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AS LEIS EM ISRAEL

O Pentateuco, com suas narrativas históricas, está recheado de leis e normas que
orientaram e orientam a vida do povo judeu até hoje. Estas leis nasceram na caminhada
histórica do povo. Foram sendo elaboradas, interpretadas, re elaboradas e atualizadas
para ajudar a ter sempre mais vida. Voltar a estas origens poderá nos ajudar a melhor
entender o que significado dos diferentes códigos que se encontram nos primeiros cinco
livros da Bíblia.
Os códigos legais representam uma parte considerável do Pentateuco:  As Dez
Palavras ou Decálogo ético Ex 20 e Dt 5;  Decálogo cultual Ex 34;  O decálogo
Siquemita Dt 27,15-26;  Código da Aliança Ex. 20,22 - 23,19;  Código Deuteronômico
Dt 12-26 ;  Código ou Lei da Santidade Lv. 17-26
As descobertas arqueológicas revelaram que havia muitos princípios jurídicos e muitas
leis no Antigo Oriente. Foram encontrados códigos de direito que datam
aproximadamente de um milênio anterior aos códigos que encontramos nas Escrituras.
Os sumérios, ancestrais dos Babilônios , exerciam o direito desde o século XVIII a.C.
Foram encontrados fragmentos do código de Urnammu, que datam de 2000a.C. O
famoso código de Hamurabi é de 1710 a.C. No reino de Mari também foram encontrados
documentos jurídicos.
Segundo Sellin e Fohrer, no Antigo Oriente, em princípio, o direito de legislar era de
origem divina. O rei, representante da divindade, delega seu poder aos príncipes,
governadores, e por meio destes aos juizes profissionais.
Em Israel os reis não possuem este poder. O poder é sempre de Deus. Deus escolhe os
líderes, é o caso do tempo dos juizes e o mesmo se dá na época da unção dos reis.
Ainda segundo o mesmo autor, no Antigo Oriente devemos destacar dois pontos:
A) – Os acordos políticos feitos entre os estados. A partir do 2º milênio eles crescem
em número e importância. Estes acordos seguem uma norma internacional. A celebração
destes acordos é feita diante dos deuses das respectivas partes que fazem o acordo,
com ritos e ações simbólicas. Em Gn 15 temos um exemplo de celebração de acordo
com o rito simbólico da partilha dos animais. Os dois contratantes devem passar entre os
animais. No caso de Abrão, vemos que somente Deus passa entre as partes, pois o ser
humano é muito vulnerável para manter suas promessas e se o fizesse, por certo
pereceria no meio do fogo.
B) – Em geral a prática jurídica não se apoia em códigos legais, mas no direito fixado e
transmitido pelos costumes = leis consuetudinárias = para os quais possivelmente
existem coleções de sentenças em cada cidade. Os códigos legais que chegaram até nós
não dão conta de todo o direito vigente no Antigo Oriente. Eles servem para fundamentar
as reformas legislativas, nas quais as sentenças normativas modificam as sentenças
antigas e são emitidas pelo rei, sob forma de leis. Este segundo ponto é de extrema
importância para entendermos os códigos do Primeiro Testamento, bem como o
processo de codificação pelo qual passaram.
Do Egito pouco chegou até nós. A administração da justiça era feita pelos subalternos. O
rei exercia a função de juiz somente em casos especiais. Há uma ordenação dos
processos em acusações e respostas que ajudavam a administrar a justiça.
Do direito hitita temos uma coleção de 200 parágrafos em 3 versões, de épocas
diferentes, mostrando a evolução da legislação da pena capital.
O direito penal hitita não usa o princípio do talião em caso de assassinato em homicídio
não premeditado. Em primeiro lugar ele procura o ressarcimento para a vítima. Os hititas
tem tratados diplomáticos de política exterior. Desenvolveram a diplomacia, colocando
sob sua dependência os estados menores como vassalos. Este esquema dos tratados
que foi por eles utilizados serviu para explicar textos da Aliança no Primeiro Testamento.
Os tratados arameus e cananeus que existem, no essencial, seguem o direito
mesopotâmico e hitita e em grande parte é encontrado no direito israelita.

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No Primeiro Testamento, as leis e os códigos, sofreram um longo processo de
compilação e transmissão, seja como códigos autônomos, antes da elaboração do
Pentateuco, seja como códigos subordinados após terem sido inseridos nas narrativas do
Pentateuco.
J.L.Sicre em seu livro: Introdução ao Antigo Testamento, conta com muita hilaridade a
história do touro de Gedeão, trazendo para os nossos dias, em forma de ‘estória’, o caso
do boi corneador, que encontramos no Código da Aliança.
Onde surgem as leis ?
As leis surgem primeiramente no âmbito da família, da clã e da tribo. São leis que
protegem a vida do grupo. Em geral elas legislam sobretudo os casos de vingança ou
seja o caso de morte de um dos membros do grupo, e as leis da hospitalidade e proteção
do estranho, ou estrangeiro.
Em seguida, outro lugar em que surgem as leis são os santuários locais, onde os levitas
passam a exercer o papel de juiz em casos que as pessoas não conseguem decidir
sozinhas.
Em terceiro lugar, as leis aparecem na corte real, com a obrigação do rei de julgar os
casos mais difíceis . cf. I Rs 3,16-28; 2 Rs. 8,4-6 etc.
Por último, ao redor do Templo de Jerusalém, onde os sacerdotes vão desempenhar
uma função também judicial, especialmente no pós-exílio.
Porque as leis se multiplicam ?
As leis são feitas para ajudar a vida do grupo. A medida que a vida se torna mais
complexa, surgem novas leis para responder às novas situações.
 Insuficiência dos grandes princípios. Em Ex. 20,13 temos não matarás. Vamos
encontrar a distinção deste princípio em Ex 21,12-15;22,1-2;21,20 etc..
Novos problemas. É o caso do touro corneador em Ex. 21,28ss.
Situações diferentes. A mudança da vida nômade para sedentária exige novas leis
sobre os campos.
Concepções teológicas diferentes: o caso do anátema quando se vence em batalha no
tempo de Saul, no tempo de Davi, com a evolução, já permite tomar posse dos despojos.
Como se formulam as leis.
As leis mais antigas são as chamadas apodíticas. Em geral a lei apodítica é incondicional
e prescreve sempre o mesmo castigo, exclusão da comunidade ou maldição ou morte.
Mas leis apodíticas podem ser proibitivas, proíbem algo, por exemplo: não matarás.
Essas são as leis mais antigas, são breves. Podem ser imperativas, como no caso: honra
teu pai e tua mãe. Ou ainda podem ser feitas a partir de um particípio em hebraico que se
torna uma oração relativa em português, por exemplo: quem ferir outro de morte, será
morto
As leis casuísticas serviam de critério para fundamentar as decisões de justiça ordinária.
O direito casuístico se distingue por 3 características: é condicional, formulado de
maneira impessoal e genérica e possui precedentes no Antigo Oriente. As leis casuísticas
se apresentam sem variante. Apresenta-se o caso concreto que vem seguido da
sentença como em Ex 22,5; 23,3-5 ou com variantes se...se...se...cf. Ex. 21, 2-4.7-11.28-
32.
A compilação é feita de modo a ajudar a memória, por exemplo, série de 10 como no
caso do decálogo ou 12 preceitos. Muitas vezes são compiladas leis de sentenças
semelhantes (Ex. 21, 12-18). Outras vezes são compiladas por conteúdo semelhantes
como em Lv. 18,6-23  leis sexuais ilícitas ou Ex. 23, 14 - 19  peregrinações anuais.
Os israelitas na época patriarcal se regem pelo “código do deserto” que possue duas
normas fundamentais:

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1 ) Hospitalidade baseada na necessidade da vida do deserto. O hóspede é acolhido
por 3 dias e acompanhado por 3 dias para sua proteção. Vemos isso em Gn 18,1-8
2) Vingança que se baseia no princípio da solidariedade tribal. Gn 24,28-32
Há autores que colocam uma terceira, a pureza de raça (cf. Gn 24) . Mas parece que ela
não é relevante pois no caso de Moisés ele se casa com uma madianita e uma cuchita.
As tribos de Judá se casam com cananéias, etc.
Moisés é o grande legislador de Israel. Quase todos os códigos lhe são atribuídos.
“Durante séculos, nos ambientes mais diversos, respondendo às necessidades de cada
dia , foram surgindo as leis de Israel. Por fim elas acabaram no Pentateuco. A maior parte
incluída na grande revelação de Deus no monte Sinai, para dar-lhes maior autoridade.
Outras, na estepe de Moab, antes da entrada na terra prometida. Não é um lugar tão
privilegiado, mas também aparecem na boca de Moisés.
A ‘lei”, então, se converte para os judeus no maior dom de Deus a seu povo, e os livros
que a contêm são os mais estimados. Inevitavelmente, a lei, inclusive a divina. corre o
perigo de provocar uma atitude legalista, onde a norma se situa acima da misericórdia e
do amor ao próximo. É o que Jesus combaterá em seus enfrentamentos com os escribas
e fariseus. Mas este perigo não nos deve fazer esquecer o enorme valor humano e
religioso destas normas recolhidas no Pentateuco.”1
Ao dizer de Sicre gostaria de acrescentar que o perigo do legalismo não se esgotou com
no tempo de Jesus. Este perigo continua a rondar nossas vidas. Estamos sempre prontos
a esquecer a misericórdia e o amor ao próximo. Como católicos do século XXI devemos
rever nosso apego a leis para poder abrir as portas aos excluídos do sistema que muitas
vezes acabam também sendo excluídos de nossas comunidades.
Bibliografia básica
SCHMIDT,W.H., Introdução ao Antigo Testamento, São Leopoldo,RS: Sinodal, 1994,
pp.110-118
SELLIN & FOHRER, Introdução ao Antigo Testamento, v. I, S. Paulo: Paulinas,1978, pp.
176-194
SICRE, José Luis, Introdução ao Antigo Testamento, Petrópolis, RJ: Vozes, 1995, pp.
110 – 112.

CETUCSAL – 2010/1° - Orientadora Ir. Judite Paulina Mayer NDS

1
Cf. J.L.SICRE, p.129

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