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Antiguidade
Herbert Emanuel
Uma das pretensas “definições” acima que mais nos chamou a atenção, é a
afirmativa de que a prostituta seria uma pessoa destituída de qualquer
sentimento, incapaz de estabelecer uma cartografia afetiva com quem quer que
seja. A partir desta perspectiva, seria impossível pensar na prostituta como uma
pessoa que tal como nós, ama, apaixona-se, e que, portanto, está sujeita a todas
as dificuldades e impasses que esse ato significa. Na verdade, para entendermos
melhor esse tipo de preconceito, faz-se necessário pensar um pouco esta relação
entre sexo amor no mundo ocidental.
Os gregos, antes de Platão (e até mesmo na sua época) não costumavam separar
essas duas coisas: sexo e amor. Segundo Michel Foucault, os gregos possuíam
uma ética sexual muito rígida, que estabelecia os padrões de comportamento
quanto ao “uso dos prazeres”.
Uma ética que era muito mais uma estética sexual, isto é, uma erótica, entendida
como sendo a arte refletida do amor e, singularmente do amor pelos rapazes. E
em que consistia essa erótica? Segundo ainda Foucault, quatro características a
determinam:
A dissimetria das idades: Sempre um mais jovem (que ainda não
ganhou a maturidade política) com um mais velho (que já atingiu a
maioridade política), estabelecendo-se entre ambos papéis sexuais muito
bem definidos. O jovem, o erômeno (amado) será sempre passivo com
relação ao mais velho, o erasta (o amante).
A arte de cortejar: Oferecer presentes, prestar auxílios, inclusive,
pedagógico.
A liberdade: Marca uma distinção fundamental em relação ao
casamento; o jovem é livre para aceitar ou não ser cortejado.
A temporalidade: O tempo de duração do amor. A navalha que cortava
os primeiros fios de barba do jovem grego, que marcava a passagem da
adolescência para a vida adulta, era a mesma que cortava os fios do
amor. Era preciso estar preparado para essa separação. O amor deveria
transformar-se em amizade, eros em filia.
Em suma, a erótica grega era uma arte de amar, visava demarcar os limites entre
o bom e o mau amor, o que convém e o que não convém fazer para obter o
consentimento do amado. Uma arte da conquista, portanto. E que não separa
sexo de amor, a atração pelo belo corpo. E aqui começa a diferença entre a erótica
grega e a erótica platônica. Ou melhor, a subversão da erótica grega proposta por
Platão, pela boca de Sócrates, e que irá influenciar, sobremaneira, a concepção
cristã de amor e de toda essa dicotomia de sexo x amor que virá depois.
Daí para a concepção cristã foi só um passo. E o sexo e o amor começaram a ser
percebidos como coisas bastante distintas. Quem pratica o sexo pelo sexo, é
alguém desprovido de amor? Como se traçaria uma cartografia amorosa dos(as)
chamados(as) profissionais do sexo? Prostitutos(as) não amam? O beijo na boca
seria impossível? Eis aí um tema interessante para pesquisa.
É claro que não devemos deixar de lado outros aspectos também importantes no
que diz respeito à prostituição: a relação com o cafetão/cafetina, com a polícia, a
exploração sexual, inclusive, infantil. No entanto, acreditamos que um trabalho
que dê conta da afetividade dos(as) chamados(as) profissionais do sexo, poderá
contribuir e muito para a redução do estigma social que recai sobre essas pessoas,
possibilitando-nos a pensar também esses outros aspectos acima mencionados.