a religião, a
justiça, o dinheiro, as forças armadas, etc. Um conglomerado importante de instituições é, por exemplo, o Estado. Para realizar
concretamente sua função regulamentadora, as instituições materializam-se em organizações e estabelecimentos. As origens das
instituições são difíceis de determinar‖. (BAREMBLIT, 2002, p. 156 e 157)
483
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A análise implicada (LOURAU, 2004) permite compreendermos nosso envolvimento enquanto alternamos
posições como sujeitos e objetos da pesquisa, colocando em questão certos postulados de objetividade,
neutralidade, imparcialidade que balizam a ciência clássica.

Nessa perspectiva, sujeito e objeto se misturam, ou seja, quem conhece é conhecido, quem analisa é analisado
ao mesmo tempo em que intervimos sobre a realidade. Conhecimentos acumulados e articulações intelectuais
cedem espaço ao conjunto de forças sociais e políticas que emanam do ambiente, tendo em vista a abertura dos
pesquisadores às interferências e sucessivas recomposições suscitadas pelo meio.

Defino meio ambiente como: um lugar determinado e/ou percebido onde estão em relação dinâmica e em
constante interação os aspectos naturais e sociais. Essas relações acarretam processos de criação cultural e
tecnológica e processos históricos e políticos de transformações da natureza e da sociedade. Podemos
comparar essa definição de meio ambiente com as anteriores e observar que na minha definição meio
ambiente não é visto apenas como sinônimo de meio natural. Razão pela qual parto do princípio de que
educação ambiental não é sinônimo de ensino de ecologia, biologia ou de geografia, embora não
prescinda deles nem da história, da literatura, da matemática, da física, da química etc. O processo
pedagógico da educação ambiental como educação política enfatiza a necessidade de se dialogar sobre e
com as mais diversas definições existentes, para que o próprio grupo (alunos e alunas e professores e
professoras) possam construir juntos uma definição que seja a mais adequada para se abordar a
problemática que se quer conhecer e, se possível, resolver (REIGOTA, 2009, p. 42).

Trata-se de um tipo de pesquisa constituída por uma coletividade que vem se associando para realizar tarefas
específicas, com propósitos claramente definidos, em lugares consensualmente determinados.

O fundamento da pesquisa é a complexidade, onde variadas conexões são estabelecidas a todo o momento, em
um fluxo constante de desterritorialização e reterritorialização existencial. O principal desafio do trabalho
realizado tem sido: reinventar se reinventando, ajudando-se mutuamente, acessando devires, acreditando em
intuições, valorizando o outro em suas diferenças, mostrando-se como se vê, expressando-se tal como se sente,
ampliando o conhecimento de si mesmo, agindo e pensando com o corpo inteiro em movimento, colocando-se
em situações não normais (com relação às normalidades instituídas), vivendo estados distantes do equilíbrio,
lidando com acontecimentos inesperados. Enfim, arriscando-se para além dos lugares seguros e confortáveis.

Tudo se passa dentro de um campo de forças onde corpos se encontram, trocam, disputam, fazem alianças,
entram em conflitos, dissolvem-se, realizam intercâmbios, transmutam. Onde uma infinidade de elementos
ético-estéticos se compõe em um determinado tempo-espaço, gerando potenciais de comunicação
transversalizantes, linhas de fuga, novos lugares de passagem.

Apostamos na importância de produzir alternativas teórico-práticas que nos ajudem a pensar em um tipo de
aprendizado que não exclua os aspectos afetivos, vivenciais, auto reflexivos, de construção e desmoronamento,

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e, sobretudo, nos dê pistas de como criar um dispositivo de intervenção que potencialize o desejo de
reinventarmos a nós mesmos e o ambiente que estamos inseridos.

Temos observado que as relações sociais vividas nos locais onde atuamos são viabilizadas pela existência de
um ambiente que permite o diálogo, a interação entre diferentes histórias de vida e visões de mundo, a
coexistência de variados pontos de vista (religiosos, estéticos, políticos, filosóficos, epistemológicos etc.) sobre
o próprio trabalho realizado, dentre outros aspectos proporcionam o surgimento de relações de intercâmbio
entre os diferentes grupos étnicos, classes sociais, gêneros, faixas etárias etc.

O cultivo comunitário, no sentido da reinvenção de si, faz-se possível graças ao trabalho voluntário e a
convivência em comunidade, um modo de existência em que a aprendizagem acontece quando o cuidado é
agenciado nas relações humanas, ou seja, cultivando relações de amizade, companheirismo, solidariedade,
afeto, e também nas relações com o não humano, enquanto são cultivadas novas maneiras de perceber e lidar
com as plantas, terra, água, oxigênio, etc. Reinventando o tocar, ver, sentir, ouvir, falar, o afetar e o ser afetado.
A aprendizagem se dá através das trocas, do compartilhamento, dos intercâmbios, do diálogo, da comunicação
que também acontece no olhar, no gestual, em meio a risos ou lágrimas, em interações que ocorrem nos mais
diversos níveis, tanto nos encontros presenciais quanto no ciberespaço (Facebook, e-mail, chat, etc.).

Uma atitude aberta às experiências vividas no campo de pesquisa requer o rompimento com nossos apegos
pessoais para que se torne possível a criação de novos territórios existenciais, outros modos de coexistência.
Nesse sentido, analisamos as transformações que ocorrem em nossas vidas e como isso se reflete na intervenção
que realizamos na rede de comunidades Casa do Caminho, e vice versa. Existem momentos que precisamos
superar a acomodação, modificar rotinas familiares, compromissos pessoais assumidos para realizar as tarefas
que coletivamente definimos e nos comprometemos. Isso implica força de vontade, determinação, resiliência,
enfim, um desejo forte.

Vem ficando cada vez mais clara para nós a necessidade de desenvolver metodologias que priorizem processos
criativos e pesquisas implicadas, capazes de solucionar problemas e lidar com as demandas que emergem do
campo de pesquisa. Entendemos que, dessa forma, tornar-se-á possível uma mudança de pensamentos e
paradigmas para o desenvolvimento de outras formas de viver em sociedade, contemplando a ecologia e tendo
como prioridade a vida em seu aspecto mais amplo e não somente o humano.

O campo do empírico, aqui entendido como campo de intervenção256, é um espaço delimitado pelas
possibilidades que vão surgindo ao longo do processo de pesquisa e permite que nos desloquemos através do

256
É o ―perímetro que delimitará o espaço dentro do qual se planejarão e executarão estratégias, logísticas, táticas e técnicas que, por
sua vez, deverão operar neste âmbito específico para transformá-lo de acordo com as metas propostas. Está em estreita dependência
do campo de análise, desde o qual será compreendido, pensado. Só se intervém quando se compreende, sendo que posteriormente se
compreende à medida que se intervém‖. (BAREMBLITT, 2002, p. 140)
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fluxo dos acontecimentos257, em consonância com as portas que se abrem e se fecham no curso da intervenção.
Constitui-se como uma espécie de aventura por territórios desconhecidos, em virtude do permanente processo
de transformação e adequação às demandas que surgem no cotidiano dos espaços onde intervimos e analisamos.
O campo de intervenção vem funcionando como um dispositivo intensificador da capacidade de lidarmos com
imprevistos e incertezas em nossos próprios corpos. Mostra-se repleto de potencialidade imaginativa
proliferadora de outros modos de subjetivação, cheio de oscilações, surpresas, dúvidas, inquietações, uma
autêntica fonte produtora de sentidos para às vidas daqueles que ali atuam. É um método de trabalho que
institui formas de se relacionar inovadoras, colocando em dúvida as formas habituais.

Quebrar o acostumado, para favorecer a emergência do inovador, imprevisível, inesperado: isso interessa
aos pesquisadores! Os cientistas sociais que estudam as relações de poder encontram a necessidade de
elaborar dispositivos ou entender como os que existem foram historicamente instituídos. Lembremo-nos
da obra de Michel Foucault, com seus conceitos de ―arqueologia do saber‖ e de ―epistêmé‖: uma
formação social já define o que se pode saber e em que formas se pode conhecer; mas igualmente, o que
não se pode pensar, o que é proibido para o pensamento ou simplesmente, velado para ele; agora, define
também as potências e os limites do pensamento crítico irreverente, ou seja, como se pode e em que
formas se pode, mediante um esforço crítico impar, revelar parte do proibido, atingir parte do inacessível,
ou seja, em momentos revolucionários, pensar o impensável. A própria realidade está cheia de
dispositivos de todos os gêneros! Portanto, os pesquisadores ainda mais que quaisquer outros, estão
convidados a se questionar sobre o que seu método de trabalho permite e, no mesmo gesto, proíbe de
descobrir, entender, pensar (GAUTHIER, 2009, p. 08 e 09).

Entretanto, para que outras formas de pensar e de se relacionar com os outros, consigo mesmo e com o
ambiente em que se está inserido possa emergir, um agenciamento coletivo (GUATTARI, 1981 e 1992) tem
que se processar conectando acontecimentos distintos, até mesmo contraditórios, que constituem a pesquisa-
intervenção: as reuniões do Grupo de Pesquisa; os textos criados coletivamente; os mutirões agroecológicos, o
atendimento clínico psicossocial e os encontros de formação na área da Saúde Mental258 realizados nas
comunidades; as inúmeras conversas a respeito de questões pessoais e não acadêmicas; a partilha de sonhos e
utopias; os múltiplos afetos que passaram a nos aproximar, entre outros acontecimentos.

Boa parte do processo vem sendo registrado em um Diário de Campo coletivo, importante recurso
metodológico da pesquisa, onde anexamos textos digitalizados, postamos fotografias e links, divulgamos
informações e atividades acadêmicas, combinamos ações conjuntas, fazemos anotações de tarefas
desenvolvidas, reflexões críticas e percepções pessoais do que acontece no cotidiano das comunidades.

257
Acontecimento é o ―ato, processo e resultado da atividade afirmativa do acaso. É o momento de aparição do novo absoluto, da
diferença e da singularidade. Estes atos, processos e resultados, consequências de conexões insólitas que escapam das constrições do
instituído – organizado, estabelecido, são o substrato de transformações de pequeno ou grande porte que revolucionam a História em
todos os seus níveis e âmbitos. O acontecimento atualiza as virtualidades, cuja essência não coincide com as possibilidades. O virtual
não existe, mas faz parte da realidade‖ (BAREMBLITT, 2002, p.134).
258
Os encontros de formação na área da Saúde Mental são coordenados pelo prof. Dr. Alfredo Guillermo Martin Gentini
(FURG/PPGEA).
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O diário de campo do Grupo de Pesquisa

O diário de campo foi criado em setembro de 2013, em forma de mural no Facebook (rede social que utiliza a
Internet como plataforma), onde os usuários criam perfis pessoais, adicionam outros usuários como amigos e
trocam mensagens, incluindo a possibilidade de participação em grupos de interesse comum. O Plantio
Comunitário259 é um desses grupos e funciona como mural restrito dos integrantes do Grupo de Pesquisa, mas
também com a participação de artistas, espiritualistas, agentes culturais, educadores sociais, cuidadores e
ativistas da Educação Ambiental.

O grupo Plantio Comunitário, além de ser o diário de campo que registra as atividades desenvolvidas pelo
Grupo de Pesquisa, funciona como dispositivo articulador da rede de parceiros. Seu objetivo principal é
divulgar e fomentar as atividades prático-teóricas desenvolvidas junto à rede de comunidades Casa do
Caminho, mostrando os processos autogestivos realizados em torno do cultivo comunitário agroecológico e da
formação humana, envolvendo a qualificação de grupos e pessoas.

Trata-se de um mural digital onde são publicadas citações de autores consagrados, notícias divulgadas na mídia
e no Facebook, avisos, acontecimentos do cotidiano, aforismos, textos acadêmicos e não acadêmicos, poesias,
percepções pessoais, coisas lidas, ouvidas, faladas e pensadas. Apontamentos que traduzem um acúmulo de
saberes e experiências que podem ser revisitados a qualquer momento pelo Grupo de Pesquisa e utilizados
como referência na elaboração de suas estratégias e táticas, que nada mais são do que ―uma sistematização das
metas a serem alcançadas (cuja máxima expressão seriam a auto-análise e autogestão), e o planejamento da
progressão das manobras, a previsão de curso, as alternativas viáveis, os avanços esperados, os possíveis
retrocessos etc.‖ (BAREMBLIT, 2002, p.152).

O método de apreensão da realidade que estamos desenvolvendo se constitui como um potente analisador ao
explicitar conflitos e opressões, apontando caminhos para a resolução dos mesmos e contribuindo com a
geração de dados e novos conhecimentos para a pesquisa. Permite que façamos uma montagem eletrônica,
articulando estudos teóricos com a intervenção propriamente dita, possibilitando que um grupo heterogêneo
(com pessoas de diversas religiões, origens étnicas, classes sociais, opções sexuais, etc.), mas com certos
valores e objetivos comuns, se una provisoriamente em torno de tarefas consensualmente determinadas e
consiga expressar, através do Facebook, o trabalho colaborativo em rede que vem sendo realizado.

O objetivo é mostrar o processo de singularização dos agentes que atuam na Rede de Comunidades Casa do
Caminho: a maneira peculiar como conduzem suas próprias vidas e tecem suas relações sociais a fim de realizar
um empreendimento autogestionado e solidário.

259
Mais informações consultar o site: https://www.facebook.com/groups/1417933951763111/. Para acessar o Grupo é necessário
enviar mensagem solicitando inclusão como ―participante‖.
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O diário de campo vem mostrando o empenho do Grupo de Pesquisa na constituição de relações humanas mais
horizontais e menos hierárquicas, onde boa parte da força das pessoas envolvidas deriva da capacidade de se
reorganizar permanentemente como coletividade em busca de superar os obstáculos e desafios cotidianos. A
aproximação entre as pessoas se dá através de afinidades mútuas, do desejo de planejar e realizar atividades
coletivas, do trabalho voluntário, da vontade de participar transformando a realidade, mas também da
disponibilidade, da qualificação e das habilidades de cada um dos envolvidos na ação – não acontece
exatamente em torno de uma ideologia ou de identidades que se assemelham. E, como diz a irmã Assunta
(coordenadora da rede de comunidades), do desejo de encaminhar às pessoas para uma vida melhor, daí o nome
Casa do Caminho.

O diário de campo do Grupo de Pesquisa é formado a partir do intercâmbio permanente entre o que é vivido na
rede de comunidades e o que é publicado na rede de computadores, através do grupo Plantio Comunitário.
Caracteriza-se pela autogeração de seu conteúdo, pelo aceleramento dos processos de comunicação e
divulgação de informações, pela tendência de descentralização na tomada de decisões e por um tipo
sociabilidade e interação não-presencial.

No grupo Plantio Comunitário são partilhados interesses e esforços em busca do fortalecimento comunitário em
um contexto que procura privilegiar o diálogo e a mobilização social. Esse vai e vem entre o presencial (no
espaço das comunidades, nos encontros informais e reuniões do Grupo de Pesquisa) e o não presencial (no
ambiente do Facebook), vem nos fornecendo pistas de como enfrentar os diversos tipos de opressão que surgem
a partir do convívio humano. Ou seja, tudo aquilo que nos faz sentir sobrecarregados e constrangidos por não
estarmos fazendo o que desejamos fazer, por não sermos nós mesmos, muitas vezes nos vendo obrigados a agir
de uma maneira que impinge violência contra nós mesmos em função do desencontro com nossas necessidades,
crenças e valores. Estas opressões, nem sempre evidentes, vêm se tornando mais claras com o suporte do diário,
o que tem nos instigado a penetrá-las e a tentar desvelá-las.

Isto é o que aparece no dia a dia das comunidades ao produzirmos outros valores ético-estéticos e novos modos
de coexistência, na medida em que experimentamos outras formas de nos relacionarmos uns com os outros, com
nós mesmos e com o ambiente em que estamos inseridos.

A Ecosofia de Felix Guattari (1990) nos fornece algumas pistas nesse sentido, indicando a importância de
lidarmos com as ecologias ambiental, mental e social de forma integrada, onde o corpo do pesquisador é
considerado vetor de mudanças e transformações. Aponta para a complexidade e a indissociabilidade dos
problemas ligados ao meio ambiente, à subjetividade humana e às relações sociais, aproximando atitude
ecológica e pensamento filosófico.

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A Ecosofia expressa a necessidade de fazermos emergir um pensamento que ultrapasse os limites da lógica
cartesiana, desinstalando o humano como centro e medida de todas as coisas. Para Guattari, é necessário que o
conhecimento avance a tal ponto que possamos compreender o ser humano integrado com os demais seres
vivos, rompendo as fronteiras que separam natureza humana e recursos naturais. Somente poderá emergir um
questionamento mais amplo acerca das normas e premissas sociais através de articulações políticas e práticas
cotidianas imbricadas com a ação do pesquisador em seu campo de pesquisa.

Considerações finais

Esta pesquisa-intervenção traz algumas contribuições interessantes, na medida em que avançamos nas práticas
comunitárias e de ensino-aprendizagem através de uma ação transformadora da realidade, dialogando e
trabalhando conjuntamente com voluntários, agricultores e pesquisadores, bem como integrando saberes e
culturas distintas.

Analisando os dois primeiros anos de trabalho do Grupo de Pesquisa, constatamos que o trabalho voluntário, a
integração e o cuidado com a natureza através do cultivo comunitário agroecológico, nos conduz a novas
relações sociais, onde a sensibilidade, o cuidado de si mesmo, do outro e do meio ambiente tem sido a ênfase
do processo.

Sentimos as limitações que os padrões sociais e de consumo nos impõem, mas, mesmo assim, temos
presenciado a força de transformação que o trabalho colaborativo em rede proporciona. Modos de coexistência
que procuram enfrentar as complexas questões socioambientais do nosso tempo, criando alternativas para
solucionar os problemas do cotidiano, enquanto nos reinventamos como seres humanos e descobrimos outras
formas de intercâmbio com os ambientes em que atuamos.

Dado o caráter processual da pesquisa, entendemos que, neste momento, é de fundamental importância que
nossas ações e reflexões permaneçam em movimento. É preciso continuar analisando criticamente e
problematizando o que vem acontecendo no campo de pesquisa, de acordo com as proposições teórico-
metodológicas que embasam a intervenção.

Estamos fazendo uma aposta na capacidade inventiva do humano, enquanto o processo do cultivo comunitário
agroecológico nos religa com a terra, produzindo novos saberes, transmutando energias sutis e revelando
potencialidades que desconhecíamos em nós mesmos: nossa capacidade de expressão, de comunicação, de
intercâmbio, de superação de nossos próprios limites.

Entretanto, continuamos a nos questionar se o que estamos fazendo poderá contribuir com a produção de modos
de coexistência que rompam com a alienação e promovam o cuidado consigo, com o outro e com o ambiente.
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Será que nossa intervenção poderá despertar nas pessoas que convivem conosco, no cotidiano da rede Casa do
Caminho, o desejo de um futuro melhor enquanto procuramos transmutar os valores de uma sociedade movida
pela lógica do consumo? Como qualificar nossa intervenção para a produção de modos de coexistência que
promovam o cuidado? Será que realmente estamos trilhando o caminho certo a fim de criarmos um dispositivo
multiprofissional, de saúde, agroecológico e com possibilidade de efeitos educativo-ambientais?

Propomo-nos problematizar nosso fazer, nossos estudos e análises, reafirmando permanentemente a


importância da autoanálise e de um saber pautado na ética e na criação de uma sociedade ecologicamente
comprometida. Talvez, dessa forma, possamos avançar um pouco mais clarificando nossos propósitos e
objetivos, entendendo melhor aquilo que estamos fazendo ou que pensamos que estamos fazendo. Temos
convicção que é preciso duvidar das certezas para que um novo conhecimento possa emergir.

Referências bibliográficas
AMARAL, Augusto Luis M. Teatralidade Humana: estudos sobre a relação corpo-ambiente em um processo
cartográfico na Educação Ambiental. Tese de doutorado em Educação Ambiental. Rio Grande, RS:
FURG/PPGEA, 2013.
BAREMBLITT, Gregorio. Compêndio de Análise Institucional e Outras Correntes: teoria e prática. Belo
Horizonte, MG: Editora Instituto Félix Guattari, 2002.
GUATTARI, Félix. As Três Ecologias. Campinas, SP: Papirus, 1990.
______. Caosmose: um novo paradigma estético. Rio de Janeiro, RJ: Edição 34,
1992.
______. Revolução molecular: pulsações políticas do desejo. São Paulo, SP: Brasiliense, 1981.
HALLAL, Pedro Curi and others. Physical activity: more of the same is not enough. The Lancet: Physical
Activity. July. London: The Lancet, 2012.
LOURAU, René. Analista Institucional em Tempo Integral. São Paulo: HUCITEC, 2004.
O CAMINHO (vídeo). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FgVLxvXk3-U&feature=youtu.be.
Acesso em: 02/08/2014.
REIGOTA, Marcos. O que é educação ambiental. São Paulo, SP: Brasiliense, 2009.
THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez – Autores Associados, 1998.

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UM ENCONTRO COM O ORIENTE: OUTRAS MIRADAS EPISTEMOLÓGICAS
PARA SE PENSAR A EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Samuel Lopes Pinheiro260
Humberto Calloni261
CAPES
Resumo
O artigo trata de provocar a nossa reflexão para a compreensão de uma Educação Ambiental que problematize e
transcenda os limites da racionalidade Ocidental – sem, contudo, perder sua identidade cultural e historicamente
consagrada – incluindo em seus aportes epistemológicos a ciência, os saberes milenares da cultura, igualmente
historicamente consagrada da filosofia Oriental. Entendemos que se trata de um projeto utópico viável, pois um
aprofundado estudo poderá nos indicar – a par das diferenças culturais - semelhanças de caráter ontológico e
gnosiológicos que irradiam um caráter universal na tentativa de se compreender o homem, o conhecimento e o
despertar da vida. A Educação Ambiental, sensibilizada pela sabedoria e ciência Oriental perceberá que a
divisão Oriente/Ocidente ostentada pelas tradições é um mito que deve ser desconstruído para o bem da
humanidade e do próprio Planeta Terra.
Palavras-chave: Educação Ambiental. Oriente/Ocidente. Utopia viável.

Palavras iniciais

Fazer...é a única maneira de mostrar que é possível transformar


o mundo.
Eduardo Galeano262
Não é para se falar e agir dormindo.
Heráclito263

Os pensamentos Eduardo Galeano (1940-2015) e Heráclito (535ª.C.– 475 a.C.) em epígrafe, inauguram
este textos. Pode parecer estranho que um filósofo grego do século V a.C. e um escritor contemporâneo são
evocados para fundir horizontes que possam traduzir sentidos semelhantes. Passado e presente se fundem e
temos a sensação de que o tempo que passa, o tempo cronológico, é restabelecido no anúncio do que ainda
restou da arte e do pensamento dos grandes pensadores do longínquo passado com a arte e o pensamento dos
que recentemente findaram suas vidas. Parece-nos ser este o procedimento a que Michel Serres (1930 - ) se
refere quando nos convida a compreender o processo educativo que tem por objetivo a formação completa do
ser humano: o diálogo sintônico e por vezes inesperado entre os clássicos e as ciências. Um ―terceiro instruído‖
é o resultado da fusão de horizontes entre os saberes que alimentaram a cultura clássica e os saberes das
ciências modernas, ou seja, a formação não fragmentada, não parcializada do homem contemporâneo, ou seja:

260
Mestrando em Educação Ambiental pela FURG, bacharel em Administração (2008) e Licenciado em Letras Português/ Inglês
(2013). Email: samuelshankara@gmail.com
261
Professor Associado de Filosofia na FURG. Licenciado em Filosofia e Pedagogia (UFRGS). Mestre e Doutor em Educação
(UFRGS). Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa da Complexidade - GEC/FURG.Email: hcalloni@mikrus.com
262
Citação de Eduardo Galeano retirada do livro Reinventando a Utopia: práticas alternativas da esquerda latino-americana de Pierre
Mouterde. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2003.
263
Citação de Heráclito retirada do livro Os Pensadores Originários: Anaximandro, Parmênides e Heráclito. Bragança Paulista:
Editoria Universitária São Francisco, 2005.
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um sujeito completado pelas ciências (humanas) e ciências particulares, interdisciplinar. A Educação, enquanto
formação plena do indivíduo resultaria, destarte, na compreensão voltada para a ação transformadora e
eticamente referenciada. É este o sentido privilegiado que gostaríamos de transmitir aos leitores quanto às
citações de Galeano e de Heráclito: provocar o despertar do horizonte utópico da Educação Ambiental.

Eis a nossa obsessão, portanto: Afinal, para onde estamos direcionando nossas práticas e em que
terrenos epistemológicos nos movemos? Os verbos no infinitivo constantes nos aforismos em epígrafe: ―fazer‖,
―falar‖ e ―agir‖ propõem ações, como todo verbo. Caberia perguntarmos sobre a natureza das ações, suas
mediações, seus fins e destinos últimos. Fazer, falar e agir sugerem atos ilocutórios, onde o falar do falante
introduz a intenção de realizar uma determinada ação. Ora, quando miramos o eterno desejo (objetivo) de
transformarmos mundo em que vivemos temos que contar com a linguagem, a ação e o modo comoisto pode se
dar. Neste caso, pensamos, inicialmente, que a transformação do mundo passa pelo discernimento, ao qual nos
remete o aforismo de Heráclito, quando afirma da importância de não se estar dormindo, uma vez que a ação, o
fazer e a linguagem comumente expressam o nosso estado de vigília.

A que mundo nos referimos quando nos referimos ao mundo e à sua transformação?

Eduardo Galeano, em seu aforismo, refere-se ao mundo da vida, das nossas formas de agir, falar e
pensar; da nossa coexistência comum num mundo objetivo, geográfico, planetário. Mas para aludir ao mundo
objetivo, cósmico, se quisermos, enquanto ato ilocutório que nos desperta para um quefazer, Galeano presume,
necessariamente, outro conceito de mundo, o mundo da subjetividade. Mundos intercambiáveis, isto é, um não
existe sem o outro; um pressupõe o Outro. E é a partir da fusão de horizontes entre objetividade e subjetividade
que a noção de mundo é a um mesmo tempo de ordem física e espiritual. Em outras palavras, o mundo objetivo,
em que a vida e a existência se expressam, constitui e é constituído pelo mundo subjetivo. Assim, quando
postulamos a Educação Ambiental como horizonte utópico de transformação do mundo da vida, postulamos
uma utopia viável, objetiva, planetária, cujo itinerário ―inicia-se‖ pelo universo subjetivo, espiritual, cultural do
ser humano. Em suma, o conceito de mundo deve evocar o conjunto de condições objetivas e subjetivas em que
cada indivíduo encontra-se vivenciando sua ambientação local e/ou por extensão sua ambientação global.

À pergunta ―Como mudar o mundo, sem mudar a nós mesmos?‖, nossos mundos particulares,
individuais? Trata-se de uma pergunta de difícil resposta se apostarmos unicamente no tempo cronológico. Por
outro lado, trata-se de uma construção em que o indivíduo e a coletividade negociarão as urgências a serem
administradas no mundo da vida. É que a ambientação local não se constitui isoladamente da ambientação
global. Assim, para um povo que tem conquistado sua liberdade de ação e linguagem, como nas democracias –
relativas ou não – as urgências se travarão na resistência contra o retorno da ditadura ou opressão do povo
(posto terem conquistado a democracia). Um povo que ainda não conquistou a igualdade, a luta se travará com
ênfase na fraternidade. E assim por diante. Mas como construir uma utopia de um mundo fraterno, por
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exemplo, se esta fraternidade não está no âmago do sujeito? Por isso, acreditamos na importância de mirarmos
com afinco para aqueles estudos que investigaram com profundidade o ser humano e talvez aí descubramos a
fraternidade e outras virtudes ontológicas nas quais poderemos perceber/vivenciar emergências éticas da
humanidade do humano. Daí a justificativa de um encontro com outras epistemologias, no caso as filosofias
orientais. Porque estas, em certa medida, abordaram e abordam sobre o ser em perspectivas muitas vezes
distintas das concepções ocidentais. E se despertos, com discernimento, plenos do ímpeto de transformação, ao
delinearmos nossas ações de caráter socioambiental, pudéssemos intercambiar conhecimentos com o propósito
de uma compreensão mais ampla sobre nós mesmos e assim desenhar as perspectivas de ações distintas
daquelas que sabidamente deram errado? É assim que percebemos a importância de um encontro com o
Oriente, não como um remédio miraculoso para a cura do Ocidente, mas para se pensar e agir despertos. Este é
o mote da reflexão que segue.

1 Introdução

Na jornada humana pelo entendimento do Ser nos aventuramos em mergulhos da consciência por
diferentes cenários ideológicos, doutrinários, teóricos, práticos, bem como uma gama de mitos, deuses,
demônios e outras inúmeras possibilidades de comunicação que o homem se utilizou e utiliza para perceber a si
mesmo, os outros e o ambiente. Inclusive as filosofias são como um campo de exploração de nossas estruturas
cerebrais e de todo aparato do corpo e mente do qual dispomos para nos compreender no mundo e com o
mundo, interpretá-lo e nele atuar. Somos como aventureiros de nós mesmos, numa ressignificação constante
sobre o ponto que estamos e qual o (re) direcionamento que está sendo tomado.

1.1 Emergência complexa

Capturar as diferentes filosofias em seus respectivos tempos e espaços de florescimento e atuação, com
as reverberações que se manifestam nos humanos do presente momento histórico é de uma importância
atemporal. Por que? Porque isto ―fala‖, anuncia algo sobre nós e nos encaminha para aquilo que almejamos vir
a ser. Propor as dialógicas das aberturas, fechamentos e intercruzamentos de credos, doutrinas, filosofias e
outros sistemas de ideias é propor o fortalecimento de uma emergência complexa, o mundo da noosfera.

Nesta mirada de uma emergência complexa, Humberto Calloni (2014) suscita que:

[...] a ideia de emergência [...] aponta para uma demanda epocal de reabilitação dos fenômenos que se
oferecem à interpretação do real não mais como ontologias separadas ao gosto cartesiano dado que,
ainda que distintas, são ao mesmo tempo, complementares no processo mesmo de interação entre seus
constituintes elementares. (CALLONI, 2014)

Esta colocação acima argumenta a favor de um enfoque transdisciplinar entre Filosofia, Educação e
meio ambiente, reforçando o desafio de uma reforma de pensamento (Morin) na construção do paradigma da
complexidade (CALLONI, 2014).
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Isto posto, destacamos, aqui, a ponte que vem se estabelecendo com filosofias orientais no presente
momento histórico. A partir dos anos de 1950 e 1960 o Ocidente testemunhou uma revoada de pensamentos do
Oriente ancorar em seus cais e estabelecer intermediários humanos que viram importância neste trabalho e
deram continuidade através da proliferação destes estudos. Se a ideia se alimenta do homem e o homem da
ideia como coloca Edgar Morin (1921-), há neste instante, no Ocidente, ao que parece, uma fome por
conhecimentos milenares de caráter místico, filosóficos e transcendentais advindos do Oriente.

1.2 Oriente-ocidente, Ocidente-oriente

Edgar Morin (2011, p.27) expõe sobre uma ―crise da alma, do espírito‖ que gera um apelo do Ocidente
em procurar seus remédios no Oriente. Talvez esta busca esteja relacionada a uma crise da modernidade ou a
uma desilusão; um sentido de vazio que a materialidade retumba no interior da sociedade com a as promessas
não cumpridas de progresso e felicidade. Percebemos a importância de se mirar com sabedoria para os
remédios do Oriente, mas sem nos apegarmos a fórmulas mágicas ou deslumbramentos com autoenganos. Na
medida que estas pontes de ordem reflexiva e comportamental entre Oriente e Ocidente se estabelecem, ao
mesmo tempo que se solidificam alguns entrelaçamentos culturais, há também os esvaziamentos de discurso e
as deturpações de saberes. É o próprio movimento que a complexidade reconhece, onde forças de coesão e
repulsão estão a operar ao mesmo tempo, em tensão e disputa ou, como prefere Morin, entre ordem-desordem-
interação-organização. Forças que são agregadoras e de manutenção e forças que são de separação e destruição
(degradação). Cabe-nos aqui discernirmos com lucidez por quais práticas optarmos. De qualquer maneira,
acreditamos que é necessário aprofundarmos a comunicação com o Oriente com discernimento. É justamente
este concurso entre articulação e integração o objeto da nossa próxima reflexão.

1.3 O Oriente como Sul Epistemológico

Edward Said, no âmbito dos estudos culturais, já nos anos de 1970 denunciava sobre o sentido de
―colonialidade‖ do termo Oriente. O autor investiga, em seus estudos, o termo Oriente como uma invenção do
Ocidente.

O Orientalismo ajudou e foi ajudado por pressões culturais gerais que tendiam a tornar mais rígido o
senso de diferença entre as regiões européia e asiática do mundo. A minha afirmação é que o
Orientalismo é, no fundamental, uma doutrina política, imposta ao Oriente, porque esse era mais fraco
que o Ocidente, que elidia a diferença do Oriente com a sua fraqueza (SAID, 2007 p.277).

Neste sentido, o presente trabalho busca, criticamente, sair deste posicionamento etnocêntrico ao clamar
muito mais pela relação entre Ocidente e Oriente do que por sua separação em termos ideológicos e políticos.
Para isso lembremo-nos aqui a expressão ―Epistemologias do Sul‖ cunhado por Boaventura de Souza Santos,
reconhecido sociólogo português, que sugere o diálogo do Sul geopolítico do mundo para pensar seus próprios
mecanismos epistemológicos caminhando de uma colonialidade a uma descolonialidade.

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Santos (2013) traz a imagem de uma linha abissal que separa Oriente e Ocidente em dois universos
distintos: ―deste lado da linha‖ e os ―do outro lado da linha‖. A divisão é de tal ordem que tem ocasionado a
invisibilidade, a inexistência e a incompreensão.

Inspirados em Boaventura, propomos o Oriente como ―Sul epistemológico‖ para o trabalho utópico de
definhamento da necessidade do uso de termos que sugerem separação. Na verdade, os termos não são o alvo,
porque os termos têm seu trabalho lingüístico, mas sim as próprias bases epistemológicas que alimentaram as
separações.

2 Filosofias Orientais

É inegável que, em grande parte, desconhecemos a cultura, a história e toda a produção intelectual,
científica e artística do Oriente. O subtítulo Filosofias Orientais, bem poderia ser substituído por Filosofias ou,
ainda, Filosofias de toda a humanidade, porque de fato o são. E oxalá possam ser intercambiadas, apreendidas
e aprendidas não de forma a gerar mais um sentimento de colonialidade de saber ou poder, aumentando ainda
mais o abismo operado pelas fragmentações, mas, ao contrário, que possam gerar emergências epistemológicas
e avanços para patamares de conhecimento de realidades e da existência de toda humanidade. A seguir
adentraremos no estudo em duas filosofias: o Vedanta e o Budismo.

2.1 Vedanta

O Vedanta é a tradição filosófica de acurado trabalho intelectual que dá corpo uma variedade de
linhagens místicas indianas. Baseia-se nos Upanishads264 e em produções literárias posteriores que continuam a
argumentação nos mesmos termos de um conceito de Brahman265, que é não pessoal e isento de qualquer
conteúdo mitológico (CAPRA,2011 p.74).

Shankaracarya é um dos pensadores da escola vedantina do século VIII d.C. que reitera o conteúdo não
dual da experiência da vida. Ele é um dos autores mais utilizados do Vedanta e, por isso, muitas vezes, no
Ocidente, ao Vedanta é atribuído o título de não dualista ou advaita (não dual em sânscrito). Diz-se nestas
tradições que o Advaita, a não dualidade, não é o objetivo do Vedanta, mas apenas o reconhecimento da
natureza do Ser ao longo do impregnar-se do estudo prático e teórico. Dizer que o Vedanta é Advaita é quase
como uma redundância de termos, pois o Vedanta pressupõe Advaita, a não dualidade.

2.2 O Ser no Vedanta

264
Textos antigos que partem muitas vezes de comentários dos Vedas. Remontam a períodos anteriores a Buda, provavelmente entre
os séculos XVI a VII a.C
265
Palavra que é traduzida como Todo ou Absoluto.
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A natureza do Ser no Vedanta é Satchidananda. Sat quer dizer conhecimento, Chid existência e Ananda
bem-aventurança. Estas características são as características do Ser que é o Todo, ou o Absoluto. E é também a
natureza do Ser das partes integrantes do Todo. Ambos, as partes e o todo, são irmãos univitelinos de um
processo comum de experimentação da Vida.

Nesta jornada de busca da união do Ser individual com o Ser Total, o chamado estado de êxtase
(samadhi) no entendimento do Yoga, está a superação da separação entre o observador e o observado, entre o
sujeito e o objeto.

Abaixo segue alguns versos presentes no Hatha-Yoga-Pradipika266, transcritos em tradução para o


português no livro de George Feuerstein:

Quando a mente e a força vital fundem-se/E dissolvem-se, o resultante estado de equilíbrio/Chama-se


de êxtase/Este estado de equilíbrio, que é identidade/Do centro do ser individual com o centro do Ser
Total/No qual todas as conceitualizações/ Desaparecem, chama-se êxtase (FEUERSTEIN, 2006, p.
480).

Existe, no entendimento iogue a possibilidade de união entre o um e o outro. Quando houver a


impregnação de nossos referenciais epistemológicos desta possibilidade material de uma aproximação entre o
sujeito e o objeto, poderemos criar o cenário para a experimentação do novo que, ao final, já é tão velho quanto
a própria humanidade.

2.3 Budismo

A palavra Buda vem do sânscrito, buddah, e está associado a um ―entendimento de desperto‖. O Buda
histórico a que normalmente nos referimos, foi Sidarta Gautama, que viveu na Índia na metade do século VI
a.C. Era um príncipe da dinastia Sakya que abandonou secretamente o reino de seu pai e teria se dedicado a
práticas de austeridades e renúncias durante muitos anos até entrar num estado de iluminação. Após ter atingido
―este estado‖ passa a compartilhar o que havia experimentado e, assim, formaram-se duas grandes vertentes do
budismo chamadas Hinayana e Mahayana. A segunda é a vertente que mais se espalhou por outros países da
Ásia e também para o resto do mundo.

Ambas as linhas abordam as chamadas ―Quatro Verdades Nobres‖, que teriam sido expressas por Buda.
À semelhança de um médico, no início é identificada a causa da doença da humanidade, após a afirmação de
que a doença pode ser curada e, por fim, a prescrição do remédio. (CAPRA, 2011 p. 79)

De forma resumida, segundo a filosofia budista, a característica mais marcante da condição humana é o
sofrimento devido à dificuldade de compreender a natureza impermanente e transitória da vida. A causa do
sofrimento estaria ligada aos apegos à ilusão (maya) e a um estado de ignorância (avidya). Na tentativa de nos

266
Hatha Yoga Pradipika é um texto já da era medieval (século XIV) que é proveniente de outra linha filosófica indiana, mas que
recebe influencia do Vedanta.
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apegarmos àquilo que é impermanente, criamos armadilhas conosco mesmos por um processo de causa e efeito
(karma), alimentando o círculo vicioso de ações e novas ações (samsara).

Ainda segundo o budismo, seria possível transcender aos círculos viciosos (samsara), mas, para isso,
haveria a necessidade de um autodesenvolvimento. Isto se dá através do conhecimento correto, tendo a noção
da situação humana e adotar o caminho do meio entre os extremos, o que nos levaria a um estado de comunhão
plena ou êxtase (nirvana nos termos do budismo).

2.4 Filosofias Orientais e Complexidade

Edgar Morin expressa sua opinião acerca dos polos extremos chamados samsara e nirvana, dizendo que
são como polos opostos da mesma coisa (MORIN, 2014 p.36). E assim o é também para Buda e o Budismo,
que encara a doutrina como uma ferramenta temporária para se atravessar o rio da vida. Em uma história
relatada em Majjihima-Nikaya, Buda compara a doutrina com uma canoa que quando se chega a outra margem
do rio deve ser abandonada (ZIMMER, 2008 p. 344-345).

Esta imagem de um rio que deve ser atravessado de uma margem a outra, utilizando-se de uma canoa
para isso, como que em representação de que na margem de cá está o lado da ignorância e ilusão; do outro está
a iluminação. A canoa é a doutrina com suas austeridades, disciplinas e demais ritualísticas. Esta imagem é da
dualidade, as margens do rio e a canoa são importantes para aquele que está no processo de cruzar o rio, mas
uma vez cruzado já não há mais canoa, nem rio, nem margem.

Em última análise, não há nem samsara, nem nirvana. O nirvana só existe quando vinculado aos pares
de opostos, no seu caso o samsara. A dualidade aqui se funde num horizonte de ―unidualidade‖ (Morin), uma
vez que ambos são distintos e complementares, duas faces de um mesmo processo: a vida é samsara e nirvana
ao mesmo tempo.

Participamos da ideia de que dualidade e unidade estão ao mesmo tempo operando na vida. Assim
comosamsara e nirvana, assim como ignorância e iluminação, como forças de agregação e forças de destruição.
A emergência de um novo pensamento passa por conceber a teia de complexidade da vida e buscar o
entendimento sobre esses funcionamentos para abranger uma amplidão do conhecimento.

Entendemos que a busca do pensamento está situada no paradoxo dos infinitos universos dentro dos
finitos processos da vida. Num processo dialógico entre os pares de opostos, um encontrando-se no âmago do
outro. O infinito no finito, o ser interior e o ser exterior. O micro no macrocosmos e vice-versa. Concebemos o
―experimento vida‖, como o que está no limiar entre os pares de opostos da realidade, como uma membrana
intermediária, entre o que está dentro e o que está fora, entre a consciência individual e a consciência planetária,
a ambientação local e global.

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Dalai Lama fala de uma ciência rumo à consciência, ou seja, uma ciência que desperte os sentidos para
os estados internos dos sujeitos, abrangendo assim também a investigação subjetiva. Isto é o que as tradições
contemplativas têm enfatizado historicamente (DALAI LAMA, 2006). Contrário ao que a ciência tradicional
Ocidental até então tem se preocupado, ou seja o caráter objetivo da realidade. Creio que seja importante a
investigação tanto subjetiva quanto objetiva da realidade, englobando duas esferas de percepção, que são ao
mesmo tempo distintas, antagônicas, concorrentes e complementares como nos ensina Morin.

Em complemento, é ainda Dalai Lama (2006) quem expressa a tríade exposta pelos termos ciência,
espiritualidade e humanidade. Argumenta a favor de um reconhecimento por parte da ciência de que o
conhecimento científico não é o único prisma de conhecimento da realidade, e fechar este conhecimento apenas
ao científico seria fechar ou reduzir a uma única esfera de apreensão da realidade. A espiritualidade deveria
abrir-se para a ciência, assim como a ciência para a espiritualidade. Com efeito, BasarabNicolescu tece uma
crítica severa ao cientificismo ao constatar que:

A objetividade, instituída como critério supremo de verdade, teve uma conseqüência inevitável: a
transformação do sujeito em objeto. A morte do homem, que anuncia tantas outras mortes, é o preço a
pagar por um conhecimento objetivo. O ser humano torna-se objeto: objeto da exploração do homem
pelo homem, objeto de experiências de ideologias que se anunciam científicas (...). (NICOLESCU,
1999: 21)

Reduzir ou simplificar o conhecimento ao conhecimento científico trouxe consigo o alto custo da


―atrofia do ser interior‖, pois cada vez sabemos mais e mais do que somos feitos e menos compreendemos
quem somos, assevera Nicolescu (NICOLESCU, 1999).

3 Intercruzamento com a epistemologia ambiental

O novo na epistemologia ambiental, entre as diferentes fragmentações que se verificam, como os pares
de opostos da dualidade, estaria justamente na percepção da complexidade do pensamento de que a parte está
no todo, como o todo está na parte.

Nesta perspectiva, o sujeito com o corpo e seu ser inteiro percebe que é manifestação do global. Que o
trabalho de emancipação de si mesmo é também um trabalho de emancipação do outro. Que o trabalho de
crescimento ôntico do outro é também o seu. Os sistemas se interconectam numa retroalimentação em rede,
onde as partes abastecem o todo, assim como o todo o faz as partes. Nisto, certamente as filosofias apontadas,
do Vedanta e Budismo auxiliam nesta busca pelo entendimento do ser humano.

Quando esse sentimento de pertencimento de fato desponta no âmago do sujeito, ele passa a sentir um
compromisso em uníssono com toda a rede da vida, porque todas as partes estão num sistema interdependente,
no qual o ser humano é parte integrante. Ser humano e natureza possuem suas especificidades, mas são aspectos
da vida, um não anula o outro, mas se complementam em suas extensões. Desta percepção complexa ecoam os

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sentidos éticos e de solidariedade que naturalmente auxiliam no processo de construção da política humana, no
seu sentido mais nobre, aparamentado com as características da transparência, democracia e respeito mútuo.

Na união do êxtase relatada anteriormente no hatha-yoga-pradipikaexiste ao mesmo tempo a união de si


consigo mesmo que é também a união de si com o outro. Para a Educação Ambiental este esforço de
reconhecimento do Outro dá um impulso para o deslocar dos paradigmas estabelecidos nas centralidades de
visão, porque expande o sentido ético pautado em relações de interesse para o de corresponsabilidade e
solidariedade (MARIOTTI, 2000), contrapondo a cultura da indiferença nas relações e da inércia política
desatenta com o socioambiental.

O intuito desta imagem de unidade mesmo na dualidade não é para o esvaziamento de sentido da
individualidade, mas para um reconhecimento do outro no processo subjetivo. Não se quer costurar à força uma
totalidade abrangente idealizada, mas estimular a extensão da vida do sujeito na vida de outrem.

A transcendência para um futuro sustentável não aparece como a retotalização do mundo numa
consciência emergente, com a finalidade do uno, mas com a fecundidade do mundo a partir da
disjunção do ser e do encontro com o outro. [...] A complexidade ambiental gera o inédito no encontro
com o Outro, no entrelaçamento de seres diferentes e na diversificação de identidades culturais.
(LEFF, 2012 p.64)

Isto que Leff (2012) coloca traduz sobre a perspectiva de uma epistemologia ambiental. Ela está pautada
na geração do novo a partir da outridade e do diálogo de saberes. Reabrigando o conhecimento dos saberes que
estavam excluídos do círculo de racionalidade das ciências, como as referidas filosofias do texto.

Palavras Finais

Vedanta e Budismo, assim como complexidade e epistemologia ambiental perpassaram por interesses
próximos ao longo do texto. De alguma forma tentaram apagar um pouco das linhas abissais de separação entre
o Oriente e o Ocidente, apontando a preocupação com o Outro, através do sentido de não dualidade. A
complementaridade que está ocorrendo mesmo entre os pares de opostos, aparece como auxílio da visualização
das invisibilidades epistemológicas do Sul, agora também oriental.

As utopias em Educação Ambiental se renovam e convidam para as perspectivas de deslocamento das


centralidades de saber para pluralidade que dialoga e que busca construções epistemológicas distintas daquilo
que se firmou historicamente como convenção. Daí que os apelos ilocutórios de ―agir‖, ―falar‖ e ―fazer‖
constituem os nossos horizontes de reflexão e ação apontados para um projeto utópico viável de
reconhecimento do Outro (próximo ou distante) como membro de uma comunidade terrena numa linguagem de
comum entendimento assentada sobre o sentimento de pertencimento, de solidariedade e de fraternidade. A
Educação Ambiental não se limita a meras ações performativas, ainda que importantes e necessárias, para a
reeducação da nossa espécie para com o meio ambiente ecossistêmico e social. Em realidade, o seu desiderato

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maior consiste na construção de uma ética local e universal que possibilite a maioridade da consciência humana
em relação aos seus pares e no respeito inegociável das demais espécies que por direito habitam este Planeta.

Muitas revoluções ocorreram ao longo de séculos, mas nenhuma teve como objetivo revolucionar o
pensamento redutor, simplificador. A Educação Ambiental tem um encontro marcado com a ―trans-forma-
ação‖ do indivíduo-sujeito através dos seus mecanismos de educabilidade ambiental. E isto porque toda a
revolução inicia no microcosmo do indivíduo e irradia-se e concretiza-se em nível sociocultural. É por isso
também que o conhecimento milenar da filosofia Oriental nos faculta compreender identidades de propósitos
humanitários que foram subsumidas por alfândegas ideológicas de diferentes matizes. Caberia à Educação
Ambiental ―encharcar-se‖ (o conceito é de Freire) da filosofia Oriental para nela melhor compreender formas
de ações transformadoras do pensamento redutor a um pensamento de caráter complexo, queremos dizer, uno e
diverso ao mesmo tempo. Mas para esse ambicionado horizonte é preciso ―fazer‖ acontecer, como diria
Eduardo Galeano. Fica o desafio a todos nós, educadores ambientais.

Referências

CALLONI, Humberto. Considerações sobre o ensino de filosofia, sua relação com a educação e a noção de
meio ambiente. MIMEO, 2014.
CAPRA, Fritjof. O Tao da Física: Um paralelo entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental. 29º edição.
São Paulo: Editora Pensamento-Cultrix, 2011.
FEUERSTEIN, George. A tradição do yoga: história, literatura, filosofia e prática. 13º edição. São Paulo:
Editora Pensamento- Cultrix, 2012.
LEFF, Enrique. Aventuras da Epistemologia Ambiental: da articulação das ciências ao diálogo de saberes.
São Paulo: Editora Cortez, 2012.
DALAI LAMA. O universo em um átomo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
MARIOTTI, Humberto. As paixões do Ego: complexidade, política e solidariedade. 3ª edição. São Paulo:
Editora Palas Athena, 2000.
NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade. São Paulo: Triom, 1999.
MORIN, Edgar. Rumo ao Abismo? : ensaio sobre o destino da humanidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2011.
MORIN, Edgar. Meus filósofos. Porto Alegre: Sulina, 2014.
SAID, Edward. Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
SANTOS, Boaventura de Souza. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de
saberes. In: SANTOS, Boaventura de Souza e MENESES, Maria Paula (Orgs.) Epistemologias do Sul. São
Paulo: Cortez, 2010.
ZIMMER, Heinrich. Filosofias da Índia. São Paulo: Palas Athena, 2008.

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SABER AMBIENTAL EM RODAS DE CONVERSAS NA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL
Márcia Madeira Malta267
Vinícius Lima Lousada268
Instituição Financiadora – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul

Resumo
O presente projeto tem como tema o 'Saber ambiental em Rodas de Conversas na Educação Profissional' e tem
como objetivo geral ampliar o debate sobre o saber ambiental articulando o debate acadêmico às práticas
profissionais. Especificamente pretende:articular ensino, pesquisa e extensão; contribuir com a formação inicial
dos discentes do curso de formação pedagógica e de licenciaturas; problematizar os diferentes conceitos de
Educação Ambiental; ressaltar as correntes da Educação Ambiental, com ênfase no saber socioambiental e a
busca pela qualidade de vida. Justifica-se por após dois anos da pesquisa ―Saber Ambiental nas práticas
educativas do IFRS‖, foi identificado que os Projetos Pedagógicos dos Cursos e os Planos de Ensinos de todos
os cursos do Câmpus Rio Grande, apresentam, muitas vezes, uma visão conservacionista acerca do tema
ambiental. A metodologia consiste em Rodas de conversas que articulem a teoria à prática por meio do debate
de livros e proposições de práticas sobre o tema nas instituições a que pertencem e, ao final do ano letivo a
realização de um encontro para partilha sobre os debates teóricos e práticos para a proposição de um plano de
metas e ações a serem implementados nas instituições participantes.
Palavras-Chave: Saber Ambiental. Rodas de Conversas. Educação Profissional.

Iniciando a conversa
Este trabalho relata a experiência vivenciada em um projeto de extensão intitulado ―Saber Ambiental em
Rodas de Conversas na Educação Profissional‖ realizada no Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Rio Grande do Sul – IFRS, Câmpus Rio Grande. Teve início após duas edições da pesquisa
―Saber Ambiental nas práticas educativas do IFRS‖ em que pesquisamos nos anos de 2013 e de 2014, o saber
ambiental tanto nos Projetos Pedagógicos de todos os Cursos, quanto nos Planos de Ensinos de todos
osprofessores cursos do Câmpus Rio Grande. Percebemos queos documentos apresentam, muitas vezes, uma
visão conservacionista acerca do tema ambiental, embora tenhamos identificado os temas nos referidos
documentos, muitas vezes aparecem como mera formalidade legal e não como uma identidade a ser
desenvolvida como pertinente na Educação Profissional. Identificamos, por vezes nos projetos, a perspectiva
humanista, porém, não apresentada conscientemente como saber ambiental.
Tais fatos contribuíram para que desejássemos suscitar o debate no campo da Educação Profissional,
especialmente no IFRS. Principalmente por considerarmos que: tal discussão se faz fundamental por ser meta
do Plano de Desenvolvimento Institucional e do Projeto Pedagógico Institucional do IFRS; por ser uma
exigência legal, pela Política Nacional de Educação Ambiental em vigor e que a Educação Profissional entre

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Mestre em Educação Ambiental e Licenciada em Pedagogia. Professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Rio Grande do Sul, coordenadora do Programa Especial de Formação Pedagógica de Docentes para a Educação Profissional. E-mail:
marcia.madeira@riogrande.ifrs.edu.br.
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Doutor em Educação e Licenciado em Pedagogia. Professorno Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande
do Sul, Pró-Reitor Adjunto de Ensino. E-mail: vinicius.lousada@ifrs.edu.br

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outras legislações e pelo campo da Educação Profissional apresentar, muitas vezes, uma racionalidade
tecnocrata consequente do cartesianismo moderno.
Neste sentido, criamos o projeto de extensão aqui relatado com o intuito de:ampliar o debate sobre o
saber ambiental articulando o aspecto acadêmico às práticas profissionais; articular ensino, pesquisa e extensão;
contribuir com a formação inicial dos discentes do curso de formação pedagógica e de outras licenciaturas;
promover a interdisciplinaridade entre os docentes e técnicos envolvidos de diferentes áreas do conhecimento;
compreender como se materializa o saber ambiental no âmbito da pedagogia da educação profissional;
problematizar os diferentes conceitos de Educação Ambiental e ressaltar as correntes da Educação Ambiental,
com ênfase no saber socioambiental e a busca pela qualidade de vida.

Utopia de um Saber Ambiental


Sabemos que uma das utopias da Educação é lutarmos por uma Educação Ambiental com pressupostos
filosóficos e sociológicos consistentes e que transforme modos de ser e estar na sociedade. Educação essa que
busque no trabalho coletivo, interdisciplinar, dialógico, reflexivo e crítico, a profundidade e amplitude na
criação de propostas sólidas que contemplem a teoria e a prática, consistente e coerente, na procura efetiva da
transformação da realidade social.
Como sujeitos multiplicadores desse processo utópico de mudança, os educadores ambientais
demonstram o caráter e preocupação humana, buscando uma transformação social, envolvendo questões éticas,
políticas, econômicas e culturais, (MADEIRA, 2004). Por isso, é importante o compromisso ―político‖ de
intervenção na sociedade, para que haja mudança nas práticas sociais. Com isso, entendemos que toda educação
–inclusive a Ambiental – é política. A Educação Ambiental, no paradigma de transformação da realidade
socioambiental através de práticas de intervenção na sociedade subsidiadas pela criticidade, ação, reflexão,
promove politicamente uma leitura de mundo, pode ser construída tanto individual quanto coletivamente, pois é
um processo que contribui para a construção de novas práticas e de nova cultura. São imprescindíveis nessa
participação coletiva o diálogo, compromisso, criatividade, criticidade, reflexão, valorização popular, cultura
solidária e a interdisciplinaridade. Dessa maneira, a Educação Ambiental pode não se tornar uma ―receita‖
fundamentada em um discurso pronto e, por não ser contextualizado, vazio. Nessa mesma perspectiva, segue a
importância da interdisciplinaridade na Educação Ambiental.
É perceptível a inerência interdisciplinar presente na Educação Ambiental, pois estando interligada a
várias áreas do saber, faz-se necessário que educadores ambientais atuem, com suas contribuições específicas,
tanto em espaços formais quanto não-formais. Para Loureiro (2004), a interdisciplinaridade pode ser realizada a
partir da totalidade, da complexidade, e de uma teoria crítica, para que não fique apenas nas ideias. Esse
processo de conscientização construído interdisciplinarmente pode trazer um cuidado social, um compromisso,
uma nova atuação política dos cidadãos, conforme apresentado anteriormente. Essas tomadas de decisões
podem proporcionar um novo ―olhar‖ ecológico. Cabe salientar que, nesse processo de reorganização do saber
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e da sociedade e de busca pela educação mais crítica, é importante que não sejam reflexos de modismos e sim
buscas consistentes e fundamentadas para obterem a realização dos objetivos propostos enquanto educadores
(MADEIRA, 2004). A partir dessas reflexões e questionamentos, redirecionar suas práticas educativas. A
Educação Ambiental transformadora consiste em uma proposta emancipatória que procura a superação de
paradigmas existentes na sociedade que se apresenta muitas vezes: consumista, machista, patriarcal,
individualista etc. Defende uma sociedade eticamente construída, solidariamente efetivada e dialogicamente
refletida. Mas é importante que fique claro que apenas ideais socioambientais transformadores não são
suficientes, portanto buscam-se nesta proposta ações e situações concretas no cotidiano no ponto de vista
político, cultural, econômico e social.

Resquícios de uma história


Como resquícios de uma história, vivemos um momento, em nossa civilização planetária, de desafios de
intensidade jamais vistos, sobretudo ante a chamada crise ecológica em escala global. Diante dela possuímos,
os educadores e os pesquisadores – como também outros atores sociais – do campo ambiental, perguntas que se
evidenciam a partir dos sintomas dessa crise que são tão profundos e exigentes como problemas ambientais que
as respostas possíveis dentro de uma racionalidade científica herdeira da modernidade são por demais frágeis.
Estamos todos perplexos com a capacidade destrutiva de nossa espécie. Aliás, reforça a percepção dos limites
de nossos saberes fincados somente na racionalidade moderna o alerta exposto por Santos (2008, p. 17) quando
afirma que é evidente o quanto o pensamento ortopédico – essa racionalidade que ajustas os fenômenos naturais
à sua epistemologia para explicá-los ignorando a outredade do mundo natural, por exemplo – ignora a condição
humana e planetária indicando, desse modo, a sua própria desumanização declarando de maneira indelével em
suas frágeis respostas às grandes questões de nosso tempo a falta de um saber qualificado para, como diz o
sociólogo lusitano, garantir a mulheres, homens e natureza uma vida decente.
O modelo de racionalidade científica da modernidade foi sendo construído, segundo Santos (1987) a
partir da revolução científica do século XVI, desenvolvido ao longo dos séculos posteriores, fundamentalmente
nos desdobramentos das Ciências da Natureza. Paradoxo digno de nota: à medida que conhecemos o mundo
natural através das ferramentas da ciência que produzimos, dominamos a Natureza e a colocamos ao nosso
serviço; caminhamos, igualmente, no processo civilizatório empreendido, no sentido de que dela nos afastamos
mediante a educação disciplinadora da natureza humana. Estabelecemos, enfim, um movimento contraditório
de negação e afastamento da Natureza para dela nos apropriarmos (Lousada,2011).
Porém, é somente no século XIX que esse modelo de racionalidade passa a se estender ao âmbito das
Ciências Sociais, como um modelo global de racionalidade científica que, até certo ponto aceita variações em
seu campo e em nome da verdade científica erige fronteiras em oposição ao conhecimento produzido fora de
sua tradição. O rigor científico postula a exatidão matemática da mensuração e, desse modo, na perquirição

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científica, as qualidades inerentes do objeto submetido à verificação, são ignoradas em nome da quantificação,
definindo o que tem validade, o que deve receber a chancela do estatuto de cientificidade.
Para compreender o mundo complexo ante a razão humana foi preciso simplificá-lo, separá-lo em
diversas partes tantas quantas se fizesse necessário para sua inteligibilidade. O processo gnosiológicodemanda,
no paradigma da modernidade, a divisão e classificação do objeto científico para, mais tarde, serem
identificadas as relações das partes, em conformidade com o método cartesiano que busca adecifração da ordem
simplificando-a.
Essa racionalidade que pôs a Natureza em uma relação de externalidade para com o saber científico está
no cerne da crise ecológica de nossos dias. Isso implica, indubitavelmente, na exploração da Terra e das gentes
em nome do progresso ilimitado, com o rastro de destruição que deixa como legado, a prosperidade de alguns
poucos e o desenvolvimento da produção de bens e serviços, com a consequente produção vertiginosa de
resíduos e a separação entre os humanos que podem ou não gozar das benesses dos serviços oferecidos.
A partir da perspectiva hermenêutica que adota, Carvalho (2009), em estudo sobre os cursos históricos
dos sentidos socialmente produzidos sobre a Natureza ratifica a compreensão de que a modernidade carrega
uma compreensão iluminista de Natureza, controlada pela razão, como expus até aqui. Ancorada nos estudos de
Elias (1990) acerca do processo civilizador, configurado por profundas mudanças culturais instauradoras da
modernidade, Carvalho traz à tona o entendimento moderno da Natureza como domínio do selvagem, como
algo ameaçador e desagradável do ponto de vista da estética desejada, que contrasta com o ideário de
civilização e o antropocentrismo que lhe é subjacente. Civilidade, cultura e razão estão postas em oposição à
Natureza, ao selvagem ou bárbaro e à ignorância ou ausência de letramento. No imaginário cartesiano, o corpo
e suas funções, assim como na concepção kantiana, caracterizado em sua animalidade, deve ser domesticado
para que, inclusive no âmbito das subjetividades, os aspectos naturais da vida possam ser silenciados como se
não existissem.
Portanto, era preciso impor-se ao mundo natural de tal sorte que o mesmo passasse a ser classificado de
acordo com sua submissão às necessidades dos grupamentos humanos. É valorada como boa e bela a Natureza
cultivada, domesticada pela espécie humana. Por outro lado, o que advém do mundo da Natureza tal como se
apresenta é cercado de adjetivações negativas, é desvalorizado de seu sentido primordial, como não-outro, fonte
de recursos inesgotáveis sim, desde que à serviço do Senhor da Terra, e arca provedora de conhecimento que o
bisturi da técnica haveria de revelar como elemento basilar para o progresso e para a felicidade humana.
Verifica-se, atualmente, que tanto a vida humana quanto o equilíbrio dos sistemas não-humanos integrantes do
ambiente ―estão ameaçados pelo capitalismo, em especial, pelos efeitos destrutivos da ciência e da tecnologia
transformada pelo capital na sua principal força produtiva.‖ (VELASCO, 2002, p.40).
A título de ilustração, tomemos por empréstimo alguns registros de Boff (2008) sobre a degradação
ambiental. Segundo esse filósofo, do ano de 1500 a 1850 foram eliminadas uma espécie a cada dez anos, de
1850 a 1950, uma espécie por ano, e, de 1989 para cá, há o desaparecimento de uma espécie por dia.
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Historicamente depredamos a biodiversidade em nossa casa planetária. De meados da década de 70 até a
atualidade, desapareceram 20% das espécies. As florestas estão desaparecendo num ritmo de 20 milhões de
hectares por ano. Na América Latina estima-se que, por causa do desmatamento, trinta a 50 mil espécies
tenham desaparecido. E, dentre os principais problemas globais pertinentes ao ambiente, estão a chuva ácida, o
efeito estufa, a destruição da camada de ozônio e o crescimento populacional desordenado. O impacto disso
tudo pode ser desenhado pela denominada pegada ecológica, aliás, ensina-nos MartinézAlier (2009, p. 72) que:
Concretamente, a pegada ecológica de uma pessoa soma quatro tipos de uso de solo: a) a terra destinada
para alimentar a pessoa, superfície que irá variar de acordo com a sua dieta (por exemplo, se come mais
ou se come menos carne) e da intensidade do cultivo; b) a terra utilizada para produzir madeira para papel
e outros usos; c) a terra edificada e pavimentada para ruas, estradas...; d) a terra que hipoteticamente
serviria para produzir energia em forma de biomassa equivalente ao consumo atual de combustíveis
fósseis e de energia nuclear desta pessoa ou, alternativamente, a terra necessária para que sua vegetação
absorva o dióxido de carbono emitido. A pegada ecológica representa, em hectares de terra alguns
aspectos importantes do impacto ambiental humano.

A chuva ácida nasce do processo desnorteado de industrialização que promove a dispersão, na


atmosfera, do dióxido de enxofre de forma combinada com o óxido de nitrogênio e as águas das chuvas que se
transmutam em partículas ácidas sobre a vegetação e as águas. Essas partículas são responsáveis por uma série
de doenças respiratórias e pela contaminação de diversos alimentos.
O efeito estufa, por suavez, é consequência da queima de combustíveis fósseis que se desligam do
dióxido de carbono e de outros fósseis, o que produz o aquecimento global. Ao lado desse cenário que denuncia
como vilipendiamos a Natureza, temos a destruição da camada de ozônio que protege a vida no planeta das
radiações ultravioleta, fator cancerígeno no ser humano e que afeta negativamente a nossa imunidade. É de bom
alvitre que não esqueçamos que a emissão de resíduos químicos industriais na atmosfera é a principal
responsável pelo buraco na camada de ozônio e que os maiores poluidores são os países ricos e industrializados,
os mesmos capazes de ignorar tratados e acordos para a redução do lançamento de gases na atmosfera. A crise
se impõe como situação-limite que exige da humanidade a ousadia criativa de atos-limites para a sua
transposição. ―Esta superação, que não existe fora das relações homens-mundo, somente pode verificar-se
através da ação dos homens sobre a realidade concreta em que se dão as ‗situações-limite‘.‖ (FREIRE, 2003, p.
91).
Nesse sentido, a invenção de novas práticas sociais alternativas à crise ambiental pode ser concebida em
atos-limite elaborados em redes do cotidiano que buscam a superação da dicotomia homem/Natureza, do
paradigma cartesiano e de seus efeitos danosos, delineando outroparadigma de racionalidade que aponta à
compreensão do mundo em sua complexidade, para o sentimento de identidade com a Natureza, rumo a uma
ética de responsabilidade com a vida (Pelizzoli, 2002).

Por uma nova Racionalidade ambiental

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Como civilização, precisamos trilhar outra via de racionalidade. Um processo em construção que se
estabeleça não somente no ato de duvidar dos cânones do conhecimento moderno, sobre qual seja nosso lugar
no mundo, mas pela busca de outras epistemologias que vençam as fronteiras entre as ciências, para que essas,
em diálogo interdisciplinar, contribuam à compreensão crítica e às ações coletivas ante a complexidade da crise
pela qual passamos. Assim, poderemos desencadear um processo de construção de saberes que, em sua
intersecção, revelem as múltiplas causas teóricas, econômicas e políticas da crise ecológica e atendam à
emergente necessidade de tomarmos outros rumos. Essa outra racionalidade precisa ser pautada na percepção
do ambiente, na compreensão dos processos ecológicos, para que, aprendendo nossos limites numa outra
atitude, consigamos estruturar as bases de outros modos de viver, produzir e consumir com base na lógica de
sustentabilidade, que não consiste na mesma orientação produtiva de desenvolvimento sustentável.
Sustentabilidade, por sua vez, não pode ser pensada como imediata consequência da assinatura de tratados que,
sob uma visão romântica, gerariam mudanças na racionalidade ecocida.
Trata-se, sobretudo, da transição de uma lógica estreita para a construção da racionalidade ambiental nas
dimensões materiais, simbólicas, históricas das relações sociedade e ambiente. Como racionalidade fundada no
ambiente, a racionalidade ambiental, na atualidade, apresenta-se como via alternativa aos efeitos
socioambientais nefastos, ocasionados pela racionalidade economicista, reducionista, uniformizante do saber,
das culturas, do mundo. Além disso, provoca, na orientação que pode efetivar no agir humano com o mundo,
alterações singulares nas políticas públicas, nos modos de
produção, no desenvolvimento de tecnologias e nos processos educativos; incorpora os limites dos potenciais
ecológicos na condução dessas esferas e insere dentre os valores humanos outros imperativos éticos.
Contudo, essa racionalidade pede a promoção do saber ambiental. Saber ambiental é uma categoria
fundamental nessa reflexão e, nesse caso, cabe esclarecer a acepção aqui adotada (Leff, 2001). É evidente que a
racionalidade ambiental requer, para sua efetivação na cultura e, portanto, nas práticas sociais, a reorganização
interdisciplinar do saber para a construção e apropriação de saberes que se produzam de forma interdependente
com os saberes que produzimos a respeito do ambiente, em diferentes campos do conhecimento. Não se trata de
propor uma uniformização e um ajuste desses saberes à ecologia, pura e simplesmente, mas ao contrário, o
saber ambiental é constituído por processos de produção de saberes de caráter ambiental e que problematizam o
saber fragmentado historicamente instituído na racionalidade moderna. Nesse rumo, o saber ambiental (Leff,
2001) é um saber que não é neutro e, portanto, faz a denúncia das relações de poder que se inscrevem na
produção, circulação e apropriação do conhecimento em suas diferentes modalidades e ambientes, anunciando a
subversão da ordem de silenciamento imposta aos saberes marginais.
O saber ambiental é uma epistemologia política que visa dar sustentabilidade à vida; é um saber que
vincula os potenciais ecológicos e a produtividade neguentrópica do planeta com a criatividade cultural dos
povos que habitam a Terra. O saber ambiental muda o olhar do conhecimento e com isso transforma as
condições do ser no mundo na relação que o ser estabelece com o pensar e o saber, com o conhecer e o agir no
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mundo. O saber ambiental é uma ética para acariciar a vida [...]. (LEFF. 2011, p. 201). Enfim, o saber
ambiental constitui-se em ―um campo de conhecimentos teóricos e práticos orientado para a rearticulação das
relações sociedade-natureza.‖ (LEFF, 2001, p. 145).
Além de gerar novos objetos interdisciplinares de estudo, novos e múltiplos modos de apropriação do
mundo e sentidos de civilização para a concretização da racionalidade ambiental, esse saber – originariamente
propagado ou legitimado no âmbito dos movimentos sociais marcadamente ambientalistas – reivindica, na
formação de um sujeito ecológico, processos educativos orientados por outras bases epistemológicas. Eis aí o
papel da educação ambiental: difundir culturalmente a ética estribada no saber ambiental.

Rodas que conversam na Educação Profissional


O projeto de extensão ―Saber ambiental em Rodas de Conversa na Educação Profissional, busca
possibilitar o debate que poderá promover no campo da Educação Profissional uma nova Racionalidade
Ambiental. Tal projeto consiste em três categorias:
estudo;Rodas de Conversas e o pensar a sua prática e,partilha.
Com base nessas três categorias, criamos as seguintes etapas:
a) As Rodas de Conversas sobre livros e/ou textos pré-estabelecidos articulados com a prática de
estudantes de Licenciaturas e professores das Escolas de Educação Profissional de Rio Grande, assim como
demais militantes da área que atuem nas respectivas escolas e instituições de ensino superior;
b) I encontro Saber Ambiental na Educação Profissional
Final do semestre–a proposta é que pela manhã e tarde aconteça a partilha de experiências, avaliação
sobre as Rodas de Conversas realizadas e a construção de um plano de metas e ações para as respectivas
instituições. Na parte da noite a proposta é que hajauma palestra com algum teórico expoente.
De acordo com a divulgação e o envolvimento das diferentes escolas de Educação Profissional, as
Rodas de Conversas circularão nas diferentes escolas, promovendo assim, uma relação interinstitucional.
Além disso, propõe a interlocução entre ensino, pesquisa e extensão, por meio dos seguintes aspectos: 1)
Ensino:Educação continuadados professores que participantes, além da formação inicial possibilitada aos
estudantes do Programa Especial de Formação Pedagógica para Docentes da Educação Profissional do IFRS
Câmpus Rio Grande;
2) Pesquisa:Interação com o projeto de pesquisa Saber ambiental nas práticas educativas do IFRS que originou
este projeto de extensão que investiga o saber ambiental nos Planos de Ensino e nos Planos de Curso;3)
Extensão:Parceria entre os Câmpus do IFRS, FURG e outras escolas de Educação Profissional e circulação dos
participantes nas Escolas de Educação Profissional da cidade de Rio Grande, com o intuito de romper com a
Racionalidade Instrumental frequente entre docentes na área da Educação Profissional, se realizando dentro e
fora do IFRS.

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Até o momento foram realizadas duas Rodas de conversas no Câmpus Rio Grande do IFRS. Estiveram
presentes docentes, técnicos e estudantes do IFRS de várias áreas do conhecimento, como: tecnologia da
informação e comunicação; engenharia química, pedagogia, letras, engenharia de alimentos, entre outros. O
grupo entende que o maior diferencial desse trabalho é a proposição de uma nova racionalidade ambiental
especificamente para a Educação Profissional.

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REFLEXÕES POR UMA EDUCAÇÃO AMBIENTAL “VISTA DE BAIXO”: A
EXPERIÊNCIA DAS ECOVILAS
Bruno Emilio Moraes269
Carlos RS Machado270
Resumo
O presente artigo propõe uma reflexão sobre as possibilidades de uma educação ambiental ―vista de baixo‖, ou
seja, a partir da vivência dos movimentos e grupos sociais que se colocam como alternativa à modernidade
capitalista. Partiremos da experiência cotidiana das comunidades intencionais – ecovilas - que exercitam novos
padrões de organização social e de relacionamento com a natureza. O objetivo é compreender a dimensão
educativa inerente a essas experiências, buscando compreender a educação ambiental a partir do vivido e do
experenciado.
Palavras chave: educação ambiental. ecovilas. diferença subalterna

Introdução
O século XXI emergiu num mundo de incertezas avassaladoras e respostas pouco condizentes com a
profundidade de nossos dilemas contemporâneos. O alcance e a complexidade da atual crise civilizacional
dificultam a visualização de respostas que possam contribuir para o estabelecimento de novos rumos
socioambientais. Enfrentamos um problema inerente ao nosso modelo societário, pois a modernidade capitalista
manifesta-se em escala global afetando intimamente nossas relações com o mundo e promovendo a exploração
indiscriminada da natureza e dos seres humanos.
Amparada por um paradigma que compreende a vida sob um prisma fragmentário, essa modernidade
coloca o homem e a natureza em lados opostos, justificando as ações utilitaristas que se apropriam dos bens
naturais em prol do ―desenvolvimento‖ da humanidade. (MORIN, 2006) No entanto, o reducionismo dessa
perspectiva tornou-se insuficiente para explicar a infinita teia de relações que engendram a sociedade
contemporânea, como pontua Arturo Escobar:
La habilidad de la modernidad para proveer soluciones a los problemas modernos ha sido
crecientemente comprometida. En efecto, puede ser argumentado que no existen soluciones
modernas a muchos de los problemas de hoy (Santos 2002, Leff 1998, Escobar 2003). Este es
claramente el caso, por ejemplo, de los desplazamientos masivos y la destrucción ecológica, pero
también de la inhabilidad del desarrollo para satisfacer sus promesas de un mínimo bienestar a la
población del mundo. En la base de esta incapacidad moderna subyace tanto la hiper-tecnificación
de la racionalidad y La hiper-mercantilización de la vida social (...) En síntesis, la crisis moderna
es una crisis de los modelos de pensamiento y las soluciones moderna (...). (ESCOBAR, 2005
p.23-24)

Neste cenário contemporâneo as bandeiras ambientais têm ocupado importante papel no


estabelecimento de novas utopias e na mirada por outros mundos possíveis. Assim nasce a educação ambiental
(EA), motivada pelo potencial que a educação apresenta para a construção de novos caminhos civilizacionais
para além da insustentabilidade socioambiental que caracteriza a sociedade capitalista. Segundo Mauro
Guimarães: ―Certamente, esse ‗fenômeno social recente‘, que é a EA, é a resposta a uma demanda gerada pela

269
Mestrando do Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental da FURG – brunomoraes@unipampa.edu.br
270
Doutor do Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental da FURG - carlosmachado2004furg@gmail.com
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crise ambiental, atualmente já reconhecida pela maioria das pessoas mundo afora.‖ (GUIMARAES, 2010, p.
21).
Portanto, entendendo a educação ambiental como um movimento pautado na superação dos padrões
civilizacionais hegemônicos, iremos propor uma análise sobre o processo de desenvolvimento e
institucionalização da educação ambiental no Brasil, bem como as limitações dessa trajetória. A seguir faremos
uma reflexão sobre a possibilidade de pensarmos uma educação ambiental ―vista de baixo‖, ou seja, a partir da
vivência cotidiana de movimentos e grupos sociais que se colocam como alternativa ao sistema hegemônico.
Como recorte de trabalho partiremos das experiências vividas nas comunidades intencionais conhecidas como
ecovilas, buscando compreender as relações educativas que emergem nesses espaços.

Parte I – O processo de institucionalização da educação ambiental no Brasil e suas contradições


No Brasil, as origens da educação ambiental (EA) apontam ao contexto de efervescência das temáticas
ambientais que marcaram os anos 1970, período da ditadura civil-militar (1964-1989), mas foi nas décadas
seguintes que a EA passou por um processo de institucionalização junto ao poder público onde foi incorporada
à diversas diretrizes, normativas e leis federais. Na Constituição de 1988 já ficava estabelecido que cabe ao
Poder Público ―promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a
preservação do meio ambiente‖ (BRASIL, 2010, p. 115). Assim gradualmente a EA deixava de ser unicamente
uma bandeira dos movimentos ambientalistas para se tornar uma política de Estado.
Após a realização da conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento no
Rio de Janeiro em 1992 (Rio-92), esse processo de institucionalização foi intensificado por meio de normativas
e organizações governamentais como o Programa Nacional de Educação Ambiental (1994), Parâmetros
Curriculares Nacionais (1998), Política Nacional de Educação Ambiental (1999), etc. (GUIMARÃES, 2010).

Neste contexto, o ensino formal escolar tornou-se um espaço privilegiado para concretização das
políticas públicas voltadas a educação ambiental. Entre os anos de 2001 e 2003 é possível observar um
crescimento de 32% no número de escolas que oferecem EA Esses dados foram obtidos a partir de uma
pesquisa sobre ―Um Retrato da Presença da Educação Ambiental no Ensino Fundamental Brasileiro‖ que
apresenta uma análise da implantação da educação ambiental no Brasil a partir dos dados do Censo Escolar.
Esta pesquisa objetivava ―entender melhor como a Educação Ambiental é processada e significada nos
diferentes contextos escolares e interpretar qualitativamente a inserção da Educação Ambiental no ensino
fundamental‖ (VEIGA, et al. p. 7, 2005). Posteriormente, foi organizada uma segunda etapa da mesma
pesquisa - O que Fazem as Escolas que Dizem que Fazem Educação Ambiental? – visando ―ampliar a escala de
investigação e aproximação e conhecer in loco como a escola pratica a Educação Ambiental.‖ (TRAJBER;
MENDONÇA, 2006, p. 16).

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É interessante observar que apesar da grande expansão da EA pelo ensino formal, ambos os trabalhos
evidenciam uma tendência de não correspondência entre os princípios balizadores que norteiam as políticas
públicas de EA e as práticas efetivas desenvolvidas no ―chão de escola‖. De acordo com tais pesquisas
predominam nas escolas a visão de uma educação ambiental voltada superficialmente à sensibilização para o
convívio com a natureza, um precário diálogo com as comunidades em que estão inseridas, ausência de
políticas de destinação apropriada de resíduos ou de outras medidas concretas que evidenciem uma modificação
da relação humana com a natureza no ambiente escolar. Segundo Trajber e Mendonça:
Essas contradições evidenciadas demonstram certo distanciamento entre o que dizem e fazem as escolas em
termos de Educação Ambiental e um contínuo trânsito entre discursos de adesão a um determinado ideário
teórico, que, no entanto, não consegue se relacionar com a proposição de práticas coerentes. (TRAJBER;
MENDONÇA, 2006, p.107)

Portanto, a partir desses estudos, podemos refletir criticamente sobre as limitações dessa grande e veloz
expansão da educação ambiental pelo território nacional nos últimos anos. É arriscado, ou mesmo improvável,
tecermos uma avaliação que permita compreender o real impacto da disseminação da EA sobre a realidade
socioambiental brasileira e sobre possíveis modificações da relação humana com os ambientes biofísicos.
Entretanto, Guimarães chega a apontar que:

(...) apesar da grande difusão da educação ambiental no meio educacional, formal e não-formal, ao longo
destes últimos 25 anos no Brasil e, até a mais tempo, no mundo, tivemos neste mesmo período uma maior
degradação ambiental no Brasil e no mundo; ou seja, hoje apesar desta difusão da educação ambiental, a
sociedade moderna destrói mais a natureza do que há 25 ou 30 anos. (GUIMARÃES, 2006, p. 22-23).

Essa contradição também foi destaca por Layrargues ao afirmar que:

(...) a Educação Ambiental brasileira está vivendo um período de crise de identidade, que se manifesta por
meio de dois processos: primeiro, na contradição entre teoria e prática que se verifica em diversas
expressões concretas da vivência pedagógica da Educação Ambiental, contradição essa que separa os
princípios e diretrizes internacionalmente consolidadas como corpo teórico conceitual e metodológico
definidor do pensar e fazer a Educação Ambiental (Loureiro, 2004; Lima 2011) daquilo que realmente vem
sendo experimentada nas ações pedagógicas concretas, contradição essa que continuamente afasta sua
práxis da radicalidade da crítica anticapitalista; segundo, na dificuldade de se superar o pensamento e ação
pragmática atualmente hegemônica na Educação Ambiental, em especial na sua dimensão Informal,
vivenciada nos meios de comunicação midiáticos em geral. (LAYRARGUES, 2012, p.398)

Para Layrargues essa crise resulta da predominância da macrotendência pragmática dentro do campo da
Educação Ambiental. Essa tendência, segundo o autor, aposta em uma reforma técnica e ecoeficiente das
imperfeições do modelo de produção hegemônico, buscando minorar os impactos ambientais, mas de modo que
não afete as bases constituintes do capitalismo. Essa despolitização da EA colabora para a manutenção das
injustiças ambientais pois retira do debate as relações de poder e supervaloriza os aspectos técnicos e os
resultados mensuráveis. Ademais, esta perspectiva conta com um grande aparato ideológico e um capital
simbólico que garante a sua contínua reprodução, dificultando assim o desenvolvimento de perspectivas contra-
hegemônicas como a macrotendência crítica. (LAYRARGUES, 2012)

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No decorrer dessa reflexão sobre as macrotendências que disputam o campo da EA, Layrargues conclui
que a única corrente capaz de fazer frente as estruturas de poder do capitalismo é a educação ambiental crítica
pois ―(...) é aquela que aparenta apresentar respostas adequadas para transformar sociedades desiguais e
insustentáveis, e sua posição perante o poder no Campo Social da Educação ambiental é de contra-hegemonia.‖
Por outro lado Layrargues também reconhece que:
―A macrotendência Crítica, apesar de sua expansão, encontra-se ainda restrita quase exclusivamente ao
âmbito da pós-graduação na universidade, seu maior ―reduto‖ político, produzindo conhecimento social e
politicamente engajado, por meio de reflexões e análises acadêmicas que apresentam as características
teóricas e metodológicas da Educação Ambiental Crítica e que expõem as contradições do atual modelo
de desenvolvimento (...)‖(LAYRARGUES, 2012, p.410)

De tal modo, temos de um lado uma corrente crítica de EA de postura teórica contra-hegemônica, mas
que permanece tecnicamente isolada na academia; do outro, na realidade vivida, uma educação ambiental
pragmática que mantém sua hegemonia sobre os meios formais, informais e não formais da educação
produzindo e reproduzindo uma EA despolitizada e conservadora.
Portanto, cabe-nos refletir sobre a distância que a EA crítica mantém dos espaços não acadêmicos. Pois,
como poderemos imaginar o desenvolvimento de uma EA realmente capaz de contribuir para a superação do
capitalismo e sua inerente in-sustentabilidade socioambiental se não consegue desenvolver-se para além da pós-
graduação? Será que a saída desse dilema está em persistirmos em um modelo vertical de disseminação de
certas perspectivas educacionais (que mesmo sendo críticas, nascem e permanecem quase que exclusivamente
na academia) ao restante da população? E por fim, será possível pensarmos o desenvolvimento de uma EA de
processo inverso, ou seja, abandonando o ideal de universalização de uma macrotendência (que atribuímos uma
certa superioridade) para então reconhecermos outras perspectivas educacionais (igualmente contra-
hegemônicas) que emergem de experiências concretas de grupos sociais que desafiam cotidianamente os limites
do capitalismo?

Parte 2 – Reflexões por uma educação ambiental vista de baixo: o caso das ecovilas
Assim, nos colocamos o desafio de pensar em formas e experiências de educação ambiental que façam o
movimento inverso, um movimento de baixo para cima, da ação para a reflexão, do experenciado para o
pensado. Ou seja, um movimento que ao invés de partir de normativas governamentais e de tipos superiores de
educação ambiental a serem reproduzidos universalmente, partam da experiência real e cotidiana de grupos que
se colocam como alternativas aos sistemas sociopolíticos hegemônicos para então pensarmos em um processo
educativo.
Essa proposta de uma educação ambiental pensada a partir da práxis dos movimentos engajados nas
lutas socioambientais tem co-emergido dos esforços coletivos dos integrantes do Observatório de Conflitos
Urbanos e Ambientais do Extremo Sul do País vinculado a Universidade Federal de Rio Grande. Partindo do
estudo dos grupos e movimentos sociais que lutam por justiça ambiental, temos refletido sobre a necessidade de
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tecer uma base social mais sólida para a educação ambiental a partir dessas experiências de luta. Temos
pensado em uma educação ambiental vista de baixo, da práxis e da luta por outras formas de organização em
sociedade para além da modernidade capitalista (SANTOS, et, al, 2013).
Em realidade nem poderíamos falar em uma nova educação ambiental, mas de outras educações
ambientais, que a partir da ―diferença subalterna‖271 (ESCOBAR, 2005) possam fazer frente à in-
sustentabilidade socioambiental que caracteriza a modernidade capitalista. Educações ambientais que
expressem as percepções e as práticas cotidianas daqueles sujeitos oprimidos pela a homogeneizante cultura do
capital. Uma educação ambiental das populações atingidas pelos mega-emprendimentos poluidores que se
alastram pelo país, uma educação ambiental das comunidades tradicionais tragadas pelo ―desenvolvimento‖ do
capitalismo, uma educação ambiental272 dos, e pelos, povos ameríndios, das comunidades quilombolas, das
okupas libertária, das ecovilas, em síntese - de todos aqueles grupos sociais sistematicamente silenciados pelo
discurso homogeneizante do capital e que são pressionados a cederem seus modos de vida em prol do caminho
único do progresso.
Deste modo, temos refletido sobre as possibilidade de pensar uma educação ambiental que possa ir além
do rótulo de crítica, não no sentido de negá-lo, mas de abandonar a crença em uma perspectivas de tipo superior
para perceber as singularidades sociais, ecológicas e culturais daqueles que estão às margens do grande sistema-
mundo moderno. Essa EA é pensada a partir e desde os próprios atores sociais concretos em seus vividos
cotidianos que buscam viver e praticar de forma solidária e coletiva ―outra‖ forma de civilidade, de relações
humanas, de educação e de relação com a natureza/meio ambiente.273
Nesse trajeto nasceu a proposta de pensarmos a educação ambiental a partir da práxis cotidiana de
construção de novos padrões de sociabilização e da relação humana com a natureza que emergem nas
comunidades intencionais conhecidas como ecovilas274. Desde 2012 tenho acompanhando como voluntário o
cotidiano de algumas dessas comunidades existentes no Rio Grande do Sul, bem como participado de
encontros, curso e vivências dentro dessa temática. A riqueza educativa dessas experiências despertou-me o

271
Segundo ESCOBAR (2005, p. 22) - ―La noción de diferencia subalterna como una importante fuente para los nuevos paradigmas
también resuena constructivamente para quienes abogan por unas epistemologías, economías y ecologías basadas-en-lugar (i.e.
Harcourt y Escobar 2002, Gibson-Graham 2003, McMichael 2001), y para quienes ven em los movimientos anti-globalización o de
justicia global una nueva lógica teórica y política creciente.‖
272
Nesse caso, obviamente não necessita a utilização do conceito fechado de ―educação ambiental‖, mas de experiências que
expressem as relações sociais e educativas que tais grupos estabelecem em seu cotidiano e sua perspectiva de mundo principalmente
no que se refere ao lugar reservado à natureza.
273
Sabemos dos limites, contradições e problemas em inúmeras destas experiências, mas o que realmente nos importa é seus esforços
cotidianos de proseguir contra a ―maré capitalista‖. As limitações são parte da própria caminhada, por isso o que nos interessa não é
um tipo de perfeição idealizada mas de uma experiência alternativa ao capitalismo intensamente vivida e experenciada.
274
Segundo SANTOS JR. (2006, p. 1)- ―As ecovilas, em muitos sentidos, são herdeiras dos movimentos emancipatórios das décadas
de 60/70, que visavam questionar as múltiplas bases do projeto moderno. Hoje, são propostas de assentamentos sustentáveis, tendo
como base a criação de um novo modelo de convivência social e ambiental. Baseando-se num estilo de vida de baixo impacto, e na
revalorização da prática comunitária, primam por uma sustentabilidade social-ambiental, com noções claras de pertencimento e de
identidade. No entanto, a sustentabilidade, aqui, deve necessariamente passar por uma revisão política, a partir de princípios como
autonomia, diversidade e enraizamento (...).‖
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interesse de refletir sobre as possíveis contribuições que essas formas alternativas de organização humana
podem trazer para o debate dentro do campo da educação ambiental.
Diferente da maioria dos projetos educacionais pode-se conceber que essas comunidades trabalham a
educação por meio de uma experiência direta de modificação da relação humana com a natureza. Nesses
espaços a educação é parte indissociável de suas ações socioambientais, emergindo como dimensão presente
nas múltiplas atividades cotidianas. Como fica evidente nas palavras de Santos Jr:
Em geral, os membros das ecovilas buscam aliar uma vivência comunitária solidária a uma
existência produtiva, holística e cooperativa, estabelecendo uma administração partilhada de
tarefas, serviços e recursos. As ideias de integração e integridade no saber/fazer cotidiano unificam
as práticas e dinâmicas do grupo pela crença na criação de novas estruturas do viver. Além do que,
a realização das práticas é corroborada por um forte sentido de inclusão e de aprendizagem.
Fazem aprendendo, aprendem fazendo. E, como colocado, os ecovileiros tendem a redimensionar
o proceder tecnológico-científico moderno, vivenciando propostas inovadoras e sustentáveis de
manufatura, de cultivo, de negócios, de construção, de saneamento, de energia, de saúde, de
educação, de arte, dentre outras. (SANTOS JR. 2006, p.10)

O próprio cotidiano de trabalho e de lazer nas ecovilas tornam-se espaços de aprendizagem por
exercitarem constantes inovações e subversões dos modelos instituídos. Trata-se de um modelo de
aprendizagem que transcende a dicotomização teoria-prática, pois se manifestam como elementos
indissociáveis na realidade cotidiana desses grupos que exercitam esse ―fazer aprendendo e aprender fazendo‖.
A estadia como voluntário numa dessas comunidades envolve um processo intensamente educativo.
Durante esse período somos desafiados a exercer uma gestão democrática diária, organizar a divisão dos
afazeres cotidianos, da produção de alimentos, das construções ecológicas, do cuidado com as crianças, etc. Ou
seja, nesses espaços existe a constante experimentação de novas formas de existência sem necessidade de
padrões morais, intelectuais ou mesmo de uma dimensão crítica que legitime sua prática. Como diz LIMA e
PIRES - ―As ecoaldeias assumem-se como laboratórios ou modelos que experimentam possibilidades de
superação‖ (LIMA; PIRES, 2013, p.8)
Essa dimensão educativa ainda é ampliada pelo desenvolvimento de outras formas de relacionamento
com a natureza que negam o utilitarismo que caracteriza a perspectiva do lucro. Nesses espaços existe uma
maior integração com o ambiente biofísico de forma que o suprimento das necessidades humanas não seja
motivo para deterioração dos ecossistemas locais. Segundo Jr:
Do ponto de vista da sustentabilidade ambiental, as ecovilas propõem estruturas físicas e
tecnológicas comprometidas com a capacidade de suporte e de resiliência dos ecossistemas, com o
uso não excessivo de recursos, dentro de uma permanente visão de reciclagem e respeito à
biodiversidade. Dentre algumas práticas que fortalecem este objetivo estão: produção local e
orgânica de alimentos usa de sistemas de energia renováveis, recuperação ambiental e revegetação,
uso de materiais de baixo impacto ambiental nas construções, práticas permaculturais, sistemas de
reaproveitamento de dejetos e materiais, entre outras. O respeito à Natureza é um princípio básico
demonstrado tanto nas práticas cotidianas da comunidade como em formas constantes de
reverência à Vida. Nas ecovilas, a sustentabilidade ambiental deve pressupor tanto mudanças de
hábitos e ações de apoio à vida, quanto uma mentalidade aberta à sacralização da Natureza e da
Terra e à visão de uma unidade cósmica que permeia todos os seres. (SANTOS JR. 2006, p.10-11)

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Além dessas dimensões organizacionais e ambientais essas comunidades desenvolvem formas
alternativas de sociabilização, substituindo a competitividade tradicional das relações capitalistas por um forte
laço de cooperação e cuidado mútuo. Existem nesses espaços uma cordialidade e um afeto marcante nas
relações interpessoais, além de inúmeras tecnologias sociais que estimulam a vivência comunitária, o respeito
às diferenças, a autogestão, etc.
Assim, entendemos que na busca por romper com os limites impostos pela modernidade ocidentalizada
essas comunidades desenvolvem modelos alternativos de política, de economia, de divisão do trabalho, da
relação com a natureza, da espiritualidade, das relações interpessoais e dos modelos de educação. Trata-se de
uma ampla revisão das formas de existência humana contribuindo para o desenvolvimento de outra perspectiva
emancipatória.
Diferente das vias mais consagradas de emancipação social as ecovilas não partem de uma forma de
transformação revolucionária centralizada, com uma bandeira específica ou orientada pela anseio de conquista
do estado e de sua estrutura de poder. Sua revolução parte da subversão cotidiana dos elementos materiais e
subjetivos que constituem a modernidade capitalista: concentração de capital, exploração, propriedade privada,
insustentabilidade socioambiental, competitividade, relações de opressão, patriarcalismo, perspectiva
mecanicista, etc275. Assim, constroem novos esquemas civilizacionais com maior autonomia local acrescida de
um sistema de organização em rede. Segundo Escobar:
(...) muchos de los movimientos sociales actuales no sólo son construidos a partir de estas
prácticas de diferencia, sino que llevan a cabo una lógica diferente de política y movilización
colectiva. Esta lógica tiene dos dimensiones relacionadas: primero, ellos a menudo implican la
producción de unas redes auto-organizativas, no jerárquicas. Segundo, en muchos casos estos
movimientos llevan a cabo una política del lugar que contrasta con las políticas grandiosas de la
Revolución y con las concepciones de políticas anti-imperiales que requieren que el imperio sea
confrontado en su totalidad (Gibson-Graham 2003). En otras palabras, me gustaría pensar que
estos movimientos sugieren su novedad en dos dimensiones: la de la lógica organizativa misma
(autoorganización y complejidad), y la de las bases sociales de la movilización (basadas-en-lugar
aunque engranadas con redes trasnacionales). (ESCOBAR, 2005, p. 39)

A base constituinte da formação de uma ecovila é a utopia compartilhada pelos seus membros que no
anseio de negar a in-sustentabilidade da vida urbano-capitalista unem-se em torno de um território comum. Esse
território passa a ser um laboratório de experiências diversas, sem uma cartilha única ou modelo específico.
Segundo Lima e Pires:
As ecoaldeias produzem localidade espacial e social: fornecem cenários para a ação humana e para
a produção de novos contextos (materiais, sociais e imaginativos) fruto de contingências
históricas, ambientais e imaginativas (Gupta e Fergunson, 1997). Para Kilby (2001), elas são
criadas por pessoas diferentes que partilham um sentimento de descondicionamento e alienação
com as sociedades convencionais e pretendem desenvolver um outro tipo de relação com os outros
e com a natureza. (LIMA e PIRES, 2013, p.2).

275
Obviamente não queremos afirmar que esses espaços estão livres de tais características da modernidade capitalista, trata-se de é
um exercício cotidiano de superação desses elementos, que envolve diversas limitações e contradições, mas que nem por isso
perdem sua potência subversiva.
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Assim, também é perceptível nessas ecovilas um processo de resistência a partir de uma valorização da
territorialidade, como uma forma de enfrentar a des-territorialização e a virtualização das relações econômicas e
sociais promovidas pela globalização capitalista. Esse espaço comunal recebe o status de ―território elegido‖
que reúnem ―(...) jóvenes que optaron por un ―estilo de vida‖ diferente en el cual la relación con ―lo natural‖ y
el ambiente juega un papel central‖ (SOLA ALVAREZ, 2011, p.07).
Esse enfrentamento, às vezes declarado e outras vezes indireto, se faz a partir da ―diferença subalterna‖
(ESCOBAR, 2005) e do potencial criativo e transformador de estar à margem deste grande sistema-mundo
moderno. Essa característica resulta em uma multiplicidade de modelos de ecovilas, pois cada uma constrói sua
realidade a partir dos elementos que fazem sentido ao próprio grupo e não a partir de verdades civilizacionais.
Entretanto é possível distinguir alguns elementos que perpassam a sua diversidade, como afirma Santos Jr;
(...) a despeito da multiplicidade de influências e filosofias que professam (não existe uma ecovila
igual à outra), bem como das diversas formas de estruturação física e organizacional que as
compõem, partilham ideais singulares de comunitarismo e de sustentabilidade. E, esta é uma
proposição que unifica as ecovilas: em suas matrizes, são necessariamente comunidades
intencionais e sustentáveis. (SANTO JR, 2006, p. 9)

Essa perspectiva resulta no desenvolvimento de sistemas locais de organização humana que


desenvolvem-se de forma endógena, onde cada comunidade constrói um modelo de assentamento e organização
de acordo com as especificidades culturais do grupo e das características biorregionais. Ou seja, não existe um
modelo único de ecovila a ser imposto aos demais, ou uma regra geral que possa regê-las em uníssono, é a
autonomia e a liberdade para além dos ditames do capitalismo que permite a criação de acordos coletivos e
temporários que dão um formato mutável e processual a essas comunidades.
O crescimento do número de ecovilas pelo mundo tem estimulado o desenvolvimento de organizações
que propicie uma interligação entre os projetos locais formando grandes redes de economia solidária, de troca
de experiências e conhecimentos entre os diferentes grupos. Como o caso do Global Ecovillages Network
(GEN) criado em 1995, que busca integrar projetos espalhados por todo o mundo 276 e tem como objetivo
―apoiar a criação experimental e preservação de estilos de vida de baixo impacto a nível global‖ e ―promover o
diálogo e a troca, construir solidariedade e parcerias em todas as fronteiras‖, para ―a emergência de uma fonte
de sabedoria diversa, mas globalmente compartilhada para uma vida sustentável‖ (GEN apud LIMA e PIRES,
2006, p. 3).
Outra iniciativa que merece destaque é o ―Conselho de Assentamentos Sustentáveis das Américas‖
(CASA) que ―(...) busca articular e fortalecer as ações das redes nacionais e regionais latino-americanas que
promovem, formam, investigam e difundem estilos de vida sustentáveis e regenerativos.‖ Hoje as redes que
compõem o CASA são: Global Ecovillage Network (GEN), Red de Ecoaldeas de las Américas (ENA),
(CASA), Red Ibero-americana de Ecoaldeas (RIE), Red de Ecoaldeas de Colômbia (RENACE), CASA

276
Segundo o GEN existem cerca de 15.000 ecovilas em todo o mundo, entretanto esse número está bem distante da realidade, pois as
maiorias das comunidades existentes na América Latina não estão cadastradas no GEN.
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Colômbia, CASA México, Consejo de Visiones de México, Red de Ecoaldeas de Chile (ECO Chile), CASA
Brasil, Movimiento de Ecocaravanas de América. Assim, o CASA tem se consolidado como:

(...) um movimento social de impacto global que promove o bom viver de toda a humanidade, funcionando
em redes interdependentes, em paz e harmonia com a Terra. CASA Continental trabalha para articular uma
rede de organizadores e outras redes que promovem e facilitam a conexão dos assentamentos sustentáveis
da América Latina, com o fim de compartilhar e intercambiar: informações, conhecimentos, experiências e
serviços, encorajando a organização das redes nacionais e regionais para o fortalecimento dos
empreendimentos e iniciativas da rede e o sucesso do bem viver nos territórios aonde incidem os
assentamentos sustentáveis que integram o CASA. Estas são as redes que hoje dão forma ao CASA
Continental e que podem conectar seu assentamento, comunidade ou iniciativa.‖. (CONSELHO DE
ASSENTAMENTOS SUSTENTÁVEIS DAS AMÉRICAS, 2015)

Portanto, podemos perceber a extensão o movimento de ecovilas que tem se disseminado pelo
continente e o quanto ele acompanha uma nova tendência das articulações socioambientais contemporâneas.
Deste modo, compreendemos que as ecovilas de manifestam como exemplo dessa ―diferença subalterna‖ que
emergem dos atuais movimentos contra-hegemônicos, concordando com Escobar quando afirma que:

En sus mejores momentos, los movimientos de hoy, particularmente los movimientos anti-globalización y
de justicia global, promueven una nueva lógica de lo social basada en formas auto-organizadas y en gran
parte estructuras no-jerárquicas. Estos movimientos tienden a mostrar propiedades emergentes y um
complejo comportamiento adaptativo que los movimientos del pasado, com su inclinación por la
centralización y jerarquía, nunca fueron capaces de manifestar. Esta lógica es parcialmente reforzada por
las dinámicas de autoorganización de las nuevas tecnologías de información y comunicación (NTIC),
resultando en lo que podría ser denominado "comunidades inteligentes subalternas". Situadas en un lado
contrapuesto de las zonas limítrofes moderno/coloniales, estas comunidades articulan prácticas de la
diferencia social, económica y ecológica que son útiles para pensar sobre mundos locales y regionales
alternativos, e imaginar así el más allá del Tercer Mundo. (ESCOBAR, 2005, p.24)

É na busca destes ―mundos locais e regionais alternativos‖ que nos voltamos para o movimento de
ecovilas pensando as possíveis contribuições que essas formas alternativas de organização, produção e
educação podem ser enriquecedores para pensar uma educação ambiental mais vivencial e concretamente
subversiva. Pois entendemos que a espera por condições propícias para a superação do modelo socioeconômico
hegemônico não deve estar desarticulada de estratégias que viabilize essa transformação na ação humana
concreta e cotidiana. Essa transformação depende de uma rearticulação integral dos modos de existência
humana, que envolva uma reorientação de nossa relação com a natureza e das formas de organização humana
no território.
As críticas retóricas ao capitalismo não transformam o mundo se não forem acompanhadas pelo
desenvolvimento de novas redes de produção, distribuição e consumo. Elementos que devem convergir por
meio de uma organização socioambiental alternativa ao modelo vigente, que possa transferir para as
comunidades locais o direito de construir sua existência de acordo com suas especificidades culturais, sociais e
econômicas. Uma defesa da autonomia, da autogestão, da democracia profunda, da justiça ambiental e do
respeito aos ecossistemas locais, para além das imposições macroestruturais que tentam homogeneizar a vida
humana e natural de acordo com os interesses de minorias.

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POR ENTRE OLHARES E VOZES... COSTURAS DIALÓGICAS NOS (ENTRE)
CAMINHOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS
Alexandre Cougo de Cougo277
Cleuza Maria Sobral Dias278
Resumo

O presente texto expressa um ensaio dialógico sobre a interlocução política e pedagógica entre a educação
ambiental e a educação de jovens e adultos, principalmente no que tange aos processos e fundamentos de
constituição de seus educadores e as possibilidades das práxis educativas. Para tanto, foram apresentados os
aportes teóricos que dialogam e interseccionam os dois campos e levam a compreensão de uma ação educativa
que se alimenta das esferas relacionais entre as gentes, mulheres e homens, e o mundo, na produção da
existência, da vida em comunidade/sociedade e nas relações com os meios de vida, e as bases de uma educação
que volta-se para jovens e adultos excluídos dos processos de escolarização por diferentes, mas não menos
cruéis, formas de exploração e desumanização. Neste movimento, a educação popular de base freireana articula
e retroalimenta os dois campos, produzindo as premissas de uma prática pedagógica crítica e transformadora. A
partir destas reflexões, o texto busca dialogar com as perguntas cernes do evento: quem faz, como faz, para
quem faz e para que faz educação ambiental, problematizando especificamente a formação do educador
ambiental de jovens e adultos.

Palavras-chave: Formação do Educador. Educação Popular. Escola-Comunidade-Ambiente.

Os sonhos que brotam

Por que se chamavam homens


Também se chamavam sonhos
E sonhos não envelhecem.
Milton Nascimento, Lô Borges, Marcio Borges (1972)

O exercício da existência e a produção dos sentidos de se fazer humano em meio a muitos outros
humanos e a múltiplas formas de manifestação da vida, exige-nos na caminhada constituinte um denso e
provocante movimento de experimentação e aprendizagem de saberes, gostos, marcas, poesias e utopias. Nesta
fluência de passos, as possibilidades de solidão são tão permanentes quanto os fluxos das pluralidades e das
presenças outras.

Em nossa constituição, somos uma fração demarcada por nosso componente biológico e por nossa
subjetividade carregada, mas, ainda assim, somos também parte de um corpo social e ambiental amplo e

277
Mestre em Educação Ambiental – PPGEA/FURG. Doutorando em Educação Ambiental junto ao Programa de Pós-Graduação em
Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande – PPGEA/FURG. alexandrecougo@yahoo.com.br
278
Doutora em Educação – PUC/RS. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental e do Instituto de Educação
da Universidade Federal do Rio Grande – PPGEA/IE/FURG. cleuzamd@terra.com.br
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conflituoso que nos remete ao convívio e a coletividade, expressões estas que precisamos inventar e reinventar
cotidianamente, ou mesmo desconstruir para a criação de novos sentidos e modos para a experiência da vida em
sociedade.

Homens e mulheres, sujeitos históricos, somos produtores contínuos destes sentidos, alimentados nos
sonhos que projetamos. No verso da canção de Milton Nascimento, os sonhos não envelhecem por que são
feitos de pessoas, por pessoas e com as pessoas: as gentes que garantem a intervenção ontológica no mundo,
historicamente. Como afirma Freire (2001, p. 58-59)

Gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um
tempo de possibilidades e não de determinismo. [...] Gosto de ser gente porque, como tal, percebo afinal a
construção de minha presença no mundo, que não se faz no isolamento, isenta da influência das forças
sociais, que não se compreende fora da tensão entre o que herdo geneticamente e o que herdo social,
cultural e historicamente, tem muito a ver comigo mesmo.

A partir desta percepção da mulher e do homem como sujeitos/agentes históricos e do mundo como
espaço de produção material e dos sentidos, portanto, da historicidade dos humanos, constitui-se o presente
ensaio dialógico sobre a interlocução política e pedagógica entre a educação ambiental e a educação de jovens e
adultos - EJA, principalmente no que tange aos processos e fundamentos de constituição de seus educadores e
as possibilidades das práxis educativas, guias da escrita que segue.

Entrelaçando a educação de jovens e adultos e a educação ambiental

A educação de jovens e adultos é uma modalidade da educação básica em seus níveis fundamental e
médio, atualmente garantida através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394 de 1996, na
seção V, Capítulo II, em seus artigos 37 e 38, e ―destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de
estudos na idade própria‖ (BRASIL, 1996). Historicamente se constituiu a partir dos processos de exploração
econômica e, consequentemente, social, política, ambiental e cultural de grupos sociais marginalizados, o que
provocava a impossibilidade do acesso ou permanência na escola aos sujeitos destes grupos.

Ao longo dos mais de quinhentos anos da história brasileira pós-chegada dos colonizadores portugueses,
muitas ações no campo da alfabetização e da pós-alfabetização de jovens e adultos foram desenvolvidas, desde
campanhas nacionais até a legalização do direito à educação aos jovens e adultos, mas, mesmo ao início do
século XXI estas experiências continuam carregadas de um caráter assistencialista e forjadas, muitas das vezes,
por ações construídas e desenvolvidas sem o devido planejamento/preparo dos envolvidos. Para Soares e
Galvão (2009, p. 274), essas práticas fazem com que a alfabetização e a educação de jovens e adultos não sejam

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percebidas como um direito, mas sim ―como uma ação emergencial, às vezes missionária, caritativa‖, o que de
fato reflete-se na escassez de políticas públicas para a área e na não efetivação das poucas ações que existem.

Segundo Arroyo (2001, p. 10), a ―história oficial da EJA se confunde com a história do lugar social
reservado aos setores populares. É uma modalidade do trato dado pelas elites aos adultos populares‖. Ainda
nesta compreensão, Paiva (2009) afirma que os jovens e adultos desta modalidade carregam um duplo estigma
densamente explorado pelos simbolismos e relações da sociedade contemporânea: a vergonha pelo não saber e
a culpa pela não procura, ainda que anterior, por este saber. Ainda assim, as experiências educacionais mais
significativas na história da EJA carregaram-se do viés pedagógico crítico e transformador, impulsionadas pelas
ideias de intervenção para a legitimação dos direitos das camadas populares e que, conforme Arroyo (2005, p.
29), ―foram aquelas vinculadas aos movimentos sociais tão determinantes do avanço da legitimidade dos
direitos‖.

Desta forma, aliado ao trabalho de reversão da marginalização histórica da EJA, emerge também a
necessidade de estudos envolvendo a formação inicial e continuada dos educadores que atuam nesta
modalidade. Estes profissionais também vivenciaram e vivenciam intensos processos de exclusão: são
desrespeitados em sua formação inicial pela não aprendizagem e diálogo de saberes voltado ao trabalho com
jovens e adultos; são desconsiderados com a não realização de ações efetivas de formação continuada; são
excluídos da participação nos processos de construção dos currículos e das decisões políticas que envolvem os
rumos da modalidade; atuam em condições desfavoráveis e através de medidas muitas vezes paliativas e
provisórias; e, em muitos casos, são alocados nos espaços pedagógicos da EJA mais por necessidade
administrativa e menos por identificação e efetiva compreensão da práxis pedagógica da modalidade.

Ventura (2012, p. 76) destaca ―que as licenciaturas consideram a formação de professores uma atividade
de menor importância e que poucos cursos propõem disciplinas específicas sobre EJA nos currículos‖. Dessa
forma, urge às pesquisas contemporâneas, e este diálogo não foge a esta premissa, o movimento de apreender e
reconstruir a processualidade histórica desta modalidade e resignificar as experiências formativas dos
professores que atuam nestes espaços educativos, tencionando a formulação de novos parâmetros e políticas
públicas que garantam o direito à educação dos jovens e adultos, assumidos a partir de sua identidade coletiva.
Para Arroyo (2005, p. 30), ―a reconfiguração da EJA virá do reconhecimento da especificidade dos jovens-
adultos com suas trajetórias de vida, seu protagonismo social e cultural, suas identidades coletivas de classe,
gênero, raça, etnia [...]‖. Neste bojo, o olhar atento ao educador de jovens e adultos e a sua constituição se faz
horizonte para esta reconfiguração política.

Não desgrudado desta postura de reconstrução provocada pelos estudos da EJA enquanto defesa do
campo popular, a educação ambiental também se compõe em sua vertente crítica do caráter transformador e
potencializador de novas relações sociais, desta vez centrada na justiça socioambiental a partir das reversões
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das imposições históricas de determinados grupos humanos sobre a grande maioria da população, construídas
sobre o viés do domínio material. Esta emergência centra-se no diálogo ambiental em uma perspectiva de
indissociabilidade natureza-sociedade. Conforme Lima (2011, p. 27)

De maneira simplificada, podemos dizer que o meio ambiente se tornou problemático, porque se
intensificaram os impactos e o mal-estar, individuais e sociais, provenientes da relação entre a sociedade e
o meio ambiente; porque se acirraram os conflitos pela posse e pelo uso dos bens ambientais; porque se
tornou visível o potencial predatório do estilo de vida e do desenvolvimento ocidental; e também porque
se aprofundaram a observação, a reflexão, a pesquisa e a divulgação dos problemas socioambientais
presentes e futuros.

A educação ambiental não se faz no/para um meio ambiente enquanto evocação natural a ser
preservada, mesmo que seja necessário o reconhecimento deste movimento histórico de compreensão do mundo
e do ambiente tomado como problema. Mas de fato, a educação ambiental se constitui base epistemológica para
a potencialização de novas formas de pensamento e organização da vida quando percebida na sua ação
relacional entre as diferentes esferas de desenvolvimento pessoal, social e ambiental: o Eu, os Outros e o Meio.
Em Sauvé e Orellana (2001,2003, 2006, p. 275-276)

El objeto de la educación ambiental no es el medio ambiente como tal, sino que nuestra relación con él.
Cuando se habla de una educación “sobre”, “en”, “por” y “para” el medio ambiente (según la
tipología ya clásica de Lucas), no se está definiendo el objeto central de la educación ambiental, que es
la red de relaciones entre las personas, su grupo social y el medio ambiente.

Quando nos voltamos às características e peculiaridades socioambientais da região conhecida como


litoral sul do estado do Rio Grande do Sul, Brasil, por exemplo, percebemos a presença histórica das nuances
de exploração humana que produziram e produzem a não escolarização de um contingente populacional
elevado – os homens e mulheres que estão ou poderiam estar na EJA da região. Da mesma forma, também se
faz presente nesta região as problemáticas ambientais fruto do modo de produção capitalista, como a
concentração e exploração da terra e do capital nas mãos de poucos, os desajustes nos acessos aos meios
necessários à vida, a degradação ambiental intensificada pela produção industrial, entre outros.

Sendo assim, como podemos separar esta dupla exploração? Como pensar uma prática pedagógica na
educação de jovens e adultos dissociada de uma educação ambiental ratificada nos diálogos relacionais com as
esferas de desenvolvimento pessoal, social e ambiental apontadas por Sauvé e Orellana (2001, 2003, 2006)? Do
mesmo modo, como instrumentalizar uma educação ambiental neste movimento sem a presença dos sujeitos
jovens e adultos excluídos do direito à educação? Estes são tencionamentos que se retroalimentam e
impulsionam estudos que se almejam referenciais na articulação entre a educação ambiental e a educação de
jovens e adultos, e que apresentam neste texto algumas ponderações, inquietudes e reflexões iniciais,

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principalmente assumindo o campo da constituição dos saberes e da formação de educadores, as próximas
linhas deste diálogo.

Aproximando as lentes que guiam na reflexão sobre a constituição de educadores

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para
o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim
alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi
tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente
conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:

- Me ajuda a olhar! (GALEANO, 2008, p.15)

Tal como o menino Diego, que reconhece a necessidade da ajuda no aprender a olhar, a vida humana no
século XXI exige uma aprendizagem coletiva da existência que se partilha. Não uma invenção recheada de
semblantes individualizados e permeados da cultura consensual e maniqueísta neoliberal, cujo fim não
reconhece o próprio sujeito ―livre‖ e ―meritório‖ que cria, mas somente um mercado que produz, vende e
consome este mesmo sujeito. No revés dessa condição, nossa aprendizagem prescinde da interpretação
aprofundada do que somos, dos que conosco são, e ainda do mundo que habitamos, principalmente quando
estamos embrenhados em um processo de formação o educador, nossa constituição profissional. Mas, o pensar
e o interpretar destas questões filosóficas, dificultados pelo próprio esvaziamento de consciência instaurado na
imposição da condição de mercadoria ao homem e a mulher, nos mostra o quanto ainda precisamos caminhar
para se chegar a um patamar de plenitude de direitos à vida e suas potencialidades para todos os seres,
independentemente de suas culturas. O quanto ainda precisaremos trilhar para a construção das nossas utopias
identitárias, societárias e planetárias?

Na compreensão do vento que se faz em cada um, ou ainda na leitura de que o vento também são todos,
o exercício do (re)aprender a olhar eleva-se ao patamar da própria efetivação civilizacional. Jamais um olhar
do/para o outro, sua trajetória, seu mundo, mas com este outro, esta trajetória e este mundo que se mostra vento
em cada face. Os espaços para os conflitos gerados pela força do olhar são garantidos na certeza da presença
do diferente, mas também ainda povoam muitos limites históricos e culturais construídos e que forçam
obstáculos a serem problematizados e, quiçá, superados. Neste movimento, como o educador em constituição se
pensa, se faz, se assume? Como os espaços de formação do educador garantem a possibilidade dessa reflexão e
como estes se articulam com tantas outras emergências conceituais que brotam cotidianamente.

Confrontando as proposições construídas pelos diferentes grupos humanos, historicamente organizados,


a percepção de um futuro que englobe as mais diferentes perspectivas de compreensão da existência torna-se
um dos principais desafios da contemporaneidade e, consequentemente, da formação do educador que dialogará

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esta possibilidade de futuro. Pensar o desenvolvimento de mecanismos de resistência à homogeneização da
consciência em uma esfera planetária, instituída por meio da globalização econômica e cultural, indica a
permanente dialetização das certezas e das possibilidades unificadas – na escola, no mundo, na vida.

Permeando intrinsicamente este paradigma, a problematização a respeito da abrangência de análise e


ação da educação ambiental e da educação de jovens e adultos no universo contemporâneo instiga o contínuo
pensar de suas constituições enquanto campos imbuídos de um sentido transgressor e transdisciplinar de base.
Mas, ainda que trajados da mudança latente, como alçar o diálogo entre estes dois campos distintos? Como
entender suas particularidades, fundamentações e lutas históricas? Como (re)significar o olhar a partir das
experiências dos grupos populares para aprender a transformar nossa práxis de vida coletiva? Como estabelecer
uma relação coerente na formação profissional para a constituição de educadores ambientais de jovens e
adultos? Para esta costura, partimos ao encontro do sentido da educação proposto por Freire (2000, p. 40):

A educação tem sentido porque o mundo não é necessariamente isto ou aquilo, porque os seres humanos
são tão projetos quanto podem ter projetos para o mundo. A educação tem sentido porque mulheres e
homens aprenderam que é aprendendo que se fazem e se refazem, porque mulheres e homens se puderam
assumir como seres capazes de saber, de saber que sabem, de saber que não sabem. De saber melhor o
que já sabem, de saber o que ainda não sabem. A educação tem sentido porque, para serem, mulheres e
homens precisam de estar sendo. Se mulheres e homens simplesmente fossem não haveria porque falar
em educação.

Desta forma, partimos de uma focalização que assume o conjunto formado pelas questões que envolvem
sociedade e natureza, indissociáveis, ou como nos aponta Brandão (2005, p. 165), a comunidade-ambiente, para
compreender o alcance dos saberes constituídos nas esferas relacionais do cotidiano e, a partir disso, como a
escola e os educadores podem pensar e dialogar com estes saberes. Para este autor, os desafios
socioeconômicos da vida cotidiana envolvem, diretamente, dilemas socioambientais articulados e reconhecidos
existindo ―[...] entre e através de círculos da vida que se estendem da integridade ambiental da casa à rua, da rua
ao bairro, do bairro à comunidade, à região... e ao Mundo‖.

Nos diálogos de reconhecimento dos saberes e trocas, a emergência pela valorização e sustentação das
culturas locais é marcada como elemento aglutinador e incisivo para o desenrolar das lutas contra os poderes
hegemônicos, as consensualidades impostas e a destruição do local pelo global, papel este também da formação
de educadores e de uma ação educativa que se propõe crítica. Neste processo, os mecanismos de apropriação
dos sentidos ambientais, culturais e históricos socialmente produzidos, juntamente com as possibilidades de
participações sociais efetivas, alijadas rigorosa e paulatinamente dos homens e mulheres locais, constituem-se
como ferramenta de resistência e auto regulação, princípios que isolados permitem apenas a sustentação local,
mas que enredados em outras tantas zonas de resistências, criam um canal efetivo de contraponto à lógica
estrutural hegemônica. Sendo assim, o reconhecimento e a aprendizagem da participação social e a intersecção
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das resistências são possíveis articulações curriculares de uma educação ambiental e uma EJA que se querem e
fazem emancipatórias.

Loureiro (2006) aponta-nos Paulo Freire como marco de referência aos educadores de todos os matizes
que projetam o pensar no campo na educação ambiental crítica e emancipatória. Podemos apontar o autor da
Pedagogia do Oprimido, também, como uma referência importante no campo da educação de jovens e adultos,
principalmente por sua abordagem politicamente marcada em defesa do direito à educação através da leitura de
mundo e consequente leitura da palavra. Da mesma forma, Freire defendia a vida e a dignidade humana e,
segundo Loureiro (2006, p. 59), ―trabalhou na construção de uma pedagogia de superação das relações sociais
vigentes por um processo de conscientização, de construção coletiva e intersubjetiva do conhecimento, de ação
dialógica e politicamente comprometida com as classes populares‖.

Paulo Freire travou intensos diálogos com o propósito de revelar a necessidade dos homens e mulheres
desvelarem o seu mundo, o mundo imediato de cada sujeito social e o mundo global, como forma de
transposição de uma consciência ingênua para uma consciência crítica. Um reconhecimento do ser enquanto
condicionado, e jamais enquanto determinado. Freire (2001, p. 23-24) teoriza a partir de suas vivências e
experiências, a partir da sua práxis, e assim referencia seu mundo particular: ―Porque sou um ser no mundo e
com ele, tenho não um pedaço imediato do suporte, mas possuo o meu mundo mais imediato e particular: a rua,
o bairro, a cidade, o país, o quintal da casa onde nasci, aprendi a andar e a falar, onde tive os meus primeiros
sustos, meus primeiros medos‖.

O pensar de uma educação ambiental que promova a transformação social por meio da ruptura com uma
estrutura de existência que prioriza a hierarquização de saberes e sujeitos e a esfera econômica como ferramenta
de definição das ações macrossociais, encontra nas lutas históricas da educação de jovens e adultos, no viés da
educação popular, conforme nos aponta Brandão (2006), um porto de diálogo no que tange à abordagem
teórico-prática e a dialogicidade como componente indispensável ao ato educativo. Poderíamos aprofundar e
constituir um novo território permeado pelas dimensões político-pedagógicas dos dois campos, em um processo
de resgate, contextualização e transformação por meio dos saberes que emanam dos grupos e comunidades,
dialogando com e para a compreensão dos mesmos, sua historicidade e significados, bem como
problematizando os processos de formação constituídos.

Alicerçada no movimento dialético do pensar e fazer educativo, a articulação entre os esforços de uma
educação ambiental e uma educação de jovens e adultos críticas e transformadoras expressam suas
possibilidades na consciência da mudança, garantida pelo fluxo histórico de um vir-a-ser, o inédito viável
anunciado por Paulo Freire. Neste processo, na certeza de um futuro em construção, tencionamos reflexões
sobre os caminhos dialógicos na formação e intervenção pedagógica de educadores ambientais de jovens e
adultos.
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Quem faz? Como faz? Para quem se faz? Para que se faz? Os desafios da formação e intervenção
pedagógica de educadores ambientais de jovens e adultos

Ao alinhavarmos os tencionamentos do campo da educação ambiental com a educação de jovens e


adultos e refletirmos sobre a formação de educadores dos dois campos, encontramos os entraves históricos e
políticos para a efetivação de um diálogo formativo crítico nos espaços de educação inicial e continuada destes
mesmos educadores. Os cursos de licenciaturas no Brasil, com exceção ao curso de Pedagogia, enfrentaram e
ainda enfrentam os paradoxos da dupla formação: o licenciando necessita estudar e aprender profundamente os
conhecimentos da sua área específica de formação (Ciências Biológicas, História, Matemática, entre outros) e,
ao mesmo tempo, aprender os saberes da docência – saber educar e ensinar, competentemente, estes mesmos
conhecimentos específicos. Esta tarefa, muitas das vezes, acaba por diluir-se na deterioração de uma medida em
benefício da outra, provocando uma formação por vezes destituída de compreensão pedagógica, por vezes
empobrecida dos conhecimentos específicos da área. Por outro lado, o curso de Pedagogia atende não uma
dupla formação, mas uma polissemia de conteúdos e habilitações que envolvem a formação de sujeitos da
infância à velhice, perpassando diferentes nuances e metodologias, envolvendo ainda a orientação, a gestão e a
administração educacional, além de outras demandas educativas que emergem ano após ano.

Neste interim, além das dificuldades encontradas pela inexistência de tempo e espaço nos currículos
para a inserção de estudos efetivos sobre a EJA e a educação ambiental, embora estes estejam mencionados nas
legislações educacionais contemporâneas, ainda existe uma demarcação tão ou mais fortemente evidente para
as suas negações: as demandas emergentes nestes campos – o estudo efetivo da realidade socioambiental – e o
discurso densamente político e crítico de muitos dos seus atores e ativismos. Além disso, as mulheres e homens
que são chamados à ação dialógica pela educação ambiental e pela educação de jovens e adultos são aquelas e
aqueles que historicamente foram excluídos dos processos de participação e partilha das diferentes explorações
– sociais, ambientais, culturais – portanto, as pessoas excluídas da efetivação de políticas, da práxis de direitos,
da possibilidade de memória e história e, consequentemente, das inserções em currículos de qualquer
modalidade ou nível educativo.

Para se responder às perguntas que lançamos para estas considerações finais, tácitas para se desenhar os
horizontes da educação ambiental e também da educação de jovens e adultos, precisamos inicialmente
reconhecer a não presença destes campos na formação inicial dos educadores e, sobretudo, reivindicar as suas
demarcações axiológicas e epistêmicas nos projetos pedagógicos e bases de formação – os cursos de
licenciatura. Não caímos aqui na defesa da inserção de novos componentes curriculares que apresentem estas
temáticas ou na simples nomeação de novos eixos para as ementas das disciplinas já existentes nos currículos,
embora muitas tratativas contemporâneas exijam este movimento. Acreditamos, dessa forma, que a primeira

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intenção deve ser a de provocar a intervenção dialógica nos projetos de formação a partir da reconfiguração
coletiva e democrática – elementos primordiais neste processo – sobre as processualidades que envolvem a
constituição de educadores no Brasil, resgatando a historicidade da profissão, o desrespeito demarcado nas
condições de trabalho (das estruturas físicas aos horários inadequados à boa prática profissional, passando pela
falta de reconhecimento público até os salários baixos que envolvem o diferentes agentes da docência) e,
principalmente, a partir de um repensar sobre os principais saberes que compõem a docência e as articulações
destes com tensões caras à escola e a práxis educativa no hoje: inclusão; transdisciplinaridade; aprendizagem
significativa; reconhecimento e uso das tecnologias; pluriculturalidade; ética; e outros.

A educação ambiental e a educação de jovens e adultos, estratégicas para as problematizações


contemporâneas que saltam no campo político e ético das relações entre mulheres e homens entre si e destes
com o meio, constituem um encontro densamente subversivo e convidativo a sonhos e desafios comuns a todos
que transitam pela esperança e pela consciência da necessidade e possibilidade de mudança. Pensando nisso,
quando refletimos quem faz ou poderá fazer uma educação ambiental de cunho crítico e transformador, nos
remetemos exatamente à escola da EJA como uma escola-comunidade-ambiente, repleta de sujeitos jovens e
adultos, educadores e educandos, que experienciam as relações sociais e seus produtos materiais e simbólicos, e
que exatamente por seu estar neste espaço, no meio de vida e envolto nas relações, possuem as condições para o
debate, a criação e a intervenção nos entraves e desentraves socioambientais.

Para o reconhecimento da escola da EJA e da atuação dos próprios educadores ambientais em


constituição, precisamos considerar que esta escola precisaria tornar-se, necessariamente, uma escola-
comunidade-ambiente, reconhecendo-se como espaço de troca, de igualdade na diversidade, de reconhecimento
de múltiplos saberes, de possibilidades de futuros a serem desenhados. Essa construção prescinde, inicialmente,
de um enredamento das pessoas – e aqui incluímos todos os que fazem a escola, como estudantes,
merendeiros/as, professores, familiares, funcionários/as da escola, etc. – e as histórias destas que compõem a
rede. Como ser comunidade sem a cumplicidade e a troca, sem o reconhecimento do outro e sua presença e sem
a entrega e a partilha? O exercício do como fazer a educação ambiental a partir das experiências dialógicas com
a educação de jovens e adultos exige essa ação de fortalecimento dos laços comunitários, dos resgates das
memórias individuais e coletivas e, partindo dessa constituição, a saída da escola através das externalizações
das intervenções. Embora as ações não se restrinjam à escola, para se tornar agente socioambiental necessita-se
de um primeiro movimento de reconhecer-se e fazer-se comunidade e comunidade educadora para,
posteriormente, sair dos seus muros – já invisíveis – para tramitar por uma comunidade que, desde seu início, já
era muito maior do que os espaços vinculados pelas cercas, muros e grades.

A partir de além muros, plausível a todo ato educativo, retomamos o que já se havia apontado sobre o
papel dos saberes locais na reconfiguração das relações sociais e dos humanos com o meio. Assim, a educação

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ambiental se faz nesta escola para uma experiência qualificada de homens e mulheres no mundo e no diálogo
dos saberes locais e planetários, portanto, uma ação educativa para aqueles que foram historicamente impedidos
deste diálogo-participação, que ainda o são, mas que podem experienciar a conquista dos meios de participação
através das mudanças que precisamos socialmente construir e operar. A produção permanente da compreensão
e consciência sobre as condições de vida em sociedade, da constituição de identidades e alteridades, das
possiblidades de exploração e preservação dos meios de vida e de todo e qualquer rumo da humanidade,
incluída aqui a latência de transformação apontada nas linhas acima, deve se fazer acessível a todos e, embora a
utopia longínqua que esse desejo suscita, essa é uma das principais apropriações da práxis crítica no campo da
educação ambiental e que precisa ser vivida na escola e fora dela, com a participação de todos, conscientemente
e permanentemente.

A educação ambiental a partir deste diálogo com a EJA e com uma possibilidade de práxis nesta escola
carrega-se de um objetivo desvelador e provocador: encher de significância as existências, a vida em
comunidade e a nossa relação com o mundo. Não será aqui a resposta para o nosso para que fazemos educação
ambiental? Acreditamos que sim, pois ainda contemplamos uma escola com uma educação que se distancia do
mundo para produzir um determinado conhecimento deste mesmo mundo. Paradoxos a parte, nossa reflexão
paira sobre uma educação e uma escola que pensa o mundo a partir da vida das pessoas e das criações e ações
possíveis e impossíveis a partir destas gentes e destas vidas, pois, se precisamos aprender a existir, a
compartilhar e a viver no mundo – e as expressões da realidade revelam que sim – precisamos compreender e
reconhecer que nossas trilhas estão abertas, e que passam pelas escolas, pelas casas, pelas ruas, pelas noites,
pelos textos, pelos fins.

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O MEIO AMBIENTE/NATUREZA SOB A PERSPECTIVA DE CRIANÇAS DE 7 e 8
ANOS

Elisângela Barbosa Madruga279


Camila da Silva Magalhães 280
Sérgio Ronaldo Pinho Júnior281

Resumo
O imaginário está presente em vários momentos da vida do ser humano. Quando se lê, se escreve, se pensa em
um ideal de sujeito, de vida e de mundo. Mas será que não projetamos ideais, a partir de um repertório
imagético, para a realidade cotidiana? Nessa perspectiva, o presente trabalho tem por finalidade investigar a
concepção de meio ambiente/natureza em crianças de 7 e 8 anos, e como essa contribui na produção do sujeito
ecologicamente correto na contemporaneidade. Para tanto, se ressalta que essa se encontra em andamento, mas
já possui material para análise advindo de dados iniciais, os quais apresentam indícios de um determinado
modelo de natureza, porém, convém deixar claro que, a pesquisa ainda contará com dados subsequentes, os
quais serão coletados em uma turma de 2º ano do ensino fundamental da rede municipal da cidade do Rio
Grande/RS, por meio de áudios, filmagens, fotografias e de um Avatar (personagem virtual). Nessa esteira,
intenciona-se utilizar do referencial pós-estruturalista, em especial os estudos do filósofo francês Michel
Foucault (2002), e autores, a fim de reconhecer os artefatos que estão produzindo verdades sobre esses sujeitos.
Palavras-chave: Infância. Educação Ambiental. Repertório imagético.

Para começo de conversa...

―Os homens inventaram o ideal, para negar o real‖.


Friedrich Nietzsche. A Gaia Ciência.

As transformações socioambientais têm se tornado tema de discussões, cada vez mais recorrentes na
atualidade. Vivemos um tempo onde a sociedade se preocupa com a formação do novo cidadão, um sujeito
ecologicamente correto (CARVALHO, 2012), ou o homem-natureza, que pode preservar e salvar o mundo da
ação danosa do próprio homem. Mas que mundo, que natureza e que homem é esse?
O filósofo Oswaldo Giacoia Junior, ao discutir sobre o pensamento, a partir da filosofia de Nietzsche,
afirma que, ―O mundo, nada mais é do que uma representação da minha mente, e é essa representação que eu
posso manipular, objetivar, controlar, dominar, prever, calcular etc‖ (2009, s/p). Na esteira desse pensamento, é
que a pesquisa elege como tema a educação ambiental. Nesse sentido, buscaremos abordar a Educação
Ambiental, os jogos e a fabricação do sujeito ecologicamente correto, tomando como problema de pesquisa a
visão de meio ambiente/natureza fabricada em crianças de 7 e 8 anos?

279
Aluna do curso de Pedagogia e bolsista de iniciação científica do Grupo de Estudo sobre Educação, Cultura, Ambiente e Filosofia
– GEECAF da Universidade Federal do Rio Grande – FURG. E-mail: elisangelamadruga@yahoo.com.br
280
Pedagoga formada pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Atualmente aluna de Mestrado do programa de Pós-
graduação em Educação Ambiental-PPGEA e Tutora no curso de Pedagogia da mesma universidade na modalidade EAD. E-mail:
camilapedag@gmail.com
281
Mestre em Educação Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG. E-mail: spinhojr@yahoo.com.br
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Queremos lembrar que um pensamento não se constitui sozinho, assim, tais provocações, certamente,
foram impulsionadas pelas discussões no Grupo de Estudos Educação, Cultura, Ambiente e Filosofia –
GEECAF, vinculado ao Instituto de Educação – IE, da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, e
consequentemente, mediada pelas leituras sobre Educação Ambiental, Mídia e referencial advindo da filosofia
pós-estruturalista, principalmente os estudos de Michel Foucault, Friedrich Nietzsche e outros. Esses estudos
possibilitaram pensar e entender as relações de saber e poder que se estabelecem na atualidade, e por sua vez,
perceber as estratégias, as táticas e a maquinaria que faz da Educação Ambiental um dispositivo282 (GARRÉ,
2015).
Outras pesquisas realizadas, as quais abordam o lúdico, também contribuíram para que se chegasse na
presente investigação. Essas apontaram que o Lúdico é exteriorizado por crianças e adolescentes através de
jogos e representações advindas das mídias. Embora esses sejam influenciados por tais meios, para uma
padronização, é relevante mencionar que os jogos online e redes sociais, assumem outro caráter para esses
sujeitos, ou seja, passam a ser meios sutis de mobilizar a fantasia e o faz-de-conta, os quais auxiliam na
projeção de comportamentos no cotidiano. Miranda menciona que, ―O Lúdico é uma categoria geral de todas as
atividades que têm características de jogo, brinquedo e brincadeira‖ (2001, p.30).
Assim, apresentaremos algumas inquietações referente a esse tema, a fim de incitar a todos a uma
reflexão sobre aquilo que temos conhecido como ―verdade‖. E se possível, colocar em suspenso a fabricação de
um sujeito que é chamado de ecologicamente correto.

Prospecções em um campo teórico

[...] mas essas ―Leis da Natureza‖, de que vocês, físicos, falam tão orgulhosamente, como se – existem
apenas graças à sua interpretação e péssima ―filologia‖ – não são uma realidade de fato, um ―texto‖, mas
apenas uma arrumação e distorção de sentido ingenuamente humanitária, com a qual vocês fazem boa
concessão aos instintos democráticos da alma moderna! (NIETZSCHE , 2005, p.26, grifos do autor).

Buscando responder a indagação maior dessa pesquisa, pode-se refletir a partir do pensamento de
Nietzsche, sobre a própria visão de meio ambiente/natureza. Uma reflexão provocante que conduz a seguinte
interrogação: que visão de meio ambiente/natureza está presente na atualidade?
Nessa perspectiva, a afirmação do filósofo possibilita-nos a pensar que não há uma realidade, mas
interpretações de uma realidade. Para tanto, pode-se indicar que, o que efetivamente possuímos na
contemporaneidade são interpretações de meio ambiente/natureza. Por isso, a explanação do professor Oswaldo

282
[...] um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões
regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e
o não dito são os elementos do dispositivo (FOUCAULT, 1979, p.139).

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Giacóia Junior sobre o pensamento nietzscheano, nos ajuda a compreender tais visões que emergem desses e
que trazem à luz algo interessante para se refletir, ou seja, que,
O ―fato‖ nu e puro jamais pode ser percebido. [...] Com isso, esgotaram-se as formas tradicionais de
acesso à ―verdadeira realidade‖. A consciência filosófica está irremediavelmente encerrada no círculo das
interpretações. É nesse horizonte hermenêutico que Nietzsche articula sua hipótese global da
interpretação da existência, fundada no conceito de vontade de poder, sob o signo da certeza de que não
há texto – apenas interpretações (2005, p.39, grifos do autor).

Para tanto, como pensar o meio ambiente/natureza? E o que afinal seria este? Esse questionamento,
justamente, conduz ao texto de Tilman Borsche, onde apresenta as diversas concepções de natureza,
conceituada pelos mais diversos autores, entre eles o próprio Nietzsche. Segundo Borsche, ―Natureza é a
grande síntese de todos os objetos possíveis do conhecimento‖ (2011, p.100).
Alguns autores que se propõem a discorrer sobre o tema Educação Ambiental, tendem a lançar um
enfoque no conceito de meio ambiente ou de natureza, de forma a ressaltar suas distinções. Para esse trabalho
investigativo tomar-se-á as concepções de Carvalho (2012), que define as mesmas como coisas distintas, mas
que interagem entre si.
No entanto, volta-se as palavras do filólogo alemão, como se intitulava Nietzsche, para se indicar que,
há interpretações da realidade, assim, quem fabrica tais? Pode-se interrogar então, nessa perspectiva: quem
interpreta e quem produz esse regime de verdade? Cabe indicar que, ―[...] um ‗regime de verdade‘ [é] formado
por um campo de discursividade que obedece a formas de dizer a verdade e a um regime de luz, um campo de
visibilidade, que conduz como ver e fazer ver [...]‖ (SANTOS, 2012, p.80, grifo do autor).
Por isso, Nietzsche argumentava dizendo que, perdoassem ―este velho filólogo, que não resistia à
maldade de pôr o dedo sobre artes de interpretações ruins[...]‖ (2005, p.26). Todavia, convém ressaltar que, não
se tem a intensão de ―pôr o dedo‖, como afirma o autor, ou estabelecer um ―certo‖ ou ―errado‖, não se trata
disso, mas de colocar em suspeita as verdades que circulam nesse tempo, e por entender que a distinção, entre o
conceito de meio ambiente e natureza, também foi sendo fabricada.
Talvez tenhamos apenas interpretações sobre meio ambiente/natureza. E essas, como já apontado,
podem ser produzidas na atualidade nas relações de poder. Tais conceitos, para tanto são fabricados por
discursos, que enunciam uma crise. Nesse sentido, Giacoia Junior comenta que, ―O século XXI iniciou-se sob o
signo da crise, ou antes sob uma constelação de crises distribuídas em redes pelos mais diversos setores da vida
[...]‖ (2011, p. 23). E Borsche ratifica apontando que, ―O discurso ecológico fala de uma avançada destruição
da ‗natureza‘ por meio do homem e da necessidade de se agir contra essa destruição, como forma de se
preservar a ‗natureza‘‖ (2011, p.99, grifos do autor).
Entende-se, assim, que temos visões/interpretações de pureza, destruição, sujeito e, compondo tudo isso,
meio ambiente/natureza. Por tal percepção, é que se toma a visão socioambiental de Carvalho (2012, p. 36), ou
seja, que ―[...] a natureza e os humanos, bem como a sociedade e o ambiente, estabelecem uma relação de
mútua interação e copertença, formando um único mundo‖.

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Portanto, verdades e saberes são legitimados, pois estamos imersos em uma rede discursiva, onde
sujeitos produzem e são produzidos pelos discursos. Essas não só refletem os desejos e as ansiedades de uma
sociedade ou de cada sociedade, mas também, revelam como certos saberes ganham o estatuto de verdades, e
passam a fazer do mundo ―objeto da [...]representação‖ (GIACOIA JUNIOR, 2009, s/p). Foucault comentando
Nietzsche aponta que, ―[...] Nietzsche se refere a essa espécie de grande fábrica, de grande usina, em que se
produz o ideal. O ideal não tem origem. Ele também foi inventado, fabricado, produzido por uma série de
mecanismos, de pequenos mecanismos‖ (2002, p.15).
A partir do pensamento do filosofo, pode-se indicar que o homem da atualidade inventa, imagina e
idealiza um mundo ―natural‖, e consequentemente, também projeta a si próprio, tanto aquele que é bom,
homem-natureza, como aquele que é mal, homem-destruidor. Tais projeções acabam por ter uma grande
finalidade na contemporaneidade, um deve acentuar o outro, ou seja, o homem-destruidor da natureza acentua a
necessidade da existência de um homem-natureza ou ecologicamente correto. Segundo Nietzsche,
[...] imaginemos ‗o inimigo‘ tal como o concebe o homem do ressentimento - e precisamente nisso está
seu feito, sua criação: ele concebeu ‗o inimigo mau‘, ‗o mau‘, e isto como conceito básico, a partir do
qual também elabora, como imagem equivalente, um ‗bom‘ - ele mesmo! ... (2009, p.28) [grifos do
autor].

Percebe-se assim, na atualidade, a emergência de um discurso sobre uma natureza e um mundo


ameaçado, que precisa ser transformado urgentemente através das ações de sujeitos conscientes de suas
obrigações com o meio ambiente (GARRÉ, 2015). Um ideal cujo repertório imagético é alimentado por meio
de mecanismos econômicos e midiáticos. Esses criam a imagem do bom, belo, correto, permitido, novo,
ecológico, assim como seus contrários, pois visam promover um modelo de sujeito que assumirá
comportamentos que constituirá uma sociedade consumista, porém não será mais qualquer consumo, agora será
um consumo ecologicamente correto ou verde. Nietzsche questionando os modelos de homens ideais
produzidos, afirma que, ―quanto maior não é o valor do ser humano real, comparado a um apenas desejado,
sonhado, mentirosamente inventado? Um ser humano ideal? ... E apenas o ser humano ideal ofende o gosto do
filósofo‖ (NIETZSCHE, 2006, p.81, grifo do autor). Com essa compreensão, questiona-se quem é o sujeito a
ser interpelado por pensamentos como:
A utopia ecológica, como direção para a transformação social necessária para garantir um futuro para
todos, emerge da necessidade apontada pela crise ambiental, crise planetária que vive a humanidade,
resultado do modelo de civilização construído sobre o projeto econômico que se estabeleceu
principalmente a partir da Revolução Industrial (TOZONI-REIS, 2008, p.54).

Depreende-se, que tais sujeitos sejam, principalmente, aqueles que serão os cidadãos do futuro, a saber:
a criança e o adolescente. Esses passam a ser capturados por enunciados que propagam o discurso de crise
ambiental. Segundo Revel, Foucault define discurso como ―[...] um conjunto de enunciados que podem
pertencer a campos diferentes, mas que obedecem, apesar de tudo, a regras de funcionamento comuns‖ (2005,
p. 37). Por isso, entende-se que, a força desse discurso advém principalmente dos diversos mecanismos
midiáticos. Assim, esses modelam pouco-a-pouco o homem ideal para a contemporaneidade, o homem da crise

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ambiental e do ―tempo líquido‖ (BAUMAN, 2001). Tempo que ratifica cada vez mais a instabilidade de
códigos e regras como pontos de orientação. Um tempo de crise que é instaurado pela insatisfação do próprio
ser humano e o anseio desesperado por um futuro melhor. Dentro dessa conjuntura histórica nos utilizamos do
pensamento de Agamben (2009, p.62), que afirma e interroga-nos com seguinte colocação, ―O poeta – o
contemporâneo – deve manter fixo o olhar no seu tempo. Mas o que vê quem vê o seu tempo, o sorriso demente
do seu século? ‖ .
Dentro dessa perspectiva, é que se faz relevante esse trabalho investigativo, visto que, tais indicações
emergem de um tema tão recorrente que é a crise ambiental. Nesse sentido, convém ressaltar que se centraliza a
presente investigação na infância (crianças de 7 e 8 anos), por perceber que na atualidade tem surgido
mecanismos de sensibilização ecológica destinada a esses, visto que, os mesmos também são apontados como
―futuros cidadãos‖.

Alguns traçados da produção do sujeito ecologicamente correto na contemporaneidade

As décadas de 70, 80 e 90 configuraram-se como períodos marcantes no Brasil, e é justamente nesse


momento histórico que surge um olhar preocupado com a criança, o adolescente, a natureza e, por sua vez, com
o futuro do planeta. No entanto, convém ressaltar que tal olhar foi impulsionado principalmente por
movimentos ambientalistas fortemente ativos fora do país. A Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura, UNESCO, em 1974 foi responsável por patrocina o seminário que deu origem a então
carta de Belgrado sobre a Educação Ambiental (REIGOTA, 2012, p.513), a qual tornou-se um marco nas lutas
ambientais. Organizações como o Banco Mundial e UNESCO apresentam como lógica o desempenho como
performance, principalmente a educacional, por julgar um indicador importante de desenvolvimento nos países
(HAGTTE, 2013). Os investimentos para um futuro sustentável, por sua vez, recaem sobre o sujeito e a
natureza, como aponta Passetti no seguinte trecho:
As intervenções na natureza por meio de regulamentações internacionais repercutem em regulações
nacionais, as empresas aderem à responsabilidade social, cresce o investimento em redutores de
vulnerabilidades, aplica-se com rigor o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), convoca-se à
participação para medidas pacificadoras e missões de paz, amplia-se o leque de seguranças, incluindo
alimentação, clima, securitizações e leva-se adiante as Metas do Milênio [...] (2013, p.23, grifos do
autor).

Nesse sentido, nota-se a grande mobilização dessas organizações em financiar projetos que
potencializem o sujeito a se tornar produtivo e proativo na coletividade, visando, por sua vez, o aumento dos
índices de eficiência desses, como indica a página de informações adicionais do site da UNESCO,
As propostas dos projetos a serem selecionados são analisadas com base em normas nacionais e
internacionais em que a criança e o adolescente são vistos como o bem maior de uma sociedade. Apesar
dos projetos serem apoiados pelo Programa Criança Esperança por um período de dois anos, prioridade é
dada àqueles que evidenciam sustentabilidade e que oferecem treinamento técnico e profissionalizante
para os jovens (UNESCO, 2014).
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Pode-se ainda perceber no documento intitulado Manifesto 2000 UNESCO (Cultura da paz), alguns dos
ideais e objetivos dessa organização. Assim, essa menciona que,
O ano 2000 precisa ser um novo começo para todos nós. Juntos, podemos transformar a cultura da guerra
e da violência em uma cultura de paz e não-violência. Para tanto, é preciso a participação de todos.
Assim, transmitiremos aos jovens e às gerações futuras valores que os inspirarão a construir um mundo de
dignidade e harmonia, um mundo de justiça, solidariedade, liberdade e prosperidade, [...] o
desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente e o crescimento pessoal de cada ser humano
(UNESCO, 2000).

Na esteira desse pensamento, percebesse diversos movimentos buscando promover a conscientização da


sociedade e do poder público para a ―salvação‖ da criança, do adolescente e do planeta. Para tanto, surgem
subsequentes ações como: Criança esperança, criado pela rede Globo- 1989; O estatuto da criança e do
adolescente - ECA - 16/07/1990; Educação ambiental – 1990; Cria o conselho nacional dos direitos da criança e
do adolescente-CONANDA, lei 8.242, de 12/10/1991; Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento – Rio / 92; Fundo nacional da criança e do adolescente - DEC, 1.196, de 14/07/1994; Criança
Esperança ao completar 10 anos, tem o apoio do UNICEF e a UNESCO -1995; Parâmetros Curriculares
Nacionais – PCNs – 1996; I Conferência Nacional de Educação Ambiental, em Brasília – 1997. Declaração de
Brasília para a Educação Ambiental; Programa Nacional de Educação Ambiental - 1999 e a Política Nacional
de Educação Ambiental.
Ao trazer esses excertos a discussão, intenciona-se ressaltar ―os interesses desinteressados da sociedade
civil [que] passam a compor com os interesses da economia política, por meio das conexões inacabadas entre
indivíduos e as variadas comunidades em torno do futuro melhor para as gerações‖ (PASSETTI, 2013, p.20,
grifos do autor). Nessa perspectiva, observa-se o quanto organizações, governos e sociedade estão empenhados
na produção do sujeito ecologicamente e politicamente correto.

Os traçados e algumas análises da pesquisa em evidência

Iniciar uma pesquisa é com certeza um desafio para qualquer pesquisador, pois, como ressalta Marques
(2006, p.105), é ―nessa caminhada do simples ao complexo por retificações e aproximações sucessivas, [é que]
alternam-se e se complementam o empírico e o teórico da pesquisa [...]‖. Por isso, exige do pesquisador bem
mais que sensibilidade, para compreender como os sujeitos, desse tempo, fabricam e são fabricados por regimes
de verdades. Nesse sentido, requer um olhar imbuído de uma ―hipercrítica‖ (VEIGA-NETO, 1995), que se
coloque a analisar, observar as rachaduras desse contemporâneo ou ―[...] para nele perceber não as luzes, mas o
escuro‖ (AGAMBEN, 2009, p.62).
Tendo essa perspectiva, é que o presente trabalho tomará como ferramenta metodológica, os estudos
acerca da análise do discurso desenvolvida por Michel Foucault (2002), visto que, se entende que educação
ambiental é na atualidade um dispositivo que atua nos artefatos culturais para estabelecer relações de verdades
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(GARRÉ, 2015). Realizar-se-á uma observação participante, ou seja, o pesquisador participa das atividades
proposta. Isso acontecerá com realização de atividades lúdicas, que se desenvolverá na proposta de estágio de
uma das pesquisadoras, com uma turma de 2º ano de uma escola municipal de Rio Grande/RS. A análise será
realizada através da seguinte coleta de dados: áudios, filmagens e fotografias sobre as atividades proposta pela
pesquisadora.
O programa para a criação do Avatar foi o jogo The Sims da EA (Electronic Arts) de 2009. No entanto,
se utilizou apenas as ferramentas de criação, para a construção da imagem do Avatar. Após o fim das situações
será produzido um boneco do personagem. Nesse sentido, utilizou-se a criação de um Avatar, para a coleta de
dados. Esse foi criado virtualmente por 21 crianças. O personagem após completo foi colocado em situações em
que as crianças deveriam indicar soluções, como se elas estivessem em tal circunstância. Assim, a primeira
situação desenvolvida foi a seguinte:
(Avatar). Todo mundo mora em um lugar! Eu moro aonde? (construir o lugar onde o Avatar mora). [É
cidade ou campo? Quais as características? Quais qualidades e defeitos desse local? Tem muita gente? Se não,
as pessoas se conhecem? Tem amimais? O lugar tem algum problema?]. (Perguntas norteadoras).
O resultado dessa primeira situação desenvolvida indicou marcas de uma representação de natureza
bela e pura na cidade. Embora a cidade tenha sido apontada como um lugar com diversos tipos de poluição,
como por exemplo, de fumaça, água contaminada e lixo, há ainda vestígios de uma ―natureza bela‖. Assim,
podemos perceber, nos excertos abaixo, qual visão de meio ambiente/natureza, tem se configurado na cidade,
pelos sujeitos investigados.

Figuras 1, 2, 3 e 4.

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Os excertos mostram que em meio a aspectos urbanos aparece uma natureza de águas azuis, árvores
verdejantes, flores coloridas, arco-íris, nuvens azuis e sol sorridente. E outros excertos ainda aparecem
borboletas e pássaros no céu. Carvalho B. afirma que,
Mas, essas idealizações e imagens esteriotipadas que costumam associar ao natural apenas aparências
florestais ou bucólicas, ritmos lentos ou suaves e sons agradáveis, arriscam-se a excluir da natureza um
bom número de componentes e de características que igualmente lhe conferem realidade (2013, p.13).

Percebeu-se através do material investigado que a visão de meio ambiente/natureza que está sendo
produzida em crianças de 7 e 8 anos é de um estereótipo de natureza bela, boa e pura. Essa ―natureza boa e bela
produz uma paisagem moral e estética que tem sido fortemente associada à autenticidade do selvagem, do
intocado, do original‖ (CARVALHO e STEIL, 2013, p.107). No entanto, esta ―[...] natureza original ou
primaria, a qual nós apenas podemos querer retornar, não existe, ela é uma projeção de nossos anseios, um mito
como o do paraíso, do jardim do éden‖ (BORSCHE, 2011, p.116).
Os padrões que se apresentam nos excertos mostram na cidade um desejado estado de natureza, o qual
nos indica o autor, possibilita que se pense em uma visão de natureza que é tomada por enunciações que se
pautam no bom e belo. Nesse sentido, se percebe, ao analisar o material coletado, que essas enunciações podem
estarem sendo propagadas através de artefatos culturais, como programas de TV, literatura infantil, jogos de
vídeo game, jogos onlines e práticas de sensibilização, a qual pode-se indicar passeios a sítios promovido por
escolas. Uma conjuntura que se configura em meio a relações de interesses, poder e saber, os quais regularizam
uma certa visão de natureza bela, boa e natural, e, consequentemente, fabricam o sujeito política e
ecologicamente ―correto‖.

Considerações finais

A presente pesquisa não pode fechar ou concluir qualquer raciocínio, visto que, essa ainda se encontra
em andamento. Para tanto, é possível apresentar os primeiros resultados do material subsequentes aos dados
preliminares. Estes dados iniciais deram indícios do surgimento de um suposto sujeito ecologicamente
―correto‖, com peculiaridades próprias desse momento histórico, assim como macas de uma natureza bela, boa
e pura na cidade. O material apresenta indicativos interessantes, mas ainda podem surgir outros no decorrer da
investigação.
Assim, as inquietações causadas por essa amostra, apenas impulsionam a continuidade dessa pesquisa, a
qual olha para a atualidade e tenta visualizar o sujeito dessa investigação, como uma construção que se perpetua
por diversas maquinarias (BUJES, 2001). Por isso, expressa-se a curiosidade de saber, o que mais surgirá no
decorrer dessa investigação?
Deve-se ressaltar, que essa também não tem por intuito criar juízo de valor sobre tal tema, mas
questionar as verdades instituídas nesse tempo histórico. Por fim, depreende-se que, nessa esteira outras

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inquietações também podem despontar no caminhar da investigação, porém se estarão aqui ou não, é
irrelevante, pois o que importa é que, ―PESQUISAR É PRECISO! ‖ (MARQUES, 2006).

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NOTAS SOBRE ONTOLOGIA E EPISTEMOLOGIA NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Tamires Lopes Podewils283
Alana das Neves Pedruzzi284
Ricardo Gautério Cruz285
Filipi Vieira Amorim286
Luis Fernando Minasi287
O presente trabalho foi realizo com o apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – Brasil

Resumo
Neste ensaio abordamos a produção de conhecimento no campo da Educação Ambiental e a prioridade que os
pesquisadores têm estabelecido no que tange uma discussão sobre a epistemologia na Educação Ambiental.
Sem a intenção de apresentar respostas imediatas, trazemos ao debate a possibilidade da pesquisa neste campo
estar girando em torno de uma antinomia. Tal antinomia diz respeito à busca por romper com o modelo de
ciência moderno, sem conseguir, no entanto, romper com seus fundamentos, com sua estrutura de produção
científica. Com a finalidade de contribuir com tal discussão, trazemos como possibilidade de produção de
conhecimento para o campo da Educação Ambiental, a ontologia histórico-social, fundamentada em Lukács
(2012-13), que apesar de ter por especificidade o ser social, leva em consideração que este ser, tem por base
uma ontologia orgânica e inorgânica.
Palavras-chave: Ontologia histórico-social. Ciência. Educação Ambiental.

Introdução

No processo de ―esclarecimento‖ da humanidade, período de ascensão da modernidade e por


consequência de um novo modelo de produção – capitalista –, a produção de conhecimento – científico e
filosófico – deixou grandes marcas em nossa maneira de ver e se relacionar com a natureza. Com o ideal de
romper com o paradigma greco-medieval – onde na produção de conhecimento o sujeito gira em torno do
objeto – na modernidade, é o objeto que passa a girar em torno do sujeito, sendo dessa forma o sujeito o polo
regente do processo de produção do conhecimento (TONET, 2013).

Tal modelo de ciência, hegemônico na modernidade, foi marcado predominantemente por três
perspectivas filosóficas. Desde o ―cogito‖ de Descartes (1596-1650), onde a razão é a detentora da

283
Discente do curso de doutorado em Educação Ambiental – PPGEA/FURG. Mestre em Educação Ambiental– PPGEA/FURG.
Discente do curso de Licenciatura em Filosofia – UFPel. Licenciada em Ciências Biológicas – FURG.
284
Discente do curso de doutorado em Educação Ambiental – PPGEA/FURG. Mestre em Educação Ambiental– PPGEA/FURG.
Discente do curso de Licenciatura em Filosofia – UFPel. Bacharel em História – FURG. Bolsista CAPES.
285
Discente do curso de doutorado em Educação Ambiental – PPGEA/FURG. Mestre em Educação Ambiental– PPGEA/FURG.
Discente do curso de Licenciatura em Filosofia – UFPel. Bacharel em Administração de Empresas – FURG.
286
Discente do curso de doutorado em Educação Ambiental – PPGEA/FURG. Discente do curso de Licenciatura em Filosofia –
UFPel. Mestre em Educação – UNIPLAC. Bolsista CAPES.
287
Doutor em Educação - UFRGS. Professor titular do Instituto de Educação – FURG e do Programa de Pós-Graduação em Educação
Ambiental – PPGEA/FURG.
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possibilidade de produzir o conhecimento, passando pelo empirismo de Bacon (1561 – 1626), à nova
―revolução copernicana‖ desenvolvida por Kant (1724 – 1804) onde o processo científico é regido pela
subjetividade, numa atividade de construção teórica do objeto.

Não intentamos adentrar as perspectivas – hegemônicas – de produção de conhecimento na


modernidade, apenas chamar a atenção para a preponderância do sujeito e sua consequente posição de
dominador do restante da natureza. Compreendemos que esse modo de produzir conhecimento influenciou
especialmente as ciências humanas e sociais – incluindo aqui a educação e educação ambiental –. Dessa forma,
na produção de conhecimento, nos deparamos com uma antinomia: Buscamos produzir um conhecimento que
rompa com o paradigma moderno de ciência, mas não conseguimos deixar de ser o ―polo regente do
conhecimento‖, tampouco de crer em uma metodologia e epistemologia, que assim como na ascensão da
modernidade subsidiou uma nova forma de produção da existência.

Esta situação nos direciona a um questionamento fundante que diz respeito a produção científica sobre
– e na – Educação Ambiental. Temos percebido que a pesquisa científica no campo da Educação Ambiental,
bem como na Educação, poderia estar atendendo a uma constatação que Santos (2009), chama de colonização
epistemológica, ou seja, uma área da ciência que se utiliza integralmente dos pressupostos epistêmicos de
outras áreas, muitas vezes sem considerar as especificidades da área onde pesquisa. No tocante à epistemologia,
este tem se mostrado como um dos desafios da Educação Ambiental, propor epistemologias que possam
contribuir com a área.

Para tanto, organizamos nosso ensaio com o intuito de trazer ao diálogo a preocupação com o
movimento – teórico, epistemológico, ontológico – da Educação Ambiental. Nesse plano, buscamos questionar
a primazia da epistemologia, em detrimento da ontologia, que neste formato já é em si, uma produção de
conhecimento fragmentada. No entanto não intentamos pôr um fim à discussão ou oferecer respostas
salvacionistas. Nossa intenção é apresentar de forma breve, no primeiro tópico, algumas pesquisar sobre
epistemologia na Educação Ambiental, apontando o grande número de pesquisadores preocupados com este
assunto. No segundo tópico, também de forma breve, apresentamos a ontologia histórico-social, fundamentada
em Lukács (2012-13), de forma a apresentar tal método de produção de conhecimento e como em si, é essencial
sua primazia com relação à epistemologia.

Da Educação Ambiental e suas epistemologias

Assumindo a relevância de uma epistemologia da Educação Ambiental, podemos apontar alguns


autores que buscam constituir uma epistemologia que dê conta dessa problemática. De acordo com Gamboa
(2007), a pesquisa em Educação Ambiental surge com o desafio de estar se desenvolvendo como um novo

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campo epistemológico, que integra a Educação ao mesmo tempo em que se apresenta enquanto campo
autônomo. De acordo com o autor a produção de conhecimento no campo ambiental proporciona a
possibilidade de romper com algumas amarras epistemológicas, que têm por base a fragmentação entre o agir e
o pensar.

Carneiro (2006) apresenta o paradigma complexidade288 como fundamento de uma epistemologia


ambiental, pois implicaria na revolução do pensamento moderno, apresentando mudanças nas formas de
conhecer e, como consequência, nas práticas educativas. Sobre o pensamento moderno, Santos (2007), afirma
que a ciência moderna – modo de pensar hegemônico – afeta diretamente a produção científica na Educação
Ambiental. Dessa forma, Carneiro (2006) apresentando a ruptura, desde o paradigma positivista de ciência até
as dúvidas da pós-modernidade, e assenta na epistemologia ambiental, fundamentada na racionalidade
ambiental de Leff (2002), a melhor possibilidade para a pesquisa em Educação Ambiental.

Von Dentz (2008, p.50) assinala em sua dissertação de mestrado para a necessidade da Educação
Ambiental ―fazer visíveis suas tendências teórico-metodológicas e seus marcos de fundamentação‖, apontando
para a discussão de uma epistemologia ambiental. Já Floriani (2009) sugere a possibilidade de uma
epistemologia socioambiental que tenha seus fundamentos na filosofia e história da ciência, e ainda busca
considerar os saberes culturais, no que tange a sociedade-natureza (FLORIANI, 2004, 2005, 2007, 2009).

Goergen (2010) tomando como fenômeno de análise o GT 22 da ANPED 289 apresenta uma síntese da
pesquisa em Educação Ambiental no Brasil. Constituindo de forma generalista o aporte epistemológico do
grupo, o autor foca em alguns aspectos gerais presentes na grande maioria dos projetos, como: procedimentos
teórico-metodológicos; conceito de educação; Educação Ambiental e a crise da racionalidade moderna;
Educação Ambiental na dimensão política; Educação Ambiental e o pragmatismo econômico. Dos cinco
pontos apresentados pelo autor, os três primeiros giram em torno da epistemologia, ponto imperativo a ser
desenvolvido, pois ―[...] só o delineamento do termo ‗educação‘ confere densidade conceitual epistêmica ao
binômio ‗educação ambiental‘‖ (idem) e também a ―educação ambiental e o pragmatismo econômico trata-se
de um aspecto nevrálgico porque a economia exerce a função de braço executivo da razão instrumental‖
(ibidem).

No contraponto ao paradigma da ciência moderna, que se desenvolve com força no século XIV, alguns
estudiosos do campo da Educação Ambiental estão se utilizando da perspectiva de Epistemologias do Sul de
Boaventura de Souza Santos (2009; 2010). Nessa proposta, Santos busca responder a questionamentos sobre a
288
Paradigma da complexidade foi desenvolvido por Edgar Morin (2000)
289
Os Grupos de Trabalho são instâncias de aglutinação e de socialização do conhecimento produzido pelos pesquisadores da área de
educação. São 23 GTs temáticos, que congregam pesquisadores de áreas de conhecimento especializadas. Além de aprofundar o
debate sobre interfaces da Educação, definem atividades acadêmicas das Reuniões Científicas Nacionais da ANPEd. Texto retirado
da página oficial da ANPEd. Disponível em:<http://www.anped.org.br/grupos-de-trabalho-comite-cientifico/grupos-de-
trabalho/sobre-os-gts> Acesso em: 29/09/2014.
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dominação epistemológica, colonização epistemológica e sobre a possibilidade de serem desenvolvidas novas
epistemologias, que tenham por base os saberes do sul. Santos e Meneses (2010), esclarecem que as
epistemologias do sul:

Trata-se do conjunto de intervenções epistemológicas que denunciam a supressão dos saberes levada a
cabo, ao longo dos últimos séculos, pela norma epistemológica dominante, valorizam os saberes que
resistiram com êxito e as reflexões que estes têm produzido e investigam as condições de um diálogo
horizontal entre conhecimentos. A esse diálogo entre saberes chamamos ecologias de saberes (SANTOS;
MENESES, 2010, p. 7).

No mesmo sentido, temos Camargo e Tonso (2013) buscando fundamentar a Educação Ambiental
Crítica na Epistemologia do Sul, apontando para os saberes do sul como possibilidade de desenvolver
alternativas à modernidade ocidental e capitalista.

Ainda de encontro à base epistemológica da ciência moderna, Carvalho (2014) se propõe a pensar e
desenvolver a pesquisa em Educação Ambiental a partir do que nomeia novos materialismos e epistemologias
ecológicas. De acordo com Carvalho, essas epistemologias marcam uma ―virada‖ ontológica em direção a uma
simetria entre ser humano e natureza. Dessa forma, o conhecimento entre humanos e não humanos e entre
natureza e cultura se desenvolveria em uniformidade, de maneira que esse seria um campo epistêmico aberto,
sem uma unidade teórica fixa. O que poderia nos levar a considerar um possível retorno de alguns elementos do
padrão greco-medieval de produzir ciência, fundamentado em uma ontologia geral do ser, sem considerar
necessariamente a especificidade do ser social.

Com base no acima exposto, podemos perceber que a problemática da produção científica no campo
da Educação Ambiental tem ocupado diversos pesquisadores. Compreendemos o imperativo apontado por de
Trein e Cavalari (2014) de que há no campo da Educação Ambiental a necessidade de superar a fragilidade
metodológica – e epistemológica – o que implica na tomada de posição de todos os envolvidos em direção de
buscar explicitar, discutir e fundamentar a Educação Ambiental.

No entanto, a possível solução que trará uma epistemologia – e/ou metodologia – poderá se apresentar
como insuficiente. Pois as propostas epistemológicas, em sua maioria, não levam em consideração dois pontos
essenciais, o primeiro deles é que para romper com o paradigma de ciência moderno, precisamos buscar a
ontologia geral, deixando o objeto ―dizer‖ aquilo que ele é, no contraponto à construção abstrata do objeto, que
se utiliza de categorias a priori e tenta encaixá-lo da melhor maneira possível. O segundo ponto, diz respeito ao
esquecimento de que a pesquisa e o pesquisador são prioritariamente sociais, se tornando assim imperativo
partirmos da especificidade do ser social se quisermos conhecer, compreender e transformar o modelo de
ciência e de relação com a natureza.

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Da ontologia histórico-social
―O conhecimento e a ciência estão sob ameaça, notadamente as ciências humanas e
sociais”.
Moraes
A manifestação da pesquisadora Maria Célia M. de Moraes (2009) não nos deixa dúvidas quanto a
produção do conhecimento em nossa área do saber se encontrar, e historicamente se apresentar, fragilizada. O
quadro de ―ceticismo epistemológico e relativismo ontológico‖, apresentado pela autora, mostra o quão afetada
está a possibilidade das ciências, no caso a ciência da Educação, superarem suas próprias antinomias e
produzirem respostas aos problemas no plano prático da Educação, em nosso caso, da Educação Ambiental.

Usando as palavras de Thompson (1978) ―a teoria têm consequências‖. Faz-se necessário atentarmos
para a produção de conhecimento na (e sobre a) Educação Ambiental, para compreendermos as possibilidades
de ação e formação de educadores e educadoras ambientais. Ainda em acordo com Moraes (2009), a
desqualificação do viés teórico nas pesquisas na área da Educação traz graves consequências, éticas, políticas,
ideológicas e epistemológicas. Também fruto de um modo de produção que degrada a vida humana – e do
planeta como totalidade – a produção do conhecimento necessita ser radicalmente transformada.

Dessa forma, julgamos imprescindível explicitar que quando pensamos o campo da produção de
conhecimento na Educação Ambiental, levamos em consideração a assertiva de que a peculiaridade ôntica
concreta das formações sociais exige uma investigação igualmente ôntica e concreta (LUKÁCS, 2012). Assim
sedo, buscamos nos apoiar em Karl Marx (1818- 1883) para propor uma nova maneira de produzir
conhecimento na Educação Ambiental. O método em Marx é fundamentalmente um método ontológico
histórico-social, especificidade que está aludindo uma contraposição aos métodos gnosiológicos, ou seja,
aqueles que têm no sujeito o polo regente da produção de conhecimento e também aos métodos ontológicos de
caráter metafísico (TONET, 2013).

Uma abordagem ontológica histórico-social significa aclarar o fundamento daquilo que é pesquisado,
elucidar sua origem histórico-social – sua estrutura originária – ao mesmo tempo em que tentamos desvelar as
diferenciações qualitativas e quantitativas que constituem o seu desenvolvimento processual (LESSA, 1995).
Ou seja, o processo de conhecer nada mais é senão a captura do reflexo de um fenômeno histórico, suas leis e
conexões, passíveis de serem conhecidas. A produção científica, nada mais é do que, um tipo de reflexo da
realidade.

A caracterização da obra marxiana como fundamentalmente ontológica foi feita por György Lukács
(1885 – 1971). Para este autor o pensamento de Karl Marx traz a tona uma abordagem radicalmente nova, que
tem seu fundamento numa ontologia do ser social. Nessa perspectiva a categoria de trabalho, como fundante do

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ser social, afasta o homem de sua barreira natural, o diferenciando do restante da natureza orgânica e inorgânica
(LUKÁCS, 2012).

Além da categoria de trabalho, que funda o ser social, e assim constitui o pensamento marxiano como
ontológico, a categoria de totalidade é considerada por Lukács, como essencial no método de Marx. Partindo de
Lessa (1995), a argumentação lukacsiana afirma que a categoria de totalidade é prioritária no processo de
conhecimento. Essa afirmação se deve ao fato de que para Lukács (2012) o ser é uma totalidade complexa.
Nessa asseveração percebemos que, ontologicamente, dado ao seu caráter complexo, o ser só pode ser
conhecido partindo da totalidade complexa que o compõe, o que fundamenta a afirmação de Lessa sobre a
prioridade metodológica da categoria de totalidade.

Assim como a concretude da categoria de totalidade exige a primazia da totalidade, no âmbito


metodológico, para Lukács, a historicidade dos fenômenos materiais exige uma abordagem ontológica –
genética. Segundo Lessa (1995), essa abordagem genética seria o que diferencia o método marxiano das
metodologias que buscam ―construir o real‖ partindo de categorias a priori. Dessa forma, Lukács está
rejeitando todo tipo de ―dedução lógica‖, que partindo de conceitos previamente estabelecidos intentam
construir o fenômeno de estudo e aceitá-lo como um constructo da subjetividade, apenas.

O método marxiano, pode se caracterizado como um método de duas vias. O processo de


conhecimento exige um percurso analítico de decomposição abstrata do fenômeno buscando evidenciar seu
fundamento, para retornar ao complexo ontológico, representado na consciência em sua totalidade. Esse
movimento do particular ao geral, e deste retornando ao particular, possibilita conhecer o fenômeno em suas
relações e ligações como uma totalidade organizada e em movimento.

A elucidação das bases da análise marxiana, a primazia e historicidade da categoria de totalidade e a


necessidade de uma análise genética dos processos que a compõe, nos levam ao que Lukács chama de
contribuição metodológica dos processos evolutivos. Ou seja, a ontologia do ser social, para Lukács (2012),
pressupõe uma ontologia inorgânica e orgânica. Do movimento de moléculas inorgânicas amontoadas e sem
sentido, surge a potencialidade orgânica da vida, constituindo um salto ontológico, e sua complexificação
processual faz desenvolver um ser que rompe, mais uma vez, com as leis ontológicas dos seres biológicos, eis
que se desenvolve um ser que – apoiado em uma consciência290 de si e da natureza – por meio do trabalho291 se
constitui social, transformando a natureza, na medida em que transforma a si mesmo enquanto gênero.

290
Em termos biológicos, a consciência pode ser considerada um caráter apomórfico, ou seja, uma novidade evolutiva, restrita à
espécie humana. Para tanto, foi necessário milhões de anos de desenvolvimento do sistema nervoso, para que se organizassem as
condições necessárias à produção de um reflexo consciente da realidade material.
291
Entretanto, é importante ressaltar que a consciência não é uma característica unicamente biológica do ser humano, mas uma
unidade entre o desenvolvimento biológico e social. Ou seja, a forma altamente organizada da matéria, em suas qualidades específicas
que formam o cérebro humano, fornece apenas a possibilidade da consciência existir; e esta possibilidade se objetiva em realidade no
processo de sociabilização, ou seja, na prática social dos sujeitos.
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Conclusão

A ontologia histórico-social está pautada na ontologia do ser social, como apresentado por Lukács
(2012). Mesmo que essa epistemologia parta de uma especificidade, que é o ser social, ela se apresenta como
adequada para produzir conhecimentos na Educação Ambiental, pois compreende que o desenvolvimento do
ser social está pautado em uma ontologia inorgânica, numa ontologia orgânica, até se desenvolver enquanto ser
social. Dessa forma, uma base epistêmica que tenha por fundamento a relação intrínseca entre ser social e sua
base orgânica e inorgânica, não poderá perder de vista que para conhecer e desenvolver conhecimentos para a
prática da Educação Ambiental é imperioso reconhecer que o ser humano vive da natureza, é ele próprio
natureza e ―tem que manter com ela um diálogo ininterrupto se não quiser morrer‖ (Marx, 2007).

Assim, a produção científica sobre Educação Ambiental poderá pesquisar numa perspectiva histórica,
sem isolar o fenômeno da sua materialidade, sem construí-lo abstratamente. Com a intenção de contribuir com a
discussão que tem por ideal romper, diametralmente, com a epistemologia moderna, julgamos essencial
começarmos a considerar uma produção de conhecimento que tenha por fundamento a ontologia da relação do
homem com a natureza.

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548
ISBN 978-85-7566-380-6
INSTITUIÇÕES DE ACOLHIMENTO E AS PERSPECTIVAS DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL: UM DIÁLOGO COM AS CRIANÇAS

PISKE, Eliane Lima292


BERSCH, Ângela Adriane293
YUNES, Maria Angela Mattar294
GARCIA, Narjara Mendes295

Resumo
A violência assola e causa medo. Embora bastante discutido na sociedade brasileira, o que se sabe é insuficiente
para oferecer soluções. Quando se trata de pessoas, as causas podem ser desde o abandono até as desigualdades
sociais, econômicas, políticas e culturais. Estas condições acabam afetando as crianças e os adolescentes, que
muitas vezes são vitimizados pela sociedade ou até mesmo dentro dos lares, com vários tipos de violências.
Com a pesquisa, tivemos a oportunidade de transitar em vários ambientes e encontramos crianças e
adolescentes vítimas de brutalidade, que repetiam seus relatos de vitimização para diversos profissionais e,
ainda em diferentes locais e eram na sua maioria encaminhadas as instituições de acolhimento. A problemática
das vicissitudes que envolvem o acolhimento institucional é dimensão importante nos estudos em Educação
Ambiental, assim entendemos e defendemos a necessidade de um diálogo com as crianças envolvendo os
condicionantes socioambientais em sua profundidade, através do olhar delas sobre duas instituições de
acolhimento da cidade de Rio Grande- RS, tendo por base teórica e metodológica a Análise Bioecológica do
Desenvolvimento Humano de Urie Bronfenbrenner (2011).
Palavras-chave: Educação Ambiental. Instituições de Acolhimento. Análise Bioecológica.

Introdução

Para embasar o presente estudo podemos dizer que a violência pode ser considerada como um fenômeno
biopsicossocial decorrente da vida em sociedade tendo indeterminadas causas, uma vez que sua natureza é
múltipla (PIETRO & YUNES, 2007; PIETRO, 2007, PIETRO 2013, DESLANDES, 1994). Para prevenir este
fenômeno de natureza múltipla e que envolve diversos segmentos da sociedade são necessários diversos focos
de ações visando, trabalhar a violência como uma prática que não decorre de uma só fonte e sim enquanto um
fenômeno social complexo, fruto das relações sociais. Nas palavras de BAUMAN (2001), as consequências de
uma modernidade líquida em que tudo é temporário e fluido gera em grande parte dos indivíduos confronto
com suas condições de desamparo e vulnerabilidade.
Para prevenir a continuidade das situações de abusos e, sobretudo, possibilitar que as crianças
institucionalizadas sejam participativas para (re) pensarem os múltiplos fatores que envolvem as suas vidas e os

292
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação Ambiental (PPGEA) – Universidade Federal do Rio Grande (FURG); e-
mail: e.nanny@hotmail.com
293
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental (PPGEA) pela Universidade Federal do Rio grande- FURG;
e-mail: angelabersch@gmail.com
294
Professora Doutorada Associada e permanente no Programa de Pós-graduação em Educação do Centro Universitário La Salle,
Unilasalle, Canoas, RS e colaboradora no Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio
Grande; Rio Grande, RS – Brasil, e-mail: mamyunes@yahoo.com.br
295
Doutora em Educação Ambiental. Professora Adjunta do Instituto de Educação. Docente do PPGEA/ FURG.
narjaramg@gmail.com
549
ISBN 978-85-7566-380-6
seus futuros, as intervenções devem ser pensadas coletivamente por todos os segmentos da sociedade. Portanto,
salientamos a importância de um trabalho em rede, onde todos os atores sociais estejam envolvidos e tenham
espaço para opinar, indagar e desenvolver um trabalho dialógico e reflexivo. Desta forma, poderemos (re)
pensar estratégias coletivas e somar as práticas positivas de atuação em rede das instituições de atendimento.
Nesta esteira, compreendemos que a Educação Ambiental é fundamental para a compreensão e
desenvolvimento de novas estratégias para lidar com este fenômeno social de tamanha complexidade, tal qual o
acolhimento institucional. Neste desenfrear de aprendizagens, não podemos esquecer a importância do
Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental (PPGEA) como aliado ao permitir que pesquisadores
estejam e permaneçam envolvidos com a pesquisa, ensino e extensão. O Programa, comprometido com as
questões socioambientais, conta com orientadores dispostos e dedicados a voltarem seus olhares aos múltiplos
condicionantes sociais, políticos e econômicos que compõem as possíveis soluções para uma melhor qualidade
de vida contemporânea.
A intervenção humana é fruto de uma teia de relações que vai construindo a história do homem no
planeta e, desta maneira, as relações com o meio ambiente são contextual e culturalmente determinadas, sendo
―mediante um conjunto de dimensões entrelaçadas e complementares que a relação com o meio ambiente se
desenvolve‖ (SAUVÉ, 2005, p.319). Prestigia-se uma discussão que a coloque como uma importante dimensão
da educação como um todo, e que sirva de base para o desenvolvimento pessoal e social, servindo para
direcionar a gestão de nossas condutas como seres humanos integrantes da natureza (SILVEIRA, 2013).
A Educação Ambiental discute e problematiza diversos contextos, não se limitando a discussões
pontuais de preservação ou conservação, vai além e entra no cerne das relações sociais e pessoais, o que
pretendemos discorrer nesse artigo. A escrita visa apresentar uma Pesquisa de Mestrado que está sendo
desenvolvida no extremo sul do país, neste ano com 7 crianças na faixa etária de 7 a 12 anos que estão
acolhidas institucionalmente. Dessas uma instituição é governamental e outra não governamental. O objetivo do
estudo é escutar e dialogar com as crianças sobre o contexto institucional.
As instituições de acolhimento são espaços protetivos e transitórios que recebem crianças e adolescentes
que estavam expostas as situações de riscos e que, foram separadas do convívio familiar por determinações
judiciais. Neste espaço transitório são acolhidos crianças e adolescentes que tiveram seus direitos violados
dispondo do que assegura o Estatuto da Criança e do Adolescente ―Nenhuma criança ou adolescente será objeto
de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma
da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais‖ (BRASIL, 1990, art. 5º.). Ser
bem tratado é uma das necessidades básicas de qualquer criança, bons tratos é um direito fundamental.
Compreendemos que precisamos de intervenções protetivas e preventivas junto às crianças para que
essas sejam multiplicadoras de ações dialógicas e que sejam capazes de refletir sobre os múltiplos
condicionantes que compõem os problemas socioambientais da violência. Neste sentido, a presente pesquisa
visa justamente dar vez e voz aos que estão sendo diretamente afetados e sofrem a consequência da violência
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estrutural e pessoal, o que parece estar em conformidade com a Educação Ambiental cuja proposta deve
contribuir para mudanças de valores e atitudes.
O cuidado para com a natureza merece ser (re)significado e direcionado para o ―Outro humano como
valores éticos-políticos‖ (CARVALHO, 2004, p.19), para orientar decisões sociais e reorientar estilos de vida,
individual e coletivamente, contribuindo para que sejam delineadas novas racionalidades. Sob este enfoque,
pode-se pensar que a construção de uma sociedade ecologicamente equilibrada deve partir da compreensão da
constituição e construção histórica dos indivíduos, o que faz dos estudos sobre o desenvolvimento humano,
uma questão importante na Educação Ambiental (SILVEIRA, 2013).
Neste sentido, conta-se com a parceria do Programa Centro de Referência em Apoio às Famílias-
CRAF, Programa de Extensão da Universidade Federal do Rio Grande- FURG que agrega cinco (5) projetos
indissociáveis para se pensar o tema violência: Mediação de Conflitos, Educação Parental, Cuidando dos
Cuidadores, Psicomotricidade Relacional e Prevenção a Violência focando a reflexão e ação em novos atos
frente aos condicionantes do acolhimento institucional. A importância da parceria com o CRAF para a pesquisa
é imprescindível, pois o referido centro vem mobilizando ações dialógicas e problematizadoras com as crianças
acerca da percepção sobre a violência, através de oficinas interdisciplinares na busca permanente por dinâmicas
cooperativas e grupais, que mobilizem reflexões sobre as diferentes facetas e conseqüências pessoais e sociais
que envolvem o entorno da violência.
É um tema que requer urgência nas ações e principalmente, que as crianças possam refletir e (re) pensar
seus futuros, tendo claro que o acolhimento institucional é um fenômeno social e histórico e que necessita ser
compreendido de acordo com cada contexto para então, buscar ações preventivas e protetivas. O que vem ao
encontro do que evidencia Sauvé (2005): (...) de uma dimensão essencial da educação fundamental que diz
respeito a uma esfera de interações que está na base do desenvolvimento pessoal e social: a da relação do meio
em que vivemos, com essa casa da vida compartilhada. (SAUVÉ, 2005, p.317). Assim, a temática dos
condicionantes que envolvem o acolhimento institucional que buscamos investigar com a pesquisa é dimensão
importante nos estudos em Educação Ambiental, porquanto se trata de um fenômeno dotado de imensa
complexidade e que diz respeito à sociedade em sua totalidade.

Aspectos Metodológicos
Tendo como base teórica e metodológica a Abordagem Ecológica do Desenvolvimento Humano de Urie
Bronfenbrenner (BRONFENBRENNER, 2011), através de uma mobilização coletiva, participativa, avaliativa
dialógica e problematizadora dos condicionantes sociais, políticos, econômicos e culturais que envolvem o
acolhimento institucional, pretende-se alcançar um trabalho interdisciplinar entre/com as crianças que estão nas
instituições de acolhimento, em prol da prevenção às situações de abusos, pois o modelo ecológico não
privilegia apenas o contexto, mas as múltiplas interações que se relacionam entre si: microssistema,
mesossistema, exossistema e o macrossistema.
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Como muitos já sabem, mas vale mencionar, a violência envolve condicionantes que prendem as
vítimas, seus familiares, amigos e a comunidade numa teia de múltiplos nós. A busca de ações coletivas para
que o agressor receba a penalidade e a vítima não continue sendo vitimizada é um grande desafio, que
corrobora para mostrar a importância da Rede de Atendimento. Quando a agressão ocorre no seio familiar e as
crianças e adolescentes são encaminhadas às instituições de acolhimento, a situação fica mais complexa e por
isso, surge a presente inquietação visando compreender as instituições de acolhimento sob o olhar de crianças
em situação de risco pessoal e social. Para tal entendimento usamos a abordagem teórica e metodológica da
Bioecologia de Urie Bronfenbrenner (2011).
Partindo da concepção que é através de uma criança construindo os seus conhecimentos que podemos
possibilitar seu desenvolvimento tivemos como aliada a inserção ecológica, a escuta atenta, os diários de campo
para as anotações naturalísticas como fatores indispensáveis ao processo reflexivo da escuta sobre as
instituições de acolhimento. A qualificação do Projeto de Mestrado aconteceu no início de julho, após
começamos a coleta de dados nas instituições de acolhimento com as crianças, ainda em fase de conclusão, o
que justifica um diálogo inicial das informações.
A inserção ecológica (CECCONELLO & KOLLER, 2004) foi um dos métodos de pesquisa utilizados e
permitiu estabelecer interações proximais com as crianças participantes da pesquisa, possibilitando assim
compreender os processos, as pessoas e as ações cotidianas. Dentro dessa perspectiva coletiva e contextual
contou-se com a pesquisa documental e com o diário de campo. Num primeiro momento, fizemos um
levantamento das causas e motivos dos acolhimentos através das fichas individuais de sete crianças das duas
instituições de acolhimento. A pesquisa documental foi realizada no final do mês de julho de 2015. No mês de
agosto e início de setembro foram realizadas as inserções para conhecer as particularidades das instituições e,
sobretudo, ouvir as crianças institucionalizadas, contando com o diário de campo para as anotações das
observações naturalísticas realizadas a partir de visitas sistemáticas e planejadas em horários diversos.
A pesquisa foi qualitativa e para análise dos dados foram utilizados os princípios da Grounded-Theory
(GLASER E STRAUS, 1967; YUNES, 2001), onde as informações emergiram das respostas das crianças e
ofereceram subsídios para a organização dos dados qualitativos obtidos na pesquisa. Vale mencionar que, os
princípios éticos foram essenciais para o desenvolvimento da pesquisa e todos os participantes tiveram que
autorizar a participação na pesquisa e o representante legal também precisou autorizar a participação delas,
através de termos de compromisso livres e esclarecidos.

Alguns resultados preliminares e discussões


A pesquisa foi realizada com crianças na faixa etária de 7 a 12 anos de duas instituições de acolhimento,
sendo denominadas instituição 1 e instituição 2. Na instituição 1 tinham 2 crianças e 3 adolescentes
institucionalizados, na faixa etária de 7 anos até 17 anos, onde foram participantes da pesquisa duas meninas,
uma de 7 anos e outra de 12 anos e que completou 13 anos em agosto, já na instituição 2, tinham 23 acolhidos
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na faixa etária de 1 ano até 17 anos, destes apenas 5 incluíam a faixa etária da pesquisa. Sendo 2 meninas uma
de sete anos e outra de 9 anos e outros 3 meninos entre 7 e doze anos.
Dos participantes da pesquisa de ambas as instituições, 3 crianças já estiveram em outras instituições de
acolhimento, entre 2 e 3 vezes, as outras 4 são suas primeiras institucionalizações, as causas são desde a
negligência familiar, as situações de risco, as prisões dos pais, os conflitos entre os genitores, a violência
psicológica, dentre outras. Sendo que, uma das crianças já foi vinculada duas vezes em famílias substitutas, sem
sucesso. Já o apadrinhamento afetivo com ela tem sido uma estratégia positiva, conforme consta no Plano de
Atendimento Individual e se complementa através das palavras de Veterano, nome fictício:
“-Meu dindo disse que se um dia, ele já tivesse a casa dele eu ia morar com ele”.
As palavras de Veterano vêm ao encontro do que apresenta em sua ficha, sobre o apadrinhamento
afetivo. As instituições de acolhimento contemplam no seu espaço físico salas, cozinha, banheiros, sala da
equipe técnica, sala de atendimento e pátio, representando um lar, vindo ao encontro da expressão da Elsa sobre
como se sente na Instituição 2:
“Aqui to bem, eu gosto de brinca e tenho amigos”.
Essa percepção sobre o espaço físico varia, para as crianças da instituição 1 as grades da casa são vistas
como impedimento para receberem amigos e saírem. De ambas as instituições, mencionam que os amigos
acolhidos são legais e que se sentem bem na instituição de acolhimento por esse fato, embora o desejo de
voltarem para seus lares seja prevaleça.
Com a inserção ecológica, evidenciamos que as crianças interagem entre/com elas de maneira coletiva e
interativa, embora alguns atritos surjam. Numa das instituições, são as próprias crianças que resolvem os
conflitos e, caso seja necessário a intervenção de um profissional os mesmos retiram do local. Já na outra
instituição, quando os desentendimentos surgem as crianças são separadas e a conversa acontece
individualmente, após entre/com elas e, se perceberem que não conseguiram se entender naquele momento elas
são convidadas a irem para locais diferentes, como exemplo: uma vai para a sala e a outra fica na sala da equipe
técnica, utilizando o computador ou outro recurso.
Dessa forma, trabalhar com as questões do desenvolvimento humano institucional numa perspectiva de
fortalecimento para enfrentar as adversidades do dia a dia é necessário, ainda mais quando estamos falando em
crianças. A abordagem do desenvolvimento humano é uma máquina de imaginação, sempre tentamos pensar e
fazer uma interfase entre as inúmeras condições de risco, que não são legais e logo, vem a proteção que é
processual, resultando no processo de resiliência que seria o fruto dessa interfase, ou seja, resistência em
superar as questões da dificuldade.
Neste sentido, realizamos uma pesquisa por meio de uma metodologia dialógica e reflexiva,
promovendo espaços onde todos os envolvidos pudessem externalizar, refletir e (re) pensar suas crenças,
percepções e comportamentos sobre as instituições. Tendo claro que o acolhimento institucional foi e é um
fenômeno social e histórico e que necessita ser compreendido de acordo com cada contexto. Este foi um
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caminho para buscar ações preventivas e protetivas através das expressões e sentimentos sobre as instituições
de acolhimento que, possibilitaram ações ativas, onde todas as crianças foram protagonistas das aprendizagens,
Constatamos que a escuta atenta e o diálogo foram fatores na pesquisa que possibilitaram investigar as
instituições de acolhimento sobre o olhar das crianças para assim, compreendermos a realidade social e, para
que elas se tornassem os atores da mudança e suas experiências pudessem ser compartilhadas dialogicamente.
Nessa perspectiva, percebemos que a escuta atenta e o diálogo precisam e devem estar implicados na
constituição de um novo olhar para alicerçar a Educação Ambiental e as instituições de acolhimento como um
diálogo possível e, em permanente ação e reflexão para mobilizar a humanidade da degradação dos valores no
meio social e pessoal.

Considerações
Na busca incansável por conhecermos um pouco mais sobre as causas desse fenômeno complexo que
envolve o acolhimento, foi necessário atentar aos condicionantes ambientais e sua amplitude, através das
relações sociais, políticas, econômicas e sociais que estão em consonância com uma Educação Ambiental
Crítica e alicerçada no envolvimento, engajamento e emancipação coletiva. Evidenciamos que a partir da
experimentação e do diálogo as crianças puderam (re)pensar e achar alternativas de mudanças na busca de um
acolhimento mais justo e humano.
As instituições de acolhimento são vistas pelas crianças como locais protetivos, embora em sua maioria
mencionem que gostariam de voltar para suas residências e que sentiam saudades dos amigos e dos familiares
que tiveram que se afastar. Diante desse fato percebemos que, foi necessário sentirem-se seguras, além de
criarem vínculos para após, expressarem suas percepções, angustias e certezas sobre o ambiente institucional.
A discussão e a relação entre o acolhimento institucional e a Educação Ambiental se estabelecem ao
possibilitar uma reflexão sobre os condicionantes socioambientais que estão implicados nas ações cotidianas,
nas expressões e nos ambientes onde as crianças estão e constroem aprendizagens. Vale mencionar que, nos
pequenos gestos entre eles percebemos grandes interações e que, uns defendem e protegem os outros como
parceiros de uma grande e divertida brincadeira, usando como artifício para superarem as dificuldades
enfrentadas pelas diversas formas de violências sofridas que, resultaram no afastamento familiar e nas
institucionalizações.
Salientamos que, a Visão Ecológica Ambiental do Acolhimento Institucional como um espaço protetivo
não pode ser vista como solução para todos os problemas enfrentados, mas é condição necessária para que as
crianças se sintam acolhidas, conforme contatamos com a pesquisa. Essa dualidade indissociável, que foi a
inserção ecológica e o diálogo com as crianças nos mostraram que, as instituições precisam ser como um fio
desafiador e articulador de novas ações, onde os objetivos do acolher protegendo precisam estar e permanecer
presentes e dispostos pela mobilização de novas ações coletivas, pautada na mudança de comportamento sendo
desafiador, flexível e investigativa pela postura das múltiplas relações que se estabelecem entre a humanidade e
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a natureza, entre as crianças e seus contextos, o que é emergencial na contemporaneidade das infâncias que
encontramos nas instituições de acolhimento e na inserção das especificidades dos acolhidos.

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INFÂNCIAS, NATUREZAS E CULTURAS: FOCANDO O OLHAR PARA A
INFÂNCIA INDÍGENA
Luana Santos da Silva296
Resumo
O objetivo deste artigo é refletir sobre as múltiplas infâncias relacionadas à natureza. Perceber essa última a
partir do processo histórico, sendo uma representação social que varia conforme os tempos. Tem como
pergunta norteadora de pesquisa perceber como em diferentes experiências culturais de infância as crianças se
relacionam com o ambiente (natureza/entorno) e seu papel enquanto sujeitos sociais. O termo infância pode ser
considerado como uma invenção histórico/social que se modifica nas diferentes culturas. O texto busca através
de pesquisa inicial junto aos pequenos indígenas Mbya-Guarani da aldeia Tekoá Pindó Mirim desatrelar a
concepção de criança universal e seres que virão a ser e mostrar que nas diferentes culturas há formas variadas
de se perceber a infância assim como seu papel na comunidade. A metodologia utilizada nesse trabalho é de
caráter qualitativo, realizada a partir da revisão bibliográfica sobre infância, natureza e método etnográfico.
Neste último será trazido questões onde o investigador utiliza a pesquisa participante visando fazer cruzamentos
com as questões do universo da comunidade indígena.
Palavras-chaves: Infância. Natureza. Crianças indígenas.

Introdução
A temática central desse artigo, considerado como um relato de experiência está relacionado com
estudos na área de antropologia e educação, no âmbito do eixo temático 3 – Perspectivas e utopias da Educação
Ambiental, com foco na concepção de múltiplas infâncias, mais especificamente com a noção de pequenos
indígenas inter-relacionado com a natureza e cultura. O universo de pesquisa serão as crianças ameríndias
guaranis da Comunidade Tekoá Pindó Mirim inserida na localidade de Itapuã, Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
Sabe-se que até a década de 1980 as pesquisas referentes à criança apresentavam-se escassas. A partir
dessa data as questões relacionadas á infância passam a ser discutidas e problematizadas. A mirada
antropológica sobre as infâncias ainda tem pouco difusão devido ao fato de que a cultura ocidental dos
Antropólogos é influenciada pela cultura européia, em que a criança não foi considerada por muito tempo como
um ser social.
Desta forma, essa pesquisa pretende ser relevante para os estudos relacionados à infância. Através de
estudos em campo com crianças indígenas, visa desatrelar a concepção de criança/aluno e de seres sociais que
virão a ser (processo de aprendizado e formação dessas crianças/alunos em seres sociais). Busca compreender
quais são as experiências culturais/educativas de infância indígena e comparar com as múltiplas infâncias
históricas sociais relacionando com as concepções de naturezas. Como pergunta de pesquisa esse estudo busca
perceber como em diferentes experiências culturais de infância as crianças se relacionam com o ambiente
(natureza/entorno) e seu papel enquanto sujeitos sociais.

As diversas naturezas

296
Luana Santos da Silva, Pós-graduanda em Educação Ambiental, FURG. Rio Grande – RS. luzinhasansilva@yahoo.com.br
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A partir da modernidade, as pesquisas científicas e a razão se tornam bem evidentes e a natureza passa a
ser vista como algo que deve ser dominada pelo Homem. Dumont em relação às questões que envolvem a
natureza argumenta que ―A sociedade moderna pretende ser ‗racional‘, ou seja, ela desliga-se da natureza para
instaurar uma ordem humana, autônoma‖ (1985, p.250).
As concepções relacionadas às formas de se perceber a natureza estão atreladas às culturas dos sujeitos.
As epistemologias ecológicas se apresentam como novos horizontes de compreensão que visam superar as
dualidades modernas, tais como natureza e cultura, mente e corpo e conhecimento e experiência (CARVALHO,
2014).
O meio ambiente pode ser considerado como um lugar onde diversos fatores estão presentes, como meio
natural, questões sociais, conforme Reigota sustenta: ―Defino meio ambiente como: um lugar determinado e/ou
percebido onde estão em relação dinâmica em constante interação os aspectos naturais e sociais. Essas relações
acarretam processos de criação cultural e tecnológica e processos históricos e políticos de transformações da
natureza e da sociedade‖ (2009, p. 36).
A natureza, como a conhecemos, é uma construção social e se modifica conforme a história da
humanidade e também é percebida de formas diferentes por cada povo. Mendonça argumenta que: ―A relação
com a natureza é social, assim como todas as nossas outras relações sociais. Cada cultura institui essas relações
à medida que se constitui. A relação que um povo tem com a natureza é uma das formas que revelam a maneira
de ser daquela sociedade‖ (2005, p. 92)
A partir de revisão bibliográfica sobre indígenas e pesquisa de campo junto à comunidade Mbya-
Guarani se percebe a não separação entre cultura e natureza, tudo está atrelado, em uma teia de relações.

A infância enquanto invenção histórico/social no ocidente

Nas pesquisas de Ariès (2011) que estudou a arte medieval, por volta do século XII, a infância não era
representada. No final do século XIII a criança não era caracterizada, por expressão particular e sim homens em
miniatura. A infância era considerada uma fase sem importância e a quantidade de óbitos extremamente alta.
Ariès (idem, p.21-22) problematizou dizendo que ―o sentimento de que se faziam várias crianças para conservar
apenas algumas era e durante muito tempo permaneceu muito forte‖. No século XVII, os temas da primeira
infância começam a se expandir e aparecem crianças em diversos retratos, demonstrando na arte, um foco
nesses pequenos seres. Segundo Lopes: ―As mudanças sociais, econômicas, religiosas, políticas ocorridas ao
final do século XVII começam a criar o início da particularização da infância, que emerge junto com a
organização da sociedade burguesa, pautada nos ideais do liberalismo e com ela, a reestruturação do espaço
destinado para as crianças‖ (2006, p.114).

As pesquisas de Àries foram de extrema importância, pois realizou todo um levantamento histórico
sobre o surgimento da infância. Entretanto, não podemos nos esquecer de que não existe uma infância universal
557
ISBN 978-85-7566-380-6
e sim diversas infâncias que se caracterizam conforme o lugar a qual pertencem. O autor descrevia uma infância
ocidental e burguesa e as outras infâncias presentes, por exemplo, das comunidades ditas tradicionais? Lopes
contribui em minhas explanações ao dizer que: ―A pretensa universalidade, pressuposta no pensamento de
Àries para o ser criança no mundo ocidental, na verdade esconde uma variedade de dimensões de infância que
variam de localidade para localidade e constituem uma diversidade de marcas sociais‖ (2006, p.117).

A partir da Modernidade as questões relacionadas à infância passam as ser problematizadas sendo a


mesma uma construção social e política, entretanto se percebiam as crianças como uma ideia de vir a ser,
preparação para a vida adulta. ―Infância é o ‗ser em devir‘ e nesta transitoriedade se anulou por demasiado
tempo a complexidade da realidade social das crianças‖ (SARMENTO, 2007, p.26). Somente na década de
1980 as pesquisas relacionadas à infância ganham maior visibilidade, percebendo as crianças como grupo
social, não como uma fase, etapa da vida. William Corsário, que trabalhou e pesquisou as crianças visando
entender as mesmas no contexto e não no discurso hegemônico, englobando questões relacionadas às culturas
locais. Suas pesquisas eram COM as crianças e não SOBRE as crianças.
Alan Prout divide a infância em duas fases: pré-sociológica e sociológica. Na primeira a criança é
excluída de seu contexto histórico e social. A segunda que surge a partir da década de 1980 em que as teorias
sociológicas despertam suas preocupações com a infância. O autor argumenta sobre a complexidade
natureza/cultura, na importância da miscigenação entre as mesmas. ―Infância não deveria ser vista nem como
natural nem como cultural, mas como uma multiplicidade de natureza-cultura, uma variedade de híbridos
complexos constituídos a partir de materiais heterogêneos e através do tempo‖ (PROUT, p. 40).
A sociedade capitalista e adultocêntrica foca o olhar no que os adultos acreditam ser importante para as
crianças, dando subsídios para que as mesmas se tornem futuros cidadãos. As crianças são nesses casos
abafadas e sua voz não é levada em consideração. As pesquisas sociológicas dos últimos 30 anos começam a
expandir essas questões se atentando nas pesquisas com as crianças. Prout contribui argumentando que:
Ainda temos muito a aprender sobre formas de permitir que as crianças falem por si próprias e de sua
maneira. Com muita freqüência exige-se que as crianças se ajustem às formas de participação dos adultos,
quando o que é necessário são mudanças institucionais e organizacionais que facilitem e encorajem as
vozes das crianças (2010, p.35).

Através dessas pesquisas recentes dentro das ciências humanas que focam seu olhar na criança como um
ser social mudanças possíveis começam a ocorrer. Dar voz a esses pequenos cidadãos, pesquisando com e não
sobre eles, modifica toda uma estrutura do que conhecemos como criança ocidental.

Outras infâncias: os pequenos indígenas


Existem outras infâncias em nosso próprio tempo, como pode ser considerada, por exemplo, a infância
indígena. Tal fato vem a corroborar com a desconstrução da noção de infância universal e atemporal. Nesse
contexto etnográfico é importante se evitar o pressuposto de que existe uma infância universal, pois se tem que

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levar em consideração o que é ser criança naquele determinado local. As concepções de infância para os
indígenas são variadas conforme cada sociedade e diversa da nossa ideia de criança ocidental. Conforme Nunes
foi de fundamental importância:

descortinar um vasto campo de debate, que carece mais e mais etnografia produzida dentro e fora do
contexto europeu, urbano e globalizado, de modo que favorecesse a análise comparativa. Afinal, não
devemos querer que se repita um erro do passado, a saber, que o conhecimento construído sobre a
infância seja apenas o das sociedades dominantes, e que o entendimento de todas as outras parta da
aplicação desse modelo, sem o questionar, perpetuando-se assim a hegemonia da um padrão ‗criança‘
ocidental e etnocêntrico. Pelo contrário, o que nos interessa é desconstruir esse modelo (2002, p. 66)

A falta de dados sobre crianças tem a ver com a visão de ―adultocentrismo‖ característico do
pensamento ocidental. Conforme Sarmento ―A criança é considerada como o não adulto e este olhar
adultocêntrico sobre a infância registra especialmente a ausência, a incompletude ou a negação das
características de um ser humano ‗completo‘ (SARMENTO, 2007, p. 33). Essa visão não é compartilhada nas
comunidades indígenas, que reconhecem a criança como um ser autônomo e suas falas são levadas em
consideração. Desde os anos 1990 nas pesquisas de antropologia da infância, os estudos sobre criança indígena
tem sido relevantes para se afastar da tendência de se falar sobre o meio urbano e o contexto escolar. Essas
pesquisas estão se atentando nas crianças como sujeitos sociais. As crianças indígenas têm liberdade na aldeia e
não são consideradas seres que irão vir a ser, ou seja, seres passivos na educação. Para que se possa
compreender a noção de infância indígena, é necessário um afastamento da concepção urbana que se tem de
criança, é importante se aproximar das formas indígenas de perceber a infância.

Relatos de campo: um novo olhar para a infância


Realizar o trabalho etnográfico através da pesquisa participante tem como pano de fundo alguns
problemas que o pesquisador irá se deparar, já que o mesmo irá adentrar em um lugar que não é o seu. Que
papel irei exercer nesse novo ambiente? Como dar o ―passo ao lado‖ e me despir das minhas noções do que é
infância? São alguns questionamentos que me fiz antes de começar a ir a campo na comunidade indígena
Guarani Tekoá Pindo Mirim, localizada em Itapuã/RS. Zaluar vem ao encontro dessas questões que tornam
pertinentes as minhas reflexões: ―Vários problemas permanecem não resolvidos com respeito à posição do
observador: seria ele um líder, um educador, um dirigente, ou um mero catalisador? Em qualquer um destes
casos como exerceria as atividades de pesquisador?‖ (ZALUAR, 1986, p.112). Esses anseios e angústias em
minha pesquisa remetem a um contexto de extrema importância já que a desestabilização e a dúvida me
colocam em uma posição de mudança retirando a ―zona de conforto‖, o conhecido para adentrar em algo
diferente e com tal situação me deparar a todo o instante com reflexões sobre a minha forma de perceber a
infância.

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Ao me propor mergulhar em uma realidade diferente da que me constitui mesmo que ocorrendo um
esforço é impossível não levar junto a minha bagagem cultural, intelectual que me constitui enquanto indivíduo.
Através de leituras sobre a temática indígena, mais especificamente sobre a infância ameríndia e vivencias na
aldeia irei buscar subsídios visando compreender a constituição desta determinada comunidade. Entretanto a
autoria da dissertação de mestrado estará carregada de características da constituição do individuo que não se
separa, pois não há como ser neutro na escrita. O pesquisador para Zaluar : ―(...) não deixa de ter seu próprio
projeto intelectual, a sua própria linguagem e sua forma própria de se comunicar com seus pares, tudo isso
manifestado sem disfarces na obra final de sua autoria‖ (1986, p.112)‖.
O antropólogo em sua pesquisa busca se educar nas regras de outra cultura, entretanto já possui a sua
base de códigos, assim como uma criança que aprende, mas com uma vasta bagagem cultural presente.
Podemos considerar que a prática de campo está atrelada à educação, pois a todo o momento novas
aprendizagens se fazem presente.

Antes de ingressar em minha jornada de pesquisa em campo havia realizado uma vasta revisão
bibliográfica em livros e artigos que tratassem sobre a temática da infância indígena e também algumas leituras
sobre antropologia. Ter claro, mesmo que momentaneamente, o meu foco de pesquisa, minha pergunta que
nortearia o meu olhar, pois conforme Silva: ―estar orientados por uma definição mais ou menos clara do que se
está fazendo ali, o que implica ter um problema teoricamente constituído (...) nenhum etnógrafo vai ao campo
senão movido por incertezas, dúvidas e perguntas‖ (2009, p.176).
A leitura do texto “A situação etnográfica: andar e ver” antes de ir a campo foi importante no sentido
de me auxiliar a ver e não simplesmente olhar o meu entorno. Ver é mais do que olhar, pois durante o percurso
etnográfico o olhar vai se mesclando com um quebra cabeça de peças (as leituras que se fez sobre o tema, a
bagagem cultural do etnógrafo), o ver é um olhar que se organiza (SILVA, 2009).
Iniciei meu trabalho de campo no dia 09 de agosto de 2015 juntamente com a comunidade indígena
Guaraní Tekoá Pindó Mirim, localizados em Itapuã/RS. Ansiosa para adentrar em uma cultura diversa da que
me constitui e receosa em não fazer julgamentos a partir do que conhecia sobre infância, a partir da minha
formação em pedagogia e da minha experiência enquanto educadora de crianças. Chego à aldeia em uma
manhã ensolarada e logo me deparo com uma cena que me possibilitou reflexões, me mostrando que realmente
as crianças indígenas são percebidas diferentemente. Alguns meninos carregando grandes sacos de terra para a
construção do Espiral de Ervas que ocorreria em seguida (foto 1, abaixo), sem nenhuma supervisão de adultos,
sem nenhum ―cuidado‖ se os mesmos eram pesados demais. Faço esses comentários sem nenhum pré-
julgamento, trago os mesmos no intuito de mostrar que a visão de infância dos indígenas é diferente, os mesmos
são considerados como seres sociais e não há uma superproteção dos adultos. A aprendizagem ocorre não
separando a criança do mundo, pois o todo é que proporciona o conhecimento.

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Foto 1 – Pequenos indígenas da aldeia carregando sacos de terra para
confecção do Espiral de Ervas. Registro fotográfico feito por Luana
Santos da Silva.

Durante a construção do Espiral de Ervas e na oficina sobre bambus (fotos 2 e 3, abaixo) os pequenos
indígenas participaram ativamente escolhendo os momentos de contribuírem ou irem realizar outra atividade.
Essa escolha partia deles, em nenhum instante houve nenhum adulto dizendo como deviam se portar ou o que
realizar. Há nas comunidades indígenas uma permeabilidade à introdução das crianças no tecido social, onde
Alvares reflete que: ―ao permitir o trânsito entre as diversas categorias sociais, as crianças, ao mesmo tempo em
que aprendem, constroem, junto aos adultos, as relações sociais e a dinâmica da vida social e política do grupo‖
(2004, p. 55).

Foto 2 – Pequenos indígenas plantando as ervas no Foto 3 - Integrantes da aldeia Tekoá Pindó Mirim
Espiral de Ervas. Registro fotográfico feito por Luana assistindo a oficina sobre bambus. Registro fotográfico
Santos da Silva. feito por Luana Santos da Silva.

Durante as minhas idas a aldeia sempre esteve presente o Nico, um bugio jovem que foi adotado pela
aldeia, pois conforme relatos o bando de bugios abandonou-o quando ele era pequeno. Enquanto se realizava a
construção do Espiral de Ervas ele estava presente em uma árvore próxima e quando os meninos da aldeia
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chamavam se aproximava. Quando estávamos realizando um lanche (rosca de polvilho) Nico veio e um dos
meninos alimentou-o com a rosca (foto 4, abaixo), nesse momento verbalizaram que ele come de tudo. Outros
animais também se fizeram presentes durante as minhas idas a aldeia, como cachorros, gato, galinhas. A relação
com os mesmos é de aproximação em que eles estão juntos em diversos momentos. Não há uma domesticação,
como na visão ocidental de animais domésticos, parece-me que eles fazem parte da aldeia assim como os outros
seres, humanos ou não.

Foto 4 - Pequeno indígena alimentando o bugio (Nico) com rosca de


polvilho.

Com as minhas idas iniciais a campo pude fazer um entrecruzamento entre as leituras realizadas e a
realidade da infância daquele território. Perceber que existem particularidades daquele local específico que
tornam aqueles pequenos indígenas como únicos, para não se cair na armadilha de generalizar aquela realidade
para todas as infâncias indígenas, pois segundo Lopes:

Não podemos falar da existência de uma única cultura própria das crianças, mas sim de culturas infantis,
caracterizando desse modo a pluralidade que lhes é inerente. Essa pluralidade se estabelece no
entrelaçamento da produção da infância e da produção do lugar. Toda criança é criança de um lugar. Do
mesmo modo, toda criança é criança em algum lugar (2006, p.110)

Corsaro (2011) trabalha com conceitos relacionados à infância, dois deles são: modelo determinista e
modelo construtivista. O primeiro diz respeito à criança vista como um papel passivo, em que a mesma é
considerada um ser iniciante que deve ser controlada para futuramente contribuir para a manutenção da
sociedade. No segundo modelo, o construtivista: ―a criança é vista como agente ativo e um ávido aprendiz. Sob
essa perspectiva, a criança constrói ativamente seu papel social e seu lugar no mundo‖ (p.19). Relaciono esse
segundo modelo, com uma cena que presenciei em minha segunda ida a aldeia Tekoá Pindó Mirim (foto 5,

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abaixo). Após dias de chuva uma indígena de cócoras lavava muitas roupas, dois pequenos indígenas
brincavam no mesmo local, agachados na terra, em outra ocasião pendurados na estrutura de madeira. Outra
indígena, um pouco mais velha em alguns momentos está com os outros dois a interagir e em outros instantes
participando da lavagem das roupas, esticando as mesmas no varal. A mesma tem seu papel social, é um agente
ativo dentro da cultura a qual está inserida.

Foto 5 – Pequenos indígenas brincando, adulta indígena lavando


roupa e uma moça indígena ajudando a esticar a roupa no varal.
Registro fotográfico feito por Luana Santos da Silva

Considerações Finais
Ao se estudar a cultura ameríndia e mais especificamente as crianças dessas comunidades se percebe as
diferenças do que conhecemos como criança na nossa cultura urbana. Esses estudos são importantes visto que
pesquisas sobre infância a partir do foco nelas e não no que os pesquisadores pensam sobre elas ainda são
escassos.
A natureza na cultura indígena não é vista como algo separado e sim ela faz parte do processo de
aprendizagem, nos rituais e na vida cotidiana. Para se compreender essa cultura é necessário ―dar o passo ao
lado‖ e nos desatrelarmos das nossas visões de mundo, pois para os indígenas os processos são diferentes dos
nossos.
Através do relato de experiência junto aos pequenos indígenas da aldeia guarani Tekoá Pindó Mirim
buscou-se problematizar como as crianças são vistas por eles, que papéis elas desempenham na comunidade,
como elas aprendem, que relações realizam com a natureza. Perceber como as crianças indígenas se constituem
são importantes para os estudos sobre infância e os processos de aprendizagem para que não se caia no senso
comum e nas visões de infância a partir da visão adultocêntrica.

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Referências

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e escolarização. Revista Anthropológicas. Volume 1, p. (49-78), 2004.
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CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Epistemologias Ecológicas: delimitando um conceito. Mana. Volume
1, p. (163-183), 2014.
CORSARO, William A. Sociologia da infância. Tradução: Lia Gabriele Regius Reis, Porto Alegre: Artmed,
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DUMONT, Louis. O individualismo. Uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro,
Rocco, 1985.

LOPES, Jader Janer Moreira e Tânia de Vasconcellos. Geografia da infância: Territorialidades Infantis.
Currículo sem fronteiras, v. 6, n. 1, p. 103-127, jan./jun. 2006.

MENDONÇA, Rita. Conservar e criar: natureza, cultura e complexidade. São Paulo: Editora Senac, 2005.

NUNES, A. SILVA, No tempo e no espaço: brincadeiras das crianças A‟uwe-Xavante in Aracy L.;
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PROUT, Alan. Novas formas de compreender a infância. Revista educação, cultura e sociologia da infância.
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_____________ Participação, políticas e as condições da infância em mudança. In: Infância em perspectiva:
políticas, pesquisas e instituições. MÜLLER, Fernanda (Org.). São Paulo: Cortez, 2010.

REIGOTA, Marcos. O que é educação ambiental. São Paulo: Brasiliense, 2009.


SARMENTO, Manuel. Visibilidade social e estudo da infância. Infância (in)visivel / vera Maria Ramos de
Vasconcellos, Manuel Jacinto Sarmento, organizadores, Araraquara, SP.: Junqueira&Marin, 2007.

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ZALUAR, Alba. Teoria e prática do trabalho de campo: alguns problemas. In: DURHSAM, Eunice. A aventura
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FILOSOFIA HERMENEUTICA E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

Jacqueline Carrilho Eichenberger297


Vilmar Alves Pereira298

Resumo
A presente pesquisa decorre da busca de uma compreensão sobre a Educação Ambiental contemporânea, que se
encontra imersa em contradições e carente de uma Ética, a partir do olhar da filosofia Hermenêutica. A pesquisa
no contexto histórico filosófico objetivou desconstruir, por meio de um exercício hermenêutico, a concepção de
natureza e Educação Ambiental, além da forma de agir proposta pela ciência moderna com o propósito de
desvendar o caráter ideológico da ciência e dos múltiplos usos que carrega o conceito. A partir destes
pressupostos, o objetivo foi buscar interpretar uma modalidade de compreensão e de ação sustentada em outra
modalidade de racionalidade para pensar a Educação Ambiental - EA. Na tentativa de deslocar o olhar de um
pensamento pautado pela técnica das ciências naturais para uma que busca desvelar seus sentidos, buscou-se
valorizar a Hermenêutica como interpretação no contexto da Educação Ambiental.
Palavras chave: Hermenêutica. Educação Ambiental. Filosofia da Educação.

O problema hermenêutico da Educação Ambiental


Iniciamos com a questão: Qual a possibilidade de compreender uma racionalidade não instrumental, em
relação à dominação econômica, técnica e científica da natureza no pensar e no agir da Educação Ambiental?
Observa-se, como problema central, que o breve histórico do progresso mantém uma relação com a exploração
do homem pelo próprio homem e da natureza pelo homem. Tal modelo começa a mostrar-se insuficiente para o
desenvolvimento biológico social, cultural e econômico.
Paralelamente a esta compreensão, observa-se que as questões ambientais são intrínsecas às questões
sociais, à pobreza, à escassez de recursos e à expansão populacional e combina-se para a degradação e o
colapso dos ecossistemas urbanos e sociais a nossa volta. Diante disso, prevalece uma Educação Ambiental
marcada pela tradição explicativa das ciências naturais.
Vale considerar que Educação Ambiental, antes de tudo, é Educação e parte das ciências das
humanidades, mas a concepção tecnológica que têm da interpretação, com a sua ―metafísica realística‖
promove sua própria irrelevância, quando não consegue dar conta dos problemas ambientais contemporâneos.
Podemos compreender que a ―epistemologia cientifica‖, como já mencionou Maurice Merleau-Ponty299 -
objetivadora e manipuladora das coisas - acaba por desistir de ser parte nelas. Ao refletir sobre realismo e a
perspectiva científica as ciências humanas acaba por adotar um modo científico de pensar. De caráter objetivo,
operatório e estático, o pensamento sobre as ciências humanas carece de significado e transmite, no que se

297
Doutoranda em Educação Ambiental/PPGEA/FURG. Filosofa. Membro integrante do corpo Editorial Revista Eletrônica do
Mestrado em Educação Ambiental – REMEA/PPGEA/FURG. Email: Jacque.carrilho@gmail.com
298
Doutor. Professor do Instituto de Educação – IE/FURG e do Programa de Pós Graduação em Educação Ambiental/PPGEA/FURG.
Filosofo. Editor Chefe da Revista Eletronica de Educação Ambiental – REMEA/PPGEA/FURG.vilmar 1972@gmail.com
299
Em Palmer (1969).
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refere às ciências sociais, uma ausência de sentido, histórico, cultural.
A crítica social veio consolidar a EA como campo de conhecimento, como atividade politica-
pedagógica, como um campo plural, histórico, social e requer a problematização dos problemas ambientais, de
sua gênese, contradições, consequências e de suas possíveis alternativas, porém, ainda subordinada à ecologia
científica, que nos mostra os efeitos de nosso comportamento e práticas, apenas amplia a ―análise‖ por ampliar
a definição do objeto quando o contextualiza em sua realidade histórica e social, mas ainda assim, mantemos a
imagem científica (biológica) do objeto, do ser. Observa-se, portanto, a emergência de uma ―teoria‖, ―método
de transformação‖ capaz de decifrar a ―matéria humana‖ naquilo que estamos voltados a interpretar, ou seja, o
ser do objeto. Isso nos leva a concordar com Palmer (1969) que as ciências humanas precisam de uma
Hermenêutica para compreendê-las, ou seja, de uma interpretação adequada que, pelo menos acompanhe os
métodos de análise científica, sem tornar os objetos das ciências humanas – lutas, obras, textos, imagens,
―silenciosos e naturais‖ (pág. 19).
Assim, a Hermenêutica surge para aprofundar modos de compreensão relacionados a conteúdos
históricos e humanísticos. A interpretação sobre o conhecimento histórico e humanístico deixa de ser um
conjunto de artifícios e técnicas de ―explicação do conhecimento‖ sobre o conteúdo de EA, mas uma reflexão
sobre a própria interpretação. Sabemos que a busca por uma nova compreensão do universo fez ressurgir a
ciência natural, a ciência da natureza. Esse novo enfoque caminhou rápido, libertando o ser humano de
pressupostos metafísicos dogmáticos e de uma forma de conhecimento com resultados pouco práticos e
eficazes. Porem, ao considerar que o homem encontra-se cada vez mais distanciado e desvinculado da natureza,
acabando por desconsiderar a importância das atitudes e do efeito de suas ações sobre o mesmo, é possível
observar a crescente degradação ambiental e o agravamento dos problemas sociais resultantes.
Sendo assim, é possível considerar também que o surgimento da Educação Ambiental como prática para
a liberdade, constitui-se como terreno fértil para uma pedagogia crítica que busca uma espécie de revolução do
pensamento. A necessidade de repensar o ser e a complexidade como uma proposta de reconstrução do mundo e
de reapropriação social da natureza, para além da globalização que unifica os olhares, pode ser uma alternativa
para recompor um mundo alienado e fragmentado, herdado dessa civilização em crise 300. Surge, neste cenário, o
desafio para o saber ambiental que esta para além do pensamento sistêmico e da visão do todo, para pensar o
mundo a partir da ontologia do ser.
Observa-se que, ao longo dos anos, ―a relação do homem com o meio ambiente surgiu como um grande
desafio, do qual a pedagogia não pode fugir, sob pena de perder um campo extremamente importante de suas
atividades‖. Flickinger (2010 pág 153). O autor pensa, ao falar de um desafio, em técnicas educacionais cujo
objetivo é levar os alunos e educadores à consciência da importância fundamental de preservar o seu meio
ambiente, a fim de considerar sua própria sobrevivência como seres humanos. Nessa visão, cuja dinâmica

300
Complexidade, Racionalidade Ambiental e Diálogo de Saberes Enrique Leff
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implícita, deveria, além de ser respeitada, encontramo-nos diante da dinâmica destrutiva de uma sociedade
industrial baseada na racionalidade do liberalismo econômico-social, capitalista, que submete os recursos da
natureza a uma lógica de utilitarismo explorador, onde a questão do respeito ao meio ambiente deveria ser
considerada como algo de maior importância.
Segundo Flickinger (2010), tal postura esta veiculada a pressupostos antropocêntricos caracterizados por
uma ética utilitarista disfarçada. Dentro das modernas posições epistemológicas encontra-se uma que, desde o
século passado, tenta argumentar em favor de um procedimento autêntico das ciências humanas, em oposição
ao método explicativo, utilizado nas ciências naturais. Parece emergente que, diante dos problemas ambientais,
repensar tal orientação em favor de outra que se dispõe a reconhecer a permanente imbricação da diversidade
de sentidos.

No meio do caminho a investigação - Articulação metodológica.


A Hermenêutica, diferente das tradições racionalistas que pretendem um completo domínio do sentido
real de seu objeto, radicaliza a ideia de compreensão como interpretação. Desta forma a Hermenêutica
apresenta-se como método de produção de conhecimento baseado na interpretação narrativo-interpretativa
(Vattimo,1992)301.A metodologia requer, como base para o aprofundamento da pesquisa, uma vertente de
caráter teórico e propõe uma abordagem histórica, hermenêutica e filosófica, o que permite uma interpretação
aprofundada de suas contribuições para a EA, bem como, elaborar uma posição crítica frente ao debate que se
quer instaurar. De posse de uma base de informação, o referencial estudado busca comparar informações,
articular conceitos, avaliar e/ou discutir resultados. Aprofundar a reflexão acerca da hermenêutica filosófica e a
Educação Ambiental subsidiará de forma expressiva a análise da relação entre estas áreas.

Nexos fundamentais do pensamento moderno e suas implicações junto ao conceito de natureza


Em certa medida, podemos descrever o impulso que levou à constituição dos sistemas modernos de
pensamento e do próprio pensamento moderno como uma espécie de ―crise de identidade‖. Um dos efeitos dos
resultados e dos sucessos obtidos por Galileu foi o início da separação entre ciência e filosofia. Agora cabe ao
cientista produzir o verdadeiro conhecimento sobre o mundo.
Para o filósofo francês René Descartes (1596 – 1650) - reconhecido, justamente, como fundador da
filosofia moderna, o problema do conhecimento já se impunha diante da necessidade de se pensar o novo papel
do homem, como sujeito do conhecimento diante de uma realidade pensada nos termos propostos pela nova

301
Vattimo (1992:157) "La hermenêutica misma es solo interpretación: no funda su pretensión de validez en un supuesto accesso a las
cosas mismas sino que, para ser coherente con la crítica heiddegeriana de la idea de verdad como correspondencia, en la cual se
inspira, puede concebir-se a si misma solo como la respuesta a un mensaje, como la articulación interpretativa de la propia
pertenencia a una tradicíon".

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ciência (uma realidade escrita em caracteres matemáticos, como anunciou Galileu). Descartes sugere que, com
os fundamentos da nova ciência, a ―filosofia primeira‖ deixa de ser a metafísica, tomando o seu lugar a
epistemologia. A busca vai se caracterizar, então, pela busca do fundamento. Uma tentativa de colocar a nova
ciência, com as grandes promessas que trazia, sobre um alicerce sólido e seguro.
Seu grande argumento relacionava-se à certeza e à evidência de suas razões (Descartes, 1998). Observa-
se um pensamento onde a natureza configura-se de forma mecânica, cujos mecanismos precisam ser aprendidos
com o fim de copiar e utilizar a natureza a nosso favor. Depara-se então com o início da coisificação e
mecanização da natureza no pensamento humano. Observa-se que a natureza é algo que existe para servir o
homem e esse pensamento perdura até o momento contemporâneo, onde a natureza é vista como um monte de
recurso a ser explorado e que o homem tem supremacia sobre ela e pode fazer dela o que bem entender desde
que seja para o bem-estar humano.
Não contente com a matematização do pensamento, Descartes dirige-se ao ataque dos sentidos302. Se na
filosofia medieval nada chegava ao intelecto sem antes ser processado pelos sentidos, no pensamento cartesiano
observa-se que somos enganados por nossos sentidos. Nesse contexto surge o sujeito moderno, o qual a
educação moderna tentará reproduzir. Um sujeito recém-nascido que ainda não pertence a um lugar. Observa-se
que o enfoque na clareza e distinção nos leva a uma situação em que se torna invisível nossa relação com a
Natureza.
As principais preocupações dos críticos do pensamento cartesiano são precisamente a forma como este
torna a Natureza obscura. Não há uma relação entre Natureza e os seres humanos ao mesmo tempo em que
qualquer projeto de ―ética ambiental‖ consiste nesta relação. Houve um deslocamento da concepção da
natureza. O que podemos interpretar é que o ataque permanente à tradição, feito por Descartes, leva à
eliminação da possibilidade de uma Educação Ambiental com uma dimensão histórica e ético-política. O uso
dado ao conceito de Natureza é meramente utilitário.

Heiddeger e a filosofia existencial da natureza


Chegamos à contemporaneidade com Martin Heidegger (1889-1976) e é possível pensar a questão
―ambiental‖ a partir de seus fundamentos. Para isso, é necessário compreender a dinâmica de uma civilização
que reduziu todos os seres – e finalmente até o próprio ser humano – à condição de objetos para a afirmação do
sujeito humano que, tomado por poder e controle, afirma-se como senhor da natureza. Para Heidegger é essa
compreensão do Ser como objetividade que possibilitará que a racionalidade tecnológica seja usada para
oprimir a natureza e os outros homens. Perdida a vocação existencial de ser ―a casa do ser‖, o próprio homem
pode ser visto então como mero objeto cuja exploração justifica-se na busca de mais poder.

302
na Parte IV do Discurso do Método
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Falamos hoje de uma crise da cultura, de civilização, cuja crise ambiental é apenas sintoma. Uma crise
necessária sobre repensar a compreensão do Ser. Heidegger irá questionar a base antropocêntrica do
humanismo moderno. Propõe um pensar que supere a racionalidade hoje dominante, que pensa o ser humano
como sujeito e, dessa forma, fundamento da verdade e da realidade, é historicamente datada e pode ser
desconstruída. Heidegger sustenta seu argumento no mistério que se manifesta em todo ―é‖ de tudo que é, sobre
a técnica massificadora atual.
Ao resgatar o conceito de Ética como morada, resgata a importância de uma ética que nos permita viver
harmoniosamente sobre a terra com base no sentido de respeito não só pelo lugar, mas por seus habitantes. No
pensamento de Heidegger, o morar está ligado a um ―preservar‖ que está para além de causar danos, mas a uma
dimensão positiva, quando possibilitamos a harmonia da sua própria natureza e de sua força originária.
Neste sentido o poder da dominação refere-se a todo fazer ou pensar, nos quais o homem projete sobre
as coisas a sua própria vontade e as transforme em objetos de sua propriedade. Aquilo que chamamos de terra,
não deve estar associada com uma massa de matéria, ou de uma ideia meramente astronômica do planeta, pois
estas reflexões não dizem de fato o que a terra é (Heidegger, 1971, p. 42). Neste sentido, a terra é o lugar onde
tudo que surge, tudo que cresce, volta a encontrar abrigo.
O mundo doravante aparece como um objeto, e unicamente como um objeto, a ser enquadrado e
controlado. Esta relação se dá sob a égide de uma dimensão do pensar que Heidegger chama ―o pensar que
calcula‖. O mundo aparece agora como um objeto sobre o qual o pensar que calcula dirige seus ataques, e aos
mesmos nada mais deve resistir. A natureza torna-se um único reservatório gigante, uma fonte de energia para a
técnica e a indústria modernas (Heidegger, 1980, p. 141). Para Heidegger, o pensar que calcula é indispensável,
mas não se trata de uma dimensão do pensamento.
Fica claro que o homem, enquanto ―ser-no-mundo‖, ―é‖ num complexo de relações. Assim, o ―ser-no-
mundo‖ é sua circunstância e relações que engendra no mundo. Conceber deste modo já seria superar a
compreensão do sujeito cartesiano como outro que não o mundo, podendo, quem sabe, inaugurar um modo
diverso de atuar no meio. Observa-se que, para Heidegger, as ciências e a filosofia tradicional em seu modo de
investigar o mundo, o objetiva, de modo a entendê-lo como o conjunto de objetos ou ―coisas-naturais‖, ou ainda
como natureza possuidora de propriedades física sujeitas à verificação.

Para o filósofo, o conhecimento ontológico da natureza só é possível a partir do conceito de mundo. O


universo não se resume a uma soma de objetos, conhecidos ou ainda não conhecidos, que estariam a dispor do
ser humano. Ao focalizar o mundo da técnica, outros modos de ser foram ofuscado, o que corresponde, no
pensamento do filósofo, a um empobrecimento do ser humano, um estreitamento de suas potencialidades de
sensibilidade, percepção e pensamento. Um esquecimento do sentido do Ser, que é o esquecimento de nosso
verdadeiro ser, de nossa identidade autêntica.

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As Contribuições da Hermenêutica para a educação ambiental
Quando se lança mão não só de uma pedagogia, mas de uma ecopedagogia aliada a uma psicologia
ambiental é possível concretizar ações verdadeiramente capazes de estimular o ser humano, resgatando
sua humanidade tão distorcida como nos dias atuais (GADOTTI, 2000).

É possível observar que a sociedade contemporânea busca reverter os problemas causados ao planeta,
que afetam diretamente nosso modo de vida, pelos danos ambientais globais, danos às formas de vida existentes
(Córdula, 2012). Pode-se pensar que esse paradigma se deve a uma percepção social e ambiental dicotomizada,
que mesmo com o surgimento da Educação Ambiental na década de 60, em seus 50 anos de atuação, pouco
conseguiu mudar na visão do ser humano sobre si mesmo e sobre o planeta, gerando uma corrida ―verde‖ de
desenvolvimento longe do ideal. Porém, compreende-se que com a Hermenêutica aliada às questões ambientais,
é possível lançar um novo olhar de interpretação sobre os fenômenos relacionados à questão ambiental, que
reatam a sensibilização como tomada de consciência necessária às verdadeiras mudanças ao ser humano e de
seu modo de agir sobre o planeta, por meio da Educação.
Na contemporaneidade, a era da globalização e das novas tecnologias, interferem diretamente no nosso
modo de vida e, assim, nos distancia cada vez mais da nossa condição humana no planeta. Por outro lado, a
sociedade continua a se desenvolver em meio à fome, à miséria, às desigualdades sociais, entre outras,
traduzindo-se numa contradição junto à crise ambiental que determinará o nosso futuro (Capra, 2006). Este
modelo de desenvolvimento se deve a um modelo econômico, cientifico e tecnológico que foi implantado na
sociedade, que despreza a visão do todo e trata a vida como uma máquina. Uma filosofia nasce da oposição.
Sabemos que essa visão dualista – deixa de compreender e analisar toda a complexidade que compõe as
interligações planetárias que dão suporte à vida neste planeta e, como consequência, possibilita o
desenvolvimento da humanidade através do consumo dos recursos naturais existentes (Lovelock, 2006).
Observa-se, pelos documentos acessados, que a Educação Ambiental, cuja expressão é de origem
inglesa (Environmental Education) foi elaborada durante a Conferência de Educação, da Universidade de
Keele, na Inglaterra, em 1965 (BRASIL, 1998), para tratar de sensibilizar o ser humano sobre seu papel na
conservação e preservação dos recursos naturais do planeta. A partir desta data, a Educação Ambiental está há
50 anos atuando como uma concepção pedagógica alternativa para as práticas ambientais das sociedades
contemporâneas, com vistas à qualidade de vida ambiental dos cidadãos. A Educação Ambiental tem uma
conotação mais simples, ainda na opinião de outros autores, ―educar para um ambiente saudável‖ e, apesar de
existir em várias definições, sua concepção é mais abrangente do que se imagina, pois trabalha com o
consciente e o inconsciente do homem, visando despertá-lo para a proteção do meio ambiente. A Educação
Ambiental é o encontro real da fusão entre a razão e a emoção, não distante da educação formal, ensinado a
criança a usar sua criatividade e a pensar no amanhã, de forma crítica, para que se torne cidadão consciente,
defensor de seus direitos e cumpridor dos seus deveres para com a vida e para com o planeta. Ocorre que a

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Educação Ambiental por si própria não conseguiu ainda que o ser humano tenha ―conhecimentos necessários‖
ao desenvolvimento das práticas que levam a mudanças de comportamento, já que os problemas ambientais são
cada vez mais inerentes. As mudanças necessárias na população devem surgir de uma mudança de valores e de
percepção de si mesmo sobre o planeta e a vida.
Observa-se que a hermenêutica é um termo de origem etimológica grega (hermeneuein), cuja
epistemologia moderna designa-a como a teoria ou a filosofia da interpretação, que viabiliza a percepção dos
fenômenos, indo além de sua simples aparência. Sua significância está na compreensão do mundo à nossa volta.
Esta abordagem qualitativa traz a luz da interpretação por uma nova ótica, onde a complexidade sistêmica dos
fatos e fenômenos predomina, dando um panorama amplo de percepção ao pesquisador, indo além do exposto e
buscando as conexões intrínsecas envolvidas no equilíbrio do planeta. Na Educação Ambiental, observa-se que
a hermenêutica une saberes, filosofias e concepções do ser humano sobre si mesmo e sobre seu papel neste
planeta.
Ao se trabalhar com educação, meio ambiente e sociedade, visando mudanças de atitudes e valores no
ser humano, entra a pedagogia que trouxe a luz das experiências os trabalhos desenvolvidos na área
comportamental e ambiental. A partir da hermenêutica, houve uma possibilidade de abertura para uma nova
forma de pensar a Educação Ambiental como uma educação socioambiental. Mas o que é uma educação
socioambiental? Trata-se de uma abordagem mais centrada nas experiências e vivências humanas, deixando de
lado o tecnicismo e a tentativa de simplesmente ―conscientizar‖, para sensibilizar o ser humano, através de seus
problemas sociais e ambientais, mostrando as relações sistêmicas envolvidas, onde um afeta diretamente o
outro, numa retroalimentação.
Tal concepção não abarca todo o tecido relacionado à complexidade do equilíbrio da vida no planeta. É
preciso reflexão para os conceitos de desenvolvimento e crescimento, nesse contexto. Reafirma-se um
pensamento sobre: para uma melhor utilização de recursos naturais no planeta, devem se levar em conta o
reconhecimento da existência de uma grande diversidade ecológica, biológica e cultural entre povos. Observa-
se que esta diversidade de interesse e opiniões está profundamente ligada às diferenças socioeconômicas,
políticas e geopolíticas entre grupos sociais, classes, setores empresariais, países e regiões.
As questões econômicas têm como base a industrialização dentro de um sistema capitalista que, por sua
vez, não está em harmonia com a natureza, pois visa lucro a custos de extração dos recursos naturais. Trata-se
de um desenvolvimento com custos muito altos. Contradições que se apropriam e se utilizam do marketing
―verde‖ com fins promocionais, associado ao bem-estar e, se comprando produtos ecologicamente corretos,
estaremos fazendo nossa parte dentro do modelo sustentável.
A Educação Ambiental, portanto, recupera assim o sentido originário da noção de educere, ou seja,
como a relação pedagógica que deixa ser ao ser, que favorece as potências do ser, da organização ecológica, das
formas de significação da natureza e dos sentidos da existência se expresse e manifeste. A educação ambiental é
o processo dialógico que fertiliza o real e abre as possibilidades para que se chegue a ser o que ainda não se
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é303. Esse é o maior desafio da educação na atualidade: o da responsabilidade da tarefa de coadjuvar este
processo de reconstrução, educar para que os novos homens e mulheres do mundo sejam capazes de suportar a
carga desta crise civilizatória e convertê-la no sentido de sua existência, para o (re) encantamento da vida e para
a reconstrução do mundo.

Considerações finais
Ao debruçar sobre a proposta de Flickinger, entre outros autores, é possível concordar que a discussão
em torno de problemas ambientais, hoje, está visivelmente dominada pelas ciências naturais e tecnológicas com
sua metodologia objetificadora e a sociedade parece esperar que as soluções venham dessas áreas. O autor
aborda um dualismo perigoso que se projeta no nosso relacionamento com o ambiente físico – natural, ou seja,
uma abordagem regida, por um lado, pelas normas técnicas científicas das ciências naturais e, outra, orientada,
por sua vez, pelos interesses econômicos sociais. Esse dualismo tem caracterizado, em escala crescente, nossas
próprias formas de percepção das questões ambientais, ao desacoplar a prática objetificadora das ciências
naturais e técnicas do comportamento dos indivíduos e da comunidade em relação à natureza física.
Observa-se que cada tipo de abordagem remete a diferentes métodos cientificamente legitimados: as
ciências naturais em um racionalismo construtivo à base da explicação causal, ao passo que o agir econômico-
social buscam seus critérios por meio de processos mais ou menos democráticos de decisão. Diante disto, se
buscarmos uma saída que pudesse superar o dualismo apontado, levando-se em conta o próprio fato da
educação reforçar a fragmentação disciplinar das ciências ambientais, não podemos fugir de suas condições.
Para Flickinger (2010), primeiro, seria necessário revincular as questões ambientais ao agir humano que as
originou; e, segundo, essa revinculação do homem com o meio ambiente teria de recorrer a uma postura
científica não mais objetificadora, portanto, não mais reduzida ao modelo de explicação causal dos fatos, usada
pelas ciências ―duras‖.
Ao levar em consideração essas condições, propomos a abordagem Hermenêutica como possível saída
do impasse. Em contrapartida ao método causal-explicativo, baseado na separação primordial entre o sujeito
conhecedor e o seu objeto de investigação. A Hermenêutica, como ―doutrina de compreensão‖, pressupõe a
inserção do homem na sua história e linguagem, horizontes estes perante os quais ele deveria buscar o sentido,
tanto dos fatos, quanto do seu próprio agir e a interelação entre ambos. Em outras palavras, o ato de
compreensão exigiria, por parte do sujeito conhecedor, sua disposição de entregar-se a esses horizontes e, se
necessário, corrigir suas próprias convicções. Observa-se que em vez de dominar, na qualidade de sujeito
conhecedor o processo de conhecimento o homem experimentaria a si mesmo expondo-se ao risco de perder
sua autocerteza inicial. Trata-se, portanto, de um processo de interpretação da experiência como ato da
construção de sentido diante dos fatos aparentemente objetivos.

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Diante do desafio, inscrever uma linha condutora em si coerente com argumentação, sem perder de vista
a amplitude temática, caracterizada pela interdependência objetiva entre a constituição da sociedade, o
problema do meio ambiente e o papel da educação. Desta forma, em conjunto com outros autores, questionar
até que ponto uma educação preocupada com as questões ambientais estaria obrigada a procurar sua base
científico-profissional em um paradigma epistemológico não mais comprometido com aquele que rege o status
quo representados até mesmo pelas correntes críticas da educação. O questionamento da epistemologia e da
ontologia leva-nos a concordar que a crise ambiental é, sobretudo, um problema de conhecimento.
Sendo assim, a problematização dos sentidos do ambiente pela via hermenêutica amparada pela
complexidade, é fundamental para o processo pedagógico sobre o campo da Educação Ambiental, já que, ao
recusar a via da razão objetiva, é capaz de dialogar com a diversidade e enfrentar a questão da sustentabilidade
e também a disputa de interpretações nesse campo. Trata-se de uma via que põe em relação o diálogo de saberes
e os múltiplos processos de instauração de sentidos que demarcam a relação sociedade e natureza. Falamos de
um conjunto de conceitos filosóficos e procedimentos epistemológicos e hermenêuticos como fundamentais ao
campo de conhecimento da Educação Ambiental.

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ÉTICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL A PARTIR DO CONCEITO DE ESPERANÇA
EM PAULO FREIRE

Filipi Vieira Amorim304


Humberto Calloni305
Tamires Lopes Podewils306
Alana das Neves Pedruzzi307
Júlia Guimarães Neves308
Agências financiadoras: CAPES; CNPQ; FAPERGS.

Resumo

Em nome de novas reflexões e provocações ao campo dos fundamentos da Educação Ambiental, defendemos a tese de
que é possível, viável e salutar o diálogo entre a Educação Ambiental e o pensamento do educador brasileiro Paulo Freire
(1921-1997). O artigo traz um levantamento bibliográfico de elementos que constituem e representam a totalidade da obra
freireana, abordados num movimento dialógico entre a ética e a epistemologia, a política e a educação, a filosofia e a
pedagogia. Reconhecendo a impossível dissociabilidade entre esses elementos, apresentamos as dimensões do
pensamento freireano como base para a discussão acerca do conceito de Esperança, terminologia recorrente em suas
obras. O intuito maior de nossa reflexão é sugerir, sem esgotar, elementos que sirvam aos ideais coletivos da Educação
Ambiental.

Palavras-chave: Ética. Educação Ambiental. Esperança.

Introdução

Nas minhas relações com os outros, que não fizeram necessariamente as mesmas opções que fiz, no nível
da política, da ética, da estética, da pedagogia, nem posso partir de que devo ―conquistá-los‖, não importa
a que custo, nem tampouco temo que pretendam ―conquistar-me‖. É no respeito às diferenças entre mim e
eles ou elas, na coerência entre o que faço e o que digo, que me encontro com eles ou com elas (FREIRE,
2014a, p. 132).

304
Doutorando em Educação Ambiental pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio
Grande – FURG; bolsista da CAPES. E-mail: filipi_amorim@yahoo.com.br
305
Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande – FURG.
Doutor em Educação pela UFRGS. E-mail: hcalloni@mikrus.com.br
306
Doutoranda em Educação Ambiental pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio
Grande – FURG; bolsista do CNPQ. E-mail: podewils.t@gmail.com
307
Doutoranda em Educação Ambiental pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio
Grande – FURG; bolsista da CAPES. E-mail: alanadnp@gmail.com
308
Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande – FURG; bolsista
da FAPERGS. E-mail: juliaaneves@hotmail.com
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A reflexão da qual nos propomos tratar resgata o Paulo Freire filósofo, por vezes esquecido, o pensador
comprometido com as indissociabilidades da ética e da epistemologia, do pensar e do agir; o educador
empenhado na religação entre a filosofia e a pedagogia, a política e a educação. Diante da conjunção entre esses
conceitos, afirmamos a viabilidade de uma discussão teórica em torno das possibilidades de um encontro
dialógico entre o pensamento freireano e a Educação Ambiental. É por esse motivo que nossa abordagem está
ancorada num diálogo bibliográfico com algumas obras de Paulo Freire. Além disso, temos um referencial
biográfico do referido autor, pois assumimos aqui a sua postura ética, epistêmica e política no trato das questões
sociais em que militamos.

Sabemos que Paulo Freire não se dedicou exclusivamente ao tema stricto da Educação Ambiental, mas
suas contribuições ao campo da formação humana mostram-se pertinentes ao debate sobre uma educação de
múltiplas lateralidades, incluindo, assim, a tratativa interdisciplinar das questões ambientais pela educação. Ao
encontro disso ancoramos nossa tese de que não se pode negar que há, no pensamento freireano, uma
preocupação intrínseca com a causa ambiental, pois esta representa uma preocupação global que permeia os
espaços da vida humana com anúncios e denúncias acerca de uma problemática no campo da ética.

Nosso objetivo é aproximar a Educação Ambiental e o pensamento de Paulo Freire na busca de


significações para o enriquecimento da compreensão da realidade que nos rodeia, oferecendo possibilidades ao
enfrentamento da dita crise ambiental contemporânea.

De antemão, anunciamos três dimensões do pensamento freireano que serão abordadas no decorrer do
ensaio, a saber: teleologia, axiologia, epistemologia. A justificativa para a defesa e o aprofundamento dessas
categorias é legítima diante da confirmação feita por Paulo Freire quando indagado sobre os elementos
intrínsecos à sua produção bibliográfica e acadêmica. Em entrevista para a Revista Ensaio, Paulo Freire
afirmou, num diálogo com José Chasin, Rui Gomes Dantas e Vicente Madeira (entrevistadores), que há em sua
obra uma metodologia com três eixos: epistemológico, axiológico e teleológico (FREIRE, 1985, pp. 22, 23).

Essa noção de metodologia freireana, embasada no tripé da epistemologia, da axiologia e da teleologia,


nega o mito do ―método Paulo Freire‖. A defesa de Paulo está centrada na educação que perpassa uma teoria do
conhecimento, que orienta a formação humana para determinado fim e com valores específicos. Queremos
dizer que, em nossa interpretação e compreensão, surge a hipótese de que Freire e sua metodologia
materializam a possibilidade de um novo telos para a história da humanidade. A importância de legitimarmos
esta intuição remete-nos à base daquilo que almejamos: a Educação Ambiental enquanto locus de resistência e
campo de lutas sociais (econômicas, políticas e culturais). Isto significa romper com a concepção de educação
determinista que impede o ser mais. A Educação Ambiental em diálogo com o pensamento freireano significa a
tradução da dimensão política do ato educativo condicionado social e historicamente.

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Em continuidade a esta Introdução, passamos a nossa compreensão das dimensões do pensamento
freireano para que possamos estabelecer o conceito de Esperança e sua contribuição à Educação Ambiental.
Enfatizamos que, mesmo diante do fato de apresentarmos uma conclusão a esta temática, não propomos um
fechamento da discussão, tampouco sua imutabilidade. Assumimos, conscientes, em consonância com a
perspectiva do ―inacabamento do ser‖ (FREIRE, 2014a, p. 50), a recusa da busca por uma verdade final e
intransponível.

Dimensões do pensamento freireano

[...] só reconheço a existência de um lá porque há a existência de um aqui. E não há como chegar lá, a não
ser partindo de um aqui (FREIRE, 1985, p. 21, grifos do autor).

Tomando a afirmação feita na entrevista ―Caminhos de Paulo Freire‖ (FREIRE, 1985), discorreremos
sobre nossa interpretação quanto às dimensões do pensamento freireano nos eixos já referenciados na
Introdução: teleologia, epistemologia, axiologia.

A epígrafe utilizada neste tópico defende o movimento de historicidade presente no pensamento


freireano. Esta defesa opõe-se ao social (econômico, político e cultural) a-histórico e estático, pois é um
movimento de ida e volta, em espiral, que rejeita a concepção da sociologia clássica de uma história a
posteriori, determinista, regida pelas inclementes leis da natureza. Reconhecer que existe um lá é assumir que,
partindo do aqui, há busca, há finalidade no pensar e no agir indissociáveis; por isso a historicidade do ser
humano. Reconhecer esse significado pressupõe assumir que, pensando o futuro a partir do presente, e
reconhecendo que existe um passado construído socialmente pelos seres humanos inseridos no mundo, é real a
possibilidade da mudança, da transformação do eu, do outro e do mundo.

Quando falamos em historicidade, queremos afirmar que a realidade que está posta pode ser outra,
construída igualmente nas possibilidades históricas em que estamos inseridos e somos partícipes. Esta
abordagem inicial aponta a dimensão teleológica do pensamento freireano.

O sentido semântico da teleologia remete ao conceito grego de telos (fim, finalidade) em união com
logos (teoria, ciência). Em Paulo Freire, isso significa orientar, dar sentido, ir e estar em busca de... É o trajeto
que liga o movimento de partir do aqui para chegar ao lá. O lá é desconhecido, mas conhecendo o aqui
podemos orientar o lá que queremos, a partir do nosso quefazer. Somos ―seres da práxis [...] seres do quefazer‖
(FREIRE, 2014b, p. 167, grifos nossos). A vida humana, enquanto práxis, pressupõe, para o alcance da
teleologia, pensar a ação, executar a ação, e amparar as consequências da ação. Significa o encontro da práxis
enquanto ―reflexão, ação, reflexão‖, uma mudança situacional, ou seja, uma transição do ser que emerge do
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mundo em seu quefazer (FREIRE, 2014b).

A questão teleológica não é exclusiva do pensamento freireano, mas difere de outras teleologias quando
reconhece para si a interligação desta com a epistemologia e a axiologia. Em função disso, a axiologia encontra
a teleologia, por tratar de uma teoria dos valores, da influência dos sentidos morais, éticos e estéticos sobre a
valorização. A axiologia, enquanto ciência ou teoria dos valores, é construída social e historicamente; por isso
permanece em constante movimento. Por exemplo, a dimensão ética do pensamento freireano, enquanto
elemento axiológico, valoriza a ―ética universal do ser humano‖ em oposição à ética capitalista. Essa ética
capitalista não esteve sempre como a conhecemos hoje, mas é fruto de processos históricos. Mas, afinal, de que
ética Freire nos fala? Vejamos em suas palavras:

[...] a ética de que falo não é a ética menor, restrita, do mercado, que se curva obediente aos interesses do
lucro. [...] Falo [...] da ética universal do ser humano [...], que condena a exploração da força de trabalho
do ser humano, que condena [...] falsear a verdade, iludir o incauto, golpear o fraco e indefeso, soterrar o
sonho e a utopia (FREIRE, 2014a, p. 17).

Nesse sentido, a axiologia possibilita a teleologia da vida humana enquanto práxis, nas dimensões já
mencionadas do pensar a ação, executar a ação, e amparar as consequências da ação. A partir do
reconhecimento de que existem valores e desvalores, a práxis teleológica surge como potencial transformador
daquilo que está posto, ou seja, a teleologia axiológica como possibilidade de mudança, o fundamento da
transição do ser menos para o ser mais (FREIRE, 2014a).

Como modo de anteciparmos a discussão sobre o conceito de Esperança, oferecemos mais um exemplo
axiológico do pensamento freireano. Nas palavras de Paulo Freire (FREIRE, 2014a, p. 71, grifo do autor):

É preciso ficar claro que a desesperança não é maneira de estar sendo natural do ser humano, mas
distorção da esperança. Eu não sou primeiro um ser da desesperança a ser convertido ou não pela
esperança. Eu sou, pelo contrário, um ser da esperança que, por ―n‖ razões, se tornou desesperançado.

Há, nesse excerto, uma clara afirmação de inversão de valores, uma transmutação axiológica falsa, que
tem em si uma teleologia que difere da teleologia freireana. Os seres humanos são, por natureza, seres da
Esperança, a desesperança é que não é natural. O que nos torna, por vezes, seres da desesperança é a
desvalorização da Esperança como possibilidade real do ser mais dos homens e das mulheres em sua práxis. A
desesperança só existe quando há uma negação, socialmente posta, da possibilidade de outro telos histórico.
Isso faz com que nos deparemos com uma axiologia engessada pelo pessimismo desesperanso que nega a
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construção de um futuro diferente.

Entre teleologia, axiologia e epistemologia existe um laço existencial e dialógico que as torna diferentes
e complementares em sua ontologia. É possível distingui-las, mas não as separar. Não há hierarquia, há
coexistência mútua e retroalimentação. Por isso, pensar a epistemologia no arcabouço do pensamento freireano
pressupõe a compreensão de que a produção do conhecimento é atravessada pela teleologia e pela axiologia.
Esse é o motivo pelo qual não há hierarquia nessa tríade.

Epistemologia, então, é o modo pelo qual se busca conhecer algo, o chamado objeto cognoscível. É com
o desvelar do oculto que emergem as possibilidades do conhecer. O ser que se pode conhecer torna-se sujeito
cognoscente. Mas a relação entre sujeito cognoscente e objeto cognoscível deve ser mediatizada pelo diálogo
entre um e outro, sem que o objeto se torne objetificado pelo sujeito. Inclusive, ao objeto cognoscível não pode
ser negada sua condição existencial e historicamente datada, sob pena de fracionar a totalidade e simplificar a
realidade: é essa negligência que transforma o objeto cognoscível em coisa objetificada.

Destarte, nesse enlace insubordinável entre sujeitos e objetos do conhecimento e com conhecimento,
emergem três indagações que servem como ponto de partida para a discussão do conceito de Esperança: i) o
que é o conhecimento? ii) para que serve o conhecimento? iii) para quem existe o conhecimento?

Para responder estas questões temos, necessariamente, que contextualizar a categoria básica do
pensamento freireano que denuncia a estrutura de uma sociedade desigual e fragmentada. Essa base remete à
discussão acerca da existência de duas expressões sociais que permeiam os processos econômicos, políticos e
culturais: os opressores e os oprimidos. Paulo Freire compreende essa relação como uma luta entre classes
distintas, concorrentes e antagônicas, pois para a manutenção das duas frações é necessário que sejam
contrárias e desiguais.

No seio dessa existência está a relação de opressão que possibilita compreender melhor os sentidos do
pensamento freireano. Os opressores são os que detêm os meios de produção que possibilitam a manutenção da
vida dos oprimidos. São os donos dos meios de produção e, por consequência disso, a classe que define, na
maioria das vezes, a finalidade (teleologia) do conhecimento e os valores da sociedade (axiologia). Mesmo
sabendo que existem inúmeros movimentos de luta e de resistência frente aos moldes da sociedade atual
propondo sua transformação; esse modelo antagônico ainda é preponderante.

A resposta às perguntas colocadas anteriormente é unívoca: o conhecimento é um dos elementos que


permite a manutenção da classe opressora enquanto opressora, ou seja, tem servido aos opressores como
continuidade do status quo. O que queremos dizer é que na perspectiva do pensamento freireano o
conhecimento deve, necessariamente, servir aos oprimidos, partir deles e voltar-se para eles. A epistemologia,
unida à teleologia e à axiologia, em Freire, busca a superação da sociedade de classes como possibilidade
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ontológica do ser mais.

A epistemologia que reconhece a historicidade é problematizadora da existência e da condição humanas;


por isso a tríade do pensamento freireano, aqui apresentada, possibilita o conhecimento do mundo longe da
incidência e da falsidade do mito de um determinismo histórico que naturaliza a desigualdade e a opressão.
Tomando esta explanação como base da discussão para o entendimento do referencial conceitual do
pensamento freireano, adentramos numa reflexão pontual sobre o sentido essencial da Esperança como conceito
viável ao entendimento da Educação Ambiental em seus rumos, possibilidades e desafios.

Sobre o conceito de Esperança em Paulo Freire

Fazendo-se e refazendo-se no processo de fazer a história, como sujeitos e objetos, mulheres e homens,
virando seres da inserção no mundo e não da pura adaptação ao mundo, terminam por ter no sonho
também um motor da história. Não há mudança sem sonho, como não há sonho sem esperança (FREIRE,
2011, p. 126, grifo do autor).

O subtítulo anterior, onde tratamos das dimensões do pensamento freireano, fez-se necessário para que
agora seja viável a explanação do conceito de Esperança nas obras do autor que nos dedicamos a estudar. Cabe
dizer, nessa altura da discussão, que à noção de Esperança está intimamente ligado o Sonho. Essa relação é
recíproca, complementar e dialógica. Não se trata de conceitos metafísicos de caráter inalcançável ou
desligados da realidade. Na concepção freireana, tanto a Esperança quanto o Sonho são atos políticos de caráter
histórico e social. ―A questão que se coloca é saber se, quem sonha, está sonhando um possível histórico.
Segundo, se, quem sonha, está lutando para possibilitar o que está sendo impossível hoje‖ (FREIRE, 1985, p.
20).

Ao conceito de Esperança é necessário o entendimento da historicidade do ser, pois é na luta que reside
o possível histórico. O impossível hoje não significa o eterno impossível; por isso, a Esperança deve ser
entendida a partir da realidade objetiva dos seres humanos que emergem do mundo, que o admiram, que o
enxergam de dentro, que colocam para si uma teleologia pautada na axiologia contrária ao que está legitimado.
O conceito de Esperança concita ao movimento, não à espera estática. Para que seja evitado qualquer dispêndio
cognitivo na apreensão deste conceito, afirmamos que Esperança, no sentido freireano do termo, não é
sinônimo do verbo ―esperar‖, mas do verbo ―transcender‖. Porém, é um erro apreender o conceito de Esperança
enquanto promessa que leva os oprimidos a serem opressores; isso ―se verifica, sobretudo, nos oprimidos de
‗classe média‘, cujo anseio é serem iguais ao ‗homem ilustre‘ da chamada classe ‗superior‘‖ (FREIRE, 2014b,
p. 68). O projeto freireano quer inviabilizar todas as formas de opressão e não uma mera inversão de papéis em
que o oprimido se torne um opressor.
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A Esperança é um conceito que carrega os traços encharcados das dimensões do pensamento freireano.
Por exemplo: i) enquanto teleologia, a Esperança rompe com a lógica do simples esperar; é propulsora da luta e
da resistência ao fatalismo neoliberal que proclamou o fim da história e a necessidade de adaptação ao que está
posto; ii) como axiologia, a Esperança jamais tornar-se-á desesperança ou desespero; dá novos sentidos à vida
humana e às relações sociais (econômicas, políticas e culturais), pois integra a comunidade humana no seio da
igualdade e da ética universal do ser humano; iii) num sentido epistemológico, a Esperança desperta a
curiosidade, faz do sujeito cognoscente um cético quanto ao determinismo; a Esperança transforma-se em busca
permanente e promove a consciência crítica do inacabamento do Ser.

Num sentido estético, a Esperança desperta a experiência da sensibilidade ética, do imperativo da


subjetividade inconformada com o saber que não ultrapassa a aparência dos objetos cognoscíveis e quer ser
mais. A Esperança também dá legitimidade à raiva sentida pela negação do amanhã, do Sonho que é
impossibilitado pela ganância da exploração, do autoritarismo opressor que faz ser menos. A única ligação da
Esperança com a espera é a luta: enquanto lutamos, esperamos; enquanto esperamos, lutamos.

Assim, lançamos a premissa hipotética de que, se a Esperança é a luta consciente pela mudança, é
autêntica sua ligação com a Educação Ambiental. Nossas considerações finais caminham, nesse sentido, para
que possamos apontar possibilidades viáveis a esse emergente campo do conhecimento e sua necessidade
inegável de transcender àquilo que está posto: a problemática ambiental contemporânea.

Considerações finais para uma aproximação inicial

A razão ética da abertura, seu fundamento político, sua referência pedagógica; a boniteza que há nela
como viabilidade do diálogo. A experiência da abertura como experiência fundante do ser inacabado que
terminou por se saber inacabado. Seria impossível se saber inacabado e não se abrir ao mundo e aos
outros à procura de explicação, de respostas a múltiplas perguntas. O fechamento ao mundo e aos outros
se torna transgressão ao impulso natural da incompletude (FREIRE, 2014a, p. 133, grifo do autor).

Para abrir este último tópico, gostaríamos de salientar a importância de os estudiosos da Educação
Ambiental aprenderem a conviver com os diferentes estatutos epistemológicos, respeitá-los, dialogar
abertamente com eles para assim lutarem contra o antagônico sem negar as lutas e os ideais dos diferentes
naquilo mesmo que os difere. Muitas vezes presenciamos discussões que, ao negar o diferente, esquecem a
crítica ao antagônico. Esse erro acarreta o maior de todos os prejuízos na luta em nome da Educação Ambiental
que tem seu compromisso transformador, pois o antagônico é fortalecido quando os diferentes negam um ao
outro a possibilidade do reconhecimento e respeito entre si. A problemática que denunciamos remete ao
contexto, na cultura acadêmica, da dificuldade em cotejar e entrelaçar as partes e fugir das fragmentações, das
disjunções, das reduções a sítios hermenêuticos incomunicáveis entre si, de totalizações fechadas, inamovíveis,

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pré-datadas e incompatíveis com as dinâmicas que os prognósticos da Educação Ambiental anunciam para os
tempos atuais. Além disso, é de se esperar que as crises dos fundamentos havidas tanto nas Ciências quanto na
Filosofia sirvam de esteio aos desafios epistêmicos, axiológicos e éticos nas configurações atuais da profunda
crise ambiental em que vivemos. Os diagnósticos da crise ambiental denunciam o modelo irracional do modelo
produtivo capitalista e o seu prognóstico anuncia urgentes apostas na superação das sociedades de classe, da
dicotomia entre opressores e oprimidos, segundo o projeto freireano, onde o sentido e o significado da
Esperança adquirem densidade ontológica. Em razão disso, não há como se esquivar de uma crise dos
fundamentos na própria Educação Ambiental, por onde transitam alfândegas ideológicas antagônicas entre si e
resilientes quanto ao ethos e ao telos das desiguais, posto que a luta não é travada no ambiente comum da
biologia humana e não humana, no tatame planeta Terra, mas nas afrontas metafísicas do entendimento
reduzido ao diagnóstico macroeconômico. Nessa Torre de Babel, em cujas vozes se avolumam quando
contrariadas, a luta contra o planeta Terra se passa como uma guerra não declarada, que é o mesmo que a pura
violência. Enquanto os humanos discutem suas motivações teóricas com a devida seriedade que faz corar os
deuses do Olimpo, milhares de espécies vivas são exterminadas pela ganância, pelo ódio, pelo lucro, pela
estupidez pura e simples. O planeta Terra, reduzido a mero palco de combate entre as diferentes alfândegas
ideológicas esvai-se em sangue purulento de suas águas mortas, de seu tecido necrosado pelos poluentes
industriais, pelo uso e abuso de suas entranhas não renováveis. Assim, fica impossível saber-se o que é
exatamente Educação Ambiental, qual o seu propósito efetivo, o que efetivamente desejamos saber/querer
quando enunciamos Educação Ambiental. Neste sentido, a questão é saber se, efetivamente, responder a
seguintes questão: O que educa a Educação Ambiental?

Não temos a pretensão de legar um sentido único ao campo de estudos da Educação Ambiental, mas
queremos enfatizar as dimensões do pensamento freireano como possibilidades de um movimento ético e
epistêmico para seus fundamentos. Desse modo, a Educação Ambiental deve reconhecer a existência de
opressores e oprimidos; das dimensões teleológicas, axiológicas e epistemológicas que os habitam e vivem em
si e para si; da luta contra o antagônico; do respeito e da aliança com o diferente.

Numa perspectiva ética e epistêmica, a Educação Ambiental não pode não estar encharcada de
Esperança, pois na historicidade das questões ambientais a Esperança é legítima. Não cabe retornarmos ao
histórico da Educação Ambiental (tampouco defenderemos a Esperança que não esteja fundada no discurso
freireano); o que queremos salientar, com certa insistência, é a necessidade do reconhecimento de uma
formulação que traga ao cerne da Educação Ambiental as dimensões da teleologia, da axiologia e da
epistemologia alçadas à criticidade não exatamente de um novo mundo, mas de um mundo novo.

Já nesse ponto da discussão, arriscamo-nos afirmar que a Educação Ambiental mostra-se carente de
fundamentos, como, aliás, tentamos argumentar acima. Sua práxis parece fragilizada por decorrência de uma

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paralisia promotora da não retroalimentação depois da execução da ação. A ação é pensada e executada, mas
não amparada em suas consequências. O amparar as consequências da ação, enquanto parte da práxis, é o que
promove a garantia do pensar político, pois coloca em cena a historicidade da vida e de suas relações sociais
enquanto elementos constitutivos do ser.

Fazemos também uma crítica à perspectiva tradicional da Educação Ambiental, porque esta se resume
no treinamento e no adestramento. Como sabemos, a perspectiva ou tendência liberal tradicional incorpora-se
naquilo que José Carlos Libâneo inclui no amplo contexto da perspectiva da Educação enquanto ―Redentora da
Sociedade‖, minuciosamente explanada por Cipriano Carlos Luckesi (1994) em seu livro ―Filosofia da
Educação‖ e que Paulo Freire (2014b) faz uma severa crítica em seu ―Pedagogia do Oprimido‖ ao tratar da
Educação tradicional. Este modelo de Educação, assim como sói acontecer com demais modelos ou
concepções, migra para os conceitos, entendimentos e práticas de Educação Ambiental. Ainda, levando-se em
conta de que as tendências pedagógicas não sejam teoricamente ―puras‖, isto é, há, certamente, promiscuidades
de enfoques nas diferentes tendências, o certo é que a tendência tradicional reduz e fragiliza o discurso
ambiental em nome de uma aguda dicotomia intelectual entre a escola e a sociedade. A esperança (agora com
―e‖ minúsculo) da Educação Ambiental conservacionista, tradicionalista e preservacionista, é balizada por uma
fragilidade epistemológica, por uma axiologia que não trata da ética universal do humano e não humano, mas
por uma teleologia apolítica e a-histórica.

Quando mantemos e legitimamos uma Educação Ambiental tradicional e conservacionista, reforçamos,


consciente ou inconscientemente, o princípio do individualismo. Nessa perspectiva, fica exposta a justificativa
para ouvirmos sempre mais a famosa frase: ―eu faço a minha parte‖ para a preservação do meio ambiente.
Porém, quando o indivíduo quer afirmar que ―faz sua parte‖ e toma para si a responsabilidade pela problemática
ambiental sem a congregação do conjunto da sociedade, parece-nos uma atitude inócua ou, no mínimo,
inconsequente. Sentir-se pertencente e abraçar a causa ambiental é mais do que legitimo: é necessário; mas
tomá-la na perspectiva individual é negligenciar a dimensão social, política e educativa da Educação
Ambiental.

Em consonância com as dimensões do pensamento freireano, queremos propor uma refundamentação da


Educação Ambiental a partir da Esperança (com ―E‖ maiúsculo) que não dissocie teleologia, axiologia e
epistemologia, mas que reconheça a historicidade do conhecimento e o inacabamento do ser (humano). Nossa
proposta é por uma conjunção entre elementos que julgamos indissociáveis: epistemologia e ética; política e
educação; filosofia e pedagogia.

A Educação Ambiental, enquanto tratativa de questões ambientais não pode ficar na paralisia do
discurso da ―sustentabilidade‖ do consumo dos recursos materiais que, sabidamente, não são eternos. Há que se
problematizar a ―ética capitalista‖, que promove a ruptura da sociedade em classes antagônicas. Aqui também
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se insere o argumento feito no início deste capítulo, que denuncia a repudia a falta de respeito entre os
diferentes. Uma vez mais sentimo-nos na necessidade de afirmar que a luta da e para a Educação Ambiental é
também uma luta mais ampla, contra o antagônico; não ao contraditório, mas ao que exclui a contradição
inerente ao modelo de produção capitalista, que faz do ser humano um ser menos, individualista, soberbo em
relação às demais espécies vivas e ao já fragilizado planeta Terra.

Embora existam qualificadas concepções de Educação Ambiental por parte de intelectuais consagrados
no país e no exterior; embora haja um esforço permanente da intelectualidade em aprimorar sempre e cada vez
mais uma compreensão de educabilidade ambiental que não se reduza somente aos seus aportes ideológicos;
enfim, ainda que a Educação Ambiental se revele como um conceito dócil a uma permanente reavaliação de
seus Ideários, ainda assim, e sobretudo, é muito importante que o legado freireano, consubstanciado no seu
maiúsculo legado da Esperança, possa referendar a todos quantos participam do Sonho comum a paz acalentada
pela humanidade, a rejeição somente àquilo que rejeita; à unidade na luta pela dignidade de ser do Ser, aqui
compreendido em sua inefável e inelutável liberdade de, simplesmente, ser enquanto Ser, ou seja, um estar
sendo, tal como Freire aponta para a esperança, para a utopia viável, ou seja, o anúncio de um mundo novo.

Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,
2014a.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2014b.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e
Terra, 2011.

FREIRE, Paulo. ―Caminhos de Paulo Freire‖ [Entrevista]. Revista Ensaio. São Paulo, n.14, 1985.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994.

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ENTRE O DISSENSO E AS “VERDADES” AMBIENTAIS: EDUCAÇÃO AMBIENTAL
PARA QUEM?309
Cleiton Luiz Freitas de Oliveira310
Elen Machado Tavares311
Agência: CAPES
Resumo

Este artigo apresentado ao VII Encontro e Diálogos com a Educação Ambiental, tem por objetivo problematizar
algumas ―verdades‖ ambientais produzidas, sobretudo por práticas empresariais. Estas, a partir do ideal
consensualista, por meio da mediação de conflitos, colaboram para a neutralização da conflituosidade, reflexo
das disputas entre diferentes projetos sociais. Objetivamos, a partir de um caso concreto de desapropriação e
demolição de uma escola pública, salientar a necessidade da produção de uma educação ambiental a partir e
junto dos sujeitos injustiçados, na intenção de corroborar com suas reivindicações e processos de luta.
Palavras Chave: conflitos socioambientais; sustentabilidade; injustiça ambiental.

Introdução

O presente artigo, apresentado ao VII Encontro e Diálogos com a Educação Ambiental, é fruto dos estudos e
partilhas do autor e da co autora desses escritos, têm por objetivo abordar aspectos que dão suporte às suas
pesquisas. Trata-se de uma sistematização sobre os conceitos conflito e (in)justiça ambiental, a partir de uma
leitura da perspectiva da (des)colonialidade (QUIJANO, 2014).

A empiria desse trabalho está baseada na pesquisa de mestrado (ainda em processo) do autor do artigo, por isso
toma como base o caso da Escola Estadual de Ensino Médio Alfredo Rodrigues, situada na cidade de Rio
Grande, Estado do Rio Grande do Sul, cujo prédio foi demolido no ano de 2012 para a realização das obras de
duplicação da BR-392.

A decolonialidade como exercício

Em um primeiro momento, é importante salientar que o pano de fundo da construção desse artigo é decorrente
dessa perspectiva teórica que há pouco começamos a estudar. Pensar na descolonialidade significa colocar em

309
A primeira versão do presente artigo foi construída para a disciplina Sociedade, Ambiente e Territorialização, ministrada pelo
Prof. Dr. Gianpaolo Adomilli, no Programa de Pós Graduação em Educação Ambiental, da universidade Federal do Rio Grande,
PPGEA, 2014/2. Posteriormente, o trabalho foi submetido ao diálogo com a co-autora e, por consequência, sofreu alterações em seu
conjunto e resultou na presente elaboração.
310
Professor de Música / Estudante de mestrado no Programa de Pós Graduação em Educação Ambiental – FURG – Pesquisador do
Observatório dos Conflitos Socioambientais do Extremo Sul do Brasil - bolsista CAPES - cleitonmusic@gmail.com
311
Pedagoga / Estudante de doutorado no Programa de Pós Graduação em Educação – UFRGS – Pesquisadora ligada à Linha de
Pesquisa Trabalho, Movimentos Sociais e Educação – bolsista CAPES – elen.tavares@gmail.com
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questão toda a imersão cultural em que nos relacionamos e articulamos na (re)produção da realidade
(LÉFÈBVRE, 2001) das relações sociais. Para isso é fundamental um exercício no sentido de desnaturalizar as
formas como nos relacionamos, identificando a herança e continuidade das formas de dominação.

No campo ambiental, se relacionam diversas perspectivas, sujeitos com diferentes projetos sociais, até mesmo
antagônicos. Constantemente encontramos abordagens312 que fazem referência à necessidade da
―sensibilização‖ e ―ampliação da percepção ambiental‖ como fator primordial para o alerta que ―precisa ser
feito‖ aos ―cidadãos globais‖ da crise ambiental. Tal pensamento parece, sob a perspectiva das reproduções
coloniais da sociedade, partir de sujeitos sabedores que detêm o conhecimento ambiental, suas causas e
soluções, para sujeitos alienados que nada sabem sobre a manutenção das formas de vida do planeta.

A questão que nos ocorre é que comportamentos são estimulados e ditos como ecológicos por meio dos
projetos destinados à remoção das populações mais vulneráveis? De onde parte a elaboração desses programas
de educação ambiental? A favor de que perspectiva se encontra tais projetos?

Dessa forma, a partir da leitura da descolonialidade, queremos trazer, brevemente a base empírica da pesquisa
do autor do artigo, a qual aborda o caso da injustiça na demolição da Escola Estadual de Ensino Médio Alfredo
Rodrigues no Povo Novo, distrito localizado na cidade de Rio Grande, RS, e alguns aspectos das atividades de
educação ambiental realizado para a população escolar/local.

A compreensão da decolonialidade como exercício nos desafia a compreender os diferentes movimentos de


correlação de forças de interesses políticos e econômicos no campo social e, com efeito, nos processos de
disputa de diferentes projetos de educação ambiental. É neste sentido que a seguir abordamos alguns pontos que
nos auxiliam a questionar o que chamamos de ―verdades‖ ambientais, ou seja, o discurso produzido pela
hegemonia do projeto de desenvolvimento do capitalismo.

A injustiça ambiental e a evidência das escolhas de desenvolvimento: O caso da escola na duplicação da


BR-392

Como parte dos investimentos no Porto marítimo na cidade do Rio Grande-RS para o escoamento da
produção do agronegócio e das construções de plataforma de petróleo no Polo Naval a partir da descoberta do
pré-sal se inicia, também o processo de duplicação de estradas, entre elas da BR-392313 a partir de 2009, como

312
A exemplo dos projetos de Educação Ambiental realizados pela empresa Serviços Técnicos de Engenharia SA (STE), do
Programa de Gestão Ambiental da BR-392, durante o processo de duplicação no trecho entre as cidades de Pelotas e Rio Grande –
Rio Grande do Sul (2011-2013).
313
Destacamos a BR-392, pois as obra de duplicação nessa estrada foi causa da demolição da referida escola.
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forma de dar maior fluidez ao transito conforme planejado314 por projetos de integração da América Latina para
facilitar os fluxos e mobilidade de capitais e atualmente desenvolvido pelo programa de aceleração de
crescimento - PAC315.

Durante o processo de duplicação, parte das residências e comércios ao longo da estrada foram
demolidas e as famílias realocadas. A Escola Estadual de Ensino Médio Alfredo Rodrigues, teve seu prédio
desapropriado para ceder espaço a um ponto em que foi construído um viaduto.

A comunidade escolar se manifestou por meio de protestos, passeatas e intervenções locais com
repercussão na mídia. As principais queixas foram a respeito das más condições de infraestrutura, com salas de
aula improvisadas, utilizando-se, inclusive, do refeitório para realização das aulas. Outro ponto de
descontentamento é a proximidade entre a escola e a nova estrada, tendo em vista o acontecimento de mortes
por atropelamento ao longo da rodovia, a falta de previsão de passarelas, túneis ou outra forma de atravessar a
BR em segurança. O novo prédio da escola foi prometido, mas ainda não teve a finalização da execução do
projeto.

A empresa responsável pela gestão ambiental nas obras realizou atividades de educação ambiental na
escola. Tratou da conscientização e sensibilização da população para a preservação da fauna e flora local, dos
cuidados com a proteção do meio ambiente de forma geral e da importância da obra para a proteção da vida e
desenvolvimento sustentável da região, como pode ser verificado em publicações 316 dos responsáveis pela
gestão ambiental do empreendimento:

As obras de duplicação da BR-116/392, no trecho que liga Pelotas a Rio Grande, têm o objetivo de
valorizar o desenvolvimento da região sul do estado cumprindo exigências ambientais e sociais [...] A
duplicação da rodovia vai trazer mais segurança aos usuários e às comunidades lindeiras à BR-116/392.

No entanto, as ferramentas conceituais com as quais trabalhamos nos permitem questionar e desnaturalizar a
concepção de educação ambiental presente na argumentação da empresa, uma vez que parte da população foi
removida e a escola foi quase totalmente atingida pelo empreendimento, resultando em uma ruptura do curso de
organização da própria comunidade, além da destruição de um prédio de significado simbólico para a
população.

É neste sentido que as atividades de conscientização sobre a importância da obra para a segurança e
preservação ambiental, nos parece, a partir da perspectiva que compreendemos, uma maneira de convencer a
população sobre as obras, escondendo as contradições concretas do processo de expropriação territorial e
cultural.
314
Conforme planejamento que não foi levado a cabo nos anos 1970, no projeto desenvolvimentista na ditadura civil e militar (DIAS,
2014), a partir dos anos 2000, é retomado, como o projeto da IIRSA – Iniciativa para a integração da infraestrutura regional sul-
americana: <http://www.iirsa.org
315
Mais informações em: <http://www.pac.gov.br/obra/4520>
316
Disponível em http://www.br116-392.com.br/secao_1/geral.php acessado em 27 de setembro de 2014.
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A população local vê e se coloca em confronto, se organiza em conflito evidenciando mais uma vez o
antagonismo dos diferentes projetos sociais em curso e sua posição contrária à realidade anunciada das
remoções e da demolição da escola, ainda que a ela sejam destinados projetos de conscientização ambiental
sobre a fauna e a flora e promessas de uma escola que atenda às expectativas da comunidade escolar.

O caso dessa escola dá visibilidade às escolhas vigentes por determinadas formas de desenvolvimento no
Brasil, bem como às transformações que são efeito da hegemonia dessas escolhas em benefício de alguns
setores sociais como da produção e escoamento dos frutos do agronegócio e commodities.

Compreendemos que o projeto de educação ambiental sob a égide do capital promove uma visão de educação
ambiental que busca amenizar os efeitos de degradação ambiental promovidos pelas empresas. Tomamos como
exemplo a empresa de Serviços Técnicos de Engenharia SA (STE), do Programa de Gestão Ambiental da BR-
392, cujo projeto de educação ambiental está presente na desapropriação e demolição do prédio da Escola
Alfredo Rodrigues.

Comumente presente nas práticas empresariais, a educação ambiental é apresentada com um caráter
consensualista. Javier Taks e Guillermo Foladori (2004) nos auxiliam a desvelar alguns aspectos para os quais
não encontramos respostas no projeto empresarial – por isso, buscamos outros referenciais que nos permitem
interpretar essas ―ausências‖.

Caso queiramos compreender os discursos empresariais e interpretá-los criticamente, as concepções sobre


natureza e problemas ambientais não podem ser analisadas objetivamente, isolados de sua base material e são
fundamentais para o entendimento dos múltiplos interesses que existem entre esses ―conscientizadores‖, o
poder econômico e político.

Salientamos a importância de perguntar quais as concepções de natureza, de ciência e de problema ambiental


que estão em discussão. Uma vez que se generalize o ambiente, a degradação ambiental e o ser humano como
espécie, se esconde, se tornam invisíveis as relações políticas, modo de produção, de dominação, de exploração,
que colocam os homens e mulheres do mundo em lugares distintos na escala de capacidade poluidora assim
como na capacidade de escolha sobre poluir mais ou menos.

Neste sentido, existem disputas de projetos educativos que correspondem às correlações de forças políticas e
econômicas. Se por um lado algumas perspectivas privilegiam o mercado, em uma única visão, por outro, como
tentativa de construir uma nova hegemonia, outros grupos reconhecem as formas distintas de vida, a ―vida real‖
e presente no planeta.

Tendo em vista estes diferentes projetos em disputa, procuramos no item seguinte problematizar o
discurso de sustentabilidade, uma vez que o reconhecemos como um modo de mascarar as contradições

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concretas que a hegemonia capitalista impõe, sem que para isso se questione as condições fundamentais de
exploração dos meios de produção (sobretudo a terra) e as forças produtivas (com centralidade no ser humano).

O discurso único: a sustentabilidade - Vigiar e Unir

O presente subtítulo, parte do estudo de Acselrad (2007), no artigo Vigiar e unir: a agenda da sustentabilidade
urbana e problematiza o atual discurso hegemônico sobre a sustentabilidade nas cidades. Conforme o autor, a
defesa da sustentabilidade apresenta-se, sob duas dimensões: a primeira delas é uma dimensão ―prática‖ que se
concentra em ações para atingir um status desejado chamado de sustentável e o segundo é a dimensão retórica,
que produz a construção simbólica do que seria a própria sustentabilidade.

Este primeiro eixo que compreende a dimensão prática, ―[...] trataria das mudanças concretas desejadas na
forma de apropriação e gestão da cidade material [...] seria construída pela vontade de tornar a cidade mais
funcional para o capital‖. (ACSELRAD, ibidem, p. 3) tratam-se de ajustes dos fluxos urbanos com a finalidade
de reduzir a problemática ambiental à modernização ecológica urbana, com conciliação do crescimento
econômico à causa ambiental dando ênfase ao consenso e a colaboração.

O discurso da sustentabilidade por meio da afirmação de princípios no empenho da construção de um


espetáculo para acirrar a competitividade entre as cidades na intenção da atração de investimento. Para isso
também se faz alusão ao consenso, pois “[...] o „ambiente‟ é uno, diz respeito a todos, é supra-classista e
justifica dermos darmo-nos as mãos, fazer uma só e inelutável política para protegê-lo.‖ (ACSELRAD, 2007.
p. 4).

O autor enfatiza que a ideia de consenso atualmente é uma questão central na manutenção das cidades, e o
debate ambiental produz outra forma de legitimação que aborda as questões naturais e os comportamentos
exemplificados como adequados para uma sociedade sustentável e que pode ser relacionada ao esquema
colonial de conscientização.

O debate ambiental, a partir desse aspecto, colabora para a construção de um pensamento único e unificante em
que a sustentabilidade aparece como um dos critérios indispensáveis às cidades em uma estratégia política de
desenvolvimento e crescimento econômico pautada sobre a capacidade de atrair investimentos. Trata-se de
forjar uma ideia de unidade, de ―consenso ampliado‖ por meio de um discurso, como explica Acselrad,

[...] frequentemente integrado a uma política de marketing de cidades, concomitante a práticas de


flexibilização das legislações urbanas e ambientais, para, por exemplo, acolher firmas multinacionais em
áreas e em modalidades impróprias do ponto de vista do interesse público. (idem, p. 5).

A competição por atração de empreendimentos é como um palco em que literalmente acontece um espetáculo e
entre outros ―atores‖ ao lado de segurança e mobilidade está a sustentabilidade.
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Aqui podemos fazer um paralelo com as escolhas por modelos de desenvolvimento vigentes na região sul do
Rio Grande do Sul, em que as flexibilizações e vantagens oferecidas aos empreendedores acabam por gerar
cortes em orçamento que poderiam ser destinados a programas sociais, isso acontece, pois conforme Acselrad:

Certamente que os capitais vão estar fortalecidos nessa guerra fiscal e imagética, tirando disso proveito
em detrimento dos governos locais e das populações residentes. Ou seja, oferecem-se vantagens fiscais e
outras, mas que estrangularão a capacidade de investimento dos municípios, gerando mais desigualdade e
degradação ambiental. (2007. p. 5).

Apesar das tentativas de maquiar e de criar um marketing atrativo discorrendo sobre uma consciência de
um ambiente de ―oportunidades para todos‖, os conflitos ambientais não deixarão de existir, pois as populações
sentem na experiência diária os efeitos dessas desigualdades e escolhas.

Ainda sobre o caso da região sul do RS, podemos afirmar que além da competitividade urbana que cada
cidade isoladamente propõe, existe ainda um oferecimento de potencialidades e atributos regionais que
contemplam os municípios, entre eles de Rio Grande, Pelotas, Santa Vitória do Palmar e Bagé. A região, sob
um forte discurso de estagnação econômica se transformou, nos últimos 20 anos em uma zona de sacrifício
(SANTOS; MACHADO, 2013).

Com um ponto nodal fixado nas atividades portuárias, a região vem realizando um movimento de
ajustes para o aprofundamento das relações de capital, continuamente sob o discurso da sustentabilidade. Sobre
esse movimento, Acselrad afirma que

Tal estratégia de investimento numa sustentabilidade simbólica é, pois, em essência, funcional ao que
alguns têm chamado de pensamento único urbano, que exige das cidades que estas se ajustem aos
propósitos tidos como inelutáveis da globalização financeira. A chamada inserção competitiva é, neste
ideário, evocada para pressionar as cidades a se transformarem em espaços autônomos em disputa,
inclusive pela via da afirmação de seus atributos ambientais, por investimentos de mercados
internacionalizados. (idem, p. 5).

Para o sucesso desses investimentos, é preciso que seja construída e vendida a imagem das cidades como
lugares e territórios pacíficos, sem a presença de dissenso apostando no consenso e no sentimento coletivo de
aprovação.

A desigualdade ambiental aponta para a verificação material de que o risco ambiental não é único, pois são
diversas as formas de apropriação, significação do território e condições de moradia. “[...] as escolhas de
localização embutem preço da terra, discriminação e capacidade política de poder reagir.‖ (idem, p. 7). Assim
há riscos diferenciados para sujeitos sociais diferentes o que certamente será motivo de diferentes conflitos
gerados a partir da materialidade das injustiças socioambientais.

Tais injustiças são palpáveis na vida de trabalhadores que, além das incertezas e injustiças geradas a partir do
mundo do trabalho também são submetidos, como explica Acselrad, aos
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[...] riscos da moradia em encostas perigosas, beiras de cursos d‘água sujeitas a enchentes, áreas
contaminadas por lixo tóxico, situadas sob gasodutos, ou linhas de transmissão de eletricidade, Têm,
também acesso desigual a recursos ambientais como água, saneamento e solo seguro (idem, p. 8).

No caso da região sul do RS, acrescentaríamos a essas injustiças, a superpopulação nos bairros periféricos, as
áreas de realocações de grupos derivados de distintos bairros por ocasião da instalação de empreendimentos, na
maioria dos casos sem muitas opções de lazer e atividades culturais, as valetas (esgotos) a céu aberto, a
proximidade aos lixões e à proximidade de rodovias federais.

É pertinente refazer a pergunta trazida por Acselrad 317 sobre as escolhas por quais riscos considerar nos
investimentos de infraestrutura nas cidades: ―O risco de descontinuar os planos de um modelo de integração
com os capitais internacionais ou o risco de desestruturação das bases materiais de existência das populações
locais?‖ (idem, p. 10).

A noção abstrata do ambiente: Quando o lugar resiste ao espaço – Colonialidade, modernidade e processos
de territorialização.

Neste ponto, partiremos das reflexões de Zhouri (2010) sobre as concepções genéricas de ambiente que tendem
a obscurecer os enfrentamentos que são cotidianamente realizados a partir de organizações locais.

Para a autora, o dissenso e o conflito são efeitos próprios da dimensão política. O encobrimento dessas
tendências de dispersão, próprias da dinâmica social e política apenas escamoteiam diferenças de poder
internamente aos movimentos de resistência.

A autora trabalha com a metodologia dos mapeamentos coletivos que têm sido pensados, com e a partir de
populações que entre outros casos, são ameaçadas de deslocamento compulsório por ocasião da destinação da
poluição industrial aos seus territórios ou da implementação de empreendimentos de ―desenvolvimento‖.
Conforme Zhouri, essa metodologia explicita “[...] não só a ação dos agentes hegemônicos e seus efeitos
deletérios, [...] mas destaca também as experiências dos lugares na resistência à colonialidade do saber e do
poder.‖ (idem. p. 446). Portanto, os mapeamentos sociais têm sublinhado, além das práticas opressoras de
desenvolvimento que coisificam as populações, a diversidade de projetos simultâneos em curso e seus
antagonismos.

A proposta metodológica dos mapeamentos visa romper com a nebulosidade positiva à implementação desses
projetos evidenciando a resistência construída pela população em diversos lugares do país. Tem sido possível
constatar as formas de ação utilizadas pelos grandes empreendedores nos processos de implantação de grandes

317
Faz referência a uma discussão iniciada por Georgescu-Roegen na qual, a questão ecológica poderia ser pautada por escolhas
éticas e políticas ao invés de simples economia de recursos e consciência sobre um ambiente único.
591
ISBN 978-85-7566-380-6
projetos de desenvolvimento, e concluir que são imbuídos de práticas e discursos muito semelhantes entre eles,
na intenção de deslegitimar o conhecimento das populações atingidas.

Como ilustra Zhouri sobre o caso da instalação de uma hidrelétrica em Mina Gerais, o mapeamento

permite revelar o impacto da globalização econômica e das correspondentes escolhas de desenvolvimento


vigentes no estado, que têm privilegiado, historicamente, a exportação de commodities em detrimento dos
lugares e dos modos de vida diversos ali presentes. (idem, p. 446).

Há, portanto, nos conflitos, uma materialidade dada, que parte da articulação entre práticas que compreendem,
inclusive, os discursos produzidos na (re)produção da realidade. O entendimento do campo se faz pertinente
para melhor compreender de ―onde‖ cada discurso é proferido, ou seja, de que posição nesse campo, quais os
objetivos e qual o conteúdo visível ou subentendido desses discursos.

O conteúdo das estratégias discursivas gera resultados diretos e indiretos nos movimentos de resistência, uma
vez que partem por indivíduos de credibilidade técnica que carregam a possibilidade de conceder o ―selo
científico‖ a quem desejam legitimar, e ocupam, assim, lugar privilegiado no campo social e simbólico. Alguns
dos resultados são o ―convencimento‖ de populações locais sobre os benefícios dos empreendimentos em
detrimento dos problemas e o esvaziamento e o descrédito dos movimentos de luta.

No entanto, a partir dos conflitos, indivíduos têm continuado a se organizar em grupos de resistência e a fazer
do local o palco do esforço coletivo da luta pelo território.

Considerações finais

As considerações realizadas nesse artigo objetivaram o aprofundamento de nossas concepções sobre discursos e
práticas relativos à produção das injustiças sociais e ambientais. A partir da desmistificação desses discursos
genéricos tão comuns nas práticas empresariais, se torna mais possível o enfrentamento das suas causas e
efeitos.

Por vezes, somente a boa vontade de agir em ―favor da natureza‖ não basta. Pode ser um bom exercício a
reflexão sobre a própria imagem cultural que tem sido construída sobre a natureza.

O questionamento da noção que tem sido desenvolvida de política como policiamento se torna emergente e
nisso, a pesquisa que parte dos atores em conflito, pode ter um papel importante no seu empoderamento das
suas formas de resistência.

Nesse sentido, nossa pesquisa caminha para a tentativa de não fazer proposições que imponham aos
sujeitos da população receituários sobre preservação ambiental, desconsiderando seus saberes vividos que,
muitas vezes, discordam dos manuais empresariais. Trabalhamos no sentido de colaborar de alguma forma com
592
ISBN 978-85-7566-380-6
a resistência que se encontram nos diversos grupos, no enfrentamento dos diversos projetos sociais em vigor,
baseados em práticas de injustiça ambiental.

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594
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EDUCAÇÃO ESTÉTICO-AMBIENTAL NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA DE
DISSERTAÇÕES E TESES NO BRASIL

Luciana Netto Dolci318


Susana Inês Molon319
Resumo

Neste artigo o objetivo é compreender o que as dissertações e teses acadêmicas no Brasil revelam a respeito do
tema Educação Estético-Ambiental. Recorremos à análise de conteúdo a fim de investigar vinte e cinco
dissertações e teses defendidas entre 1997 e 2011 acerca da temática, resultando em três grupos temáticos, a
saber: (1) A dimensão ética e estética na formação de educadores ambientais; (2) Educação Ambiental
conservacionista e preservacionista do meio ambiente e (3) Contribuição da Educação Ambiental e da
Educação Estética no processo de transformação para novo convívio social do sujeito emancipado. Igualmente
importante, são suas revelações fornecendo elementos à conceituação de Educação Estético-Ambiental.
Palavras-chave: Educação Estético-Ambiental, Educação Estética, Educação Ambiental.

Introdução

A ampliação dos sentidos humanos, questão central à Educação Estética, é observada como fundamental para o
desenvolvimento e constituição da Educação Ambiental (ESTEVEZ, 2003). Esta percepção estimula
pesquisadores a usarem conjuntamente os conhecimentos das duas áreas em seus estudos, inclusive, parte
desses passa a utilizar o termo Educação Estético-Ambiental. Surpreende-nos, entretanto, a não apresentação de
qualquer definição conceitual para o construto estético-ambiental em inúmeras leituras realizadas em artigos
publicados no Brasil que empregam o referido termo. Instigadas por esta questão, desenvolvemos a presente
pesquisa interessadas em revelar o que está subjacente a esta união de conhecimentos nos estudos científicos.

O termo estético-ambiental está presente em estudos publicados em revistas e congressos na área de Educação -
Amaral, Gentini e Azevedo (2012); Amorim, Jardim e Souza (2010); Amaral (2012); e Roach (2008) -,
apresentando, na grande maioria, os conceitos para Educação Estética e Educação Ambiental separadamente.
Uma exceção, avançando em uma definição conjunta está em Roach (2008, p. 219), ao citar Echeverri (1997)
que propõe o conceito de ―mundo da vida simbólico-bioético‖ como conceito à priori para a práxis de educação
estético-ambiental, sugerindo ―uma metodologia de educação estético-ambiental centrada na dimensão da
corporeidade no mundo da vida, na estetização dos conteúdos, na racionalidade emotiva e afetiva e na

318
Doutora em Educação Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG. Professora Adjunta do Instituto de Educação -
IE da Universidade Federal do Rio Grande - FURG. E-mail: lndolci@hotmail.com
319
Pós-doutorado no Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas -
Unicamp. Doutora em Psicologia Social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Professora Associada do Instituto
de Ciências Humanas e da Informação e do Programa de Pós-graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio
Grande - FURG. E-mail: susana.molon@furg.br

595
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superação do cientificismo‖. Outros apresentam a Educação Estético-Ambiental de modo implícito inserido nas
possíveis consequências da Educação Estética, como Amorim, Jardim e Souza (2010, p.74) ao referenciar
Estévez (2003, p.51) que ―a educação estética traz a possibilidade de incitar à atividade bela e criadora em todas
as relações homem-homem, homem-natureza e homem-sociedade‖.

A necessidade acadêmica e a carência de divulgação do conceito estético-ambiental de modo explícito nos


conduziram a esta pesquisa, para averiguar como está sendo abordada esta temática nos trabalhos acadêmicos
em nível nacional, traçando o seguinte objetivo: compreender o que as dissertações e teses acadêmicas no
Brasil revelam a respeito do tema Educação Estético-Ambiental, mais especificamente, investigando: Existe
uma conceituação? Quando o termo surge pela primeira vez? Quem cunhou e qual a origem do termo? A partir
deste estudo podemos conhecer melhor os significados atribuídos à Educação Estético-Ambiental e trazer
contribuições no sentido de complementá-los se insuficientes ou, caso o conceito não esteja explícito,
apresentar subsídios para iniciar o desenvolvimento da conceituação.

As definições para os conceitos de Educação Ambiental (LOUREIRO, 2006a, 2006b, 2009, 2012; TOZONI-
REIS, 2008; QUINTAS, 2009) e Educação Estética (MARX, 2004; SANCHEZ VÁZQUES, 1986, 1996, 2010,
ESTÉVEZ, 2003, 2009, 2011) são amplamente apresentadas na literatura científica na área de Educação. Ao
analisarmos o que dispomos nesta parte da literatura, percebemos que os conceitos de Educação Ambiental e de
Educação Estética são abordados isoladamente pelos teóricos que são referência nestes campos do
conhecimento, ou seja, a definição de um conceito não recorre ao outro.

Coleta e análise dos dados

Com o propósito de conhecer e de aprofundar os nossos saberes sobre a temática Educação Estético-Ambiental
realizamos uma pesquisa bibliográfica320 por meio do banco de dados da Biblioteca Brasileira Digital de Teses e
Dissertações – BDTD, http://bdtd.ibict.br/ em fevereiro de 2012, objetivando a coletar trabalhos disponibilizados até a
referida data. Realizamos a busca informando o descritor ―Educação Estético-Ambiental‖ e retornaram vinte e cinco
títulos, dezenove de dissertações e seis de teses, todos contidos na BDTD. Nesta investigação, recorremos à análise de
conteúdo (BARDIN, 2000; FRANCO, 2007) como metodologia de análise dos dados.

Resultados: principais aspectos que os trabalhos revelam

320
Entendemos como Pesquisa bibliográfica um conjunto de procedimentos de busca por soluções em prol do objeto em estudo,
sendo assim, a pesquisa bibliográfica consiste no levantamento, na seleção, no fichamento e no arquivamento dos dados
pertinentes ao tema investigado (LIMA; MIOTO, 2007).
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Os descritores que compõem a pesquisa estão presentes alternadamente nos títulos, nas palavras-chave e nos
resumos. No que se refere aos títulos, identificamos apenas um trabalho que apresenta o termo Educação
Estético-Ambiental. Verificamos que oito trabalhos trazem a palavra Educação Ambiental, dois, o termo
Educador Ambiental, um, as palavras Educação Ambiental e Educação Estética e outro, o vocábulo Questões
Ambientais. Notamos, ainda, que doze dos trabalhos investigados não apresentam os descritores acima
mencionados, bem como nenhum dos trabalhos analisados aborda o termo Educação Estética isoladamente em
seus títulos. No que diz respeito às palavras-chave, percebemos que nenhuma produção científica expõe o
termo Educação Estético-Ambiental, um apresenta Educação Ambiental e Educação Estética, dois, Educação
Ambiental e Estética, quatorze, Educação Ambiental. Nos demais, um, apenas, exibe a palavra Estética, o termo
Educação e Ambiente. E sete trabalhos não apresentam qualquer destes descritores em suas palavras-chave.
Nos resumos, notamos um trabalho que menciona Educação Estético-Ambiental, dezoito, Educação Ambiental,
quatro, Educação Estética. Dentre os restantes, verificamos que um aborda Educação Ambiental
Transformadora e um, Estética Ambiental. Dos vinte e cinco trabalhos, dezenove citam somente, a palavra
Estética, bem como apenas um trabalho não fez referência aos descritores acima mencionados. A última etapa
da análise dos dados foi com o propósito de categorizar os estudos, consideramos a afinidade no assunto entre
as produções, sendo que o resultado da análise revelou três grupos temáticos, a saber: Grupo Temático 1 - A
dimensão ética e estética na formação de educadores ambientais (D32110, T11, D13, D18, T20, D25, D17);
Grupo Temático 2 - Educação Ambiental conservacionista e preservacionista do meio ambiente (T12, D14,
T15, D19, D 22, D24) e Grupo Temático 3 - Contribuição da Educação Ambiental e da Educação Estética no
processo de transformação para o novo convívio social do sujeito emancipado (D2, D3, D4, D5, T9, D6, D7,
D23, D8, D16, D21, T1).

Os trabalhos que compõem o Grupo Temático 1, tratam de um tema específico: a dimensão estética na
formação de educadores ambientais. Os autores destas pesquisas apresentam que é preciso o aperfeiçoamento
das percepções dos sujeitos, da capacidade de captar a beleza do mundo, de criar e desenvolver sua identidade
e, nesse processo, perceber que a dimensão estética é parte da evolução humana. Para eles, trabalhar a dimensão
estética nos espaços formativos é fundamental, pois se articula às demais dimensões do trabalho docente e
precisa ser considerada para melhorar esse trabalho. Concordamos com os autores, no sentido de que o trabalho
será realmente significativo se for um trabalho que faz bem a nós e aqueles a quem dirigimos o ofício. Assim,
entendemos que a valorização da presença da sensibilidade no âmbito do trabalho docente proporciona um
fazer bem e com sentido ao que nos propormos. Alinhamo-nos ao pensamento dos autores na questão da
dimensão estética do humano, que está relacionada com a sensibilidade, pois a estética é o sensível e está além
dos sentidos humanos, em outras palavras, não está diretamente relacionada ao ver, ouvir, cheirar, degustar e

321
Ao percorrer todo o material, optamos por organizar este estudo identificando por siglas como T para Tese e D para Dissertação,
seguidas de um número, por exemplo, T1, D2, D3, e assim sucessivamente, representando a sequência por relevância que o banco
de dados da BDTD disponibilizou em nossa busca.
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tocar, mas sim a maneira como os sujeitos veem, ouvem, cheiram, degustam e apalpam. Ainda em consonância
com este grupo de autores, compreendemos que a dimensão estética trata de desenvolver nas pessoas sua
capacidade para admirar-se diante do belo e indignar-se diante do hediondo.

Em um determinado trabalho do Grupo Temático 1 (D17), a autora acredita na educação da sensibilidade pela
estética. Para ela, as emoções, assim como a relação com os outros e com o mundo são complementares. O
processo ocorre na tentativa de compreensão de si e do outro, ou seja, como um sujeito vai reagindo suas
impressões à medida que vai (re)significando o seu modo de agir, o seu mundo particular, onde tudo pode ser
remexido e reorganizado de formas possíveis e diferentes, dependendo das interpelações que este sujeito sofrer,
das adversidades da vida que ele viver.

No Grupo Temático 2, elencamos as produções científicas que denominam a Educação Ambiental como
preservação e conservação do meio ambiente. Os autores das produções deste grupo entendem que a Educação
Ambiental tem o papel de promover o encorajamento para que o ser humano volte a integrar-se, superando a
acomodação, bem como comecem a assumir a luta pela recuperação e conservação de seu ambiente. Estes
pesquisadores ainda ressaltam que a função predominante desempenhada pelo ser humano sobre os demais
elementos da biosfera é o de ser responsável pela conservação dos ecossistemas com todas as formas de vida.
Notamos que os pesquisadores destes trabalhos concebem a Educação Ambiental como tema transversal, sendo
o meio de garantir que as crianças e jovens consolidem a compreensão do papel individual e coletivo na
conservação ambiental. Entretanto, percebemos que este conceito de considerar a Educação Ambiental como
um tema transversal foi proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais elaborados pelo MEC, em 1997, e
não se preocupa apenas com os aspectos físicos e biológicos, como também se preocupa com uma Educação
Ambiental para além da conservação. A Educação Ambiental, proposta pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais, esclarece que ―o ser humano faz parte do meio ambiente e as relações que são estabelecidas -
relações sociais, econômicas e culturais - também fazem parte desse meio e, portanto, são objetos da área
ambiental‖ (BRASIL -MEC, 1997, p. 23).

Os trabalhos correspondentes ao Grupo Temático 3 demonstram uma similaridade em seus estudos no que se
diz respeito aos conceitos sobre a Educação Estética e Educação Ambiental. Seus autores compreendem que a
Educação Ambiental não se reduz somente ao mundo exterior, ao mundo natural, como também às relações
sociais, ao mundo interior do sujeito. A Educação Ambiental que estes autores acreditam e praticam é aquela
que está para além do conservacionismo, pois alicerçam os seus estudos nos princípios da Educação Ambiental
que estão pautados na convivência pacífica entre os povos e as pessoas, na solidariedade, no respeito humano e
todos os valores essenciais para uma vida digna e feliz. Os trabalhos entendem que a Educação Ambiental não
pode ser vista de forma salvacionista, pois existem várias diretrizes que determinam as condições sociais, mas

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podemos visualizar uma potencialidade fundamentada na Educação Ambiental, precisamos sim aprender com a
Educação Ambiental, com as suas contribuições sociais e enxergar um mundo possível e melhor.

Em certos trabalhos do Grupo Temático 3 (D8, D16 e D21), os autores destacam que a Educação Ambiental
está contida na Educação Estética e ambas possuem papel importante para o desenvolvimento do gosto artístico
e do belo, pois buscam o equilíbrio entre os sentimentos e as emoções, despertando a criatividade e a
sensibilidade nos sujeitos. Em concordância com os autores deste grupo, pensamos também que a arte acorda
sentimentos e sonhos, pois possui um despertar de potencialidades, torna as pessoas mais vivas. Estas
investigações revelam que a Educação Estética é vista como uma necessidade na vida humana, uma vez que é
preciso perceber a natureza, vê-la com um olhar de quem está contemplando, encantar-se com as coisas simples
e valorizar as relações entre as pessoas. Assim como os autores deste grupo, acreditamos no conceito de
impulso sensível, formal e lúdico e que propõem a Educação Estética como meio da conquista de um homem
moral e ideal.

Na grande maioria dos trabalhos deste grupo, assim como nos grupos anteriores, os conceitos de Educação
Ambiental e de Educação Estética são apresentados separadamente, bem como não constam em seus trabalhos
o termo Educação Estético-Ambiental – descritor do nosso estudo – e, consequentemente, sua conceituação,
exceto o T1, que é o único trabalho que referencia Educação Estético-Ambiental. Para a autora, a Educação
Estético-Ambiental permite o desenvolvimento de uma sensibilidade que propicia compreender o mundo e o ser
humano na diversidade de ser ele mesmo. A autora observa que a atitude estética rompe com a racionalidade de
pensamento, com a concepção redutiva do mundo e o ambiental é uma nova forma de olhar o planeta e suas
relações sistêmicas. Verificamos que o ambiental é trabalhado na tese em complexa relação com o estético, pois
a autora assinala que é necessário estetizar o ambiental para que este pensamento seja de ampla cobertura
cultural. Complementa que é necessário ambientalizar o estético no sentido de reconciliar o que estava cindido,
ou seja, cultura e natureza em suas formas de arte e natureza; racionalidade e corporeidade; mundo da vida
simbólica e mundo da vida biótica. Para a autora a relação entre ―o simbólico e o biótico, [...] nosso campo de
pesquisa sobre o estético e o ambiental, não supõe unicamente o princípio de causa-efeito, [...] supõe um
movimento-fluxo energético, orgânico, espacial, a-espacial, tangível e intangível, surgido da relação entre as
comunidades, grupos e assentamentos humanos e os ecossistemas‖ (ECHEVERRI, 1997, p. 131). É válido
observar que embora apareça o termo Educação-Estético-Ambiental ao longo do texto, oferecendo elementos
para a uma interpretação clara, não há uma conceituação do modo conforme esperávamos.

Ao concluir os resultados, ratificamos que a definição conceitual para o termo Educação Estético-Ambiental
não foi encontrada, de modo explícito, em qualquer trabalho do corpus analisado. Entretanto, em diversos
momentos os autores estabelecem uma relação complementar entre Educação Estética e Educação Ambiental,
entrelaçando os conceitos destes campos do conhecimento. O único trabalho que faz uso do termo Educação

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Estético-Ambiental é o T1 (ECHEVERRI, 1997), não citando qualquer referência a outro autor sobre a origem
deste, o que torna válido pensar nesta tese como um dos trabalhos seminais. Igualmente importante, a fim de se
conhecer a origem do uso do termo são os estudos do Estévez (2003, 2009, 2011); Meira (2001, 2003); Sato e
Passos (2002); Santos e Sato (2001); Carvalho (2003, 2005); Schiller (2002) por serem citados em mais de um
trabalho, ao fundamentarem a relação entre Educação Estética e Educação Ambiental. Na seção subsequente,
realizamos a discussão dos resultados com o intuito de apresentar possíveis contribuições das teses e
dissertações analisadas no sentido de fornecer elementos para uma conceituação de Educação Estético-
Ambiental.

Discussão dos Resultados

Nesta discussão, apresentamos a reflexão acerca do que as dissertações e teses acadêmicas no Brasil revelam a
respeito do tema Educação Estético-Ambiental, oferecendo o nosso posicionamento. Em um primeiro momento,
estabelecemos um diálogo dos grupos temáticos com a teoria. Após, direcionamos a discussão por questionamentos
apresentados na introdução, ainda não desenvolvidos ao longo do artigo, mais especificamente, trazendo contribuições no
sentido de complementar o conceito de Educação Estético-Ambiental para torná-lo mais explícito.

Iniciamos esta discussão pelo sentido e significado que os autores dos trabalhos atribuem à Educação Ambiental. Parte
destes aborda a Educação Ambiental como um alerta para a conscientização da conservação e preservação do meio
ambiente (Grupo Temático 2). Entendemos que esta conscientização é importante e precisa ser incentivada para que
novas ações possam surgir em prol de uma melhor qualidade de vida para todos. No entanto, acreditamos na Educação
Ambiental para além do conservacionismo, lutamos por uma Educação Ambiental que está fundamentada em uma
educação enquanto práxis social a fim de contribuir para o processo de construção de uma sociedade diferente do modelo
societário atual. Defendemos a Educação Ambiental que contempla uma sociedade que anseia por um novo patamar
civilizatório, na qual ―a sustentabilidade da vida, a atuação política consciente e a construção de uma ética que se afirme
como ecológica sejam seu cerne‖ (LOUREIRO, 2006a, p.90). Cabe sinalizarmos que a Educação Ambiental busca cada
vez mais consolidar-se no sistema educativo formal (LOUREIRO, 2006b, 2009, 2012; QUINTAS, 2009), ao invés de ser
reconhecida apenas nos movimentos ambientalistas.

Nos demais trabalhos, os autores definem a Educação Ambiental com um caráter coletivo, participativo, democrático,
humanista e cooperativo (Grupos Temáticos 1 e 3). Notamos uma aproximação dos autores com a Educação Ambiental,
defendida por Loureiro (2012), que objetiva a formação de sujeitos para a mudança de atitudes, envolvendo práticas
educativas que promovam a participação do cidadão em grupos coletivamente organizados, fortalecendo o diálogo, a
tomada de decisão, o conhecimento, a transformação social e o direito democrático de participação dos sujeitos individual
e coletivamente em espaços públicos. É fundamentada em uma Educação Ambiental que cultiva a práxis (SÁNCHEZ
VÁZQUEZ, 1986) num movimento dialético, sob uma perspectiva emancipatória, nas relações teoria-prática e

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subjetividade-objetividade que constituem a vida social em um determinado processo histórico e que caracteriza e é
caracterizado por cada um de nós (LOUREIRO, 2009).

Os autores dos trabalhos dos referidos grupos revelam por meio de suas escritas que é necessário começarem a pensar e a
programar ações sustentáveis, em que a Educação Ambiental possa servir como uma mola propulsora para a resolução de
alguns problemas da nossa sociedade capitalista. Entendemos, em termos gerais, para que as ideias saiam do campo
intelectual e ganhem materialidade são necessários sujeitos capazes de colocar em ação estas ideias, como uma força
prática (MARX; ENGELS 2008). Importa-nos salientar que é nesse processo dialético e dinâmico que a atividade permite
que o sujeito possa refletir e reorganizar a constituição de novos sentidos que interferem na prática, estabelecendo um elo
entre a linguagem e a atividade pela práxis (LOUREIRO, 2009). Do mesmo modo, compactuamos com o pensamento dos
autores destes grupos que acreditam na Educação Ambiental como o meio de intervenção para a transformação das
relações sociais e em novas formas de estar e agir no mundo.

Novos diálogos têm surgido com importantes e significativas contribuições (Grupo Temático 1), como aqueles que
promovem o encontro da Educação Ambiental com as artes. Detemos o nosso olhar para o encontro da Educação
Ambiental e da Educação Estética (Grupo Temático 3), com o objetivo de repensar em um processo de educação que
contemple o desenvolvimento das potencialidades e dos sentidos dos sujeitos em processo de ensino e aprendizagem.

Os pesquisadores dos Grupos Temáticos 1 e 3 entendem que a Educação Estética é a educação do olhar sensível, da
capacidade de transformar a realidade sempre na intrínseca interação com o meio, buscando melhor qualidade nas
relações. A Educação Estética, nestes grupos, é concebida como um princípio de desenvolver a atividade criadora nos
sujeitos, pois somos todos criativos, embora com significações diferentes, porque a atividade criadora está intimamente
relacionada com a cultura e com a história das pessoas. Concordamos com este pensamento e destacamos a importância
da Educação Estética na formação humana, pois, a concepção estética em Marx, evidenciada nos Manuscritos
Econômico-Filósoficos (2004) e compartilhada por Adolfo Sánchez Vázquez em seu livro As Ideias Estéticas de Marx
(2010) procura compreender os antagonismos sociais e a arte como uma forma de superação da alienação322 da
consciência. Assim, Sánchez Vázquez (2010, p.102) nos esclarece que ―a estética marxista busca conceitualizar o que é,
não assinalar o que deve ser. Não traça normas ou regras de criação. É incompatível, por isso, normativismo‖.
Compreendemos que para Marx a estética é libertação, transformação, práxis revolucionária, desalienação, enfim é a
educação da consciência.

Aprofundando esta discussão, Sánchez Vázquez (2010, p. 76) analisa que ―na relação estética o sujeito entra em contato
com o objeto mediante a totalidade de sua riqueza humana, não apenas sensivelmente, mas também intelectiva e
afetivamente‖. Entendemos que a relação estética do homem com os objetos é consequência da história da humanidade e
surge no processo de afirmação do ser humano no mundo objetivo como expressão de sua essência. Nesse sentido,
entendemos que a criação estética é a expressão do sujeito, onde ele exterioriza e reconhece a si mesmo. Isto significa que

322
Utilizamos a palavra alienação com base no conceito de Karl Marx, pois para Marx alienação “compreende as manifestações do
estranhamento do homem em relação à natureza e a si mesmo, de um lado, e as expressões desse processo na relação entre
homem-humanidade e homem e homem, de outro” (MÉSZÁROS, 2006, p.21).
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a relação entre sujeito e objeto precisa ser compreendida em uma perspectiva dialética na qual sujeito e objeto não se
extinguem, nem se sobrepõem um ao outro. Logo, sujeito e objeto constituem a própria natureza da relação estética.

Para estes pesquisadores (Grupos 1 e 3), a Educação Ambiental não é suficiente sem a Educação Estética. Esta última é
uma maneira de proporcionar um (re)pensar nas determinadas condições do trabalho alienado e suas repercussões na
realidade em que as pessoas vivem, nas questões ambientais, nas diferenças entre os povos, na desigualdade de
oportunidades entre os sujeitos (ESTEVÉZ, 2009). Compreendemos e entramos em consonância com os autores destes
grupos que trilham o caminho da Educação Ambiental aliada a Educação Estética como sendo as possíveis alavancas para
transformar a realidade em que vivemos para um mundo melhor.

A partir deste estudo podemos conhecer melhor os significados atribuídos à Educação Estético-Ambiental e trazer
contribuições no sentido de apresentar subsídios para iniciar o desenvolvimento de uma possível conceituação. De um
modo geral, compreendemos que a Educação Estética é condição para a Educação Ambiental e esta última influencia a
Educação Estética. Defendemos a Educação Estético-Ambiental porque ela prioriza o movimento de significação e
objetivação dos sujeitos na história, ou seja, considera essencial o movimento sócio-histórico dos sujeitos e as vivências
concretas dos mesmos. Percebemos que a Educação Estético-Ambiental busca promover um repensar nas ações para
alcançar novas ações, sendo a base para um agir reflexível. Para nós, a Educação Estético-Ambiental efetiva-se quando se
tem como princípio compreender a realidade concreta a fim de transformá-la, permitindo o entendimento do movimento
das relações que definem a vida em sociedade. A Educação Estético-Ambiental faz-se presente quando sentimos que
estamos interligados aos sujeitos e as coisas, quando compreendemos que pertencemos ao lugar em que vivemos e
buscamos ter atitudes ambientais. Aprofundando um pouco mais, temos uma relação sensível e afetiva com o ambiente,
carregando esta postura para as demais relações com os outros seres, porque a base do ser humano está nas relações - com
o meio, com as pessoas, com a natureza, com o mundo, assim estamos falando da contribuição da Educação Estético-
Ambiental para a educação, para a sociedade. Desse modo, em síntese, Educação Estético-Ambiental é o processo de
desenvolvimento e emancipação das dimensões humanas por meio de experiências significadas em um contexto histórico
e social, que propicia a práxis nas relações sociais, políticas e culturais.

Esta definição surge da intersecção entre os princípios teóricos, os estudos sobre Educação Estético-Ambiental no Brasil
revelados nesta pesquisa, bem como os resultados de uma pesquisa que procurávamos compreender a presença da
Educação Estética e da Educação Ambiental nas práticas pedagógicas dos professores. Buscamos entender o movimento
que ocorre na relação sujeito-objeto, ou seja, compreender como o ser humano se relaciona com o mundo em que vive,
com a natureza, com a vida, com os outros seres. É sabido que existem diferentes abordagens para entender esta relação,
no entanto, identificamo-nos com o Materialismo Histórico e Dialético por ser uma possibilidade teórica e prática de
interpretação da realidade social que se quer compreender. Acreditamos nesta epistemologia como um caminho que
permita analisar melhor o movimento dialético entre sujeito e objeto sem separá-los, pois percebemos que o mundo é
dialético.

Considerações Finais
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Ao concluir este estudo, podemos dizer que as vinte e cinco produções acadêmicas analisadas expressam o diálogo entre a
Educação Ambiental e a Educação Estética no Brasil. Nos trabalhos analisados, a maioria dos autores, uns de forma mais
aprofundada e outros de modo mais panorâmico, contextualizaram a Educação Ambiental e a Educação Estética em suas
pesquisas. Outros associaram a Educação Ambiental com a dimensão estética e com a sensibilização dos sentidos.
Verificamos que no único trabalho que traz a interligação destas duas áreas, Educação Estética e de Educação Ambiental,
a autora propõe a construção de uma ―proposta de Educação Estético-Ambiental onde se recupere o corpo como lugar
onde tem origem a cultura e o mundo de vida como simbólico-biótico, ou seja, como a priori de toda forma de cultura e
como constituinte de cultura, entendendo por cultura não o contrário a natureza, mas a forma natural de ser do ser
humano‖ (ECHEVERRI, 1997, p. 7). No entanto, nas produções investigadas, não foi evidenciado de forma explícita o
conceito de Educação Estético-Ambiental conforme esperávamos. Nesse sentido, ao final da discussão dos resultados,
apresentando elementos teóricos, avançamos propondo um conceito inicial para Educação Estético-Ambiental.

Entre as limitações deste estudo podemos apontar que a investigação examinou apenas o disponibilizado nas principais
bases de dados de teses e dissertações de âmbito nacional, ou seja, podemos encontrar estudos que escaparam da nossa
investigação. Em termos de pesquisas futuras, estudos semelhantes podem ser desenvolvidos consultando bases de dados
no exterior. Igualmente, consideramos importante revisar a literatura internacional e analisar como o termo Educação
Estético-Ambiental vem sendo abordado, de modo que novos elementos sejam desvelados. Ao trabalhar a junção de dois
temas complexos – Educação Estética e Educação Ambiental –, resgatando fundamentos teóricos, observando os sentidos
e significados de pesquisas desenvolvidas no Brasil e elucidando inter-relações na Educação Estético-Ambiental,
esperamos poder contribuir na práxis de professores e educandos, resultando em relações ambientais adequadas de modo
mais efetivo.

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO FILME A GANGUE323: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
SOBRE OS SURDOS

Fabiana Paula Bubniak324


Saionara Figueiredo Santos325
Bruno Panerai Velloso326
Douglas Kaminski327
Laise Miolo de Moraes328

Resumo

Esta pesquisa procurou identificar as representações sociais de sujeitos surdos, presentes em no filme A gangue. Esses
filmes foram exibidos durante a execução do projeto entitulado: ―Cineclube Surdo‖, que visou apresentar aos servidores e
alunos do Instituto Federal de Santa Catarina e interessados, produções cinematográficas realizadas por sujeitos surdos ou
que representem a cultura dessa minoria linguística. Para as sessões, foram convidados os servidores e alunos do Câmpus,
os membros das associações de surdos catarinenses e comunidade externa interessado. Após cada sessão, foi realizado um
debate orientado por questões acerca da representação dada ao surdo, a estética dada a esta temática e a linguagem
utilizada. Estimulou-se a discussão sobre a representação surdo como criador no campo da arte e da importância do
ensino de técnicas audiovisuais que podem dar voz a esse público na cultura popular. Foram realizadas dez sessões com
participação de alunos, servidores e membros da comunidade, tanto surdos quanto ouvintes. Neste artigo, faz-se a
articulação das falas de dois sujeitos participantes e sua relação com a Educação Ambiental, evidenciando novas
perspectivas de articulação e o seu caráter transcendental.

Palavra Chave: cinema, surdo, cultura surda, educação ambiental.

Introdução

A proposta deste estudo é analisar as representações sociais de sujeitos surdos no filme A gangue. Esses filmes
foram exibidos no IFSC Câmpus Palhoça Bilíngue, através da aprovação do projeto Cineclube Surdo. Neste sentido, para
que se ocorresse todas as etapas deste projeto, é necessário entender o contexto cultural e linguístico do campus.

O campus é bilíngue (Língua Brasileira de Sinais – Língua Portuguesa) sendo a primeira unidade de ensino
profissionalizante voltada para a educação de surdos na América Latina. Foi inaugurado no ano de 2013, evidenciando o
esforço da instituição em atender os surdos pedagogicamente com qualidade, além de promover a interação entre a(s)

323 Projeto financiado pelo edital APROEX 01/2015 do Instituto Federal de Santa Catarina.
324 Mestranda em Ciências da Linguagem e Professora de Produção Audiovisual no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC)
– campus Palhoça Bilíngue. Email: fabiana.bubniak@ifsc.edu.br.
325 Doutoranda em Estudos da Tradução pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora de Tradução no
Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) – campus Palhoça Bilíngue. Email: saionara.figueiredo@ifsc.edu.br.
326 Doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor de EaD e
Multimídia no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) – campus Palhoça Bilíngue. Email: bruno.velloso@ifsc.edu.br.
327 Doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor de EAD e
Multimídia o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) – campus Palhoça Bilíngue. Email: douglas.kaminski@ifsc.edu.br
328 Mestre em Design pela Universidade Federal de do Rio Grande do Sul ( UFRGS) Professora de Design no Instituto Federal
de Santa Catarina (IFSC) – campus Palhoça Bilíngue. Email: laise.moraes@ifsc.edu.br
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subjetividade(s) dos surdos e ouvintes, quebrando o paradigma da representação estereotipada e opressora do surdo como
incapaz.

Nesse contexto, os equipamentos de captação da imagem em movimento (Cinema) mostraram a comunidade surda
a possibilidade de se posicionar e enfrentar o preconceito, registrando sua história e produção intelectual, antes impossível
devido à característica viso-espacial da língua de sinais, fortaleceu a chamada Cultura Surda. A partir da legitimação da
língua de sinais pelos linguistas, a cultura surda passou também a ser um objeto de estudo antropológico/etnográfico
legítimo e não apenas alvo de estigmas.

Muito se pesquisa da visualidade do sujeito surdo e da facilidade que esse público tem em se expressar através de
imagens (STROBEL, 2003). Outros tantos trabalhos se propõem a analisar de que forma o surdo é representado no
Cinema (SCHUCHMAN, 1988). Porém, essa representação é, em sua grande maioria, feita por ouvintes com olhares
externos à cultura surda, frequentemente pendendo ao estereótipo ou à vitimização do surdo, demonstrando a necessidade
de estudar como os surdos reagem às representações de si mesmos no cinema.

Santos (2013) em sua dissertação de mestrado, disserta sobre a relação da visualidade e a Educação Ambiental,
principalmente em relação a significação do que é visto e corrobora com a ideia de Pino (2006) que explica que todo
conhecimento imagético adquirido (inclusive filmes, como no contexto desde estudo) é derivado das percepções de
mundo e subjetividade individual de cada sujeito. Afinal, as representações imagéticas em filmes dos surdos são
absorvidas também pelo público que os assistem, permeando o imaginário e a subjetividade individual para significação
particular. É nesse limiar que a Educação Ambiental se encaixa, já que o entendimento de meio ambiente perpassa
também o campo das relações sociais e relações consigo mesmo. Loureiro (2006) vê a Educação Ambiental como
elemento de transformação social, baseada no diálogo, no entendimento do que é cidadania, fortalecendo as comunidades
e os indivíduos e superando qualquer forma de dominação.

É nessa perspectiva transformadora de Educação Ambiental que analisamos falas de dois sujeitos que estiveram
presentes durante as sessões do CineClube, durante a apresentação dos filmes já citados. Nessas falas, identificou-se um
diálogo com conceitos de comunidade, com aspectos humanos das relações sociais, num ―meio ambiente‖ de ínfimas
possibilidades de relações nas quais os surdos podem definir sua identidade e criticidade.

Metodologia

Para que o CineClube acontecesse, previamente foram escolhidos filmes que fossem de diretores surdos ou que
representassem surdos nas suas respectivas histórias. Escolhidos os filmes, foi feita a divulgação das sessões do cineclube
para a comunidade acadêmica do Câmpus Palhoça Bilíngue e para o público externo, através do site do câmpus, de lista
de e-mails, cartazes, flyers, redes sociais e visitas presenciais.

As exibições ocorreram quinzenalmente, no câmpus Palhoça Bilíngue, com a duração de 3 horas. Nas primeiras
duas horas ocorreu a exibição do filme, no caso de longa-metragens ou filmes, no caso de curta-metragens, e na última

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hora foi promovido um debate sobre as obras. Todos os debates foram registrados em vídeo para posterior transcrição e
avaliação dos resultados.

Posteriormente, foram selecionadas as obras de curta e longa-metragem mais expressivas que foram exibidas nas
sessões do cineclube, a partir de critérios como: representatividade da cultura surda, uso de língua de sinais, presença de
atores, e possuir membros da equipe ou diretor surdo (s). Para as sessões, foram convidados os servidores e alunos do
Câmpus Palhoça Bilíngue, os membros das associações de surdos de Palhoça, São José e da grande Florianópolis e o
público em geral interessado em cultura surda. A imagem abaixo mostra todos os filmes exibidos no CineClube.:

Imagem 1: Lista dos filmes exibidos no CineClube.

Após cada sessão, foi realizado um debate orientado por questões acerca da linguagem e representatividade do
surdo no cinema., além de discutir sobre estética e aspectos da identidade e surda. Pretendeu-se estimular a discussão
sobre o surdo como criador no campo da arte e da importância desse tipo de mídia para se discutir as relações sociais que
envolvem os surdos. Neste contexto, os interpretes da instituição interpretavam estas mediações, tanto no início de cada
filme, quanto a discussão mediada pela professora ouvinte.

Neste artigo, traz-se comentários de dois alunos (um surdo e um ouvinte) que participaram da sessão que exibiiu o
filme A gangue, no dia 21/05/2015. Na plateia, estavam presentes tanto alunos surdos quanto ouvintes que reconheceram
na história exibida sua própria experiência, conforme depoimentos dados ao final da sessão. A partir dos dados coletados,
passa-se a análise dos dados, usando como base epistemológica a teoria crítica da Educação Ambiental.

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Imagem 2 - Estrutura de exibição dos filmes, com apoio do intérprete de Libras para mediar os debates.

Tecendo um diálogo entre Educação Ambiental e a Educação Bilíngue de Surdos: analisando as falas de
dois participantes

Em qualquer língua, a linguagem e a fluência é adquirida na vida social; interagindo em sociedade, no


contexto de uma determinada língua, é que os sujeitos podem adquiri-la. Nesse sentido, a educação bilíngue dá
a oportunidade ao surdo de aprender a Língua Portuguesa na modalidade escrita e de aprimorar sua Língua de
Sinais, sendo essa modalidade de ensino assegurada por lei. (BRASIL, 2008, p. 11)

A educação bilíngue tem como preceito aceitar a diferença, promovendo um novo olhar para a
diversidade (seja na relação ouvinte-surdo, surdo-ouvinte e até mesmo surdo-surdo). Nesse ínterim, no caso dos
surdos, sua identidade (PERLIN, 1997) e cultura (STROBEL, 2008) devem ser respeitadas. O jeito surdo de
perceber o mundo, com suas percepções visuais, além de sua língua, devem se inserir no contexto pedagógico,
no ambiente onde interagem.
A importância da Língua de Sinais foi fortalecida na exibição do filme A Gangue, onde todos os
personagens eram surdos, o que gerou bastante discussão entre os presentes (surdos e ouvintes. Uma das
sinopses do filme disponíveis na internet, esta retirada do site Filmow, explica que:

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―A obra é composta por jovens surdos, onde o protagonista (Grigoriy Fesenko),recém chegado numa
escola especializada, tem que cometer uma série de ilegalidades para ser aceito numa gangue que
comanda o lugar.‖

Imagem 2: Capa do filme A Gangue.

Um dos presentes, a partir do filme inteiro na língua de sinais e dos posicionamentos dos surdos que
atuaram, dissertou sobre o assunto:
―os surdos gostaram bastante, pois o filme era na língua de sinais, mesmo que esta não fosse a Libras
(Língua Brasileira de Sinais). Os surdos se sentiram representados e identificados, pois perceberam que
havia surdos atores e diretores. Nem sempre conseguiram entender todos os sinais, mas a grande maioria
era perceptível pelo contexto e pelo visual do filme. O interessante é que, neste momento, todos os
expectadores (surdos e ouvintes) tinham o mesmo entendimento do filme, já que era numa língua de
sinais estrangeira e desconhecida por todos. ‖

Puig (1998), analisando a formação da personalidade moral, propõe a personalidade de um indivíduo se foma no
confronto com as condições socioculturais do ―meio ambiente‖, ou seja ―mudam sua forma de pensar e comportar-se na
medida em que modificam os laços que os ligam a seu meio.‖ (Puig, 1998: p.152). Os surdos também passam pelo
mesmo processo e estão inseridos num ―meio ambiente‖ que abarca inúmeras comunidades, identidades e culturas
diferentes da sua. Assim, também sentem a necessidade de representatividade e empoderamento, além de emancipação,
principalmente em relação à opressão que sofrem nos rótulos de incapacidade dos padrões societários. Loureiro (2004)
explica que é necessário um movimento constante de construção do ser na dinâmica nem sempre justa da vida, buscando
sempre o papel da criticidade na formação das identidades.

[...] Em termos concretos, isso significa atuar criticamente na superação das relações sociais vigentes, na
conformação de uma ética que possa se afirmar como ― ecológica e na objetivação de um patamar
societário que seja a expressão da ruptura com os padrões dominadores que caracterizam a
contemporaneidade. Assim posto, privilegiar somente um dos aspectos que formam a nossa espécie (seja
o ético, o estético, o sensível, o prático, o comportamental, o político ou o econômico, enfim, separar o
social do ecológico e o todo das partes) é reducionismo, o que pouco contribui para uma visão da
educação integradora e complexa de mundo. (LOUREIRO, 2004, p.73)

Sobre isso, Santos (2013) explica que o surdo, em sua história, naturalmente possui marcas de opressão e domínio
por parte da predominância ouvinte. O discurso surdo de respeito à diferença quer finalizar estereotipamentos (incapazes,

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deficientes) e buscar poder e autonomia dos surdos, manifestados também nas relações de poder propostas pelo sistema
capitalista, onde não há igualdade em nenhum âmbito da vida. Sente-se nestas falas que a Língua Brasileira de Sinais,
doravante Libras, ainda é um artefato cultural forte de enfrentamento e manifestação das representações dos surdos, sendo
este filme um artefato interessante na defesa desse contexto de uso de língua e valorização do conceito de comunidade.

Além disso, percebemos que surgiu nesta discussão o preconceito entre os surdos, já que o grupo de surdos no
filme era preconceituoso com o surdo que tinha síndrome de down. Para os surdos expectadores do filme, este surdo que
também tinha síndrome de down, precisaria ser acolhido pelos outros surdos e não deixado de lado, como aconteceu no
filme.

Outro aluno ainda disserta:

―As cenas de sexo, violência e o aborto clandestino também causaram discussões e divergências de
opiniões entre o que é certo e o errado. Não houve nenhuma falta de respeito com o conteúdo do filme e
este gerou discussões profundas sobre sexo e morte. O final do filme também foi chocante, já que um dos
surdos mata todos os seus amigos de grupo, também gerando discussão após o filme sobre o assunto. ―

―Foi unânime o fato de que todos os personagens eram surdos, deixando claro para eles que independente
da sua condição de serem surdos, eles podem atuar e que o surdo não precisa se vitimizar; ele é um ser
capaz de chegar onde quiser. Além disso, um dos surdos ressaltou os surdos não são padronizados. A
comunidade surda não é perfeita. Os surdos podem ter maldade, podem ser violentos, como em qualquer
grupo social. Os surdos quiseram mostrar que a comunidade surda é também um espelho da sociedade
dos ouvintes. Além disso, surgiu na discussão o preconceito entre os surdos, já que o grupo de surdos no
filme era preconceituoso com o surdo que tinha síndrome de down. ―

Ressalta-se a difícil tarefa da Educação Ambiental, de transformar a visão humana sobre o ser humano por
exemplo. Essa visão transformadora permite enxergar além e descobrir seres humanos sociais e atuantes, também
envoltos a uma série de relações de dominação e exclusão (SANTOS, 2013). Com os surdos não é diferente; como
participam de uma comunidade de seres historicamente diferentes e de subjetividades distintas, não há como esperar
perfeição das atitudes e nos contextos sociais.

Apesar de serem minorias e, memoravelmente vítimas de preconceito, estas também podem reproduzir
preconceito dentro da sua própria comunidade.

Santos (2013) corrobora com as ideias de Nunes, Dandolini e Souza (2011), que, em seus estudos, perceberam o
preconceito envolto nas relações entre surdos, por exemplo, de surdos que usam a Língua de Sinais e surdos que não a
utilizam e sim, utilizam o Implante Coclear e a língua oral. As autoras, sobre o preconceito nesse contexto, dissertam:

Está na hora de ficar claro que nem todos os surdos nasceram assim, que muitos que nasceram com
surdez, por diferentes caminhos, voltaram a ouvir; que muitos emudeceram, mas outros se comunicam
oralmente sem maiores dificuldades; que entre os brasileiros há analfabetos da língua portuguesa; da
mesma forma, entre os surdos, há muitos que desconhecem a Libras e muitos que a dominam sem jamais
terem sido surdos. Está na hora de os surdos se conhecerem melhor, de incluir-se a si mesmos em seu
grupo. (NUNES, DANDOLINI E SOUZA, 2011, não paginado)

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Loureiro (2003) explica que a superação de atitudes como estas, também envoltas na comunidade surda exigem
―mudanças radicais individuais e coletivas, locais e globais, estruturais e conjunturais, econômicas e político-sociais,
psicológicas e culturais‖; nesse sentido, revolucionar-se é ―a transformação integral do ser e das condições materiais e
objetivas de existência‖ (2003, p.39). Essa mudança inclui a maneira do surdo se ver como surdo e da sociedade aceitar as
diferenças e peculiaridades dos surdos, de sua língua e cultura, além do seu processo educacional, se libertando dos
padrões de pensamento, ditados por meios de comunicação e pelo pensamento majoritário opressor. Problematizar e
refletir são atitudes que ajudam a cada indivíduo a agir criticamente consigo mesmo e com a realidade societária
(SANTOS, 2013).

Conclusões

Durante o processo de escolha dos filmes a serem exibidos no Cineclube Surdo, houve uma dificuldade
em encontrar obras dirigidas por surdos. Das dez sessões, três contaram com filmes de diretores surdos. Esse
fato vem corroborar a ideia que o sujeito surdo ainda não tem uma voz presente na mídia, principalmente no
contexto da direção de filmes. Já nos filmes que contam com personagens surdos, nem todos retratam a cultura
surda de uma maneira fiel, colaborando para ratificar a posição de vitimização em que os personagens surdos se
encontram no cinema.
No contexto do filme A gangue, algumas questões emergiram dos comentários de dois dos presentes na
sessão: a representatividade dada por um filme inteiramente numa Língua de Sinais sobre o surdo e a luta
contínua por empoderamento e emancipação, que também podem ser compreendidas sob a ótica da Educação
Ambiental. Loureiro (2004) apoia a crítica postura das comunidades, entre elas a comunidade surda, que
desejam emancipação da visão majoritária de ―normalidade‖, quando explica que emancipar é a ―possibilidade
de construirmos os caminhos que julgamos mais adequados à vida social e planetária, diante da compreensão
que temos destes em cada cultura e forma de organização societária, produzindo patamares diferenciados de
existência‖. (LOUREIRO, 2004, p. 67)
Além disso, emergiu a questão do preconceito dentro de minorias, demonstrados pelo filme por meio
dos personagens surdos que agiam de maneira preconceituosa com um surdo que tinha Síndrome de Down.
Nesse aspecto, transformar as percepções támbém é emancipar-se (SANTOS, 2013).
O Cineclube Surdo atingiu seu objetivo no sentido de mostrar o sujeito surdo sob outra luz. Afastando a
visão medicalizada da surdez, que coloca o surdo como deficiente, e retratando sujeitos que fazem parte de uma
minoria linguística e uma comunidade com uma cultura própria. E por fim, este artigo vislumbra novas
conexões entre com a Educação ambiental, reconstruindo a própria consciência e modificando a
realidade.(LOUREIRO, 2006 p.53)

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ISBN 978-85-7566-380-6
“CONSTRUÇÕES TEÓRICAS PARA EDUCADORES MUSICAIS NA
INTERLOCUÇÃO COM A EDUCAÇÃO AMBIENTAL – PERSPECTIVAS, OLHARES
E ESCUTAS”
Débora de Fátima EinhardtJara329
Cleuza Maria Sobral Dias330

Resumo
Este texto resultou de uma revisão bibliográfica desenvolvida para dar suporte como fundamentação teórica
para uma tese de doutorado que vem sendo desenvolvida no Programa de Pós Graduação em Educação
Ambiental na Universidade Federal do Rio Grande - PPGEA/FURG. Trata dos resultados de uma busca para
compreender como vem sendo construído um campo de estudo que faz a interlocução entre música, educação,
cultura e meio ambiente natural e/ou construído. Apresenta então através dos estudos de quatro professores
pesquisadores sobre a temática da música como autores específicos do campo de estudo desta área dialogam
com os autores da educação ambiental (EA) e constituem outros modos de traçar os caminhos da pesquisa em
música e meio ambiente em espaços formais e informais. Destaca quem são os atuais pesquisadores com
formação inicial em música e continuada em EA e como estes vem desenvolvendo suas investigações, quais
seus referenciais, o quê e para quem estão pesquisando.
Palavras Chave: Educação Ambiental. Educação Musical. Pesquisa em Música

Contextualização

A investigação sobre a temática sócio ambiental embora já consolidada em várias áreas do


conhecimento ainda é insipiente na arte e em especial na música, podendo-se afirmar que é um campo em
construção. Recentemente na busca de bibliografia especializada que possibilitasse o diálogo com nossa
pesquisa de doutorado que se orienta na interlocução com a educação musical, educação ambiental e a
etnomusicologia crítica foi possível observar que poucas são as publicações nesta perspectiva fora de nosso
programa de pós-graduação em educação ambiental - PPGEA/FURG.

Dos textos encontrados na maior parte na internet, nenhum deles constrói conceitos ou fundamentos em
educação ambiental que pudessem dialogar com o ensino da música, ou seja, a maioria se mostra na repetição
do que é senso comum no que se refere aos discursos ambientais ou tratam de música e meio ambiente usando
escasso referencial da educação ambiental tendo como exceção a obra de Marisa Fonterrada.

O PPGEA/FURG tem pesquisadores e educadores musicais que já vem iniciando uma busca para a
consolidação de que possa vir a fundamentar um ensino da música na interlocução com as temáticas
ambientais. Podemos citar quatro pesquisadores que se enveredam por estes caminhos. Na linha de
Fundamentos Da Educação Ambiental (FEA): Virginia Tavares Vieira; na linha de Educação Ambiental Não

329
Doutoranda em Educação Ambiental no PPGEA/FURG, Bacharel / Licenciada em Música pela UFPEL e professora de música no
Instituto Federal Catarinense-IFC. cpead.debora@gmail.com
330
Doutora em Educação pela PUC/RS, professora associada do Instituto de Educação da Universidade Federal do Rio Grande/
FURG.cleuzareitora@furg.edu.br

614
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Formal (EANF): Sonia André Cava de Oliveira e na linha de Educação Ambiental: Ensino e Formação de
Educadores (as) (EAEFE): Débora de Fátima Einhardt Jara, e Thais de Oliveira Nabaes.

Na busca de formar um campo conceitual sobre arte, música e a meio ambiente que transcenda o senso
comum dos discursos ambientais tanto nos espaços formais quanto informais, é preciso compreender onde a
música se insere neste campo de estudo. Para isto, infiro que a arte, no caso deste estudo a música, enquanto
produção humana, precisa de espaços para se concretizar enquanto modo de expressão cultural. Estes espaços
são o que entendemos por meio ambiente, quer sejam eles naturais ou construídos. Segundo Reigota (1997)
meio ambiente é

(...) o lugar determinado ou percebido, onde os elementos naturais e sociais estão em relações
dinâmicas e em interação. Estas relações implicam processos de criação cultural e tecnológica e
processos históricos e sociais do meio natural e construído. (p.14).

Assim sendo, vários lugares ou espaços musicais podem ser investigados dentro das correntes da
educação ambiental (EA) quer sejam em suas duas vertentes: naturalista na perspectiva da ecologia acústica
(FONTERRADA, 2004) ou sócioambiental nas perspectivas crítica, holística, emancipatória entre outras. Cada
um destes lugares compreendidos dentro de ambientes naturais ou sócio-ambientais seguem correntes distintas
e perspectivas teóricas coerentes com as investigações a que se destinam. Neste caminho apresentamos a seguir
quatro pesquisadores que se dedicam à investigar música e educação ambiental, assim como as características
das três linhas de pesquisa que integram no PPGEA/FURG.

Educação Ambiental Não Formal - (EANF)

Esta linha de pesquisa tem seu enfoque nas questões sócio-ecológico-ambientais nos campos não
formais e informais de Educação Ambiental. Sua ênfase se dá na dimensão ético-estética, a diversidade e
alteridade dos grupos sociais, as relações entre a Educação Ambiental, os gêneros, as gerações humanas em
todas as suas idades, o desenvolvimento humano e sistêmico, a compreensão da interligação dos espaços
ambientais, da saúde coletiva e da qualidade de vida dos sujeitos e das instituições e organizações sociais.

Podemos citar nesta linha de investigação o trabalho da Dr.ª Sônia André Cava de Oliveira, professora
de piano no Centro de Artes da Universidade Federal de Pelotas – CEAT/UFPEL. A investigação desta
pesquisadora se deu na dimensão ético-estética do trabalho musical com um grupo de social de terceira idade. A
pesquisadora entende que a música pode tornar-se opção viável para além das atividades de cultura e lazer, mas
para as questões de saúde pública, no caminho para a conscientização acerca dos problemas sócio ambientais da
atualidade encontrando segundo a mesma, um caminho possível para sua superação.

615
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O estudo foi realizado com um grupo de coralistas331 de terceira idade, participantes da Associação dos
Diabéticos de Pelotas e foi ancorada na Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano, de Urie
Bronfenbrenner. A educação ambiental estética e educação eco-musical fundamentaram o estudo que foi
defendido com o título “Um estudo sobre música e qualidade de vida na terceira idade: com base em
princípios da educação ambiental‖ no PPGEA/FURG em 2013. Outros autores da educação ambiental que
dialogaram com a autora nesta pesquisa foram: Isabel Cristina de Moura Carvalho, Marisa Fonterrada, Félix
Guatarri, Carlos Frederico Loureiro, Humberto Maturana.

Fundamentos Da Educação Ambiental - (FEA)

Linha investigativa que aborda os fundamentos históricos, antropológicos, sociológicos e filosóficos da


educação ambiental. Considera que estes fundamentos são importantes na definição e compreensão das relações
entre a natureza e a sociedade e do campo da educação ambiental para favorecer a construção de perspectivas
críticas sobre a temática em face da crise sócio-ecológico-ambiental.

Nesta linha os investigadores objetivam a construção das epistemologias em educação ambiental. Neste
caminho a violonista Virginia Tavares Vieira atualmente doutoranda no PPGEA vem trilhando seus caminhos
investigativos. Em 2013 defendeu também no PPGEA a dissertação de mestrado “O discurso da crise
ambiental nas letras de Rock and Roll: modos de ser sujeito em tempos contemporâneos‖. Neste estudo a
autora objetiva estabelecer um diálogo entre música, sociedade e educação ambiental analisando as enunciações
de meio ambiente, homem e natureza.

Atualmente Virginia Tavares Vieira está analisando em sua investigação para tese de doutorado no
PPGEA/FURG os discursos sobre natureza a partir da música nativista gaúcha. Esta autora traz em seu
referencial teórico Michel Foucault, Isabel de Moura Carvalho, Zygmund Bauman, Maria Lúcia Castagna
Wortmann entre outros.

Educação Ambiental. Ensino e Formação de Educadores (as) - (EAEFE)

Esta linha aborda temáticas relacionadas à educação ambiental em contextos educativos


institucionalizados, com ênfase especial na ação e na formação dos docentes. Discute, através do processo de
pesquisa e da formação de pesquisadores em educação ambiental, os aspectos identitários e os saberes da
docência, as redes de aprendizagem e a constituição de professores educadores ambientais, os modos de
compreensão do campo educativo-pedagógico sobre as demandas ambientais emergentes na sociedade atual.

331
Cantores de grupos corais.
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Nesta linha de pesquisa se encontram duas pesquisadoras, a Dr.ª Thais de Oliveira Nabaes e Débora de
Fátima Einhardt Jara. Thais Nabaes é coordenadora pedagógica no IFRS - campus Rio Grande. Com formação
em pedagogia pela FURG e piano na Escola de Belas Artes Heitor de Lemos desenvolveu com base em suas
vivencias como professora um estudo que defendeu em 2010 no PPGEA/FURG onde tratou da educação
musical na escola pública com foco na educação infantil.

A dissertação de mestrado intitulada “O fetichismo da música na sociedade de consumo: aportes sobre


formação cultural a partir das vozes de uma turma de alfabetizandos‖ problematizou os aspectos culturais da
sociedade de consumo tendo como referencial teórico Theodor Adorno e Walter Benjamin em interlocução com
autores da Educação Ambiental.

A investigação de Nabaes (2010) buscou compreender como transparece no cotidiano em um grupo de


crianças o processo de fetichização do objeto artístico, bem como de identificar os mecanismos de persuasão
utilizados pela indústria cultural. A música foi eleita como um recorte da realidade social, o que permitiu
também que se levantassem algumas questões a respeito das presenças e ausências da educação musical nos
currículos escolares oficiais. Esta dissertação junto aos teóricos da Escola de Frankfurt elenca os seguintes
autores referenciais da EA: Carlos Frederico Loureiro, Leonardo Boff, Carlos Rodrigues Brandão, Isabel
Cristina de Moura Carvalho, Maria do Carmo Galiazzi, José Vicente Freitas, Félix Guatarri, Mauro Guimarães,
Marcelo Pelizzolli e Marcos Reigota.

A pesquisadora Débora de Fátima Einhardt Jara, é bacharel em canto, licenciada em música pela UFPel
e mestre em Educação Ambiental pelo PPGEA/FURG. Atualmente leciona a disciplina de música no Instituto
Federal Catarinense - IFC - Campus Camboriu. Defendeu em 2010 a dissertação de mestrado intitulada
―Paisagens sonoras e memórias ambientais: pontos de escuta da etnobiografia de Inah Martensen”.

Este estudo teve como propósito compreender como a ética profissional e a ação docente de uma
professora perpassaram a temporalidade e influenciam a ética ambiental de uma escola, produzindo uma prática
educativa que se perpetuou no processo de ensino/aprendizagem e a formação de professores de música
oriundos da instituição.

A investigação sobre formação de professores de música tem caráter (etno) biográfico e resultou a partir
dos discursos emergentes no campo de investigação em duas correntes ético-ambientais: uma oriunda dos
docentes da escola, ex-alunos da professora biografada com base na sua trajetória profissional e personalidade
marcante ao qual ela detectou características de ―autoritarismo pedagógico‖ com base em Bourdieu (2008). A
outra corrente, oriunda de ex-alunos da professora biografada -todos de terceira idade que faziam oficinas de
canto na escola - foi ancorada na história de vida e trajetória profissional da professora biografada, tendo como
referência suas práticas pedagógicas e ética profissional ao qual nomeou ―autoridade pedagógica‖ embasada em

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Paulo Freire (1996). Sendo assim com base na ética ambiental a autora traça a diferença entre a autoridade
versus autoritarismo e as relações verticalizadas de poder na escola assim como sua influência na formação,
ensino e aprendizagem.

Atualmente a autora desenvolve sua tese de doutorado no PPGEA/FURG que está em fase final de
elaboração e trata de uma educação musical na interlocução com a educação ambiental e etnomusicologia
critica. Objetivando a possibilidade de outra orientação metodológica, busca que esta interlocução possibilite
trabalhar com as questões sócio-político-culturais passiveis de serem dialogadas na esfera da música ofertando
a possibilidade de potencialização para profícuas discussões na escola acerca do tema cultura, estética, ética e
política a partir das obras musicais.

Suas investigações se ancoram nos seguintes teóricos: Joseph Kermann, Alan Merrian, Anthony Seeger,
Elizabeth Travassos, Ramón Pelinski, Clifford Geertz, Murray Schafer, Marisa Fonterrada e Paulo Freire,
fazendo a interlocução com os seguintes autores referenciais da educação ambiental: Moacyr Gadotti, Carlos
Frederico Loureiro, Isabel Cristina de Moura Carvalho, Félix Guatarri, Marcelo Pelizzolli e Marcos Reigota.

Para quê e para quem pesquisar a temática musical na interlocução com a educação ambiental?

Os estudos destes pesquisadores são direcionados e podem servir de referência para profissionais que
pretendem fazer um trabalho interdisciplinar com a educação musical na perspectiva ambiental, quer seja tanto
na vertente sócio ambiental quanto na naturalista. Embora os estudos destes professores estejam dentro da
vertente sócio ambiental, o trabalho de Virginia Tavares Vieira dialoga em vários momentos dentro das duas
vertentes quando emerge em sua dissertação e em várias de suas publicações - originárias da sua tese de
doutorado em andamento - as questões sobre a música e a cultura atravessada por certo lirismo e romantismo
descritivo da natureza acerca do ecossistema pampeano332.

A relevância destes estudos se dá na possibilidade de potencializar outras formas de se compreender o


complexo universo da música com seus signos, sentidos, modos de construção/produção e linguagem específica
fora dos modos tradicionais com que se vem pesquisando o tema. Com isto, não invalidamos nem tentamos
desconstruir o que já se vem produzindo em pesquisas em música e educação, somente apresentamos a
possibilidade de aproximação com a EA enquanto tema transversal, o que só poderá enriquecer ainda mais esta
área do conhecimento.

332
Termo de origem indígena que significa região plana que compreende a região do estado do Rio Grande do Sul/Brasil, Argentina
e Uruguai. É um bioma de vegetação rasteira propício para criação de gado, de onde liricamente emerge a figura do “pampeano”,
habitante nativo do lugar. Este nome é diretamente ligado ao “gaúcho”, trabalhador rural nativo em qualquer um destes três países.
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Questões como ecologia acústica, impactos ambientais a partir do som, a mudança nas paisagens
sonoras, a ética (ecoética e/ou bioética) em ambientes construídos (escola, hospitais, casas geriátricas,
indústrias, comunidades musicais/culturais) observados a partir da estética e potencializados na música, ou seja,
a partir de outra perspectiva, distinta do que já se vem produzindo pode ser de grande valia para arte-
educadores e educadores musicais.

Quanto à educação ambiental, entendemos que se amplia o campo epistemológico e área de abrangência
enquanto tema transversal, já que nesta interlocução potencializa-se a aproximação com as artes em todas suas
linguagens, entre elas elencamos a música que tem sido o tema central destes quatro pesquisadores.

A partir de estudos semelhantes a estes brevemente apresentados podemos pensar modos construir um
referencial teórico onde a complexidade da música, da estética, da cultura, enquanto prática e produção social
sejam contempladas em estudos mais densos e profundos.

Considerações finais

Com a finalidade de pensar para construir um referencial teórico acerca da temática ambiental em
interlocução com a música, foi apresentado este texto para se conhecer o que se vem produzindo a partir do
estudo de quatro professores pesquisadores vinculados ao Programa de Pós Graduação em Educação Ambiental
da Universidade Federal do Rio Grande - FURG.

Conforme apresentado, são escassas e insipientes fora deste programa de pós graduação as pesquisas em
música e meio ambiente (natural/construído; preservacionista/sócio-ambiental) no Brasil em comparação com
outros campos do saber. As publicações encontradas durante nossa revisão bibliográfica e na internet para a
área da música em interface com a EA emergem dos estudos dos pesquisadores oriundos do PPGEA/FURG.

As raras publicações que tratam da música e das temáticas ambientais encontradas com exceção das
obras de Marisa Trench de Oliveira Fonterrada (2004; 2005) tratam de modo superficial ou quase que alegórico
do tema. Observamos que a maioria das raras publicações nem fazem uso de um referencial teórico com autores
expressivos da EA.

Deste modo buscamos compreender como vem se constituindo e construindo lentamente a interlocução
entre educação musical e educação ambiental. Logo, entendemos que esta aproximação começa a emergir
dentro do PPGEA/FURG com questões que com aprofundamento teórico e conceitual podem originar uma
epistemologia músico-ambiental que contemple a área de atuação e intervenção de educadores musicais/arte-
educadores. Esta construção por fim pode ter reflexo na escola, saúde pública (musicoterapia), patrimônio

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cultural/ambiental, cultura social e outros temas que são constantemente atravessados pela ética e pela estética
na arte.

Deste modo, intentamos por fim, provocar a partir da apresentação destes estudos a curiosidade da
comunidade de estudantes, professores e profissionais da área da música em conhecer e adentrar o universo de
EA e assim sendo provocar estes a observar, olhar e escutar o mundo em que vivemos dentro desta outra
perspectiva.

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cultural em uma turma de alfabetizandos. (Dissertação de Mestrado). PPGEA – FURG: Rio Grande, 2010
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VIEIRA, Virginia Tavares. O discurso ambiental nas letras de Rock andRoll: modos de ser sujeito em
tempos contemporâneos. (Dissertação de Mestrado). PPGEA-FURG: Rio Grande, 2013.

Referencial eletrônico
http://www.educacaoambiental.furg.br/

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APONTAMENTOS SOBRE O CONCEITO DE NATUREZA NAS OBRAS DE RENÉ
DESCARTES E SUAS POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Alana das Neves Pedruzzi333
Tamires Lopes Podewils334
Ricardo Gautério Cruz335
Filipi Vieira Amorim336
Elisabeth Brandão Schmidt337
Agência Financiadora: Capes.
Resumo
O presente artigo visa tecer alguns apontamentos sobre o conceito de Natureza contido nas obras de René
Descartes(1596-1650) e os desdobramentos da produção deste autor na atualidade, momento em que
identificamos a prevalência de uma crise científico-ambiental. A fim de sustentar a tese de que a produção deste
autor tem um forte impacto na conservação dos fundamentos desta crise, nos utilizamos de alguns conceitos
desenvolvidos pelo autor, a saber, os conceitos de Dúvida metódica, Res Cogitans e Res Extensa. No primeiro
deles, discorremos sobre o movimento amplamente presente na obra de Descartes, o ato de partir do
questionamento da existência e das relações postas. Passamos então a elucidação da Res Cogitans, movimento
de instauração da razão humana como elemento prevalente na natureza. Em um terceiro momento nos
dedicamos ao estudo da Res Extensa, ou seja, da coisa exterior, da materialidade. Objetivamos, com este estudo
apontar alguns dos elementos que compreendemos importantes no entendimento da crise da atualidade, e que,
justamente por subsidiarem esta crise, constituem um foco importante na análise de diversos autores da
Educação Ambiental.
Palavras-chave: Natureza. Método Científico. Educação Ambiental.

Introdução

Neste artigo trataremos, prioritariamente, da conceituação de Natureza na obra de Descartes, procurando


tecer breves apontamentos a respeito da atualidade da concepção de mundo cartesiana, bem como sobre seus
desdobramentos, no presente momento histórico, e, em especial à Educação Ambiental, a saber, sobre o
impacto deste constructo filosófico na compreensão do homem como ser exterior à natureza, como elemento
dissociável dos demais entes materiais. Para tanto, organizaremos este escrito no sentido de responder a um
questionamento fundamental – aquele que nos move no sentido das descobertas – objetivando ainda sustentar,
por meio de três argumentos principais, a tese de que tal proposição filosófica subsidia a – ainda atual –

333
Discente do curso de Doutorado em Educação Ambiental – PPGEA/FURG. Mestre em Educação Ambiental – PPGEA/FURG.
Discente do curso de Licenciatura em Filosofia – UFPel. Bacharel em História/FURG. Bolsista Capes. E-mail: alanadnp@gmail.com
334
Discente do curso de Doutorado em Educação Ambiental – PPGEA/FURG. Mestre em Educação Ambiental – PPGEA/FURG.
Discente do curso de Licenciatura em Filosofia – UFPel. Licenciada em Ciências Biológicas. Bolsista do CNPq. E-mail:
podewils.t@gmail.com
335
Discente do curso de Doutorado em Educação Ambiental – PPGEA/FURG. Mestre em Educação Ambiental – PPGEA/FURG.
Discente do curso de Licenciatura em Filosofia – UFPel. Bacharel em Administração de Empresas/FURG. E-mail: ricardo-
gcruz@hotmail.com
336
Discente do curso de Doutorado em Educação Ambiental – PPGEA/FURG. Mestre em Educação/UNIPLAC. Discente do curso de
Licenciatura em Filosofia – UFPel. Licenciado em Ciências Biológicas. E-mail: filipi_amorim@yahoo.com.br
337
Doutora em Educação. Docente do Instituto de Educação/FURG e do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental/FURG.
E-mail: elisabethlattes@gmail.com
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compreensão de que o ser humano é dono e senhor da natureza e, portanto, constitui-se como um dos elementos
fundantes da crise científico-ambiental da atualidade.

A fim de sustentar tal tese, desenvolveremos, primeiramente, a ideia de Res Cogitans, procurando
subsídios na produção de Descartes e de alguns interlocutores, a fim de estabelecer o lugar do sujeito na relação
homem-natureza, bem como de suas características principais. Em um segundo momento, discorreremos a
respeito da dúvida, aspecto que consideramos essencial no processo de elucidação do conceito de Natureza na
filosofia cartesiana. Em instante diverso, após traçarmos o lineamento geral do pensamento do autor – e sua
caminhada de dúvidas e de argumentação em favor da razão – apresentaremos alguns elementos constituintes
da Res Extensa, ou seja, da Natureza, tomada aqui enquanto materialidade, como elemento em relação com o
homem. Por fim procuraremos, munidos dos subsídios necessários uma maior elucidação de nossa questão
motivadora e da tese que pretendemos sustentar, retornar a problemática da relação da produção filosófica do
autor com a crise científico-ambiental presente neste momento histórico.

Compreendemos fundamental destacar a importância do pensamento cartesiano ao falarmos não só de


ciência, mas também da relação do homem com o meio em que vive, e porque não, da relação entre os seres
humanos, focos prioritários de debate à Educação Ambiental. Descartes, conhecido majoritariamente como
fundador da doutrina racionalista é figura central em inúmeros debates filosóficos, suas posições respaldam a
produção de conhecimento não apenas na área da filosofia, desdobrando-se ainda, no fazer científico
característico do que hoje entendemos como ciências exatas mostrando-se preponderante quando tratamos da
área das ciências da natureza. Tal repercussão não é em vão, pois o referido autor dedicou-se não só ao estudo
da matemática, geometria e da física, mas empenhou-se na aplicação de princípios destas ciências particulares
em sua análise da natureza do homem e da materialidade. Fazendo com que a produção destas áreas do
conhecimento fosse o subsídio para os demais conhecimentos passíveis de produção.

Outro fator que garante, a Descartes, um papel central nas ciências exatas e da natureza foi a produção
de um método científico, elemento que se tornou tão renomado e referenciado que, mesmo agora, dá o tom do
que se conhece de forma geral por ―método científico‖. Tal retrato nos mostra a densidade da elaboração
cartesiana, pois séculos após sua morte, a proposição epistemológica a que se dedicou ainda hoje é referenciada
como padrão para as demais proposições metodológicas. Tal método é composto por variadas etapas, partindo
da dúvida para que se chegue a uma verdade indubitável; a segunda, sendo a fragmentação do todo em partes,
fragmentando o todo para o melhor conhecimento de suas partes; a terceira, de reagrupamento das partes, onde
estas são conhecidas em suas relações com o todo; e por fim, a etapa dedutiva, de onde se parte dos elementos
descobertos à elucidação daquilo que pode ser compreendido (DESCARTES, 2015).

O problema central que nos move neste escrito diz respeito aos fundamentos do que denominamos
como crise científico-ambiental, ou seja, como se dá a cisão entre homem e natureza, como este homem – que
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entendemos parte indissociável da materialidade que o cerca – se entende fora da natureza, senão, superior a
ela. Ao assumirmos a existência de uma crise científico-ambiental, procuramos estabelecer seus elementos
fundantes, investigamos suas características essenciais e seus possíveis desdobramentos, para então, em um
segundo momento, formularmos a problemática central que nos move na busca por novos conhecimentos.
Entendemos que a crise em que estamos imersos hoje faz parte de um sistema maior de crise, o que István
Mészáros (2011) denomina como Crise Estrutural do Capital.

Interessa-nos, para este escrito, a análise dos elementos desta crise que tratam com maior propriedade da
dinâmica entre homem e natureza, e até mesmo das relações entre os próprios seres humanos, tidas aqui como
relações alienadas, de exploração do outro e da natureza, de capitalização do valor intrínseco aos homens e a
natureza, bem como das possíveis consequências destas relações de exploração até mesmo para a viabilidade do
futuro da humanidade e das condições mínimas para vida no planeta. Visando entender melhor esta dinâmica é
que nos lançamos em uma possível resposta para nosso questionamento central, procurando subsídios para
sustentar a preponderância da compreensão cartesiana nos fundamentos deste amplo cenário de crise que se
abate na atualidade.

Sabemos que a Educação Ambiental tem sido pauta de inúmeros debates nas últimas décadas, marcando
presença em discussões acerca de temas como: a poluição da água; produção de resíduos; impactos da produção
e consumo na natureza; conservação e proteção de florestas; defesa de povos tradicionais e seus modos de vida;
dentre outras variantes que comumente preenchem o espaço ―ambiental‖ de noticiários, revistas, congressos, e
mesmo, pesquisas acadêmicas. Interessa-nos porém para este momento, uma outra face da Educação
Ambiental, uma outra maneira de debatê-la, certamente de menor propagação e densidade neste campo do
saber, mas, sem sombra de dúvidas, presente de forma subjacente nos debates sobre os tópicos inicialmente
mencionados e que são entendidos, majoritariamente, como elementos pertinentes à crise científico-ambiental
da atualidade. O viés que objetivamos elucidar fala sobre o substrato filosófico, a compreensão de ser humano,
de natureza e da relação entre ambos, elementos que nos parecem ser a tônica central dos múltiplos conceitos
de Educação Ambiental que se situam no campo crítico.

Da dúvida

O primeiro argumento que pretendemos desenvolver neste escrito é de que a dúvida tem um papel
fundamental na obra cartesiana. Ora, sabemos que tal afirmação não apresenta novidade no debate científico, no
entanto, nos utilizamos da importância desta dúvida para sustentarmos que é ela que fará a ponte entre a Res
Cogitans e a Res Extensa, ou seja, que Descartes apresenta em suas obras um diário de pesquisa, onde, partindo
do pressuposto de que o caracteriza o homem é o pensar, a razão, procura explicar, por esse elemento, o
restante da natureza, valendo-se da dúvida metódica, do questionamento, para então sustentar o elemento do
qual deduzirá a explicação dos demais entes, a razão.
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Descartes imprime tamanha importância à dúvida a partir de seu desencantamento com a produção de
conhecimentos em seu momento histórico. Ainda em instante de passagem do período medieval para o período
moderno, do conhecimento especulativo para o conhecimento prático, ou, conforme compreendemos, de uma
forma de trabalho servil para o trabalho assalariado, Descartes expõe em seus escritos a insatisfação,
especialmente, para com a ciência especulativa, com as formas de produção de conhecimentos que não visam a
decomposição e entendimento de todas as partes de determinada coisa. Tal fato, pode ser explicado pois o
período de vida do autor transcorre em um momento em que a humanidade carecia de uma produção
sistemática de conhecimentos, mais ainda, aqueles oriundos das áreas das ciências exatas e da natureza, aqueles
que poderiam gerar melhorias ais diretas e ―palpáveis‖ para a humanidade. Assim, podemos ver na obra
Discurso do Método:

[...] o maior benefício que daí tirei foi que, percebendo uma série de coisas que, entretanto, nos parecem
aceitas e aprovadas comumente por outros grandes povos, aprendi a não confiar muito em nada do que
me fora incutido somente pelo exemplo e pelo hábito, e, desse modo, livrei-me gradativamente de muitos
erros que podem ofuscar nossa luz natural e nos tornar menos capazes de ouvir a voz da razão
(DESCARTES, 1998, p. 37-38).

Conforme retrata o autor, a herança de uma filosofia especulativa, de uma forma de fazer científico que
não objetivasse o conhecimento das coisas, das leis gerais da natureza e da aplicação o mais imediatamente
possível, se constituía como um erro, como algo não proveitoso para o atendimento das necessidades da
humanidade – naquele período, especialmente, necessidade de compreensão do funcionamento das coisas –.
Para sanar tal equívoco, Descartes lança suas dúvidas sobre aquilo que estava instituído como conhecimento
científico e daí, passa a fazer da dúvida o principal meio pelo qual sustentará a primazia da razão.

Segundo Mauro Grün,

Na tentativa de eliminar tais suspeitas, Descartes busca descobrir um fundamento sólido e verdadeiro que
não dependesse da cultura a que pertencia. É através de sua obra sobre a diversidade de opiniões na
cultura que Descartes chega no momento crucial do Discurso do Método – a mudança da história, cultura
e tradição ao ―eu‖, a base de todo o conhecer (2006, p.64).

Neste movimento de questionar o que lhe foi tradicionalmente incutido, Descartes se lança na dúvida de
tudo que lhe cerca, até mesmo de sua própria existência. Ao invés de inicialmente sustentar um argumento e
procurar subsídios para prová-lo, ele procura o contrário, questiona suas aparentes certezas até que delas não
reste mais nenhuma dúvida (DESCARTES, 2015). Assim, a busca da verdade, do que pode ser comprovado
pelo exame da razão torna-se o caminho que irá desenvolver em seus escritos.

Em sua obra Meditações Filosóficas, Descartes, apresenta claramente até que ponto vai sua dúvida,
onde questiona a si, seus sentidos e representações da realidade, deduzindo que, se nada resta que não possa ser
questionado, apenas se pode entender que não há certeza da existência das coisas, imagens e representações.
Nesta obra, ainda elabora se esta dúvida não poderia o levar a supor que a realidade nada mais é do que um
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sonho, ou algum gênio maligno que lhe pregaria peças, o fazendo acreditar que as coisas em que pode pensar
realmente existem (DESCARTES, 2004). Ainda neste escrito, o autor nos brinda com uma passagem a respeito
do que, mais tarde em sua obra, será princípio para sua sustentação da razão como elemento primordial e
característica diferenciadora entre os seres humanos e os animais, assim vemos que:

[...] quando quis pensar que tudo era falso, era preciso necessariamente que eu, que o pensava, fosse
alguma coisa. E, observando que esta verdade, penso, logo existo, era tão firme e tão segura que as mais
extravagantes suposições dos céticos eram incapazes de a abater, julguei que podia admiti-la sem
escrúpulo como o princípio da filosofia que eu buscava (DESCARTES, 2004, p. 70).

Por este excerto somos levados à compreensão base do que Descartes irá desenvolver como Res
Cogitans, ou seja, somos apresentados ao elemento basilar de sua defesa da razão, onde o final deste primeiro
momento de dúvida culmina em uma solidificação do ―eu pensante‖, da existência da razão como único
elemento verificável, possível de ser caracterizado em definitivo como ser existente.

Da Res Cogitans

A Res Cogitans seria para Descartes a ―coisa pensante‖ em alguns escritos, referenciada como alma, ou
ainda, como razão. Essa alma seria um elemento estritamente humano, como se um espelho da perfeição divina.
Tal afirmação, advinda de um dos maiores referenciais das posições antropocêntricas no debate ambiental pode
até soar curiosa, no entanto, se explica pela trajetória de vida do autor. Reconhecido por sua crença em Deus e
por professar a religião católica, Descartes expôs em sua produção filosófica ao mesmo tempo que uma defesa
intransigente da razão humana – e da superioridade dos seres humanos ante os demais seres –, uma
identificação de que a razão humana seria uma partilha das ideias perfeitas de Deus. Neste sentido, objetivou
conciliar, em uma mesma proposição aspectos que podem soar contraditórios. No entanto, Descartes (2004), de
seu modo, procurou responder ao questionamento do que há por trás do movimento da matéria, ou, para ele, de
onde parte a razão humana, segundo sua concepção de mundo, seria este o papel de Deus, o de fundamento da
razão, a quem ela recorreria na busca da compreensão das coisas.

Se há entre a razão humana e a perfeição divina algum compartilhamento, alguma forma de relação
estreita, não se pode dizer o mesmo da relação entre corpo e alma, entre a razão e a matéria, ou como tratamos
aqui, entre a Res Cogitans e a Res Extensa. O que se pode deduzir desta relação é uma profunda independência
da razão em relação ao mundo material.

Após duvidar do mundo, dos conhecimentos a que tinha acesso, dos outros e de si mesmo, Descartes
evidencia sua compreensão acerca do que seria a razão e da relação de independência em que se situa para com
a materialidade ―[...] compreendi que era uma substância cuja essência ou natureza consiste no pensar e que,
para ser, não necessita de nenhum lugar, nem depende de qualquer coisa material (DESCARTES, 2015, p. 56)‖.
Da mesma forma sustenta que:

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Agora, não admito nada que não seja necessariamente verdadeiro: sou, portanto, precisamente, só coisa
pensante, isto é, mente ou ânimo ou intelecto ou razão, vocábulos cuja significação eu antes ignorava.
Sou, porém, uma coisa verdadeira e verdadeiramente existente. Mas, qual coisa? Já disse: coisa pensante
(DESCARTES, 2004, P. 26).

Ao falarmos dessa relação de independência entre corpo e mente, razão e materialidade, precisamos
retomar a questão da dúvida metódica, pois é através desta que Descartes chega a compreensão de que só pode
sustentar enquanto verdade indubitável a existência da própria coisa pensante, de seu intelecto. O duvidar, que
nos traz a ascensão do ―eu‖, foi motivado também pela relação de incredulidade para com os sentidos. Estes,
agora tratados em sua relação com a Res Cogitans são elementos em que, novamente, não se pode confiar, e por
este motivo a percepção não é uma faculdade reflexiva dos objetos, ou ainda, entremeio entre a materialidade e
os sentidos, mas sim, faculdade da razão, pela qual pode se apropriar das mais diversas coisas, significados ou
representações. Tal percepção pode ainda exemplificar diversos níveis de apropriação dos entes, não sendo,
pois, propriamente, a faculdade do toque, da imaginação ou da visão, retratando, antes, o quanto a razão pode
prestar atenção ao seu produto, o quanto pode se desdobrar em representações, imagens ou significados.

Há ainda outros elementos que caracterizam o homem e o diferenciam dos demais seres, especialmente
dos animais, conforme exemplifica o próprio Descartes tanto em suas Meditações sobre a Filosofia Primeira
(2004), quanto no Discurso do Método (2015). Na segunda obra, Descartes apresenta a alma como elemento
que distingue os homens dos animais, deixando evidente que sem esta, os homens seriam como que máquinas,
apenas dotados de um maior grau de complexidade (DESCARTES, 2015). Disto podemos deduzir que os
animais, e também o próprio corpo humano, são entendidos sob a ótica do mecanicismo – elemento pelo qual a
obra de René Descartes é também amplamente conhecida –.

Justamente por possuir alma, segundo Descartes, o homem é um ser vivo que se distingue dos demais e,
por esta razão, deve ser considerado a mais importante criação de Deus. Os animais e as plantas, para ele,
são consideradas então como simples mecanismos que, por não possuírem uma ―alma‖, não podem sentir
realmente, uma vez que o sentimento, nessa ótica cartesiana, estaria relacionado diretamente ao
pensamento, ou seja, à alma racional (PINTO, 2010, p. 4).

Raciocínio semelhante é aplicado a relação entre corpo e mente, onde Descartes (2015) afirma que é
mais fácil conhecermos a alma do que o corpo, pois mesmo que este não fosse concreto, realmente verificável,
esta ainda o seria, não perdendo suas qualidades. Esta questão nos parece reafirmar a posição de que o
pensamento cartesiano sustenta uma independência entre corpo e intelecto, alma e matéria. Conforme vemos
em Tozoni-Reis:

[...] se a razão – a objetividade –, se faz presente para definir as relações dos seres humanos entre si e
entre eles e o ambiente em que vivem, o ponto de partida da relação homem-natureza é determinado pelos
conhecimentos – objetivos e inquestionáveis porque científicos – produzidos por esses próprios homens.
Sob o argumento da neutralidade da ciência ela, em sua dimensão social, contribui para a organização dos
indivíduos numa sociedade racionalmente estruturada, cuja perspectiva estática da relação homem-
natureza implica o domínio absoluto daquele que tem o poder, em sua origem conferido por Deus, sobre
os conhecimentos: o ser humano (2002, p. 88).
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De tal relação de superioridade partimos para a definição de materialidade segundo a obra de Descartes,
para que possamos, por fim, tecer algumas relações entre essas concepções e a problemática de crise científico-
ambiental que anunciamos no início deste escrito.

Da Res Extensa

Para Descartes (2015) a Res Extensa poderia ser definida como a coisa extensa, como o corpo, ou a
matéria. Não nos pareceu clara a definição a respeito da existência ou não da materialidade segundo a obra
cartesiana. No entanto, tal questão nos parece plausível caso recorramos a dúvida metódica, segundo a qual, se
o que se pode sustentar é somente a razão, não poderíamos, de forma alguma, depreender uma certeza
inequívoca sobre a existência da materialidade, afinal, só a razão é uma certeza indubitável. Dito isto, podemos
entender que a forma com que Descartes trata a Res Extensa é muito mais uma tentativa de apropriação das
produções da razão, e também de resposta a pergunta sobre a cognoscibilidade do mundo, do que,
propriamente, uma resposta definitiva acerca do corpo, da matéria, dos animais, do mundo.

Nesse sentido, esse movimento de se lançar ao que é questionável – feito por Descartes ao debates sobre
a matéria – nos revela também possibilidades para pensarmos a respeito de qual seria então o papel da natureza
em sua produção filosófica. Conforme Grün (2006), a natureza seria então o lugar do sujeito, sua posse e
domínio, conforme afirma também o próprio Descartes em seu Discurso do Método (2015). Ao afirmar a
propriedade do homem sobre a natureza – ou melhor, da razão sobre a matéria – Descartes subsidia uma
compreensão objetificadora desta, tecendo uma cisão radical entre sujeito e objeto.

É na base desta cisão radical entre sujeito e objeto que se pautará praticamente todo o conhecimento
científico subseqüente. O sujeito é o cogito e o mundo, seu objeto. É na base desse dualismo que
encontramos a gênese filosófica da crise ecológica moderna, pois a partir dessa cisão a natureza não é
mais que um objeto passivo à espera do corte analítico. Os seres humanos retiram-se da natureza. Eles
vêem a natureza como quem olha uma fotografia. A natureza e a cultura passam a ser duas coisas muito
distintas (GRUN, 2006, p. 35).

Disto podemos deduzir o entendimento do universo enquanto máquina, da própria natureza engessada
em um mecanicismo, onde aplicam-se as leis da mecânica, da geometria. Conforme sustenta Edgar Morin
―desde Descartes que pensamos contra a natureza, certos de que a nossa missão é dominá-la, subjugá-la,
conquistá-la (1999, p.15)‖. Tal afirmativa nos faz pensar a respeito da origem da compreensão de natureza
evidenciada por Descartes, o que, em nosso entendimento, pode ser melhor situada diante da falta de
convencimento do autor quanto a veracidade da matéria, ou ainda, pelas necessidades históricas impostas
durante sua vida, momento em que as descobertas da matemática, da física e do quimismo era necessárias ao
desenvolvimento da humanidade. Conforme nos fala Pinto:

Imaginando seu verdadeiro eu como um observador desencarnado e não como um coparticipante


incorporado a um mundo vivo, Descartes proporciona a base filosófica para o ideal de desprendimento

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científico responsável pelo desenvolvimento de uma ética antropocêntrica de exploração da natureza
(2010, p. 5).

O desprendimento do homem em relação a natureza abordado pelo autor acima referenciado é tom
marcante no desenrolar do pensamento científico, especialmente, naquele que busca a justificação de tal
posição de domínio e subjugação da natureza por um homem que tudo pode e tudo faz. No entanto, ainda que
este seja um elemento importante a ser depreendido da obra do autor, nos parece que a conceituação de Res
Extensa é muito mais uma tentativa de resposta à existência ou não da materialidade, do que uma afirmativa a
respeito das características desta.

Mesmo que tenhamos desenvolvido algumas considerações a respeito da dúvida metódica e da Res
Cogitans, é o desdobramento do entendimento de Res Extensa que nos é prioritário, afinal, compreendemos que
é deste desdobramento que é derivada boa parte da compreensão de ciência e de natureza dispostas ao longo da
modernidade, e mais, e dela que parte uma posição objetificadora da natureza, elemento primordial no cenário
de crise científico-ambiental da atualidade.

Considerações finais

Sabemos da densidade do constructo filosófico cartesiano, e, portanto, não poderíamos ter a pretensão
de esmiuçar, neste escrito, todas as pertinências, questões ou fragilidades a respeito da obra de René Descartes.
No entanto, objetivamos desenvolver nesse momento, alguns apontamentos a respeito do conceito de Natureza
para Descartes. Cabe ressaltar que, embora vejamos muitas referências depreendendo da obra cartesiana um
conceito de natureza estritamente como matéria/corpo/mundo, tal posição não é de nosso inteiro agrado, afinal,
conforme procuramos expor ao abordarmos alguns argumentos importantes da obra de Descartes, não é,
propriamente, a Res Extensa que caracteriza o conceito de Natureza para este autor, senão a relação entre a Res
Cogitans e a Res Extensa, relação essa cujo entremeio entendemos ser a dúvida metódica. Por este motivo,
procuramos não focar apenas no conceito na coisa extensa, senão em uma análise pouco mais pormenorizada de
outros elementos da obra do autor. Disto, pensamos que é possível depreender uma resposta – ainda que
momentânea e passível de questionamento – a respeito da questão central que nos moveu neste estudo,
encontrar a tônica principal da cisão entre homem e natureza, entre corpo e mente, procurando, nestes
elementos, possíveis respostas para o fundamento da crise científico-ambiental que assola a humanidade.

Julgamos adequado identificar na proposição filosófica cartesiana uma perspectiva de fragmentação da


realidade, conforme exposto por Descartes em seu Discurso do Método (2015) e entendemos que esta
fragmentação entre matéria e espírito é um dos elementos motivadores desta crise, afinal, nos parece que o
presente momento histórico carece de uma visão da totalidade da natureza, entendida por nós como um lugar e
relação de intercâmbio entre os seres humanos e o meio em que vivem. Julgamos necessário destacar tal
elemento pois encontramos em diversos autores referenciais da Educação Ambiental, como Grün (2005),

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Carvalho (2014) e Loureiro (2006) uma crítica severa ao entendimento do homem como um elemento isolado
da natureza, superior a ela, na condição de dominador desta. Retomar, portanto, o debate sobre esta
fragmentação na obra de um autor da envergadura de Descartes, certamente é um exercício de retomada dos
fundamentos que subsidiam tais compreensões.

Cabe ressaltar que, no parágrafo anterior falamos de uma relação entre os seres e o meio, talvez
possamos ter delineado levemente uma posição antropocêntrica ao colocarmos textualmente o sujeito em
posição de preponderância com relação ao meio. Sustentamos que este sujeito, nos é prioritário apenas no trato
epistemológico, ou seja, o tomamos nessa ordem de importância porque somos sujeitos, e assim, nossa
perspectiva de mundo, a forma como sentimos, compreendemos e nos relacionamos com o mundo e com os
outros, sempre partirá deste ponto de vista. Isto, porém, não significa dizer que há uma primazia ontológica do
ser humano, ou ainda um grau de importância ou mesmo de independência deste com relação ao meio.
Compreendemos que o homem vive em intercâmbio constante com a o meio natural, é dele que tira seu
sustento e possibilita sua sobrevivência, conforme retratado por Marx em seus Manuscritos Econômico-
Filosóficos (2006), ou ainda por Lukács, em sua Ontologia do Ser Social (2012).

Neste sentido, identificamos, na posição cartesiana uma imposição de significação do outro, ao invés de
uma abertura ao outro, ao em si da natureza. É possível deduzirmos ainda um descompromisso científico para
com a natureza oriundo dessa compreensão filosófica, o que acaba por se desdobrar no não entendimento do
outro e do meio enquanto totalidade, e esta relação como vital à sobrevivência humana. Retomamos, com isso,
a tese que nos propomos sustentar neste escrito, a de que os escritos de René Descartes tem um impacto latente
nos desdobramentos da crise científico-ambiental em que estamos imersos.

Referências

CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. A perspectiva das pedras: considerações sobre os novos
materialismos e as epistemologias ecológicas. Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 9, n. 1 – págs. 69-79,
2014.
DESCARTES, R. Discurso do método. Brasília: UnB, 1998.

DESCARTES, R. Discurso do Método. Porto Alegre: L&PM POCKET, 2015.

DESCARTES, R. Meditações sobre filosofia primeira. Campinas: CEMODECON – IFCH/Unicamp


(Tradução: FaustoCastilho), 1999.

GRUN, M. Descartes, historicidade e educação ambiental. In.: Pensar o Ambiente: bases filosóficas para a
Educação Ambiental. Brasília: Edições MEC/UNESCO, 2006.

GRUN, M. Educação e Ética Ambiental: a conexão necessária. 10ª ed. Campinas: Papirus, 2006.

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GRÜN, Mauro. Ética e Educação Ambiental: a conexão necessária. 9° Ed. Campinas: Papirus, 2005.
LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo. Trajetória e Fundamentos da Educação Ambiental. São Paulo:
Cortez, 2006.
LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social. São Paulo: Boitempo. 2012.

MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2006.

MÉSZÁROS, I. A crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo, 2011.

MORIN, E. O paradigma perdido – A Natureza Humana.6° Ed. Lisboa : Publicações Europa - América,
1999.

PINTO, T. J. S. Filosofia, ética e meio ambiente – Bergson x Descartes: a crítica ao modelo mecanicista e
antropocentrista de compreensão da natureza e a abertura de novas perspectivas para a ética ambiental.
In: Revista Eletrônica Machado Sobrinho. 2° Ed. 2010.

TOZONI-REIS, M.. Formação dos educadores ambientais e paradigmas em transição. In: Revista Ciência
& Educação, v. 8, no. 1, 2002.

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ANTROPOCENTRISMO ECONOMICISTA E OUTRA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Antonio Carlos Porciuncula Soler
Resumo
o economicismo antropocêntrico é uma característica central da crise ecológica. o antropocentrismo se
caracteriza por considerar o homem apartado e superior a natureza, devendo essa explorada e usada conforme
seu interesse. O economicismo transforma as relações econômicas em sinônimo de desenvolvimento, propulsor
da evolução de toda e qualquer sociedade, considerado o maior valor humano, superior a qualquer outro,
especialmente, os voltados a natureza. Notadamente, no capitalismo, sobre os social e economicamente
vulneráveis recaem os efeitos da injustiça ambiental, tendo em vista a busca de uma produção sem fim para que
seja possível a acumulação de capital. Já no socialismo, notadamente o praticado, em que pese a tentativa de
construir uma sociedade mais equitativa, ao trilhar um processo voltado para o desenvolvido acelerado, acabou
por macular a natureza tanto quanto no sistema capitalista. Modelos econômicos e de sociedade que são
produzidos e reproduzidos por uma EA, mas que também, conforme ela se apresente, pode ajudar a superá-lo.
Para que isso seja possível é necessário que se busque a construção de uma outra EA, que abandone os valores
dominantes e construa outros, capazes de superar esse cenário.
Palavras-Chave: Educação Ambiental. Antropocentrismo. Economicismo.

No debate teórico em torno da ecologia política e da Educação Ambiental (EA) e dos seus respectivos
papeis perante a crise ecológica (CE), suas causas e consequências, muitos autores convergem no sentido de
que a economia hegemônica,notadamente capitalista, é o principal fator da produção e reprodução dessa crise
(SANTOS, 2006, p.192; BURKETT apud MONTIBELLERFILHO, 2008, p.197; LOUREIRO, 2006a, p.49;
LOWY, 2005, p.49; LEFF, 2001, p.15; DOBSON, 1997, p.206; LATOUCHE, 2009, p.29 e 30).

Assim, o capitalismo é um sistema que tem o ―irresistível impulso para o crescimento, mas que é
incapaz de deter a degradação antrópica que ele gera‖ (O‘CONNOR apud LEFF, 2001, p.24).

De fato, quem pratica uma EA voltada para superação da CE, especialmente no movimento ecológico,
se depara com tal realidade.O modo de vida decorrente de uma sociedade predominantemente voltada para o
mercado tem tido como consequência impactos negativos, ambientas e sociais, os quais estão inexoravelmente
vinculados.

No capitalismo, os destinatários dos efeitos negativos das assimetrias sociais338são mais vulneráveis aos
efeitos da poluição/degradação, fenômeno descrito como injustiça ambiental339, qual seja, o ―mecanismo pelo
qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais,
do desenvolvimento, às populações de baixa renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos

338
A assimetria capitalista pode ser verificada, não só na exploração da mais-valia do trabalhador, mas também no consumo da
Natureza (transformada ou não) (SOLER, 2011, p.70).
339
O Observatório dos Conflitos do Extremo Sul do Brasil (https://www.facebook.com/observaconflitosRS/info/?tab=page_info), da
FURG, desde 2011, passou a monitorar e pesquisar os conflitos ambientais por dentro da academia.
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tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis‖ (ACSELRAD, MELLO e
BEZERRA, 2009, p. 41).

O modelo econômico dominante não se produz ou se reproduz sem uma determinada forma de ―agir e
pensar, consolidada no paradigma moderno dominante, intrínseco a uma visão de natureza antropocêntrica,
eminentemente economicista, opressora de não humanos e humanos‖ (SOLER, 2011, p.64). É dita
antropocêntrica aquela visão de natureza ―a qual opõe sociedade e Natureza, autorizando e legitimando a
dominação da última, bem como sua redução a um instrumento para a satisfação de necessidades e desejos
humanos‖ (DIAS, 2008, p.14). Economicista porque iguala a economia à ideia-força de desenvolvimento,
sendo esse considerado como motor central e essencial de toda e qualquer sociedade, lhe atribuindo um valor
supremo e quase mítico, onde todo e qualquer outro valor humano e, especialmente, os voltados à natureza lhe
são inferiores.

Antropocentrismo: legitimador de uma economia degradante

O art. 225 da Constituição Federal (CF/88), que garante o direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, a base para todo o ordenamento jurídico ambiental brasileiro, apresenta clara
essência antropocêntrica (DIAS, 2008, p.17), pois assim estabelece: ―Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.‖Podemos apreender que o objetivo de unir esforços entre o Poder Público e a sociedade civil para
defender e preservar o ambiente é o de oferecê-lo para o uso, de forma equilibrada, paras as gerações atuais e
para as que virão. O texto não fala na defesa do ambiente pelo seu valor em si, mas sim pelo que representa à
vida humana atual e futura, revelando uma relação utilitarista.

A seguir, a CF/88, explicita que o Poder Público deverá perseguir esse fim pela Educação Ambiental
(inciso VI, parágrafo 1º, art. 225). Ora, não é de se espantar que o marco legal da EA no Brasil, e sua pratica
consequente, tenham, igualmente, uma essência antropocêntrica. Mas também não se pode afirmar que tal
essência decorre somente do texto constitucional, já que esse é fruto, por sua vez, de uma cultura,
necessariamente dominante, que é também de essência antropocêntrica.

Não há uma razão só ou um momento histórico único que explique essa cultura de oposição entre
homem/mulher340 e natureza, uma das características principais do modelo antropocêntrico de mundo. Mas,
sim, um processo construído ao longo do tempo, em meio as relações sociais, ou seja, um processo
histórico.Dias destaca que

340
Cabe ressaltar que nessa relação de poder, a mulher aparece menos como dominadora do que como dominada, assim como a
Natureza.
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os povos dos primórdios da história da humanidade não faziam tal oposição, possuindo uma visão mágica
acerca da Natureza e da realidade. Isto porque não havia a possibilidade de compreendê-la e dominá-la,
restando a adaptação, a obediência, a participação, mas sem com isso haver um reconhecimento da
mesma como alteridade (DIAS, 2008, p.32)

Para Gonçalves (2004, p.29) o entendimento de natureza que predomina na modernidade, tem sua
filiação na história do mundo chamado ocidental (matrizes filosóficas clássicas de Roma e Grécia).Entre os pré-
socráticos há uma importante base teórica para o antropocentrismo atual, especialmente em Protágoras de
Abdera (411-481 a.C.) formulador do clássico entendimento de que ―o ser humano é a medida de todas as
coisas‖ (BOFF, 1995, p.112). Mas é na filosofia clássica que se funda a ideia originária da dominação
antropocêntrica: não bastava conhecer e resignar-se com a ordem da existência, mas sim, avaliar se era ―boa‖ o
suficiente para os ―homens‖ e, a partir disso, o mais importante, passível de ser modificada (LEIS, 2004, p.20).

O chamado cristianismo oficial(medieval), se valendo de uma leitura oportunista e própria do


pensamento aristotélicoe platônico,não só ratificou como também reforçou tal separação homem/mulher X
natureza (PEPPER, 1996, p.195; MILARÉ; COIMBRA, 2004, p.11; GONÇALVES, 2004,p.32), produzindo e
reproduzindo uma cultura antropocêntrica.

Mesmo que após, a ciência tenha se desvinculado da religião e, em parte, superado seu poder de influir
na formação educacional e na sociedade em geral, trazendo à ela luz (Iluminismo), corroborou com a separação
oposicionista entre humanos e Natureza (DIAS, 2008, p.34). Tanto que o legado por uma gama de construtores
relevantes da ciência moderna como Galileu, Descartes, Bacon e Newton partiu do pressuposto da exclusão da
Natureza do contrato social341 (do Direito e da Educação, p.ex.), legitimado pela ideia de homem não natureza
(SANTOS, 2006, p.185-190).

O Iluminismo, por isso, alargou a afirmação de Bacon: a ciência não era para ser apenas o meio para
melhorar as circunstâncias materiais da sociedade, mas também o meio de comandar a natureza humana
em acção de forma a melhorar as condições morais e sociais (PEPPER, 1996, p.192).

Tal visão de Natureza, não humana,foi oportuna para a formação de um novo sistema econômico
mundial, eurocêntrico, projetando a modernidade. Assim, antropocentrismo e o mercantilismo formavam um
vinculo solido, que através do colonialismo, se expandiria e conquistaria o mundo (GONÇALVES, 1994, p.34),
destruindo civilizações e provocando danos irreversíveis a natureza, como foi,notadamente, o caso da
exploração da Mata Atlântica342.

341
Os contratualistas absorveram a idéia do progresso como caminho para a perfectibilidade humana e da Natureza não humana como
algo a ser controlado e manipulado para fins utilitários. A idéia chave do contrato social era afastar o homem do seu ―estado de
natureza‖, para constituir a sociedade civil e o Estado moderno (DIAS, 2008, p.35).
342
Esse bioma, já perdeu em torno de 80% da sua cobertura original (CEA, 2011).
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Desde então outros de casos de exaustão da natureza, a partir de uma leitura exterior e inferior ao
homem/mulher se deram e estão em curso, cujos exemplos, por generalizados e por conhecimento público, não
reclamam alguma menção.

Com a globalização neoliberal (GONÇALVES, 2006, p.51) ou globalizações hegemônicas (SANTOS,


2006, p.438), esta elaboração acerca do que é Natureza, o que/quem faz ou não parte dela e,
principalmente, qual sua função social, se expande (neocolonialismo) e se assenta no imaginário e na ação
política dos Estados-Nação, bem como nas relações internacionais, notadamente comerciais, que
estabelecem entre si. (DIAS, 2008, p.36)

Dessa forma, uma marca da sociedade moderna contemporânea ocidental e economicista é a ideia falsa
de que os humanos estão separados Natureza e apresentam um valor maior que tal totalidade.

Também, é uma caraterística ideológica forte dessa sociedade crer, de forma quase que fanática, de que
a ciência e a técnica (Tecnicismo343), ditas neutras, serão a chave para minimizar e até solucionar a crise
ambiental.

Outro fato que marca de forma indiscutível a moderna sociedade é a brutal injustiça social e ambiental,
já ditas. Poucos desfrutam de uma vida de consumo acima das necessidades. Enquanto a grande maioria
precariamente consegue suprir as necessidades, outros sobrevivem sem satisfazer essas necessidade, o que esta
em desacordo com o conceito de sustentabilidade e/ou desenvolvimento sustentável adotado pelo Brasil e
traduzido no mencionado art. 225 da CF/88, objeto da EA.

20% da população mundial consome a maior parte da natureza (¾), sobrando apenas ¼ para os demais
80%‘, dos quais a maioria esmagadora não passa de recicladores (ALIER, 2007), revelando assim uma
inegável injustiça social ao lado de, por conseqüência, uma diferenciada responsabilidade pela crise
ecológica. (SOLER, DIAS e VERAS-NETO, 20, p.)

Assim, as experiências econômicas, movidas por uma visão antropocêntrica de natureza, gera injustiças
sociais e danos ambientais pelo mundo a fora, como abordaremos abaixo.

Economicismo ou a própria economia degradante sem limites

Nos anos 1970, o economista Nicholas Georgescu-Roegen, estudando as relações da economia com as
leis da termodinâmica, entendeu impossível um crescimento infinito num mundo finito, defendendo a
substituição da economia tradicional por uma economia pensada ―no seio da Biosfera‖ (LATOUCHE, 2009,
p.16).

343
―Tecnicismo se objetiva, dentre outros fatores, na gestão racional dos ‗recursos naturais‘ com vistas a permitir que as futuras
gerações dos animais humanos possam também dispor daqueles, reforçando o caráter antropocêntrico (inter-geracional) desta ação‖
(DIAS, 2008, p.36), conforme a citada CF/88.
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A crença num crescimento sem fimé produzida e reproduzida por ―uma determinada categoria de agir e
pensar,consolidada no paradigma moderno dominante, intrínseco a uma visão denatureza antropocêntrica,
eminentemente economicista, opressora de não humanos e humanos‖ (SOLER, 2011, p.64), onde a Educação,
somada a outros fatores, aparece como meio de manutenção ou superação desse quadro de CE, onde a maioria
dos humanos sofre sem ter atendido suas necessidades primeiras.

Segundo a Rede da Pegada Ecológica Global, em setembro de 2011 (CEA, 2011), o planeta entrou em
estado de déficit ecológico, ou seja, o predominante modelo econômico e social já explora a Natureza, em
qualidade e quantidade, de uma forma que ela é incapaz de recompor-se e/ou regenerasse em velocidade e
condições compatíveis com tal uso, por isso, classificado por muitos, como insustentável, sobretudo
porque está se antecipando o consumo. (SOLER, 2011, p.65).

Esse cenário, para diversos autores, frisamos, é decorrente do modo capitalista de produção e consumo,
globalizadamente hegemônico (SANTOS, 2006, p.192), o qual não só se comporta como se a Terra fosse
infinita, mas também porque o mesmo gera falsas necessidade, pressionando o nível de consumo de bens em
geral, o que, por sua vez, incrementa também os impactos ambientais e, ao final, o tamanho da CE. Por isso que

teoricamente é insustentável defender a sobrevivência planetária no marco capitalista (...), pois esse
sistema cria necessidades de mercado que não correspondem as necessidades de sobrevivência – a
denominada ‗crise de reprodução‘ (Gorz, 1976).‖ (LOUREIRO, 2006a, p.49).

E não é possível tornar real a ideia largamente propagada de que, com o desenvolvimento, é possível
que todos sejam beneficiados social e economicamente, fazendo com que a inclusão (ou acesso ao mercado)
atinja a todos, pois isso aumentaria significativamente o nível de consumo e produção. E, como já exposto,
seria ecologicamente inviável a propagação do índice de Pegada Ecológica dos países ricos, já que a CE atual é
provocada, como demonstrado, por apenas 20% da população mundial, os consumidores da natureza.

O modo de produção e de consumo atual dos países capitalistas avançados, fundado numa lógica de
acumulação ilimitada (do capital, dos lucros, das mercadorias), do esgotamento dos recursos, do consumo
ostentatório, e da destruição acelerada do meio ambiente, não pode, de modo algum, ser expandido para o
conjunto do planeta, sob pena de uma crise ecológica maior. (LOWY, 2005, p.49)

Nesse sentido e analisando a evidencia da CE nos anos 60, refletida ―na irracionalidade ecológica dos
padrões dominantes de produção e consumo‖, Leff entende existir ai os limites do crescimento econômico
(LEFF, 2001, p.15), desafiando a ideologia capitalista do crescimento e do lucro infinito. Também é o
entendimento de Foladori, para o qual a crise ecológica contemporânea é uma exclusividade das relações
capitalistas (FOLADORI, ?, p.117).

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O capitalismo é gerador de uma apropriação autodestrutiva da natureza, revelando uma segunda
contradição do capitalismo344 (O‘Connor, 2003). É um conflito suicida entre sociedade capitalista e Natureza,
entre ecologia e economia (MONTIBELLER-FILHO, 2008, p.190, 192 e 203).

Ainda que os Estados e os organismos multilaterais internacionais tratem da questão, não o fazem com a
abrangência e profundidade necessária para supera-la. É o caso da Carta de Belgrado, documento marco da EA
no plano internacional, produzida ainda sobre o impacto do Relatório Meadows e da Conferência de Estocolmo,
em 1975:

A desigualdade entre ricos e pobres, entre as nações e dentro delas, vem crescendo; e existem evidências
de uma crescente deterioração do ambiente físico, sob diferentes formas, em escala mundial. Embora
causada principalmente por um número relativamente pequeno de nações, essa condição afeta toda a
humanidade.

A criticando as deformações capitalistas destaca-se as reflexões de marxianas, as quais apresentam


meios eficazes de compreender a materialidade das relações sociais. A Revolução Russa, baseada teoricamente
nas ideias marxianas, implementou uma economia controlada pelo Estado, a experiência do socialismo real, na
dissolvida União das Republicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Em choque com o modelo capitalista, o socialismo se apresenta como um paradigma transformador e


emancipatório no campo social, contrariando a referência capitalista liberal. Assim como os ecologistas, os
socialistas

defendem uma ruptura com o capitalismo. Porém, não pelas mesmas razões. Os primeiros buscam uma
relação não predatória da vida humana com a Natureza no seu conjunto. Os socialistas não tem esse como
seu objetivo primeiro, mas, sim, satisfazer as necessidades humanas para uma vida digna e com
qualidade, pleito extremamente justo e necessário, mas insuficiente para superar a crise ecológica na sua
plenitude. (SOLER, 2011, p.73)

E ao colocar o homem como foco principal e não o conjunto da natureza (onde o homem/mulher estão
inseridos, como sabemos), o socialismo se aproxima da proposta antropocêntrica e do que essa concepção de
mundo legitima, como a dominação da natureza para atender uma economia sem limite, mesmo que o fim seja
impedir que a humanidade sofra pela ausência de atendimento as suas necessidades, diferentemente do sistema
capitalista.

Por isso, o ―modelo de sociedade liberal recebeu sua crítica na resposta marxista revolucionária, a qual,
todavia, não pressupôs a derrocada da base igualitária de acesso ilimitado ao consumo material‖
(ALEXANDRE e MAZZOLA, 2003).

344
Tese defendida pelo autor na primeira edição de Capitalism, nature, socialism, em 1988.
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Autores como Pepper (1992), Foster (2005), Löwy (2005), Gorz (1994), O‘Connor (1991) e Davis
(2001), ainda que de forma diferenciada, têm, assim, relacionado as análises marxistas com a superação
da crise ecológica. Para tanto, cabe compreender o metabolismo em torno da relação sociedade/Natureza,
com a aplicação da concepção materialista da história ou, como já referido, do materialismo ecológico
(FOSTER, 2005, p.36), o qual apresenta ―a premissa de que a produção material e a troca de produtos
constitui a base da sociedade‖ (PEPPER, 1992, p.111). (SOLER, 2011, p.77)

O socialismo aplicado pela URSS, já foi revisto criticamente. No entender dos ecossocialistas, tal
experiência pratica não passou de um capitalismo gerido pelo Estado (PEPPER, 1996, p.54) e, dessa forma, não
tem como se afastar da visão antropocêntrica de natureza, ingrediente nuclear da crise ecológica. Foladori
reconhece que a degradação da Natureza nos países socialistas foi igual ou pior que nos capitalistas (SOLER,
2011, p.74). A lista dos danos ambientais na ex-URSS é tão extensão quanto num pais capitalista dominante,
como os EUA. Alguns países que a URSS apresentam os piores índices de degradação ambiental do mundo
(DOBSON, 1997, p.206). Casos ícone são a drenagem do Mar de Aral e os danos provocados pelo vazamento
de Chernobyl, na Ucrânia. Na experiência socialista, assim como na capitalista, o industrialismo foi o motor da
economia, ainda que seus fins sejam diversos, como mencionado.

Os países socialistas, na pratica, apresentaram o aspecto economicista (desenvolvimentista ou


crescimentista). A política convencional de ―esquerda‖, assim como a de direita, ―se baseia no crescimento
econômico em benefício próprio e na visão instrumental das coisas naturais‖ (SMITH, 1998, 28)345.

Merece destacar que no capitalismo a degradação da natureza é necessária para que se obtenha
crescimento econômico, como base para a acumulação de lucro, para o desfrute de uma elite planetária, como
supracitado. Já no socialismo a transformação da natureza e seus efeitos colaterais, como a poluição, tem por
fim a busca de uma equidade social.Nos dois modelos esta arraigada a convicção, segundo a qual, para melhor
satisfazer as necessidades humanas é necessário o incremento ao máximo do crescimento econômico
(DOBSON, 1997, p. 205).

Ressalta o economista Gilberto Montibeller-Filho:

Isto faz com que, do ponto de vista ambiental, a natureza seja vista na condição de simples recurso para a
produção de bens. Sua utilização, em forma e intensidade, fica subordinada aos interesses econômicos
(...) O Antropocentrismo e o cálculo econômico levam ao resultado social da fetichizaçãoda taxa de
crescimento econômico: elevação dessa taxa sendo tomada pelo que efetivamente não é, ou seja, como
equivalente à melhoria das condições de vida da sociedade (MONTIBELLER-FILHO, 2008, p.50)

Em resumo, e baseado nesses autores, o capitalismo, por essência, e o socialismo por conjuntura, e seus
meios de produção e reprodução, onde esta inserido o Direito e a Educação, geram tamanhas injustiças sociais e

345
Cuba contraria essa correria pelo crescimento e se apresenta em forma exceção socialista, em escala de país, pois combina um
―patamar de desenvolvimento humano elevado e uma pegada ecológica sustentável‖ (LATOUCHE, 2009, p. 08).
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potentes danos ambientais, ou seja, CE.Assim, inevitavelmente, ambas estão impregnadas do ideário
antropocêntrico. Para uns apenas, no primeiro caso ou para o conjunto da humanidade, no segundo. Nesse
contexto social, marcado pela mercantilização da vida, que a EA esta inserida e é produzida e reproduzida, pois
sendo criação humana, é fruto das relações construídas historicamente.

Pressupostos Teóricos Para Outra Educação Ambiental

Num contexto de CE emergida de uma cultura antropocêntrica e onde as relações sociais são
determinadas pelo mercado, uma EA critica deve aprofundar a analise acima introduzida, para uma pratica de
mudança, numa referencia teórica diversa da predominante.A busca de outro modelo de EA, desejosa da
construção de valores que apontem para a superação da crise, necessariamente tem que se afastar dos padrões
economicistas e, certamente antropocêntricos, sem, contundo deixar de perseguir uma equidade social,
combatendo a injustiça ambiental.

A EA transformadora deve afastar uma postura crescimentista e/ou desenvolvimentista, já que para
tanto, persegue o crescimento ilimitado da economia, não só causador de diversos danos e alterações
metabólicas ambientais, como também impossível de ser implementado numa natureza fisicamente limitada.

A EA transformadora igualmente deve combater a visão de natureza antropocêntrica, já que essa, como
vimos, esta presente na essência do capitalismo e na pratica socialista crente no crescimento como salvação da
humanidade.

Qualquer EA que produza e reproduza a crença no crescimento econômico sem limites ou os valores
antropocêntricos não pode ser considerada transformadora.

Assim, uma EA capaz de superar a CE e promover a justiça ambiental passa por considerar as visões
não antropocêntricas de Natureza, superando a atual postura antropocêntrica historicamente construída, que
domina o mundo e garante o avançar de uma economia (s) sem freios.

Não será viável o enfrentamento da CE se manter-se uma base teórica e uma pratica de uma EA que não
tenha claro o papel do antropocentrismo como legitimador e motivador do economcismo. Caso contrário,
poder-se-á estar fortalecendo o que se pretende combater e, ao cabo, superar.

Referências

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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO PROPOSTA PARA SUPERAÇÃO DA CRISE
NO ENSINO JURÍDICO
Rita de Araujo Neves346
Vanessa Hernandez Caporlingua347

Resumo
O presente artigo tem por base a dissertação de Mestrado intitulada ENSINO JURÍDICO: AVALIANDO A
APRENDIZAGEM A PARTIR DE UMA EXPERIÊNCIA DE ASSOCIAÇÃO TEORIA/PRÁTICA, apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas -UFPEL, no ano de 2005, tendo em vista a
importância e relevância da continuidade da pesquisa para a área do conhecimento proposta. Assim, o objetivo
deste trabalho é refletir sobre a possibilidade da Educação Ambiental (EA) auxiliar na minimização da crise
vivenciada pelo Ensino Jurídico. Nesse sentido, analisaram-se as especificidades do conhecimento jurídico, o
histórico do Ensino Jurídico no Brasil e alguns princípios da EA, de modo a suscitar a necessidade de
associação teoria/prática no Ensino Jurídico, visando superar sua reconhecida crise ao tratar com questões
ambientais atuais. A partir daquele estudo, desenvolvido na linha de Formação de Professores, no qual o foco
era a aprendizagem, surge, agora, a indagação acerca do uso da Educação Ambiental (EA), baseado em seus
princípios norteadores, a exemplo da transdisciplinaridade, como uma possível alternativa de solução a essa
crise no Ensino Jurídico. A metodologia usada foi a de abordagem qualitativa bibliográfica teórica e
documental, a qual conduziu a resultados preliminares que apontaram para a reconstrução de paradigmas a
partir da compreensão, mediada pela EA, da realidade daqueles que lidam com o conhecimento jurídico.
PALAVRAS-CHAVE: Crise ambiental. Educação Ambiental. Ensino jurídico.

Introdução

O artigo teve por base a pesquisa realizada na dissertação de Mestrado intitulada ENSINO JURÍDICO:
AVALIANDO A APRENDIZAGEM A PARTIR DE UMA EXPERIÊNCIA DE ASSOCIAÇÃO TEORIA/PRÁTICA (NEVES,
2005), apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas –UFPEL
na linha de Formação de Professores.
Desse modo, o objeto principal é a proposição da EA como tentativa de minimizar a crise no Ensino
Jurídico. Nesse sentido, analisam-se as especificidades desse tipo de conhecimento, além de visitar, ainda que
de forma breve, o histórico do Ensino Jurídico no Brasil e, consequentemente, do reconhecimento de sua crise.
Em seguida, a partir de alguns dos princípios norteadores da EA, suscitar o seu uso como promotora da
associação teoria/prática no Ensino Jurídico, visando a superar sua reconhecida crise. A metodologia usada foi a
de abordagem qualitativa bibliográfica teórica e documental, uma vez que foi necessário o aprofundamento das
bases da aprendizagem relacionadas com a Educação Ambiental e a legislação relativa à temática.

346
Mestra em Educação, com concentração na área de Aprendizagem e Ensino Jurídico, pela Universidade Federal de Pelotas-
UFPEL/RS, Professora Adjunta da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande-FURG/RS, titular das disciplinas de
Direito Processual Penal e Direito da Criança e do Adolescente e aluna especial do Doutorado, no PPGEA da Universidade Federal do
Rio Grande-FURG.
profarita@yahoo.com.br
347
Professora da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio
Grande – FURG/RS; líder do Grupo de Pesquisa Direito e Educação Ambiental – GPDEA/CNPQ; vanessac@vetorial.net

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A Especificidade do Conhecimento Jurídico

No intuito de tentar compreender as raízes da crise do Ensino Jurídico, passamos a fazer algumas breves
considerações sobre a especificidade do conhecimento jurídico e, adiante, a história desse ensino no Brasil.

Impossível querer falar em Ensino Jurídico sem levar em consideração algumas especificidades do
conhecimento jurídico e, entre elas, a de principal interesse para este trabalho: o fato de que o mesmo é
encarado como um conhecimento, de regra, positivado e escrito, portanto, eminentemente teórico. Em razão
disso, pode-se pensar que, para ser ensinado, basta que seja, simplesmente, transmitido aos alunos, ou através
da leitura de uma grande quantidade de informações, armazenadas nos manuais jurídicos, ou através da simples
submissão a uma aula meramente transmissiva de conteúdos, no estilo de uma conferência, na qual o papel do
aluno é o de apenas ouvir aquilo que o professor tem a dizer. No entanto, assim como outros autores,
entendemos que o conhecimento jurídico não é pura e simplesmente aquilo que está positivado nas normas
jurídicas ou nos manuais dos ilustres doutrinadores do Direito ou, ainda, nas construções jurisprudenciais
daqueles que operam com essa norma. Ele não é um conhecimento meramente enciclopédico, mas, sim, um
conhecimento vivo e dinâmico o qual, mesmo positivado, nunca consegue acompanhar, no mesmo ritmo, a
evolução social. Por isso é que as próprias regras de interpretação das normas jurídicas, estabelecidas pela
Hermenêutica, vão admitir uma adaptação às situações impostas pelo caso concreto. Partimos da premissa,
portanto, de que a origem da crise do nosso Ensino Jurídico está aí: continuar acreditando que esse
conhecimento é tão somente aquele positivado e, por isso, perpetuar a prática de sua mera transmissão aos
alunos. Fazendo isso, não se permite que os aprendizes entendam que o Direito está vivo e interfere diretamente
na vida de todos aqueles que a ele se submetem, ou seja, de todos nós, e que, em razão disso, seu ensino não
pode apartar a teoria da prática.

Corroborando essa ideia de que o conhecimento jurídico é vivo e datado e não pode ser meramente
transmitido, mas construído ao longo do tempo e através da própria evolução social, Lyra Filho (1982, p. 86)
dispõe que devemos:

[...] reexaminar o Direito, não como ordem estagnada, mas como a positivação em luta, dos princípios
libertadores, na totalidade social em movimento. O Direito, então, há de ser visto como processo
histórico. [...] Direito é processo dentro do processo histórico: não é uma coisa feita, perfeita e acabada; é
aquele vir-a-ser que se enriquece nos movimentos de libertação das classes e grupos ascendentes e que
definha nas explorações e opressões que o contradizem, mas de cujas próprias contradições brotarão as
próprias conquistas.

A proposta de Lyra é a de que o Direito é dialético, não sendo fixo, parado e definitivo, mas sim um
processo de libertação permanente. A proposta do autor é atual, uma vez que ele mesmo propõe a constante

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atualização do Direito dentro do processo histórico, já que é dialético. Assim, sob essa inspiração, Oliveira
(2004) afirma que não se pode dizer que Direito é apenas o que está nos Códigos. Direito não é apenas texto. A
visão dialética alarga o campo de compreensão do fenômeno jurídico, deslocando-o para além dos restritos
limites do direito positivado, até alcançar a realidade dos ordenamentos plurais conflitantes.

Para Oliveira (2004), seguindo as ideias de Lyra Filho, não há como reformar o ensino com uma visão
positivista do Direito que o reduz ao que parte apenas do Estado, ou seja, à lei positivada. Nas palavras do autor
(2004, p.35):

Há um único paradigma seguido e aceito no ensino jurídico, não pensando em outras perspectivas. Esse
paradigma é neutro e objetivo. Não há modelos novos e que não sejam lineares. Revela-se no formato do
dogmatismo e do modelo legalista. O dogmatismo revela uma idéia de neutralidade, havendo uma clara
separação entre a teoria e a prática. É uma atividade, em grande parte, teórica. O positivismo está
vinculado ao direito positivo estatal, não observando, por imposição epistemológica, os anseios e
interesses sociais.

Oliveira, endossando a ideia base deste estudo, argumenta que uma das saídas para a crise estabelecida
no Ensino Jurídico é promover a associação teoria/prática (2004, p. 37):

Criatividade, participação, dúvida e contestação e não apenas exposição. Esse é um dos caminhos para
um redesenho do diálogo entre teoria e prática. A integração teoria e prática poderá possibilitar ao
profissional em formação o despertar para uma visão de mundo de modo que se possa exercer a sua
cidadania comprometendo cada cidadão. O divórcio entre a teoria e a prática atingiu uma dimensão muito
grande. Não há oposição entre teoria e prática. O divórcio é fruto de um falso e inadequado discurso que
não corresponde e dialoga com a prática desenvolvida.

Pensamos que na breve abordagem da história do Ensino Jurídico no Brasil e do reconhecimento da sua
crise, apresentada a seguir, será possível perceber que, quando alguns juristas foram indagados acerca dos
fatores causadores dessa crise, muitos deles apontaram que ela não está no ensino do Direito, mas no Direito
que é ensinado, criticando, assim, a própria estrutura positivista do conhecimento jurídico. Entretanto, não
podemos deixar de considerar, conforme referido anteriormente, que o fato de entender o conhecimento
jurídico como somente aquilo que está positivado nas normas leva a um ensino meramente transmissivo dos
conteúdos teóricos, o que também é parte dessa crise reconhecida no Ensino Jurídico.

Entendemos, portanto, que é importante tratar-se o conhecimento jurídico como algo além daquilo que
está positivado nas leis, ou seja, como verdadeiro fenômeno jurídico, que engloba todos os interesses que o
circundam. A reforma proposta por esses juristas consultados pressupõe uma revisão do conjunto
(Conhecimento Jurídico e Ensino Jurídico), partindo de uma revisão global, sociológica e filosófica do que
representa o Direito.

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O Reconhecimento da Crise no Ensino Jurídico

A sociedade atual passa por uma série de transformações que provocam um repensar sobre o processo
de ensino/aprendizagem. Vivemos a chamada era do conhecimento, na qual há um verdadeiro bombardeio
de informações das mais diversas fontes e mídias. Diariamente, somos assolados por novas descobertas,
"novas verdades", até então desconhecidas. Diante dessa realidade, a educação não se pode furtar ao seu
papel: o de acompanhar essas mudanças promovendo uma reforma do pensamento através da reforma do
ensino (MORIN, 2003).

Cunha (1998), analisando a atual situação do ensino superior, comenta que, em sua abordagem
tradicional, o conhecimento é tido como acabado e sem raízes; a disciplina intelectual é tomada como
reprodução das palavras dos textos e das experiências do professor; há um privilégio da memória,
valorizando a precisão e a segurança; há crença na existência de uma resposta única e verdadeira; cada
disciplina é concebida como um espaço próprio de domínio do conhecimento; o professor é visto como a
principal fonte de informação, e sente-se desconfortável quando não tem todas as respostas prontas para os
alunos; e a pesquisa é vista como atividade para iniciados, fora do alcance de alunos de graduação.

Esse modelo de ensino foi – e infelizmente, em boa parte dos cursos jurídicos, ainda é – o que
preponderou durante muito tempo, caracterizando o que Sousa Santos (1999) chama de Paradigma
Dominante ou da Modernidade. Tais características configuram, ainda, aquilo que os estudiosos do ensino
jurídico identificam como a "Crise do Ensino Jurídico", como já referido anteriormente. Só recentemente,
quase na segunda metade do século XX, foi que esse paradigma positivista começou a ser questionado. Esse
questionamento possibilitou a crítica e estimulou a construção de novos paradigmas capazes de responder
aos desafios atuais e futuros da Educação no mundo contemporâneo. A esse novo paradigma deu-se o nome
de Paradigma Emergente ou da Pós-Modernidade, definido como aquele que concebe o conhecimento como
espaço conceitual, no qual alunos e professores constroem um saber novo, produto sempre contraditório de
processos sociais, históricos, culturais e psicológicos (SOUSA SANTOS, 1999). Portanto, diante desse novo
paradigma para a Educação, não mais se admite um ensino dissociado da realidade e, especialmente em
relação à metodologia do Ensino Jurídico, não se pode mais aceitar aquela ideia do positivismo a todo preço,
fazendo com que a aprendizagem das normas de Direito vigentes esteja apartada do "mundo real". Essas
transformações refletem-se diretamente no interior dos estabelecimentos de Ensino Jurídico, principalmente
nos bancos das salas de aula da Graduação em Direito, gerando uma verdadeira crise no processo de
ensino/aprendizagem vigente.

Parece estranho ter que afirmar, mas a realidade é que o mundo evoluiu e, por conseguinte, as normas
jurídicas (nem todas) acompanharam essa evolução. Contudo, o Ensino Jurídico permanece estático no

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tempo. Continua-se ensinando Direito, hoje, como se vem fazendo há anos, muitas vezes desconsiderando as
transformações ocorridas nos últimos séculos.

Atualmente, são muitos os autores que se dedicam ao estudo do Ensino Jurídico, mas em que pese a
quantidade – e qualidade – dos autores que hoje se dedicam a esse estudo o fato é que este tema está ainda em
construção, sendo, na verdade, um tema futuro. Por essa razão, nenhum desses autores apresenta, de forma
categórica, soluções para os problemas detectados nessa área, oferecendo apenas hipóteses possíveis de
superação daquilo que é identificado como a, já citada, "Crise do Ensino Jurídico". Dentre essas hipóteses
sugeridas, uma das que importa de forma especial a este trabalho é a associação teoria/prática como uma
possível solução para a crise já constatada. Nas palavras de Arnauld (ARNAULD, apud OLIVEIRA, 2004,
p.21):

[...] é difícil ser categórico quando cuidamos de pensar o futuro. Podemos sempre, sem muito nos
aventurar, levantar hipóteses; tais hipóteses se reportam tanto à constatação de fatos contemporâneos
quanto a lições do passado. [...] A lacuna entre o ensino do direito e a vida jurídica é tamanha que os
jovens advogados só vêm a aprender de fato a atividade advocatícia na sua experiência prática.

Para esse autor, o ambiente jurídico ―real‖ foge, cada vez mais, das tradicionais regras do Direito. É possível
perceber que muitos desses autores que tratam do Ensino Jurídico reconhecem a existência dessa crise, a qual não é um
problema apenas enfrentado hoje, mas, sim, uma situação que já persiste há um bom tempo. Em referência feita por
Sérgio Rodrigo Martínez348, sabe-se que já em 1907, o jurista Aurelino Leal publicou a obra intitulada "A reforma do
Ensino Jurídico no Brasil", a qual "colocava com grande precisão a importância do ensino voltado para as realidades
práticas, contra o terrorismo e o verbalismo excessivos" (VENÂNCIO FILHO, 2003 apud MARTÍNEZ, 2004)349. Nessa
mesma linha, Rays (2002) afirma que "[...] teoria é, portanto, um conhecimento que funciona como um 'guia' para a ação.
A prática é a ação, a produção". Dessa ação é que se ressente a ausência nos cursos de formação jurídica. Adiante,
propomos a adoção dos princípios norteadores da EA como proposta para possível solução da crise no Ensino Jurídico.

A Educação Ambiental(EA) como Proposta para a Solução da Crise no Ensino Jurídico


Diante do reconhecimento de uma crise no Ensino Jurídico, anteriormente destacada, o presente estudo
propõe a EA como possível promotora da associação teoria/prática no ensino do Direito, a fim de que, além de
possibilitar uma melhor aprendizagem do conteúdo formal trabalhado em aula, se possa, principalmente, formar
cidadãos conscientes de sua função social, adequados ao perfil atualmente exigido pelo planeta, qual seja: o de
um profissional do Direito com formação técnico-humanista.
Reconhecido que são categorias-chave da EA: transformar, conscientizar, emancipar e exercer a
cidadania (LOUREIRO, 2004) e que, ―no campo da Educação Ambiental, mais especificamente, emergem

348
no sítio: http//www.ensinojuridico.pro.br.
349
no sítio http://www. ensinojuridico.pro.br.
646
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esforços para que a relação entre cidadania e ambiente seja o eixo de sua conceituação‖ (REIS, 2004, p.10) é
que se sustenta a adoção dos princípios norteadores da EA como agentes da formação do egresso do Curso de
Direito, visando à solução da crise antes destacada.
Na análise do atual Ensino Jurídico, como antes já referido, ainda se verifica o modelo conceituado por
Freire (1997) como ensino bancário e por mais que se tenha discutido acerca dessa problemática e sobre o fato
de esse sistema estar ultrapassado, o fato é o de que ele ainda persiste no Ensino Jurídico. Porém, também
conforme já destacado, inaceitável que esse sistema se mantenha, notadamente diante de novas nuances como a
da transdisciplinariedade, tão relevante e de reconhecida pertinência na EA. Nesse aspecto, importante ressaltá-
la como uma das ferramentas das quais lança mão a EA, a fim de propiciar que os profissionais formados
transitem pelas mais diversas áreas e possam, dessa maneira, estarem mais próximos da realidade social.
Com propriedade, Tozoni-Reis, (2004, p.13, citando Guimarães, 2003) indica-nos:
[...] a necessidade de pensar e fazer a Educação Ambiental pela superação de barreiras disciplinares, pela
superação das formas tradicionais de educação e ensino, pela busca de alternativas epistemológicas e
pedagógicas, refletindo sobre a mesma para a sustentabilidade, sob o paradigma da complexidade.

É sabido que as Diretrizes Curriculares para os Cursos de Direito, recepcionando as ideias lançadas pela
Portaria Ministerial 1886/94, que lançou as bases para a reformulação do Ensino Jurídico, dispõem sobre a
imperatividade de um ensino interdisciplinar, com ênfase na pesquisa e na extensão, conectado com a realidade,
atendendo a heterogeneidade das demandas sociais, na formação do perfil do egresso (VALLE, 2002).
Dessa maneira, é somente através de uma proposta de estudos interdisciplinar que se vai conseguir, no
âmbito do Ensino Jurídico, despertar a consciência ambiental e, assim, promover a relevante aprendizagem.

Ainda que a EA tenha sido formalmente instituída no Brasil há mais de 30 anos, pela Lei 6938/81, que
criou a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), como destaca Giesta (2002, p.157-158), ―Iniciativas
tímidas de educação ambiental são identificadas nas escolas e na comunidade, porém a repercussão e a
abrangência são irrisórias frente à demanda‖. Sabido que a EA é, por definição, portadora de processos
individuais e coletivos que contribuem, entre outras coisas, com a reorganização das estruturas escolares e a
vinculação das ações educativas formais, não formais e informais em processos permanentes de aprendizagem,
atuação e construção de conhecimentos adequados à compreensão do ambiente e problemas associados
(LOUREIRO, 2004).

Assim, é importante que os cursos de Ensino Jurídico tenham em foco a visão de um perfil do egresso
que transcenda a formação técnico-profissional para englobar, principalmente, a dimensão da cidadania,
manifestada pela inserção crítica e solidária dos acadêmicos na realidade social.

Num segundo momento, se impõe a questão de tornar clara aos estudantes essa visão da disparidade
entre a lei escrita e a realidade prática. Para essa constatação nada melhor do que a pesquisa, como
anteriormente destacado, segundo a brilhante visão de Demo ao manifestar o enfoque dialético na pesquisa,
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portanto, valoriza tanto o aspecto teórico quanto o prático do fenômeno jurídico, considerando-se que a teoria
se qualifica ao explicar a prática e, ainda, defendendo aquilo que entende como a melhor definição de pesquisa,
salienta a importância do binômio teoria/prática, ao considerá-la como um dialogar com a realidade, porque a
apanha como um princípio científico e educativo, deixando clara a intervenção no estabelecido, afirmando que
aquele que dialoga com a realidade de modo crítico e criativo faz da pesquisa condição de vida, progresso e
cidadania (DEMO, 2001).

Superado o momento da pesquisa é tempo de se trabalhar com as conclusões advindas dessa. É


importante, no estudo jurídico, a interpretação acerca dos dados levantados, a fim de se observar, antes de mais
nada, se há, ou não, no contexto social obediência às normas de Direito.

Segundo Zeichner, quando se está engajado na luta a favor de justiça social e na busca por diminuir a
‗dor e o sofrimento associados à injusta distribuição de direitos, incluindo à educação, em muitos países‘, é
critério a defesa da formação de um professor reflexivo, para nós, um professor-pesquisador (DICKEL, 2002).

Nesse sentido, merecem destaque as palavras de Loureiro (2004, p. 29) ao afirmar que:

A Educação Ambiental promove a conscientização e esta se dá na relação entre o ―eu‖ e o ―outro‖, pela
prática social reflexiva e fundamentada teoricamente. A ação conscientizadora é mútua, envolve
capacidade crítica, diálogo, a assimilação de diferentes saberes, e a transformação ativa da realidade e das
condições de vida.

E, ainda, como destaca Gutiérrez (2000, p.14):

(...) Na contradição entre os valores defendidos e o comportamento cotidiano separam-se a vida dos
indivíduos e a das instituições. Essa incoerência entre as teorias defendidas e a cotidianidade vivida
manifesta com clareza que a consciência cidadã e a educação referente à questão ambiental não têm sido
suficientemente pedagógicas e transformadoras.

Nessa mesma obra, é trazida a noção de cidadania planetária que se sustenta na visão unificadora do
planeta e de uma sociedade mundial e supõe o conhecimento e a prática da planetariedade, isto é, tratar o
planeta como um ser vivo e inteligente. Um dos desafios da ecopedagogia é o de descobrir como podemos
educar para a cidadania planetária.

Mais uma vez Loureiro (2004, p. 28), com propriedade reconhece que:

A educação ambiental não atua somente no plano das idéias e no da transmissão de informações, mas no
da existência, em que o processo de conscientização se caracteriza pela ação com conhecimento, pela
capacidade de fazermos opções, por se ter compromisso com o outro e com a vida.

Nesse compromisso com o outro e com a vida está manifestado o sentido do conceito de cidadania
planetária, não como aquele conceito político de cidadania, constitucionalmente estabelecido, mas como a
cidadania real, da vida, que pode ser desenvolvida a partir da associação da teoria à prática. Aquela da qual,

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definitivamente, deve o egresso do Direito – e de qualquer outro Curso superior – estar imbuído para bem
desempenhar a sua função social.

Corroborando essa ideia, muito bem dispõe Valle (2002, p. 76):

Por isso um curso meramente técnico não irá preparar para essa tomada de decisões, formando juristas
neutros a serviço do poder dominante. Além disso, é importante estar atento para o leque de opções de
atividades que se abre aos bacharéis em Direito. Não é apenas nas carreiras jurídicas que atuam os
egressos dos cursos de Direito. Além de responsável pela formação de um dos poderes do Estado
(Judiciário), a atuação desses egressos se faz sentir em diversos setores, principalmente na política. Isso
permite dizer que a influência da formação jurídica, na realidade, atinge os três poderes em que se
estrutura o Estado, deixando clara a interferência que a sua formação certamente trará à sociedade em
geral, o que permite ―inferir-se que de sua maior ou menor abertura, das concepções negociadas na
organização de seu Projeto Político-Pedagógico, da política de estabelecimento ou não de relações com a
realidade, terão origem resultados diversos, com influências diversas e decisivas à vida social.

Consideramos importante ressaltar, com o apoio de Oliveira (2004), que a prática jurídica deve estar
engajada em uma opção teórica. O Bacharel em Direito não pode ser um reprodutor de um conhecimento
adquirido. A teoria deve estar em constante confronto com a prática e toda prática precisa estar voltada para
uma concepção teórica para poder sempre ser revisitada e, às vezes, superada. A prática exige um reexame
constante da teoria e esta, serve também, para criticar e questionar a prática jurídica. A teoria que não encontra
espaço na prática tem que ser revisitada constantemente, pois poderá tornar-se uma promessa vazia.

Nesse diapasão, pertinentes, mais uma vez, são as palavras de Loureiro (2004, p. 43):

A perspectiva pragmática ocorre de modo amplo na educação, cujo exemplo mais evidente se dá no
processo de reformulação dos cursos superiores, no qual encontramos posicionamentos favoráveis à
redução de tempo de duração dos cursos, pautados na diminuição de oferta de disciplinas humanísticas.
Privilegiam-se as disciplinas e cursos instrumentais, não se problematiza com os alunos a necessidade de
se formarem profissionais, produzirem conhecimentos e tecnologias que sirvam para o bem comum e não
exclusivamente aos interesses do mercado. A falta dessa discussão ampliada no ensino superior se reflete
no manifesto desejo dos discentes em quererem que os conteúdos respondam somente ao ―como fazer‖,
evidenciando a despreocupação com o equilíbrio entre teoria e prática no corpo de cada disciplina e no
currículo como um todo indissociável do processo formativo.

Assim, questão principal deste artigo, que é parte de futuro estudo a ser desenvolvido, será a de
identificar e caracterizar as possíveis relações pedagógicas a serem observadas a fim de possibilitar o trabalho
com a diferença entre a teoria da norma e sua efetividade real. Para tanto, o enfrentamento da EA e seus
princípios norteadores como agente dessa pedagogia necessária à atual realidade planetária.

A partir dessa ideia de educação como fator de emancipação do homem é que se pretende desenvolver o
estudo aqui iniciado. É urgente o estudo da questão ambiental atrelada ao Ensino Jurídico, a fim de que se possa
fomentar a discussão e o entendimento acerca da proposta pedagógica a ser defendida dentro das salas de aula
da Graduação em Direito como aquela capaz de formar cidadãos e não meros operadores do Direito, da norma
positivada, dissociada da realidade social. Conforme resultados de pesquisa anterior, hoje é possível afirmar

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que há um mercado em crescimento para a docência em Direito. Para o ―novo‖ docente exige-se não mais uma
única habilidade, como a aula expositiva. Há inúmeras outras categorias que o docente tem que exercer, como
atividades de ensino, pesquisa, extensão, orientação, ensino a distância. Requer-se criatividade (NEVES, 2005).

Faculdades de Direito são ambientes pouco criativos (FELIX, 2001 apud OLIVEIRA, 2004). Por isso,
neste momento, mais do que nunca, é preciso que os professores do Direito repensem as suas práticas e
procurem trabalhar dentro da atual concepção da EA, a qual se apresenta como um processo de construção
dialética do saber, geradora de valores e posturas para a construção de uma nova visão das relações dos seres
humanos entre si e com o meio que os circunda.

É sabido, conforme destacado na pesquisa anterior, suprarreferida, que não é a ausência de um método
que permeia a crise no ensino jurídico, mas a persistência na utilização de um método dogmático positivista,
incapaz de atender às novas demandas e prejudicial à formação do perfil do egresso que o mundo atual
necessita (NEVES, 2005).

Portanto, pensamos que a partir da perspectiva da EA é possível questionar qual é a relação pedagógica
a ser estabelecida nos cursos jurídicos, a fim de promover a associação teoria/prática, formando um egresso
ciente da sua responsabilidade social.

Considerações Finais

O presente estudo está em fase de desenvolvimento pelas autoras, assim, o trabalho ainda está na fase de
levantamento dos dados, portanto, não há conclusões definitivas a considerar. Entretanto, o levantamento
preliminar desses dados permite inferir alguns aspectos relevantes no que tange aos benefícios trazidos pela EA
na promoção da associação teoria/prática no ensino do Direito, favorecendo a aprendizagem.

Além disso, o papel de mediador e de guia do professor no processo de ensino/aprendizagem tende a ser
favorecido pelos princípios norteadores da EA o que se acreditamos trará como benefício aos alunos maior
autonomia e segurança no que tange à prática dos procedimentos teóricos estudados em aula, além de despertar
seu interesse pelos conteúdos trabalhados e a busca de novas experiências que aproximem a teoria da prática.

Há alterações indispensáveis para se chegar a uma nova estrutura de Ensino Jurídico e acreditamos que
as crises e mudanças de paradigmas são necessárias ao aprimoramento e à adaptação do Direito à realidade
social contemporânea. Durante séculos, e ainda hoje, a quase totalidade dos cursos jurídicos preocupou-se
apenas com a transmissão dos postulados teóricos de suas disciplinas. A grande maioria dos professores e
alunos ainda contenta-se somente com o fato de ver cumprido o programa do conteúdo, mesmo que esse esteja
completamente apartado do mundo real. Mudar essa postura, há tanto sedimentada, é tarefa árdua, mas não

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impossível. Não mais se admite, que as disciplinas jurídicas sejam estanques e dissociadas umas das outras e,
pior, do mundo, da realidade fática e acreditamos que os postulados da EA só têm a contribuir nesse processo
de transição paradigmática.

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CARTA VII EDEA
Decir, hacer

Entre lo que veo y digo,


Entre lo que digo y callo,
Entre lo que callo y sueño,
Entre lo que sueño y olvido
La poesía.
Se desliza entre el sí y el no:
dice
lo que callo,
calla
lo que digo,
sueña
lo que olvido.
No es un decir:
es un hacer.
Es un hacer
que es un decir.
La poesía
se dice y se oye:
es real.
Y apenas digo
es real,
se disipa.
¿Así es más real?
Idea palpable,
palabra
impalpable:
la poesía
va y viene
entre lo que es
y lo que no es.
Teje reflejos
y los desteje.
La poesía
siembra ojos en las páginas
siembra palabras en los ojos.
Los ojos hablan
las palabras miran,
las miradas piensan.
Oír
los pensamientos,
ver
lo que decimos
tocar
el cuerpo
de la idea.
Los ojos
se cierran
Las palabras se abren.

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No levante práxico de ouvir os pensamentos e tocar os corpos das ideias,
encontramos na magia poética de Octavio Paz um acolhimento estético que nos instiga e
embebeda dizer/fazer o movimento que aqui se faz: reflexões coletivas, narrativas
coletivas, uma carta que se quer coletiva. Para transitar por realidades socioambientais e
endereçamentos interpretativos diversos, assumimo-nos artífices de um diálogo
densamente plural que se lança neste fim e que se perdurará nos sonhos compartilhados
e nas intencionalidades assumidas neste VII Encontro e Diálogos com a Educação
Ambiental – EDEA.
Nesta fluência, a pergunta suscitada no último EDEA – o que educa a Educação
Ambiental? – volta-se para o nosso (re)encontro e, na busca de respostas, reconhecemos
na presença e experiência do/com outro a infinita capacidade de aprendermos juntos.
Viver esta práxis não nos coloca na condição de concordância plena ou mesmo de poder
sintetizar ou reproduzir o desejo e a luta dos que conosco compartem a existência, mas
de assumirmos a possibilidade dialógica de sabermos, construirmos e educarmo-nos
neste jogo polissêmico.
No intuito de encontrar sentidos nesta busca ontológica do Ser e do Ser mais,
como coloca Paulo Freire, escolhemos a palavra castelhana NOSOTROS, que
etimologicamente parece abrigar em sua estrutura linguística muito mais do que o NÓS
da primeira pessoa do plural da língua portuguesa. Há nesta palavra vizinha, de povos
co-irmãos de jornada e luta, a enriquecedora junção do ―nós‖ e dos ―outros‖. Há um
sentido de outridade nesta palavra e que ecoa também nesta carta. Para além do que as
palavras escritas aqui consigam exprimir, reivindicamos a escuta atenta dos povos desta
Terra, humanos e não humanos por um acordo ético que se paute pela escolha da vida.
O Nosotros instiga esta busca do Ser, tão apartado em suas fragmentações entre os pares
duais como natureza e cultura, corpo e mente, e ainda efetividade e afetividade, como
bem lembra Basarab Nicolescu (1999). Sendo assim, como encontrar um ponto de
comunicação entre estes pares contraditórios?
O dizer e o fazer, como na poesia de Paz, provocam-se, chocam-se, distanciam-
se e reencontram-se, animando nossa condição de sujeitos históricos – escritores/atores
no/do mundo. Ao assumirmos essa postura, lembramos que somos sujeitos
condicionados, mas nunca determinados. A partir disso, dizemos e fazemos. Paulo
Freire dialoga reconhecendo a grandeza da palavra: ao dizer sua palavra, mulheres e
homens se constituem enquanto sujeitos inacabados, em permanente formação.

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Portanto, para nós, palavra, pronunciada ou silenciada, é ação. Aqui registramos nossa
ação: linguagem, que transborda a fala, é inerente ao ato de caminhar no chão da vida.
Nesse caminho, reconhecendo que as condições materiais e históricas são
radicalmente desiguais, bem como acolhendo a existência múltipla das dimensões
culturais e espirituais de diferentes sociedades, o EDEA semeia o achado das
possibilidades ao fazer-se com o Outro. Ao corporeificar nossa palavra, a dialética da
denúncia e do anúncio nos impulsiona à (re)invenção do mundo. Por esse curso,
desenhando nossa memória, igualmente registramos o que os nossos olhos falam...
Nossos olhos falam das injustiças ambientais, da opressão, da negligência para
com os saberes, do fatalismo expresso na palavra e, portanto, na ação, e da falsa
generosidade do opressor. Denunciamos a criminalização dos movimentos sociais, das
comunidades populares e das mulheres e homens que são alijados diariamente das
condições à vida, assim como a denúncia também se faz nas dores que não se
transformam em crimes – oficiais – e, consequentemente, em punições e mudanças.
Entre tantas, Mariana, cidade mineira, no hoje materializa-se e desvela a radicalidade da
ganância do capital e dos humanos que o retroalimentam. Além desta, o vazamento de
óleo na Baía de Guanabara no ano 2000 provocou uma catástrofe no ecossistema local,
afetando as vidas humanas e não humanas da região. Também o advento da PEC 215 e
a transferência no poder de demarcação das terras indígenas para as mãos do legislativo
federal. A dificuldade imposta aos educadores da educação básica que buscam espaços
de formação continuada para qualificação da sua prática pedagógica. Os retrocessos
intensamente vivenciados no Brasil e no mundo: a tentativa da definição de família
incorporada à constituição brasileira; o avanço da privatização da educação pública; as
quebras de impedimentos legais aos licenciamentos de grandes empreendimentos
econômicos; os muros que se erguem em diferentes nações com o fim de segregar as
vidas violentadas por diferentes conflitos; as reinvenções das estratégias de terrorismo;
a permanente impulsão do consumo que mantém a superprodução, as drásticas
consequências ambientais, as fomes e as angústias.
O campo da Educação Ambiental nutre-se destas inquietações e dialoga com
diferentes concepções para repensar os posicionamentos que podem e precisam ser
tomados. Nossa denúncia já é anúncio: pronunciamos a palavra porque estamos
caminhando com o Outro, reconhecendo-nos para além de nós, mas enquanto seres no
mundo, com as demais gentes e entes da vida.

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Entre tantas questões que esse espaço nos suscita, estendemos a interrogação ao
nosso registro: Para quem se escreve essa carta? Freire (1987) salienta que a denúncia
sobre a educação como forma de dominação não espera que as elites opressoras
renunciem à sua prática, mas que, ao denunciarmos as situações opressoras, lembramos
a nós mesmos, sujeitos de luta e de sonhos, que não podemos servirmo-nos da
concepção bancária para a libertação da situação desumanizadora. Ora, se não há
diálogo com o antagônico – a lógica opressora – expresso em cada situação
desencadeada nas ações desumanizadoras, sobretudo, essa carta é para nós, ou, para
nosOtros. Não um nós interno numa unidade fechada, mas reconhecendo-nos nas
diferenças e em um horizonte aberto, dialógico e coletivo, que reatualiza, repensa e
redimensiona nossa própria práxis, potencializando a utopia societária e planetária.
Anunciar, aqui, nos coloca na inquietude de retomar as trilhas que foram
assumidas e as desacomodações experienciadas para pensar o quefazer da Educação
Ambiental e o porvir impulsionado pelo VII EDEA. Acolhendo a leitura de Octavio
Paz, o dizer, o fazer permanecem como o Sul dos nossos ventos de incompletude – a
compreensão da vida na poesia de invenção dialógica do nosso inédito viável.

Escrita Coletiva trançada por muitos artífices.

Referências:

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1987.

NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade. São Paulo: Triom,


1999
PAZ, Octavio. Vislumbres da Índia: um diálogo com a condição humana. São
Paulo: Mandarim, 1996.

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