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APOSTILA DE DIREITO CIVIL

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O casamento no Direito brasileiro


I. O CONCEITO DE CASAMENTO:
1. Diferentemente do Código Civil português, antigo e atual, e de outros, como o austríaco e
chileno, nas observações de seu autor na esteira também do francês, o Código Civil brasileiro
não definiu casamento. Justifica o autor: "A lei ordena, a doutrina explica e define" (ibidem).
Várias definições têm sido, todavia, propostas na doutrina, que retratam as concepções de
seus autores.
De um modo geral, todas remontam às clássicas conceituações romanas de MODESTINO e
das Institutas, atribuída esta a ULPIANO.
Recordando a primeira: Nuptiae sunt conjunctio maris et foeminae et consortium omnis vitae;
divini et humani juris communicatio (D., 23,2 fr. 1).
Enuncia a segunda: Nuptiae sive matrimonium est viri et mulieris conjunctio, individuam vitae
o
consuetudinem continens (Ist., 1,9, § 1 ).
Anote-se ainda uma terceira: Consensus cohabitandi et individuam vitae consuetudinem
retinendi conjuges facit (C. 3, C. 27.q.2).
2. Quase todos os juristas as tomam por modelo, dizendo CLÓVIS BEVILÁCQUA "Refletirem
algo de elevado e nobre, capaz de traduzir a santidade, sem embargo da carência de rigor
científico."
3. No entanto, em minuciosa dissecação histórica, VIRGÍLIO DE SÁ PEREIRA, em seu clássico
e formoso "Direito de Família", assevera, primeiramente, aquelas definições, revelando-se, ao
demais, anacrônicas. Inequivocamente belas, antecipam concepção cristã do matrimônio.
Sustenta, assim, que a influência do helenismo, em Roma, está presente na primeira, havendo
MODESTINO, no meado do século III d.C., escrito, em grego, seu tratado "De excusationibus".
Sua definição é uma paráfrase das sentenças de PLATÃO e de ARISTÓTELES, reportado in
STOBIO.
Correspondem, todavia, as duas primeiras, de MODESTINO e das Institutas, a momentos
históricos distintos. Desta forma, as expressões divini et humani juris communicatio atêm-se à
modalidade do casamento primitivo cum manu, argumentando que, com a liberdade de
consciência, resultam superadas, excluindo o regime de separação a communicatio humani
iuris, e o divórcio, o consortium omnis vitae.
Em notável monografia sobre a "Natureza Jurídica do Matrimônio", o Des. e Prof. ERBERT
CHAMOUN também propugna o afastamento das definições romanas. A seu entender,
afiguram-se despiciendas as construções consortium omnis vitae, communicatio divini et
humani iuris e consuetudo vitae individuae para a caracterização do matrimônio, hoje.
Invoca BONFANTE para quem a definição de MODESTINO resulta de interpolação no sentido
cristão; e a opinião de SOLAZZI, para quem se cuida de conceito cristianizante; citando ainda
HRUZA, ao dizer provir o consortium omnis vitae dos moralistas gregos. Ainda o mesmo jurista
brasileiro menciona ser aquela definição peculiar ao casamento cum manu, nos entendimentos
de GIRARD, FERRINI e FADDA.
4. Impera, também, diversidade de conceitos entre os juristas pátrios.
Bela a definição de LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA, assaz repetida, de ser o casamento
o "ato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferente se unem para sempre, sob a promessa
recíproca de fidelidade no amor e da mais estreita comunhão de vida", sofreu a crítica de ser
idílica, de SÁ PEREIRA. Não configura, verbera, a diferença de sexo, elemento jurídico do

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casamento, não se conciliando a comunhão de vida com o regime de separação de bens,
sequer havendo se revestido, o matrimônio, sempre, de solenidade, seja em Roma, quando o
definiu MODESTINO, seja na Europa por muito tempo.
E vibra a palavra: "A lírica universal está cheia dessas promessas dos amantes, que são como
as boas intenções, com as quais, conforme o refrão popular, se poderia calçar o inferno. É um
ideal, que se colima, é uma aspiração, que se enuncia, nobre, sem dúvida, moralizadora,
certamente, mas não é elementar no amor, porque nós a reclamamos também na amizade, e
naturezas há que a exigem até no ódio."
Recebeu increpações também a definição de CLÓVIS BEVILÁCQUA, porque longa e
excessiva (SÁ PEREIRA e ERBERT CHAMOUN).
Todos os juristas que versaram o toem apresentam seu conceito.
O último reporta-se a PORTALIS para conceituá-lo: é "a sociedade do homem e da mulher
para o fim de perpetuar a sua espécie, auxiliando-se por socorros mútuos e partilhando o
mesmo destino."
Significativa é a definição de VAN WETTER, evocada pelo Prof. CAIO MÁRIO: "A união do
homem e da mulher com o fim de criar uma comunidade de existência."
O Des. ERBERT CHAMOUN, na mesma linha do Prof. SANTIAGO DANTAS (obs. cits.), após
destacar não deitarem raízes os Direitos canônico e moderno nos conceitos de Direito romano,
onde o matrimônio se caracterizava como uma relação que permanecia graças a um consenso
continuativo, menos importando o ato como solenidade, que respeitava mais à manus do que
ao próprio matrimônio, enfatiza ser mister estremar-se, na concepção atual, o ato da relação
que gera. Sendo da primeira espécie, as núpcias consubstanciam declaração de vontade dos
nubentes, ao encontro do pronunciamento do celebrante. A relação consiste na sociedade
conjugal, conseqüência do ato, que gera o estado de casado, tendo aquele por fim a
constituição da família legítima. Também os Profs. ORLANDO GOMES, CAIO MÁRIO e
ARNOLD WALD (obs. e locs. cits.), discernem ambos.
Mostra o Prof. CHAMOUN que, no Direito romano, bastavam a afectio maritalis e a
convivência, sendo aquela o elemento espiritual e a substância do casamento, que deveria ser
contínua, cessando o casamento com sua extinção.
5. Ante tais considerações, observa-se que, no Direito brasileiro, distinguindo-se ainda entre o
ato e a relação que geral, caracteriza-se aquele por ser eminentemente voluntário e solene,
aperfeiçoando-se com a intervenção do celebrante, gerando situação jurídica que se rege por
complexo de normas inderrogáveis em sua quase totalidade, que implicam adesão dos
cônjuges, não mais se qualificando o vínculo, que se plasma, como indissolúvel.
Ainda a propósito da distinção entre o ato e a relação, lembra o Prof. CHAMOUN que não
contêm os idiomas português e italiano vocábulos que os traduzam, o que não sucede na
língua alemã e inglesa, onde são designados, respectivamente por Ehe e wedding (o ato) e
Trauung e matrimony a relação, a que os canonistas denominavam matrimonium in fieri e
matrimonium in facto esse.
II. FONTES E RAÍZES
1. O Direito na Antigüidade Clássica – O Direito romano
6. No Direito ateniense, assim como entre os judeus, o casamento era contratado para dar
filhos à pátria. Neste sentido, puniam as leis de LICURGO os homens que não se casassem ou
realizassem maus casamentos, com consortes enfermas e aleijadas, assinalando PLATÃO que
o cidadão cumpria seus deveres em favor da cidade, quando lhe dava filho ou filha. Esta é uma
das grandes lições do eminente Prof. DIOGO LEITE DE CAMPOS, em sua obra "Lições de
Direito da Família e das Sucessões",
Em livro sobre "A Nova Constituição e o Direito de Família" a Des. ÁUREA PIMENTEL
PEREIRA evoca o ensinamento do Des. PAULO DOURADO DE GUSMÃO, em seu "Dicionário
de Direito de Família", de que, nos primórdios de Roma, a família se estruturava como no
Direito ático, em que o pater, sacerdote e magistrado, era também titular de todos os bens da
família, daí provindo a acepção de patrimônio como bens do pater.
Ressalta o Prof. UGO ENRICO PAOLI que o Direito familiar grego é um direito autônomo, que
preexiste ao direito da polis, como preexiste ao direito sagrado de que é penetrado. A polis não

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absorveu o direito familiar, que, frente ao direito dela promanado, o direito civil no sentido
específico, permaneceu um sistema heterogêneo. A posição que alcançou aquele direito
(familiar), objetivamente considerado autônomo, historicamente independente e
sistematicamente diferenciado, determina a base e os limites dos direitos familiares subjetivos,
o que se revelará melhor, determinando a noção da família ática.
7. No Direito romano, como dilucida o Min. JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, não houve
disciplina orgânica do casamento. Da jurisprudência clássica, diz o autor, chegaram até nós
apenas dois títulos de obras que versavam o matrimônio; "De nuptilis", de NERASIO PRISCO,
e "Liber singularis de ritu núptiarum", de MODESTINO, em texto já transcrito. Mas, como se
perderam estes livros, quase nada se sabe sobre seu conteúdo.
No Corpus Iuris Civilis, há duas definições, já transcritas, uma no Digesto, atribuída a
MODESTINO, a outra nas Institutas, provavelmente, de ULPIANO.
No entanto, conclui, ambas, na opinião dos autores, focalizam apenas a essência do
casamento sob o aspecto social, não lhe determinando, portanto, a natureza jurídica.
8. No mesmo sentido, são as lições do Des. ERBERT CHAMOUN, em que salienta encerrarem
aquelas definições conteúdo ético do matrimônio, mais um estado do que um ato, que
resultava, porém, da troca inicial de consentimentos entre os nubentes. No entanto, não se
revestia de solenidades, podendo até passar despercebido, se não fosse a deductio in domum
mariti e o instrumentum dotale, no Direito pós-clássico. A affectio maritalis, sim, era a
substância do casamento, que não se confundia com a vontade recíproca dos cônjuges de
viverem como casados, nem com o consenso inicial, qualificando-se como duradoura e
contínua. Eis por que os romanos não falavam de consensus. Quando cessava, extinguia-se o
casamento. A vontade, por conseguinte, era o elemento fundamental do matrimônio romano,
que independia de solenidades, da intervenção de sacerdotes ou de representantes da
autoridade pública. As formalidades eram próprias da manus, não do matrimônio em si, que,
como elemento objetivo, pressupunha a convivência, retratada na maneira de viver, a honor
matrimonii, não implicando, todavia, a falta de habitação sua exclusão.
Sendo uma relação que permanecia em razão do consenso continuativo e duradouro dos
cônjuges (consensus non facit nuptias – ULPIANO, no sentido de investigar-se, em cada caso,
a persistência da affectio, para aferir-se a do matrimônio – não se prestavam seus conceitos à
definição do casamento canônico e moderno, motivado por outros fundamentos.
2. O Direito canônico
9. "Nos primeiros séculos da Igreja cristã, sobretudo antes do reconhecimento oficial desta, ‘o
matrimônio cristão’ ... não existia. As ‘normas’ provenientes do Antigo e do Novo Testamento
eram demasiadamente escassas e vagas pra vincularem e estruturarem uma instituição. O
Novo Testamento poucas normas editou." Estes, os ensinamentos, com os quais se põem de
acordo os estudiosos, do Prof. DIOGO LEITE DE CAMPOS.
Adiante o Mestre, na Introdução àquela IV Lição, na linha do que foi exposto, assevera consistir
o casamento romano num consenso permanente. Ao revés, e aí foi apontada distinção básica
entre ambos – em ordem a não poder o matrimônio canônico nele inspirar-se, procurou a Igreja
assentá-lo num estado indissolúvel, com base na idéia de que se tratava de um Sacramento, o
que só se alcançou, ainda nas lições do Prof. DIOGO, nos séculos XII e XIII com a apropriação
pela Igreja da exclusividade da jurisdição em matéria matrimonial. Criou-se, então, um corpo de
normas de Direito canônico, que regulavam o casamento enquanto ato e estado, que logrou
sua forma definitiva no Concílio de Trento.
10. Com efeito, destacam os estudiosos do matrimônio no Direito canônico ser ele dotado de
estrutura e natureza totalmente diversa do romano, havendo se fundado, inicialmente, em
conceitos e princípios adulterados daquele Direito.
Da predicação de CRISTO nos Evangelhos, reitera o Des. CHAMOUN, sobrelevam escassos
textos, o que deu margem a intermináveis controvérsias teológicas. SÃO PAULO foi quem mais
contribuiu para a doutrina canônica do casamento, pregando o ideal de caridade, o matrimônio
como remédio à incontinência, e sua indissolubilidade, noções fundamentais para o Direito
canônico, posteriormente.
A idéia de contrato, presente no matrimônio canônico, acarretava a igualdade do homem e da
mulher e a concepção de que cada cônjuge tinha direito ao corpo do outro.

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Aliás, o princípio da igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges é conseqüência da visão
cristã do matrimônio, a despeito da preponderância reconhecida ao marido para a unidade do
lar mediante o instituto da autorização marital. Assinala o autor que, no início do Direito
romano, a dependência da mulher se afigurava de tal forma injusta, excessiva e cruel, que a
levava à quase completa incapacidade, desprovida de qualquer autoridade sobre os filhos, sem
direitos aos bens do casal e aos próprios, o que levou à uma forte reação dos costumes, já à
época da Lei das XII Tábuas.
Por influência do Cristianismo, máxime após CONSTANTINO, que o tornou religião do Estado,
passou o Direito matrimonial por profundas transformações, deixando de ser simples contrato
para elevar-se à categoria de Instituição Divina. "As leis pós-clássicas justinianéias têm o
cunho essencialmente cristão," Aliás, o autor brasileiro, em primorosas páginas, mostra as
repercussões da religião cristã nos diversos ramos do Direito romano, mormente no campo do
direito da Família, com a valorização da posição da mulher.
Influência esta que foi profundamente analisada por TROPLONG, em sua clássica obra "De
l’Influence du Christianisme sur le Droit Civil des romains", onde conclui, no concernente ao
casamento: "On le voit: ces innovations renversaient de fond au comble les lois mémorables
que les césar piens avaient considérées comme la base de leur empire. À la politique fondée
sur l’intérêt des princes chrétiens faisaient succéder un gouvernement qui avouait la liberté et
l’affection naturelles pour ses mobiles. Justinien y ajouta l’égalité."
Mas, a idéia central do Cristianismo, que foi então se formando em torno do matrimônio,
provinha da comparação entre o Cristo Igreja e os cônjuges. Dizia São Paulo ser um grande
mistério, que a Vulgata traduziu como sacramentum. Tratava-se, porém de MISTERION, narra
o Des. CHAMOUN, não na acepção de sacramento, algo de sobrenatural e coisa
eminentemente santa. "Sacramentum hoc magnum est id est sacrae rei signum slicet
conniunctionis Christi et Ecclesiae", explicava SANTO TOMÁS.
SANTO AGOSTINHO construiu a doutrina dos fins do matrimônio: a) a procriação e educação
da prole (primários); b) a mútua cooperação e o remédio à concupiscência (secundários).
Deles decorriam a unidade e a indivisibilidade do matrimônio.
Via SANTO AGOSTINHO três bens no casamento: proles (mais importante), fides e
sacramentum. Sendo eles a razão determinante da instituição do matrimônio por CRISTO, foi a
doutrina do Bispo de Hipona, batizado por SANTO AMBRÓSIO, seguida de perto pelos autores
e padres da Igreja de Sevilha, S. Gregório Magno, Rupert de Deutz, Hervé de Bourgdieu,
Anselmo de Laon, Guilherme de Champeaux, etc.), durante toda a Idade Média.
A institucionalização do casamento, através do que denomina "invenção" de um direito
matrimonial, ainda nos passos do Mestre DIOGO LEITE DE CAMPOS, com a conseqüente
"ordenação" da família (conjugal), é obra que compreende sobretudo os séculos XII e XIII.
11. De ressaltar-se que, para a celebração do casamento, nos primórdios cristãos, bastava a
bênção nupcial, concedida após o acordo de vontades entre os nubentes (desponsatio), que se
tornou obrigatória após LEÃO, o Sábio.
Vê-se, assim, que o casamento canônico era celebrado pelos próprios nubentes, solo
consensu, uma vez que, como Ministros do ato, representavam o intermediário entre DEUS e o
homem na concessão da graça, em que consistia o sacramento, que se associava à troca de
consentimentos, portanto, ao contrato, naquela acepção.
Daí ergueu-se a doutrina da inseparabilidade entre o contrato do matrimônio, originário do
consenso inicial dos cônjuges, e o sacramento, afirmada no Concílio de Trento, no "Syllabus"
de Pio IX, nas Encíclicas "Quod Apostolici" e "Arcanum divinae Sapientiae (de Leão XIII) e no
Código de Direito Canônico. Não havia contrato sem sacramento nem este sem aquele.
Partiu-se de que o matrimônio, contrato de Direito Natural, fora elevado por CRISTO à
dignidade de sacramento.
O sacerdote, na celebração do casamento, não passava de testemunha, qualificada, com o
encargo de registrá-lo e conceder a bênção.
Quanto ao momento em que se recebia o sacramento, após divergências, firmou-se, com base
na Escola de Paris (HUGO DE SÃO VITOR e PEDRO LOMBARDO), com esteio no princípio
consensus facit nuptias, a despeito de, para o matrimônio católico, bastar o inicial, não o
continuativo do Direito romano, que era quando os cônjuges trocavam os consentimentos (cf.,

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além da excelente exposição do Des. ERBERT CHAMOUN, as lições do Professor ORLANDO
GOMES e de CUNHA GONÇALVES, referindo-se aos sponsalia per verba de praesenti.
Nenhum defeito advinha do descumprimento de realizar-se perante o sacerdote e de não se
receber a bênção. Daí os casamentos presumidos e sua permissão entre ausentes e por
procuração.
12. De ressaltar-se, todavia, que, em decorrência, profileraram os casamentos clandestinos,
freqüentes no século XIII, que a Igreja procurou reprimir, exigindo a publicação de três pregões
u proclamas (banni – bancos), no Concílio de Latrão (1215), omitindo-se, todavia, quanto à sua
invalidade, se não observados.
Continuaram surtindo efeitos, portanto, os casamentos clandestinos, se não estivessem
eivados de outro vício, acarretando tão-só a imposição de penas canônicas ao sacerdote. Até
os esponsais, seguidos de cópula, ensina CUNHA GONÇALVES, serviam de sua prova.
Agindo desta forma, exigindo o mínimo de formalidades, pensava a Igreja combater o
concubinato e a dissolução de costumes, à época, o amor livre. Dizia SÃO PAULO: "Si non se
continent, nubant. Melius est nubere quam uri."
13. No entanto, com a Reforma protestante, acusando deformações, procurou o Concílio de
Trento (1545/1563), mediante "Decreto de reformatione matrimonti", posto preservando a
doutrina clássica de encerrar ato meramente consensual, estabelecer prescrições para a
celebração do matrimônio, sob pena de nulidade, entre as quais assinalem-se: a) o pregão do
casamento, pelo pároco, em três domingos consecutivos; b) sua celebração solene pelo pároco
na presença de duas ou três testemunhas; c) o registro do ato (nomes, testemunhas e local)
para a prova plena da união; d) que o ato se concluísse pela solenidade da bênção nupcial.
Estabeleceu ainda o sistema de impedimentos matrimoniais, parte dos quais informa ainda
nosso Direito.
Dispensavam-se os pregões nos casamentos in extremis e nos secretos ou de consciência
(autorizados pelo Bispo, por motivos ponderosos), que não se confundiam com os
clandestinos, repelidos.
A validade o casamento era, já anteriormente, condicionada à consumação (não bastava o
ratum, havendo quem houvesse sustentado dever a recepção do sacramento coincidir com a
copula carnalis), observando-se, todavia, a evolução da participação do sacerdote, de
testemunha que concedia a bênção, posteriormente obrigatória, para celebrante, sem deixar de
residir a substância do ato no mutuus consensus.
Eis por que, segundo a doutrina da Igreja, é concebido como um contrato, elevado à dignidade
de sacramento, pelo qual a graça divina se comunica aos homens, sendo ambos, contrato e
sacramento, incindíveis.
o
Prescreve o cânon 1.055, § 1 , do atual Código de Direito Canônico (de 25.1.1983): "O pacto
matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si a comunhão íntima de toda a
vida, ordenada por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à procriação e educação da prole
entre os baptizados, foi elevado por Cristo Nosso Senhor à dignidade de sacramento."
o
Enuncia o § 2 : "Pelo que, entre baptizados não pode haver contrato matrimonial válido que
não seja, pelo mesmo facto, sacramento."
Esta, em síntese, a evolução da doutrina da Igreja.
3. O Direito germânico e celta
14. Menciona CLÓVIS BEVILÁCQUA que, no antigo Direito germânico, era usual a compra da
noiva ao pai ou ao sippe entrando in mundium do marido. Às vezes, dava-se o rapto, que não
era simpático. Nas solenidades do casamento, segundo ENDEMANN, representava a lança o
símbolo do poder e domínio.
Informa ainda haverem os povos tedescos, que invadiram a península Ibérica, nela introduzido
o casamento morganático, praticado também pelos portugueses.
Salientou haver tido a Igreja, mesmo depois de sua afirmação, de fazer concessões aos
bárbaros, assim como contemporizara com as idéias romanas. Desta forma, se entre o homem
e a mulher havia considerável diferença de posição social, em vez de concubinato regulado
pelo Direito germânico e tolerado pelo romano, podia efetuar-se o casamento morganático, da
mão esquerda, articular aos povos germânicos, e que não constituía uma família com os
direitos comuns à comunicação dos bens e à consideração civil do seu chefe.

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15. CUNHA GONÇALVES destaca a contribuição do contato com os germanos e célticos,
desde o fim da República romana, entre os quais a mulher desfrutava de mais igualdade entre
os cônjuges, apesar de que, às vezes, os germanos praticavam a poligamia e a compra de
mulheres.
A união conjugal era mais estreita, o parentesco era contado pelos lados paterno e materno,
verificando-se maior coesão jurídica entre mãe e filhos, não gozando o pai da preponderância
absoluta que se lhe deferia no Direito romano.
Escrevendo a respeito do "Matrimônio (Diritto Intermedio)", assinala o Prof. PIETRO VACCARI
("Novissimo Digesto Italiano") que, na Itália, foi a ocupação dos lombardos que introduziu, por
primeiro, a forma germânica do instituto do matrimônio, que era diferente da romana, seja nas
modalidades da celebração, seja no conteúdo das relações originárias das núpcias. O
matrimônio romano, praticado pela população itálica, era baseado no princípio e paridade entre
o marido e a mulher com regime de separação de bens e uma contribuição recíproca, do dote
da parte daquela ad sustinenda onera matrimonii, da donatio propter nuptias da parte do
esposo com o fim de prover a mulher de um bem patrimonial para o caso de viuvez.
O casamento lombardo, ao revés, era dominado pelo poder do marido que se exprimia no
mundio e as relações patrimoniais eram fundadas essencialmente sobre a contribuição do
marido (morgengabe) e o regime informado pela comunhão administrativa.
4. A secularização do casamento
16. A teoria contratual, adotada pela Igreja, foi, logo, acatada pelos partidários da competência
do poder temporal sobre o matrimônio, sob a invocação de ser este, simultaneamente, contrato
e sacramento, concernindo, como contrato, à matéria civil; como sacramento, à religiosa.
Como conseqüência, o Estado passou a disciplinar o contrato civil e sua anulação, ficando sob
jurisdição da Igreja a administração do sacramento.
17. Deu-se, logo, a difusão dessa concepção nos tribunais franceses (no século XVII),
mencionando o Des. ERBERT CHAMOUN uma carta do Chanceler de Pontchartrain
endereçada ao primeiro presidente do Parlamento de Besançon, com as seguintes expressões:
"Comme le mariage est en même temps un contrat civil et un sacrement, il est également
soumis aux deux puissances, même par rapport à la validitè du lien."
A secularização propugnada pelos protestantes, foi defendida nos países católicos, no curso do
século XVIII, anotando-se, na França, dentre seus corifeus, POTHIER, que o reputava o
contrato mais antigo, "le plus excellent et les plus ancien de tous les contrats",
18. Já se realizavam os casamentos, àquela época, na França, perante o notário, costume que
uma Lei francesa de 25.9.1792 consagrou com a instituição dos Oficiais do Registro Civil. A
o
Constituição de 1791 proclamava em seu art. 7 : "La loi ne considére le mariage que comme
contrat civil."
As concepções contratualistas, que embasaram a separação entre o Estado e a Igreja na
disciplina do matrimônio, foram de todo abrigadas no Código Civil francês, que, todavia, deixou
de defini-lo, por encerrar tema doutrinário. Dizia PORTALIS, nos "Motifs e discours prononcés
lors de la publication du Code Civil." "Je découvre un véritable contrat dans l’union de deux
sexes. Ce contrat n’est purement civil... il est inspiré, e souvent commandé pr la nature même."
19. Espraiou-se a idéia em outros países cristãos, que passaram a atribuir validade apenas ao
casamento civil.
Deve-se a secularização, pois, ao individualismo jurídico dos séculos XVIII e XIX, que via no
contrato a mais alta manifestação da vontade individual, sendo origem do próprio Estado, a ele
se eduzindo as categorias jurídicas.
20. No Direito Comparado, informa CUNHA GONÇALVES, desenha-se o seguinte quadro: a)
países com matrimônio exclusivamente civil – a grande maioria; b) em que o casamento é
apenas religioso, sobretudo nos países orientais (menciona também a Sérvia, à época, e o
Vaticano); c) em que é religioso ou civil, a escolha dos nubentes, com a obrigatoriedade de seu
registro civil: Itália e países anglo-americanos, também àquela época; d) em que é religioso
para os que professem certa religião e para os ateus (antes, em Portugal).
III. O CASAMENTO NO DIREITO BRASILEIRO
1. Evolução histórica

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1.1 A legislação em Portugal
21. Em Portugal, os cânones estatuídos no Concílio de Trento foram mandados observar por
alvará de setembro de 1564, que, a partir daí, informaram as disposições das Ordenações
Filipinas e todas as leis e decretos a ela anteriores de tal forma que COELHO DA ROCHA,
citado por CUNHA GONÇALVES, justificava, na metade do século XIX, ao expor princípios
sobre o matrimônio, por que citava "doutrinas até então mais próprias da teologia ou do Direito
canônico que da jurisprudência civil, doutrinas que não se achavam nas leis e cujo
conhecimento pertencia aos tribunais eclesiásticos."
Aplicava-se, assim, o Direito canônico por força das leis civis.
22. Nos primeiros séculos da monarquia naquele País, vigoravam três formas de casamento,
o
além da morganática: 1 ) o casamento celebrado conforme as solenidades todas do ritual, que
o
o elevavam à categoria de vero sacramento; 2 ) o casamento sem tais solenidades, porém com
o
a aprovação da família; 3 ) o casamento sem a sanção do Direito canônico e sem a aprovação
dos parentes, constituído só pelo consenso das partes, acompanhado da intenção de viverem
os consortes como casados.
1.2 No Brasil durante a Colônia e no Império – O casamento de acatólicos
23. As normas do Concílio Tridentino se aplicaram, igualmente, no Brasil, durante a Colônia e
no Império, juntamente com as disposições constitucionais do Arcebispado da Bahia.
De ressaltar-se, com a Des. ÁUREA PIMENTEL, que a carta de Dom Manoel a Tomé de
Souza, considerada esboço do que seria nossa primeira Constituição, "para dar ordem e
maneira à colonização do Brasil", consolida nas "Ordenações do Reino", nenhuma norma
trouxe relativamente à família.
24. A primeira Constituição brasileira, de 1824, como assinala aquela Magistrada, nenhum
preceito, igualmente, conteve no concernente à família, preocupando-se apenas com a
proteção da Família Imperial.
De qualquer modo, com a influência de fortes correntes imigratórias, no século passado, de
seitas religiosas diferentes, viu-se o Governo Imperial na contingência de admitir legislação que
lhes regulasse o casamento, para não se verem forçados à violação de consciência, casando-
se na religião católica, que não professavam, ou deixando-se ficar no concubinato.
Correspondia, ainda, aquele movimento, à tendência universal da secularização do casamento.
Destarte, lei de 11 de setembro de 1861 dispôs sobre o casamento acatólico, de pessoas
pertencentes a seitas cristãs não católicas, e sobre sua celebração consoante o rito respectivo.
Consistiu, no pensamento de CLÓVIS BEVILÁQUA, em concessão limitada, porque aqueles
que não integrassem a Cristandade estavam impossibilitados de contrair, no País, matrimônio
com efeitos civis, porque a competência sobre matrimônio continuava, integral, da religião.
Com sua publicação e de decreto que a regulamentou, de 17.4.863, passou o Brasil a
a
conhecer três formas de casamento: 1 ) Católica, disciplinada pelas regras do Concílio de
Trento e disposições constitucionais do Arcebispado da Bahia (d. de 11.9.1564; Lei de
o a
8.4.1569; Ord. L. 4, T. 46, § 1 Lei de 3.11.27); 2 ) Mista, a saber, entre católico e quem
professasse religião dissidente, contraído de acordo com as formalidades do Direito canônico
o
(B. Carneiro, L. 1 , T. 13, § 127, n. 11; Aviso n. 491 de 21.10.1865 e n. 495 do mesmo mês e
ano; Av. de 20.7.1867 e circular da mesma data) – este casamento era contraído de harmonia
com as formalidades essenciais do Concílio Tridentino e válido em consonância com a
a
legislação; 3 ) Casamento de pessoas de seitas dissidentes, celebrado de conformidade com
as prescrições das respectivas religiões (Lei n. 1.144, de 11.9.1861, e . n. 3.069, de 17.4.1863).
A propósito dessas formas e legislações, discorre LAFAYETTE.
Prevalecia a doutrina de que à religião competia, com exclusividade, regular condições e forma
do casamento.
Ainda em 7.6.1889, o Gabinete do Império, chefiado pelo Visconde de Ouro Preto, anuncia a
apresentação de projeto de casamento civil, que não chegou a consumar-se, vindo a ocorrer
com a proclamação da República, com a promulgação do D. n. 181, de 24.1.1890, tornando-o
obrigatório.
1.3 A República – O Código Civil

7
25. Consolidara-se a separação entre o Estado e a Igreja, no Brasil, havendo o aludido decreto
estabelecido, no art. 108, que só o casamento civil tinha valor, nestes termos: "Esta lei
começará a ter execução desde o dia 24 de maio de 1890, e desta data para diante só serão
considerados válidos os casamentos celebrados no Brasil, se o forem de acordo com suas
disposições." Excetuava, no parágrafo único: "Fica, em todo caso, salvo aos contraentes
observar, antes ou depois do casamento civil, as formalidades prescritas para a celebração do
matrimônio pela religião deles."
o
Em seguida, o Governo Provisório, mediante decreto de 26.6.1890, prescrevia, no art. 1 : "O
o
casamento civil, único e válido nos termos do D. n 181, de 24 de janeiro último, precederá
sempre as ceremonias religiosas de qualquer culto, com que desejem solenisa-lo os nubentes.
O Ministro de qualquer confissão que celebrar as cerimonias religiosas do casamento antes do
acto civil, será punido com seis meses de prisão e multa de metade do tempo." (sic).
À semelhança do posterior Código de Registro Civil de Portugal, de 1911, tão verberado à
época, aquele diploma tornou obrigatória a precedência do casamento civil, vindo o art. 284 do
Código Penal a punir, com prisão celular, o ministro de qualquer confissão que celebrasse as
cerimônias religiosas do casamento antes do ato civil.
o o
Essas disposições, todavia, consideram-se derrogadas pelo art. 72, §§ 4 e 7 , da Constituição
Federal de 1891, que dispôs: "Nenhum culto ou Igreja gozará de subvenção oficial, nem terá
relações de dependência ou aliança, com o governo da União ou dos Estados."
A esse propósito, significativos foram os Avisos de 15.4.1890 e 20.4.891, do Governo ao
Governador de Santa Catarina (transcritos, assim como a legislação citada, por LAFAYTETTE):
"Recomendo-vos que façais ver ao juiz de direito da comarca de São Paulo de Blumenau que,
sendo o Código Penal de data anterior à Constituição da República, o art. 284 desse Código
o o
não pode ter execução depois do art. 72, §§ 4 e 7 , da mesma Constituição, pelos quaes as
cerimoniais religiosas de qualquer confissão podem ser celebradas antes ou depois do acto
civil, como convenha o que foi determinado em aviso-circular de 15 de abril ultimo, expedido
para a boa execução das leis – Antonio Luiz Affonso de Carvalho."
o
do aludido art. 72, § 4 , defluía a necessidade de o futuro Código Civil brasileiro prescrever
efeitos para o casamento civil, único que pode produzi-los nas relações de família.
26. E o Código Civil brasileiro apenas dele cogitou, pois, de acordo com seu autor: "O Código
não se preocupa com a consagração religiosa do casamento, que pode anteceder ou suceder
ao ato civil. Está nos costumes a precedência do ato civil, mas a lei, por causa da separação
completa entre o temporal e espiritual, que a Constituição de 1891 traçara, não havia tomado
providência alguma a respeito, apesar dos abusos devidos à má compreensão das coisas, que
tinham revelado alguns sacerdotes católicos, criando, no espírito dos crentes, uma injusta
prevenção contra o casamento legal. Felizmente, a harmonia já entrou entre os dois poderes
no Brasil, o civil e o eclesiástico.
Antes de se prosseguir na evolução do Direito brasileiro, cumpre deixar registradas candentes
palavras de LAFAYETTE de contestação à Lei de 1861, a refletir a mentalidade jurídica da
época, para quem não passou de "um ensaio tímido e contraditório". "Teve essa lei por fim dar
sanção civil aos casamentos entre membros das religiões dissidentes; fez – é verdade – uma
concessão, mas impôs uma cláusula tirânica: exigiu que os ditos casamentos só fossem
recebidos como válidos quando celebrados conforme os usos e prescrições das religiões dos
contratantes. Que horror ao casamento civil!"
CLÓVIS BEVILÁCQUA, aliás, também encarecia promover-se com urgência, àquela época,
reforma mais radical, informando que, desde 1854, tentativas de secularização do casamento
foram feitas com URUGUAI, NABUCO, DIOGO VASCONCELOS, TAVARES BASTOS,
ARARIPE, TAUNAY, SALDANHA MARINHO, MACIEL, EUFRÁSIO CORREA, que a tanto se
esforçaram no Conselho de Estado.
27. A nossa realidade social, todavia, timbrava em desconhecer ou resistir à celebração do
casamento exclusivamente civil, persistindo em contraí-lo apenas na religião, permanecendo,
desta forma, numerosos casais à margem da lei, na situação de mero concubinato.
Aliás, a resistência à secularização foi uma das bandeiras da chamada Guerra dos Canudos,
na Bahia, uma das maiores epopéias caboclas brasileiras, em que um místico, ANTONIO
CONSELHEIRO, chefiando bravos sertanejos, antes de tudo fortes, nas palavras de

8
EUCLIDES DA CUNHA, que a cantou em "Os Sertões", se opunha às idéias advindas com a
República.
1.4. A evolução legislativa posterior ao Código Civil
28. Ante a força dos fatos e a reconhecida inconveniência de duplicidade das núpcias, a
Constituição de 1934, no art. 146, após reafirmar, em seu início, ser civil o casamento e gratuita
sua celebração, admitiu, em seguida, produzir os mesmos efeitos que aquele casamento
perante ministro de qualquer confissão religiosa, cujo rito não contrarie a ordem pública ou os
bons costumes, desde que, perante a autoridade civil, na habilitação dos nubentes, na
verificação dos impedimentos e no processo da oposição, sejam observadas as disposições da
lei civil e seja ele inscrito no Registro Civil.
Não se repetiu o preceito na Constituição de 1937, que se limitou, no art. 124, a estatuir
encontrar-se a família, constituída pelo casamento indissolúvel, sob a proteção do Estado.
o o
Já o reiterou a Constituição de 1946, que, em seu art. 163 e §§ 1 e 2 , admitiu efeitos civis ao
casamento religioso, dispondo, no último dos parágrafos, sobre sua inscrição, a requerimento
do casal, no registro público, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente
(pela primeira vez o registro é objeto de provisão constitucional, lembra a Des. ÁUREA
PIMENTEL PEREIRA.
o
A Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional n 1, de 1969, mantiveram o mandamento
o o
(art. 175, §§ 2 e 3 ).
o
A Constituição vigente cingiu-se a enunciar, no § 2 do art. 226, ter, o casamento religioso,
o
efeito civil, nos termos da lei, após reiterar, no § 1 , ser civil e gratuita a celebração.
o
29. A Lei n 1.110, de 23.5.50, regulou o reconhecimento dos efeitos civis ao casamento
o o o
religioso, revogando diplomas anteriores (Lei n 379, de 16.1.37, e arts. 4 e 5 do DL no 3.200,
de 19.4.41), dispondo a respeito da habilitação prévia e posterior dos nubentes, ambas
admissíveis para o registro do matrimônio religioso.
o
A matéria encontra-se hoje, em termos quase inalterados, nos arts. 70 a 75 da Lei n 6.015 de
21.12.73 (Lei de Registros Públicos).
30. A respeito do tema, convém salientar a controvérsia que se travou, inclusive nos tribunais, a
respeito da natureza do casamento religioso não levado a registro ou enquanto não o for, uma
vez que os efeitos se produzem com o mesmo, retroativamente à celebração. A indagação
prende-se a tratar-se de ato meramente inexistente ou apenas ineficaz, havendo o Supremo
Tribunal, após decisão divergente no antigo Tribunal de Justiça do extinto Estado da
Guanabara, se manifestado pela tese da inexistência.
31. Cumpre registrar que a maioria da população brasileira ainda preserva a celebração de dois
matrimônios, o civil e o religioso, aumentando, todavia, o número dos que optam pelo religioso
com efeitos civis, de prática arraigada em nosso interior.
Aliás, a esse propósito, cumpre evocar as belas palavras do Dr. MARTINHO GARCEZ FILHO,
ao refutar a natureza contratual do casamento, no que penetrou, sob índole religiosa, no
caráter de nosso povo: "Contra semelhante afirmação – da natureza fundamental de contrato –
surgem os prejuízos e as tradições seculares do passado, subleva-se o sentimento ofendido da
consciência humana, que sói perceber no casamento uma instituição posta diretamente sob a
proteção imediata do céu, consagrada pela palavra, quanto mais misteriosa, tanto mais solene,
do sacerdote rodeado de uma auréola consoladora de religiosidade e de mistério."
32. No tocante à influência indígena e africana no Direito Civil brasileiro, comenta PONTES DE
MIRANDA, que o negro e o indígena entravam como influências biológicas, não sociológicas.
"Não há institutos de direito negro ou indígena do direito brasileiro; mas há fatores negro e
indígena no modo de ser e na atividade jurídica do brasileiro." E aponta como características
de nosso Direito, em geral, a tolerância, a afetividade, cercadas, porém, de sugestões
patriarcais e capitalistas.
Do ponto de vista sociológico, grandiosa é a obra de GILBERTO FREIRE, "Casa Grande e
Senzala", onde mostra as repercussões, também no plano das relações domésticas, da
influência da escravidão nos costumes brasileiros.
Talvez se lhe possa atribuir parte da tolerância e afetividade, que redundam no liberalismo,
consignados por PONTES DE MIRANDA.

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2. O casamento na Constituição Federal de 1988
2.1 Considerações gerais
33. Poucos preceitos dedicou, diversamente das últimas antecedentes, a Carta Magna de 1988
ao casamento.
Não mais disse, como todas as anteriores, a partir da de 1934, que a família é constituída pelo
o
casamento (cf. art. 175 da de 1967 com a redação da EC n 1, de 1969).
Limitou-se a prescrever, no caput do art. 226, que a família, base da sociedade, tem especial
proteção do Estado.
o o
No § 1 , reiterou ser civil o casamento e gratuita a celebração. No § 2 , concedeu efeito civil ao
o
casamento religioso, nos termos da lei. No § 6 , facultou a dissolução do casamento civil pelo
o
divórcio (que já havia sido introduzido pela EC n 9, de 1977), após prévia separação judicial
por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais
de dois anos, diminuindo os prazos anteriores.
o
No § 7 , reconheceu ser o planejamento familiar de livre decisão do casal.
34. Parece não haver desejado o legislador pretender fixar, mais, o casamento como base da
o
família, desprezada a qualificação de legítima, uma vez vedada, no § 6 do art. 227, a
discriminação, no tocante a direitos e qualificações, entre filhos, havidos ou não da relação do
casamento.
Estabeleceu, é verdade, o princípio da isonomia entre o homem e a mulher nos direitos e
o
deveres referentes à sociedade conjugal (§ 4 do art. 226).
o
Reconheceu, entretanto, no § 3 do mesmo art. 226, para efeito da proteção do Estado, como
entidade familiar, a união estável entre o homem e a mulher, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento.
o
35. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n 8.069, de 13.7.90), explicitando disposições
constitucionais, cuidou, na Seção II de seu Capítulo III, alusivo ao Direito à Convivência
Familiar e Comunitária, da "Família Natural", enunciando, no art. 25, que se entende por aquela
a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes.
o
Aliás, a Constituição, no § 4 do art. 226, estendeu o conceito de entidade familiar à
comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
No art. 26, o referido Estatuto permitiu o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento
pelos pais, conjunta ou separadamente, mediante documento público, além do termo de
nascimento, testamento ou escritura, já antes previstos, o testamento na forma de cerrado,
qualquer que seja a origem da filiação.
No art. 27, firmou o princípio, bom, de constituir o reconhecimento do estado de filiação, direito
personalíssimo, indisponível e imprescritível.
36. Trouxe, em seu contexto, a atual Lei Básica, novas diretrizes em matéria familiar, que a
jurisprudência, em alguns casos, e leis esparsas já vinham reconhecendo: a paridade entre os
cônjuges; a vedação de discriminação entre filhos, de qualquer origem, máxime no tocante a
alimentos e a direitos sucessórios, a possibilidade de seu reconhecimento em determinadas
circunstâncias, e outras conquistas.
No tocante ao concubinato, que se erige a entidade familiar, já recebia a companheira,
comprovada a dependência e determinado lapso de convivência, a proteção de leis
previdenciárias e de assistência social, figurando como beneficiária na legislação sobre
acidentes do trabalho, como dependentes na legislação sobre imposto de renda, prosseguindo
o
na locação por morte do companheiro, podendo ainda adotar-lhe o patrimônio (Lei n 6.015, de
31.12.77).
o
Os tribunais, a partir de jurisprudência construída na Suprema Corte (Súmula n 380), admitem
a partilha do patrimônio para cuja formação, comprovadamente, colaborou, com base na
concepção da existência de uma sociedade de fato.
o
A mulher casada, por outro lado, já desfrutava de estatuto (Lei n 4.121, de 1962), que lhe
reconheceu a emancipação, suprimindo sua incapacidade relativa, advinda do Código Civil,
concedendo-lhe a liberdade para a prática de atos não vedados, outorgando-lhe os mesmos

10
poderes do marido na direção do lar conjugal, em que passa à sua colaboração, ensejando-lhe
o exercício livre de profissão ou atividade.
37. Diante das diretrizes do novo texto constitucional que refletem, segundo CARLOS
ALBERTO BITTTAR, as tendências registradas nas diversas legislações européias da década
de 1970, com destaque para a alemã, francesa, italiana e portuguesa, a par de concretizar
princípios emanados de declarações internacionais, que o País se comprometeu a observar, a
partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, resta indagar se permanece o
casamento informado do mesmo conceito na legislação brasileira.
A toda evidência, dentre tais diretrizes situa-se a de constitucionalização dos direitos
concernentes à família, inclusive no tocante à sua formação mediante o casamento, à posição
dos cônjuges e aos direitos dos filhos, iniciada, entre nós, na Constituição de 1934, que cuidou
da família como um organismo social e político.
A Constituição de Weimar já proclamara, por primeiro, o princípio da isonomia entre o homem e
a mulher: Männer und Frauen sind gleichberechtigt.
38. Quer parecer, pois, uma vez que o conceito de casamento, no Direito brasileiro, há de
buscar-se em sua sistemática, modelada nas linhas de sua tradição legislativa, que permanece
o mesmo em sua substância.
2.2 A persistência do conceito de casamento no Direito brasileiro – Sua natureza jurídica
2.2.1 A persistência do conceito de casamento
39. Com efeito, já se examinou, a concepção do matrimônio, em nosso sistema jurídico,
remonta a séculos longínquos, concorrendo para engendrá-la o próprio casamento grego, que
influiu no romano dos primeiros tempos, pela noção de família.
Neste, suas clássicas definições não atendiam, de todo, ao conceito atual do casamento, como
se expôs, porquanto se assentava basicamente na affectio maritalis, refletida no consenso
continuativo, em conjunto com a relação de fato que a espelhava, não valorizando, como no
Direito moderno, a vontade no ato formativo. Não revestia, necessariamente, as solenidades
para ele indicadas, mas que não lhe eram próprias. Apesar disso, os elementos de seu
conceito, como a diversidade de sexos, comunhão de vida (consortium omnis vitae), os
deveres da convivência, inclusive o da exclusividade nas relações sexuais, e a própria affectio
maritalis, interpretada pela afeição entre os cônjuges, subsistem na noção do casamento.
O Direito canônico, como visto, partindo da qualificação do casamento como sacramento,
inseparável do contrato que lhe dá causa no plano civil, valorizou o consentimento inicial dos
nubentes, a ponto de reputá-lo um ato daquela natureza (contratual). Sua noção, as regras do
Concílio Tridentino, que estabeleceram o sistema de impedimentos, a maioria dos quais
incorporados a nosso ordenamento jurídico, quando deixou de reger, o Direito canônico, no
século passado, a celebração do casamento, entre nós, após quase quatro séculos, e a prática
do casamento religioso com efeitos civis não permitem se forme do casamento noção outra que
não se compatibilize com esta evolução.
Permanece, pois, posto não o haja mencionado a Constituição, constituindo a família, dela
sendo sua fonte, por excelência.
A idéia de uma família natural não o afasta nem lhe cria concorrente no gerar a família, em que
complexo de direitos e deveres tocam e recaem sobre seus componentes, em função não
apenas de satisfazer a seus interesses individuais, mas levando-se em conta, antes de tudo, os
objetivos e atenções do grupo.
2.2.2 Sua natureza jurídica
40. Neste passo, importa relembrar aspectos a este respeito, sem aprofundamentos, visto
tratar-se de tema demais discutido, que o Prof. RENÉ DAVID classificou de tradicional e estéril.
Dividem-se os juristas brasileiros, igualmente, com maioria para a primeira tese, entre
partidários da visão contratualista e não contratualista, sob as variantes, esta, de ato-
convenção, ato complexo e instituição. Dentre os que perfilam na primeira corrente, anotem-se
CLÓVIS BEVILÁCQUA, PONTES DE MIRANDA, EDUARDO ESPÍNOLA, CAIO MÁRIO,
SÍLVIO RODRIGUES, ÁUREA PIMENTEL, MARTINHO GARCEZ FILHO, qualificando-o
PONTES, ESPÍNOLA, CAIO MÁRIO e SÍLVIO RODRIGUES como um contrato especial, de

11
direito de família, o Dr. MARTINHO GARCEZ o considerando um contrato sui generis. Para
CLÓVIS BEVILÁCQUA e a Des. ÁUREA, simplesmente um contrato.
VIRGÍLIO DE SÁ PEREIRA o conceituou como uma convenção e LAFAYETTE, escrevendo
antes do Código Civil, teve-o por uma instituição, entendimento também de WASHINGTON DE
BARROS MONTEIRO.
Em anotações à obra de LAFAYETTE, JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADE E SILVA ressalva
que a noção de casamento perante o Código Civil é distinta da de LAFAYETTE, representando
perfeito contrato, embora sua noção seja a mesma do Direito anterior.
O Des. e Prof. ERBERT CHAMOUN estrema, no casamento, ato que o forma da relação
(sociedade conjugal) gerada.
No mesmo sentido, posicionam-se os Profs. SAN THIAGO DANTAS, ARNOLDO WALD e
ORLANDO GOMES, não deixando de entrever a distinção os Profs. CAIO MÁRIO e
WASHINGTON DE BARROS.
Os Profs. SAN THIAGO DANTAS e ARNOLDO WALD sustentam que, em face do Direito
brasileiro, em que o contrato se afigura como ato jurídico bilateral criador de obrigações
apenas, não há como classificar o casamento como desta natureza, pois impõe verdadeiros
deveres, que transcendem ao plano patrimonial.
A tomar-se o contrato nessa acepção, idêntico é o pensamento do Prof. ORLANDO GOMES.
Essa é a conclusão da magnífica tese de Cátedra, no Direito pátrio, do Prof. CLÓVIS PAULO
DA ROCHA, na qual demonstra que, ao contrário do Direito italiano, onde cria relações
jurídicas de caráter patrimonial, e do Direito português e francês, em que transfere o domínio,
na sistemática do Direito brasileiro, só gera o contrato obrigações, não se podendo, pois,
cogitar, hoje, do divórcio por mútuo consenso como distrato. Nem se aplicam ao casamento
regras próprias do contrato, como a exceção de contrato não cumprido, a cláusula de
aceitação, das perdas e danos para a proposta aceita e não cumprida.
41. Desta forma, a despeito de não enunciar o texto constitucional formal, o casamento, a
família legítima, esta é sua principal conseqüência, como ainda determina o art. 229 do Código
Civil, e em nada resulta desnaturado seu conceito no Direito brasileiro como ato criador de uma
"comunidade indivisa", na bela expressão de LEHMAN um de seus princípios, fixando direitos e
deveres recíprocos para os cônjuges, em nível de paridade, como em relação aos filhos, para a
vida em comum, a repousar na afeição mútua, com o atributo da exclusividade nas relações
sexuais.
2.3 A união estável e a entidade familiar
o
42. No § 3 do art. 226, prescreveu a Constituição de 1988, como se expôs, que, "para efeito
da proteção do Estado é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade
o
familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento". No § 5 , edita que se entende,
também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus
descendentes.
43. Questiona-se, em face daqueles mandamentos, a propósito da elevação do concubinato,
até então alvo de consideração da jurisprudência e de leis esparsas, no sentido da proteção da
companheira e dos filhos, à instituição de direito de família, sob a égide da entidade familiar.
Para os que adotam essa posição, minoritária nos tribunais e sob prudente expectativa da
doutrina, embora não se equiparando ao casamento, surtiria a união estável efeitos jurídicos,
como o dever alimentar em favor do companheiro que careça de subsistência, não a podendo
prover, por si, a divisão dos bens adquiridos após a convivência, independentemente de
comprovar-se a cooperação para adquiri-los, já constando de projeto legislativo o direito à
sucessão da companheira.
o
44. A jurisprudência brasileira e leis especiais, indicadas (n 36 desta conferência), já
amparavam a concubina em matéria previdenciária, de assistência social, tributária, locatícia,
de infortunística, na adoção do patronímico do companheiro, havendo o Supremo Tribunal, na
o
Súmula n 380, sob a invocação de existência de sociedade de fato, admitido a partilha do
patrimônio adquirido pelo esforço comum, comprovadamente.
Alguns julgados concedem indenização por serviços prestados, considerando o longo tempo de
convivência, quando não for possível demonstrar a colaboração material. Não logram, todavia,

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estribar-se em fomento jurídico, hábil a ensejar a reparação, a não ser no princípio da vedação
de enriquecimento sem causa à custa da amásia, que acreditou na expectativa da convivência.
o
A Súmula n 382, para a caracterização do concubinato, dispensa a vida em comum sob o
mesmo teto, more uxorio.
O concubinato é conceituado, no sentido lato, entre nós, nas palavras de um dos juristas que
melhor sobre ele versou, propugnando péla proteção à companheira e aos filhos, o Des.
EDGARD DE MOURA BITTENCOURT, como a "união estável no mesmo ou em teto diferente,
do homem com a mulher, que não são ligados entre si por matrimônio". "Em sentido estrito, é a
convivência more uxorio, ou seja, o convívio como se fossem marido e mulher."
45. Ao contemplar, a Carta Magna, o reconhecimento da união estável, não nos parece haver
alçado o concubinato à instituição de Direito de família.
Não custa recordar que, em Roma, consistia o concubinato na convivência more uxorio, não
incestuosa nem adulterina, de um homem com uma mulher, não unidos pelo vínculo do
matrimônio. Lembra o autor haver recebido sanção jurídica pelas Leis Julia e Papia-Poppaea,
inspiradas por AUGUSTO, em período ode maior corrupção dos costumes e de tendência geral
para o celibato. O concubinato romano, prossegue o professor e antigo Ministro da Suprema
Corte, foi legalmente reconhecido, desce que as duas partes não fossem casadas e não
tivessem outros concubinos.
O Cristianismo foi-lhe contrário. Condenaram-no SANTO AMBRÓSIO e SANTO AGOSTINHO.
Tolerou-o, todavia, a Igreja durante a Idade Média, com certos efeitos na França, Alemanha e
na Itália, havendo, mesmo, exigido menos formalidades para o casamento, no empenho de
evitá-lo.
CLÓVIS BEVILÁCQUA alude aos casamentos de experiência e de ensaio entre os povos
bárbaros no Ceilão, entre índios, no Canadá, árabes e tártaros, e casamentos temporários
entre judeus do Marrocos e de aluguel, dos persas.
Ainda recentemente, noticia-se obra sobre Des Concubinages dans le Monde, sob a direção de
JACQUELINE RUBELLIN-DEVICHI, Presses du CNRS, em que se mostra que à diversidade
das civilizações corresponde uma diversidade extrema nas funções como na história do
concubinato. Por exemplo, a diferença é imensa entre o concubinato no Islam e o de facto
relationship act no New South Wales australiano, assim como entre as sociedades
muçulmanas e africanas que apresentam formas de organização da vida familiar extremamente
complexas e profundamente industriais desenvolvidas, exibindo modelos "familiares" múltiplos,
não esculpidos pelo tempo, mas submetido ao instante, ao efêmero.
O fenômeno, portanto, é antigo e universal.
46. Entre nós, sempre existiu, vicejando em nossa colonização, de tal sorte que, em 1550,
escrevia o Padre MANOEL DA NÓBREGA, de Porto Seguro aos da Terra: "Visitando os povos
vizinhos desta terra, confessei a muitos e grande fruto se fez, porque muitos deixaram os
pecados e tomaram por mulheres as concubinas ou as abandonaram, posto que entre estes se
vêem muitos cristãos que estão aqui no brasil, os quais têm não só uma concubina, mas muitas
em casa, fazendo batizar muitas escravas sob pretexto de bom zelo e para se amancebar com
elas, cuidando que por isso não seja pecado, e de par com estes estão alguns religiosos que
caem no mesmo erro."
47. Dessarte, erigi-lo, agora, à categoria de Direito de Família, em plano constitucional, destoa
da tradição de sua existência e de sua própria concepção, nos usos e hábitos dos povos.
48. A união estável, desta forma, figura no texto constitucional, para garantir a seus parceiros,
como membros dela, exclusivamente, a proteção que já lhes era concedida e outras que possa
o Estado outorgar, sem prejuízo de transmudar sua conceituação e natureza.
Este parece ser o sentido do cânon constitucional, pois não altera, a união estável, entendida
como entidade familiar, o estado civil do parceiro, nem lhe confere posição jurídica diversa, que
lhe atraia direitos e lhe imponha ônus e obrigações, que não os decorrentes de legislação
própria.
Demais disso, requer, para sua caracterização, a fixação de prazo, razoável, que deve constar
de lei, para reputar-se estável, sob pena de flutuar ao alvedrio de variegadas interpretações
judiciais.

13
A humana compreensão não transforma em jurídico o que se passa nos fatos.
Como, decisivamente, remata FIORELLA D’ANGELLI, em alentada obra sobre "La Famiglia di
Fatto", "la famiglia di fatto secondo le indicazioni del sistema, non solo giuiridico, deve essere e
restare un’isola che il mare, uanto meno della formalizzazione, deve solo lambire, senza però
escludere che il complesso degli interventi statali nei settori cell’assistenza e previdenza,
dell’abitazione, della giustizia, del sistema fiscale e assicurazione, e in genere nelle materie che
possono esere caratterizzate, ma non consituite, dalla sussisenza di una relazione familiare,
tenga conto cum grano salis della realtà del fenomeno in questione nel rispetto delle
caratteristiche che gli sono proprie, e senza che ciò sia impedito dall’inconcludente timore che
tanto costituisca un pericoloso riconoscimento; perchè il riconoscimento già c’è nei fatti, nell
presenza della famiglia di fatto nella realtà." (grifos nossos).
IV. AS PREMISSAS CONSTITUCIONAIS E A PERSPECTIVA DA ÉPOCA.
49. Pelo exposto, pensamos que o conceito de casamento, como plasmado, ao longo do
tempo, a partir de suas raízes históricas, desde a mais remota antigüidade clássica greco-
romana, passando sob o influxo de perspectivas dos povos celta e germânicos que habitaram a
Península Ibérica, resultante dos cânones da doutrina da Igreja que o disciplinou, entre nós, até
o século passado, fornecendo a argamassa do Direito matrimonial em nosso Código Civil,
remanesce, em sua substância, inalterado. Como ato, cria a relação jurídica, vínculo,
formadora da sociedade conjugal, ora dissolúvel, gerando a mais estreita comunhão de vida
entre um homem e uma mulher, que transcende ao ato voluntário de sua instituição.
Diz com a sociedade e com princípios superiores. Toca à natureza do homem, a seu destino e
à sobrevivência da espécie.
50. Desse modo, subsiste como fonte da família legítima, efeito que não lhe retira a omissão
constitucional.
É inequívoco, por outro lado, que há de ser entendido não sob as vestes de um século já
percorrido. Há de despir-se das contingências de uma sociedade emergente de um sistema
colonial e patriarcal. A participação da mulher em todos os setores da vida, sem perderem, ela
e o homem, a natureza complementar um do outro, assim como a maior presença dos filhos na
vida social e no seio da família, impõe que se reformulem as relações dele originadas.
A paridade entre os cônjuges, o reconhecimento, aos filhos, de certa autonomia na
organização da própria vida, uma nova visão do munus conferido aos pais relativamente a eles,
e um relacionamento inspirado na autenticidade dos sentimentos, antes do que no formalismo
de condutas a corresponderem a meras exigências externas de compromissos sociais, é o que
se aguarda do matrimônio. Há de radicar-se no íntimo e no âmago das pessoas.
Esta, a perspectiva da nova família, tão bem desenhada pelo Prof. DIOGO LEITE DE
CAMPOS, em suas magistrais "Lições de Direito de Família e das Sucessões", fincada na
sincera disponibilidade dos cônjuges um para com o outro e de ambos em relação aos filhos, a
fim de que, ultrapassando aparente crise, desponte nova e revigorada no milênio que se
aproxima.
51. No entanto, registre-se a oportuna observação, contida na investigação que levam a efeito
o Istituto Giuridico da Universidade de Sassari e o Istituto e Diritto Privato da Universidade de
Pisa, sob patrocínio da ASSLA (Associazione di Studi Latino-Americani), coordenada pelo Prof.
PIERANGELO CATALANO, do choque e tendências entre dois sistemas jurídicos, o romano-
cristão, ou como denomina, "romano-ibérico-pré-colombiano" (indo-latino) e o da common law.
O primeiro, que dá consistência à unidade do sistema jurídico latino-americano, apresenta
como característica básica a concepção que define como "personalista-comunitária" (não
individualista nem coletivista) da ordem jurídica. A unidade, no Direito de Família, é esta e não
o indivíduo, como ocorre no sistema da common law, em que é menor a importância atribuída
aos direitos-deveres entre os cônjuges, tratados em capítulo dedicado à patologia do
matrimônio.
De outra parte, prossegue a investigação, a tradição no sistema jurídico latino-americano
baseia-se em nítida distinção entre o matrimônio e a união de fato, enquanto, para a common
law, se duas pessoas capazes de contrair núpcias convivem como esposos e se comportam
como tais, existe matrimônio, ainda que não celebrado.
Refletem-se as concepções nas relações entre o matrimônio e o fator religioso, notórias no
sistema latino-americano, inspirando-se os modelos normativos norte-americanos no

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"separatismo" estadunidense e no "jurisdicionalismo pluriconfessionista" canadense.
Repercutem nos alimentos, na sucessão necessária dos familiares, nas relações entre pais e
filhos, nas pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, na procriação como finalidade do
matrimônio, na empresa familiar agrária.
A base cultural da unidade, escreve o Professor italiano, deve ser vista em um "bloco" romano-
ibérico-pré-colombiano. "O sistema recebeu a sua forma do Direito romano (por intermédio do
derecho comum americano) e logo depois da transfusión nas codificações, mas, também, da
miscigenação (mestizaje) da tradição romanística com as instituições indígens pré-
colombianas."
A perspectiva histórica do caráter nada individualista do Direito romano – invoca FRANCESCO
DE MARTINO – permitiu compreender melhor a contraposição do sistema latino-americano
com o sistema do Direito anglo-saxão, do qual uma característica principal é o "ultra-
individualismo."
O atrito entre concepções dos dois sistemas, postos em contacto, e uma menor ou mais débil
resistência do sistema jurídico latino-americano, determinaria a penetração de idéias que
fogem à sua tradição, com acentuada conotação no Direito de Família.
52. Esta perspectiva, ainda sob pesquisa e indagação, enseja, todavia, a reflexão a respeito do
destino do casamento e da família no Direito brasileiro, que não se desviarão do leito de seu
curso, em busca de novas paragens.
Sob a ótica dessas ponderações, retenha-se a oportuna e feliz conclusão do Prof.
FRANCESCO DONATO BUSNELLI:
"Le idee individualistiche succedutesi nel tempo hanno contribuito in modo determinante al
superamento delle concezioni autoritarie o pubblicistiche della famiglia, fondatamente
rivendicando di garantire l’eguaglianza e la libertà dei coniugi all’interno della famiglia: una
famiglia che, riuscendo a contemperare libertà e responsabilità dei singoli in una dimensione
autenticamente comunitaria, può riscoprire, depurato da deformazioni o contaminazioni, il
genuino fondamento di qual consortium vitae, al quale corrisponde" utrique coniugi aequum
officium et ius, secondo l’expressione usata dal Can. 1135 del nuovo codice di diritto canonico.
Questa sembra, oggi, la prospettiva più affidante, quanto meno per i tempi lunghi; non il viaggio
verso l’illusoria ricerca di un diritto individuale alla felicità: che, in ogni caso, non è un viaggio
senza ritorno, perchè è un viaggio senza destinazione."

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