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internacionais
Especialistas discutem problemas da Educação brasileira e as influenciam a
Educação do país?
pressões de organismos internacionais
A economia está na ordem do dia. Nos últimos dez anos ela foi içada a vetor do
pensamento mundial e sob sua lógica têm se manifestado os mais diferentes — e
surpreendentes — segmentos sociais. A educação está entre eles.
Embora ainda fora do domínio público, as evidências são claras. Exemplo disso são as
dezenas de documentos, preparados por técnicos do Banco Mundial, acerca da
educação no mundo. Outro exemplo, este apontado como “escandaloso” por
pesquisadores da área, são as negociações da Organização Mundial do Comércio com
os países, no sentido de incluir o ensino superior na lista de produtos e serviços por ela
regulamentados.
Mas não precisamos dar a volta ao mundo para crer. No Brasil, por exemplo, as
estatísticas oficiais apontam o domínio do privado sobre o público em 70% das
matrículas universitárias. Para reforçar, em reportagem de capa no início deste ano, a
revista Exame qualificou a educação como um “meganegócio”, informando que o
ensino privado brasileiro movimenta, anualmente, uma estratosférica cifra: R$ 90
bilhões.
A população dos países desenvolvidos é envelhecida e não cresce tanto quanto a dos
países subdesenvolvidos, que se tornaram um mercado em potencial. A educação básica
e o pré-escolar ainda são vistos como áreas ligadas ao Estado, mas as empresas estão
interessadas em vender serviços educacionais e também produtos. Mas o foco maior é
no ensino superior, que na visão deles não é uma obrigação do Estado, mas apenas uma
mercadoria.
O interesse é de empresas isoladas, ou parte de organismos voltados para políticas públicas, como o
FMI e o Banco Mundial?
A questão, hoje, é em que medida a lei é aberta para facilitar essa circulação de
empresas. Embora seja um processo muito periférico, o deslocamento de instituições em
algumas cidades do interior do Brasil já existe. No Sul, várias pessoas estão fazendo
doutorado em Educação em universidades européias. Claro que com uma qualidade
muito diferente. A Universidade de Salamanca (Espanha) tem uma enorme penetração
no sul do país, só que os estudantes nunca foram a Salamanca, não falam espanhol, mas
fazem seu doutorado na instituição. Essa seria uma forma de transnacionalização do
serviço universitário, ainda que de forma precária, por enquanto.
As universidades argentinas também oferecem diploma de doutorado e algumas já
colocaram unidades nas regiões de fronteira, para que se atravesse a ponte e se faça um
curso de Medicina lá.
A preocupação dos meios acadêmicos está direcionada para o ensino a distância, hoje bastante
facilitado pela tecnologia. Mas a informação que os senhores trazem é que essa educação sem
fronteiras vem se dando em nível presencial. Com a abertura do mercado, esta é a tendência?
A revista Exame publicou em sua capa matéria que dizia: “O meganegócio da educação,
R$90 bilhões, movimenta o sistema privado de educação no Brasil”. Isso desperta o
interesse dos grupos estrangeiros. E os grupos locais, vendo seu mercado disputado,
começam a buscar alianças com os estrangeiros. Isso impõe uma situação muito
complexa e muito difícil para a educação pública e para a construção de um projeto de
educação nacional.
Existe alguma iniciativa concreta, no sentido de grupos estrangeiros atuarem no Brasil através de
alianças com instituições locais?
Prof. José Raymundo Romêo
Existem grupos fazendo estudos prospectivos no Brasil, testando o mercado. Mas eu
acho muito difícil, porque os donos de universidades não se entendem tanto, não
conseguem sequer fazer algo em conjunto até para melhorar a situação de suas
instituições. Preferem uma guerra mercadológica entre eles, sem muita ética, e os
governos favorecem.
Mas há uma grande pressão sobre a OMC, para não considerar a educação como
serviço.
Os senhores acreditam que a política do MEC é limitar a oferta no ensino superior, para favorecer
o capital internacional privado?
Como fica a ciência e tecnologia, diante deste predomínio do privado sobre o público? Há exemplos
na América Latina que podem servir de espelho para o Brasil?
Também não podemos desconhecer que a comunidade econômica européia está atenta.
Temos uma relação assimétrica no trânsito internacional, tanto que perdemos a posição
como a décima economia. Não tivemos capacidade de negociar a inserção de produtos
nos mercados internacionais, por causa das restrições. O governo americano faz disso
um emblema. O japonês não coloca um quilo de arroz nos Estados Unidos, sem que
passe pelas travas burocráticas, impostos enormes. Essa mesma proteção que os Estados
Unidos têm em sua política internacional, nós não temos para as nossas e a fraqueza de
nossos programas é muito grande.
Por isso, um governo que se posicionar neste contexto internacional de forma fraca,
atendendo à desregulamentação, como foi este último governo, infelizmente promoverá
uma ampliação deste sistema e a conseqüência disso será como na selva, onde ganha o
mais forte.
A gente nunca vai poder discutir a universidade, sem uma discussão do modelo
econômico vigente no mundo. A gente nunca vai poder dissociar essas coisas que, hoje,
condenam o mundo a ser dividido, não pelo Muro de Berlim, mas em cada cidade, em
cada país, em cada região, em cada estado, num mundo de pobres e ricos. Uns que vão
ter o domínio da tecnologia e continuar mandando, e outros que vão ser dependentes.
Juscelino (Kubitschek) dizia que alguns homens plantam carvalho, outros plantam
couve. Temos um governo plantador de couve, poliglota, mas plantador de couve, que
quer colheita imediata. Temos 96% de alunos nas escolas, mas fazendo o quê? Temos
mais alunos nas universidade, fazendo Direito, Administração, mas de que maneira?
Isso é estelionato.
Um caso que estamos vivendo recentemente é com o BNDES, que abre uma linha de
crédito para investimento em infra-estrutura universitária, e coloca como pré-condição a
obrigação de penhorar bens da instituição que quer acesso ao crédito. Só a universidade
privada poderá obter este crédito, porque o reitor da UFF, por exemplo, não pode dar
como garantia o campus do Gragoatá, que é um patrimônio da União. Moral da história:
os fundos públicos, os recursos do BNDES, foram todos para construir esses enormes
prédios que vemos por aí.
E isso não ocorre só na universidade. Essa tendência vai afetar todo o sistema, porque
entrando pela universidade, que é o mercado mais imediato, mais dinâmico em termos
de circulação de capital, também vai entrar no ensino fundamental e uma das formas é
através do livro didático.
Aqui no Brasil não vimos muito isso, pela especificidade lingüística do país, mas na
Argentina, no Peru, no Uruguai, no México, a reforma curricular é feita sobre as
mesmas bases de sustentação. E os intelectuais que trabalharam na reforma destes
países são, possivelmente, os mesmos que trabalharam no Brasil. Muitos dos
documentos da base da reforma curricular brasileira foram impressos em espanhol, a
partir dos trabalhos feitos naqueles países, com os mesmos profissionais, com a
diferença que, nos outros países chamados de ibero-americanos, de língua espanhola, as
editoras espanholas, que já tinham uma presença significativa, hoje têm presença quase
total, comprando as editoras nacionais falidas, ou produzindo os livros didáticos
associados às reformas.
Existe algum mecanismo que preserve o Programa Nacional do Livro Didático? Não se tem
conhecimento de editoras estrangeiras nas concorrências do MEC. São todas empresas nacionais.
Para mudar o rumos disso tem que ser criado um fundo internacional, que a Unesco
poderia manejar, para a educação superior, para que ela seja mais igual no mundo.
Outro ponto que eu queria abordar é que não sou contra a universidade particular, mas
ela tem que ser pública nas suas finalidades, não pode ser um comércio. Nos Estados
Unidos ela tem um papel importante, embora lá as universidades sejam
majoritariamente estatais.
Gostaria que o professor Romêo esclarecesse melhor sua proposta de criação de um novo fundo
para a educação.
Prof. José Raymundo Romêo
Seria um fundo nacional de educação superior, que não poderia ser
controlado pelo governo. O FNDE (Fundo Nacional de
Desenvolvimento Educacional) é uma brincadeira. Poderia ter um
volume de recursos muito maior do que tem, mas os empresários
José Raymundo Romêo:
sonegam, não se interessam por ele. Tem que ser um fundo controlado “Os militares acreditavam
pelos doadores e pelos usuários que vão se beneficiar da educação mesmo que a educação
gerava desenvolvimento”
superior. Isso é fundamental num país como o Brasil.
Até aqui houve consenso na consideração de que os investimentos na universidade são geradores de
desenvolvimento. Em termos de América Latina, por que a Argentina, que investiu em educação,
vive uma situação-limite?
Já no governo (Carlos) Menem, houve uma liberação para o setor privado e foram
criadas grandes corporações, como a Universidade de Palermo, que, inclusive, tem um
bom padrão em algumas áreas. No setor público, o reitor da Universidade de Córdoba
tentou criar o pagamento de mensalidade e gerou confusão, mas foi uma experiência.
Apesar disso tudo, o setor público conseguiu criar um certo padrão e a Universidade de
Buenos Aires foi uma referência.
A economia argentina foi se deteriorando, mas eu acho que o país está bem e vai
encontrar um caminho. O Brasil está pior, porque vive uma situação artificial. Tudo que
cresce, cresce com crise.
Na época o Brasil era considerado atrasado, porque não acompanhava o ritmo argentino.
O país era a boa-moça da América Latina. Já o Brasil, por causa da Constituição e por
causa da expulsão do (Fernando) Collor, ficou de lado. Se não fosse isso, em passos
mais rápidos estaríamos nesse processo da Argentina.
Itamar Franco fez um governo nacionalista, até em termos de ensino superior. Ele deu
uma freada no processo de extinção das empresas nacionais. O Collor acabou com a
Embratur, a Embrafilme, que depois foi ressuscitada, a Capes foi extinta, depois voltou.
O governo Itamar promoveu uma volta ao processo de nacionalização.
Aqui no Brasil, o que aconteceu para frear esta tendência de privatização foram os
movimentos sociais, aqui ficou mais difícil. Na Argentina o petróleo foi privatizado,
aqui a Petrobras ainda existe, embora haja pressão para sua privatizaçãao, e também do
Banco do Brasil.
As razões da crise argentina são muitas. No que se refere ao ensino superior, tem este
assunto do livre acesso, é uma especificidade muito própria destes países, da Argentina,
Uruguai e do próprio México, sendo que a Argentina teve um problema muito grande
com a ditadura. Ela fez uma intervenção direta nas universidades muito mais dura e
muito mais violenta em termos físicos, e quando o governo Alfonsín assume a
reivindicação pelo acesso livre às universidades era uma coisa tão intensa quanto a
gratuidade da educação.
Na ditadura tinha que pagar a universidade. Num primeiro momento, nós queimamos os
talões de pagamento e a segunda reivindicação era o acesso livre, então as universidades
não souberam administrar essa situação. E estava nessa reivindicação uma coisa
importante, que eu acho que nós devemos recuperar para a discussão: que não
necessariamente a seletividade absoluta garante o crescimento de qualidade das nossas
universidades. O vestibular é um processo predatório de avaliação e as nossas
faculdades saem com uma baixa avaliação acadêmica. A receita argentina não deu certo
e acho que não faz sentido repetir; agora desafio que as nossas universidades sejam mais
abertas, democráticas, e de boa qualidade. Isso continua sendo um desafio para a
Argentina e para o Brasil.
O regime militar foi decisivo para o crescimento e a qualidade do sistema universitário brasileiro?
A experiência do México com o Nafta pode servir de espelho para o Brasil, em relação à Alca? Sua
implantação pode trazer quais conseqüências para o país no campo da educação?
Todos estamos aqui de forma muito tranqüila, esperando o que pode vir, porque o
grande risco que a Alca representaria seria para o Brasil. Eu respeito os irmãos
uruguaios, mas o prejuízo do Uruguai com a Alca será menor. A fragilização da
liderança que o Brasil tem e teve historicamente em termos regionais é um dos objetivos
do governo americano.