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James Hillman
Digo fantasia com propósito deliberado, pois todos nós sabemos a partir de fatos
de nossa vida que o Casamento é frequentemente maçante, banal e também um ponto
crucial de agonia; a Intimidade nos leva a gaguejar, a reclamar e às lágrimas; e Liberdade,
como Erich Fromm disse há cinquenta anos, é um dos maiores medos da humanidade.
Teremos de perguntar: o que é que a alma deseja tanto que nos lança tão à beira
da expectativa? O que é esta resposta no coração que nos leva a esperar um casamento
novo, um casamento melhor, um casamento diferente, mais intimidade verdadeira, e
liberdade? Por que estes três termos? Por que não três outros mais velhos e
republicanos – Casamento, Filhos, Família? Ou outros mais novos: Relacionamento,
Divórcio, Individualidade; ou apenas dois: Intimidade e Liberdade: por que apostar no
Casamento?
Poderia haver uma maneira de manter fantasias ideais pelas quais ansiar quando
ouvimos estas palavras, mas sem sucumbir aos difíceis fatos nos quais as palavras
estariam incorporadas, especialmente quanto aos fatos do casamento?
Em resposta aos três temas do título, admito minha incompetência. É como se
eu estivesse perdido em um sonho em que eu devesse discutir em uma língua
estrangeira um tópico sobre o qual eu não tenho a menor ideia. Liberdade? Eu sou o Sr.
Burguês, culpadamente carregado com obrigações, reduzido por ansiedades sobre
promessas e horários, acorrentado por hábitos e impostos e cômodas rotinas, cercado
por convenções de valores consumistas, aparência cosméticas, e preocupações
hipocondríacas. Liberdade!
Casamento – eu bem que tentei. Fui casado por mais anos de minha vida do que
fui solteiro, e estes foram meus principais anos maduros e conscientes. Mas eu não faço
ideia do que o faz funcionar e não funcionar, ou discernir qual é qual, ou se a palavra
"funcionar" é de todo aplicável.
Diz-se que Sólon, o legislador, se recusou a definir regras para o casamento. Ele
estava tão desgastado pelo assunto ele que considerava a mulher um peso morto sobre
a vida de um homem. Platão e Licurgo tomavam o casamento apenas como um dever.
Suas leis insistem os homens se casam por amor do estado, e ordenavam punição para
aqueles que se casassem tarde ou nunca. Plutarco alerta para o dinheiro vindo de
casamento e usa a imagem de correntes para o casamento com uma mulher rica. Para
além dessas advertências para os homens, o feminismo também desnudou a miséria do
casamento para as mulheres na Antiguidade.
Em seu livro recente, From the Wrong Side1, Adolf Guggenbühl-Craig nomeia um
capítulo de "Criatividade, espontaneidade, independência: as três crianças do Diabo".
Ele estabelece de maneira bastante cruel quão perigosos e antissociais são estes lemas
da psicologia humanista corrente. Ele mostra como a nossa devoção à independência
nega a simples verdade de que todos somos profunda e necessariamente dependentes
um do outro e, eu acrescentaria, dos ambientes que sustentam nossas vidas. Ele
também clarifica que a espontaneidade da liberdade pode ser cruelmente destrutiva.
1
Adolf Guggenbühl-Craig, From the Wrong Side: A Paradoxical Approach to Psychology, trans. Gary B.
Hartmann with commentaries from Sydney Handel (Spring Publications: Woodstock, Connecticut, 1995).
Muitos atos de violência – estupros, espancamentos, suicídios, homicídios – ocorrer
repentinamente, espontaneamente. Atos livres. O que os franceses chamam de l'acte
gratuite pode surgir como um impulso da alma selvagem, não-domesticada ou
demoníaca. Ser livre não é necessariamente ser bom.
Ainda assim, o que faz a alma – que fala, por vezes, mais precisamente nas
profundezas da linguagem – querer a palavra Liberdade, que desencadeia tais
expectativas? Que tipo de forma preposicional acompanha e influencia a Liberdade?
Estar Livre de – medo, desejo e opressão, como enunciado na Carta que estabelece a
Organização das Nações Unidas após a Segunda Guerra Mundial? Ou é a Liberdade de –
escolha, oportunidade e mobilidade, ou ter acesso à linguagem política de hoje?
Ou talvez Liberdade para: fazer o que eu quiser, contratar quem eu quiser, para
mandar o chefe para aquele lugar, ir aonde eu quiser, para casar-me com quem eu
quiser – uma liberdade de agência do adulto empoderado e recuperado em terapia?
Ou, em quarto lugar, poderia ser Liberdade em? Pode parecer idiota ou
paradoxal, pois a fantasia do americano, sintetizado pelo texano, é que a liberdade é
"Não coloque uma cerca em mim". "Em" significa dentro de limites ou restrições de
algum lugar, tempo, situação, condição, como na cozinha, em uma hora, em uma
conversa, em um casamento.
Esta quarta forma preposicional, "em", em vez de estar livre de, liberdade de e
liberdade para, sugere que a alegre expectativa que emerge na alma quando o sino da
liberdade toca não nada mais é do que viver plenamente a realidade desta ou daquela
situação, tal como ela é, o que dá asas para a situação, libertando-a do desejo de estar
em outro lugar, de escapar dela, de querer mais, saciando assim o desejo da alma de
plenitude do momento presente. Como costumamos dizer? "Eu amo o que estou
fazendo... Estou totalmente na atividade". "Eu estou realmente por dentro em culinária
tex-mex; meu novo computador; em repintar a casa ". Seria isso compulsão? Vício? Ou
é a liberdade dada por amor apaixonado?
Aqui está, a propósito, é o que a alma, através da sua invenção na linguagem, diz
sobre a liberdade: as raízes indo-europeias de Livre [Free] é pri, amor, do qual Freya, o
deusa nórdica-teutônica do Amor, Fria, dia livre de Sexta-feira [Friday], assim como a
Liberdade em seu equivalente latino vem do deus Itálico Liber, que sincretizou com o
Dioniso grego, o livre fluxo de líquidos contidos no mundo das plantas, o material sexual
na medula do animal, o afrouxamento liberal dentro de qualquer momento, lugar ou
condição, o momento em que sentimos como o amamos e como ele nos ama. Sim, um
liberal deve ser tanto um grande consumidor quanto um livre amante como a direita o
declara. A etimologia também é política.
Eu acho que essa distorção da liberdade deriva dessas três formas preposicionais
já mencionadas – estar livre de, liberdade de e para. Pois estas formas preposicionais
amarram a liberdade a escolhas – como se mais escolhas, mais liberdade; amarram a
liberdade à necessidade de gratificação – como se mais gratificação rápida e completa,
mais liberdade; amarram a liberdade a oportunidades para representar fantasias – como
se quanto mais pudéssemos fazer, mais livres fôssemos. Certamente, um programa
exaustivo de múltiplas escolhas, satisfações aceleradas e hiperatividade. Um pouco
como o consumismo americano, que não promove nem o casamento, nem a intimidade.
A terapia supostamente lhe deixa ser somente quem você queira ser, totalmente
livre, e supostamente amado por ser quem se é. Esta palavra "deixar" precisa sair, sair
de cena, sair de férias ou em liberdade – tudo conduz de volta para o mesmo significado
de amor. Pois as palavras "deixar" e “acreditar” são cognatas de amor. Intimidade lhe
deixa declarar seu amor e sua crença mais profunda. Você vê por que é fácil se apaixonar
pela terapia, pelo terapeuta? E por que quando você é deixado pelo amor, já não mais
acredita em terapia?
Freya viaja em uma carruagem puxada por gatinhos. Outros nomes a configuram
como uma porca fértil, como adubo líquido, e as riquezas da terra fecunda do estábulo
e do curral. A intimidade convida a entrar as fantasias vitais doces e malcheirosas que
são as riquezas interiores de liberdade.
Bem – assim pode parecer vindo da etimologia e da mitologia, mas nós não
vivemos mais entre os vikings, ou os povos da Itália para quem Liber era uma força
amigável. Dioniso tornou-se um bêbado, uma língua imparável em uma reunião dos
Alcoolistas Anônimos. Nossa linguagem foi cristianizada juntamente com nossas terras
e costumes. Então, quando os casais tentam lançar mão da cristianização a fim de
seguirem sua felicidade ao viver mitos pagãos – como fez D. H. Lawrence e Frieda
(nomen est omen) – é mais capaz que se encontrem escorados em uma Cruz do que
brincando com Frigg.
O casamento hoje deve mais a São Paulo do que a Freya; Paulo, que disse que é
melhor casar do que queimar. O casamento é onde o fogo da liberdade extática
amortece a palidez das cinzas, onde a intimidade é somente uma necessidade carnal de
procriação, e onde a paixão das fantasias extraconjugais e pré-conjugais de intimidade
e liberdade são queimadas. O casamento como burnout. O casamento como um balde
de água fria. Que depois leva à ideia de liberdade pessoal como fuga de casamento.
Robert Stein, em seu clássico livro Incesto e Amor Humano2, e em seus vários escritos
em edições desta publicação, chama esse desejo – e problema – a de "desunião".
Desunião oferece uma fantasia de intimidade fora do casamento em tais lugares
2
Robert Stein, Incest and Human Love: The Betrayal of the Soul in Psychotherapy. 2nd ed. (Spring
Publications: Dallas, 1973, rpt 1984).
extraconjugais como o consultório do terapeuta em vez de sob o edredom da cama
marital.
Ao invés, nos privamos uns dos outros e suspeitamos uns dos outros; assim, uma
cama fria de casamento se torna um foco [hotbed] de inveja. Esquecemo-nos de que o
casamento, por seu próprio juramento de melhor a pior é um santuário em que a
exposição não só é permitida, mas absolutamente obrigatória. Portanto, o poema de
Felix Pollak, "O Sonho3":
3
Felix Pollak, Subject to Change (Juniper Press, 1978).
Sua esposa nada disse.
Ele não ousou contar a ela
tal
perigoso sonho.
Nós damos manutenção aos nossos casamentos com repressão. Não espanta
que liberdade e intimidade se tornem seus opostos.
Finalmente, agora, acredito que para além de Casamento, Intimidade, Liberdade,
esconde-se um quarto e oculto termo. Para um junguiano há sempre um quarto oculto.
Por dentro e por atrás das expectativas aspirantes da alma há uma tristeza assustadora
a partir da qual nossos três termos oferecem soluções sedutoras. Refiro-me à condição
humana da solidão.
Estamos vivendo em um século de crescente solidão corroborada pelas
estatísticas demográficas que mostram o rompimento de grandes famílias que viviam
juntas, taxa de divórcio, mulheres que devem trabalhar para manter a injusta economia
trickle-down da nação, a alienação de adolescentes, o prolongamento da existência dos
idosos, práticas racistas separatistas, a tremenda mobilidade da população e todas as
outras estatísticas sociológicas que testemunham a solidão. A idealização atual da
"comunidade" e os lemas terapêuticos sobre "relacionamentos" sustentam prolongado
testemunho de um isolamento subjacente dos indivíduos.
Não seria essa solidão cosmológica? Não viria junto do Weltbild? Como átomos
no vazio: bem podemos ser atraídos e repelidos um pelo outro, mas somos
inerentemente não-relacionados. Não seria a solidão epistemológica? Porque somos
nada além de um par de olhos que percebem, protuberâncias de um cérebro que
processa, observando um mundo em que habitamos, mas não necessariamente nele. A
solidão vem com a forma com que temos mapeado o território, de modo que a solidão
dificilmente poderia ser remediada por medidas pessoais. Nenhum casamento,
nenhuma intimidade e nenhum exercício da liberdade pessoal pode ensinar suas raízes
que se estendem por toda a cosmologia ocidental.
E, desta maneira, a sua solidão e a minha falam de uma separação ainda mais
fundamental – o exílio do próprio cosmos, dos deuses e daimones e antepassados, e dos
rituais que dão sustentação para o mundo, que é também o mundo deles, intimamente
compartilhado. Dentro dos meus e dos seus desejos de relacionamento está aquele
anseio de relacionamento com eles que sustentam a vida, que dão nossas vidas aos seus
mitos, que nos fornecem suas verdades, que nos fazem habitar sua natureza e governar
suas obras.
Eles não garantem bênçãos - mais uma vez testemunham os gregos. Destruição
e desastre também partem de suas mãos. E eles certamente não são livres em qualquer
sentido passageiro ou texano de liberdade, pois os deuses também estão vinculados à
ordem cósmica. Pelo menos, entretanto, a intimidade com eles melhora o anseio que
trazemos para a fantasia do casamento e que seus fatos não atenuam. Apenas esta
solidão, essa busca por abrigar união, como Robert Stein revelou tão pungentemente
em seus escritos, faz com que nossos casamentos demasiadamente humanos
desmoronem e amplia a ilusão de que estar "solteiro" é tanto encontrar intimidade
quanto ser livre.
Embora eu não possa consertar o que está errado ou constatar o que está certo,
eu posso pelo menos atentar para aquela pequena preposição em. Quanto mais ficamos
em e quanto mais avançamos em, mais liberdade podemos encontrar e mais deuses
podemos descobrir. O lado em do casamento seria como a representação
surpreendente de Sócrates no final do Simpósio [217a] (um diálogo sobre o amor e
intimidade). O invólucro "feio" do ser humano (Sócrates) tem "pequenas imagens
dentro... Tão divinas, tão douradas, tão bonitas e totalmente incríveis".
Esta é a intimidade que cobiçam e que podem encontrar – intimidade com eles
"tão totalmente incrível", e também com eles em suas formas monstruosas, aliviando o
pessoal das exigências para curar o casamento de suas peculiaridades e patologias. Você
não pode curar os deuses – então pare de tentar mudar o seu parceiro. A intimidade
com ele convida uma liberdade de comércio entre o seu mundo e o nosso, entre o
humano e o inumano, entre a fantasia e a realidade. Os imortais inumanos e impessoais
ocupam quartos nas fragilidades pessoais da família humana, compartilhando cama e
mesa, e tédio, libertando os chefes de família do trabalho tão duro no casamento. Eu
acho que é isso que os casados mais querem.