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A sexualidade é um dos elementos fundamentais na compreensão da

individualidade, conforme aponta Salles e Ceccarelli (2010) e Foucault (2020), por isso
importa pensar como ela se constituiu como fator basilar em nossa sociedade. Daí que,
refletir sobre a sexualidade, implica em compreender as relações de poder que ela
passou a exercer sobre os corpos, e como seus efeitos impactam nas relações de gênero
ao longo da história.
Por agir sobre o social que a sexualidade é uma construção deste, uma vez que
se criou a partir de experiências que se relacionam de maneira intrínseca a fatores
sociais, históricos e culturais vivenciadas pelos sujeitos. Pensar neste elemento e suas
profundas transformações no pensamento ocidental – da qual nossa cultura é herdeira –
parte da ideia de verificar como ela se configurou desde a Antiguidade até a
contemporaneidade no sentido de constatar a mutabilidade de suas ações sobre os
corpos. Tal poder a sexualidade possui que, de acordo com Foucault (2020, p. 86), se
tornou a “chave universal” na compreensão de quem somos. E de tal forma os discursos
sobre a sexualidade se intensificaram que disto resultou na criação de dispositivo de
disciplinarização do corpo e em consequência da vida: o dispositivo da sexualidade, que
“[...] funciona de acordo com técnicas móveis, polimorfas e conjunturais de poder”.
(FOUCAULT, 2020, p. 116)
Conforme o filósofo francês, em História da sexualidade: o uso dos prazeres, o
termo sexualidade só surgiu a partir do século XIX (FOUCAULT, 1998, p. 9) em
decorrência da especialidade de outras áreas do conhecimento, como as áreas que se
reservam ao estudo do biológico, como a medicina, e aos fenômenos comportamentais,
como a psiquiatria e a psicanálise; às regras e normas das quais se apoiam as
instituições sociais, como as religiosas, judiciárias, pedagógicas e médicas; e às novas
concepções para dar sentido à conduta de suas vidas. Todavia, ainda que o surgimento
do termo se tenha dado neste período, seu poder sobre os corpos não.
O próprio termo "sexualidade" surgiu tardiamente, no início do Século
XIX. [...] Ele assinala algo diferente de um remanejamento de
vocabulário; mas não marca, evidentemente, a brusca emergência
daquilo a que se refere. (FOUCAULT, 1998, p. 9)
Sobre o sexo, Foucault (2020) diz que por muito tempo teríamos sido sujeitos à
uma ortopedia discursiva sobre tal tema, legado do regime imperial vitoriano a partir do
XVIII. Desta afirmação, o filósofo francês diz que tal cerceamento sobre o que se dizia
a respeito do sexo não se verificava no início do século XVII – e consequentemente nos
séculos anteriores. Conforme Foucault (2020, p. 7), “as práticas não procuravam o
segredo [...], os corpos “pavoneavam”.
A formação de um pensamento maniqueísta sobre a atividade sexual e o uso dos
prazeres não encontra no cristianismo da Idade Média o germe, mas parte de uma longa
tradição, herança da Antiguidade greco-romana, da moral, deste “[...] conjunto de
valores e regras de ação propostas aos indivíduos e aos grupos por intermédio de
aparelhos prescritivos diversos, como podem ser a família, as instituições educativas, as
Igrejas, etc” (FOUCAULT, 2020, p. 26). É o que comprova Foucault (1998), no
segundo volume de História da Sexualidade, ao apresentar um conjunto de textos que
versavam sobre a fidelidade monogâmica do casal, a abstenção ao sexo, a condenação a
quaisquer traços de feminilidade nos homens e a castidade enquanto essencial para a
virtude. Porém, ainda que não tenha havido uma brusca ruptura na concepção do sexo
entre os séculos, também não houve uma continuidade. Se nas civilizações da
Antiguidade o alcance dos discursos sobre uma moral sexual se limitava ao local, o
cristianismo o pretendia universal. Assim:
Diversos temas, princípios e noções podem perfeitamente se encontrar
num e noutro; não possuem, no entanto, o mesmo lugar e o mesmo
valor em ambos. Sócrates não é um padre do deserto lutando contra a
tentação, e Nicocles não é nenhum marido cristão; o riso de
Aristófanes diante de Ágaton travestido tem muito pouco a ver com a
desqualificação do invertido que mais tarde se encontrará no discurso
médico. Além disso, é preciso ter em mente que a Igreja e a pastoral
cristã fizeram valer o princípio de uma moral cujos preceitos eram
constritivos e cujo alcance era universal [...]. (FOUCAULT, 1998, p.
23)
Certo é que a historiografia aponta uma distinção para a prática sexual da moral
cristã e da moral pagã da antiguidade. Entre elas, ainda que se estabeleça uma relativa
rede de concepções que se figuram entorto do homem e da mulher e que permaneceram
no decorrer do tempo e do espaço, as quais sempre direcionaram o prestígio social à
dominação masculina e a consequente sujeição da mulher, há, conforme Foucault (1998,
p. 17), pontos de convergência que apontam, nitidamente, ao caráter solúvel que as
relações de poder estabelecem entre os corpos:
O valor do próprio ato sexual: o cristianismo o teria associado ao mal,
ao pecado, à queda, à morte, ao passo que a Antiguidade o teria dotado
de significações positivas. A delimitação do parceiro legítimo: o
cristianismo, diferentemente do que se passava nas sociedades gregas
ou romanas, só o teria aceito no casamento monogâmico e, no interior
dessa conjugalidade, lhe teria imposto o princípio de uma finalidade
exclusivamente procriadora. A desqualificação das relações entre
indivíduos do mesmo sexo: o cristianismo as teria excluído
rigorosamente, ao passo que a Grécia as teria exaltado — e Roma,
aceito — pelo menos entre homens.
Ora, se conforme Dover (1994) e Foucault (1998), o que hoje chamamos de
relações homossexuais, também aconteciam na antiguidade, não de maneira privada ou
restrita, imergida em concepções negativas de práticas sexuais, mas abertas e aceitas, no
entanto, com ressalvas. A primeira delas, segundo Dover (1994, p. 33), na Grécia não se
permitia a relação sexual entre homens de mesma categoria etária, sempre entre um
homem mais velho e um mais jovem, em que o mais velho sempre exercia a posição
dominante, de mestre, enquanto o jovem, de aprendiz. A segunda, aponta Foucault
(1998, p. 22), havia repugnância às atitudes que demonstrassem perda do papel viril,
destarte, de traços femininos. Desde então, se observa uma forte recusa às
masculinidades não hegemônicas, que se discutirá mais adiante.
Ao trazer exemplos de textos literários produzidos por poetas da Antiguidade,
Foucault (1998) demostra o caráter satírico e de condenação moral aos quais eram
sujeitados, textualmente, rapazes que apresentassem traços corporais não viris. E
conclui:
[...] é necessário reconhecer aí o efeito de apreciações fortemente
negativas a propósito de certos aspectos possíveis da relação entre
homens, assim como uma viva repugnância a respeito de tudo o que
pudesse marcar uma renúncia voluntária aos prestígios e às marcas do
papel viril. O domínio dos amores masculinos pôde muito bem ser
"livre" na Antiguidade grega, em todo caso bem mais do que o foi nas
sociedades europeias modernas; não resta dúvida, entretanto, que bem
cedo se vê marcar intensas reações negativas e formas de
desqualificação que se prolongarão por muito tempo. (FOUCAULT,
1998, p. 22)
Isto porque naquele período, greco-romano, a figura masculina era o centro de
tudo: por quem e para quem as leis eram feitas. A valoração que se dava às práticas
sexuais entre homens era consequência justamente do domínio do homem sobre a
mulher, de modo que eles pudessem gozar de seus direitos, de não serem condenados
pela busca dos prazeres. A respeito desta conduta do homem na sociedade grega,
Foucault (1998) diz:
Ela se dirige a eles a respeito das condutas em que, justamente, eles
devem fazer uso de seu direito, de seu poder, de sua autoridade e de
sua liberdade: nas práticas dos prazeres que não são condenados,
numa vida de casamento onde, no exercício de um poder marital,
nenhuma regra nem costume impede o homem de ter relações sexuais
extraconjugais, em relações com os rapazes que, pelo menos dentro de
certos limites, são admitidas, correntes e até mesmo valorizadas.
(FOUCAULT, 1998, p. 25)
Havia, na antiguidade grega, todo um aparato cultural de privilégio do homem
em detrimento da mulher, das leis aos prazeres: o direto dele, por ele e para ele, o que
possibilitou aos homens se relacionarem com pessoas do mesmo sexo sem quaisquer
juízos de valor em termos de proibição que se mais tarde vem a se impor. Mas, a partir
de quando e por que houve uma mudança de paradigmas no que diz respeito às relações
sexuais e afetivas entre homens? De acordo com Foucault (1985), a partir dos séculos II
e I a.C, durante a civilização helenística, já sob o comando do Império do Romano,
quando o casamento passou a ganhar uma centralidade na vida da população geral: “O
casamento passaria a ser mais geral enquanto prática, mais público enquanto instituição,
mais privado enquanto modo de existência, mais forte para ligar os cônjuges e, portanto,
mais eficaz para isolar o casal no campo das outras relações sociais.” (FOUCAULT,
1985, p. 84).
Antes, na Grécia, o matrimônio se consagrava como mantenedor do status e
herança da família, com a “[...] transmissão do nome, constituição de herdeiros,
organização de um sistema de alianças, junção de fortunas.” (FOUCAULT, 1985, p. 81),
o que só era útil, ainda segundo filósofo francês, para as classes superiores, em
contrapartida, não servia aos pobres. A mudança ocorre quando o casamento perde força
no sistema de privilégios, este agora se dando mais por proximidade “[...] do príncipe,
da ‘carreira’ civil ou militar, do sucesso nos ‘negócios’, do que somente da aliança entre
grupos familiares.” (FOUCAULT, 1985, p. 81). Desenhou-se um cenário no qual o
casamento deixou de interessar apenas às classes privilegiadas, mas que se estendesse
aos pobres e até mesmo escravos.
No decorrer do tempo, legou mais responsabilidade do homem para sua casa,
esposa e filhos, assim como possibilitou à mulher um sistema jurídico que, ainda muito
desigual, lhe concedesse certos direitos dentro do casamento: o direito de escolha ou
recusa em se casar, de não ser maltratada, ser a única esposa. Enfim, a partir da
civilização helenística, foram impostas obrigações aos homens. Ao apresentar textos que
versavam sobre o elemento afetivo do casamento e o papel do homem dentro dele,
Foucault (1985, p. 87) observa que antigamente ao homem cabia um papel de cuidados
ao lar, mas, a partir de agora, necessitava-se de uma responsabilidade afetiva com a
mulher. Deste modo, tais textos
[...] mostram que o casamento é interrogado como um modo de vida
cujo valor não é exclusivamente, nem mesmo, talvez, essencialmente
ligado ao funcionamento do oikos [casa, ambiente doméstico], mas
sim ao modo de relação entre dois parceiros [marido e esposa]; eles
também mostram que, nessa ligação, o homem deve regular sua
conduta não somente a partir de um status, de privilégios e de funções
domésticas, mas também a partir de um “papel relacional” com
respeito à sua mulher; e mostram, finalmente, que esse papel não é
somente uma função governamental de formação, de educação, de
direção mas que se inscreve no jogo complexo de reciprocidade
afetiva e de dependência recíproca.
Resultante das novas problematizações matrimoniais surgidas nesta nova
configuração social, a relação sexual também se torna mais restrita ao casal quando se
passa a considerar uma natureza da atividade sexual: a procriação, da qual a busca pelo
prazer se devia voltar, de maneira legítima com a esposa, dentro do casamento,
condenando-se, assim, qualquer forma de adultério, em especial, que pudesse gerar
descendência ilegítima. (FOUCAULT, 1985, p. 166-176).
Passa-se a ter uma preocupação maior em relação ao ato sexual a partir da
influência do pensamento médico da época, cuja dieta prescrita dizia respeito às
condições ideias de procriação. Assim, relações sexuais em excesso, visto na Grécia
como busca pelos prazeres, agora são problematizadas pois “impedem o esperma de
atingir o grau de elaboração onde tem toda a sua potência.” (FOUCAULT, 1985, p.
107). Todas práticas para que se tenha uma melhor progenitura.
Uma mudança paradigmática – ou melhor, uma problematização maior a
respeito do tema - interessante de se observar na passagem da República para o Império,
é em relação às práticas de domínio sobre si. Enquanto que na ética antiga a prática do
exercício do domínio de si e em consequência da casa (esposa e filhos) e dos outros
(sociedade agonística) acontecia de maneira unilateral, para e sobre o homem, as novas
problematizações surgidas na civilização helenística, da mudança no status do
matrimônio, com mais direitos para a mulher, e o jogo político cada vez mais complexo
dentro de uma “conjuntura instável” (FOUCAULT, 1985, p. 99) de poder, a ética
tradicional de domínio sobre si e sobre os outros, não tinha mais lugar pois dependia,
agora, de reciprocidade e igualdade. Em O Vínculo Conjugal, Michel Foucault (1985)
começa a desenha um cenário no qual se é esboçado pelos filósofos um raciocínio que
tende a colocar o casamento como uma necessidade da natureza, em que o homem,
vinculado ao gênero humano, é conjugal e, portanto, deve viver em conjunto, o que o
leva a casar-se, constituir a dois uma só vida.
No que tange à busca dos prazeres, se antes nada impedia a um homem de
buscar prazeres sexuais fora do casamento, esta nova reformulação do matrimônio
centralizou as relações sexuais ao casal. Conforme Foucault (1985, p. 169): “A
conjugalidade é para a atividade sexual a condição de seu exercício legítimo.”
Procriação e compartilhamento da vida, passaram a ser a finalidade do casamento. O
prazer sexual era recomendado como forma de ligação, de estreitamento dos laços
afetivos entre o casal. Deste cenário, o filósofo francês adverte que poder-se-ia concluir
que aí reside o pensamento cristão de que os prazeres sexuais são pecados e que
aceitáveis apenas dentro do casamento. Porém, seria um anacronismo, uma vez que, o
pensamento filosófico corrente na época apenas impunha proibições às práticas sexuais
extraconjungais pois considerava que pelo casamento o homem mantinha vínculo com a
comunidade. Se há, neste quadro um germe utilizado futuramente pelo cristianismo, é
apenas a aceitabilidade da conjugação sexo dentro do casamento.
No que se constitui uma visão binária da situação dos amores e dos prazeres,
pelos rapazes e agora pelas mulheres, e e os prazeres passaram a servir no casamento
como um jogo de afeições, de estreitamento de laços, Foucault (1985, p. 186) coloca:
E, justamente em nome dessa intensificação do valor dos aphrodisia
nas relações conjugais, por causa do papel que se lhe atribui na
comunicação entre esposos, é que se começa a interrogar de modo
cada vez mais dubitativo os privilégios que tinham sido possíveis
reconhecer ao amor pelos rapazes.
A nova Erótica a partir dos escritos de Plutarco ganhou um novo delineamento,
não para uma teoria geral do amor, que abrangesse mulheres e rapazes, como seria,
segundo Foucault (2020, p. 204), sua intenção, mas um encaminhamento para uma
noção unitária de amor, nos termos da natureza, entre homem e mulher, em especial à
esposa. Os laços afetivos, o amor, seria neste tipo de relação mais forte pois tinham,
além do propósito de procriação (macho em busca da fêmea), o prazer da relação sexual
entre homem e mulher, intensificaria a relação de amizade e afetividade. Para Plutarco,
ainda conforme Michel Foucault, o amor verdadeiro, puro, seria possível apenas na
relação entre esposo e mulher, enquanto que nas demais formas de relação, apenas o
amor falso, físico, e, portanto, mais fraco. A simetria atribuída ao matrimônio falta à
relação pederasta, que só poderia acontecer em volta do prazer, em que um homem
adulto exerceria a posição de atividade e o outro, rapaz, de passividade, sendo este
considerado um fraco diante da relação. (p. 208). Plutarco não proíbe o amor aos
rapazes, mas o recoloca como algo menor.

Sob a égide da natureza, razão e Deus. A natureza que prescreve a ordem natural
das coisas; a razão que lhe fundamenta, e as leis de Deus para a salvação. Arquiteta-se, a
partir de Clemente, um castigo às tentativas de buscar prazer: aqui, se define que o
casamento possui unicamente a finalidade procriadora, proibindo-se o prazer na relação,
pois, de ordem natural, não se deve “desperdiçar a semente” (p. 33, o cuidado de si).
Dá-se um valor positivo, de bem, à abstinência. Entra-se no terreno das proibições, e
não mais das prescrições. Perpetua-se um discurso falocêntrico.
E um certo valor da semente em si mesma, com o que contém e o que
promete, com o que implica de sinergia entre Deus e o homem para
alcançar o seu fim natural, que torna ilegítimo e “injusto” que alguém
a confie seja a quem for, excepto à esposa a que está unido.
(FOUCAULT, 2018, p. 50)
Por um lado, reuniu num mesmo conjunto prescritivo uma ética do
casamento e uma economia detalhada das relações sexuais, definiu um
regime sexual do próprio casamento — enquanto os moralistas
“pagãos”, ainda quando não aceitavam as relações sexuais senão no
casamento e em vista da procriação, analisavam separadamente a
economia dos prazeres necessários ao sábio e as regras de prudência e
de conveniência próprias das relações matrimoniais. P. 63

Batismo como purificação da alma, um segundo nascimento, nascer em Cristo, e


a virgindade, que matem a carne pura, que leva o indivíduo à vida eterna ao lado de
Deus. O casamento, pois, a partir de Metódio o casamento ganha novo sentido: é para os
fracos, aqueles que não conseguem manter a pureza da carne ao escolherem a
virgindade. Virgens fazem melhor; o casamento somente o bem. (p. 182)

A nova Erótica se dirige para um amor unilateral, entre homem e mulher, o casal
do matrimônio, e a questão da abstinência sexual se organiza em torno da reciprocidade
e igualdade entre o casal:
Há-se um aumento da austeridade, como diz Foucault (2020, cuidado de si e uso
dos prazeres), em relação aos prazeres sexuais com o decorrer dos séculos, uma
crescente e cerceante forma de moral após as mudanças em torno do casamento e uma
aprimoração nas leis em respeito às mulheres, esposas.

A austeridade em relação à prática sexual e a reflexão moral, ainda, não se


concebem nos termos da moralidade cristã de certo e errado, de normal ou anormal,
impondo castigos aos pecadores. Dá-se, na verdade, ao que

Ao que se refere à cultura de si, Foucault (2020, 1998, 1985) teoriza nos três
volumes de História da Sexualidade, como sendo um conjunto de práticas de cuidado
de si, uma estilização ética da vida que objetivam tornar o sujeito cada vez melhor: para
o bem governar dos outros, dos filhos, da esposa, da casa, dos negócios, antes o homem
deve saber se governar: “[...] é sabendo se conduzir bem que ele [o governante, seja o
imperador ou o homem comum] saberá conduzir, como convém, aos outros.”
(FOUCAULT, 1985, p. 95).
A moral sexual exige, ainda e sempre, que o indivíduo se sujeite a
uma certa arte de viver que define os critérios estéticos e éticos da
existência; mas essa arte se refere cada vez mais a princípios
universais da natureza ou da razão, aos quais todos devem curvar-se e
da mesma maneira, qualquer que seja seu status. (FOUCAULT, 1985,
p. 72)

Esta cultura de si, que remota da cultura grega com estreito entrelaçamento do
pensamento médico, intensifica o cuidado com o corpo e a alma. (FOUCAULT, 1985, p.
60).
Um paradigma exposto por Michel Foucault em A Vontade do Saber (2020, p.
59) é o da ars erotica e scientia sexualis, diferentes formas de estilização da vida quanto
ao sexo e sua prática. A antiguidade e outros países asiáticos praticaram uma ars
erotica, a busca pelos prazeres, já a scientia sexualis problematiza o sexo enquanto
prática da verdade, uma vida sexual e saudável baseada na medicina, esta segunda
estilização da vida foi legada aos europeus, ao ocidente.
IDADE MÉDIA: Cristianismo
Mutabilidade esta que Foucault (2020) apresenta a partir das mudanças de
comportamentos em relação ao sexo, à obscenidade,

IDADE MODERNA: Era Vitoriana


hipótese da repressão,

Foi pelo corpo que se estabeleceu tal dispositivo. De acordo com Michael
Foucault, em História da Sexualidade - A Vontade do Saber, é deturpador dizer que o
controle dos corpos se deu de maneira capitalista, como controle da força de trabalho.
Conforme o filósofo, este dispositivo não se liga à reprodução, mas a uma valorização
do corpo como objeto do saber e elemento importante nas relações de poder. Assim,
entende-se que o dispositivo da sexualidade, elemento de disciplinarização dos corpos,
se liga ao funcionamento do corpo enquanto elemento social, de gestão da vida.
O dispositivo de sexualidade tem, como razão de ser, não o reproduzir,
mas proliferar, inovar, anexar, inventar, penetrar nos corpos de
maneira cada vez mais detalhada e controlar as populações de modo
cada vez mais global. (FOUCAULT, 2020, p. 116, grifo nosso).
Se o controle da vida social e política se dava pelo controle do corpo e da
sexualidade, a disciplinarização dos corpos, não em termos de repressão dos prazeres,
mas perpetuando à saúde e as condições de funcionamento deste corpo, todos os
dispositivos que surgiram como suporte ao controle da sexualidade – a medicalização, a
psiquiatria, a pedagogia – todos estes agiram de encontro ao cuidado do corpo. E, dentro
de uma rede de poder, foi dentro da burguesia que primeiro se instaurou o dispositivo de
sexualidade. Conforme Foucault (2020, p. 134):
[...] trata-se de uma intensificação do corpo, de uma problematização
da saúde e de suas condições de funcionamento; trata-se de novas
técnicas para maximizar a vida. Ao invés de uma repressão do sexo
das classes a serem exploradas, tratou-se, primeiro, do corpo do vigor,
da longevidade, da progenitura e da descendência das classes que
“dominavam”.
A tal forma de controlar o próprio corpo, não se pode entender como uma forma
de dominar outras classes, mas de autovalorização em relação à aristocracia. Enquanto
estes se autoafirmavam por meio do sangue, a burguesia utilizava o sexo. A partir do
século XVIII, a burguesia passa a “[...] se atribuir uma sexualidade e constituir para si, a
partir dela, um corpo específico, um corpo ‘de classe’, com uma saúde, uma higiene,
uma descendência, uma raça. [...]. O ‘sangue’ da burguesia foi seu próprio sexo.”
(FOUCAULT, 2020, p. 136)
Se através dos séculos o sexo era entendido em termos biologizantes, reduzidos
à reprodução, do qual o homem foi transformado “no filho de um sexo imperioso e
inteligível” (FOUCAULT, 2020, p. 87), estudos mais recentes, tais como os da filósofa
Judith Buttler (2003), Problemas de gênero, questionam este “imperioso” também como
uma construção social.
Por meio deste percurso, percebe-se que desde a antiguidade greco-romana
sempre houve um certo desprezo por traços de feminilidades em homens. A partir da
mínima percepção de que estes pudessem se colocar como mulheres e voluntariamente
se furtarem dos poderes da virilidade, exclua-o.
De base falocêntrica, nossa sociedade privilegia o homem cuja performance de
gênero corresponda à masculinidade hegemônica, um conjunto de atos performativos
que colocam o ser masculino dentro da expectativa daquilo o que se espera do ser
homem. Independente da orientação sexual, a construção cultural em torno da
sexualidade se volta para a performance de gênero, embasada nos pilares tradicionais
das identidades autenticadas, sustentados pela negação de formas de vivências
diferentes das estabelecidas pela idealização do dispositivo de reprodução.

AS REFERÊNCIAS DE FOUCUALT (1998), DEVEM SER COLOCADAS EM


2020 e revistas as páginas da citação.
FOUCAULT
DOVER
SALLES E CECCARELLI

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