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O que é afinal complexo de Édipo?

Freud extrai o mito de Édipo da tragédia de Sófocles e, daí em diante,


torna-o conhecido em todo lugar. Hoje em dia, a banalização do
complexo contrasta diametralmente com o que Freud diz quando
afirma que nenhuma descoberta havia provocado uma oposição tão
firme. Logo, seria elevado à categoria de característica identificadora
da comunidade analítica como traço definidor de sua pertinência.
Freud afirma que, historicamente, o reconhecimento do Édipo se
transformou na senha que distingue os partidários da psicanálise de
seus adversários.
Freud fala do Édipo pela primeira vez em 15 de outubro de 1897.
Trata-se de um momento muito particular, visto que, dias antes, ele
diz a Fliess que já não acredita em sua neurótica. Assim, cai a teoria
da sedução como o pilar que sustentava a etiologia da neurose. O
Édipo estará no lugar desse alicerce derrubado: “Um só pensamento
de validez universal me foi dado. Também em mim encontrei a
paixão pela mãe e o ciúme do pai e, agora, considero-o um
acontecimento universal da primeira infância”.
No entanto, se analisarmos determinados textos, advertiremos que
Freud considera que o complexo de Édipo tem uma função de
desconhecimento. Na conferência XXI (vol. XVI), diz:
Na época em que a mãe se torna objeto de amor, já começou
no menino o trabalho psíquico da repressão, que subtrai de seu
saber o conhecimento de uma parte de suas metas sexuais. Pois
bem, a essa escolha da mãe como objeto de amor se soma tudo
que o esclarecimento psicanalítico das neuroses trouxe sob o
nome de “complexo de Édipo”.
O amor edipiano supõe, então, um trabalho de subtração e de
repressão das metas pulsionais. Por exemplo, para entender a
maneira como opera essa elisão, vale recordar o que Freud diz em
outro texto: “Acredito, por estranho que pareça, que deveríamos nos
ocupar do fato de que haja algo na natureza da pulsão sexual em si
desfavorável à obtenção de uma satisfação plena”. A proibição do
prazer, centro do complexo, vela, assim, a impossibilidade de gozo
pleno; em outras palavras, o prazer interdito conduz à suposição de
que tal gozo seria possível se não fosse vetado.
Você sabia que… Lévi-Strauss descobre que a proibição do
incesto tem um caráter universal que se manifesta de maneiras
diferentes nas diversas culturas e, assim, marca a passagem da
natureza à cultura?
O complexo de Édipo é uma noção tão central na psicanálise quanto
a universalidade da proibição do incesto à qual está ligado.
Poderíamos pensar que Freud teria elevado uma descoberta feita
sobre si mesmo em sua autoanálise à dimensão de um universal para
o inconsciente, procedendo por um caminho indutivo: de seu caso
particular conclui uma regra universal. Esse é o trajeto que ele
desaconselha em relação a cada análise, visto que recomenda ao
analista tomar cada caso como único e esquecer o geral e o
aprendido em outros casos. Se o Édipo é a estrutura comum a todos,
acaso essa estrutura não mascara o prazer mais íntimo, mais singular,
mais secreto, dissimulado nos motivos edipianos que o sujeito
compartilha com seus congêneres?
O alcance universal do complexo indica um universal montado no pai,
aquele que interdita, morto, objeto finalmente de ódio e de amor. O
complexo nuclear da neurose abriga, assim, profundas raízes
religiosas que Freud não deixa escapar quando afirma que no Édipo
se encontra a origem da religião, da ética e da moral. Já São Paulo, na
passagem mais famosa de seus escritos, os versículos 8-10 do
capítulo 7 da Epístola aos Romanos (Bíblia Sagrada, 2015), afirma que
não há pecado anterior nem independente da Lei; a Lei, pois, cria o
pecado, ou melhor, ela cria o pecado ao proibir o desejo: “Mas o
pecado, tomando ocasião pelo mandamento, operou em mim toda a
concupiscência; porquanto sem a lei estava morto o pecado. E eu,
nalgum tempo, vivia sem lei, mas, vindo o mandamento, reviveu o
pecado, e eu morri. E o mandamento que era para vida, achei eu que
me era para morte”.
São Paulo ilustra de maneira exemplar nessa frase o circuito da
morbidade mortificante da proibição e do desejo. A interdição cria o
pecado ao constituir o prazer como ilícito e culpado.
Paradoxalmente, transgredir a lei não quer dizer outra coisa que ser
obediente a seus desígnios, ver-se compelido irremediavelmente a
desejar o proibido, alienar-se inexoravelmente no desejo do Outro.
O horror à ideia do incesto conflui com a atração que gera, produto
da mesma proibição. Vencer esse horror implicaria necessariamente
transpassar o complexo de Édipo, afirmação de um prazer não
baseado na transgressão.
Lacan situa no fim da análise um amor fora dos limites da lei, o qual
podemos pensar como não amarrado a esse circuito: mais além, pois,
do desejo transgressor gerado pela Lei; mais além, então, do
complexo de Édipo. Quanto a Freud, podemos pensar em uma
direção similar quando diz que o homem deve vencer o horror ao
incesto com a mãe ou com a irmã. É interessante rastrear o contexto
no qual ele chega a essa conclusão. A proibição edipiana produz em
muitos sujeitos um desdobramento da vida amorosa, personificada
na arte pelo amor divino e o terreno: se amam uma mulher, não a
desejam e, se a desejam, não podem amá-la. Assim, degradam o
objeto sexual e supervalorizam o amado, próximo à mãe. A mulher
amada é, por essa proximidade, um objeto proibido com quem não
pode haver prazer sexual, confinado a se destinar sem escrúpulos à
mulher degradada. Freud considera possível – com Lacan – um amor
além da lei quando, diante do mencionado imbróglio, diz: “Embora
pareça desagradável, e além de tudo paradoxal, é preciso afirmar
que, para poder ser verdadeiramente livre e, com isso,
verdadeiramente feliz na vida erótica, é preciso ter vencido o
respeito à mulher e o horror à ideia do incesto com a mãe ou com a
irmã”.
O complexo de Édipo é a representação inconsciente por meio da
qual se expressa o desejo sexual ou amoroso da criança relativo ao
progenitor do sexo oposto e sua hostilidade em relação ao de seu
mesmo gênero. Tal posição pode ser inversa e, então, se chama
“Édipo invertido”. O complexo de Édipo aparece entre os 3 e os 5
anos, e sua declinação abre o período de latência. Sua resolução
depois da puberdade se concretiza em um novo tipo de escolha de
objeto.

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