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Casamento, intimidade, liberdade

James Hillman

Tradução: Daniel Françoli Yago

A força do título – essas três pequenas palavras, "Casamento, Intimidade, Liberdade",


assim como outras três palavras, "eu te amo", tocam acordes tão profundos. Mas que
fantasia extraordinariamente poderosa está em atuação aqui! Quanto anseio é agitado!
Ah, se apenas...

Digo fantasia com propósito deliberado, pois todos nós sabemos a partir de fatos
de nossa vida que o Casamento é frequentemente maçante, banal e também um ponto
crucial de agonia; a Intimidade nos leva a gaguejar, a reclamar e às lágrimas; e Liberdade,
como Erich Fromm disse há cinquenta anos, é um dos maiores medos da humanidade.

Deste modo, as realidades do Casamento, da Intimidade e da Liberdade como


eventos que tentamos viver na prática e clarificar nos conceitos são bastante distintas
das esperanças e desejos gerados na alma pelas fantasias de Casamento, Intimidade e
Liberdade. Precisamente aqui reside o mistério: na estranha disjunção entre Fato e
Fantasia; e precisamente aqui há a miséria, na tentativa de forçar os fatos no encaixe da
fantasia, ou sardonicamente abandonar a fantasia por completo.

Teremos de perguntar: o que é que a alma deseja tanto que nos lança tão à beira
da expectativa? O que é esta resposta no coração que nos leva a esperar um casamento
novo, um casamento melhor, um casamento diferente, mais intimidade verdadeira, e
liberdade? Por que estes três termos? Por que não três outros mais velhos e
republicanos – Casamento, Filhos, Família? Ou outros mais novos: Relacionamento,
Divórcio, Individualidade; ou apenas dois: Intimidade e Liberdade: por que apostar no
Casamento?

Poderia haver uma maneira de manter fantasias ideais pelas quais ansiar quando
ouvimos estas palavras, mas sem sucumbir aos difíceis fatos nos quais as palavras
estariam incorporadas, especialmente quanto aos fatos do casamento?
Em resposta aos três temas do título, admito minha incompetência. É como se
eu estivesse perdido em um sonho em que eu devesse discutir em uma língua
estrangeira um tópico sobre o qual eu não tenho a menor ideia. Liberdade? Eu sou o Sr.
Burguês, culpadamente carregado com obrigações, reduzido por ansiedades sobre
promessas e horários, acorrentado por hábitos e impostos e cômodas rotinas, cercado
por convenções de valores consumistas, aparência cosméticas, e preocupações
hipocondríacas. Liberdade!

Quanto à intimidade, eu fujo dela. Não é da sua conta. Frequentemente me


posiciono na imprensa contra os cultos contemporâneos da intimidade, os vislumbres
compartilhados, confessionais e reveladores dignos de inconsequente infância. Eu
considero que nossa civilização está capturada pelas minúcias da biografia íntima,
pessoas querendo fofocar sobre eles próprias (nem mesmo mais sobre seu vizinho!) e,
em seguida, chamando essa fofoca de "recuperação". Toda essa intimidade em um
mundo onde existem questões públicas terríveis e desesperadoras à espera.

Casamento – eu bem que tentei. Fui casado por mais anos de minha vida do que
fui solteiro, e estes foram meus principais anos maduros e conscientes. Mas eu não faço
ideia do que o faz funcionar e não funcionar, ou discernir qual é qual, ou se a palavra
"funcionar" é de todo aplicável.

Talvez eu hesite em discutir o casamento porque eu me volto para os gregos em


busca de padrões arquetípicos. Exceto, talvez, por Fílemon e Baucis, todas histórias de
horror: Clitemnestra; Medeia e Jasão; Fedra e a bagunça daquela casa; Príamo e suas
concubinas; os maridos frustrados da Lisístrata. Pense em Sócrates e Xântipe. Quanto a
essa versão pop de um casal devotado (Penélope e Ulisses), ele cedeu a Calipso por sete
anos, enquanto ela se divertia em sua casa com inumeráveis "pretendentes" sem nome.
Além disso, esse é um casamento de um casal que ficou separado por vinte anos! As
grandes deusas – Ártemis, Atena, Afrodite, Héstia – ficaram limpas de casamento,
enquanto que o casamento de Perséfone e Hades era gasto um terço do tempo no
Inferno, entre espectros dos mortos e nenhuma luz do dia.

Diz-se que Sólon, o legislador, se recusou a definir regras para o casamento. Ele
estava tão desgastado pelo assunto ele que considerava a mulher um peso morto sobre
a vida de um homem. Platão e Licurgo tomavam o casamento apenas como um dever.
Suas leis insistem os homens se casam por amor do estado, e ordenavam punição para
aqueles que se casassem tarde ou nunca. Plutarco alerta para o dinheiro vindo de
casamento e usa a imagem de correntes para o casamento com uma mulher rica. Para
além dessas advertências para os homens, o feminismo também desnudou a miséria do
casamento para as mulheres na Antiguidade.

Zeus e Hera, no entanto, oferecem uma história mais complexa e divertida.


Edições baratas que nos dizem que ele era um mulherengo, um "animal" real e ela era
uma megera furiosamente possessiva perdem o fato de que juntos, como um sizígia,
eles apresentam a tensão arquetípica, tão louca de se viver, de todos os nossos três
temas. Eles têm intimidade, mas a ideia dela de casamento é contra a ideia dele de
liberdade; enquanto a ideia dela de liberdade é fazer suas coisas fora do casamento. Os
nossos limites humanos não retêm o fato de que Zeus e Hera podem combinar. Eles
seguem eternamente com suas vendas; nós nos divorciamos. Assim, quero encontrar
outros padrões, outros mitos. Por uma vez estar livre dos gregos.

Nós já estamos em um dos nossos tópicos: Liberdade. Continuemos com ele.


Como costumamos imaginá-la: uma asa de pássaro, as leves sandálias de Hermes
voando, puer, escapes de Tricker, escapes de artista, excitação libidinal sem entraves.
Desimpedida, desinibida, imprevisível, destravada, desacorrentada. Não coloque cercas
em mim. Sem regras, sem escrúpulos, sem destino. É esta a visão de liberdade
informando as mentes dos fundadores de nossa República?

Em seu livro recente, From the Wrong Side1, Adolf Guggenbühl-Craig nomeia um
capítulo de "Criatividade, espontaneidade, independência: as três crianças do Diabo".
Ele estabelece de maneira bastante cruel quão perigosos e antissociais são estes lemas
da psicologia humanista corrente. Ele mostra como a nossa devoção à independência
nega a simples verdade de que todos somos profunda e necessariamente dependentes
um do outro e, eu acrescentaria, dos ambientes que sustentam nossas vidas. Ele
também clarifica que a espontaneidade da liberdade pode ser cruelmente destrutiva.

1
Adolf Guggenbühl-Craig, From the Wrong Side: A Paradoxical Approach to Psychology, trans. Gary B.
Hartmann with commentaries from Sydney Handel (Spring Publications: Woodstock, Connecticut, 1995).
Muitos atos de violência – estupros, espancamentos, suicídios, homicídios – ocorrer
repentinamente, espontaneamente. Atos livres. O que os franceses chamam de l'acte
gratuite pode surgir como um impulso da alma selvagem, não-domesticada ou
demoníaca. Ser livre não é necessariamente ser bom.

Ainda assim, o que faz a alma – que fala, por vezes, mais precisamente nas
profundezas da linguagem – querer a palavra Liberdade, que desencadeia tais
expectativas? Que tipo de forma preposicional acompanha e influencia a Liberdade?
Estar Livre de – medo, desejo e opressão, como enunciado na Carta que estabelece a
Organização das Nações Unidas após a Segunda Guerra Mundial? Ou é a Liberdade de –
escolha, oportunidade e mobilidade, ou ter acesso à linguagem política de hoje?

Ou talvez Liberdade para: fazer o que eu quiser, contratar quem eu quiser, para
mandar o chefe para aquele lugar, ir aonde eu quiser, para casar-me com quem eu
quiser – uma liberdade de agência do adulto empoderado e recuperado em terapia?

Ou, em quarto lugar, poderia ser Liberdade em? Pode parecer idiota ou
paradoxal, pois a fantasia do americano, sintetizado pelo texano, é que a liberdade é
"Não coloque uma cerca em mim". "Em" significa dentro de limites ou restrições de
algum lugar, tempo, situação, condição, como na cozinha, em uma hora, em uma
conversa, em um casamento.

Esta quarta forma preposicional, "em", em vez de estar livre de, liberdade de e
liberdade para, sugere que a alegre expectativa que emerge na alma quando o sino da
liberdade toca não nada mais é do que viver plenamente a realidade desta ou daquela
situação, tal como ela é, o que dá asas para a situação, libertando-a do desejo de estar
em outro lugar, de escapar dela, de querer mais, saciando assim o desejo da alma de
plenitude do momento presente. Como costumamos dizer? "Eu amo o que estou
fazendo... Estou totalmente na atividade". "Eu estou realmente por dentro em culinária
tex-mex; meu novo computador; em repintar a casa ". Seria isso compulsão? Vício? Ou
é a liberdade dada por amor apaixonado?

Aqui está, a propósito, é o que a alma, através da sua invenção na linguagem, diz
sobre a liberdade: as raízes indo-europeias de Livre [Free] é pri, amor, do qual Freya, o
deusa nórdica-teutônica do Amor, Fria, dia livre de Sexta-feira [Friday], assim como a
Liberdade em seu equivalente latino vem do deus Itálico Liber, que sincretizou com o
Dioniso grego, o livre fluxo de líquidos contidos no mundo das plantas, o material sexual
na medula do animal, o afrouxamento liberal dentro de qualquer momento, lugar ou
condição, o momento em que sentimos como o amamos e como ele nos ama. Sim, um
liberal deve ser tanto um grande consumidor quanto um livre amante como a direita o
declara. A etimologia também é política.

Ao localizar a fonte da liberdade nas deusas do amor Frigg e Freya e na figura de


Liber, estou desunindo a ideia de liberdade do indivíduo humano. Estou
desumanizando-o. Essa localização histórica da liberdade no "eu" pessoal, em que pese
suas vantagens libertadoras e dignificantes, também resultou no atomismo competitivo
ocidental, todos nós nos desgastando em estima e empoderamento para afirmar os
direitos dele ou dela. Tais indivíduos livres, como radicais livres, não combinam em
comunidade alguma até que lhes seja forçado um contrato social que protege a
liberdade da pessoa em troca de sua submissão ao contrato. Caso contrário, a vida seria
brutal, desagradável e curta (Hobbes).

Logicamente, então, estar livre de, ter liberdade de e para dependem da


preposição em – participar no contrato, estar na polis. Só assim você estará livre do
medo e capaz de fazer o que puder. A participação no coletivo afirma seu real Si-mesmo
que eu defini em outros escritos como a internalização da comunidade. Você é sua
cidade. Assim, participação coletiva, pace Jung, não é o preço da liberdade, mas seu
verdadeiro solo. A liberdade é assegurada menos pelo exercício de sua vontade
individual em distinção da vontade dos todos e mais por pertencer ao outro. Os mitos
expressam essa pertença inata em um casamento de irmão-irmã; por exemplo, Zeus e
Hera. Nossa cerimônia de casamento chama isso de "clivagem", "até que a morte nos
separe".

Pertencer inerentemente ao outro também poderia ser chamado de Intimidade,


como descrito pelo dicionário: uma familiaridade profunda e extensa; proximidade;
completamente misto e unido. Eu estou querendo dizer agora que nossos casamentos
podem ser aliviados da postura defensiva de uma dupla nuclear, defendendo a
privacidade da violação coletiva. Dois desbravadores na pradaria, distantes, sozinhos,
apartados, empunhando espingardas, montando guarda. Este casamento de prontidão
implica um mundo ruim.

Indivíduos inerentemente separados não podem "se casar" sem desistirem de


sua definição individualista da liberdade. Assim, nossos casamentos não "funcionam" e
tampouco a liberdade social. Quanto mais "liberdade" nossa nação advoga, mais
inventamos regulamentos para ela: escutas telefônicas, vigilância de segurança,
medidas anti-liberdade, mais aprisionamentos per capita do que qualquer outra nação
na Terra, horas escolares mais longas e juventudes com toques de recolher, mais
credenciais e autorizações e licenças, bem como pressões politicamente corretivas de
todo tipo visando restringir e inibir. Estamos presos a um dilema irremovível: quanto
mais afirmamos a liberdade pessoal, menos a possuímos. Quanto mais exigimos
garantias da sociedade, menos sentimos liberdade para sermos quem somos. O que
começa como pessoalmente inato e inalienável torna-se depende de sistemas
impessoais e externos.

Eu acho que essa distorção da liberdade deriva dessas três formas preposicionais
já mencionadas – estar livre de, liberdade de e para. Pois estas formas preposicionais
amarram a liberdade a escolhas – como se mais escolhas, mais liberdade; amarram a
liberdade à necessidade de gratificação – como se mais gratificação rápida e completa,
mais liberdade; amarram a liberdade a oportunidades para representar fantasias – como
se quanto mais pudéssemos fazer, mais livres fôssemos. Certamente, um programa
exaustivo de múltiplas escolhas, satisfações aceleradas e hiperatividade. Um pouco
como o consumismo americano, que não promove nem o casamento, nem a intimidade.

A única maneira que eu posso imaginar remover o irremovível é conectar a


liberdade à quarta forma preposicional, em. Só mudando a ideia de liberdade para uma
base nos mitos e nas figuras da alma, como um fermento cósmico inato, que poderá a
liberdade ser percebida em seu sentido original de potencial extática, de potencial
orgástico que vitaliza qualquer escolha, satisfação ou oportunidade. Esta noção libidinal
de liberdade foi desenvolvida pela esquerda freudiana de Reich, Marcuse e Norman
Brown e testemunhada muito antes por místicos cristãos, sufi e hassídicos em seus
deleites exaltados e torturados.
A liberdade como o sumo mais profundo do amor íntimo, a deusa Freya é a
qualquer momento capaz de abençoar qualquer situação, e nos conduz diretamente à
intimidade como o lugar onde a liberdade pode totalmente florescer. Abrindo o coração,
a barriga, a mente, através da boca. Fluxo ininterrupto. Libido à solta – a libido de lábios
[grego], escorrendo, jorrando. "Eu nunca disse isso antes". "Diga-me, fale o que quiser".
"Eu me sinto mais livre do que nunca na minha vida". "Faça o que quiser comigo". "Deixe
ir, deixe ir." Estes são os discursos de intimidade – e da liberdade. Não estranha que a
“talking cure" de Freud funcionou na Viena burguesa do século XIX: ofereceu tanto
liberdade quanto intimidade. Dizer o que vem à mente sem restrição convida Freya ao
divã. É claro que o que saiu foi o erótico, o sexual. Não a posterior análise apolínea do
discurso ou o heuriskein edipiano (descobrindo seus atos passados através do “conhece-
te a ti mesmo”), mas Liber liberto, a soltura da boca por meio da liberdade da língua
com o vinho e o whisky. Afrodite afrouxando o cinto; Dioniso, “o Libertador”. (E Dioniso,
você pode se lembrar, era tanto o Senhor das Almas quanto o único deus, exceto Zeus,
a ter uma esposa, Ariadne, com quem permaneceu casado).

A terapia supostamente lhe deixa ser somente quem você queira ser, totalmente
livre, e supostamente amado por ser quem se é. Esta palavra "deixar" precisa sair, sair
de cena, sair de férias ou em liberdade – tudo conduz de volta para o mesmo significado
de amor. Pois as palavras "deixar" e “acreditar” são cognatas de amor. Intimidade lhe
deixa declarar seu amor e sua crença mais profunda. Você vê por que é fácil se apaixonar
pela terapia, pelo terapeuta? E por que quando você é deixado pelo amor, já não mais
acredita em terapia?

Que a intimidade tenha um significado sexual é algo arquetípica e miticamente


apropriado. "Você tem relacionamentos íntimas?", pergunta o advogado no julgamento,
o repórter de notícias. Intimidade significa relações sexuais; relações genitais; intercurso
como comunhão da seiva líquida da vida. "Livre" de Freya e Frigg. Essas deusas nórdicas
derivam seus nomes da mesma raiz indo-europeia, prij, amor e prij é também a raiz de
pau e Príapo. "Amigo" também vem dessa raiz, o amigo com quem se pode ser
verdadeiramente íntimo.

Freya viaja em uma carruagem puxada por gatinhos. Outros nomes a configuram
como uma porca fértil, como adubo líquido, e as riquezas da terra fecunda do estábulo
e do curral. A intimidade convida a entrar as fantasias vitais doces e malcheirosas que
são as riquezas interiores de liberdade.

Estas deusas da liberdade, Freya e Frigg, também fornecem bênçãos de


casamento na mitologia nórdica. Imaginem: a liberdade e o casamento sob a mesma
égide! Dentro desta configuração, um casamento estável seria de fato um casamento
de estábulo. O casamento se torna, portanto, o lugar da liberdade e intimidade, o lugar
onde permissão é dada para o pau, a porca e o gatinho, onde "eu deixo você" ser como
você é, uma deixa que é a essência do amor. Conceder licença é dar amor. O estado
abençoado de matrimônio por elas dado abençoa todas as liberdades do curral priápico
da vida íntima.

Bem – assim pode parecer vindo da etimologia e da mitologia, mas nós não
vivemos mais entre os vikings, ou os povos da Itália para quem Liber era uma força
amigável. Dioniso tornou-se um bêbado, uma língua imparável em uma reunião dos
Alcoolistas Anônimos. Nossa linguagem foi cristianizada juntamente com nossas terras
e costumes. Então, quando os casais tentam lançar mão da cristianização a fim de
seguirem sua felicidade ao viver mitos pagãos – como fez D. H. Lawrence e Frieda
(nomen est omen) – é mais capaz que se encontrem escorados em uma Cruz do que
brincando com Frigg.

O casamento hoje deve mais a São Paulo do que a Freya; Paulo, que disse que é
melhor casar do que queimar. O casamento é onde o fogo da liberdade extática
amortece a palidez das cinzas, onde a intimidade é somente uma necessidade carnal de
procriação, e onde a paixão das fantasias extraconjugais e pré-conjugais de intimidade
e liberdade são queimadas. O casamento como burnout. O casamento como um balde
de água fria. Que depois leva à ideia de liberdade pessoal como fuga de casamento.
Robert Stein, em seu clássico livro Incesto e Amor Humano2, e em seus vários escritos
em edições desta publicação, chama esse desejo – e problema – a de "desunião".
Desunião oferece uma fantasia de intimidade fora do casamento em tais lugares

2
Robert Stein, Incest and Human Love: The Betrayal of the Soul in Psychotherapy. 2nd ed. (Spring
Publications: Dallas, 1973, rpt 1984).
extraconjugais como o consultório do terapeuta em vez de sob o edredom da cama
marital.

Stein, um homem adorável e um terapeuta corajosamente original e sensível, diz


há anos que os problemas básicos que encontramos na terapia, as confusões básicas das
vidas humanas, começam em casamento. Concordo com ele porque o casamento, que
para começar é uma bagunça arquetípica – como uma conjuração de opostos
incompatíveis –, é tornado ainda mais insuportável pela nossa versão paulina repressiva
e negativista deste conjunto. O estado abençoado – e onde há bênçãos há também
maldições – do matrimônio é teologicamente amaldiçoado desde o início. Mesmo sua
intimidade foi diminuída; tão frequentemente que o que um traz do lugar mais sagrado
da alma é temido pelo outro como uma ameaça. "Eu nunca poderia dizer isso para minha
esposa". "Meu marido simplesmente não querem ouvir falar de tais coisas ...".

Ao invés, nos privamos uns dos outros e suspeitamos uns dos outros; assim, uma
cama fria de casamento se torna um foco [hotbed] de inveja. Esquecemo-nos de que o
casamento, por seu próprio juramento de melhor a pior é um santuário em que a
exposição não só é permitida, mas absolutamente obrigatória. Portanto, o poema de
Felix Pollak, "O Sonho3":

Ele sonhou com


uma janela aberta.
Uma vagina, disse
seu psiquiatra.
Seu divórcio, disse
sua amante.
Suicídio, disse
uma voz sinistra dentro dele.
Significa que você precisa fechar a janela
ou vai pegar um resfriado, disse
sua mãe.

3
Felix Pollak, Subject to Change (Juniper Press, 1978).
Sua esposa nada disse.
Ele não ousou contar a ela
tal
perigoso sonho.

Nós damos manutenção aos nossos casamentos com repressão. Não espanta
que liberdade e intimidade se tornem seus opostos.
Finalmente, agora, acredito que para além de Casamento, Intimidade, Liberdade,
esconde-se um quarto e oculto termo. Para um junguiano há sempre um quarto oculto.
Por dentro e por atrás das expectativas aspirantes da alma há uma tristeza assustadora
a partir da qual nossos três termos oferecem soluções sedutoras. Refiro-me à condição
humana da solidão.
Estamos vivendo em um século de crescente solidão corroborada pelas
estatísticas demográficas que mostram o rompimento de grandes famílias que viviam
juntas, taxa de divórcio, mulheres que devem trabalhar para manter a injusta economia
trickle-down da nação, a alienação de adolescentes, o prolongamento da existência dos
idosos, práticas racistas separatistas, a tremenda mobilidade da população e todas as
outras estatísticas sociológicas que testemunham a solidão. A idealização atual da
"comunidade" e os lemas terapêuticos sobre "relacionamentos" sustentam prolongado
testemunho de um isolamento subjacente dos indivíduos.
Não seria essa solidão cosmológica? Não viria junto do Weltbild? Como átomos
no vazio: bem podemos ser atraídos e repelidos um pelo outro, mas somos
inerentemente não-relacionados. Não seria a solidão epistemológica? Porque somos
nada além de um par de olhos que percebem, protuberâncias de um cérebro que
processa, observando um mundo em que habitamos, mas não necessariamente nele. A
solidão vem com a forma com que temos mapeado o território, de modo que a solidão
dificilmente poderia ser remediada por medidas pessoais. Nenhum casamento,
nenhuma intimidade e nenhum exercício da liberdade pessoal pode ensinar suas raízes
que se estendem por toda a cosmologia ocidental.
E, desta maneira, a sua solidão e a minha falam de uma separação ainda mais
fundamental – o exílio do próprio cosmos, dos deuses e daimones e antepassados, e dos
rituais que dão sustentação para o mundo, que é também o mundo deles, intimamente
compartilhado. Dentro dos meus e dos seus desejos de relacionamento está aquele
anseio de relacionamento com eles que sustentam a vida, que dão nossas vidas aos seus
mitos, que nos fornecem suas verdades, que nos fazem habitar sua natureza e governar
suas obras.
Eles não garantem bênçãos - mais uma vez testemunham os gregos. Destruição
e desastre também partem de suas mãos. E eles certamente não são livres em qualquer
sentido passageiro ou texano de liberdade, pois os deuses também estão vinculados à
ordem cósmica. Pelo menos, entretanto, a intimidade com eles melhora o anseio que
trazemos para a fantasia do casamento e que seus fatos não atenuam. Apenas esta
solidão, essa busca por abrigar união, como Robert Stein revelou tão pungentemente
em seus escritos, faz com que nossos casamentos demasiadamente humanos
desmoronem e amplia a ilusão de que estar "solteiro" é tanto encontrar intimidade
quanto ser livre.
Embora eu não possa consertar o que está errado ou constatar o que está certo,
eu posso pelo menos atentar para aquela pequena preposição em. Quanto mais ficamos
em e quanto mais avançamos em, mais liberdade podemos encontrar e mais deuses
podemos descobrir. O lado em do casamento seria como a representação
surpreendente de Sócrates no final do Simpósio [217a] (um diálogo sobre o amor e
intimidade). O invólucro "feio" do ser humano (Sócrates) tem "pequenas imagens
dentro... Tão divinas, tão douradas, tão bonitas e totalmente incríveis".
Esta é a intimidade que cobiçam e que podem encontrar – intimidade com eles
"tão totalmente incrível", e também com eles em suas formas monstruosas, aliviando o
pessoal das exigências para curar o casamento de suas peculiaridades e patologias. Você
não pode curar os deuses – então pare de tentar mudar o seu parceiro. A intimidade
com ele convida uma liberdade de comércio entre o seu mundo e o nosso, entre o
humano e o inumano, entre a fantasia e a realidade. Os imortais inumanos e impessoais
ocupam quartos nas fragilidades pessoais da família humana, compartilhando cama e
mesa, e tédio, libertando os chefes de família do trabalho tão duro no casamento. Eu
acho que é isso que os casados mais querem.

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