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O P.

Gusmão de Molina, depois de ter em vão buscado o roteiro das minas em casa de
Caminha, convencera-se de que o manuscrito ou estava sobre o corpo do próprio Estácio, ou
em algum esconderijo impenetrável.
*Padre Gusmão de Molina entra preocupado procurando alguma coisa*
- Mas será possível!? Não encontro o roteiro das minas em lugar nenhum! A menos que… a
menos que esteja escondido sobre o corpo de Estácio ou em algum lugar impenetrável. Vou
investigar!

*P. Gusmão sai correndo*

*P. Gusmão entra num ambiente escuro (cárcere) e manda chamar João Fogaça*

(PG) — O serviço que de vós exige a Companhia é o seguinte. Trata-se de descobrir um


segredo importante para ela, do qual está de posse uma pessoa, que pode fazer muito mal a si
e à religião.

(JF) — Conte V. Paternidade comigo, pois se estou sempre disposto e é ofício meu destruir as
ruindades dos maus contra seus semelhantes, muito mais contra Deus.

(PG) — Tendes sem dúvida em vossa tropa alguns índios mansos, bons caçadores do gentio, e
capazes de seguirem uma pessoa dia e noite sem nunca lhe perderem a pista?

(JF) — Tenho justamente o de que V. Paternidade fala, mas tal como não imagina.

(PG) — Bem, servem-me perfeitamente; mas é preciso que não busqueis saber deles qual a
incumbência que lhes vou dar, e nem mesmo lhes faleis durante que permanecerem às minhas
ordens!...

*João Fogaça de testa enrugada*

(JF) — V. Paternidade desconfia de mim?... E pede meu auxílio?

(PG) — Desconfio tanto que tudo fio de vossa lealdade e palavra de homem de bem.

(JF) — Mas por que devo eu ignorar aquilo em prol de que trabalho com os meus índios?

(PG) — Porque se trata de negócio de honra, no qual sabeis que a divulgação do segredo traz
infâmia.

(JF) — Bem; dou-vos minha palavra.

(PG) — Por que não vosso juramento?

(JF) — Vale o mesmo; jurarei, se quereis.

(PG) — Não; nem da vossa palavra careço já. Basta vossa lealdade.

*João Fogaça chama os índios e os coloca na frente de P. Gusmão e sai de cena*

*P. Gusmão fica a sós com os índios e fingem conversar ao som de uma música de suspense*
(PG) - Amanhã às 6 horas um moço disfarçado de jesuíta sairá da Fortaleza de Santa Luzia para
buscar um papel escondido e depois desaparecer. Vocês devem seguí-lo e, quando se
esconder nas sombras, pegar de sua mão o papel e trazer a mim.

(Índio Olho) — Como é o papel?

(Índio Faro) — Que cheiro tem?

(Índio Ouvido) — Que som dá?

*P. Gusmão pega um papel para ilustrar*

(PG) - É semelhante a este. Vejam e observem cada mínimo detalhe.

*Ouvido pega o papel e amassa, depois joga no chão. Demonstra prestar atenção no som*

(Faro) — Tem o mesmo cheiro?

*P.Gusmão inspira e suspira*

(PG) — Deve ter cheiro de paroba, porque estava guardado em uma arca dessa madeira!

*Índios saem correndo com o folheto nas mãos. Luz apaga.*

*Luz acende e jesuíta entra pelo corredor / Índios espionando*.

*Índios seguem o jesuíta por trás do palco*

*O jesuíta entra numa casa e os índios esperam*

*O jesuíta sai e some / índios seguem*

(Faro) — Estou sentindo!

*Faro anda*

(Faro) — Entrou aí!...

(Olho) — Não, parou.

*Faro cheira a porta e a parede da cabana até o teto*.

— Parou para bulir aqui no teto.

(Faro) — E tirou o remo! disse Ouvido estirado no chão. Estou ouvindo a canoa.

(Olho) — Lá! *Apontando*

*Índios entram na canoa e remam e cão até a praia*


(Olho) — Hem!... murmurou ele... Foi por aqui!...

(Faro) — Foi! *Cheirando*

(Ouvido) — Adiante! Estou ouvindo as gotas d’água que ele deixou nas folhas. Lá!

(Olho segue Ouvido correndo e Faro fica)

(Faro) — Está cheirando a paroba!...

* Faro mete o nariz entre os interstícios da pilastra / Olho vê que o cimento está despregado /
Ouvido bate no tijolo solto*

(Ouvido) — O papel está falando dentro.

*Índios abrem o compartimento e trocam um papel por outro*

(Estácio) — Não devia ter entrado na canoa!

*Estácio corre para a casa de Vaz de caminha*

(VC) — Que contais fazer agora?

(Estácio) — Lembrai-vos que tenho de cor o roteiro. Acabo de o repetir em vindo aqui.

(VC) — O P. Molina a esta hora já fez o mesmo.

(Estácio) — Sem dúvida. Mas se eu puder ganhar-lhe a dianteira, ele não achará as indicações
e balizas do roteiro, pois eu as terei destruído.

(VC) — E depois como voltareis ao lugar?

(Estácio) — Deus proverá e a minha memória fará o resto.

(VC) — Não é melhor, em apagando os rumos e sinais, substituí-los por outros só de vós
conhecidos, de modo que perdido o roteiro de vosso pai, tenhais o vosso?

(Estácio) — Vosso alvitre é sempre o melhor, mestre; partirei nesta hora.

(VC) — De pouco vos servirá partir assim escoteiro. Careceis de gente e decidida, que deveis ir
desse passo assoldadar. Para a paga contai comigo.

(Estácio) — Então amanhã por cedo.

(VC) — Amanhã, sim; mas uma coisa já vos recomendo. O novo roteiro escrevei-o em cifra só
de vós sabida; evitareis assim o erro de vosso pai, causa inocente de tantas tropelias.

(Estácio) — E o governador?... Bem sabeis que estou alferes!

(VC) — Não vos deu três dias de folga? alcançaremos maior prazo.

*Estácio corre para a casa de Cristóvão*.


*Cristóvão sentado na parta da casa pensativo e Estácio chega*

(Estácio) — Cristóvão? Estais aí, amigo?

— Quem me chama?

*Estácio se aproxima*

— Ah! sois vós, Estácio?

(Estácio) — Careço de falar-vos sem detença, Cristóvão. Uma desgraça acabo de sofrer, que
me rouba toda a esperança. Sim, amigo, a justa reparação à memória de meu pai e à felicidade
de meu amor, as duas coisas que juntas à vossa amizade faziam a vida para mim, perdi-as. O
objeto de que ambas dependiam foi-me roubado por gente infame!...

(Cristóvão) — Que objeto era esse, Estácio?...

(Estácio) — A ocasião de revelar-vos esse segredo de minha família não se tinha ainda
apresentado, Cristóvão; o roteiro das minas de prata, que meu avô descobriu, não era uma
fábula como se pensou.

(Cristóvão) — Que dizeis?

(Estácio) — Não, pois o tive até ontem em meu poder.

(Cristóvão) — E vo-lo roubaram, dizeis?... Mas, Estácio, sem dúvida que não ides ficar
sucumbido com o golpe?... Deveis castigar o infame e reaver o vosso bem!

(Estácio) — A isso parto amanhã, Cristóvão!

(Cristóvão) — Muito bem; e me tereis ao lado.

(Estácio) — Não, amigo! Para mor empenho fostes reservado. Eu me vou longe em busca de
um tesouro; mas é preciso que também aqui fiques como guarda do outro e mais precioso. Irei
na minha pessoa ao sertão, ficarei na vossa junto de Inesita.

(Cristóvão) — Ide tranquilo, irmão. Eu vos juro neste meu coração, que vivo eu, Inesita não se
desposará com outro, se não fordes vós o escolhido de sua alma.

(Estácio) — Não aceito esse vosso juramento, nem careço de algum outro. Tudo fio de vossa
amizade. Quanto à vossa vida não tendes direito de dispor dela assim, pois que pertence a
Elvira.

*Cristóvão disfarça um triste sorriso*

(Cristóvão) — Ela não o levaria a mal! disse com alguma frieza.

(Estácio) — Cristóvão, tendes uma corda frouxa n'alma, que desafina daquela doce harmonia
de vossas palavras de outrora?... Que sopro mau a relaxou? Dizei-me, amigo, enquanto me
tendes ao lado.
(Cristóvão) — Nada é nada, Estácio. Coisas que passam, e não valem a pena de com elas nos
ocuparmos. Falemos de vós, e de vossas doces e risonhas esperanças!... Queira Deus que
algum verme se não insinue no seio das rosas que viçam em vossa alma.

*Música de suspense / João Fogaça entra*

(Cristóvão) — Sois bem aparecido, João; pois careço de vossos serviços Melhor; gosto mais de
ver-vos ocupado em maquinar alguma coisa, que estatalado diante de duas ou três estrelas
delambidas, que passam a noite à rótula, como raparigas namoradeiras.

(JF) — Não se trata de mim; careço de vossos serviços para Estácio!

(Cristóvão) — É o mesmo! Vós e ele, ele e vós; no fim de contas sois um. Vamos ao caso.
Estácio acaba de ser vítima de um roubo! Desapareceu-lhe um papel precioso que tinha oculto
em lugar escuso; e há certeza de que isso fosse obra de um jesuíta!

(JF) — Um jesuíta?... Será um tal Molina?...

(Estácio) — O mesmo!

(JF) — Pois então fui eu o culpado, sem o ser! Mas não lhe há de sair a coisa como espera! Vou
atrás de vosso roteiro, Sr. Estácio; não descansarei enquanto não o restituir a seu dono.

*JF sai correndo / luz escurece*

*Amanhece*

(Estácio) – É hora de partir.


(Cristóvão) – Vá em paz.

*Estácio e Cristóvão se abraçam e Estácio vai embora*

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