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DOI: 10.1590/1413-812320202510.

36212018 3713

Desvelando a cultura, o estigma e a droga enquanto estilo de vida

Artigo Article
na vivência de pessoas em situação de rua

Understanding culture, stigma and drug as a lifestyle in the life


of people living in the streets

Aline Basso da Silva (https://orcid.org/0000-0001-6711-4553) 1


Agnes Olschowsky (https://orcid.org/0000-0003-1386-8477) 2
Christine Wetzel (http://orcid.org/0000-0002-9125-0421) 2
Thomas Josué Silva (https://orcid.org/0000-0002-8594-4259) 3
Fabiane Machado Pavani (http://orcid.org/0000-0002-3858-8036) 1

Abstract This research aimed to analyse how Resumo O objetivo do estudo foi analisar como
homeless people experience drug use and the as pessoas em situação de rua vivenciam o uso de
intertwining between it and their cultural envi- drogas e seus entrelaçamentos com suas culturas
ronment and life style. An etnographic study has e estilos de vida. Realizou-se um estudo etnográ-
been conducted which identified the macrosocial fico, que identificou as estruturas macrossociais
structures through the National Movement of através do acompanhamento do Movimento
the Homeless (Movimento Nacional da Popu- Nacional da População de rua, e as microsso-
lação de Rua) monitoring and the microsocial ciais, por meio das trajetórias individuais dos in-
ones by means of its interlocutors’ individual tra- terlocutores. Os dados foram coletados mediante
jectories. Data were collected upon participant observação participante, registrada em diário de
observation, registered in a research field journal campo e entrevistas semiestruturadas. A análise
and in semi-structured interviews. The analysis foi realizada pela síntese da geração dos dados
was carried out by data generation synthesis durante todo o processo de trabalho. Os resul-
over the whole working process. Results reveal a tados apontam uma cultura da rua, em que
street culture in which drug builds a collective a droga surge como um estilo de vida coletivo,
life style that sets relationships and identities construindo relações e identidades de resistência
which withstand stigmas. Life stories unveil so- aos estigmas. As histórias de vida revelaram o
cial suffering and exclusion besides non-adapta- sofrimento social, a exclusão e a não adaptação
tion to society conventional and formal aspects. ao sistema convencional e formal. Assim, as pes-
Therefore, homeless people have their own social soas em situação de rua possuem uma organiza-
1
Escola de Enfermagem, organisation that helps them to endure the diffi- ção social que ajuda a suportar as dificuldades
Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). culties in being accepted by society as well as the de aceitação da sociedade e a inadequação dos
R. São Manoel 963, Rio inadequacy of the social services that should as- serviços que as atendem. A droga faz parte dessa
Branco. 90620-110 Porto sist them. Drug is part of this culture as a way of cultura, enquanto mais um modo de vida, que
Alegre RS Brasil.
alinee_basso@hotmail.com living and it needs to be understood and worked precisa ser compreendido e trabalhado de forma
2
Departamento de with by health professionals through a conscious aberta e consciente pelos profissionais de saúde.
Assistência e Orientação and open approach. Palavras-chave Pessoas em situação de rua,
Profissional, UFRGS. Porto
Alegre RS Brasil. Keywords Homeless people, Drug users, Mental Usuários de drogas, Saúde mental, Antropologia
3
Departamento de health, Anthropology
humanas, Universidade
Federal do Pampa. Jaguarão
RS Brasil.
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Introdução existência de um contexto social. O indivíduo


não é somente a resposta de seu comportamento,
Na busca por apreender a complexidade do fenô- mas, sim, do ambiente cultural e sociopolítico,
meno das drogas e suas relações com o cuidado, sendo suas relações consideradas nesse processo5.
seu uso e as recentes Políticas Públicas referentes Logo, o uso de drogas não deve ser considera-
ao tema têm trazido para a cena de discussão a do apenas por seu efeito no organismo, pelo pra-
população de rua, chamando a atenção também zer e dependência. É necessário olhar para outros
para os territórios de uso de drogas dessa popula- aspectos que percebam esse indivíduo como um
ção, como as cracolândias. Esses locais da cidade sujeito envolto em seu contexto social e sua his-
são a face dos invisíveis, que desmascaram o ain- tória de vida, que abranja uma perspectiva dinâ-
da distanciamento das políticas públicas sociais e mica e multifatorial, aspectos culturais e redes de
de inclusão voltados a essa população, que acaba relações.
ficando à mercê de ações pontuais de limpeza do Ao entrar no universo das pessoas em situ-
espaço urbano. ação de rua e do uso de drogas se faz necessário
As pessoas em situação de rua são um grupo estudos e aprofundamentos sobre o mesmo, de-
heterogêneo que tem em comum a pobreza ex- monstrando a necessidade de uma compreensão
trema, vínculos familiares interrompidos ou fra- sobre seus modos de vida e de um novo modelo
gilizados e a inexistência de moradia convencio- de cuidado. Dessa forma, o objetivo deste artigo
nal regular. No Brasil, em uma pesquisa realizada é analisar como as pessoas em situação de rua vi-
com pessoas em situação de rua em 71 cidades, venciam o uso de drogas e seus entrelaçamentos
identificou-se a existência de 631.922 adultos em com suas culturas e estilos de vida. Justifica-se a
situação de rua e, destes, 82% eram homens e discussão desse tema, para que possamos avançar
53% possuíam idade entre 25 e 44 anos1,2. na área da saúde em modelos de cuidado de acor-
Por outro lado, essas mesmas pessoas pos- do com a realidade, a vivência e as culturas de
suem suas particularidades, modos de vida e for- pessoas em situação de rua que utilizam drogas.
mas de poder (relações) que as fazem resistir em
contextos de repressão, estigmas e políticas pú-
blicas frágeis. Logo, a rua também é um espaço de Metodologia
morada e de trabalho informal para essas pesso-
as: guardadores de carro, descarregadores de car- Trata-se de um estudo etnográfico, método uti-
ga, catadores de papel ou latinhas, entre outros. lizado pela Antropologia no estudo dos grupos
Além disso, é um território de afeto e proteção tendo como base o contexto em que as pessoas
para a superação das dificuldades de viver com vivem, na qual o pesquisador se insere em seu
poucos recursos e dos estigmas que sofrem. A campo de estudo, interagindo com as pessoas,
rua, na visão do povo da rua, não é um local tão tanto na condição de observador quanto de par-
ameaçador, pois nela desenvolvem suas relações, ticipante do estudo6.
identidades e organizações sociais3. A etnografia, nesta pesquisa, mostra-se como
Este artigo participa da discussão sobre a método adequado e potente para o estudo das
importância de entender a droga enquanto uma pessoas em situação de rua, visto que este grupo
experiência que não é simplesmente individual, é bastante particular, com modos de vida diferen-
mas que faz parte das relações do indivíduo com ciados, itinerantes, de culturas distintas, e que so-
os grupos e seus contextos de vida. Em estudo, mado às características da etnografia, afetos e de-
constatou-se a utilização da droga fazendo parte safetos, as facilidades, dificuldades na interação,
das redes de relações e afetos – família e amigos conjuntamente com as emoções e as preocupa-
– que marcaram a motivação para o início desse ções do pesquisador em trabalhar essa realidade
uso. Trata-se de uma prática comum que ocorre com sensibilidade, possibilitaram maior aproxi-
principalmente em eventos sociais – as festas – mação e aprofundamento da questão em estudo.
em conjunto com as redes de afeto4. A pesquisa foi realizada durante os anos de
O cuidado faz parte dessas redes de relações 2015 e 2016, em Porto Alegre. Um estudo cen-
na rua, podendo ser o uso da droga um elemen- sitário prévio da população em situação de rua
to de comunicação, cultura e estilo de vida. En- da capital obteve 1.758 participantes, destes, 85%
tende-se que a utilização do conceito de estilo de eram do sexo masculino, 29% entre 35 a 44 anos,
vida é relevante, à medida que considera a vulne- 51% morando há mais de 20 anos na capital. De
rabilidade social, caracterizada por um processo acordo com a coordenação de saúde mental da
dinâmico, que envolve múltiplas dimensões e a capital, em apresentação numa audiência públi-
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ca, estima-se que a população em situação de rua Neste artigo, trazemos duas situações de pes-
em 2017 foi de quatro mil pessoas7. quisa para a discussão do tema proposto, uma
É importante também pontuar o contexto relacionada às estruturas macrossociais (situação
durante a pesquisa, em que a prefeitura, nos me- 1) e outra às microssociais (situação 2), através
ses finais de 2016 e iniciais de 2017, realizou ações do acompanhamento de João (interlocutor-pri-
de retirada das pessoas em situação de rua do vilegiado), gênero masculino, 42 anos, residindo
centro da cidade, um dos territórios com maior em um abrigo para moradores de rua que pos-
concentração de indivíduos e aldeias de moradia, suem problemas de saúde, sendo sua experiência
sem discussão prévia nas instituições de contro- de rua de 20 anos. Relata utilizar drogas como
le social e planejamento. Esse fato corroborou crack, maconha e álcool, e deseja sair das ruas e
a emergência desta pesquisa, somado à necessi- das drogas, utilizando para tal a rede de atenção
dade de se discutir as violações dos direitos das em saúde e assistência [abrigo, Centro de Atenção
pessoas em situação de rua, as ações de limpeza, Psicossocial álcool e outras drogas (CAPS AD)].
higienistas, a exclusão social, entre outras. A análise das informações coletadas foi rea-
O trabalho de campo baseou-se nas caracterís- lizada pela síntese da geração dos dados durante
ticas da etnografia de estabelecer relações, selecio- todo o processo de trabalho. Conforme Victora et
nar informantes, transcrever textos, mapear um al.6, a sistematização inicial não é o relatório final
campo, manter um diário, e o esforço intelectual da pesquisa. Trata-se da organização inicial dos
empreendido para praticar uma “descrição den- dados brutos da pesquisa, indicando caminhos e
sa”8. No contato com os interlocutores foram utili- temas principais para serem discutidos na análise
zadas: a observação participante, um instrumento e interpretação dos resultados. Essa sistematiza-
que retrata as interações com o grupo, os vínculos ção inicial e organização dos dados direcionou o
e os contatos realizados; e o registro em diário de trabalho de campo, indicando os caminhos cons-
campo, técnica que consiste em anotar detalhada- truídos com os interlocutores, apontando temas,
mente cada visita de campo6. Esses instrumentos incorporando novas perguntas, observações e
contemplaram a contextualização das estruturas novos participantes.
macrossociais e microssociais. Além disso, as es- A pesquisa respeitou os preceitos éti-
truturas macrossociais foram identificadas através cos-legais em estudos com seres humanos, e es-
do acompanhamento do coletivo Movimento Na- pecificidades em suas concepções e práticas de
cional da População de Rua (MNPR), e as micros- pesquisa em ciências humanas e sociais. Obteve
sociais, por meio das histórias e trajetórias indivi- parecer favorável do comitê de ética na Universi-
duais dos interlocutores produzidas mediante as dade Federal do Rio Grande do sul (UFRGS).
entrevistas semiestruturadas, que visaram apro-
fundar elementos do objeto: território de vida,
uso de drogas, relações, culturas, modos de vida6. Resultados
Neste artigo, os fragmentos utilizados referem-se
aos registros dos diários de campo da pesquisa de Situação 1- vivência macroestrutural: a
dois participantes/interlocutores. compreensão da droga enquanto estilo de vida
Ao longo da pesquisa houve diferentes “in-
terlocutores”, oriundos dos espaços do MNPR, Junho de 2016, em um evento organizado
eventos, conferências e reuniões. Os interlocu- em parceria entre MNPR e a prefeitura da ci-
tores que colaboraram na análise macrossocial dade com um professor de uma Universidade
foram identificados pela letra R, quando repre- pública brasileira, este fala sobre as drogas e os
sentantes/militantes do coletivo. direitos humanos. O professor expõe sua experi-
Entre os participantes foram considerados ência prática no tema dos direitos humanos, da
interlocutores-privilegiados aqueles com quem vulnerabilidade social e do uso de drogas, para
foi realizado o acompanhamento etnográfico. ele as questões de vida são essenciais na compre-
Essa relação teve modos diferentes para cada pes- ensão do uso de drogas na sociedade. Fala que
soa, relacionado com suas histórias de vida. Para para as pessoas em situação de rua há a questão
o encontro e o convite aos participantes foram do abandono, da falta de perspectiva e do não re-
considerados critérios de inclusão: (1) Estar ou conhecimento da sociedade. O que seria esse não
ter morado/vivência na rua por pelo menos um reconhecimento? Não são vistos como humanos,
ano; (2) Estar ou ter utilizado drogas (álcool e como pessoas, então a droga, em muitos momen-
outras drogas) por pelo menos um ano; (3) Ser tos, é um artifício de vida, a única perspectiva de
maior de idade (18 anos). sobrevivência em uma sociedade de abandono.
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Na plateia, um diálogo chama a atenção, um como eu suportava viver na rua sem a droga, can-
ex-usuário de drogas relata que não está preocu- sei de ouvir do tipo tu não vai aguentar cara. Um
pado com pessoas que fazem uso funcional da dia tu vai cair, não tem como suportar essa falta de
droga, e sim com as que fazem uso disfuncional, tudo sem usar a droga... (R5)
por exemplo as pessoas da Cracolândia. O pro- [...] Já ouvi também de companheiros da rua:
fessor expõe sua experiência na cracolândia, e diz Se tu não usar droga esse lugar não é pra ti, aqui só
perceber que o uso abusivo e a dependência es- estão quem usa droga... (R5)
tão intimamente ligados à necessidade daquelas [...] Posso te dizer, isso quero te relatar, que tem
pessoas em sobreviver às suas vulnerabilidades, preconceito com as pessoas que não usam drogas
à falta de oportunidades, ao descaso no cuidado na rua. Se ela não usa, tu acabas ficando de fora,
formal e à falta de políticas públicas. Refere, en- como se eu fosse o errado. Aquilo que ele falou lá do
tão, que a droga passa a ser um artifício de vida, disfuncional. Aí se tu não usas a droga tu és disfun-
a única possibilidade de inclusão social naquele cional naquele sistema... (R5)
contexto. Ouvi atentamente R5 e sua afirmação “Você
O conceito de disfuncional é descontruído tem que ouvir também quem não usa drogas, só
pelo professor ao dizer que em toda a sociedade assim tu vai entender como é as ruas”, retumbava
haverá pessoas que não se adaptam ao modelo, em meus pensamentos. Assim, consegui levantar
não por estarem erradas, mas por não se senti- o argumento: para as populações de rua, pode
rem pertencentes a ele. Fala que o cuidado a es- haver um estilo de vida em que a droga possui
sas pessoas deve ser pensado de forma diferente, um valor social, cultural e simbólico que também
pois a retirada da droga seria a real morte, e que o demarca a sobrevivência. Ou seja, como naquele
grande desafio era incluí-las com suas diferenças debate, “a droga é um artifício de vida e não de
no sistema. morte”.
Esse debate instiga a refletir sobre as dife- R5 aborda em seus relatos que sua sobrevi-
rentes maneiras do uso de drogas na sociedade, vência nas ruas foi sempre conturbada quando
é possível relacionar a cracolândia às pessoas associada às relações em grupo. Sempre buscou
em situação de rua, pois percebe-se algumas si- a companhia de um amigo com ideias parecidas
tuações em comum: a falta de oportunidades, o ou a individualidade. A afirmativa à vida nas ruas
descaso das políticas públicas e a sobrevivência foi possível a relacionando a uma frase que R5
a suas vulnerabilidades. Na saída da palestra, an- sempre repetia: “a gente se acostuma”.
dando pelas ruas com um militante, ele relata al-
gumas dessas situações: Situação 2- Vivência microestrutural: João
R5 é um militante do movimento, não usa e e suas relações com o grupo de pessoas
nem nunca usou drogas, viveu muitos anos na em situação de rua
rua e agora está em um abrigo por motivos de
saúde. É um homem de estatura média, bran- Andando com João, um de meus interlocu-
co, com olhos e cabelos claros. À primeira vista, tores privilegiados, chegamos a um parque, onde
quando o conheci, acreditei que era um apoiador havia várias pessoas em situação de rua, homens,
do movimento, não por sua aparência, mas mui- mulheres, crianças comendo churrasco, que ga-
to mais por sua forma de se relacionar. Aparen- nharam de uma turma de pessoas que usava o
tava ser muito sério, com a linguagem bastante espaço público para fazer um almoço coletivo
rebuscada, mas essa postura séria foi dando lugar entre amigos na rua. O pessoal (pessoas em situa-
a um homem delicado que gostava de conversar ção de rua) cumprimentou primeiro o João, bem
sobre questões da rua. animados em vê-lo, após, João me apresentou, e
[...] Tu trabalhas com drogas, acho que tu tens uma das pessoas do grupo disse: Eu conheço já
que ouvir também pessoas que não as usam nas está menina, está sempre com a gente nas ativida-
ruas. Isso porque tu vai entender melhor esse tema. des, nas coisas do jornal, se dá com o pessoal... (R6).
Talvez tu vai entender até o que professor disse de Aos poucos, os olhares desconfiados e o des-
uma forma mais prática. Tipo a gente na rua so- conforto com a minha presença foram mudando
fre tudo que é violência, desrespeito, falta as coisas, para a descontração. Terminaram de comer e nos
mas a gente se acostuma. Mas a grande maioria convidaram para dar uma volta pelo parque, a
usa a droga para suportar isso, e os que não usam ideia era fazer uma roda para utilizar maconha,
são considerados os inadequados... (R5) éramos seis formando uma roda. No ritual de
[...] Pois é, posso te dizer que nunca usei dro- uso de maconha, uma das pessoas fechou o ba-
gas, nunca mesmo. E as pessoas nunca entenderam seado, enquanto conversavam sobre diferentes
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assuntos, inclusive como estava sendo morar na- aldeia e João e eu voltamos para o abrigo. Duran-
quela aldeia próxima a esse parque, a questão do te o retorno ele disse que aquelas pessoas eram
banho, e a organização da alimentação. uma parcela de seus amigos da rua, pessoas com
Uma das mulheres presentes contava como quem já teve uma história de amizade e compa-
estava sendo difícil trabalhar por esses dias, a nheirismo quando estava sem teto. Nos dias atu-
fome nas ruas, os dias frios. Em relação ao ba- ais, eles continuam se encontrando, mantendo o
nho, este costuma ser no Centro de Referência vínculo, isso a partir de encontros não marcados,
Especializado para pessoas em “situação de rua” em que usam drogas e conversam, relembrando
(Centro POP), no entanto, era sempre uma “la- histórias.
daia”, filas gigantes para tomar banho, então, às Ele me disse que nem todos os “amigos da
vezes, tomavam em uma torneira localizada no rua” mantêm a mesma amizade de antes, alguns
parque. “Então, imagina a dificuldade”, disse R6, têm preconceito por ele estar querendo outro
com o rosto marcado por grande tristeza. tipo de vida, por querer sair da rua. Ele acha que
As pessoas dizem que a gente não quer tra- isso é “inveja deles” porque está “tentando se or-
balhar, primeiro que, o que sobra é catar lixo ou ganizar”:
cuidar carros, quem vai dar emprego para quem Na rua tem isso, se o cara tá tentando se orga-
não tem casa. Segundo, que quem tem casa a vida é nizar tem os invejosos que não querem te ver bem,
mais fácil, pode tomar banho a hora que quer, nós te ver numa situação melhor, te ver saindo de situ-
precisamos do Centro POP, ele abre umas oito, oito ações que te geram dor, mas isso são algumas pesso-
e meia, nessa hora em um emprego normal você já as. Tem os amigos mesmo, que estão na rua por que
deve estar trabalhando, não? (R6) querem e te entendem se quer sair dela, melhorar
O centro POP não pode ser referência para e tal... (João)
nada, na realidade não somos nada ali, filas para Já morei em muitas aldeias, aldeias de todo
o banho, poucos profissionais, eles também não nos tipo, muitos amigos eu fiz na rua, por isso que ago-
entendem, estão cheios do saco de ter que trabalhar ra também preciso me desligar da rua, porque eu
com nós, acho que têm nojo da gente... (R6) quero diminuir o uso de drogas, e se tu tá numa
Concordo com ela, não faço perguntas, ape- aldeia tu vai usar... (João).
nas digo que realmente é uma vida difícil e que
pouca gente conhece, e as pessoas falam do que
desconhecem. Ela fica pensativa, mexendo os pés Discussão
sobre a terra úmida.
Na roda me ofereceram a maconha, eu não No primeiro momento apresenta-se a vivência
aceito, dizendo que estava ali para conhecê-los e com R5, que, conforme seu diálogo, informa que
acompanhar o João. João ri, dizendo a eles que eu não utiliza drogas. A conversa com R5 e o evento
era enfermeira, que fazia pesquisa, que não pode- instigam a refletir sobre “a droga enquanto valor”.
riam me levar para o mau caminho. Dou risada Becker9 reflete que sempre que existe um grupo
em conjunto com eles, fazendo um comentário: de pessoas que possuem uma vida em comum,
Pois é, pessoal, pega mal eu andar ‘chapada’ em si- com pequeno grau de isolamento em relação a
tuações de trabalho... (pesquisadora). Todos riem, outras, problemas comuns e uma mesma posição
dizem que nunca haviam conhecido uma enfer- na sociedade, há ali uma cultura.
meira que ficasse tão tranquila na presença deles: A cultura surge essencialmente em resposta
Elas são rígidas e parecem ter nojo e medo da gente, a um problema enfrentado que é comum a um
mas a gente sabe que não são todas... grupo de pessoas, à medida que elas conseguem
No momento do ritual de uso de maconha se unir e se comunicar entre si de forma eficaz.
fiquei ouvindo o que falavam, não me senti à Pessoas que se envolvem em atividades desvian-
vontade para fazer perguntas, sentia que estava tes – por exemplo, o usuário de drogas pesadas
sendo aceita naquele espaço, desde que não ul- que vive também nas ruas – enfrentam a proble-
trapassasse determinado limite. A conversa entre mática de que sua concepção a respeito do que
eles era fluida, em nenhum momento questiona- fazem não é partilhada por outros membros da
ram nada sobre mim, ou me colocaram na roda sociedade, sendo que suas culturas muitas vezes
como uma “conhecida”, eu simplesmente era são consideradas subculturas9.
aceita pela presença forte do meu interlocutor A experiência de R5 revela o conflito com o
naquele espaço. grupo de pessoas em situação de rua, por não
A roda de uso de maconha durou menos de compartilharem o uso de drogas delas, e também
meia hora. Logo, o grupo se encaminhou para a a cultura do uso de drogas na rua. Mostra essa
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cultura como um estilo de vida que não é indivi- seus aspectos negativos da vida com poucos re-
dual, mas coletivo; o uso da droga os une frente cursos e muito sofrimento para esses sujeitos e,
aos problemas comuns que vivem pelas ruas. ao mesmo tempo, é um modo de resistência, a
Há um tensionamento na noção de normali- partir de um mundo de significados e identida-
dade, em que o desviante não possui o propósito des que o reforçam e os tornam sobreviventes:
e a intenção exatamente do desvio. Na realidade, a organização em grupo parece ser o mais forte
ignora a existência da regra – em que o “normal” desses significados.
não é exatamente o ligado a instituições e com- A segunda situação traz um momento com
portamentos convencionais –, à qual a maioria João que, a partir de sua presença, coloca em cena
das pessoas da sociedade é submetida ao longo a possibilidade de contato com o grupo de pesso-
do tempo, no caso, para o indivíduo “desviante” as em situação de rua. Observa-se que esses con-
não existe a reputação a zelar, pois, conforme textos são ricos de informação sobre a forma de
suas noções e experiências, seu comportamento organização das pessoas, uma organização ligada
é adequado9. à vida em grupo, a partir das aldeias: comunida-
R5 narra que o fato de não usar drogas o co- des coletivas na rua.
loca em posição de desvio, ele se torna “disfun- João diz desejar a mudança de vida, a saída
cional” naquele sistema. Essa ideia é abordada das ruas e a diminuição do uso de drogas. Para
por Becker9, em que uma sociedade “normal”, tal, as instituições da rede de saúde e assistência
legitimada pelos modelos convencionais e pelo são acionadas, tanto o abrigo que está lhe permi-
biologicismo do uso de drogas, R5 está correto, tindo ter um teto para moradia quanto o CAPS
pois consegue viver sem drogas. No entanto, o AD, no qual faz seu tratamento em saúde basea-
“normal” para essa sociedade de rua é a utiliza- do em medicações, as quais ele não quer usar e
ção da droga, fazendo com que R5 seja o outsider, em redução de danos que ainda lhe permite al-
o outro, o diferente naquele lugar. guns rituais de encontro com amigos da rua.
Observa-se que o mundo social dos mora- O ritual de uso de drogas na rua é entendido
dores de rua é considerado uma subcultura, pois como parte dessa organização social. O uso do
a grande maioria das pessoas não escolhe esse cigarro e da maconha são um modo de “estru-
mundo e sim é empurrada pelas circunstâncias turas de vida”. As estruturas de vida são compre-
sociais: essas pessoas vivem uma vida precária, endidas enquanto atividades regulares, tanto as
sofrem violências e estigmas constantes, e não há convencionais quanto as relacionadas à droga,
políticas públicas e redes formais adequadas para que estruturam os padrões da vida cotidiana. Isso
suas necessidades, e estão mais vulneráveis a do- inclui as relações pessoais, os compromissos, as
enças e ao uso de drogas. Então, partilham de um obrigações, as responsabilidades, os objetivos e as
mesmo destino, sobreviver a essas circunstâncias expectativas12.
e à difícil vida nas ruas e becos das grandes ci- Para João, a vida nas ruas só é possível com o
dades10. uso de drogas, pois elas fazem parte daquela rea-
A noção de subcultura está associada à socie- lidade social. O fato de seu tratamento lhe permi-
dade complexa, pois se trata de diferentes classes, tir o uso da droga, ainda que só a maconha, a par-
religiões, etnias. Pode-se exemplificar com a cul- tir da redução de danos, lhe permite também o
tura burguesa que criou um conjunto de normas contato com alguns de seus amigos na rua, os que
e regras dominantes: tradições, heranças – hu- restaram. Suas relações com os amigos ainda são
manismo, cristianismo – e a origem pode estar positivas, ele ainda se sente pertencente ao grupo.
vinculada à noção de classe social da burguesia. Os rituais de uso de maconha são comuns nesses
Assim, as culturas que não são dominantes – as encontros, que podem não durar muito tempo,
minorias – possuem comportamentos, crenças, mas demarcam a relação: eles têm a possibilidade
valores em comum, opondo-se às culturas domi- de conversar, relembrar histórias a partir do uso
nantes, e são consideradas subculturas11. da droga.
As pessoas em situação de rua e o uso de dro- Desse modo, a utilização das drogas é um ri-
gas são percebidos como uma subcultura, pois tual de socialização e fortalecimento de relações.
revelam um universo de significados bastante Também é um território de reconhecimento,
particulares que se opõem às culturas dominan- marcando um local de convivência entre os usu-
tes. Porém, a partir da etnografia, observa-se uma ários de drogas no espaço da rua. O grupo as-
cultura da rua, pois a definição de subcultura ain- sume papel de acolhida e afeto, na ausência de
da é considerada pelo senso comum uma cultura laços familiares, promovendo sentimentos de
em subdesenvolvimento. A cultura da rua revela igualdade13,14.
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Esse cenário é também simbólico e cultural, que julgam necessária a influência desses servi-
pois os indivíduos organizam processos de sin- ços, muitas vezes para questões de básicas, como
gularização, construção de identidades, redes banho, eles se sentem rechaçados pelos mesmos.
simbólicas de proteção, de pertencimento, de A organização do serviço prejudica diferentes
solidariedade, para criar e reforçar os laços cul- formas de vida, como relatado, arrumar um em-
turais, experimentar suas vivências no mundo e prego formal, e os profissionais parecem estar
estabelecer regras e normas para cuidar de sua constantemente julgando-os e estigmatizando
sobrevivência15. -os, por exemplo, como o que foi dito em relação
Percebe-se uma dualidade/contradição nessa às enfermeiras: “elas parecem ter nojo e medo da
identidade de rua que é notada pelas pessoas em gente...”.
situação de rua como uma resistência, em que o João, nesse momento, aceita a influência das
uso das drogas também é visto como sobrevivên- instituições, pois deseja “se organizar”, buscan-
cia e a possibilidade de organização, mesmo em do o CAPS AD, o abrigo e a redução de danos.
meio às dificuldades. Isso é exemplificado pelo E, como consequência, sua identidade é proble-
relato de R6, ao citar as diversas faces da vida nas matizada pelos amigos da rua, sendo isolado, ou
ruas, através de sua história sobre o banho e a fal- seja, João torna-se um desviante na rua.
ta de emprego. Para a sociedade, somente a droga Existe a discussão sobre a estigmatização so-
e o crime estão em evidência quando se trata das cial como questão individual, pessoas que têm
populações de rua, desconsiderando a complexi- um desapreço acentuado por outras, classifican-
dade de suas estruturas de vida. do-as por preconceito. No entanto, não é possível
É impossível descolar a cultura da rua da no- discernir, no plano individual, algo que não pode
ção de estigma, um atributo depreciativo confe- ser descolado de uma relação ao nível de grupo.
rido a um indivíduo, e parte de determinada ca- Observam-se grupos estigmatizando outros, não
racterística, tornando-a totalizadora, como, por por seus valores e qualidades individuais, mas
exemplo, as pessoas em situação de rua que são por pertencerem a determinados grupos, coleti-
o oposto do estereótipo criado, sobre como as vamente considerados diferentes e inferiores ao
pessoas devem ser ou agir (não têm casa, comem próprio17.
e aproveitam coisas do lixo, catam lixo, não pos- Logo, a cultura da rua significa a resistência
suem emprego formal, usam drogas e vivem na aos estigmas e às políticas e serviços que desco-
sujeira). nhecem a realidade da vida nas ruas. O coletivo
O estigma existe a partir das relações entre procura transformar a ideia de que são “os des-
as pessoas, do choque entre os “normais” e os viantes”, conseguem ver e relativizar seus modos
“anormais”. O estigma é atribuído a partir de de- de vida, sua organização, suas estruturas sociais
terminadas características da pessoa e passa a for- como uma forma de sobrevivência. Dessa forma,
mar uma identidade. Em oposição, os indivíduos a droga faz parte dessa cultura, enquanto mais
estigmatizados vão manipulando sua identidade, um modo de vida, que precisa ser conhecido,
tentado mostrar sua melhor face. É o processo de compreendido e trabalhado de forma aberta e
racionalização e relativização da identidade que consciente pelos profissionais de saúde. Conhe-
também a constrói, a partir de como a pessoa cer a cultura da rua ajuda a desmistificar estigmas
se vê, a que grupos pertence e como os demais e a trabalhar o tema das drogas na sua complexi-
membros da sociedade concebem suas ações e dade sociocultural.
condutas16.
A cultura da rua é estigmatizada pela socie-
dade. Ela possui marcas corporais (a sujeira), e Considerações finais
a identidade social de desgraça que carregam em
suas existências vulneráveis e tristes, pela visão de A partir das duas situações apresentadas, obser-
mundo dos ditos “normais”. Viver nas ruas pode va-se que existe uma cultura do uso de drogas na
ser sinal de “desonestidade” e “vagabundagem”, rua que traduz um estilo de vida não individual,
revelando uma marca de má conduta marcada mas sobretudo coletivo. Assim, o uso da droga
por elementos, como a inexistência de emprego permite unir as pessoas em situação de rua diante
formal, a moradia sem teto, a fragilização dos la- dos problemas comuns que vivenciam pelas ruas.
ços familiares e catar lixo. A identidade da rua é percebida pelos interlo-
Percebe-se que nos grupos que vivem nas cutores como uma resistência, em que o uso das
ruas desenvolve-se também uma relação diferen- drogas é visto, principalmente, como sobrevivên-
te com as instituições sociais. Da mesma forma cia e possibilidade de organização, mesmo em
3720
Silva AB et al.

meio às dificuldades. Observa-se que as pessoas à “droga doença” e à “droga crime”. Para tal, os
em situação de rua possuem uma organização profissionais e a sociedade necessitam de infor-
social que os ajuda a suportar as dificuldades de mação, discussão e práticas que considerem esse
aceitação da sociedade e a organização falha dos tema.
serviços que não compreendem seus modos de A pesquisa etnográfica torna-se um impor-
vida. tante meio de diálogo, interação e compreensão
Dessa forma, as pessoas em situação de rua da complexidade do tema das drogas, saúde e
são estigmatizadas e vinculadas à imagem de cri- cuidado para as populações como as de rua, que
minosos e drogados. A possibilidade de conhecer possuem estilos de vida diferenciados, dinâmicas
e compreender sua cultura possibilita a reflexão e diversidades que precisam com urgência ser en-
da necessidade de novos modelos de cuidado em tendidas e incorporadas nas reflexões e ações do
drogas e saúde, que não se vinculem somente campo da saúde.

Colaboradores

AB Silva - Realizou o projeto, a entrada em cam-


po, a coleta, análise e discussão dos dados. A
Olschowsky - Orientação e contribuição para
projeto, coleta, análise e discussão dos dados. C
Wetzel - Orientação relativo ao tema das drogas e
saúde mental, contribuição na discussão dos da-
dos. TJ Silva - Orientação e contribuição na dis-
cussão metodológica e de entrada em campo. FM
Pavani - Contribuição na discussão dos dados e
realização do artigo científico.
3721

Ciência & Saúde Coletiva, 25(10):3713-3721, 2020


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