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jato de luz, da direita, lança alguma claridade sobre o cenário. Mesmo assim, após habituar a vista, o
espectador identificará facilmente uma pequena praça, onde desembocam duas ruas. Uma à direita,
seguindo a linha da ribalta, outra à esquerda, ao fundo, de frente para a platéia, subindo, encadeirada e
sinuosa, no perfil de velhos sobrados coloniais. Na esquina da rua da direita, vemos a fachada de uma
igreja relativamente modesta, com uma escadaria de quatro ou cinco degraus. Numa das esquinas da
ladeira, do lado oposto, há uma vendola, onde também se vende café, refresco, cachaça etc.; a outra
esquina da ladeira é ocupada por um sobrado cuja fachada forma ligeira barriga pelo acúmulo de
andares não previsto inicialmente. O calçamento da ladeira é irregular e na fachada dos sobrados vêem-
se alguns azulejos estragados pelo tempo. Enfim, é uma paisagem tipicamente baiana, da Bahia velha e
colonial, que ainda hoje resiste à avalancha urbanística moderna.
Tanto a igreja como a vendola estão com suas portas cerradas. Vem de longe o som dos atabaques dum
candomblé distante, no toque de Iansan. Decorrem alguns segundos até que Zé-do-Burro
surja, pela rua da direita, carregando nas costas uma enorme e pesada cruz de madeira. A passos lentos,
cansado, entra na praça, seguido de Rosa, sua mulher. Ele é um homem ainda moço, de 30 anos
presumíveis, magro, de estatura média. Seu olhar é morto, contemplativo. Suas feições transmitem
bondade, tolerância e há em seu rosto um “quê” de infantilidade. Seus gestos são lentos, preguiçosos,
bem como sua maneira de falar. Tem barba de dois ou três dias e traja-se decentemente, embora sua
roupa seja mal talhada e esteja amarrotada e suja de poeira. Rosa parece pouco ter de comum com ele.
É uma bela mulher, embora seus traços sejam um tanto grosseiros, tal como suas maneiras. Ao contrário
do marido, tem “sangue quente”. É agressiva em seu “sexy”, revelando, logo à primeira vista, uma
insatisfação sexual e uma ânsia recalcada de romper com o ambiente em que se sente sufocar. Veste-se
como uma provinciana que vem à cidade, mas também como uma mulher que não deseja ocultar os
encantos que possui.
equilibrando-a na base e num dos braços, como um cavalete. Está exausto. Enxuga o suor da testa.
ZÉ-(Olhando a igreja) É essa. Só pode ser essa.
ROSA-Esperar? Aqui?
ROSA Bem feito. Você não quis botar almofadinhas, como eu disse.
ROSA -Então: se você não falou, podia ter botado; a santa não ia dizer nada.
ZÉ-Não..... Eu prometi trazer a cruz nas costas, como Jesus. E Jesus não usou almofadinhas.
ZÉ-Não, nesse negócio de milagres, é preciso ser honesto...não quero enganar o santo...o que vão dizer
de mim?...olha lá o zé do burro o enganador....
ROSA-Será que você ainda pretende fazer outra promessa depois desta? Já não chega?...
ZÉ-Sei não... a gente nunca sabe se vai precisar. Por isso, é bom ter sempre as contas em dia...(sobe as
escadas da igreja)
ZÉ-Qualquer coisa escrita... pra a gente saber se essa é mesmo a igreja de Santa Bárbara.
ROSA-Claro que é essa. Não lembra?...só tem essa igreja aqui homem.
ROSA-(Olha-o quase com raiva).ta todo mundo dormindo homem... menos eu, que infelicidade.... me
casei com um pagador de promessas....a acho melhor a gente dormir ....
ZÉ-E a cruz?
ROSA-Quem é que vai roubar uma cruz, homem de Deus? Pra que serve uma cruz?
ZÉ-oxii...Tem tanta maldade no mundo. ...o risco muito grande...e se me roubassem a cruz... andei sete
léguas com ela nas costas.... da roça até aqui.
segundo ato
BONITÃO-(Alcança-a e obriga a parar torcendo-lhe violentamente o braço) Não, vamos resolver aqui
mesmo. Não tenho nada que discutir com você...
MARLI-Estúpido!
MARLI-(Tira do bolso do vestido um maço de notas e entrega a ele) Não podia esperar até chegar em
casa?
MARLI-Só. A noite hoje não foi boa. Você viu, o “castelo” estava vazio. BONITÃO-E aquele galego que
estava conversando com você quando cheguei?
MARLIUma boa conversa. Queria se fretar comigo. Ficou mangando a noite toda e não se resolveu...
BONITÃO-(Mete subitamente a mão no decote de Marli e tira de entre os seios uma nota) Sua ladrona
Ele faz menção de dar-lhe um bofetão, ela corre e refugia-se atrás da cruz. Zé-do-Burro desperta de sua
semi- sonolência.
ZÉ-Não, promessa.
BONITÃO- Interessante .
BONITÃO(Guarda o dinheiro) Bem, esta é uma maneira de olhar as coisas. E toda coisa tem pelo menos
duas maneiras de ser olhada. Uma de lá pra cá, outra de cá pra lá. Entendeu?
ZÉ-Não...
BONITÃO-Não é muito confortável essa cama....E olhe que você bem merece coisa melhor.
BONITÃO-A ele?
ROSA-Sim...meu marido
ROSA-Eu não, ele. E por causa dele estou dormindo aqui, no batente de uma igreja, como qualquer
mendiga.(Senta-se)
ZÉ -Mas às seis horas deve ter missa. Hoje é o dia de Santa Bárbara...
BONITÃO-Mas hora hora..uma mulher tão bela como voce presa nesta vida?
ZÉ -Oxente ...pode sair fora cara ..senão lhe pico na peixeira ...
BONITÃO-Não falei por mal. Eu também sou meio devoto. vai ver se a igreja ja abriu...eu cuida da sua
cruz....leve ele marli ...eu cuida da sua cruz ....e da sua mulher ( malicioso)
ROSA- Ai meu deus....( cansada) Duas noites sem dormir e sete leguas no calcanhar ..
BONITÃO-escute homem...eu posso, em cinco aminutos,arranjar uma boa cama, com colchão de mola,
num hotel perto daqui.
ZÉ-Pra ela?
ZÉ-Eu não posso. Tenho que esperar abrir a igreja. Se soubesse que não iam roubar a cruz...
BONITÃO-(Rapidamente) Oh, não, a cruz não deve ficar sozinha. Esta zona está cheia de ladrões.
BONITÃO-Mas eu posso ficar tomando conta, enquanto o senhor e sua senhora vão descansar.
ZÉ-A minha santa barbara...que homem bondoso ...voce faria isso por nos?
BONITÃO- Pode deixar meu amigo ...eu vou cuidar bem dela...( sai abraçado com ela )
(zé do burro adormece na porta da igreja e chega as beatas)
(Senta-se ao pé da cruz e procura uma maneira de apoiar o corpo sobre ela. Aos poucos, é vencido pelo
sono. As luzes se apagam em resistência)
Segundo Quadro
As luzes voltam a acender-se, lentamente, até dia claro. Ouvem-se, distante, ruídos esparsos da cidade
que acorda. Um ou outro buzinar, foguetes estouram saudando Iansan, a Santa Bárbara nagô, e o sino da
igreja começa a chamar para a missa das seis. Mas nada disso acorda Zé-do-Burro. Entra, pela ladeira, a
Beata. Toda de preto, véu na cabeça, passinho miúdo, vem apressada, como se temesse chegar atrasada.
Passa por Zé-do- Burro e a cruz sem notá-los. Pára diante da escada e resmunga.
Fica a critério da direção utilizar neste quadro figurantes que descerão a ladeira e entrarão na igreja
BEATA-Porta fechada. É sempre assim. A gente corre, com medo de chegar atrasada e quando chega aqui
a porta está fechada. Por que não abrem primeiro a porta, pra depois tocar o sino? ( ela percebe o zé do
burro e se assusta)Virgem Santíssima! credo em cruz !!!!
SACRISTÃO-Isso o quê?
BEATA-Está vendo não? Uma cruz enorme no meio da praça...se voce não resolever isso voume queixar
ao padre olavo...
BONITÃO-Oxente minha senhora ....uma hora dessas ja ta julgando os outros?....esse aque é o zé...meu
amigo...veio pagar umapromessa...
Entra o padre...
PADRE- Deus te abençoe- ( faz o sinal da cruz ) Que está fazendo aí com essa cruz ? é promessa?
ZÉ- Graças a deus....vai comigo pra todo canto agora mais eu..so nao vai pra igreja mas ele nao entra ...
PADRE- Ele
PADRE- Um burro?...voce esta louco?...fez uma promessa para um burro...fora daqui voce e sua
cruz ...isso é coisa do demo....
ZÉ- Ao demo?...jamais ...eu leve nicou nicolau pra benze mais nada serviu..
PADRE- Misericordia ....fora daqui com sua macumbaria ..aqui voce nao entra...vá embora senão vou
chamar a policia ...( padre sai)
Entra rosa...
ROSA - Homem de deus ....essa igreja ainda nao abriu?
ZÉ- Abriu sim ...mas o padre nao quer deixau eu colocar acruz dentro da igreja?
ZÉ- Ele diz que minha promessa foi feita no terreiro de macumba..
entra o reporter…
REPÓRTER- bom dia pessoal…estamos aqui na frente da igreja de santa barbara e vamos conhecer mais
da historia do ze do burro…
REPÓRTER- Zé do burro? essa promessa foi feita no terreiro ou para santa barbara?
REPÓRTER- É isso mesmo que voce ouviu…o novo heroi do sertão …caminhou sete leguas…24
quilometros com sua mulher para pagar sua promessa…isso sera uma promessa ou um golpe?
REPÓRTER- Eu vou ficando por aqui com essa historia intrigante…e voce zé do burro ?é quem diz ser ?
heroi ou charlatão? cristo ou o diabo? e essa promessa ? pra quem foi?
entra o padre
PADRE- QUE GRITARIA É ESSA?...VOCE AINDA POR AQUI? VÁ SIMBORA PARA SEU TERREIRO ..
ZÉ- Seu padre…eu sou um homem de muita fé….povo de Deus…tem algum problema de eu pagar minha
promessa?
POVO- Nãooooooooooooo