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Expediente
Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva
Conselho Editorial
• Eros Roberto Grau - Ministro do Supremo Tribunal Federal
• Friedrich Muller - Doutor em Direito e Professor Catedrático da Universidade de Heidelberg
• Gilmar Ferreira Mendes - Ministro do Supremo Tribunal Federal
• Ives Gandra da Silva Martins Filho - Ministro do Tribunal Superior do Trabalho
• Marcelo Dias Varella - Doutor em Direito pela Universidade de Paris e Professor dos Cursos
de Graduação e Mestrado do Centro Universitário de Brasília
• Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha - Ministra do Superior Tribunal Militar
• Mariangela Fialek - Mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo
• Menelick de Carvalho Netto - Professor Doutor da Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Minas Gerais
• Misabel Abreu Machado Derzi - Professora Doutora da Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Minas Gerais
• Pedro Marcelo Dittrich - Assessor Especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa
Civil da Presidência da República
• Roger Stiefelmann Leal - Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo e Professor do
Centro Universitário de Brasília
• Samantha Ribeiro Meyer Pflug - Doutoranda em Direito pela PUC São Paulo
Coordenador de Editoração
Beto Ferreira Martins Vasconcelos
Coordenadora Técnica
Maria Estefania Ponte Pinheiro
Projeto Gráfico
Carmen Ferreira
Desenvolvimento Web
Heloisa Neves Castro
Ricardo Antônio Aquino de Lima
Ana Cristina Rodrigues de Mendonça
Estagiária
Suellen da Silva Ferreira
Ficha Catalográfica
Gisele Leite
Resumo: Traça a evolução do contrato desde direito romano, direito medieval, Código Civil
Napoleônico até o Código Civil Brasileiro de 2002. Os princípios aplicáveis ao direito
contratual e, a transformação em instrumento mais justo e democrático de circulação de
riquezas.
1 Introdução
E, esse primeiro passo podemos perceber com a Lex Poetelia Papiria que deixa o devedor
livre (pois não mais seria escravizado ao seu credor quando se tornasse inadimplente) para
incidir sobre o patrimônio do devedor.
1
O pacto romano para se transformar em contrato dependia no direito antigo de formalidades que poderiam ser
de três espécies:
a. per aes et libram , pelo bronze e pela balança, a mais antiga solenidade conhecida e da qual deriva o nexum.
Tal figura muito similar com a mancipatio e coloca o devedor em situação das mais penosas, posto conforme
teoria predominante, o vendedor dá-se em venda (auto-mancipação) ou em penhor (auto-empenhamento) ao
credor para garantir o cumprimento de uma obrigação, que pode abranger não só o nexum, devedor, mas
também sua família;
b. actum verbis, ou seja, através das palavras solenes proferidas entre credor e devedor se caracterizava a
convenção, como na stipulatio.
c. actum litteris, vale dizer pela forma escrita ou literal. O credor faz uma inscrição num registro privado e, dessa
maneira, igualmente, concretiza-se a convenção.
Máxima não só da pacta sunt servanda que foi difundida por Beaumanoir e imortalizada por
Pothier a quem se atribuiu a crença dominante naquela época de que a convenção é lei
entre as partes.
O auge do contrato foi avivado pelo jusnaturalismo e, para os enciclopedistas do século XVII
a premissa primeira e fundamental de todos os poderes era liberdade humana. O contrato
social de Rousseau fornece a característica mentalidade da época para qual a sociedade
derivava de um contrato onde os indivíduos abdicavam de certos direitos naturais em troca
de encontrar maior segurança na vida organizada da sociedade onde outros direitos (de
deveres) lhes eram reconhecidos.
Entre os juristas a concepção de liberdade era aquela que refletia, sobretudo a liberdade
econômica, política, comercial, de produção era a liberdade conceito oposto e reagente aos
privilégios reais e nobilásticos e à fechada economia medieval encastelada nas corporações.
Nessa época tudo era contrato, o casamento, a adoção, a cidadania. O contrato em vez da
tradição ou da transcrição tinha amplíssimos poderes que podia até meso transferir
propriedade, ao contrário do que acontecia no direito romano e do que hoje temos no direito
brasileiro que permanece fiel ao seu legado romano-germânico.
O século XIX foi crucial pois trouxe relevante alteração na vida econômica-financeira e
política, o que veio modificar o sentido de liberdade. Surgiu a decantada crise do direito
privado que tanto abalou tradicionais institutos como propriedade, contrato, responsabilidade
civil e até o comércio.
2
Ora, o ideal dos pandectistas era resolver o direito dentro do direito, ou seja, dar ao direito respostas surgidas
sob o ângulo da juridicidade. Uma das coisas que esse código reconhece é que o direito não basta a si mesmo,
pois ele precisa, para atender as necessidades sociais, ter em conta os valores da ética. Rege-o um valor de
eticidade fundamental, conforme se pode ver em alguns dos dispositivos que vou citar, que reputo como
mandamentos-chave da nova codificação.
Desta forma, os mestres do direito público como Duguit e do direito privado como Josserrand
e Saleilles exigem uma renovação do direito que teve uma dicção poética e não menos
verídica de ser a “revolução dos fatos contra o direito” assim cogitada por Gaston Morin e os
novos aspectos da socialização do direito que, após meio século, seriam objeto de tantos
estudos de Georges Ripert, Pierre de Harven, Savatier entre outros e, até hoje continuam
concentrando esforços para os juristas que se destacam e se dedicam ao direito privado nos
meados do século XX.
Tantas foram as modificações sofridas pelo contrato que alguns autores vaticinaram que era
seu fim, e que o conceito original de contrato entre nós talhado pelo Código civil de 1916 não
mais existia.
A própria doutrina veio obrar distinção entre a liberdade de contratar e a liberdade contratual
o que podemos verificar positivada nos termos do art. 421 do CC Brasileiro de 2002.
Por influência dos pandectistas, o código estabelece uma sinonímia entre o jurídico e o lícito. Lícito é o que é
jurídico, jurídico é o que é lícito. Essa sinonímia foi estraçalhada, digamos assim, pelo maior jurista de nosso
século, Hans Kelsen, o qual mostrou que era necessário ampliar o conceito de norma jurídica. Norma jurídica não
é a norma sobre o lícito. Kelsen dizia, com ironia: se o lícito fosse sinônimo do jurídico, não haveria lugar para o
direito penal. O ilícito também faz parte do direito, tanto assim que é considerado pelos juízes e pelos advogados,
culminando numa decisão, numa sentença, numa sanção. Miguel Reale
(...) in
http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=133&breadcrumb=1&Artigo_ID=18
82&IDCategoria=1946&reftype=1
3
Consta, aliás, certa imprecisão terminológica no art. 421 do CC de 2002. A liberdade de contratar é ilimitada e
eis que se refere ao direito subjetivo de celebrar contrato, e é inerente a todo ser humano, por força de ditames
constitucionais. O que é contingenciada é a liberdade contratual que, em face de normas de ordem pública, será
maior ou menor.
Tal liberdade está condicionada à lei e por isto determinado contrato poderá ser considerado nulo e, não
produzirá efeitos desejados pelas partes. Então a função social atinge a liberdade contratual, diz respeito ao
objeto e conteúdo do contrato, mas não a inalienável liberdade de contratar.
Conclui-se que muitas vezes não havia mais liberdade contratual e mesmo a liberdade de contratar sofria
importantes limitações. Chega-se então a era quando se conclui que não existem direitos subjetivos absolutos e
ilimitados.
Importante ressaltar que o princípio da dignidade da pessoa humana é erigido como um dos
fundamentos da República federativa do Brasil que se constitui como Estado Democrático de
Direito (art. 1º, III da CF de 1988).
Vicente Raó com sua lapidar obra “O direito e a vida dos direitos” esclarece que atual crise
consiste apenas no reajuste, no realinhamento das normas jurídicas às condições de vida de
nossa época. São novas as premissas a guiar o conhecimento jurídico.
Daí porque o rigor positivista não é mais hábil a ser praticado, originando-se uma gleba
doutrinária chamada de neopositivistas que são mais flexíveis e sensíveis aos clamores
sociais contemporâneos.
A cláusula rebus sic stantibus oriunda do trecho de uma glosa atribuída a Nerácio
(Contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus
intelligentiur). Traduzindo literalmente: Os contratos que têm trato sucessivo ou dependência
do futuro entendem-se condicionados pela manutenção do atual estado de coisas.
Esta cláusula é de origem canônico-medieval que vem a inspirar a teoria da imprevisão que
atua como amortecedor que limita a autonomia da vontade no interesse da comutatividade
dos contratos e com a finalidade de assegurar a equivalência das prestações dos
contratantes, quando, por motivo imprevisto, uma delas se tornou excessivamente onerosa.
Prevê o Código Civil de 2002 (nos arts 317 e 478) a possível resolução dos contratos por
onerosidade excessiva nos contratos de execução continuada ou diferida. Optou o legislador
pátrio por atrelar a onerosidade excessiva à teoria da imprevisão muito embora sejam essas
conceitualmente distintas.
Pressupõe-se para a aplicação das teorias que o contrato seja bilateral ou sinalagmático,
oneroso e comutativo. Apesar de que nos contratos aleatórios como o de seguro que
possuem parte comutativa, também possam ser aplicadas. Embora muito semelhantes tais
teorias não se confundem.
Surge na Idade Média a teoria da imprevisão através da cláusula rebus sic stantibus como
forma de abrandar o rigor do princípio da obrigatoriedade dos contratos (pacta sunt
servanda).
Sua base referencial é que o contrato é formado de acordo com determinadas condições
fáticas que existem no momento de sua formação. Se houver grave, brusca e imprevisível
alteração nas condições fáticas vigentes na época da celebração e, em razão destas, o
contrato gerar enriquecimento injusto a um dos contratantes, poderá o outro contratante
invocar a cláusula rebus sic stantibus para não cumprir o contrato firmado.
Por outro lado, para a teoria da onerosidade excessiva basta a mudança da situação fática
que torne insuportável o cumprimento contratual, não se levando em consideração se a
alteração fática era previsível ou mesmo extraordinária.
A Lei Faillot em 1918 (na França) é marco histórico da cláusula rebus sic stantibus posto que
modificou normas contratuais onde uma prestação se tornou excessiva penosa a um dos
contratantes em virtude da guerra.
Origem de relevantes inflações monetárias foram duas grandes guerras do final do século
XIX é que forçou o legislador fixar sobre o curso forçado da moeda, proibindo cláusulas onde
as partes adotariam outro padrão, que não a moeda, para calcular seus débitos.
Entre nós, há a vedação de pagamento em moeda estrangeira (Dec. Lei 857/69 com as
exceções permitidas em lei).
Arnoldo Wald destaca a grande influencia dessa jurisprudência e de artigo jurídico sobre
direito brasileiro, notadamente o STF. A inflação no Brasil não pode ser considerada
imprevisível e nem extraordinária, pois faz parte da cultura nacional. Mesmo quando esta
dormita de forma controlada e limitada (desde 1994 com a realização do Plano Real).
Todavia, se houver uma galopante inflação como ocorrera nos anos 80 que atingiu 80% ao
mês, há crasso desequilíbrio objetivo entre as prestações pactuadas que pode ser a causa
de resolução por onerosidade excessiva.
Para ser possível a aplicação da resolução prevista no art. 478 do CC deverá o contratante
provar: que o contrato nascera equilibrado, com perfeito sinalagma genético; e um fenômeno
extraordinário (fora do comum) e imprevisível causou desequilíbrio entre a prestação e
contraprestação. E, ainda, a extrema vantagem patrimonial que terá o outro contratante por
vezes à custa da miséria do outro, caso seja a avença cumprida literalmente nos exatos
termos ajustados originalmente.
Assim recomenda o Enunciado 17 da CJF que o art. 478 do CC de 2002 deve ser
interpretado não somente em relação ao fato que gere o desequilíbrio mas também em
relação às conseqüências que ele produz.
Pode o contratante então beneficiado optar por modificar o acordo com eqüidade,
reequilibrando o contrato (art. 479 do CC) e, por força do princípio da conservação dos
contratos, manter agora redimensionado o referido contrato.
Deve-se mencionar que outras legislações já tinham francamente admitido que conforme o
caso concreto, o juiz modificasse as cláusulas contratuais para evitar o abuso do direito. O
conceito amortecedor de abuso de direito apesar das severas críticas de Planiol, mereceu
precioso estudo de Josserrand e veio efetivamente influenciar a doutrina civilista da maioria
das legislações contemporâneas ora vigentes.
Concretos exemplos observamos no direito suíço que após reconhecer amplos poderes ao
magistrado que mesmo ante a ausência normativa quando poderá decidir como legislador
fosse, condenando o abuso de direito. O que em minhas aulas, chamo carinhosamente de
“filhote de urubu”, nasce branco, mas acaba preto. Nasce lícito, mas acaba ilícito. O Código
civil greco (art. 388) e o Código Civil italiano (art. 1.467).
Em torno desse tema surgiu vasta literatura e até mesmo um novo ramo de direito, o direito
monetário face da sua extrema importância e pertinência.
Na bossa fisiocrata do “lassez faire, laissez-passer” o nosso código civil nasceu provecto
para sua época, algo assim bem similar ao que se sucedeu com o Código Civil de 2002 que
foi originado por um Projeto de 1975 e, portanto, anterior, a Constituição Federal de 1988.
Poucos dispositivos legais se preocupam com a imprevisão, vide o art. 1.059, § único do CC
de 1916 que limitava a responsabilidade aos danos previsíveis, o que é, explicável dentro de
um sistema que em tese tinha a responsabilidade fulcrada na culpa. Também outros
dispositivos legais são os arts. 1.180 e 1.250 do CC. De 1916.
Posteriormente surgiram novas disposições legais depois de 1930 que vieram reconhecer o
que já era admitido na legislação brasileira o consagrado princípio da teoria da imprevisão.
Só a guisa de ilustração citamos: Dec 19.573/31 que permitiu a rescisão da locação de
funcionário público ou militar, no caso de remoção ou redução dos seus vencimentos, em
virtude das modificações decorrentes da Revolução de 1930; o Dec 23.501/33 que impôs a
nulidade da cláusula-ouro significando intervenção do Estado e a limitação da autônoma da
vontade dos contratantes. Entendeu nessa ocasião o legislador que deve intervir sempre que
os contratos revelassem o interesse social.
Como bem descreve Arnoldo Wald, civilista brasileiro de primeira linha, realizou-se assim o
eclatement (rompimento) dos contratos, a que se refere Savatier em sua magistral obra
intitulada “metamorfoses econômicas e sociais do direito contemporâneo”.
A ruptura do esquema contratual faz com que a lei incluía no contrato cláusulas que as
partes não convencionaram, ou ao contrário, as considere nulas e não escritas pelas partes.
Tais dispositivos aceitavam implicitamente a cláusula rebus sic stantibus, também no art. 31
da lei locatícia de 1991 há clara alusão a teoria da imprevisão no que tange a locação
comercial. E mesmo na locação residencial permitiu-se a revisão dos alugueres até o limite
legalmente fixado (arts. 68 a 70).
O Código Civil Brasileiro de 2002 deu relevante ênfase, a justiça substancial no contrato
conforme seus arts. 421 422 que estabeleceram a função social do contrato e o da boa-fé
objetiva, consagrando também a teoria da imprevisão em seu art. 317.
É nítida a vocação para eticidade e sociabilidade do Código Civil de 2002 onde se reafirma a
teoria da revisão como instrumento de readequação contratual. Adotando a tese já então
consolidada na jurisprudência (especialmente no tocante aos contratos de empreitada) e
seguindo o exemplo do Código Civil italiano.
A teoria da imprevisão considera o contrato não como negócio isolado e, sim, como
pertencente a uma realidade contratual que está sujeita às incertezas inevitáveis próprias e
A doutrina das dívidas de valor não se trata da incidência da rebus sic stantibus. As dívidas
de valor não importam em pagamento de certa quantia, e sim, em garantir ao credor
determinado poder aquisitivo (deve-se um quid, e não um quantum). È o que ocorre
comumente com os alimentos.
Quem causou dano a outrem não lhe deve quantia, mas sim a quantia representativa do
valor do prejuízo experimentado (Súmulas 490 e 560 do STF).
Apesar de terem finalidades bem análogas a teoria da imprevisão e a das dívidas de valor
são distintas, posto que visem reequilibrar o contrato em face das condições existentes no
momento de sua execução.
A teoria que se aplica às dívidas de dinheiro exige imprevisibilidade do evento que modificou
cancerigenamente as condições existentes. Já nas dívidas de valor não é plausível a
aplicação da teoria da imprevisão.
Pois mesmo tendo sido previsível e mesmo de fato prevista pelas partes, mesmo assim cabe
requerer o reajustamento das prestações em atenção às finalidades da dívida.
Podem a lei e a convenção transmutar a dívida de dinheiro em dívida de valor. De sorte, que
a incidência da correção monetária importa em converter a dívida líquida em dívida de valor.
3 Conclusão
Assim, o contrato continua fazendo lei entre as partes, mas com respeito à dignidade da
pessoa humana e de todas as normas de ordem pública que o capacitam a ser instrumento
de circulação de riquezas mas destinado a ser um instrumento mais democrático e justo do
direito privado. Eis é o novo paradigma de contrato, onde para entendê-lo, interpretá-lo e
quiçá julgá-lo necessita-se de recorrer ao “diálogo das fontes”.
Résumé : Il trace l'évolution du contrat depuis droit romain, droit médiéval, du Code Civil
Napoléonien jusqu'au Code Civil Brésilien de 2002. Les principes applicables au droit
Palavras-chave: droit civil brésilien; contrat; pacte; principes juridiques; droit comparé
Referências
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__________. Por um novo paradigma de contrato. Jus Vigilantibus, Vitória, 28 nov. 2005.
Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/18908>. Acesso em: 18 set. 2007.
Revista Jurídica
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/revistajuridica/index.htm
“Laico, mas nem tanto”: cinco tópicos sobre liberdade religiosa e laicidade estatal na
jurisdição constitucional brasileira1
Doutoranda em Direito Público – UERJ, Mestre em Instituições Jurídico-Políticas – UFSC, Professora Licenciada
da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, Colaboradora do Núcleo de Pesquisa em Direitos
Humanos e Cidadania – NUPEC
Ajedrez
1 A expressão “Laico, mas nem tanto” é de Walter Ceneviva. CENEVIVA, Walter. Laico, mas nem tanto. Folha de
São Paulo, São Paulo, 24 out. 2006.
II
Resumo: Partindo de uma ampla coleta de dados na jurisprudência do STF, do STJ, dos
TRFs e dos Tribunais Estaduais e Distrital, a pesquisa possui como objetivo geral identificar
quais respostas foram oferecidas na jurisdição constitucional brasileira a cinco tópicos
relativos à liberdade religiosa e à laicidade estatal. Para tanto, descreve os casos, os
resultados obtidos e o caminho interpretativo percorrido, inclusive quanto às escolhas de
motivação decisória. Complementarmente, realiza breves incursões analíticas em cada área
temática, tendo em vista, sobretudo, a metodologia decisória empregada, a vinculação a
casos anteriores e/ou decididos por Tribunais superiores (adesão ao precedente), a
existência de decisões díspares, a presença de empréstimo constitucional e a abertura à
participação no processo constitucional (amicus curiae). Paralelamente, traça algumas
conclusões sobre o modo como os tribunais brasileiros compreendem a laicidade estatal e a
liberdade religiosa em sua substância. Como resultado, tem-se que os Tribunais brasileiros
não adotam metodologias decisórias específicas nem padrões uniformes para o deslinde de
casos referentes à liberdade religiosa e à laicidade estatal. Em alguns temas, a disparidade
de resultados em casos análogos mostrou-se intensa, inclusive no mesmo Tribunal.
1 Introdução
A liberdade religiosa - direito, que envolve o de crer e o de não crer, de manifestar o credo
(culto) e de formar grupamentos religiosos - é, sem razões para dúvida, dotado de
jusfundamentalidade. Fazendo as vezes da liberdade de consciência e de manifestação do
pensamento no que toca ao mundo não-fenomênico, ao transcendental, a liberdade religiosa
salvaguarda escolhas identitárias de indivíduos e de comunidades. A religião é o mediador
pelo qual indivíduos ou grupos interpretam a si mesmos e a realidade em que vivem, seu
imbricamento com a formação e a manifestação da identidade é muito intenso. Em assim
sendo, a liberdade religiosa é uma das liberdades que permite aos indivíduos e grupos
construir sua maneira de ser no mundo; que dá lugar à possibilidade de as pessoas
adotarem concepções morais, políticas, ideológicas - abrangentes ou não - a partir uma
gramática específica.
Ademais, nos Estados que adotam o princípio da laicidade e tutelam o pluralismo religioso, a
existência de relações simbióticas subreptícias entre os poderes públicos e uma ou algumas
denominações religiosas pode ser uma portentosa fonte de obstrução à democracia. Isso
porque, de um lado, se o Estado oferecer benefícios e privilégios a certos grupos, fortalecê-
los-á e facilitará a tomada de posição hegemônica - em franco atentado ao princípio da
igualdade - e, de quebra, criará nichos de clientelismo e de patrimonialismo, velhos inimigos
da república e dos procedimentos democráticos. De outro lado, em recompensa pelas
benesses recebidas e com os olhos voltados à sua manutenção, as denominações religiosas
mais íntimas do poder fornecerão os sustentáculos morais e ideológicos necessários à
legitimidade das autoridades constituídas, criando obstáculos à participação de variados
grupos e movimentos sociais nos canais democráticos. A laicidade, por seu turno, aliada que
está ao pluralismo religioso, permite o embate de diversas denominações religiosas não
apenas na vida privada, mas também no cenário da política, levando-as a lutar por espaço e
voz e a exercer fiscalização recíproca, seja com o intuito egoístico de granjear privilégios,
seja com a republicana intenção de evitar que qualquer grupo religioso os possua.
Houve falha de pesquisa em cinco Tribunais de Justiça, pois seus sistemas de busca
apresentaram erro ou não estavam disponíveis durante o período de consulta. Foram eles:
a) Piauí; b) Ceará; c) Alagoas; d) Espírito Santo; e) São Paulo. Deste modo, a coleta nos
Tribunais de Justiça restringiu-se a vinte e dois (22). Em seis Tribunais de Justiça não houve
ocorrências para as chaves de pesquisa utilizadas: a) Tocantins; b) Acre; c) Amazonas; d)
Rio Grande do Norte; e) Amapá; f) Sergipe.
Em 2002, foi debatido na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul o Projeto do Código
Estadual de Proteção dos Animais, de autoria do Dep. Manoel Maria. Durante a tramitação,
inúmeras lideranças de religiões afro-brasileiras discutiram os termos do texto, pois ele
visava a proibir o abate de animais não-humanos não destinados primariamente ao
consumo, excetuando apenas algumas medidas profiláticas. Apesar da intensa participação,
o texto final foi considerado inadequado pelos adeptos das religiões afro-brasileiras, uma vez
que era possível a interpretação proibitiva da prática ritual3. Após inexitosa pressão pelo
veto do Executivo, eles buscaram apoio para a propositura de novo Projeto de Lei, que, se
aprovado, inseriria uma exceção permissiva do abate de animais não-humanos em cultos de
religiões de matriz africana. Houve aprovação, sem discussões mais intensas4. Quando da
apreciação pelo Executivo, os movimentos de defesa do meio-ambiente e dos animais não-
humanos tentaram, sem sucesso, obter um veto. Durante todo esse processo, houve
manifestações públicas dos membros das religiões afro-brasileiras, como passeatas e
presença maciça de pessoas vestidas a caráter durante as votações na Assembléia
2 O nascimento das teorias reconhecendo direitos fundamentais e as primeiras positivações desses direitos
foram marcados por um viés altamente antropocentrista. O mesmo pode ser dito sobre as declarações
internacionais de direitos humanos. Com o tempo, novos direitos foram agregados, alguns deles referentes ao
meio-ambiente, englobando a fauna e a flora. De início, a sua proteção continuava ligada ao ser humano, ainda
em um olhar antropocêntrico. Recentemente, os estudiosos passaram também a laborar em um viés biocentrista,
no qual a tutela destinada aos seres vivos é importante por si só, pois se admite que os seres vivos,
especialmente os animais não-humanos, devem ser destinatários de salvaguarda jurídica por seus próprios
interesses e não apenas em razão dos interesses humanos. A CF/88 possui um Capítulo sobre o meio-ambiente,
redigido em clara conotação antropocêntrica, no qual proíbe a submissão de animais à crueldade. Sobre o tema:
SINGER, Peter. Ética prática. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. FEINBERG, Joel. Rights, justice and the
bounds of liberty: essays on social philosophy. Princenton: Princenton University, 1980, p.159-206. PIOVESAN,
Flávia. Curso de capacitação para docentes: direitos humanos. Criciúma, UNESC. Curso proferido em julho de
2005.
3 “Art. 2º. É vedado: (...) IV - não dar morte rápida e indolor a todo animal cujo extermínio seja necessário para
consumo;” RIO GRANDE DO SUL. Assembléia Legislativa. Lei nº11.915/03. Código de Proteção aos animais.
Disponível em: www.alergs.gov.br. Acesso em: dez.2006.
4 “Parágrafo único – Não se enquadra nessa vedação o livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de
matriz africana”. O Decreto nº 43.252, de 22 de julho de 2004, regulamenta o art. 2º, dispondo que “para o
exercício de cultos religiosos, cuja liturgia provém de matriz africana, somente poderão ser utilizados animais
destinados à alimentação humana, sem utilização de recursos de crueldade para a sua morte” (art. 2º). RIO
GRANDE DO SUL. PGJ. Petição Inicial (ADIn 70010129690). Disponível em:
www.mp.rs.gov.br/areas/ambiente/arquivos/adin_culto.doc. Acesso em: dez. 2006. RIO GRANDE DO SUL.
Assembléia Legislativa. Lei nº12.131/04. Disponível em: www.alergs.gov.br. Acesso em: dez.2006.
5 As informações extra-autos foram obtidas em: ORO, Ari Pedro. The sacrifice of animals in afro-brazilian
religions: analysis of a recent controversy in the brazilian state of Rio Grande do Sul. Translated by Enrique Julio
Romera. Relig. Soc. v.1, 2006. online. Special Edition [cited 14 March 2007]. Disponível em:
http://socialsciences.scielo.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-85872006000100001&lng=en&nrm=iso.
Acesso em: jan.2007.
6 RIO GRANDE DO SUL. PGJ. Petição Inicial (ADIn 70010129690).Cit. Sobre as teses empregadas, ver: ÁVILA,
Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003
(expressamente citado na peça). MARTEL, Letícia de Campos Velho. Hierarquização de direitos fundamentais: a
doutrina da posição preferencial na jurisprudência da Suprema Corte norte-americana. Florianópolis: Seqüência:
estudos jurídicos e políticos, Florianópolis, ano 24, n. 48, jul. 2004. SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem
constitucional: construindo uma nova dogmática jurídica. Porto Alegre: SAFe, 1999. SCHIER, Paulo Ricardo.
Novos desafios da filtragem constitucional no momento do neoconstitucionalismo. Revista Eletrônica de Direito
do Estado, Salvador, n. 4, out. nov. dez., 2005. Disponível em: www.direitodoestado.com.br. Acesso em:
dez.2006.
É interessante perceber que o relator frisou, por duas vezes, a inexistência de qualquer lei,
no direito brasileiro, que proíba alguém de matar animais não-humanos próprios ou sem
dono. Certamente, restringindo-se aos elementos do caso, ele não estava a se referir ao ato
7 Neste estudo, entende-se que o amicus curiae, figura cujos contornos atuais foram desenhados no direito
constitucional estadunidense, pode ser um elemento que confere maior abertura democrática aos processos
judiciais-constitucionais, sobretudo em sede de controle abstrato de constitucionalidade e quando estão em
discussão direitos de minorias com reduzida representação política. No caso em exame, postularam participação
no feito instituições ligadas à defesa da liberdade religiosa, ao movimento negro e à promoção da igualdade.
Sobre o tema amicus curiae, consultar: BAZÁN, Victor. El amicus curiae y la utilidad de su intervención procesal:
una visión de derecho comparado, con particular énfasis en el derecho argentino. Estudios Constitucionales:
Revista del Cientro de Estudios Constitucionales, Santiago do Chile, ano 1, p.677-682, 2003. BINENBOJM,
Gustavo. A interferência do amigo da corte nas ações do Supremo. Valor on line. Disponível em:
http://www.mg.trt.gov.br/eg/documentos/2004/artigos/Artigos62-03.08.htm. Acesso em: set. 2004. BINENBOJM,
Gustavo. A dimensão do amicus curiae no processo constitucional brasileiro: requisitos, poderes processuais e
aplicabilidade em âmbito estadual. Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, n. 1, jan. 2004.
Disponível em: www.direitodoestado.com.br. Acesso em: set. 2005. BUENO FILHO, Edgard Silveira. Amicus
Curiae : a democratização do debate de controle jurisdicional de constitucionalidade. Revista Diálogo Jurídico.
Salvador, n. 14, jun./ago., 2002. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em: ago.2004.
MARTEL, Letícia de Campos Velho; PEDROLLO, Gustavo Fontana. Amicus Curiae: elemento de participação
nas decisões judiciais-constitucionais. Revista da AJURIS, Porto Alegre, v.32, n. 99, p.161-179, set. 2005.
8 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 70010129690. Relator:
Araken de Assis. Porto Alegre, 18 de abr. 2005. Disponível em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em: jul.2005. ORO, Ari
Pedro. Sacrifice... op. cit.
9 “Então, não vejo como presumir que a morte de um animal, a exemplo de um galo, num culto religioso seja uma
‘crueldade’ diferente daquela praticada (e louvada pelas autoridades econômicas com grandiosa geração de
moedas fortes para o bem do Brasil) pelos matadouros de aves”. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça.
.Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 70010129690. Cit., voto do Desembargador Araken de Assis
(vencedor).
Por fim, citou precedente da Suprema Corte dos EUA, asseverando: “No caso, sem traçar
paralelos com outras religiões ou práticas, ou adotar motivação porventura mais ajustada
àquele sistema jurídico, estimo que se aplique perfeitamente tal precedente à espécie como
uma diretriz geral. Portanto, conosco está a Suprema Corte dos Estados Unidos da
América”10. Neste ponto, o relator operou um empréstimo ou transplante constitucional, pois
selecionou julgado de corte estrangeira para orientar a linha decisória a ser empregada pelo
órgão de adjudicação nacional11. A prática, cada dia mais comum, possui benesses,
mormente quanto à interpretação de enunciados normativos de Direitos Fundamentais, vez
que proporciona dialogicidade, auto-reflexão, revitalização da jurisprudência interna,
“ampliação de sua [dos Tribunais] função garantidora da dignidade humana e da
democracia”12. Porém, o empréstimo exige cautelas, quais sejam, efetivo conhecimento e
compreensão dos elementos não-sistêmicos e o emprego de algumas metodologias que
permitam o controle de racionalidade da decisão. Além disso, especial atenção deve ser
dada aos limites da função judicante quando da incorporação de argumentos alheios ao
sistema, por vezes indesejados por outras instâncias democráticas13.
Nesse particular, há alguns pontos obscuros no voto. As diferenças entre as leis discutidas
nos casos comparados, principalmente nos históricos legislativos, levam a duvidar da
possibilidade de transplante das diretrizes da decisão estadunidense para o julgado gaúcho.
É tão-só quanto ao efeito aparente que há alguma similitude entre os julgados, e, mesmo
assim, ela é duvidosa14.
10 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 70010129690. Cit.,
voto do Des. Araken de Assis (vencedor).
11 Cf. BASTOS JUNIOR, Luiz Magno Pinto. Utilização do direito constitucional comparado na interpretação
constitucional. Mímeo. Texto posteriormente revisado e publicado em: LOIS, Cecília Cabellero; BASTOS
JUNIOR, Luiz Magno Pinto; LEITE, Roberto Basilone (Coord.). A Constituição como espelho da realidade:
interpretação e jurisdição constitucionais em debate: homenagem a Sílvio Dobrowolski. São Paulo: LTr, 2007.
14 Pesem embora os fatos de o relator ter mencionado o caso estadunidense e de o inteiro teor do julgado
estrangeiro figurar nos autos, é preciso dizer que existem significativas diferenças entre a lei gaúcha e as leis
apreciadas pela Suprema Corte dos EUA. A semelhança entre os casos dá-se em razão do seu efeito fático -
permissão do sacrifício ritual de animais. No julgado gaúcho, a lei permitiu a imolação ritualística por algumas
denominações religiosas, visando excetuá-las da incidência de norma geral e formalmente neutra em matéria
religiosa. No caso estadunidense, estavam em pauta regulações municipais, forjadas com esteio em leis de
proteção dos animais do Estado da Flórida, que vedavam o sacrifício ritual de animais não-humanos. À luz do
voto da pluralidade da Corte, as regulações não eram nem de aplicabilidade geral, nem formalmente neutras.
Pelo contrário, teriam sido desenhadas para impactar apenas uma minoria religiosa, pois não proibiam, e.g, a
caça e a pesca esportivas. Em assim sendo, o padrão de exame da constitucionalidade estabelecido, o exame
dos fins almejados pela municipalidade (preservação da saúde pública, prevenção da crueldade com animais,
zoneamento), o equacionamento entre fins e meios, e o labor com o princípio da igualdade (equal protection) são
assaz diversos daqueles que seriam apropriados ao caso pátrio. Assim também é o alcance do julgado, pois
In casu, foi exatamente isso que pretenderam tanto a desembargadora Maria Berenice Dias
quanto o Governador do Estado no pleito. Recorde-se que o Executivo sugeriu a
manutenção da norma no ordenamento, com declaração de inconstitucionalidade por
omissão no que toca à ausência de previsão para outras agremiações e o estabelecimento
exceções a uma lei geral e formalmente neutra não estavam diretamente em pauta e que o se mencionou acerca
da sua possível inconstitucionalidade constitui simples dicta. O trecho final do voto concorrente do Justice
Blackmun, ao qual aderiu a Justice O’Connor, é deveras propício para aclarar a diferença entre os julgados: “It is
only in the rare case that a state or local legislature will enact a law directly burdening religious practice as such.
Because respondent here does single out religion in this way, the present case is an easy one to decide. A harder
case would be presented if petitioners were requesting an exemption from a generally applicable
anticruelty law. The result in the case before the Court today, and the fact that every Member of the Court
concurs in that result, does not necessarily reflect the Courts view of the strength of a State’s interest in
prohibiting cruelty to animals. This case does not present, and I therefore decline to reach, the question
whether the Free Exercise Clause would require a religious exemption from a law that sincerely pursued
the goal of protecting animals from cruel treatment. The number of organizations that have filed amicus
briefs on behalf of this interest, however, demonstrates that it is not a concern to be treated lightly”. Não é
demais referir que um dos mais importantes debates desse caso na Suprema Corte estadunidense foram os
padrões decisórios a serem empregados quando está em jogo a liberdade religiosa, bem como o significado e a
forma de apreciação da neutralidade de uma lei. Church of Lukumi Babalu Aye v. City of Hialeah. 508 U.S. 520
(1993). [sem grifos no original]
15 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 70010129690. Cit.,
voto do Des. Vasco Della Giustina.
16 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 70010129690. Cit.,
voto da Desembargadora. Maria Berenice Dias.
17 Sobre as decisões intermediárias: CERRI, Augusto. Corso di giustizia costituzionale. 3. ed. Milano: Giuffrè,
2001. p.88-107. Para uma visão das decisões aditivas e admonitórias à luz de uma teoria procedimentalista,
CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Jurisdição constitucional democrática. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p.
253.
Tal qual nos votos vencedores, é difícil identificar um padrão ou uma sistemática decisória
na dissidência, os argumentos são variados e, agravando o quadro, há dúvidas acerca do
foco da decisão, seja na maioria, seja na minoria, dadas as interpretações das leis federais,
a pouca referência ao texto do Código de Proteção aos Animais, a menção retórica à
ponderação de interesses e o modo de definir e de avaliar a crueldade no ato do sacrifício
pelas religiões de matriz africana.
Houve recurso ao Supremo Tribunal Federal, que, até o momento, não se pronunciou sobre
o mérito. A rede Conectasur enviou um parecer de amicus curiae.
18 Foram os votos do desembargador Danúbio Edon Franco, com o relator, e do voto do desembargador Alfredo
Guilherme Englert, com a divergência. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 70010129690. Cit.
19 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 70010129690. Cit.
20 Normas centrais são, segundo Raul Machado Horta, aquelas presentes na Constituição Federal cuja adoção é
obrigatória pelas unidades federativas estaduais e/ou municipais, dependendo do caso. Em assim sendo,
reproduzidas ou não nas constituições estaduais ou nas leis orgânicas, incidirão nas ordens locais. HORTA, Raul
Machado. Normas Centrais na Constituição Federal. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 34, n.135,
Ao decidir, o STF não centrou seus argumentos na separação entre Igreja(s) e Estado no
Brasil, muito embora tenha mencionado o caráter laico da República Federativa do Brasil e a
assimetria entre a controvertida invocação preambular e as normas constitucionais. O rumo
decisório assentou-se no caráter normativo do preâmbulo, matéria de longa data pacificada
na jurisprudência e na doutrina constitucionais brasileiras. Segundo esse entendimento, o
preâmbulo não possui força normativa, sendo apenas um texto introdutório, que assinala a
matriz política da Constituição. Suas palavras somente possuirão força normativa se
estiverem reproduzidas em artigos constitucionais, o que não ocorre com a expressão “sob a
proteção de Deus”. Percebe-se que o STF não deslindou a questão com apoio em profundas
digressões sobre a separação entre Igreja(s) e Estado, recorrendo a argumentos
estritamente necessários à situação e há muito sedimentados21.
Atualmente, a correlação entre a laicidade do Estado e o ensino público tem sido palco de
intensas refregas. Basta pensar no uso de indumentária religiosa por estudantes e
professores - e.g. os casos do uso do shador -, na utilização de símbolos e na realização de
cerimônias religiosas em escolas, na formulação de certos conteúdos curriculares - e.g.,
criacionismo e evolucionismo -, na transmissão de valores religiosos ou de determinadas
agremiações em sala de aula - e.g. leitura de livros religiosos e oração compulsória, dentre
outros. A problemática não se restringe apenas ao ensino público, atingindo também a
esfera privada, especialmente nas hipóteses de subvenção ou de participação do poder
jul/set., 1997. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2076/AC. Relator:
Ministro Carlos Velloso. 15/08/2002. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em: maio 2006.
21 De modo amplo, poder-se-ia dizer que a decisão foi minimalista, pois pontos polêmicos ou de desacordo sobre
a locução preambular foram cuidadosamente evitados (exceção feita ao voto do Min. Sepúlveda Pertence). Sobre
o minimalismo judicial, consultar: SUNSTEIN, Cass R. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme
Court. Massachusetts: Harvard University, 1999.
Muitos podem acreditar que a situação não se apresentou no Brasil, em face do auto-
proclamado sincretismo religioso, similar à noção dantes muito difundida de democracia
racial brasileira. No senso-comum, o ideário pode até ganhar ares de realidade, mas um
olhar acurado demonstra que ao longo da história republicana a relação entre o ensino e a
laicidade estatal foi uma polêmica constante, embora ocultada, seja propositadamente, seja
em razão de afrontas muito mais diretas e fragorosas de direitos fundamentais em tristes
períodos desses trópicos24.
22 Esse tema veio à tona no Brasil após um episódio envolvendo uma laureada antopóloga brasileira. Ela
conduzia pesquisas em medicina fetal, cujos resultados contrastaram com os posicionamentos da Instituição de
Ensino Superior confessional na qual ela lecionava. O embate culminou com a despedida da docente. Dois
problemas decorrem daí, primeiro, o balanceamento entre a liberdade de cátedra e a autonomia universitária.
Segundo, o financiamento público - normalmente via agências públicas de fomento - das pesquisas
empreendidas por professores vinculados a Universidades confessionais e o provável controle temático. No sítio
do CNPq, há dados sobre o recebimento de recursos públicos para pesquisa pelas Universidades brasileiras. O
quadro deixa claro que o maior contingente é destinado a universidades públicas. Todavia, algumas instituições
confessionais recebem uma parcela significativa de valores, o que demonstra a importância de se debater a
liberdade dos pesquisadores a ela vinculados, sob pena de permitir-se a existência de um filtro religioso ao
financiamento público do desenvolvimento científico. CONSELHO NACIONAL DE PESQUISA CIENTÍFICA
TECNOLÓGICA. (Brasil). Total dos investimentos realizados em bolsas e no fomento à pesquisa segundo
instituições: 2001-2005: ranking das instituições cujos recursos corresponderam a 95% do total dos
investimentos em 2005. Disponível em: http://www.cnpq.br/estatisticas/investimentos/instituicao.htm. Acesso em:
fev.2007. DINIZ, Débora; BUGLIONE, Samantha; RIOS, Roger Raupp. Entre a dúvida e o dogma: liberdade de
cátedra e universidades confessionais no Brasil. Brasília: Letras Livres; Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
24 De início, a primeira Constituição republicana vedou o ensino religioso nas escolas públicas, bem como
qualquer subvenção de estabelecimentos de ensino confessionais. Porém, nas constituições que se seguiram
(1934, 1937, 1946 e 1967), houve uma tendência à atenuação da laicidade estatal, passando-se a admitir certas
contribuições entre o Estado e institutos educacionais confessionais, com possibilidade de reconhecimento de
filantropia e com concessão de bolsas de estudos. O abrandamento foi justificado pela necessidade de
proporcionar às famílias menos abastadas a opção por um ensino confessional sem que o Estado o oferecesse
diretamente. Os mesmos textos constitucionais passaram a assegurar (1934, 1946, 1967) ou a facultar (1937) a
oferta da disciplina ensino religioso nos currículos das escolas públicas, sempre com matrícula ou freqüência
facultativa. Porém, é preciso atentar para o fato de muitas normas constitucionais, inclusive Cartas inteiras, terem
sido meramente simbólicas ou, até mesmo, perniciosas. Nessa ótica, é muito pertinente colacionar o rigoroso
estudo empreendido pelo brasilianista Keneth Serbin. Analisando as relações Estado/Igreja Católica no Brasil no
período 1930-1964, o autor concluiu que se processou uma intensa simbiose entre o Estado e a Igreja Católica.
Em uma via, a Igreja fornecia o aparato moral necessário à sustentação dos governos, e, como retorno, recebia
fundos públicos que garantiam a sua hegemonia. Os fundos destinaram-se a três áreas preferenciais: a)
educação (colégios católicos, universidades pontifícias e seminários); b) assistência social, inclusive no âmbito da
saúde (Santas Casas); c) cultura. Ademais, as isenções e imunidades fiscais não eram concedidas mediante
requisitos objetivos, mas segundo padrões que ofereciam ampla margem interpretativa. No campo educacional,
Serbin detectou que tais benefícios foram ligados à capacidade de preparação moral dos estudantes e, por
conseguinte, privilegiaram os educandários católicos. Nas primeiras fases do regime militar, o pacto moral
continuou, sendo atingido apenas no processo de abertura. Com a Constituição de 1988, houve objetivação de
critérios para o reconhecimento de instituições filantrópicas e de assistência social e conseqüente perda do
espaço católico nos três campos referidos. Como exemplo das reações aos elos entre Igreja e Estado na
educação pública, pode-se citar os pleitos do movimento Nova Escola. FISCHMANN, Roseli. Escolas públicas e
ensino religioso em escolas públicas: subsídios para a reflexão sobre o Estado laico, a escola pública e a
proteção do direito à liberdade de crença e de culto. ComCiência: Revista Eletrônica de Jornalismo Científico,
São Paulo, v. 56, p. 1-7, 2004. FISCHMANN, Roseli. Ainda o ensino religioso em escolas públicas: subsídios
para a elaboração de memória sobre o tema. Revista Contemporânea de Educação. Rio de janeiro, v. 2, p. 1-
10, 2006. SERBIN, Keneth. The catholic church, religious pluralism, and democracy in Brazil. [S.l.]: The
Helen Kellog Institute for International Studies, 1999. (Working Paper 263). SERBIN, Kenneth. Church-State
reciprocity in contemporary Brazil: the convening of International Eucharistic Congress of 1955 in Rio de
Janeiro. [S.l.]: The Helen Kellog Institute for International Studies, 1996. (Working Paper 229).
25 A facultatividade da matrícula apresenta aspectos problemáticos, pois a escola deverá oferecer atividades
alternativas aos estudantes que não estiverem matriculados, sem que eles sejam por isso discriminados, quer
pelos docentes, quer pelos colegas. Uma pesquisa quantitativa realizada em todas as escolas públicas
municipais de Criciúma (SC) no ano de 2002 revelou que em 69,1% das escolas a matrícula na disciplina não era
facultativa. Em apenas 25% ela era facultada e exatamente o mesmo percentual oferecia informações sobre a
facultatividade. Do total de escolas, tão-somente 17,6% ofereciam atividades substitutivas aos estudantes não
matriculados (ou, seja, 70,4% dentre aquelas que facultavam a matrícula). Cf. BORGES, Anna Karenina Righetto
(pesquisadora). ANDRADE, Lédio Rosa de (orientador). MARTEL, Letícia de Campos Velho (orientadora).
Princípios republicano-constitucionais da liberdade religiosa e da separação Igreja/Estado: um exame de
suas concretizações no Município de Criciúma no interregno 1992-2002. Criciúma: Relatório de Iniciação
Científica, 2003.
26 As polêmicas podem ser facilmente ilustradas pelo histórico da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que,
originariamente, definira que a disciplina deveria ser oferecida “sem ônus para os cofres públicos”, de modo
confessional (separação por grupos religiosos, cada qual sendo educado por autoridade de sua denominação) ou
interconfessional (a partir de pontos de acordo entre diversas entidades religiosas). O impacto causado pelo
texto, especialmente quanto à desoneração do Estado, levou à aprovação, no ano seguinte, de nova redação,
suprimindo a ausência de ônus aos cofres públicos, vedando o proselitismo e delegando aos sistemas de
educação a tarefa de estabelecer os conteúdos e as qualificações profissionais exigidas, desde que ouvida
entidade civil específica. CURY, Carlos Roberto Jamil. Ensino religioso e escola pública: o retorno de uma
polêmica recorrente. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 27, p.183-191, set./out. /nov./dez.,
2004. FISCHMANN, Roseli. Escolas... op. cit. Há inúmeras matérias na mídia impressa e eletrônica sobre o
ensino religioso nas escolas públicas e nas universidades. Por exemplo: MARTINS, Elisa; FRANÇA, Valéria.
Rosinha contra Darwin: Governo do Rio de Janeiro institui aulas que questionam a evolução das espécies.
Revista Época, Rio de Janeiro, n. 314, 24 maio, 2002. MINC, Carlos. Só faltam a Inquisição e o óleo fervente. O
Globo, Rio de Janeiro, 01 abr. 2005. PEREIRA, Aldo. Subversão teocrática. Folha de São Paulo, São Paulo 04
dez. 2006. FISCHMAN, Roseli. Ameaça ao Estado laico. Folha de São Paulo, São Paulo, 14 nov. 2006. Editorial.
Religião e Estado. Folha de São Paulo, São Paulo, 15 maio 2004.
O relator, que exarou o voto que venceu, considerou inconstitucional a lei, fundando sua
conclusão na facultatividade do ensino religioso e nos princípios da legalidade, da liberdade
de manifestação do pensamento e das liberdades de religião, crença e culto. Segundo ele, a
leitura da Bíblia, fora da disciplina específica - cuja matrícula é facultativa -, atingiria
indiscriminadamente os estudantes, impedindo-os de optar pelo ensino religioso. Dois
desembargadores que acompanharam o voto salientaram o caráter laico e leigo do Estado
brasileiro. Um terceiro, além de frisar a separação entre Estado e Igreja no Brasil, ventilou a
existência do pluralismo religioso28.
A leitura da Bíblia, como fonte de cultura religiosa, não é desrespeito à liberdade. Proporciona
acesso de leitura de boa qualidade e cria hábito diário que se deve prestigiar.
A Bíblia não é, estritamente, livro religioso. É livro histórico, manancial de ricas tradições, motivo
bom para se abrir e desenvolver a capacidade de diálogo, de argumentação e de dialética.
O versículo é um trecho simples e pequeno, que não ocupará maior tempo dos alunos29.
Na medida em que, por exemplo, no texto legal impugnado, deixa de ser garantida a leitura do
Tora ou do Corão, ou não é organizado calendário para que no decorrer do ano letivo municipal
os alunos participem de leituras destes ou de outros textos religiosos, por evidente, há
Com argumentos algo distintos em casos análogos, os dois Tribunais chegaram ao mesmo
resultado. Em assunto paralelo, a Suprema Corte dos EUA obteve resposta análoga31.
Entretanto, no julgado mineiro resta implícita a idéia de que a leitura da Bíblia pode ser
adotada nas aulas de ensino religioso, enquanto o riograndense pavimentou a via para o
debate acerca da igualdade também nas aulas de ensino religioso.
A espinhosa questão do caráter do ensino religioso nas escolas públicas e das qualificações
profissionais exigidas foi discutida em Representação por Inconstitucionalidade no TJRJ.
Estava em liça lei estadual que adotou o modelo confessional para o ensino religioso,
determinou que a disciplina seria ministrada por profissionais registrados no MEC
devidamente credenciados por autoridades religiosas e que caberia às autoridades religiosas
definir os conteúdos a serem ministrados. A lei autorizou a abertura de concurso público
para contratação de professores de ensino religioso32.
30 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 70017748831. Relator:
Paulo Augusto Monte Lopes. Porto Alegre, 05 fev. 2007. Disponível em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em:
25/03/2007.
32 RIO DE JANEIRO. Assembléia Legislativa. Lei nº3459/2000. Disponível em: www.alerj.gov.br Acesso em: jun.
2006.
Logo após o julgamento, foi realizada Audiência Pública na ALERJ e apresentado o Projeto
de Lei nº1840/2000, de autoria do Deputado Carlos Minc, arquivado ao fim da legislatura.
Em 2003, o projeto foi desarquivado e aprovado no mesmo dia do lançamento do edital para
contratação de 500 professores de ensino religioso. Houve atos públicos de protesto ao
concurso e em favor da aprovação do Projeto de Lei nº1840/2000. A despeito dos protestos,
a então Governadora vetou integralmente o texto36. O veto não foi derrubado. O concurso
programação. Por estas razões, parece-nos impossível, sem ferir a necessária independência entre Igreja e
Estado, estabelecer uma orientação nacional uniforme que seria necessária para a observância dos processos
atuais de autorização e reconhecimento”. BRASIL. MEC. CNE. Parecer nº05/97. BRASIL. MEC. CNE. Parecer
97/99. Disponíveis em: http://portal.mec.gov.br/cne. Acesso em: dez.2006.
35 Adota-se o conceito cunhado por Cass Sunstein. As decisões subminimalistas estão muito próximas às
imotivadas, uma vez que, perfunctórias e pouco transparentes, oferecem parca justificação ou guia para o futuro.
SUNSTEIN, Cass R. One case... op. cit., p.10. É importante cotejar essa decisão com a proferida pelo Tribunal
Constitucional português sobre a regulamentação do ensino religioso em escolas públicas. O caso não é idêntico,
mas os temas levantados lançam luzes sobre o assunto. Ver supra, nota nº29.
5 Feriados religiosos
Existem diversos feriados religiosos no Brasil, uns nacionais, outros locais, uns mono-
religiosos, outros, pluri-religiosos. Algumas datas já assumiram uma importância secular,
especialmente comercial, como é o caso do Natal e da Páscoa. Outras seguem
exclusivamente religiosas. Até poucos anos, a presença de feriados religiosos em uma
República laica não causava maiores controvérsias. No entanto, no dia 12 de outubro de
1995, feriado destinado ao culto mono-religioso de Nossa Senhora Aparecida, considerada
por força de lei federal a “padroeira do Brasil”38, um pastor da Igreja Universal do Reino de
Deus causou furor ao atacar em rede nacional a imagem da santa católica, mostrando sua
indignação com a data. O episódio dividiu opiniões. Muitos protestantes e evangélicos
assumiram sua desconformidade com o feriado. Houve, ainda, manifestações não
vinculadas a credos que defendiam a neutralidade estatal em matéria religiosa e a possível
violação de direitos dos não-católicos39.
37 Segundo informações do Jornal O Estado de São Paulo, disponíveis no site Universia, dos 500 candidatos
aprovados, 63,6% são católicos, 26,4% são evangélicos e 2,6% pertencem a outras denominações religiosas.
(Clipping, 31/05/2004). Disponível em: www.universia.com.br Acesso em: dez.2006.
38 Em 1980, a Lei nº6.802 instituiu o feriado de Nossa Senhora Aparecida, como dia de culto público e oficial à
padroeira do Brasil. A Lei nº10.607/02, alterando expressamente o art.1º da Lei nº662/49 e revogando a Lei
nº1.266/50, estabeleceu os feriados nacionais. Dentre eles, não consta o dia 12 de outubro. Na Câmara dos
Deputados, tramita projeto incluindo a data nos feriados arrolados pela Lei nº10.607/02, sob a justificativa de que
teria o legislador cometido um equívoco ao exclui-la. Mesmo sem a aprovação desse projeto, a data continua
sendo, de fato, considerada um feriado nacional. BRASIL. Lei nº6.802/80. BRASIL, Lei nº10.607/02. Disponível
em: www.presidencia.gov.br/legislacao/. Acesso em: jan. 2007.
39 A título meramente exemplificativo, ver os textos do articulista da Folha de São Paulo, Walter Ceneviva:
CENEVIVA, Walter. Crença ofendida. Folha de São Paulo, São Paulo, 17 out. 1998. CENEVIVA, Walter. Laico,
mas nem tanto. Cit.
40 BRASIL. Lei nº 9.093/95. (atualizada). Disponível em: www.presidencia.gov.br/legislacao/. Acesso em: jan.
2007.
Foi interposto Recurso Extraordinário. Em decisão unânime, da lavra do Min. Marco Aurélio,
houve provimento do recurso por impossibilidade jurídica do pedido em representação por
inconstitucionalidade. Apresentando as razões, o Ministro referiu que não há dispositivo na
Constituição Estadual vedando ou regulando a instituição de feriados pelos Municípios. Por
isso, o julgado faria referência ou à Constituição da República (silente sobre o assunto) ou à
lei federal, extrapolando as fronteiras constitucionais do controle abstrato das leis municipais
pelos Tribunais de Justiça44. Negou que a matéria fosse de competência concorrente,
42 Nessa linha argumentativa, a discrepância entre a lei municipal e a lei federal não poderia ser analisada em
sede de controle abstrato de constitucionalidade.
44 É necessário, porém, trazer à tona que o STF já admitiu hipóteses de ajuizamento de ação direta nos
Tribunais de Justiça de lei municipal por agredir dispositivo da Constituição Estadual que reproduz norma da
Constituição Federal: “Reclamação com fundamento na preservação da competência do Supremo Tribunal
Federal. Ação direta de inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de Justiça na qual se impugna Lei
municipal sob a alegação de ofensa a dispositivos constitucionais estaduais que reproduzem dispositivos
constitucionais federais de observância obrigatória pelos Estados. Eficácia jurídica desses dispositivos
constitucionais estaduais. Jurisdição constitucional dos Estados-membros. Admissão da propositura da ação
Nem na decisão fluminense, nem no Supremo Tribunal houve referência à laicidade estatal,
tampouco foi ventilada a hipótese de inconstitucionalidade material (in casu, de não-
recepção) do Decreto-Lei estabelecendo diretrizes para os Municípios legislarem sobre
feriados. Porém, pode-se entender que a Lei nº9.093/95 é de constitucionalidade duvidosa,
haja vista ter o ministro relator considerado que a instituição de feriados pelos Municípios é
matéria de interesse local.
No Rio Grande do Sul, os Municípios de Alvorada, Pelotas, Porto Alegre e Santa Maria
instituíram o feriado do dia 20 de novembro. A constitucionalidade de cada uma das leis
municipais foi atacada, tanto pela via difusa quanto pela via direta. Serão estudadas aqui
apenas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade, de forma conjunta, apesar dos percalços
que as generalizações podem oferecer. Houve cobertura dos casos pela imprensa e alguns
veículos de comunicação associaram o ataque às leis e a postura do TJRS ao preconceito
direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local, com possibilidade de recurso extraordinário se
a interpretação da norma constitucional estadual, que reproduz a norma constitucional federal de observância
obrigatória pelos Estados, contrariar o sentido e o alcance desta.” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl. 383.
Min. Moreira Alves. 11 jun. 1992. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em: jan.2007.
45 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 251470-5 -RJ. Pleno. Relator: Min. Marco Aurélio Mello. Disponível
em: www.stf.gov.br. Acesso em: jan.2007. [sem grifos no original]
Em cada julgado, houve dois votos vencidos. Em primeiro lugar, os votos apegaram-se ao
precedente do Supremo Tribunal Federal, optando pela impossibilidade jurídica do pedido.
Por serem vencidos nesse ponto, adentraram no mérito. Foi no voto do Desembargador
Ranolfo Vieira que a laicidade do Estado emergiu:
Ocorre que o Estado brasileiro é laico. Nessas condições, a referência a feriados religiosos, dias
de guarda, não tem sentido. Não encontra guarida nos princípios fundamentais insculpidos na
Constituição. Há de se ter que a Lei Federal atribuiu aos Municípios a instituição de quatro
47 Informações constantes nos acórdãos. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. ADI nº70007645369.
Relstor: Des. Paulo Augusto Montes Lopes. Porto Alegre, 19 abr., 2004. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de
Justiça. ADI nº70007645443. Relator: Des. Vasco Della Giustina. Porto Alegre, 07 jun 2004. RIO GRANDE DO
SUL. Tribunal de Justiça. ADI nº70007611650. Relator Des. João Carlos Branco Cardoso. 18/10/2004. RIO
GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. ADI nº70010191815. Relator: Des. Alfredo Guilherme Englert. Porto
Alegre, 21 mar. 2005. Acórdãos disponíveis em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em: maio 2006.
48 O Tribunal aceitou a sustentação oral por parte do amicus curiae. O entendimento diverge daquele do STF.
“Ação direta de inconstitucionalidade. Amicus curiae. Sustentação oral: descabimento. Lei n. 9.869/99, art. 7º, §
2º." BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº2.223-MC. Relator: Min. Maurício Corrêa. Brasília, 10 out. 2002.
Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em: set.2004.
49 O estabelecimento do número de feriados foi uma preocupação para os desembargadores, havendo expressa
referência a um possível descontrole na criação de feriados pelos Municípios brasileiros. O teto, quatro feriados,
foi diversas vezes mencionado como razoável, palavra empregada com clara conotação de bom senso. O
Município de Porto Alegre não possuía quatro feriados.
50 “Nunca vi negros comemorando uma data religiosa exclusivamente sua. (...) A lei municipal em referência visa
a estabelecer o Dia da Consciência Negra, como fruto de descoberta ideológica, a título de feriado religioso. Para
nossa sorte, não temos, sob o prisma religioso, um dia de Consciência Negra, um dia de Consciência Branca e
um dia de Consciência Amarela. (...) Nós, no Brasil, estamos muito longe disso, porque conhecemos aqui a
harmonia social e racial. Temos os nossos problemas sim, mas não é pela radicalização que vamos resolvê-los,
nem instituindo feriado religioso de cunho racial”. Voto do Desembargador Aguiar Vieira. Sua posição quanto ao
fenômeno religioso no Brasil foi isolada. RIO GRANDE DO SUL. TJRS. ADI nº70007611650.
51 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. ADI nº70007645369. Cit. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de
Justiça. ADI nº70007645443. Cit. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. ADI nº70007611650. Cit. RIO
GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. ADI nº70010191815. Cit.
54 Nos últimos anos, o STF tem discutido a possibilidade de o recurso extraordinário receber um certo sentido
objetivo. O debate iniciou-se ligado às decisões proferidas pelos Juizados Especiais Federais. Sobre o tema:
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MC RE 376.852-2/SC. Relator: Min. Gilmar Mendes. Brasília, 27 mar. 2003.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AC MC 272-9/RJ. Relator: Min. Ellen Gracie. Brasília, 06 out. 2004.
Disponíveis em: www.stf.gov.br. Acesso em: fev.2007. No segundo julgado assim se manifestou o Min. Gilmar
Mendes: “É o fenômeno que temos chamado de “relativa objetivação do recurso extraordinário”, que reputo
extremamente alvissareira - fenômeno já verificado no recurso de amparo espanhol, na
“Verfassungsbeschwerde” alemã”.
Em segundo lugar, uma das técnicas de interpretação utilizada foi a leitura da Constituição
Federal a partir da legislação. É, efetivamente, um modo complementar de se avaliar a
constitucionalidade, que possui o mérito de demonstrar vênia pelas escolhas do legislador
democraticamente eleito. Porém, em algumas matérias a técnica pode se mostrar dúbia. É
justamente o que acontece quando o que está em jogo é um conflito de competências
federativas, ressalvada em grande medida a competência concorrente. Se a repartição de
competências for interpretada em face da lei federal, as competências municipais e
estaduais podem ficar à sua mercê, pois a querela pode ser centrar-se exatamente na
possível invasão das competências dos entes locais ou regionais pela União.
O último caso a ser visto é bastante diferente dos até aqui elencados. Nele, o debate foi
dirigido ao caráter religioso de um feriado. Foi uma ação de indenização por danos morais
ajuizada por um fiel católico contra o feriado estabelecido em lei distrital. O autor sentiu-se
“envergonhado, humilhado, desmoralizado” pela instituição de um feriado “discriminatório”, o
“dia do evangélico”. Ele sustentou a inconstitucionalidade da lei, por ferir o princípio da
igualdade (art. 5º, CF/88) e a vedação de alianças entre os entes federados e as
agremiações religiosas (art.19, I CF/88). Argumentou que a lei distrital contrariava o disposto
na Lei 9.459/97, que proíbe a discriminação religiosa56.
O desembargador relator, seguido pelos demais, considerou que estava dentro da esfera de
competência distrital legislar sobre feriados, mesmo os religiosos, que não recaem nas
vedações federativas estipuladas no art.19, I da Constituição Federal. Negou que a
instituição de um feriado religioso, cívico ou cultural configure discriminação ou preconceito,
afastando de plano a incidência de Lei nº9.459/97. Quanto ao princípio da igualdade, referiu:
Registre-se que da mesma maneira que se institui, por lei, no âmbito do Distrito Federal, feriado
no dia 30 de novembro, data comemorativa do dia do evangélico, vários são os outros dias do
ano, por tradição religiosa católica, considerados feriados nacionais, em comemoração a algum
santo, a exemplo da Semana Santa, Corpus Christi, Nossa Senhora Aparecida, para não dizer
dos feriados municipais em comemoração ao dia da santa ou santo padroeiro da cidade. (...) São
dias dedicados à oração, à peregrinação e reflexão dos católicos, mas que os credos de outras
religiões, a exemplo dos evangélicos, não podem sentir constrangimento, vergonha, humilhação
55 Além da presunção de constitucionalidade, as leis municipais contavam com um precedente do STF a seu
favor. Não se parte do pressuposto de que os Tribunais devam operar uma genuflexão ao precedente, mas, se
ele não for seguido, é necessário discriminar os motivos, salientando as diferenças e a não-aplicabilidade ao
caso, em nome da segurança jurídica e do princípio da igualdade.
56 DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 2001.01.1.087576-6. Relator: Des. Jair Soares.
Quarta Turma Cível. Brasília, 05 nov. 2001. Disponível em: www.tjdft.gov.br. Acesso em:jul. 2006.
58 Em muitas agremiações são aceitos os trabalhos de emergência, como o hospitalar, desde que o fiel não se
locuplete com os valores obtidos, doando-os aos necessitados. A noção de incentivo ao trabalho alheio no
período de guarda inclui, por exemplo, fazer compras, freqüentar restaurantes, utilizar transporte público, manter
estabelecimento próprio em funcionamento, etc.
59 Nos Estados Unidos, a Suprema Corte deslindou um caso de uma sabatista que não conseguira receber o
seguro-desemprego, pois recusara uma oferta de trabalho em razão do Sábado. A Corte julgou que a denegação
do seguro-desemprego obliterava indevidamente a manifestação das convicções religiosas da sabatista. Sherbert
v. Verner 374 U.S. 398 (1963). COHEN, op. cit., p.560 e ss. No Canadá houve interessante discussão sobre uma
lei da província Ontário que determinava o fechamento de estabelecimentos comerciais de pequeno porte aos
domingos, a fim de garantir o repouso dos empregados. Havia uma exceção para os sabatistas, que poderiam
fechar aos sábados e abrir aos domingos. Segundo a Corte, a lei atendeu a propósitos seculares ao estabelecer
o domingo como dia de repouso e buscou neutralizar os impactos adversos, ou seja, os ônus criados aos
sabatistas. A lei foi considerada proporcional, pois conseguiu equalizar os direitos dos trabalhadores e dos fiéis.
Mas a Corte não considerou que a lei violava direitos daqueles que pretendiam abrir seus estabelecimentos
apenas por razões econômicas. CANADA. R. v. Edwards Books and Art. Ltd., (1986) 2 S.C.R. 713. Disponível
em: http://www.canlii.org/ca/cas/scc/1986/1986scc75.html. Acesso em: jul.2006. Na Corte Européia de Direitos
STF
STJ
6,9%
3,4% TRFs
TJs
37,9%
51,7%
Humanos tem-se o caso Kosteski v. The Former Yugoslav Republic of Macedonia, que versou sobre o
comparecimento ao trabalho e a observância dos feriados religiosos muçulmanos. Na antiga Iuguslávia havia
feriados religiosos de observância geral e outros que somente poderiam ser gozados pelos fiéis do credo
correspondente à data. No caso, a CEDH não reconheceu violações aos direitos do peticionário, que fora punido
por faltar ao trabalho nos feriados muçulmanos. O rumo decisório, entretanto, foi sedimentado na recusa do
peticionário em fazer prova de que era muçulmano e no levantamento de indícios, em sede doméstica, de que ele
não pertencia ao grupo religioso que alegava. Disponível em: http://www.echr.coe.int/echr. Acesso em: jun.2006.
Em 2002, o Ministro Marco Aurélio Mello indeferiu um pedido liminar da União para sustar a
segurança concedida a um sabatista para a realização de concurso público. Na
fundamentação, reputou de menor extensão qualquer prejuízo, por tratar-se de um único
candidato, considerou cabível a incomunicabilidade e frisou que a única pessoa a correr
riscos era o próprio impetrante60. Posteriormente, a União comunicou a perda do objeto.
No ano seguinte, o STF foi provocado a manifestar-se sobre a matéria, pois a lei do Rio
Grande do Sul protetiva dos sabatistas foi alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade,
proposta pelo Governador do Estado. Como fundamento, foram apontados diversos vícios
formais. Sobre a constitucionalidade material, sustentou-se que o enunciado normativo
violava os princípios da igualdade e da laicidade do Estado, por submetê-lo ao interesse de
uma religião. Também foi tarjada de materialmente inconstitucional por criar indevidamente
obrigações para entidades privadas (universidades e escolas). Asseverou-se, ainda, que da
objeção de consciência surgem implicações ao objetor, que deve com elas arcar. A
Assembléia Legislativa, prestando informações, defendeu a constitucionalidade da lei, em
especial por tratar-se da tutela de Direitos Fundamentais assegurados pela Constituição e
por Pactos e Declarações internacionais de Direitos Humanos. A lei seria uma salvaguarda
contra a imposição de atos por entes administrativos e privados que obrigam os fiéis a
abdicar da sua religião61.
60 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. SS 2.144 DF. Relator: Min.Marco Aurélio Mello. Brasilia, 18 abr. 2002.
Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em: jan.2007.
61 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2.806-5 RS. Relator: Min. Ilmar Galvão. Brasília, 27 jun. 2003.
Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em: maio 2005.
Para não incorrer nessa conclusão, poder-se-ia sugerir que o Tribunal entendeu que a
liberdade religiosa não seria digna da proteção legislativa em face da autonomia
universitária, ou seja, que esta preponderaria sobre aquela. Ou, ainda, que o Tribunal,
delimitando o direito à liberdade religiosa, concebeu que a tutela do dia de guarda diante das
universidades não faria parte do seu âmbito de proteção, ao ensejo da teoria do suporte
fático restrito dos Direitos Fundamentais64. Esse pensar é, porém, forçoso, pois foi
declarada a inconstitucionalidade formal, não foram nem referidos nem seguidos postulados
normativos, tampouco houve argumentação acerca da delimitação do suporte fático da
liberdade religiosa no caso.
O Ministro Sepúlveda Pertence, aderindo ao voto do Relator, acrescentou que a lei era,
também, materialmente inconstitucional:
Pergunto: seria constitucional uma lei de iniciativa do Poder Executivo que subordinasse assim o
andamento da Administração Pública aos “dias de guarda” religiosos? Seria razoável, malgrado
fosse a iniciativa do governador, acaso crente de alguma fé religiosa que faz seus cultos na
segunda-feira à tarde, que todos esses crentes teriam direito a não trabalhar na segunda feira e
pedir reserva de outra hora para seu trabalho? É desnecessário à conclusão, mas considero
realmente violados, no caso, princípios substanciais, a partir do “due process” substancial e do
caráter laico da República65.
Ciente de que a maioria dos ministros não estava aferindo a constitucionalidade material, o
Ministro Sepúlveda Pertence não desenvolveu maiores argumentos, tão-somente invocou o
postulado do devido processo legal substantivo e o princípio da laicidade estatal, indicando
sua posição para futuros casos. Sua linha argumentativa discrepa daquela do Ministro Marco
Aurélio na Suspensão de Segurança narrada linhas atrás. Não há, pois, guia autoritativo do
STF no assunto.
63 Claro é que não poderia o legislativo estadual normatizar a atuação de IES não pertencentes ao seu sistema
de ensino, como é o caso das Universidades Federais situadas no território do Estado. Quanto a essas, não há
dúvidas de que se trata de um problema de competência federativa.
64 Sobre a teoria imanente dos direitos fundamentais: SILVA, Virgílio Afonso da. O conteúdo essencial dos
direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais. Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, ano
1, n. 4, p.29, out/dez 2006. PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos
fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
Nos Tribunais Regionais Federais, foram identificados quinze julgados envolvendo o dia de
guarda, distribuídos do seguinte modo (resultados expressos em %):
66 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RMS 16.107/PA. Relator: Min. Paulo Medina. Sexta Turma. Brasília, 31
maio, 2005. Disponível em: www.stj.gov.br. Acesso em: maio 2006.
68 O voto causa certa perplexidade ao leitor no que respeita à invocação da igualdade material. De um lado,
houve conceituação do viés material da igualdade, como a necessidade de se reconhecer algumas diferenças e
conceder, à sua luz e até certo ponto, tratamento diferenciado aos indivíduos. De outro, para justificar a ausência
de lesão à igualdade material, foi asseverado que nem a lei, nem o edital criam diferenças em virtude de religião,
tratando genericamente todos os interessados, ou seja, houve claro emprego do conceito de igualdade formal.
13,33
40
6,66
6,66
33,33
0 10 20 30 40
13,33
13,33
20
53,33
0 10 20 30 40 50 60
69 BRASIL. Tribunal Regional Federal (5. Região). RMO MS nº 88213. Relator: Juiz Francisco Cavalcanti.
Segunda Turma. 14 set., 2004. Disponível em: www.trf5.gov.br. Acesso em: jul. 2006. O magistrado a quo
concedeu a segurança com fulcro na liberdade religiosa e na inexistência de prejuízo à administração e a
terceiros.
Em dois dos julgados nos quais o direito de realização da prova foi reconhecido, havia uma
peculiaridade fática. As provas não exigiam simultaneidade nem sigilo e estavam marcadas
para mais de um dia da semana. Na motivação de um dos acórdãos, a máxima efetividade
dos Direitos Fundamentais e a necessidade de interpretá-los extensivamente foram os
principais argumentos. Os princípios da isonomia e da impessoalidade foram interpretados
não como obstáculos aos direitos dos fiéis, mas como fundamento para sua plena
realização71. No outro acórdão, a ausência de prejuízo à administração pública e aos
demais candidatos foi o móbil central72. Em outros dois casos, nos quais os candidatos
haviam realizado as provas simultâneas e sigilosas albergados em liminares que permitiram
a incomunicabilidade, foram argumentos a preservação da liberdade de culto e a ausência
de prejuízos a terceiros e ao interesse público e, em um deles, a consumação do fato73.
Nos três casos restantes, foi negado o direito de realizar provas em horários alternativos. Em
dois deles, considerou-se que a administração não criara qualquer óbice aos candidatos, ao
contrário, era um obstáculo auto-imposto74. Nesses mesmos acórdãos, encontra-se uma
interpretação diferenciada acerca da existência de privação de direitos em virtude de credo
religioso. Negada sua existência em um, foi admitida no outro, mas reputada permissível
porque não havia cumprimento das obrigações legais pelo candidato75. No terceiro julgado,
houve exame de colisão horizontal de princípios. De um lado, a liberdade de crença e, de
70 BRASIL. Tribunal Regional Federal (4. Região). AgI 2001.04.01.0022499-6/RS. Relator: Des. Amaury Chaves
de Athayde. Quarta Turma. 04 out. 2001. Disponível em: www.trf4.gov.br. Acesso em: jul. 2006.
71 BRASIL. Tribunal Regional Federal (3. Região). 2002.61.00.000026-5 AMS -SP 240650. Relator: Juiz Renato
Barth. Terceira Turma. 1 fev. 2006. Disponível em: www.trf3.gov.br. Acesso em: jan. 2007.
72 BRASIL. Tribunal Regional Federal (4. Região). REO MS 95.04.09256-0/RS. Relator: Juíza Sílvia Maria
Gonçalves Goraieb. Quarta Turma. 12 dez. 1995. Disponível em: www.trf4.gov.br. Acesso em: jul. 2006.
73 BRASIL. Tribunal Regional Federal. (4. Região). REO MS 2002.70.00.068143-9/PR. Relator: Juiz Luiz Carlos
de Castro Lugon. Terceira Turma. 22 jul. 2004. Disponível em: www.trf4.gov.br. Acesso em: jul. 2006. BRASIL.
Tribunal Regional Federal. (4. Região). REO MS 2002.70.00.069053-2/PR. Relator: Juíza Sílvia Maria Gonçalves
Goraieb. Terceira Turma. 18 nov. 2003. Disponível em: www.trf4.gov.br. Acesso em: jul. 2006.
74 Aqui, mais uma vez, pode-se sugerir a adesão à tese do suporte fático restrito dos Direitos Fundamentais.
Estariam fora do âmbito de proteção do direito à liberdade religiosa as chances perdidas - seja em concursos
públicos, cursos de formação, educação - em virtude de o indivíduo orientar-se segundo os dogmas de sua
agremiação. O resultado seria, evidentemente, um direito assaz estreito e, por vezes, inábil a proteger um
contingente significativo de heterodoxias. Porém, novamente não há argumentos encadeados nesse sentido,
existe apenas menção ao fato de o óbice ser auto-imposto.
75 BRASIL. Tribunal Regional Federal. (4. Região). AgI 2001.04.01.0022499-6/RS. Relator: Des. Amaury
Chaves de Athayde. Quarta Turma. 04 out. 2001. Disponível em: www.trf4.gov.br. Acesso em: jul. 2006. BRASIL.
Tribunal Regional Federal. (2. Região). AMS 2001.51.01.021679-2/RJ. Relator: Juiz Franca Neto. Quinta Turma.
28/09/2004. Disponível em: www.trf2.gov.br. Acesso em: jul.2006.
A análise dos julgados sobre concursos públicos nos TRFs conduz, pelo menos, a quatro
conclusões. Primeira. Não há um rumo decisório sedimentado nos Tribunais. Segunda. Há
uma tendência à concessão da medida liminar pelo juízo a quo. Terceira. Determinados
princípios recebem conteúdos divergentes, funcionando tanto para o reconhecimento dos
direitos dos fiéis, quanto para sua denegação. É o que se passa com os princípios da
igualdade e da impessoalidade. Quarta. A existência de restrição a direitos fundamentais é
controversa. Quando ela é admitida, há sopesar de princípios, mas das argumentações é
impossível extrair quais critérios (postulados normativos) levaram os julgadores a conferir
maior peso a um grupo de princípios e não a outro.
Nos três julgados relativos aos concursos vestibulares, em um (33,33%) houve perda do
objeto, mas o candidato havia realizado as provas com amparo em medida liminar
confirmada em sentença79. Os demais receberam decisões antagônicas. Adentrando no
mérito, em um julgado (33,33%) os desembargadores consideraram que a procedência do
pedido levaria à criação de um privilégio injustificável ao vestibulando sabatista e atentaria
contra o caráter leigo da República80. Sem ensecar o mérito, em Agravo de Instrumento
76 BRASIL. Tribunal Regional Federal. (4. Região). AMS nº2004.72.00.017119-0/SC. 3ª Turma. Relator: Desa.
Sílvia Maria Gonçalves Goraieb. 22 ago. 2005. Disponível em: www.trf4.gov.br. Acesso em: jul. 2006.
77 BRASIL. Tribunal Regional Federal. (1. Região). AMS nº1997.01.00.040137-5/DF. Relator: Juiz Souza
Prudente. 15 fev. 2004. Disponível em: www.trf1.gov.br. Acesso em: jul.2006. Interessante colacionar que as
candidatas prestavam concurso para a Polícia Federal e, por esta razão, houve um toque admonitório no voto,
advertindo-as de que não prosperariam pedidos de mudança de escala de trabalho ou compensação de faltas em
períodos de guarda.
78 BRASIL Tribunal Regional Federal. (1. Região). AMS 96.01.04890-1/DF. Relator: Juiz Amilcar Machado.
Primeira Turma. 17 mar. 2000. Disponível em: www.trf1.gov.br. Acesso em: maio 2006.
79 BRASIL. Tribunal Regional Federal. (1. Região). REO MS 89205/SE (2004.85.00.000115-4). Relator: Des.
Marcelo Navarro. 15 fev. 2006. Disponível em: www.trf1.gov.br. Acesso em: jul. 2006.
80 BRASIL. Tribunal Regional Federal. (1. Região). REO 90.01.01978-1/GO. Relator: Juiz. Hércules Quasímodo.
Segunda Turma. 06/11/1990. Salienta-se que este é o julgado mais antigo sobre o dia de guarda.
81 BRASIL. Tribunal Regional Federal. (1. Região). AgI 2001.01.00.050436-4/PI. Relator: Des. Jirair Aram
Meguerian. 21 ago. 2002. Disponível em: www.trf1.gov.br. Acesso em: maio 2006.
82 O art.24 da LDB define que a freqüência mínima exigida é de 75% para a educação básica. O enunciado
normativo relativo ao ensino superior torna apenas obrigatória a freqüência de professores e alunos, não
definindo um percentual, embora a prática administrativa de muitas IES seja estipular em 75%. Além disso, é
mister informar que o abono de faltas, admitido pela legislação anterior, foi substituído pelo regime de
compensação de ausências, no qual o discente efetua atividades alternativas prescritas, compensando sua
ausência em sala. Estudantes enfermos e gestantes têm direito a requerê-lo. Para aqueles que estão prestando o
serviço militar obrigatório, existe o sistema de justificação, cabendo ao estudante requerer regime especial, que
não o isenta de atividades escolares. Em 2004, lei federal admitiu um caso de abono, destinado ao representante
discente no CONAES que tenha participado de reuniões em horários de atividades acadêmicas. A Portaria do
MEC nº2253/01, por seu turno, admitiu que, em cursos superiores presenciais, sejam oferecidas disciplinas não-
presenciais, desde que não ultrapassem 20% da carga horária total do curso (hipótese válida para as IES
pertencentes ao Sistema Federal de Ensino). Cf. BRASIL. Lei nº9.394/96 (atualizada). BRASIL. Decreto-Lei nº
1.044/69. BRASIL. Lei nº6.202/75. BRASIL. Decreto-Lei nº715/69. BRASIL. Lei nº10.861/04. Disponíveis em:
www.planalto.gov.br. Acesso em: jan.2007. BRASIL. MEC. Portaria nº2253/01. Disponível em:
http://www.cev.org.br/br/biblioteca/leis_detalhe.asp?cod=107 Acesso em: jan.2007.
83 O MEC, desde 1984, mantém firme seu posicionamento de não aceitar a escusa de consciência dos
acadêmicos sabáticos para fins de compensação de ausências. No Parecer nº 430/84, do extinto CFE, a
conclusão foi de não haver amparo legal para o reclame dos estudantes que, por motivos religiosos, não
compareciam às aulas em certos dias da semana. Em manifestação posterior, a Câmara de Educação Básica
lembrou que esta questão diz respeito diretamente à LDB e à educação nacional e, citando o parecer 731/99, da
Consultoria Jurídica do MEC, concluiu que, na ausência de regra infraconstitucional sobre o tema, não assiste o
direito de escusa de consciência religiosa aos acadêmicos sabáticos para efeitos de compensação de ausências,
já que a assiduidade escolar, no ensino regular, é imposta a todos os estudantes. CF. BRASIL. MEC. CEB.
Parecer nº 15/99, aprovado em 04.10.99. e CUNHA, Sebastião Fagundes. Abono de faltas e escusa de
consciência por convicção religiosa. Revista Aporia Jurídica. Disponível em:
http://www.cescage.com.br/graduacao/direito/artigos_aporia%20juridica/abono_falt as.htm Acesso em: set.2002.
Nos Tribunais de Justiça, foram encontrados onze julgados tratando do tema do dia de
guarda. Muitos deles assemelham-se aos dos Tribunais Regionais Federais, mas há alguns
que apresentam um conjunto fático bastante distinto (figura, resultados em %). O relato
iniciar-se-á pela descrição de situações singulares e depois serão catalogados os demais.
18,18
45,45
36,36
0 10 20 30 40 50
84 BRASIL. Tribunal Regional Federal. (1. Região). AMS nº1997.01.00.006643-4/RO. Relator: Juiz João Carlos
Mayer Soares. 1ª Turma Suplementar. 25 fev. 2003. Disponível em: www.trf1.gov.br. Acesso em: jun. 2006.
85 BRASIL. Tribunal Regional Federal. (4. Região). Apelação Cível nº 2003.70.02.005660-9/PR. Relator: Des.
Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz (vencido). Relator: Acórdão. Desa. Sílvia Maria Gonçalves Goraieb.
10/10/2005. Disponível em: www.trf4.gov.br. Acesso em: jul. 2006.
Interessante situação foi decidida pelo TJDFT. Um professor judeu, que não aderira a um
movimento grevista, teria de repor aulas em seu período de guarda. Como o servidor público
mantivera-se à disposição da escola e dos alunos, o Tribunal considerou ilegal a exigência
de reposição das aulas aos sábados. Os fundamentos jurídicos foram os seguintes: a)
ilegalidade da greve de servidores públicos; b) cumprimento do dever pelo professor; c)
liberdade de culto, considerada direito natural e personalíssimo87.
A pesquisa indicou quatro casos sobre concursos públicos, dois do TJPR, um do TJRS e um
do TJMT. O direito à realização das provas foi reconhecido em um julgado (25%). Os
desembargadores consideraram que a incomunicabilidade, tal como permitida em liminar e
confirmada em sentença, não causava qualquer prejuízo ao interesse público ou à higidez
do concurso e primava pela realização dos direitos de liberdade religiosa e de acesso aos
cargos públicos. Entenderam que a impessoalidade pode ser quebrada a fim de assegurar a
igualdade material, desde que não se configurem benefícios ou prejuízos demasiados.
Dentre todos os julgados, esse foi o único que atentou, ainda que brevemente, para as
situações fáticas de desigualdade advindas de normas gerais: “Da mesma maneira que são
vedadas normas que importem qualquer tipo de discriminação, também devem ser evitadas
situações fáticas que impeçam o igual acesso ao concurso público”88.
86 GOIÁS. Tribunal de Justiça. AgI. 200401512929. Relator: Des. Ubaldo Ferreira. 14 dez. 2004.
87 DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça. APC 3910196/DF. Relator: Des. Nívio Gonçalves. Terceira Turma
Cível. 19/08/1996. Disponível em: www.tjdft.gov.br. Acesso em: maio 2006.
88 PARANÁ. Tribunal de Justiça. MS nº132.338-8. IV Grupo de Câmaras Cíveis. Relator: Des. Celso Rotoli de
Macedo. 28 mar. 2003. Disponível em: www.tj.pr.gov.br. Acesso em: ago. 2006.
89 PARANÁ. Tribunal de Justiça. Reexame Necessário nº0162664-2. Relator: Des. J. Vidal Coelho. Terceira
Câmara Cível. 10 maio 2005. Disponível em: www.tj.pr.gov.br. Acesso em: maio 2006.
O TJRS não proveu Agravo de Instrumento interposto por candidatas sabáticas contra
decisão denegatória de antecipação da tutela. Valendo-se das razões expostas no parecer
ministerial, os magistrados asseveraram que os dois pólos amparavam-se em princípios
constitucionais, a liberdade religiosa e a igualdade. Ademais, verificaram a contraposição
entre um interesse individual e o interesse público, julgando necessário fazer preponderar o
interesse público sobre o privado, bem como a igualdade em face da liberdade religiosa92.
Do exame desses acórdãos, nota-se que em 75% não houve reconhecimento do direito de
participar de provas de concursos públicos em horários alternativos.
91 MATO GROSSO. Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº2.427. Relator: Des. Leônidas Duarte
Monteiro. Câmaras Cíveis Reunidas. 04 maio 2000. Disponível em: www.tj.mt.gov.br. Acesso em: maio 2006.
92 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº70011459534. Relator: Des.
Wellington Pacheco Barros. 27 maio 2005. Disponível em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em: maio 2006. É de anotar
que uma das certamistas compareceu à prova no Sábado, contrariando os mandamentos de sua religião.
93 PERNAMBUCO. Tribunal de Justiça. MS 49674-8. Relator: Des. Macedo Malta. 02 fev. 2000. Disponível em:
www.tj.pe.gov.br. Acesso em: maio 2006. MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. MS nº1.0024.04.521459-0/001.
Relator: Des. Geraldo Augusto. 10 maio 2005. 1º Grupo de Câmaras Cíveis. Disponível em: www.tjmg.gov.br
Acesso em: maio 2006. A análise do viés religioso emergiu apenas no voto vencido do julgado mineiro, no qual
considerou-se não haver privação de direitos por motivo de crença ou culto e existência de lesão ao interesse
público e ao princípio da igualdade.
94 RONDÔNIA. Tribunal de Justiça. 00120040128767. Relator: Des. Eliseu Fernandes. 08 mar. 2006. Disponível
em: www.tj.ro.gov.br. Acesso em: maio 2006. MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. AMS 1.0024.04.521642-
1/001(1). Relator: Des. Hugo Bengtsson. 16 ago. 2005. Disponível em: www.tjmg.gov.br. Acesso em: maio 2006.
RONDÔNIA. Tribunal de Justiça. 001200201805969. Juiz convocado José Antônio Robles. 20 jul. 2005.
Disponível em: www.tj.ro.gov.br. Acesso em: maio 2006.
À luz dessas informações, necessário dizer que nos acórdãos analisados foi preponderante
o viés tradicional do direito administrativo. O que conduz a um outro tópico - igualmente
nuclear nas diferenças entre o direito administrativo tradicional e o constitucionalizado - o
modo de fundamentação das decisões judiciais relativas ao controle dos atos da
administração99.
98 Como ilustração de expoentes do direito administrativo tradicional: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
Administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007. MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São
Paulo: Malheiros. Sobre o direito administrativo constitucionalizado: JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito
administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo:
direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
99 No modo tradicional, muito influenciado por correntes do positivismo estrito, alguns jargões (e.g., interesse
público), tomados como simples comando a priori, dogmas, ou axiomas, podem se converter em um absoluto que
oblitera o debate. Sem que se conheçam seus conteúdos, suas formulações teóricas e sua conformação aos
casos, podem eles demudar-se em um rótulo que traduz tanto as mais sinceras e aceitáveis motivações, quanto
as mais arraigadas vertentes ideológicas, muitas vezes situadas à longa distância da idéia de razão pública. Sem
o devido labor de determinação, são hábeis a tornar-se um locus argumentativo privilegiadíssimo, cuja simples
invocação é capaz de encerrar e fundamentar o deslinde de um problema concreto, por mais que ele se afigure
um hard case.
100 Sobre o assunto, existe farta literatura nacional e estrangeira. Destaca-se alguns: ALEXY, Robert. Teoria de
los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993. NOVAIS, Jorge Reis. As
restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição. Coimbra: Coimbra,
2003. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo:
Malheiros, 2003. SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen
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Juris, 2000. BARCELLOS, Ana Paula de; BARROSO, Luís Roberto. O começo da história: a nova interpretação
constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: SILVA, Virgílio Afonso da. Interpretação
constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005. p.271-316. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da
constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5. ed. rev. ampl. atual. São Paulo:
Saraiva, 2003. DWORKIN, Ronald. Los derechos en serio. Tradução Marta Gustavino. Barcelona: Ariel, 1995.
Nos acórdãos examinados, três pontos demonstram com singularidade esse problema.
Primeiro, o conceito indeterminado interesse público, via de regra, não recebeu
determinação de conteúdo. Em certas ocasiões foi associado à igualdade, noutras à seleção
do candidato mais apto, noutras à ausência ou presença de prejuízos à administração e, na
maior parte, foi usado como se seu conteúdo fosse óbvio e por todos conhecido. Em
nenhum julgado houve distinção entre interesse público primário e secundário, tal qual
levantado nas razões dos autores e, por vezes, em pareceres ministeriais104. Segundo. Ao
princípio da igualdade foram conferidas duas interpretações diametralmente opostas, o
mesmo valendo, em menor medida, para o princípio da impessoalidade. Terceiro, pese
embora a presença de um feixe de princípios constitucionais possivelmente incidentes sobre
as hipóteses de fato, normalmente não são perceptíveis os padrões adotados para negar
incidência - conferindo a alguns direitos suporte fático restrito -, nem para identificar a
PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006.
101 Os termos são de Virgílio Afonso da Silva. SILVA, Virgílio Afonso da. O conteúdo... op. cit., p. 25. SILVA,
Virgilio Afonso da. Interpretação constitucional e sincretismo metodológico. In: SILVA, Virgílio Afonso da (Org.).
Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005. Ressalta-se que a locução sincretismo metodológico
não se refere, de modo algum, ao toque do direito com a realidade, com a interpretação situada num contexto
espaço-temporal determinado, influenciada por elementos extra-sistêmicos. O autor emprega a expressão para
os casos nos quais se aplicam, simultaneamente, metodologias decisórias incompatíveis entre si.
102 Sabe-se que o autor utilizada a expressão para os excessos cometidos no uso dos princípios dentro do
paradigma de constitucionalização do direito. Acredita-se, porém, que a idéia pode ser transplantada para o
modus de fundamentação das decisões no direito administrativo tradicional, pois apresenta-se um similar
desvirtuamento dos princípios, embora as bases de cada um sejam distintas. SARMENTO, Daniel.
Ubiqüidade..., op. cit., p.83. Constitucional: os dois lados da moeda. Mímeo. Texto posteriormente publicado na
Revista de Direito do Estado, nº2, p.83.
104 Houve acórdãos nos quais a supremacia do interesse público conviveu com o postulado da
proporcionalidade.
Quinta. O conjunto de julgados ilumina um aspecto que, talvez, não seja perceptível em
situações insulares. Em 93,10% do universo identificado, os postulantes eram membros da
mesma agremiação religiosa, os Adventistas do Sétimo Dia105. Em assim sendo, é possível
concluir que as normas atinentes à educação pública e aos concursos públicos, ainda que
editadas sem qualquer intento discriminatório (neutras na origem ou prima facie), possuem
efeitos colaterais sobre uma minoria religiosa específica. Novamente, disso não se pode
extrair que a minoria possua um direito fundamental preponderante, mas há motivos
suficientes para aproximar-se do caso com um olhar ciumento, assegurando-se de que o
impacto sobre os interesses da minoria não se dá exclusivamente em função de um
interesse administrativo secundário ou de direitos de terceiros que facilmente poderiam ser
salvaguardados de outros modos. Trata-se de proporcionar a grupos excluídos uma arena
105 Se computada a ADI sobre a lei do Rio Grande do Sul protetiva dos sabatistas, cuja aprovação deveu-se, em
grande medida, ao labor dos Adventistas, ter-se-ia 96,56%.
7 Conclusões
Abstract: Having as stand point a comprehensive case search at Brazilian Courts (STF,
STJ, TRFs and State Courts), this research has as objective identifying the position of the
Courts in five issues related to the religious freedom and establishment clauses. To achieve
this goal, it describes the cases and decisions, focusing on the identification of the standards
adopted by the judges; adherence to previous cases; presence of constitutional transplant
and acceptance of amicus curiae briefs. As a complement, some analytic remarks are done
in each subject. As a result, it was observed that the Courts did not develop standards or
tests to guide the constitutional reasoning in these subjects matter. In some analogous
cases, the decisions were divergent, even in the same Court at the same year.
106 SARMENTO, Daniel. A igualdade étnico-racial no direito constitucional brasileiro: discriminação ‘de facto’,
teoria do impacto desproporcional e ação afirmativa. In: CAMARGO, Marcelo Novelino (Org.). Leituras
complementares de direito constitucional: direitos fundamentais. Salvador: JusPODIVM, 2006. p.125. Sobre o
impacto desproporcional ver também: GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. Ação afirmativa & princípio
constitucional da igualdade: o direito como instrumento de transformação social: a experiência dos EUA. Rio
de Janeiro: Renovar, 2001. p. 23 e ss. BLACK’S LAW DICTIONARY. op. cit. Vocábulo: disparate impact. p. 504.
MARTEL, Letícia de Campos Velho. Devido processo legal substantivo: razão abstrata, funções e
características de aplicabilidade – a linha decisória da Suprema Corte estadunidense. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2005.
107 Como exemplo, o autor menciona a ADI nº1946-DF, julgada pelo STF em 2003. SARMENTO, Daniel. A
igualdade étnico-racial... op. cit., p.128.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
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BARCELLOS, Ana Paula de; BARROSO, Luís Roberto. O começo da história: a nova
interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: SILVA, Virgílio
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/revistajuridica/index.htm
Mestre em Direito pela UNIMEP e doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA.
Professor de Direito Civil e Empresarial na UNIP. Advogado especializado em Propriedade
Intelectual.
jcardoso@jurisdoctor.adv.br
Resumo: O presente artigo tem como escopo contribuir com a difusão dos direitos autorais
entre os estudantes que vivem à guisa da produção de obras intelectuais quer no âmbito da
graduação ou da pós-graduação. Visa, sobretudo, transmitir informações doutrinárias e
legais, a fim de que produzam seus trabalhos acadêmicos com maior consciência e
segurança, sem que venham a incorrer em crassa violação de direitos de autor por falta de
conhecimento, quer seja o plágio, contrafação ou outros ilícitos civis e penais. Para que a
violação não ocorra, é necessário reconhecer que o trabalho acadêmico é obra intelectual,
caracterizado como documento e, portanto, protegido pela legislação pátria desde a
Constituição Federal até a lei específica de direitos autorais, bem como pelos acordos e
tratados internacionais dos quais o Brasil é país signatário. Logo, sua violação é tipificada
como crime. Além da orientação de que as normas insculpidas na legislação autoral devam
ser seguidas, a fim de se reconhecer a necessidade e a importância das citações de autores
consagrados e suas obras, ainda que estejam em domínio público, em paralelo, chama-se a
atenção para que as normas editadas pela ABNT sejam igualmente seguidas. Desse
conjunto, evidentemente sem se olvidar da leitura, do estudo e da pesquisa, ao redigir os
trabalhos acadêmicos o estudante estará contribuindo para o desenvolvimento do tema e
para a construção do conhecimento.
“Considero o direito de autor um dos direitos sagrados, se posso exprimir-me assim. Cumpre zelá-lo e
defendê-lo. Nada mais belo do que a criação espiritual. Se fosse possível, devia ser pago em mirra, incenso
3
e ouro.”
1
O presente artigo foi publicado na forma livre no livro intitulado “Encontros de Reflexões”, 2006, p. 35-48. O
presente texto foi revisado, atualizado e ampliado.
2
O autor é Mestre em Direito pela UNIMEP e doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA. Cursou
pós-graduação em Administração de Empresas na EEP e Direito da Economia e da Empresa na FGV/RJ.
Cursou Propriedade Intelectual, e Direito de Autor e Direitos Conexos, pela Organização Mundial de
Propriedade Intelectual; Propriedade Industrial pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial e pela Escola
da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro; e Propriedade Intelectual para Gestores de Tecnologia,
módulos básico e avançado, pela UNICAMP, INPI e OMPI. É Professor de Direito Civil e Comercial na
Universidade Paulista, nos cursos de Direito e Administração de Empresas. Foi Professor de Propriedade
Industrial na Faculdade de Direito da UNIMEP e nos cursos de pós-graduação em Administração de
Empresas da Escola de Engenharia de Piracicaba e da Faculdade de Engenharia de Sorocaba. É Advogado
especializado em propriedade intelectual e foi Agente da Propriedade Industrial.
1 Introdução
Nos últimos anos, muito se tem digladiado acerca da proteção das obras intelectuais,
representadas por qualquer manifestação, quer sejam as obras escritas, a música, a pintura,
a escultura, a fotografia, as cartas geográficas, as obras arquitetônicas, os projetos de
engenharia, o programa de computador e as demais obras protegíveis pelos direitos
autorais, no âmbito das obras literárias, artísticas ou científicas.
Talvez, seja esta a razão intuitiva pela qual se têm poucos especialistas em direitos autorais
no Brasil, contribuindo sobremaneira para a lenta disseminação da matéria em todos os
segmentos da sociedade, desde os públicos empresarial e consumidor, até mesmo o
acadêmico ou universitário.
Outro fato que chamou a atenção é um crescente número de violação de direitos autorais,
quer no trabalho acadêmico durante os cursos de graduação e pós-graduação, quer nos
trabalhos de conclusão de curso. Desde reproduções de trechos inteiros sem as devidas
citações dos autores até cópias literais de um trabalho todo.
Um dos fatores que em muito tem contribuído para esta prática não só ilegal quanto
antiética, é a farta disponibilidade de trabalhos completos e de artigos publicados na internet,
notadamente para a pesquisa pública, acadêmica ou científica, o que não quer dizer que
estas publicações sejam de domínio público, e autorizariam, em tese, a cópia e/ou
reprodução indevida de textos inteiros ou suas partes, com ou sem citação dos autores e
suas fontes.
3
CEREJEIRA, D. Manuel Gonçalves apud CHAVES, Antônio. Direito de autor. 1987. p. 4.
4
Don Manuel Gonçalves Cerejeira (1888-1977), Estudou na Faculdade de Teologia de Coimbra de 1909 a 1911,
tornando-se professor e sacerdote. Doutorou-se em Letras em 1918. Foi Cardeal Patriarca de Lisboa, o chefe
da Igreja Católica portuguesa, de 1929 a 1971. Em 1967, inaugurou a Universidade Católica Portuguesa. Cf. CITI. Centro
de Investigação para Tecnologias Interactivas. No mesmo sentido: Cf. Paróquias de Portugal. O cardeal. 2002.
5
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: Direitos autorais na era digital. 1997. p. 26.
6
Ibid. p. 25.
Essa realidade inspirou a produção do presente artigo, que ainda que seja em largas
pinceladas, tem o claro intuito de oferecer uma orientação simples e prática não só aos
acadêmicos que vivem à guisa da produção de trabalhos escritos, quer no âmbito da
graduação ou da pós-graduação, como também aos professores do ensino médio e técnico,
que preparam e dão a base para os alunos freqüentarem a universidade; evitando-se assim,
a prática de atos ilícitos, notadamente da contrafação em propriedade intelectual, ou
violação de direitos autorais.
O presente artigo está dividido em sete partes, iniciando-se com um breve histórico dos
direitos autorais, seguido pela conceituação de propriedade intelectual e de direito autoral,
passando-se a tratar em seguida, de seus fundamentos jurídicos, dos prazos de proteção e
do domínio público. Na seqüência, aborda-se o trabalho acadêmico enquanto obra
intelectual, bem como enquadrando-o na figura jurídica de documento e tratando a seguir
das violações dos direitos autorais, até se chegar à prática da elaboração do trabalho, sem
contudo, se violar as normas, quer sejam de direitos autorais, quanto as NBR’s da ABNT.
CLOVIS BEVILAQUA acentua que “foi com a descoberta da imprensa e da gravura que,
facilitada a multiplicação dos escritos e obras de arte, se tornaram possíveis a exploração
industrial das produções do espírito, e o conseqüente reconhecimento de um novo direito”.
Disserta ainda que inicialmente se concederam os privilégios de reprodução das obras
intelectuais primeiro aos editores e, somente depois, aos autores.8
Somente no início do século XVI é que apareceram os primeiros privilégios concedidos aos
escritores na Inglaterra, sendo um deles a Reginald Wolf; e em 1530, ao londrino Jean
Palsgrave, graduado em Paris, concedeu-se o privilégio de venda de sua gramática
francesa, por sete anos. Neste mesmo século já se concediam privilégios e autorizações
para os autores de obras literárias na França.9
Um dos mais antigos documentos da história do direito autoral alemão foi a Ordenança de
Nuremberg de 1623, que visava reprimir a reprodução não autorizada independentemente
do autor ter o respectivo privilégio, e no mesmo sentido, em 1660, houve uma decisão do
Senado de Frankfurt.10
7
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA. Abc do direito de
autor. 1984. p. 13.
8
BEVILAQUA, Clovis. Direito das coisas. 1956. v. 1. p. 234.
9
Ibid. p. 234-235.
10
Ibid. p. 235.
Somente em 1723 que a primeira norma legal de direito de autor surgiu em França, quando
estabeleceu o seu Droit d’Edition, que consistia no “direito de fixar por signos gráficos e de
publicar uma obra”, nascendo aí a proteção das obras literárias.14
No Brasil, a primeira noção legal de direitos de autor surgiu com a lei de 11 de agosto de
1827, quando Dom Pedro I criou os dois primeiros cursos de Ciências Jurídicas no país,
garantindo aos professores a proteção às obras intelectuais que criarem para o ensino de
suas referidas disciplinas.
Somente a partir desta Convenção internacional que o Brasil incluiu em seu texto
constitucional a proteção dos direitos de autor aos brasileiros e estrangeiros residentes no
país, insculpida na Constituição de 1891, ainda que a Constituição do Império, de 1824, já
dispusesse em seu art. 179, XXVI, os princípios de proteção aos direitos de propriedade
industrial.15
Este importante e complexo ramo do direito veio, ao longo do tempo, sendo estudado e
conhecido por várias nomenclaturas, algumas utilizadas ainda hoje em vários países,
conquanto outras foram sendo abandonadas e substituídas por denominações mais
modernas.
Uma delas é direitos intelectuais, inaugurada por EDMOND PICARD17 antes mesmo da
Convenção de Berna. Como ensina o professor e senador belga, “la division tripartite
romaine: Droits personnels, Réels, Obligationnels. Les droits intellectuels ajoutés comme 4ª
11
SOARES, José Carlos Tinoco. Direitos de autor nas obras artísticas. In: Regime das patentes e royalties.
1972. p. 119.
12
Tradução livre: Lei para o encorajamento do estudo, protegendo as publicações durante o tempo aqui
mencionado.
13
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA, op. cit., p. 15.
14
SOARES, op. cit., p. 119-121.
15
CARDOSO, João Augusto. Breve histórico dos direitos autorais no Brasil e no mundo. 2002. p. 9.
16
BEVILAQUA, Clovis. Direito das coisas. 1956. v. 1. p. 235. No mesmo sentido: SOARES, op. cit., p. 121.
17
PICARD, Edmond. Le droit pur. 1899. p. 119.
Cette situation m’avait d’autant plus frappé que je m’étais livré à une étude spéciale des droits
intellectuels protégés par les Brevets d’Invention. Je meditai la question. En 1877, j’eus l’audace
de proposer d’ajouter un quatrième terme à la Division classique des Romains, sous l’étiquette
20
“Droits intellectuels”.
L’expression «droits intellectuels» a fait son apparition voilà longtemps, déjà, dans la terminologie
juridique: E. Picard l’y a introduite (1) a fin de souligner à la fois la raison d’être et la nature dês
droits patrimoniaux, reconnus aux auteurs et aux inventeus: ceux-ci méritent une telle appellation,
22
parce que le monopole qu’ils comportent se justifie par la création d’une œuvre de l’espirit.
On s’y est même appliqué à éviter le mot “propriété” pour désigner la plénitude du droit sur une
24
production de l’intelligence.
No Brasil, país fortemente influenciado pelo direito europeu, adotou-se desde seus
primórdios a expressão propriedade literária, científica e artística, a exemplo do direito
francês, no qual se espelhou, bem como na Convenção de Berna para a proteção das obras
literárias e artísticas, de 1886, que utilizava como título da matéria a propriété littéraire et
artistique, seguida pela maioria dos países signatários da Convenção.
18
Tradução livre: “A divisão romana em três partes: Direitos Pessoais, Reais e Obrigacionais. Os direitos
intelectuais se acrescentam como uma 4ª termo.”
19
PICARD, Edmond, op. cit., p. 120-121.
20
Tradução livre: “Esta situação me tinha tomado ainda mais por eu ter me entregue a um estudo especial dos
direitos intelectuais protegidos pelas Patentes de Invenção. Eu meditei sobre a questão. Em 1877, tive a
audácia de propor que se acrescentasse um quarto termo à Divisão clássica dos Romanos, sob o título de
"Direitos intelectuais”.
21
DESBOIS, Henri. Le droit d’auteur. 1950. p. 294.
22
Tradução livre: “A expressão «direitos intelectuais» teve seu aparecimento há muito tempo; já, na terminologia
jurídica, E. Picard a introduziu com o fim de acentuar ao mesmo tempo, a razão de ser e a natureza dos
direitos patrimoniais reconhecidos aos autores e aos inventores; estes merecem tal distinção, porque o
monopólio que comportam se justifica pela criação de uma obra do espírito.”
23
PICARD, Edmond, op. cit., p. 120-121.
24
Tradução livre: “Também se costuma dizer Propriedade artística, Propriedade literária, Propriedade industrial,
como se diz propriedade de um imóvel ou um móvel material (p. 120). Foi aplicável mesmo evitar a palavra
‘propriedade’ para designar a plenitude do direito sobre uma produção da inteligência” (p. 121).
O “direito de autor” tem atualmente as mesmas denominações em vários países, dos quais
destacamos por sua proximidade lingüística o Droit D'auteur dos franceses, o Diritto D'autore
dos italianos, como o Derecho de Autor dos espanhóis, seguido pelos países de língua
espanhola. Entretanto, os ingleses e os norte-americanos utilizam a expressão Copyright,
cujo sistema de proteção se difere sensivelmente do brasileiro, por se tratar do “direito de
reprodução”.
A primeira expressão supracitada no presente título, qual seja a propriedade intelectual, vem
definida pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI, com sede em
Genebra, Suíça, sendo este um dos 14 órgãos especializados da Organização das Nações
Unidas, justamente na Convenção que a criou em 1967, cuja definição que abaixo se
transcreve também é verbete de seu glossário oficial de termos e definições:
26
PROPRIÉTÉ INTELLECTUELLE.
Dans la Convention instituant l’OMPI il faut entendre par “propriété intellectuelle”, les droits relatifs
: aux oeuvres littéraires, artistiques et scientifiques, aux interprétations des artistes interprètes et
aux exécutions des artistes exécutants, aux phonogrammes et aux émissions de radiodiffusion,
aux inventions dans tous les domaines de l’activité humaine, aux découvertes scientifiques, aux
dessins et modèles industriels, aux marques de fabrique, de commerce et de service, ainsi qu'aux
noms commerciaux et dénominations commerciales, à la protection contre la concurrence
déloyale; et tous les autres droits afférents à l’activité intellectuelle dans les domaines industriel,
27
scientifique, littéraire et artistique.
Antes de se definir direito autoral, convém ressaltar que, como se verificou acima, este é
espécie do gênero “propriedade intelectual”, e tem sede no Direito Civil. Didaticamente,
podemos dizer que a propriedade intelectual é o gênero que abarca duas espécies
principais: os direitos autorais e a propriedade industrial, sendo esta segunda, matéria
compreendida pelo Direito Comercial.28 Dentre as espécies, outros autores também
classificam os “conhecimentos tradicionais” e os “cultivares”. Considera-se, aqui, as duas
principais espécies citadas – o Direito de Autor e a Propriedade Industrial – como “direitos
especiais”, quer sejam entendidas como espécies ou subespécies do gênero propriedade
intelectual.
25
MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. v. 5. 1963. p. 12.
26
PROPRIÉTÉ INTELLECTUELLE. Cf. ORGANISATION MONDIALE DE LA PROPRIÉTÉ
INTELLECTUELLE. Glossaire: terms et définitions. 2002. p. 49. Cf. Convenio de la OMPI. Art. 2, (viii).
1967.
27
Tradução livre: PROPRIEDADE INTELECTUAL. Na Convenção que instituiu a OMPI ela faz entender por
“propriedade intelectual”, os direitos relativos: às obras literárias, artísticas e científicas, as interpretações dos
artistas intérpretes e as execuções dos artistas executantes, dos fonogramas e as emissões de radiodifusão,
as invenções em todos os campos da atividade humana, as descobertas científicas, os desenhos e modelos
industriais, as marcas de fábrica, de comércio e de serviço, assim como aos nomes e denominações
comerciais, a proteção contra a concorrência desleal, e a todos os demais direitos relativos a atividade
intelectual nos terrenos industrial, científico, literário e artístico.
28
CARDOSO, João Augusto. Direitos autorais dos engenheiros e arquitetos. Juris Doctor: revista jurídica, 2002.
Direito autoral é o que tem o autor de obra literária, científica ou artística, de ligar o seu nome às
produções do seu espírito e de reproduzi-las, ou transmiti-las. Na primeira relação, é
29
manifestação da personalidade do autor; na segunda, é de natureza real, econômica.
Um outro conceito de direito de autor que merece ser considerado é dado pela OMPI30, que
além de tratar dos institutos protegidos, cuida da finalidade e de uma compensação pela
criação intelectual, como se verifica na citação abaixo:
Em breve noção, pode-se assentar que o Direito de Autor ou Direito Autoral é o ramo do Direito
Privado que regula as relações jurídicas, advindas da criação e da utilização econômica de obras
32
intelectuais estéticas e compreendidas na literatura, nas artes e nas ciências.
Em sua obra Diritto D’Autore, AMEDEO GIANNINI33 disserta que “la convenzione di Berna
dispone all’ art. 2, primo comma, che il termine ‘opere letterarie ed artistiche’ comprende
‘toutes les productions du domaine littéraire, scientifique et artistique’.”34
A diferença essencial, que existe entre direito de autor e o de propriedade material, revela-se
tanto pelo modo de aquisição originário (único título: criação da obra), como pelos modos de
aquisição derivados, lembrando Bluntschli que no direito autoral uma perfeita transferência não
29
BEVILAQUA, Clovis. Direito das coisas. 1956. v. 1. p. 233. Também citado por: Cf. CHAVES, Antônio. Direito
de autor. 1987. p. 16.
30
OMPI. El concepto de derecho de autor, antecedentes históricos y marco internacional. In: Curso de derecho
de autor y derechos conexos. 2003. p. 5.
31
Tradução livre: “Por direito de autor se entende um conjunto de direitos exclusivos determinados à proteção
das obras literárias e artísticas. A finalidade do direito de autor é promover as ciências, a cultura e as artes.
Por isso se oferece uma compensação aos criadores de tais obras e se trata de alcançar um equilíbrio entre
os direitos desses criadores e os direitos dos empresários, como os editores, os organismos de radiodifusão,
as empresas discográficas, etc., e os direitos do público.”
32
BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 1994. p. 8. No mesmo sentido: Cf. Id., 1989. p. 15.
33
GIANNINI, Amedeo. Il diritto d’autore. 1943. p. 251.
34
Tradução livre: “a Convenção de Berna dispõe em seu art. 2º, inciso primeiro, que o termo obra literária e
artística compreende todas as produções do domínio literário, científico e artístico”.
Em nosso magistério, ao contrário das obras protegidas pela propriedade industrial, como as
marcas, as patentes, os desenhos industriais, etc., sendo que estes institutos só gozam da
proteção legal a partir da expedição do competente certificado de registro ou carta patente,
as obras tuteladas pelos direitos autorais independem do registro.36 Isto é, os direitos do
autor nascem no exato momento da concepção de sua obra intelectual e independem de
quaisquer outras formalidades administrativas ou jurídicas. O registro não é obrigatório por
lei, mas serve de presunção de autoria e como prova documental (que goza de fé pública)
em caso de disputa judicial.
Quanto aos direitos de autor, pode-se dividir didaticamente o direito autoral em duas esferas,
a fim de uma melhor compreensão da matéria e elucidação de uma gama de dúvidas ou
confusões que fazem as pessoas de uma forma em geral, quando tratam indevidamente do
assunto. São elas: os “direitos morais” de autor e os “direitos patrimoniais” (do autor ou do
respectivo titular).
São direitos morais de autor, o direito de paternidade da obra de sua criação intelectual, o
direito de reivindicar a qualquer tempo sua autoria; o direito de ter seu nome associado à
mesma; o direito de ver sua obra original e inalterada, dentre outros. Estes direitos morais
são inalienáveis e irrenunciáveis, na forma do art. 27 da Lei Autoral. Ou seja, após a criação
da obra, o criador sempre será seu autor e jamais poderá renunciar sua autoria nem
transferir a respectiva “autoria” a terceiros, a qualquer título.
Nessa esteira de reprodução é que melhor se enquadra, a nosso ver, o chamado copyright,
que segundo MILLER e DAVIS37, ao traçarem em sua conhecida obra os principais objetivos
do copyright, tem-se o seguinte trecho:
The essence of copyright is originality, which implies that the copyright owner or claimant
originated the work. By contrast to a patent, however, a work of originality need not be novel. An
author can claim copyright in a work as long as he created it himself, even if a thousand people
created it before him. Originality does not imply novelty; it only implies that copyright claimant did
not copy from someone else. From that definition of originality comes the common but true
example that an author could gain a copyright on the Romeo and Juliet story as long as he made it
up himself and did not copy it from Shakespeare. Such a copyright would prevent anyone else
from copying the work of the copyright owner (but it would not prevent others from copying
38
Shakespeare’s creation since that is in the public domain).
35
CHAVES, Antônio. Direito de autor. 1987. p. 16.
36
CARDOSO, João Augusto. Do nome empresarial e sua tutela jurídica em face da marca registrada. 2004.
p. 22.
37
MILLER, Arthur R.; DAVIS, Michael H. Intellectual property: patents, trademarks, and copyright. 1990. p. 290.
38
Tradução Livre: A essência do copyright é a originalidade, que implica que o titular protegido por direitos
autorais, ou pretendente, originaram o trabalho. Ao contrário de uma patente, porém, um trabalho de
originalidade não necessita ser novo, inédito. Um autor pode reivindicar direitos autorais de um trabalho
contanto que ele o tenha criado, até mesmo se mil pessoas tivesses criado isto antes dele. Originalidade não
Por tratar o presente artigo sobre direitos autorais no trabalho acadêmico, muito oportuno
ratificar que Dom Pedro I ao criar os dois primeiros cursos jurídicos no Brasil, através da Lei
de 11 de agosto de 1827, um em São Paulo e outro em Olinda, desde logo estabeleceu a
primeira norma de direitos autorais em seu art. 7º, que abaixo se reproduz, ipsis litteris:
Art. 7.º - Os Lentes farão a escolha dos compendios da sua profissão, ou os arranjarão, não
existindo já feitos, com tanto que as doutrinas estejam de accôrdo com o systema jurado pela
nação. Estes compendios, depois de approvados pela Congregação, servirão interinamente;
submettendo-se porém á approvação da Assembléa Geral, e o Governo os fará imprimir e
fornecer ás escolas, competindo aos seus autores o privilegio exclusivo da obra, por dez annos.
No tocante à natureza jurídica dos direitos autorais, muito se debateu sobre ser esta uma
propriedade ou não; e enquanto propriedade, se atinente aos direitos pessoais, reais ou
intelectuais, e mesmo quanto ao seu enquadramento dentre as antigas nomenclaturas, bem
como modernas, quer como propriedade literária, artística e científica, direitos intelectuais ou
mesmo enquanto propriedade imaterial ou propriedade intelectual. Isso posto, CHAVES
disserta em sua obra que o
implica novidade; só implica que o pretendente de direitos autorais não copiou de outra pessoa. Daquela
definição de originalidade vem a coisa comum, mas verdadeiro exemplo de que um autor pudesse obter
direitos autorais da história de Romeu e Julieta, contanto que ele a tivesse criado e não copiado de
Shakespeare. Esses tais direitos autorais visam prevenir qualquer um de copiar o trabalho de um titular
protegido pelos direitos de autor (mas não impediria outros de copiarem a criação de Shakespeare, desde
que ela esteja em domínio público).
39
Art. 28 da atual Lei de Direitos Autorais: Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra
literária, artística ou científica. Cf. Art. 649 do Código Civil de 1916: Ao autor de obra literária, científica ou
artística, pertence o direito exclusivo de reproduzi-la.
40
BEVILAQUA, Clovis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil commentado. 1950. v. 3, p. 206. No
mesmo sentido, Chaves comenta o art. 29 da revogada Lei nº 5.988/73: Cf. CHAVES, op. cit., p. 428.
41
GIANNINI, Amadeo. Il diritto d’autore. 1943. p. 23.
42
Cf. ITÁLIA. Codice Civile. Art. 2575 Oggetto del diritto. Formano oggetto del diritto di autore le opere
dell'ingegno di carattere creativo che appartengono alle scienze, alla letteratura, alla musica, alle arti
figurative, all'architettura, al teatro e alla cinematografia, qualunque ne sia il modo o la forma di espressione.
43
Tradução livre: Art. 511 (atual 2575 cod. civ.) se refere ao conteúdo do direito e dispõe: “Ao autor cabe o direito
exclusivo de publicar sua obra e de utilizá-la economicamente de toda forma e modo, nos limites e pelos
efeitos fixados pela lei”.
Concernente aos fundamentos jurídicos, pode-se afirmar que os direitos autorais classificam-
se dentre os direitos fundamentais, garantidos pela Constituição Federal de 1988 em seu art.
5°, como se transcreve abaixo:
XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas
obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;
No Brasil, a matéria recepcionada pela constituição é regulada por lei específica, ou seja, a
Lei n° 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998, que “regula os direitos autorais, entendendo-se
sob esta denominação os direitos de autor e os que lhes são conexos”.
Antes disso, o direito de autor era regido pela revogada Lei n° 5.988/73 (apenas o art. 17 e
seus §§ 1° e 2° continuam em vigor até o momento). Somente com a nova lei autoral é que
foram expressamente revogados os arts. 649 a 673 do antigo Código Civil de 1916, que
tratavam no Título II, da Propriedade, Capítulo VI: da Propriedade Literária, Científica e
Artística.
Em sua obra, o professor CHAVES faz uma preleção acerca dos fundamentos dos direitos
autorais, conquanto destaca-se o seguinte trecho:
Além de nossa carta magna e legislação pátria, a proteção autoral das criações intelectuais
também tem assento no art. 27 da Declaração Universal dos Direitos do Homem,
proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1948, da qual o Brasil é país
signatário, como segue:
Artigo 27
44
CHAVES, op. cit., p. 6.
45
BITTAR, Carlos Alberto. Contornos atuais do direito de autor. 1992. p. 26.
46
CHAVES, op. cit., p. 3-4.
II) Todo o homem tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de
qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.
Outro tratado internacional é a Convenção de Roma, para a proteção dos artistas intérpretes
ou executantes, dos produtores de fonogramas e dos organismos de radiodifusão
(Convention de Rome, convention internationale sur la protection des artistes interprètes ou
exécutants, des producteurs de phonogrammes et des organismes de radiodiffusion), de 26
de outubro de 1961.
Também há o Tratado da OMPI sobre Direitos de Autor (Traité de L’OMPI sur le Droit
D’Auteur), adotado pela conferência diplomática de 20 de dezembro de 1996. Estes três
últimos tratados e convenções internacionais são administrados pela Organização Mundial
da Propriedade Intelectual.
47
“A constituição brasileira não determina claramente a sistemática para a aprovação de tratados no Brasil. Na
prática histórica: o Executivo negocia o tratado, remetendo uma mensagem ao Congresso Nacional; se
aprovado nas duas casas legislativas, o Congresso publica um decreto legislativo; o Presidente, então,
determina que se publique o tratado no Diário Oficial da União (geralmente como anexo a um decreto) e
procede à ratificação perante outro Estado ou o depositário, nos tratados multilaterais.” Cf. BARRAL, Welber.
Direito internacional: normas e práticas. 2006. p. 46.
48
“O Congresso Nacional brasileiro, aprovou a Ata Final da rodada Uruguai de Negociações Comerciais
Multilaterais do GATT em 15 de dezembro de 1994, pelo Decreto Legislativo nº 30 de 15/12/94, e o presidente
da República promulgou-a pelo Decreto nº 1355, de 30 de dezembro de 1994, entrando em vigor em 1º de
janeiro de 1995, revogando as disposições em contrário.” Cf. CHINEN, Akira. Know-how e propriedade
industrial. 1997, p. 77.
49
GATT: General Agreement on Tariffs and Trade (Acordo Geral sobre Tarifas Alfandegárias e Comércio).
”Fórum permanente no qual se organizou, desde seu início, grandes conferências para negociar a redução dos
impostos alfandegários e diminuir as barreiras ao comércio internacional. Foi um tratado multilateral
Ainda nesta seara, há nova regra constitucional que complementa o art. 5º da Constituição
Federal, cujo parágrafo terceiro foi incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 30 de
dezembro de 2004, que assim prescreve:
firmado em 1947, em vigor a partir de 1948, que recebeu adesões ao longo de quase 50 anos por países que
representam a mais significativa parcela do comércio mundial. Seu objetivo fundamental foi o de garantir o
funcionamento do princípio de livre comércio no mercado mundial.” Cf. PIMENTEL, Luiz Otávio. Direito
industrial: As funções do direito de patentes. 1999. p. 26, nota nº 21.
50
A importância do acordo sobre o TRIPS: “Com a política de abertura de 1990, visando a globalização, o Brasil
assinou, com outros 120 países, em abril de 1994, em Marrakesh, o acordo sobre o TRIPS (Trade Related
Intellectual Property Rights) Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao
Comércio, na Ata Final da Rodada Uruguai de Negociações Multilaterais do GATT (General Agreement on
Tariffs and Trade) Acordo Geral de Tarifas e Comércio, onde se estabeleceu a WTO (World Trade
Organization), conhecida entre nós por OMC (Organização Mundial de Comércio), que tem como objetivo
estabelecer entre os países membros, normas gerais para regerem o comércio internacional.” Cf. CHINEN, op.
cit., p. 77.
51
CARMINATTI, Antonella. A aplicação do TRIPS na ordem jurídica interna. Revista da Associação Brasileira
da Propriedade Intelectual, Rio de Janeiro, n. 17, p. 17, jul.-ago., 1995.
No âmbito das convenções, há ainda que se citar a Convenção de Buenos Aires sobre
propriedade literária e artística, assinada em 11 de agosto de 1910, na quarta Conferência
Internacional Americana, que adentrou ao direito interno através do Decreto nº 11.588, de
19/05/1915.
Por todo o exposto, concernente aos fundamentos jurídicos dos direitos de autor, nota-se
pela gama de leis pátrias e tratados ou convenções internacionais, que a matéria já vem
sendo regulada há muito no ordenamento jurídico internacional, desde os primórdios de
1710 com a lei da rainha Ana, na Inglaterra, e timidamente inaugurada no Brasil pela célebre
Lei de Dom Pedro I, de 1827. Mas foi a partir da Convenção de Berna, cujos princípios
basilares se cristalizaram na lei pátria nº 496, de 1898, que estabeleceu a primeira legislação
atinente aos direitos autorais no Brasil.
Atualmente, como se vislumbrou acima, o Brasil contempla a proteção aos direitos de autor
desde a carta constitucional até lei federal específica, sem se olvidar dos tratados ou
convenções dos quais o Brasil é país signatário.
Por fim, em contrapartida ao direito positivo acima amplamente exposto, faz-se das palavras
do professor ANTÔNIO CHAVES as nossas palavras: “se algum direito natural existe, nenhum
poderá ser mais ‘natural’ do que o direito de autor”.56
Dado ao relevo dos direitos morais e patrimoniais que envolvem a matéria atinente à
proteção autoral, estes são regidos tanto pela Constituição Federal e lei nacional própria,
quanto por tratados e convenções internacionais, como já se viu. Apesar dos prazos de
proteção dos direitos de autor serem diferentes em diversos países do mundo, há um prazo
52
BRASIL. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil. p. 40 e 44.
53
BEVILAQUA, Clovis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil commentado. 1950. v. 3. p. 198.
54
Ibid. p. 200-201.
55
Id. Direito das coisas. 1956. v. 1. p. 236.
56
CHAVES, Antônio. Direito de autor. 1987. p. 4.
O TRIPs adotou em seu texto, especialmente em seu artigo 9º, que os países membros
observarão o disposto nos artigos 1º a 21 da Convenção de Berna. Quanto ao tempo de
proteção das obras intelectuais adotado pelo TRIPs, prescreve em seu art. 12 que o prazo
não será inferior a 50 anos, senão vejamos:
Artículo 12
Duración de la protección
Cuando la duración de la protección de una obra que no sea fotográfica o de arte aplicado se
calcule sobre una base distinta de la vida de una persona física, esa duración será de no menos
de 50 años contados desde el final del año civil de la publicación autorizada o, a falta de tal
publicación autorizada dentro de un plazo de 50 años a partir de la realización de la obra, de 50
años contados a partir del final del año civil de su realización.58
Atualmente no Brasil, a proteção que é dada aos direitos patrimoniais de autor compreende
toda a vida da pessoa e mais 70 anos, contados a partir do dia 1° de janeiro do ano
subseqüente à morte do autor, na forma do art. 41 da Lei nº 9.610/98. À égide da revogada
lei autoral de 1973, bem como e anteriormente, o art. 649, § 1º do Código Civil de 1916,
esses direitos gozavam de 60 anos de proteção.
Entretanto, quando a obra literária, artística ou científica for criada em co-autoria, e esta for
indivisível, o prazo de proteção previsto no art. 41 acima, passará a ser contado a partir da
morte do último dos co-autores sobreviventes, na forma do art. 42. Porém, com relação às
obras anônimas ou pseudônimas, o prazo de proteção será de 70 anos, contudo, contados
da data da primeira publicação da obra. Todavia, se o autor for conhecido durante esse
prazo de vigência da proteção de que trata o art. 43, prescreve seu parágrafo único que a
regra de proteção será aplicada, então, na forma do art. 41, ou seja, de 70 anos após a
morte do autor.
57
Tradução livre: Artigo 7. A duração da proteção acordada para a presente Convenção compreende a vida do
autor e de cinqüenta anos após sua morte.
58
Tradução livre: Artigo 12. Duração da proteção. Quando a duração da proteção de uma obra, que não
fotográfica ou de arte aplicada, for calculada com uma base diferente à da vida de uma pessoa física, esta
duração não será inferior a 50 anos, contados a partir do fim do ano civil da publicação autorizada da obra ou,
na ausência dessa publicação autorizada, nos 50 anos subseqüentes à realização da obra, de 50 anos,
contados a partir do fim do ano civil de sua realização.
59
BEVILAQUA, Clovis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil commentado. 1950. v. 3. p. 204. Cf. Art.
649, § 2º do Código Civil de 1916.
60
DOMAINE PUBLIC. Cf. OMPI. Glossaire: termes et définitions. 2002. p. 26.
Ao contrário do que se poderia imaginar, que uma vez em domínio público as obras estariam
sem nenhuma garantia ou proteção, podendo delas se fazer qualquer tipo de uso e que não
haveria ninguém para reclamar, conforme preceitua o § 2º do art. 24 da Lei de Direitos
Autorais, “compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio
público”. Ainda, a Lei nº 5.805/72, “estabelece normas destinadas a preservar a
autenticidade das obras literárias caídas em domínio público”.
merece ser tratado à parte o direito autoral pela particularidade, com que se apresenta, em face
da ação dissolvente do tempo. Em primeiro lugar, há uma parte do direito autoral, a mais íntima, a
que constitui atributo especial da pessoa, que não se pode perder pela prescrição. Por mais longo
63
que seja o decurso do tempo, um autor conserva sua qualidade.
Quase 2500 anos já passados, Sófocles é sempre o autor de Antígona, Édipo Rei, Electra.
Mesmo que a estátua de Zeus Olímpico (400 anos antes de Cristo) tenha desaparecido,
Fídias é conhecido pela humanidade como seu criador, e igualmente a de Atena, como nos
ensina GANDELMAN.64
O escritor inglês William Shakespeare (1564-1616), autor de Ricardo III, Hamlet e Romeu e
Julieta, dentre tantas outras obras, ainda é considerado o poeta nacional da Inglaterra, e
reconhecido mundialmente como o maior autor dramático de todos os tempos. Luís de
Camões (1525-1580), poeta e dramaturgo português, autor de Os Lusíadas, foi quem,
através de suas obras, contribuiu para que a língua portuguesa se consolidasse.
Isso ocorre porque, como disserta DESBOIS65, “les prérogatives, inhérentes au droit moral,
accompagnent l’œuvre au cours de toute son existence, aussi longtemps qu’elle résistera
aux épreuves du temps”.66
Note-se que, do ponto de vista dos direitos morais de autor, ainda que suas obras já tenham
caído em domínio público, a relação entre o nome do autor e sua obra permanecem,
diferentemente de quando se trata dos chamados direitos patrimoniais de autor.
Imagine que um autor criou uma obra intelectual aos 18 anos. Como já se viu, o direito
nasceu com a concepção da própria obra. Este vem a morrer aos 98 anos. Assim, de acordo
61
No Brasil, os autores estrangeiros domiciliados no exterior gozam da mesma proteção legal que é aplicada em
nosso país, porquanto os brasileiros gozem de reciprocidade de proteção conferida por lei no país em que
tenham domicílio. (Art. 2º e seu parágrafo único da Lei nº 9.610/98).
62
Tradução livre: Domínio público: Pela perspectiva do direito de autor, domínio público significa o conjunto de
todas as obras que podem ser exploradas por qualquer pessoa sem necessidade de nenhuma autorização,
principalmente em razão da expiração do prazo de proteção ou porque não existe um instrumento
internacional que garanta a proteção em caso de obras estrangeiras.
63
BEVILAQUA, Clovis. Theoria geral do direito civil. 1951. p. 411-412.
64
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital. 1997. p. 27.
65
DESBOIS, Henri. Le droit d’auteur. 1950. p. 544.
66
Tradução livre: “As prerrogativas inerentes ao direito moral, acompanham a obra ao curso de toda sua
existência, por isto de muito que ela resiste às provas dos tempos”.
Pelo acima exposto, claro está agora, que o fato de uma pessoa adicionar na internet, em
meio digital, publicar ou fazer comunicação ao público de sua obra intelectual, não implica
que esta caiu em domínio público, pois ainda prevalece a proteção de que trata a legislação,
quer quanto aos direitos patrimoniais, quer quanto aos direitos morais de autor. Ainda que o
autor dê expressa autorização para reprodução, implicando ou não na citação da fonte, este
poderá fazê-lo exclusivamente quanto aos direitos patrimoniais, pois está abrindo mão da
possível exploração econômica da obra.
Como já se verificou, a obra somente cai em domínio público, podendo ser “explorada” por
qualquer pessoa, a partir de 70 anos após a morte do autor. A conseqüência prática do
domínio público é a possibilidade de um editor publicar livremente de autorização dos
herdeiros e de proventos de direitos autorais as obras caídas em domínio público, como as
clássicas de Ihering, Maquiavel, Montesquieu, Voltaire, Aristóteles, Gracián e tantos outros
autores, porém, mantendo-se a fidelidade da obra, bem como o nome do autor ou seu
pseudônimo associado à mesma.
À título de exemplo de domínio público e de tradução, este autor do presente artigo, está
traduzindo obra intelectual, cujo original é edição publicada em Amberes, Bélgica, em 1669,
procurando-se manter a fidelidade da obra na tradução, e obrigatoriamente, o nome e o
pseudônimo do autor. Desta futura publicação, somente se possuirá os direitos autorais da
tradução e não do conteúdo intelectual da obra em si, ainda que esteja em domínio público,
pois o autor sempre será seu autor, como já se verificou.
Isso quer dizer que qualquer pessoa poderá publicar e republicar a obra que se encontrar
em domínio público em seu idioma original ou traduzida. Porém, não poderá publicar ou
republicar a tradução ainda protegida pelo direito de autor sem expressa autorização do
tradutor, pois aplica-se ao tradutor os mesmos direitos conferidos ao autor, consoante à
proteção autoral de sua tradução.
Parte-se do princípio que o trabalho acadêmico é fruto da criação intelectual, ou seja, é fruto
da criação da mente humana. Logo, como tal, é obra intelectual, e assim sendo, é instituto
protegido pela legislação autoral.
Contudo, isso não afasta a hipótese de que um dado trabalho acadêmico não possa ser
elaborado através de outro processo qualquer, que não seja simplesmente o escrito,
podendo ser, inclusive, oral, bem como apresentado através da execução de projetos ou
cumprimento de tarefas, cujo resultado final conferirá ao autor os direitos de proteção de
acordo com sua natureza, se obra protegível pelo direito autoral ou pela propriedade
industrial.
em sentido amplo, todos os trabalhos acadêmicos podem ser entendidos como monografias.
Porém, em sentido estrito, dentre os trabalhos acadêmicos, a monografia é o mais basilar. Como
70
expressa a etimologia do vocábulo, é o escrito sobre um tema, com aspectos delimitados.
Ainda que o trabalho acadêmico não vise primeiramente resultados financeiros, EDUARDO
VIEIRA MANSO consigna que,
Conquanto aqui se pretenda demonstrar que além de obra intelectual, o trabalho acadêmico
resulta num documento73, mesmo que NELSON HUNGRIA disserte que “não são documentos
os papéis totalmente datilografados ou impressos (sem firma manuscrita)”, como são a
maioria dos trabalhos apresentados e entregues pelos alunos, porém, mais adiante, o autor
completa sua afirmação prelecionando que também não o são “os escritos que não
representam manifestações de idéias e, em geral, os destituídos de cunho pessoal”.74
Deste modo, ainda que o trabalho acadêmico seja inteiramente impresso, evidentemente,
este é uma obra intelectual, assim, é revestido de cunho pessoal (autoral), bem como
expressa manifestações de idéias, quer sejam particulares do próprio autor do trabalho, ou
67
DISSERTAÇÃO. “Documento que representa o resultado de um trabalho experimental ou exposição de um
estudo científico retrospectivo, de tema único e bem delimitado em sua extensão, com o objetivo de reunir,
analisar e interpretar informações. Deve evidenciar o conhecimento de literatura existente sobre o assunto e a
capacidade de sistematização do candidato. É feito sob a coordenação de um orientador (doutor), visando a
obtenção do título de mestre.” Cf. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14724: regra
3.8. 2005. p. 2.
68
TESE. “Documento que representa o resultado de um trabalho experimental ou exposição de um estudo
científico de tema único e bem delimitado. Deve ser elaborado com base em investigação original,
constituindo-se em real contribuição para a especialidade em questão. É feito sob a coordenação de um
orientador (doutor) e visa a obtenção do título de doutor, ou similar.” Cf. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
NORMAS TÉCNICAS. NBR 14724. Regra 3.27. 2005. p. 3.
69
TAFNER, Malcon Anderson; TAFNER, José; FISCHER, Juliane. Metodologia do trabalho acadêmico. 1998.
p. 15.
70
CARNEIRO, Maria Francisca. Pesquisa jurídica. 1998. p. 48.
71
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14724: informação e documentação, trabalhos
acadêmicos, apresentação. 2005. p. 3.
72
MANSO, Eduardo Vieira. Direito autoral. 1980. p. 22.
73
As definições de dissertação e tese, dadas pela ABNT 14724/2005, principiam com a expressão “documento”,
como já se verificou; determinando desde logo, que as monografias são documentos. Segundo a Dra. Maria
Francisca Carneiro, já citada, “dentre os trabalhos acadêmicos, a monografia é o mais basilar”.
74
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 1958. v. 9, p. 256.
Para a ABNT, quanto às bases de pesquisa, documento é “qualquer suporte que contenha
informação registrada, formando uma unidade, que possa servir para consulta, estudo ou
prova. Inclui impressos, manuscritos, registros audiovisuais, sonoros, magnéticos e
eletrônicos, entre outros”.75
Documento, in senso proprio, è ogni scrittura fissata sopra mezzo idoneo, dovuta ad un autore
determinato, contenente manifestazioni o dichiarazioni di volontà, ovvero attestazioni di vertà, atte
a fondare o a suffragare una pretesa giuridica o a provare un fatto giuridicamente rilevante, in un
77
rapporto processuale o in altro rapporto giuridico.
São documentos: 1, os escritos em que algum direito ou relação jurídica se afirma; 2, os que se
destinam a provar, ou são afetos a provar qualquer fato de alcance jurídico; 3, os objetos que, por
78
convenção ou pelo costume social, se destinam a provar qualquer fato do “mesmo alcance”.
Documento, en sentido etimológico, es una cosa que docet, esto es, que lleva en sí la virtud de
hacer conocer; esta virtud se debe a su contenido representativo; por eso, documento es una
cosa que sierve para representar otra. Por otra parte, siendo la representación siempre obra del
82
hombre, el documento, más que una cosa, es un opus (resultado de un trabajo).
Mais adiante, CARNELUTTI83 ao referenciar o “autor”, nos ensina que “la importancia de la
consideración del autor del documento resalta porque el documento merece la fe que goce
su autor“.84 Isso quer dizer que, uma vez entregue o documento ou trabalho acadêmico, há
uma simples presunção de autoria, visto que o aluno regularmente matriculado na instituição
75
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: informação e documentação, referências,
elaboração. 2002. p. 2.
76
MANZINI, Vincenzo. Tratatto di diritto penale italiano. 1962. v. 6. p. 645-646. No mesmo sentido: “cioè tutte
le scritture pubbliche o private, fissate sopra mezzi idonei, dovute ad un autore determinato, contenenti
manifestazione o dichiarazioni di volontà, ovvero attestazioni di vertà, atte a fondare o a suffragare una
pretesa giuridica o a provare un fatto giuridicamente rilevante, in un rapporto processuale o in altro rapporto
giuridico”. Cf. op. cit., 1963. v. 9. p. 25.
77
Tradução livre: Documento, em sentido próprio, é toda escrita fixada sobre meio idôneo, provindo de autor
determinado, e contendo manifestações ou declarações de vontade, ou atestações de verdade, aptas a
fundamentar ou apoiar uma pretensão jurídica ou a provar um fato juridicamente relevante, seja em uma
relação processual, seja em qualquer outra relação jurídica.
78
PEREIRA, Virgílio de Sá. Projeto de código criminal. 1933. Artigo 379.
79
CARNELUTTI, Francesco. Teoria del falso. 1935. p. 138-139.
80
Tradução livre: “qualquer coisa idônea à representação de um fato”.
81
Id. Sistema de derecho procesal civil. 1944. v. 2., p. 414.
82
Tradução livre: Documento, em sentido etimológico, é uma coisa que docet, isto é, que leva em si a virtude de
fazer conhecer; esta virtude deve-se a seu conteúdo representativo; por isso, documento é uma coisa que
serve para representar outra. Por outro lado, sendo a representação sempre obra do homem, o documento
mais do que uma coisa, é um opus (resultado de um trabalho).
83
Ibid. p. 415.
84
Tradução livre: a importância da consideração do autor do documento ressalta porque o documento merece a
fé de que goze seu autor.
Logo, uma vez constatada que a autoria do referido trabalho acadêmico é de outrem, ou
seja, em se tratando de plágio, sem prejuízo das sanções civis e penais previstas pela
legislação, o trabalho poderá ser desconsiderado, podendo, inclusive, ser a nota cancelada.
Isso quer dizer que o prejuízo sofrido pelo aluno poderá ser igualmente parcial ou total, ou
seja, se o trabalho acadêmico em questão for requisito fundamental para a obtenção de um
título de licenciado, bacharel, especialista, mestre ou doutor, por exemplo, sua titulação
poderá ser anulada. Se for parcial, poderá ser o aluno reprovado na série ou disciplina em
que a nota do trabalho cancelado for subtraída do cômputo total, e este não obtiver nota
suficiente para promoção ou aprovação.
Como exemplo, note-se que na construção do presente artigo são feitas várias citações de
autores com suas respectivas referências bibliográficas, porquanto fora, também, escrito
com as próprias palavras, com base na experiência profissional, nos conhecimentos
anteriores obtidos através do estudo de muitos livros da área, apostilas, jurisprudência e
legislação, aulas expositivas, cursos, seminários, etc., salvo nos casos, como já foi dito, em
que houve citações de trechos de outros autores, dando-lhes a devida autoria de seus
escritos, bem como da legislação e jurisprudência, que nestes dois últimos casos, embora
não gozam de proteção autoral na forma da lei, também devem ser citados.
Quanto à tutela jurídica do direito de autor, segundo BITTAR, “a tutela dos direitos autorais
estende-se por diferentes níveis, a fim de propiciar ao titular ampla proteção, a saber: civil,
penal e administrativa”.86
Segundo NELSON HUNGRIA, “a lei protege, aqui, o que se denomina ‘direito de autor’ ou
‘direito autoral’, concernente ao interesse econômico e moral que a lei reconhece ao autor de
obra intelectual, nacional ou estrangeira, no campo literário, científico ou artístico”.87
A violação dos direitos autorais implica em ato ilícito, na forma do art. 186 do Código Civil,
também prevista na Lei de Direitos Autorais em seus arts. 101 e seguintes, bem como crime,
tipificado pelo Código Penal. E “as sanções civis de que trata” a lei autoral em seu art. 101,
“aplicam-se sem prejuízo das penas cabíveis”, abaixo indicadas.
Os crimes contra a propriedade intelectual estão elencados no art. 184 do Código Penal, que
trata do crime de “violação de direito autoral e aqueles que lhe são conexos”, prescrevendo
uma pena de três meses a um ano de detenção, ou multa; podendo chegar a uma pena de
reclusão de dois a quatro anos e multa, conforme o caso.
Tal violação, como por exemplo a contrafação, é considerada crime pela legislação em vigor,
que não deve ser entendida de forma restritiva, ou seja, não só a reprodução não autorizada
em exemplares com o intuito de lucro, mas também a reprodução sem menção do nome do
autor merecem atenção da norma penal.
Além das demais cominações legais, o ato de reproduzir obra intelectual de outrem e/ou
colocar seu nome em lugar do autor, ou seja, como se fosse o autor, em nosso entender,
além da clássica violação de direito autoral, é crime tanto de estelionato quanto de falsidade
ideológica, bem como de falsificação de documento particular, considerando o trabalho
acadêmico, como já se considerou, como “documento”. O simples fato de reproduzir obra de
terceiro como se fosse sua, trata-se de obtenção de vantagem ilícita, e como prescreve o art.
171, também do Código Penal:
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou
mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Ainda que aparentemente possa se indagar qual seria o “prejuízo alheio” tipificado pelo art.
171 acima, sem o que, poderia não se caracterizar o crime de estelionato, crê-se que tal
prejuízo seja o da própria instituição de ensino em sentido lato, bem como e principalmente,
em sentido stricto, o prejuízo da violação aos direitos morais e patrimoniais de autor;
conquanto a vantagem ilícita é evidentemente a “nota” ou “conceito”, total ou parcial,
necessários para se considerar a aprovação ou reprovação de um aluno.
85
BEVILAQUA, Clovis. Direito das coisas. 1956. v. 1. p. 256.
86
BITTAR, Carlos Alberto. Contornos atuais do direito de autor. 1992. p. 24.
87
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 1980. v. 7. p. 335.
Ao comentar o referido art. 299, HUNGRIA ensina que documento “é todo escrito
especialmente destinado a servir ou eventualmente utilizável como meio de prova de fato
juridicamente relevante”88, entretanto, o autor também esclarece que nem todo papel escrito
é documento, mas alarga o conceito abrangendo outros suportes físicos que possam servir
para receber a escrita, e nos dias de hoje, podemos considerar também que o suporte
digital, eletrônico ou magnético possam ser incluídos aí, entre esses que podem ser
englobados como suporte, também considerados como “documentos”.
Ao tratar o trabalho acadêmico como documento (rever item 5), afirma-se que este serve
para se fazer “prova de fato juridicamente relevante”, ou seja, que o trabalho é uma das
formas de avaliação do aluno na atividade acadêmica, educacional ou escolar, e serve como
prova de aproveitamento de seus estudos, através da análise criteriosa de seu conteúdo;
destarte, o fato de se substituir o nome do legítimo autor e simplesmente trocar por outro
nome, além da reprodução, é tipificado como crime.
Infelizmente, tais práticas tem sido bastante comuns nos meios acadêmicos, com as
“pseudo-justificativas” dadas pelos “pseudo-autores”, tão conhecidas pelos professores e
orientadores, que dentre elas estão: a falta ou ausência de tempo para estudar ou pesquisar;
falta de recursos ou bibliografia disponível; enfim, toda sorte de desculpas com o fito de se
furtar do trabalho acadêmico, incluindo-se a máxima de que desconheciam as normas
autorais ou metodológicas, o que sequer pode ser considerado, tendo em vista o disposto no
art. 3º da Lei de Introdução ao Código Civil: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando
que não a conhece”.
88
HUNGRIA, Nelson, op. cit. 1958. v. 9. p. 250.
Uma das advertências que sempre se deve fazer quando da elaboração do trabalho
acadêmico é a utilização do tipo (espécie, classificação e nível) de leitura apropriado para o
estudo dos vários autores, entender e escrever com as próprias palavras; ou, quando o autor
pesquisado chegou a uma síntese, definição ou conceito e a “citação” nas palavras dele for
importante, pode-se e deve-se fazer tal citação, ou seja, a “menção de uma informação
extraída de outra fonte”90, a fim de se fundamentar com maior profundidade e alcance o
objeto estudado.
DESBOIS91 disserta que “citer, au sens littéral du mot, c’est transcrire fidèlement, et en
indiquant la provenance du passage emprunté, l’œuvre d’un tiers”.92 Mais adiante, o autor
francês preleciona que “le «droit de citation» se caractérise par une certaine immunité, la
dispense de se premunir du consentment d’autrui”.93
Como se verifica, apesar de não ser necessário a solicitação de autorização do autor de uma
certa obra para que a citação seja feita em seu trabalho acadêmico ou científico, há,
entretanto, a obrigatoriedade de se efetuar as devidas referências ao autor citado e à obra
pesquisada.
Outros cuidados simples devem ser tomados a fim de que a citação não implique plágio e
esteja de acordo com a lei.
O primeiro deles é que toda citação dentro do corpo do texto deve estar sempre entre aspas.
O ideal é que as citações dentro do texto não ultrapassem três linhas (no formato A4),
tolerando-se até quatro, pois a partir daí, deve-se destacá-la do texto corrente, como se faz
com a citação de trecho de um acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cujo
relator foi o Desembargador VILLA DA COSTA, que abaixo se transcreve (da mesma forma
que as demais citações foram feitas no presente artigo):
Condena-se o plágio, que consiste na consciente apresentação de textos elaborados por outrem,
modificando-os ou não, como se fossem de sua autoria.
A forma adequada de se destacar a citação com mais de três linhas no texto deve estar de
acordo com o manual de redação de monografias, dissertações e teses da universidade. De
acordo com a regra 5.3 da NBR 10520, o recuo da margem esquerda deve ser feito com 4
cm. No entanto, alguns manuais universitários recomendam também o recuo da margem
direita.
89
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA. Abc dos direitos
autorais. 1984. p. 13.
90
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10520: informação e documentação, citações em
documentos, apresentação. 2002. p. 1.
91
DESBOIS, Henri. Le droit d’auteur. 1950. p. 349.
92
Tradução livre: “Citar, no sentido literal da palavra, consiste em transcrever fielmente e indicar a proveniência
da passagem emprestada da obra de um terceiro”.
93
Tradução livre: “o «direito de citação» se caracteriza por uma certa imunidade, a dispensa de se acautelar do
consentimento de outrem”.
94
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação 178.064-1/0, 24 de novembro de 1992, 8ª Câmara Cível. Revista
dos Tribunais, 698, p. 82.
Quanto à citação, GIANNINI95 já dissertava sobre a autorização legal ao comentar a lei autoral
italiana em sua obra, referenciando que:
A própria Lei brasileira dos Direitos Autorais autoriza a citação “na medida justificada” em
seu art. 46, III, abaixo transcrito, determinando que não se trata de violação dos direitos
autorais; porém, como já visto anteriormente através da legislação e jurisprudência,
condena-se a contrafação e o plágio:
III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens
de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a
atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra;
Considerando a citação, o mesmo art. 46 acima referenciado, prescreve em seu inciso VIII a
questão da reprodução de pequenos trechos em quaisquer obras, incluindo-se aí os
trabalhos acadêmicos, que se transcreve ipsis verbis:
Por fim, para uma melhor compreensão de como efetuar corretamente as citações, notas de
referências, notas de rodapé, referências bibliográficas, bem como conhecer as demais
normas atinentes à produção e formatação do trabalho acadêmico, recomenda-se a leitura e
o estudo das Normas Brasileiras de Referência – NBRs, a seguir elencadas: NBR 14724
(Informação e documentação, trabalhos acadêmicos, apresentação, 2005); 6022 (Artigo em
publicação científica impressa, apresentação, 2003); 6023 (Referências, elaboração, 2002);
6024 (Numeração progressiva das seções de um documento escrito, 2003); 6027 (Sumário,
2003); 6028 (Resumo, 2003); 6029 (Livros e folhetos, 2006); 6034 (Índice, 2004); 10520
(Citações em documentos, 2002); 10719 (Apresentação de relatórios técnico-científicos,
1989) e NBR 15287 (Projeto de pesquisa, apresentação, 2005); todas da ABNT –
Associação Brasileira de Normas Técnicas.
95
GIANNINI, Amadeo. Il diritto d’autore. 1943. p. 55.
96
Tradução livre: A citação e a reprodução de trecho ou de parte da obra com o fim de crítica, de discussão ou
mesmo de ensino é livre “no limite justificado à finalidade a ser atingida, desde que não constitua
concorrência” a utilização econômica da obra. Cf. Art. 10 da Convenção de Berna.
Conclui-se, portanto, que a legislação autoral em vigor no Brasil – quer seja a Constituição
Federal de 1988 em seu art. 5º, XXVII e XXVIII ou a Lei pátria (9.610/98), bem como os
Tratados e as Convenções internacionais das quais o Brasil é país signatário –, protege os
direitos de autor, aqui se destacando o trabalho acadêmico, dentre as obras intelectuais
escritas.
Isso significa que o trabalho acadêmico deve ser original, novo, e não pode ser cópia total ou
parcial de outras obras intelectuais pesquisadas, como artigos e monografias, livros ou
apostilas, utilizando-se de textos de outros autores como se fossem seus, sob pena de
plágio e/ou violação de direitos autorais, concorrendo tanto o ilícito civil como o penal, além
de outros crimes em suas possíveis modalidades: contrafação, estelionato, falsidade
ideológica e falsificação de documento particular.
Isso não quer dizer que mesmo que você obtenha a autorização expressa ou consentimento
tácito do legítimo autor ou titular dos direitos patrimoniais de uma obra intelectual, você
possa utilizar a obra como se fosse sua, ou seja, substituindo os nomes e apresentar a obra
como trabalho acadêmico de sua autoria.
Com efeito, as idéias ou mesmo trechos de outros autores devem ser citados
adequadamente, utilizando-se a norma aplicável a cada caso, a fim de que palavras ou
idéias de outrem não se confundam com as suas e não haja, portanto, violação de direitos
de autor. Assim, estará criando obra nova, original, que possa realmente contribuir para o
aprofundamento ou desenvolvimento do estudo em questão, bem como contribuir para a
construção do conhecimento.
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Revista Jurídica
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/revistajuridica/index.htm
O Writ of Certiorari*
Resumo: O artigo procura fazer uma análise do writ of certiorari, principal mecanismo de
acesso à Suprema Corte dos Estados Unidos, por meio do qual seus integrantes selecionam
os casos que serão julgados anualmente. Os juízes possuem ampla discricionariedade na
seleção dos recursos, o que leva cientistas políticos e sociais a investigar quais são as
características que um caso deve possuir para ser admitido na mais alta corte
estadunidense. A análise parece oportuna, considerando-se a forte influência que o judicial
review norte-americano teve sobre a jurisdição constitucional brasileira, tanto historicamente
quanto em alterações recentes promovidas pela Reforma do Judiciário (Emenda
Constitucional nº 45/2004), notadamente na adoção de mecanismos como a súmula
vinculante e a repercussão geral dos recursos extraordinários.
1 Introdução
O controle de constitucionalidade das leis hoje é uma prática amplamente difundida ao redor
do globo como a forma mais eficaz de assegurar a supremacia de textos constitucionais que,
cada vez mais, ocupam o centro do universo jurídico, ao redor do qual gravitam os demais
ramos tanto do direito público como do direito privado1. E, se hoje o judicial review possui
essa amplitude, isso se deve à contribuição da doutrina estadunidense, que, no início do
século XIX, afirmou ser da competência do Poder Judiciário decidir se os atos normativos
infraconstitucionais são ou não compatíveis com a norma fundante de um ordenamento
jurídico – a Constituição.
Dentro deste movimento de expansão do judicial review pelo globo, pode-se dizer que o
Brasil foi pioneiro. Já na Constituição de 1891 estava previsto o exercício da fiscalização da
constitucionalidade das normas pelo Poder Judiciário, por influência direta do direito
estadunidense2. Assim, muito embora o sistema jurídico brasileiro não seja filiado à tradição
*
Este artigo corresponde, com algumas modificações, ao Capítulo 3 da dissertação de mestrado
defendida pelo autor no Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio, em maio de 2006. A
respeito, v. PINTO, José Guilherme Berman Corrêa. Repercussão geral e writ of certiorari.
2006. 161 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade
Católica, Rio de Janeiro, 2006.
1
Sobre a relação entre controle de constitucionalidade e a supremacia e rigidez constitucionais, v.
BARROSO, Luís Roberto. O Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2006, p. 1-2; BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 17. ed. São
Paulo: Malheiros, 2005. p. 296-297.
2
Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p.
Parece certo que, com tais mecanismos de filtragem, o Supremo Tribunal Federal busca
selecionar as questões constitucionais mais relevantes e decidi-las de maneira a pacificar a
sua aplicação não apenas no âmbito do próprio STF, mas também (e principalmente) nas
demais cortes judiciais do país, exercendo, assim, a sua verdadeira função de tribunal
responsável pela interpretação constitucional definitiva, e não de terceira instância revisora
dos julgamentos proferidos em milhares de casos5.
2 O writ of certiorari
6
NOWAK, John E.; ROTUNDA, Ronald D.; YOUNG, J. Nelson. Constitutional law. St Paul,
Minnesota: West Publishing, 1978. p. 29-30. Destaca-se a seguinte passagem: “The Supreme
Court achieved its goal of limiting appellate jurisdiction as of right and expanding discretionary
jurisdiction for a large class of cases.”.
7
Cf. MADDEN, J. Warren. One Supreme Court and the writ of certiorari. Hastings Law Journal, v.
15, p. 155, nov. 1963.
8
Cf. HARTNET, Edward A. Deciding what to Decide: the judge’s Bill at 75. Judicature, v. 84, n. 3,
dez. 2000.
9
V. MADDEN, J. Warren, op. cit., p. 159, de onde se destaca: “if the country is to have a unified and
uniform system of Constitutional and statutory justice, there must be a single tribunal with power to
decide what the federal law is, and to supervise, and correct, if necessary, the actions of other
Mas tão logo a indigitada lei entrou em vigor, a Suprema Corte passou a aplicá-la de
maneira bem mais ampla do que a imaginada. Já em 1928, no julgamento do caso Olmstead
v. United States11, estabeleceu-se a possibilidade de concessão de certiorari limitado, ou
seja, passou-se a admitir a discussão de “questões constitucionais” inseridas no contexto de
um determinado caso concreto. De acordo com esta técnica, o mérito do caso nem sempre
será analisado, mas apenas uma questão específica envolvida, ignorando-se outras
matérias também abordadas na discussão. Na prática, esta acabou tornando-se a regra12.
Assim, aquilo que havia sido imaginado como uma forma de lidar rapidamente com casos
explicitamente infundados ou já cobertos pelos precedentes consolidados na jurisprudência
tornou-se um mecanismo de poder discricionário na escolha da agenda da Suprema Corte.
tribunals which have decided cases involving federal questions. Since it is physically impossible for
any single tribunal to take all, or even any large fraction of such cases and give them the full
consideration (...) the country must be satisfied with the best that can be done, in the
circumstances.” Em tradução livre: “se o país deve ter um sistema unificado e uniforme de justiça
constitucional e legal, deve haver um único tribunal com poder de decidir o quê o direito federal é,
e supervisionar, e corrigir, se necessário, as ações dos outros tribunais que tenham decidido casos
envolvendo questões federais. Como é fisicamente impossível para qualquer tribunal isoladamente
conhecer de todos, ou mesmo de boa parte de tais casos e destinar a eles inteira consideração, o
país deve se satisfazer com o melhor que pode ser feito, sob tais circunstâncias.”
10
Cf. HARTNETT, Edward A., op. cit., p. 122-123 e MADDEN, J. Warren, op. cit., p. 156-157.
11
277 U.S. 438 (1928)
12
Cf. HARTNETT, Edward A., op. cit., p. 124. Destaca-se o seguinte trecho: “This practice of limited
grants of certiorari has become so uncritically accepted that, under current Supreme Court rules, no
writ of certiorari brings before the Court all questions presented by the record. Today, then, all writs
of certiorari are limited writs. Put slightly differently, the Supreme Court does not so much grant
certiorari to decide particular cases, but rather to decide particular questions”. Em tradução livre,
“Esta prática de conceder certiorari limitado tornou-se tão aceita acriticamente que, sob as regras
atuais da Suprema Corte, nenhum writ of certiorari coloca diante da Corte todas as questões
apresentadas no caso. Hoje, portanto, todos os writs of certiorari são limitados. Colocando de
maneira um pouco diferente, a Suprema Corte não concede certiorari para decidir casos
particulares, mas sim para decidir questões particulares.”
13
5 U.S. (1 Cranch), com destaque para a seguinte passagem: “it is emphatically the province and
duty of the judicial department to say what the law is. Those who apply the rule to particular cases
must of necessity expound and interpret that rule. If two laws conflict with each other, the courts
must decide on the operation of each”. Em tradução livre: “é enfaticamente a provincial e o dever
do Poder Judiciário dizer o que o direito é. Aqueles que aplicam a regra a casos particulares
devem necessariamente expor e interpretar aquela regra. Se duas leis colidem uma com a outra,
as cortes devem decidir sobre a operacionalização de cada uma.”
Duas linhas de raciocínio podem ser indicadas como as respostas à objeção citada acima.
De um lado, diz-se que o certiorari é um mecanismo utilizado apenas pela Suprema Corte.
Logo, sua denegação não significa que uma determinada questão ficará sem resposta, mas
apenas que o pronunciamento das instâncias inferiores será definitivo naqueles casos. De
acordo com esta visão, a Constituição exigiria que alguma instância do Poder Judiciário
apreciasse todas as questões jurídicas envolvidas no caso, mas não que todos os tribunais
responsáveis pelo julgamento de eventuais recursos o fizessem. Scott H. Bice, por exemplo,
adota esta postura ao tentar reconciliar o certiorari e a justificação tradicional do judicial
review. Segundo o autor, a dificuldade encontrada nesta tarefa a partir da leitura de Marbury
v. Madison é apenas aparente, decorrendo de uma interpretação ampla do que foi decidido
no paradigmático caso. Na hipótese de se adotar uma interpretação restrita, não existe
dificuldade alguma. Isto porque, como explica Bice,
Marbury v. Madison foi apresentado diretamente à Suprema Corte numa tentativa de invocar
a competência originária da Corte. Portanto, a Corte estava, com efeito, deliberando como
uma corte de julgamento16 quando proferiu sua decisão afirmando que as cortes têm o dever
de considerar todo o direito relevante para a decisão do caso. A opinião da Corte fala
genericamente do dever das cortes, não fazendo qualquer distinção entre o dever das cortes
de julgamento e o dever das cortes de apelação; reconstruída de maneira estrita, a opinião
pode ser lida como dirigida apenas ao escopo do dever das cortes de julgamento. Em outras
palavras, porque a Corte estava sentada como uma corte de julgamento, a decisão pode ser
interpretada estritamente, como se dissesse que apenas as cortes de julgamento têm o
dever de resolver todo o direito necessário à resolução da causa, deixando aberto o escopo
do dever das cortes de apelação17. (grifos no original)
14
Cf. HARTNETT, Edward A., op. cit, p. 125; BICE, Scott H. The limited grant of certiorari and the
justification of judicial review. Wisconsin Law Review, v. 1975, p. 380-383. V., também,
WECHSLER, Herbert. Toward neutral principles of constitutional law. Harvard Law Review, v. 73,
n. 1, nov. 1959, onde o autor reconhece a necessidade de limitar o acesso dos recursos à
Suprema Corte, defendendo, no entanto, que esta tarefa seja feita com respeito às regras
definidas nas Supreme Court Rules, e não discricionariamente (p. 9-10).
15
Bickel utiliza um escrito do Procurador-Geral James M. Beck ao Presidente, quando da discussão
acerca do Judiciary Act de 1925, para destacar esta dificuldade. Destaca-se: “o Procurador-Geral
em atividade, o falecido James M. Beck, (...) escreveu ao Presidente que ele sempre acreditou que
é um direito do cidadão ter qualquer matéria constitucional decidida definitivamente pela Suprema
Corte ‘como a consciência final da nação em tais matérias’. O Dr. Beck jamais empregou a frase
eloqüente, mas o que ele tinha na mente era a dificuldade de reconciliar a jurisdição discricionária
do certiorari com Marbury v. Madison e Cohens v. Virginia”. Cf. BICKEL, Alexander M., The least
dangerous branch. Indianapolis: Bobs-Merrill, 1962, p. 127, tradução livre. No original: “the
Solicitor General of the day, the late James M. Beck, (...) wrote to the President that he had always
believed it to be a citizen’s right to have any issue ultimately decided by the Supreme Court ‘as the
final conscience of the Nation in such matters’. Mr. Beck ever employed the eloquent phrase, but
what he had in mind was the difficulty of reconciling the discretionary certiorari jurisdiction with
Marbury v. Madison and Cohens v. Virginia”.
16
A expressão usada em inglês é trial court, que se refere às instâncias que possuem competência
originária para o julgamento das causas. Contrapõem-se às appellate courts, que traduzimos por
corte de apelação, que são as instâncias responsáveis pelo julgamento de eventuais recursos, ou
seja, instâncias de revisão.
17
BICE, Scott H. op. cit., p. 391, grifos no original, tradução livre. No original: Marbury v. Madison
was brought directly to the Supreme Court in an attempt to invoke the Court’s original jurisdiction.
Thus the Court was in effect sitting as a trial court when it delivered its opinion indicating that courts
have a duty to consider all the law relevant to the disposition of a case. The Court’s opinion speaks
Outra possibilidade para explicar o porquê de não haver tensão entre o certiorari e o judicial
review é buscar uma outra justificativa para esta prática, um papel institucional diferente
daquele tradicionalmente atribuído à Suprema Corte (de uma super instância de revisão).
Para os que adotam esta explicação, cabe à Suprema Corte decidir questões constitucionais
controversas, e não litígios concretos. Seus membros irão ter influência na definição da
agenda do debate público e irão nortear a atuação dos demais poderes ao lidar com aquelas
questões18.
Para que se aceite este papel diferenciado da Suprema Corte, é preciso reconhecer seu
caráter político, e não meramente jurídico. Sua função dentro do mecanismo de freios e
contrapesos imaginado pela teoria democrática estadunidense é mais destacada sob esta
compreensão, ultrapassando a esfera do puramente jurídico19.
generally of the duty of the courts, and it fails to make any discretion between the duty of trial courts
and the duty of appellate courts; narrowly construed, it could be read as addressing only the scope
of the duty of trial courts. In other words, because the Court was sitting as a trial court, the opinion
could be narrowly interpreted as holding only that trial courts have a duty to resolve all the law
necessary to disposition of the suit, leaving open the scope of the duty of appellate courts.”
18
Cf. BICKEL, Alexander M., op. cit., p. 127-133, HARTNETT, Edward A., op. cit., p. 127, MADDEN,
J. Warren. op. cit., p. 160, BICE, Scott H., op. cit., p. 379. V., ainda, POSNER, Richard. Foreword:
a political court. Harvard Law Review, v. 119, n. 31, nov. p. 60-90, 2005, onde o autor faz um
exame de diversas concepções sobre o papel adequado da Suprema Corte.
19
Neste sentido, v. POSNER, Richard, op. cit. Destaca-se, na página 34: “I shall argue that, viewed
realistically, the Supreme Court, at least most of the time, when it is deciding constitutional cases is
a political organ(…)”. Em tradução livre: “Eu argumentarei que, vista realistamente, a Suprema
Corte, pelo menos na maioria das vezes, ao decidir casos constitucionais, é um órgão político”. A
explicação do autor para esta afirmativa pode ser sintetizada na seguinte passagem:
“Constitutional cases in the open area are aptly regarded as ‘political’ because the Constitution is
about politics and because cases in the open area are not susceptible of confident evaluation on
the basis of professional legal norms. They can be decided only on the basis of a political judgment,
and a political judgment cannot be called right or wrong by reference to legal norms.” (idem, p. 40,
grifos no original). Em tradução livre: “Casos constitucionais inéditos são precisamente vistos como
‘políticos’ porque a Constituição tem a ver com política e porque casos inéditos não são suscetíveis
de uma valoração confiável com base em normas legais profissionais. Eles só podem ser
decididos com base em um julgamento político, e um julgamento político não pode ser chamado de
certo ou errado com referência às normas legais.”
J. Warren Madden, por sua vez, enxerga na Suprema Corte uma “sessão perpétua de uma
espécie de Convenção Constitucional”22, necessária para assegurar a permanência, ao
longo do tempo, da vigência da mesma Constituição. Madden critica a insistência da
Suprema Corte em afirmar que seu papel é o de decidir casos concretos, e não o de criar o
direito; ao mesmo tempo, o certiorari serve justamente para possibilitar à Corte a escolha de
casos nos quais o direito precisa ser criado23, demonstrando a necessidade de uma outra
justificativa para a atuação da Corte.
3 Aspectos institucionais
O julgamento do pedido de certiorari é feito por todos os nove membros da Suprema Corte.
Embora não escrita, vigora uma .tradição chamada “regra dos quatro”: se quatro dos nove
membros da Suprema Corte quiserem examinar uma determinada causa, seu mérito será
apreciado pela Corte24, havendo casos excepcionais em que basta a manifestação de três
juízes neste sentido25. A decisão de conceder ou não o certiorari não necessita sequer de
fundamentação26.
As regras que regem o writ of certiorari estão previstas na Parte III do Regimento da
Suprema Corte (Supreme Court Rules). Dentre as regras que disciplinam o procedimento
formal do certiorari, pode-se destacar a admissão da chamada apelação per saltum, ou seja,
a interposição do certiorari antes mesmo do julgamento pelo tribunal inferior, desde que a
questão tenha uma importância pública suficiente para justificar a provocação imediata da
Suprema Corte27, entre outras normas acerca do número de cópias que devem ser
fornecidas, o limite de páginas para a petição (no máximo 30), o prazo para a interposição
(90 dias), o conteúdo que deve constar obrigatoriamente da petição e a possibilidade de a
parte recorrida oferecer petição (obrigatória em casos de pena de morte)28.
A Regra 16 enuncia as três possíveis decisões que a Suprema Corte pode tomar ao analisar
a petição de certiorari: (i) negar o certiorari, hipótese em que a decisão inferior é mantida
integralmente; (ii) admitir o certiorari, convocando os litigantes para apresentar razões orais
e escritas defendendo suas respectivas posições; e (iii) proferir uma decisão sumária sobre o
mérito (summary disposition). Neste terceiro caso, são necessários seis juízes para,
imediatamente, proferir-se uma decisão sobre o mérito de determinada questão,
confirmando ou reformando o julgamento anterior29.
20
BICKEL, Alexander M., op. cit., p. 29-33.
21
Importante notar que Bickel não defende este papel especial da Suprema Corte como uma forma
de legitimar o ativismo judicial. Ao contrário, ao utilizar o certiorari, seus membros fazem uso de
uma das técnicas para exercitar o que o autor chama “as virtudes passivas”, que norteiam a
definição do que julgar e o que não julgar. V. BICKEL, Alexander, op. cit., cap. 4.
22
MADDEN, J. Warren, op. cit., p. 160
23
Ibid.
24
Cf. NOWAK, John E.; ROTUNDA, Donald D.; YOUNG., J. Nelson, op. cit., p. 32-33.
25
MADDEN, J. Warren. One Supreme Court and the Writ of Certiorari. Hastings Law Journal, v. 15,
nov. p. 158, 1963.
26
Cf. NOWAK, John E.; ROTUNDA, Donald D.; YOUNG., J. Nelson, op. cit., p. 28-29.
27
Regra 11, Supreme Court Rules.
28
Regras 12 a 15, Supreme Court Rules. V. PERRY Jr., H. W. Deciding to decide: agenda setting
in the United States Supreme Court. Cambridge: Harvard University, 1991. p. 32-33.
29
Cf. PERRY Jr. H. W. op. cit., p. 99-102, onde o autor destaca que esta prática é sujeita a muitas
críticas, embora bastante apropriada em determinados casos (como erros crassos ou causas que
A decisão sobre o writ of certiorari não é uma matéria de direito, mas de discricionariedade
judicial. Uma petição de writ of certiorari somente será admitida se houver fortes razões. As
seguintes disposições, embora não controlem ou limitem completamente a
discricionariedade da Corte, indicam a característica das razões que a Corte considera:
(a) uma Corte de Apelação dos Estados Unidos proferiu uma decisão em conflito com a
decisão de outra Corte de Apelação sobre a mesma importante matéria; decidiu uma
importante questão federal de uma forma que conflita com a decisão de uma corte estadual
de última instância, ou se afastou do curso aceito e comum do procedimento judicial, ou
ratificou um tal afastamento por uma corte inferior, ao ser chamada para o exercício do
poder de revisão da Corte;
(b) uma corte estadual de última instância tenha decidido uma importante questão federal de
uma forma que conflita com a decisão de outra corte estadual de última instância ou de uma
corte de apelação dos Estados Unidos;
(c) uma corte estadual ou uma corte de apelação dos Estados Unidos tenha decidido uma
importante questão de direito federal que não tenha sido, mas deveria ser, resolvida por esta
Corte, ou tenha decidido uma importante questão de direito federal de uma maneira
conflitante com decisões relevantes desta Corte;
Uma petição de writ of certiorari raramente é aceita quando o erro alegado consiste em uma
apreciação fática errônea ou na má aplicação de uma regra de direito propriamente
estabelecida.30
Tais regras claramente não ajudam muito a definir o que realmente é preciso para que um
caso tenha seu mérito analisado pela Suprema Corte, na medida em que estabelecem
apenas um ponto de partida para os justices admitirem, ou não, determinada causa31. A
Os cientistas sociais que estudam o tema fazem uso de duas técnicas, principalmente, na
tentativa de definir quais as características que deve possuir um caso para ser aceito na
Corte. Uma delas é baseada na análise de um possível comportamento estratégico dos
juízes no momento de decidir se concedem ou não o certiorari a um determinado caso.
A primeira e mais óbvia estratégia que pode ser indicada refere-se vontade de corrigir um
eventual erro da instância julgadora. Assim, se o justice quiser reverter alguma decisão irá
votar pela concessão do certiorari; por outro lado, se concordar com ela votará pela sua
denegação33. Outra estratégia possível está associada a um cálculo feito acerca do
resultado do julgamento do mérito da ação. Caso o juiz acredite que irá vencer, votará pela
concessão do certiorari, optando pela sua denegação se imaginar uma derrota ao final do
julgamento34.
A segunda opção para tentar identificar as características que fazem com que determinada
causa seja julgada pela Suprema Corte decorre da utilização de dados estatísticos, em que
se busca identificar variáveis associadas à concessão de certiorari pela Suprema Corte.
Podem ser citadas: a presença dos Estados Unidos como parte, desacordo entre os
componentes do tribunal inferior que decidiu a questão, a presença de matérias ligadas à
liberdade civil35, a decisão inferior ser dissonante da posição ideológica da maioria dos
membros da Suprema Corte36, o conflito entre esta decisão e os precedentes da Suprema
Corte37, o conflito entre decisões de diferentes tribunais federais38 e a presença de amicus
curiae atuando no caso.39
Mas aquele que talvez seja o trabalho mais interessante (especialmente para aqueles com
formação jurídica) acerca da seleção dos casos na Suprema Corte40 utiliza uma metodologia
which makes a case important enough to be certworthy is a case that we consider to be important
enough to be certworthy”.
32
NEUBAUER, David W.; MEINHOLD, Stephen S. Judicial process: law, courts and politics in the
United States. [S.l.]: Thomson Wadsworth, 2004. p. 483
33
Cf. BRENNER, Saul. Granting certiorari by the United States Supreme Court: an overview of the
social science studies. Law Library Journal, v. 92, p.195, 2000.
34
Algumas variáveis podem ser acrescentadas a este tipo de estratégia. Por exemplo, Saul Brenner
argumenta que esta estratégia só se faz presente quando a intenção do juiz é a de manter o
julgamento que fora proferido pela instância inferior. Se se pretende alterar esse julgamento, não
se utiliza esta estratégia. Cf., a respeito, BRENNER, Saul. The new certiorari game. Journal of
Politics, v. 41, n. 2, p. 649-655, 1979.
35
Estes três critérios foram indicados por Joseph Tanenhaus, mas apenas o primeiro deles foi
confirmado em um estudo posterior de Ulmer, Hintze e Kirklosky. V., a respeito, BRENNER, Saul,
cit., p. 197-198 e ULMER, S. Sidney; HINTZE, William; KIRKLOSY, Louise. The decision to grant
certiorari: further consideration of cue theory. Law and Society Review, v. 6, n. 4, maio, p. 637-
643, 1972.
36
Cf. SONGER, Donald R. Concern for policy outputs as a cue for Supreme Court decisions.
Journal of Politics, v. 41, n. 4, nov. p. 1185-1194, 1979.
37
ULMER, S. Sidney. Conflict with Supreme Court precedents and the granting of plenary review.
Journal of Politics, v. 45, n. 2, maio, p. 474-478, 1983.
38
ULMER, S. Sidney. The Supreme Court’s certiorari decisions: conflict as a predictive variable.
American Political Science Review, v. 78, n. 4, p. 901-911, dez.1984.
39
Cf. CALDEIRA, Gregory A.; WRIGHT, John R. Organized Interests and Agenda Setting in the U.
S. Supreme Court. American Political Science Review, v. 82, 1988.
40
PERRY Jr., H. W. Deciding to decide: Agenda Setting in the United States Supreme Court.
Cambridge: Harvard University, 1991.
Além de constatar a aversão dos juízes e de seus assistentes por estratégias políticas na
seleção dos casos que a Suprema Corte irá julgar, Perry busca, a partir dos dados obtidos
nas entrevistas, definir os requisitos para que um caso seja digno de receber o certiorari
(sendo, assim, chamado de certworthiness, ou “merecedor do certiorari”).
Na tentativa de escapar de uma resposta tautológica à questão “o que torna uma causa
digna do certiorari” (que seria “aquilo que os juízes disserem que é”), Perry inicia por definir o
contrário, ou seja, quando um caso não é digno de ser conhecido pela Suprema Corte
(uncertwothness)46.
O primeiro grupo que não merece consideração é o mais claro, e refere-se aos casos
conhecidos como “frivolous”, que se dividem em três subgrupos: (i) fact-specific cases, que
são os casos em que se busca unicamente o reexame fático, o que não cabe no âmbito da
Suprema Corte, (ii) insufficient evidence cases, consistentes naqueles casos em que não há
prova cabal para a condenação imposta (especificamente referente a procedimentos
criminais), e (iii) diversity cases, que são aqueles que se referem à má aplicação do direito
estadual47.
Embora muitas vezes casos que seguramente serão rejeitados sejam levados à Suprema
Corte por falta de habilidade dos advogados, o que pode ensejar inclusive a aplicação de
multa (muito embora não seja comum), em outras o ajuizamento dos writs of certiorari
41
Sobre a metodologia utilizada, v. PERRY Jr., H. W. op. cit., p. 08-10.
42
Ibid., p. 192.
43
Ibid., p. 198 e segs.
44
Ibid., p. 199.
45
Ibid., p. 212-215.
46
Ibid., p. 221-222.
47
Ibid., p. 222-224.
Existe também um desejo de que a matéria tenha sido amplamente discutida nas cortes
inferiores e na doutrina, ao que se chama percolation50. Em geral, o primeiro caso que
levanta uma determinada questão não é aquele que será julgado pela Corte, que prefere
aguardar uma oportunidade em que a discussão esteja mais madura. E, se este segundo
caso não aparecer, acredita-se que a questão não era tão relevante a ponto de merecer a
consideração da Suprema Corte51.
Da mesma forma, a Corte evita conhecer de casos que tenham a situação fática complicada,
de maneira que dificulte a prolação de uma decisão clara (bad facts/vehicles)52. E ainda, se
houver outros casos conhecidos sobre o mesmo tema, é possível que ela prefira aguardar
que um deles chegue à sua jurisdição, muito embora seja difícil controlar a tramitação dos
feitos nas instâncias inferiores53. Por fim, há matérias que são simplesmente intratáveis
(intractableness), em geral porque a Corte não conseguiria dar uma solução satisfatória a
eles54.
Basta a presença de uma das causas acima listadas para que o certiorari seja negado a um
determinado caso; há uma presunção de que isso acontecerá em face da pequena
proporção dos writs concedidos ao longo do ano pela Suprema Corte (em média, 5%).
Porém, para a sua concessão é necessária uma combinação de fatores, não bastando a
presença de um deles isoladamente55. A única característica que foge a esta regra,
praticamente assegurando o conhecimento da matéria pela Suprema Corte, ocorre quando
um tribunal inferior declara inconstitucional um diploma legislativo federal.56
48
Ibid., p. 224-225.
49
Ibid., p. 226-230.
50
Ibid., p. 230-234.
51
Este ponto está ligado ao que Perry chama “fungibilidade” dos casos, o que, por sua vez, decorre
do fato de que a Suprema Corte não se preocupa com casos individuais, mas sim com a clareza
do ordenamento. V. PERRY Jr., H. W. op. cit., p. 220-221, de onde se destaca o seguinte trecho:
“(...) the Court basically sees itself not as a place to right wrongs in individual cases but as a place
to clarify the law”. Em tradução livre: “(...) a Corte se vê basicamente não como um local para
corrigir erros em casos individuais, mas como o local para esclarecer o direito”.
52
Ibid., p. 234-236.
53
Ibid., p. 236-239. O autor refere-se aos casos que ainda não alcançaram a Suprema Corte como
casos que estariam no “pipeline” (encanamento).
54
Ibid., p. 239-245.
55
Ibid., p. 245. Destaca-se a seguinte passagem: “It takes only one thing to make a case
uncertiworthy. It takes a combination of things to make a case certworthy”. Em tradução livre:
“Basta uma coisa para tornar um caso indigno de certiorari. É preciso uma combinação delas para
tornar um caso digno de certiorari.”
56
Ibid., p. 245.
57
Ibid., p. 246.
Como mencionado acima, não basta a presença de uma característica para que o certiorari
seja concedido em uma determinada matéria. A própria existência do conflito não é
determinante: é preciso, além de haver um conflito real, que este envolva uma matéria
importante60. A importância do caso é difícil de definir sem apelar para o juízo subjetivo de
cada integrante da Suprema Corte, mas a sua divisão em três espécies pode facilitar.
Há, primeiramente, os casos que são importantes por si mesmos, e não pelas matérias neles
envolvidas. É a resolução do caso que é relevante, e não da matéria tratada. Como a
Suprema Corte, em geral, não se preocupa com a correção do julgamento de casos
concretos e sua repercussão para as partes do litígio, mas sim em resolver questões
constitucionais importantes, de modo que estes casos são excepcionalíssimos61.
A segunda espécie são os casos dotados de importância social ou política. Sua relevância
decorre do grande impacto que a decisão terá sobre a sociedade como um todo. São citados
os exemplos de Brown v. Board of Education62 (segregação racial), Roe v. Wade63 (aborto) e
University of California Regents v. Bakke64 (ação afirmativa).
Por fim, há a categoria que envolve a maior parte dos casos aceitos pela Suprema Corte:
aqueles que são relevantes para o direito. Sua resolução traz ordem ao sistema jurídico
estadunidense, uniformizando sua aplicação em todo o território ou esclarecendo
interpretações equivocadas fornecidas por cortes inferiores65. Em todo caso, as categorias
não são estanques, havendo casos que se enquadram em mais de uma delas
(especialmente nas duas últimas)66.
Outro fator que pode influenciar na concessão do certiorari refere-se às áreas do direito
preferidas pelos membros da Suprema Corte. Os interesses variam de juiz para juiz, não
sendo possível identificar um interesse comum da Corte por determinadas áreas67.
Muito embora a Suprema Corte não seja tratada como uma super-instância de revisão, que
possui o dever de corrigir os erros cometidos pelos tribunais inferiores, em determinados
casos os justices não conseguem deixar de corrigir determinadas falhas. Diz-se que os erros
cometidos naquelas situações são egrégios (egregious). Há duas principais situações em
58
Como afirma o autor, “a circuit split is not simply a formal criterion for cert; it is probably the single
most important criterion, and those who wish to comprehend the cert. process must realize this. A
circuit split is neither necessary nor sufficient, but is almost both”, ibid., p. 251. Em tradução livre:
“Uma divisão entre os Tribunais de Circuito não é simplesmente um critério formal para o certiorari;
ela é provavelmente o critério isolado mais importante, e aqueles que pretendem compreender o
processo do certiorari devem ter isto em mente. Uma divisão não é necessária nem suficiente, mas
é quase ambos”.
59
O primeiro autor a identificar a presença do conflito como critério para a concessão de certiorari foi
Sidney Ulmer, em 1984. Cf., a respeito, ULMER, S. Sidney. “The Supreme Court’s Certiorari
Decisions: Conflict as a Predictive Variable”, cit., pp. 901-911.
60
PERRY Jr., H. W. op. cit., p. 253.
61
Os exemplos apontados são United States v. Nixon (418 U.S. 683, 1974) e Dames and Moore v.
Regan (453 U.S. 654, 1981), conhecido como “the iranian assets case”.
62
347 U.S. 483 (1954).
63
410 U.S. 110 (1973).
64
438 U.S. 265 (1978).
65
PERRY Jr., H. W. op. cit., p. 254.
66
Ibid., p. 254.
67
Ibid., p. 260-265.
A conclusão a que Perry chega após confrontar o resultado de suas entrevistas com os
trabalhos de cientistas políticos anteriores é a de que estes indicavam uma influência
exagerada de comportamento estratégico dos justices, ignorando considerações de índole
judicial no procedimento. Veja o que diz, por exemplo, a seguinte passagem:
Quando entrevistei os juizes e seus assessores, boa parte do que eles disseram
simplesmente não batia com a literatura de cientistas políticos sobre o certiorari. Lembre-se
que muito da literatura vê os votos de certiorari como votos estratégicos, calculados para
obter o resultado desejado no mérito da ação. Considerações sobre preocupações
legalísticas, como divisão entre tribunais, defeitos jurisdicionais, desejo de maior discussão e
assim por diante, desempenham pouco ou nenhum papel em muito da ciência política,
embora sejam as preocupações centrais e os fatores predominantemente discutidos por
aqueles que participam do processo70.
Mas a constatação desta falha na ciência política que havia tratado do tema não é um fator
isolado. Ao mesmo tempo, os relatos fornecidos nas entrevistas deixavam transparecer
contradições e confusões que davam a entender que o cenário fornecido por aquela
literatura aproximava-se, sim, ao menos em algumas hipóteses, da realidade. E é na
tentativa de fazer uma descrição fiel de um processo que é, ao mesmo tempo, político e
jurídico,71 que Perry elabora um modelo de decisão para o processo do certiorari dividido em
dois, aos quais chama de modo jurisprudencial (jurisprudential mode) e modo de resultado
(outcome mode). Antes de definir qual dos modos pautará a apreciação de um caso
específico, duas questões são respondidas: primeiro, se o caso é frivolous. Em caso
negativo, passa-se à segunda indagação, que se refere ao especial interesse que o juiz
tenha no resultado do julgamento. A resposta a esta indagação é que definirá qual dos
modos de decisão será adotado72.
68
Ibid., p. 265-268.
69
Ibid., p. 268-270.
70
Ibid., p. 272, tradução livre. No original: “As I interviewed clerks and justices, so much of what they
say simply did not jibe with much of literature by political scientists on cert. Recall that much of the
literature sees cert. votes as strategic voting calculated to have a desired outcome on the merits.
Consideration of legalistic concerns such as circuit splits, jurisdictional defects, desire for
percolation, and so on play little or no role in much political science, yet they were the central
concerns and the predominant factors discussed by those who participate in the process”.
71
Ibid., p. 272.
72
Ibid., p. 277 e segs.
8 Críticas e síntese
A metodologia empregada também é sujeita a restrições. Isto porque, como seus dados
foram obtidos em entrevistas assistemáticas, não se pode afirmar com segurança que suas
conclusões refletem com precisão as visões e o comportamento real dos juízes da Suprema
Corte78. Ademais, o uso exclusivo de entrevistas com os juízes e funcionários do Poder
73
Ibid., p. 277-279.
74
Ibid., p. 279-280.
75
Perry utiliza como exemplo de casos em que a denegação do certiorari equivaleria a uma
irresponsabilidade institucional situações em que o Procurador-Geral demonstra que seria
desastroso não decidir logo a questão ou casos em que a Suprema Corte simplesmente deve
intervir (como no caso da publicação das fitas do escândalo watergate, que derrubou o presidente
Nixon). Cf. PERRY Jr. op. cit., p. 280.
76
Cf. CALDEIRA, Gregory. Book review: deciding to Decide: Agenda Setting in the United States
Supreme Court. The Law and Politics Book Review. Disponível em:
http://www.unt.edu/lpbr/subpages/reviews/perry2.htm. Acesso em: 11 abr. 2005. Destaca-se: “It is
unclear whether any political scientist had attempted anything on the scale of H. W. Perry’s effort;
obviously no one else has succeeded” (p. 78-79). Em tradução livre: “Não está claro se algum
cientista político tentou algo na escala do esforço de H. W. Perry; obviamente, nenhum deles
conseguiu”.
77
V. WILLIAMS, Stephen F. Court-Gazing. Michigan Law Review, v. 91, p. 1161-1165, 1993.
78
V. BRENNER, Saul. Granting Certiorari by the United States Supreme Court, op. cit., p. 197.
Não vejo a Corte ou o processo de seleção de casos como autônomos, como a descrição de
Perry e de seus entrevistados sugere. Em meu ponto de vista, litigantes – grupos de
interesse, governos, escritórios de advocacia de interesse público, corporações, advogados
poderosos e outros – desempenham um papel relevante na definição da agenda da
Suprema Corte79.
Caldeira aponta, ainda, a impossibilidade de testar a proposição feita por Perry, já que a
variável chefe (“forte interesse em casos particulares”) é indeterminável. Para ele, o
processo seqüencial sugerido em Deciding to Decide não ocorre na prática, onde o processo
de decisão é bem menos organizado. Segundo Caldeira, qualquer dos critérios que
recomendem o conhecimento de um determinado caso pode, isoladamente, ter peso
suficiente para levar ao voto favorável ao certiorari, mesmo que os demais critérios não
estejam presentes80.
Nenhuma das objeções listadas, contudo, diminui o valor do trabalho de Perry. Um dos
pontos mais importantes é que a obsessão dos cientistas políticos em tentar identificar
estratégias e critérios precisos no processo de definição da agenda da Suprema Corte
encontrará sempre um obstáculo intransponível: este processo está longe de ser uma
ciência exata. E o modelo elaborado por Perry, com base nas suas entrevistas, se não é
perfeito, ao menos tem o mérito de deixar este ponto bem esclarecido.
Abstract: This paper describes methodology analyze the writ of certiorari, the main
mechanism of access to the Supreme Court of the United States, through which their
members select the cases that should be judged annually. Judges possess broad discretion
in their selection of appeals, which enables political and social scientists to investigate which
characteristics a particular case must possess in order to be referred to the highest American
court. Such analysis seems quite timely, considering the strong influence that the American
79
Cf. CALDEIRA, Gregory A. op. cit., p. 80-81, tradução livre. No original: “I do not see a Court or a
process of case selection as autonomous as the description Perry and his respondents offer us. In
my view, litigants -- interest groups, governments, public interest law firms, corporations, high-
powered lawyers, and others -- play a large role in shaping the agenda of the Supreme Court
80
Cf. CALDEIRA, Gregory A. op. cit., p. 81
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Revista Jurídica
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/revistajuridica/index.htm
1 Introdução
A imprensa nacional vem noticiado recentemente com maior ênfase várias tragédias
relacionadas às intempéries climáticas e a segurança pública, tragédias essas que já
ocupam espaço na mídia a alguns anos, e vêm se repetindo sem que a sociedade brasileira
consiga respostas do poder público aos riscos que invariavelmente vem sendo submetida.
Dessa forma, a expansão dos novos riscos, os conflitos sociais e econômicos sobre sua
admissibilidade, e a ausência de diretrizes científicas que fixem pautas de condutas seguras,
acarretam um sentimento de temor social. Esta insegurança é reforçada pelos meios de
comunicação de massa. (BOTTINI, 2006)
Nesse contexto destaco a questão da violência, que em rota de crescimento vem sendo
combatida em conta-gotas, sem muito planejamento.
Se considerarmos que a população cada vez mais questiona os limites dos riscos a que é
submetida e que os políticos trabalham mais com a percepção social dos riscos e o
momento oportuno de tomar decisões sobre novas medidas sobre riscos (LUHMANN, 1993),
chegamos à conclusão que já estamos apenas a alguns passos do caos, sendo imperativo
que os gestores públicos se decidam por políticas públicas que possam efetivamente
diminuir os níveis de violência e insegurança a que são submetidos a sociedade. Sob pena
de não haver tempo que permita tomada de decisões eficazes e realmente voltadas ao
interesse primário do Estado que é a busca da pacificação social, e não ao interesse
secundário, interesse este específico e particular do gestor público.
Do conceito de risco e sua relação com a segurança surge a idéia de que deseja-se a
segurança, mas, dado o estado do mundo, deve-se aceitar riscos. Essa idéia seria originária
da acomodação com a situação? Talvez.
Revendo o conceito de risco, que significa ousar, ou seja, atuar perante a possibilidade de
perigo, vemos que a situação fática em comento é congruente com sua definição. E quando
se leva riscos em consideração, toda variante no repertório da tomada de decisão é
arriscada, se somente o risco de não aceitar certas oportunidades que poderiam provar ser
mais vantajosas.
Especialistas em segurança, mas também todos aqueles que os acusam de não fazer nada
pela segurança, são observadores de primeira ordem. Eles acreditam em fatos; e quando
eles lutam ou negociam, é tipicamente com base nas diferentes interpretações de diferentes
clamores em relação aos mesmos fatos. O problema da informação entre aqueles que lidam
com segurança é levantado. (LUHMANN, 1993)
Na visão dos profissionais que lidam com segurança aprendemos que a segurança absoluta
nunca pode ser alcançada, algo sempre pode acontecer, por isso o conceito de risco é
utilizado por eles matematicamente. (LUHMANN, 1993)
Nesse aspecto, entendemos que estamos sofrendo hoje riscos oriundos de políticas públicas
deficientes praticadas durante as últimas décadas, em que, quando o Estado não se omitia,
até mesmo pela escassez de verbas, executava políticas públicas dissociadas dos objetivos
constitucionais, acabando por privilegiar projetos emergenciais, com foco exclusivamente em
políticas assistencialistas e populistas, que não cumprem o papel de retirar as famílias da
pobreza e incluí-las na sociedade nacional.
Para combater os problemas que enfrentamos oriundos das políticas públicas deficientes
temos que considerar o reconhecimento simultâneo da centralidade da liberdade individual e
das influencias sociais sobre o grau e o alcance da liberdade individual. O desenvolvimento
consiste na eliminação de privação de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades
das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente. Considerando a liberdade
como o principal objetivo do desenvolvimento o alcance das políticas públicas depende de
estabelecer mecanismos para vencer essas privações. Assim, o avanço da sociedade está
interligado a um processo simultâneo de desenvolvimento de muitas instituições diferentes,
incluindo práticas econômicas, sociais e políticas. (SEN, 2000)
Assim, o conceito dinâmico do que vem a ser o grau de segurança ideal para a prática de
uma atividade, e de quais são os patamares aceitáveis de risco diante da necessidade de
suprir as demandas econômicas, políticas e sociais de um grupo, submete a atividade de
gerenciar riscos a um constante conflito de discursos e interesses. Caberá ao gestor a
decisão, nunca definitiva, sobre os termos e limites do risco permitido. Esta decisão não será
Contudo, tais implicações devem ser superadas na medida em que aumenta a necessidade
de se combater as causas da violência, sob pena de os governos incorrerem em erros
crassos na tentativa de estancar os efeitos de um mal cuja fonte geradora não se esgotaria.
Os riscos são como uma 'bomba relógio' que já está em marcha. Nesse sentido, os riscos se
referem a um futuro que temos que evitar. Em contrapartida, a evidência palpável das
riquezas, os riscos têm algo de irreal. Em sentido central, são ao mesmo tempo reais e
irreais. O centro de consciência do risco não reside no presente, mas no futuro (prognóstico).
(BECK, 1998)
Isso sem contar que questões que envolvem riscos são administradas de forma diferente em
diversos Estados e até mesmo dentro de um mesmo Estado. Não existe muita troca de
As disposições sociais podem ter importância decisiva para o crescimento econômico por
meio da oportunidade social, especialmente na área de educação básica, a exemplo do
Japão que apresentava taxas de alfabetização mais elevadas que a da Europa (já
industrializada) em meados do século XIX e da China, que a partir de 1979 promoveu uma
economia mais aberta para o mercado, e que aliada a um pregresso incentivo à educação
básica se destacou, por saber aproveitar melhor as oportunidades econômicas oferecidas.
Esses exemplos, portanto, contrariam a crença dominante em muitos círculos políticos de
que o desenvolvimento humano (processo de expansão da educação e outras condições da
vida humana) é realmente um tipo de luxo que apenas os países mais ricos podem ter.
Esses países citados parecem ter solapado totalmente esse preconceito tácito, pois,
buscaram mais cedo a expansão em massa da educação e o fizeram em muitos casos antes
de romper os grilhões da pobreza generalizada. E colheram o que semearam. (SEN, 2000)
Ademais, o quadro oferecido pela própria violência urbana, já estabelecida durante os anos
80, fechou o circuito baixa escolaridade / baixos salários / atração pelas quadrilhas, pois
também afastou da escola alunos pobres (ZALUAR, 1996).
Essa aliança se torna eficaz na medida em que vários estudos comprovam que estar na
escola significa, de forma imediata, acesso a um direito social da educação e pode significar,
em médio e longo prazo, ganhos nos direitos políticos e civis (AGUIAR; ARAÚJO, 2002).
Na outra ponta surge a questão de como lidar com o acesso à educação, partindo do
pressuposto da existência de forte correlação entre as altas taxas de evasão escolar e a
pobreza das crianças que abandonam as escolas. Assim, se as crianças serão adultos
pobres porque não estudam no presente, e se não estudam porque são pobres, a solução
O destaque a este programa se justifica por se tratar de um modelo de política pública viável
e eficiente pelas seguintes características:
Baixo custo, se compararmos com os altos gastos realizados pelos governos nas ações
repressivas à violência e a criminalidade;
Programa premiado pela inovação e reconhecimento de sua eficiência tanto a nível nacional
quanto internacionalmente.
Segundo pesquisa da UNESCO (2003) o quadro de violência atual apresenta para o País
elevados custos, não só no plano econômico, mas também no campo social, na política, na
saúde pública e até na esperança de vida da população.
No campo econômico, para se ter uma idéia, o Brasil gasta 10,5% de seu PIB, algo acima de
R$100 bilhões anuais, com a criminalidade e a violência, segundo estimativa do Banco
Interamericano de Desenvolvimento. Isso é mais que toda a riqueza produzida por muitos
países do mundo. Se considerarmos que o Brasil gasta em educação menos de 5% do seu
PIB, temos a dimensão do problema: dinheiro demais vai embora pelo ralo da violência.
(UNESCO, 2003).
Outro dado brasileiro é que uma vaga no sistema penitenciário custa, em média, R$800,00
por mês. Construir o espaço prisional necessário para abrigar um preso custa, em média,
R$12.000,00, em se tratando de uma unidade de segurança média, e R$19.000,00 em uma
unidade de segurança máxima. Esses valores tornam-se chocantes quando comparados
com o custo de um aluno, por mês, em uma escola pública estadual da região sudeste, que
é de R$75,00 (PROJETO SEGURANÇA PÚBLICA PARA O BRASIL, 2002).
Dessa forma, para cada real que investirmos em prevenção, pouparemos entre R$4 e R$7
em punição e repressão (UNESCO, 2003).
Considerando que o grande impacto dos gastos com violência se encontra nas suas
conseqüências, nos aparatos de proteção e na repressão das ocorrências e que bem pouco
é destinado a programas de prevenção visando a diminuição de fatores de risco,
evidenciamos a importância desta questão.
Pesquisa da UNESCO, apresentada por Aguiar e Araújo (2002), realizada após o período de
implantação do Programa Bolsa-Escola no Distrito Federal, que se deu de forma pioneira e
original, constatou seus efeitos imediatos e potenciais no enfrentamento de graves
problemas sociais, tais como: evasão, promoção e repetência escolar; saúde, nutrição e
alimentação; trabalho infantil; empoderamento, ganho de auto-estima e perspectiva de
futuro. Apenas para exemplificarmos alguns de forma sintética.
Como podemos observar esses efeitos produzidos pelo Programa se contrapõem aos
fatores propiciadores das condições que estimulam a prática da violência. Justificando assim
sua atuação eficiente na desconstrução dessas condições, combatendo não somente a
violência atual e visível, mas principalmente seus potenciais destrutivos que necessitam,
com urgência, de redirecionamento.
No Brasil, contudo, em que pese o seu sucesso inicial, devido a questões de ordem política,
que identifico como decisões sobre os níveis aceitáveis de risco, o projeto nem sempre
manteve suas concepções na integralidade, passando por várias mutações para ser
implantado a nível nacional visando aumentar sua rede de proteção às crianças pobres. O
que culminou em 2001 no lançamento do Programa Bolsa-Escola Federal, e posteriormente,
em 2003, se transformou no Bolsa-Família, visando prioritariamente massificar a expansão
do atendimento, com a junção dos programas de transferência de renda do governo federal.
Sem, contudo, primar pelo controle efetivo da freqüência escolar dos alunos beneficiários, o
que não deixa de prejudicar o objetivo central dos programas anteriores, que era a questão
educacional, donde a transferência de renda era condicionada à freqüência e resultados
escolares.
1
SILVA, Fábio Ribeiro Soares da; SOUZA, Wanessa Alentejano de. Atuação do Ministério Público
Junto à Vara de Infância e Juventude da Capital. Rio de Janeiro, 2005.
Disponível em: http://www.femperj.org.br/store/pesquisa/pesquisa.doc. Acesso em 20 de novembro de
2006.
E se ainda há dúvida científica sobre os riscos à segurança pública, para embasar qualquer
tomada de decisão no sentido apontado por este trabalho, talvez seja uma oportunidade
para pensarmos, quem sabe, na tomada de decisão discricionária do gestor público, que
passe pela preeminência da proteção a segurança em detrimento de interesses econômicos
e políticos, de modo razoável, apontando para o que pode ser um viés do princípio da
precaução no campo social. No atual contexto, o que não pode é prevalecer a decisão pela
inércia, pois a pressão por soluções à questão é gritante, sob pena, inclusive, da
responsabilidade vir a recair sobre a autoridade competente, ao revés da progressiva
socialização do risco.
O curso do mundo pode produzir infortúnio, mas isso é destino e não a conseqüência de
uma decisão, a qual é por se dizer, legitimada pelo momento escolhido para fazê-la.
Abstract: Brazilian society has been continuously submitted to many risks, mainly in the field
of public security. Especially in the recent historic period, the pressure for solutions came to a
2
Análise de risco de Paulo Freire: “É fundamental que eu saiba não haver existência humana sem
risco de maior ou menor risco. Enquanto objetividade o risco implica a subjetividade de quem o
corre”.
3
Segundo Paulo Freire: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a
sociedade muda”.
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Revista Jurídica
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/revistajuridica/index.htm
1 Introdução
Na América do Sul, a regulação do transporte aéreo, tanto dentro do continente quanto entre
países da região e outros continentes, segue, de modo geral, o regime tradicional. Algumas
exceções podem ser listadas, como: o caso dos países da Comunidade Andina de Nações,
que possuem um acordo de céus abertos intra-regional1; o caso do Chile, que possui
acordos de céus abertos com vários países, tanto sul-americanos quanto de outros
1 O acordo será abordado em uma seção deste artigo, tendo em vista que pode servir de modelo para um
eventual acordo sul-americano.
Com a Primeira Guerra Mundial, e o uso em larga escala de aviões, incluindo o sobrevôo
sobre países neutros, firmou-se a corrente que propugnava pela imposição de restrições à
circulação. Desta forma, em 1919, a Convenção para a Regulamentação da Navegação
Aérea consolidou o princípio da soberania do espaço aéreo5.
2 DIRECCIÓN (Chile), 2001. Alguns países com os quais o Chile possui acordos de céus abertos de 3ª, 4ª e 5ª
liberdades: Bélgica, Brunei, Coréia do Sul, Dinamarca, Holanda, Noruega, Nova Zelândia, Cingapura, Suécia,
Suíça, Estados Unidos, Aruba, Costa Rica, Guatemala, Panamá, República Dominicana, Paraguai
3 BATISTA, 2005, p. 151.
4 Id., 2005, p. 152.
5 Id., 2005, ibid.
6 ORGANIZAÇÃO DA AVIAÇÃO CIVIL INTERNACIONAL (OACI). Vale ressaltar que a OACI faz distinção entre
as cinco primeiras liberdades e as outras quatro. As outras quatro são chamadas, pela organização, em
inglês, pelo termo so-called Freedoms of the Air, tendo em vista elas não fazerem parte de um acordo
multilateral como os assinados no âmbito da Convenção de Chicago.
Esses acordos, de modo geral, regulam questões como rotas, concessão de licenças,
propriedade, número de freqüências a serem operadas entre os países, nacionalidade das
companhias, controle das companhias aéreas (sobretudo enfocando a questão da
nacionalidade do controle) e, em alguns casos, mesmo tarifas9.
7 SILVA, p. 3
8 UMAÑA, 1998, p. 3.
9 Embora, segundo Mario Umaña, a fixação das tarifas seja, em geral, delegada às companhias aéreas e à
IATA (Associação Internacional de Transporte Aéreo). V. UMAÑA, 1998, p. 4. Ainda, interessante o exemplo
trazido por Toh, que mostra como era realizada a fixação de preço entre Nova Iorque e Frankfurt, com base
no acordo multilateral de 1984 entre os Estados Unidos e vários países europeus. V. TOH, 1998, p. 64
Acordos de céus abertos estabelecem normas mais flexíveis para o transporte aéreo
internacional e minimizam a intervenção governamental. De um modo geral, esses acordos
incluem disposições estabelecendo a livre concorrência de mercado, a livre determinação de
preço pelo mercado, oportunidades justas e iguais de concorrência, acordos de marketing
cooperativo e mecanismos de consultas e solução de controvérsias entre os Estados10.
De um modo geral, os Acordos de Céus Abertos mantém algumas restrições dos acordos
bilaterais, geralmente11:
Ainda, cabe adicionar que os acordos de céus abertos, ao estabelecerem restrições quanto
à nacionalidade das companhias aéreas, geralmente proíbem o exercício da sexta e sétima
liberdades do ar. Deste modo, pode-se dizer que um acordo de céus abertos,
tradicionalmente, libera o exercício das cinco primeiras liberdades do ar, ou seja, limita-se à
flexibilização do exercício das liberdades listadas nos acordos relacionados à Convenção de
Chicago13.
A maior parte da América Latina, nela incluída o Brasil, tem-se, tradicionalmente, oposto a
uma maior flexibilização do transporte aéreo internacional. Segundo Mario Umaña, as
principais razões para essa oposição tem sido, de um modo geral, políticas e econômicas, e
podem ser sintetizadas da seguinte maneira16:
10 SILVA, p. 8
11 MOSELLE; REITZES; ROBYN, passim
12 Sobre o tema, interessante o posicionamento do ex-presidente da TAM, Rolim Amaro (apud Lima, 2000, p.
42), que afirmava ser “100% favorável a céus abertos no dia em que puder voar Nova Iorque-Washington”.
13 Neste sentido, Staniland (1999, p. 16), afirma que os acordos de céus abertos “are simply liberalized Chicago-
regime bilaterals”.
14 TOH, 1998, p. 63.
15 Id., 1998, p. 67-68.
16 UMAÑA, 1998, p. 8
uma indústria aérea bem estabelecida pode contribuir para a defesa nacional;
todo país tem direito a participar dos benefícios do transporte a partir de seu território;
geração de divisas;
Entretanto, muitos desses argumentos não fazem sentido num mundo que se move, cada
vez mais, rumo a uma maior interdependência. Além disso, num mundo que se move rumo à
consolidação de blocos econômicos, faria sentido o estabelecimento de um acordo
multilateral regional de céus abertos na América do Sul. Mesmo se levando em conta o
argumento protecionista contra a competição com as empresas dos países desenvolvidos, é
provável que empresas regionais, atuantes num ambiente de céus abertos sul-americano,
poderiam construir uma capacidade maior de competir com as empresas do mundo
desenvolvido do que conseguiriam mantendo-se fechadas em seus próprios países.
Como se demonstrará nas breves análises de alguns acordos de céus abertos (e, no caso
da União Européia, do estabelecimento de um único mercado aéreo), um acordo sul-
americano de céus abertos poderia trazer benefícios para todos os países signatários e
poderia, mesmo, lançar as bases para a instalação de uma zona aérea comum, a exemplo
do que já ocorre no âmbito da União Européia17.
A União Européia adota, atualmente, um conceito que vai além da noção de céus abertos.
Trata-se do mercado de aviação comum18, que se diferencia de um acordo normal de céus
abertos ao abolir quaisquer restrições para o transporte aéreo realizado entre os países da
União. Enquanto os acordos de céus abertos limitam-se a liberalizar o exercício das cinco
primeiras liberdades do ar, o estabelecimento de um mercado de aviação comum resulta no
17 Como ilustração, um estudo aponta que a liberalização de 320 acordos bilaterais existentes (selecionados
para o estudo), resultaria na criação de mais de 24 milhões de empregos e geraria um acréscimo de 490
bilhões de dólares ao PIB mundial. V. INTERVISTAS Consulting, 2006, p. 2.
18 Além da União Européia, a Austrália e a Nova Zelândia passaram, a partir de 1996, a tratar o mercado de
aviação dos dois países como um mercado único, o que resultou num aumento do tráfego entre ambos. V.
INTERVISTAS Consulting, 2006, p. 19.
O caminho rumo ao atual mercado comum de aviação na União Européia foi percorrido em
três etapas, cada uma delas contando com um pacote20 de medidas liberalizantes.
Essa liberalização trouxe benefícios para a União Européia, como o aumento do número de
rotas servidas e a diminuição do preço das passagens aéreas. Segundo a Comissão
Européia:
Os resultados foram altamente positivos, com o número de rotas operadas quase dobrando desde
1992, e um número crescente de companhias aéreas voando dentro da União Européia. Graças
ao aumento da concorrência entre as companhias aéreas, os consumidores foram beneficiados
não só com uma maior escolha de rotas, mas com uma significativa redução das tarifas, graças,
em particular, a novos tipos de serviços. Talvez a maior mudança, do ponto de vista do
consumidor, seja o rápido crescimento das companhias aéreas de baixo custo, que
21
revolucionaram os as maneiras de viajar em vários países europeus nos últimos cinco anos .
Deste modo, as negociações entre Estados Unidos e União Européia caracterizaram-se por
um impasse, de modo que a assinatura de um acordo de céus abertos entre ambos, em 30
O acordo foi bem recebido pela França e pela Alemanha, mas não contou com o entusiasmo
do Reino Unido, que restringe as operações no aeroporto londrino de Heathrow a algumas
empresas, e deverá liberalizar as operações no aeroporto34. Deste modo, o acordo prevê
que, caso não seja alcançado um acordo, até 2010, relativo à cabotagem nos Estados
Unidos e ao controle estrangeiro das empresas estadunidenses, cada país da União
Européia poderá impor restrições aos serviços de transporte aéreo realizados de ou para os
Estados Unidos.
Embora não tenha sido possível encontrar estudos específicos sobre um acordo de céus
abertos entre a União Européia e os Estados Unidos, há um estudo35 realizado sobre a
consolidação de uma área transatlântica de aviação que pode ser levado em consideração
para estimar os impactos do novo acordo de céus abertos para o futuro do transporte aéreo
entre os Estados Unidos e a União Européia.
Deste modo, o novo acordo de céus abertos entre União Européia e Estados Unidos tenderá
a ser benéfico para ambas as partes. Vale ressaltar que, no caso, trata-se de um acordo
realizado entre duas partes com grau de desenvolvimento e políticas internas de mercado
semelhantes. Deste modo, ainda que, talvez, não se possa pensar, no momento, num
acordo semelhante entre União Européia e América do Sul, ou entre América do Sul e
Estados Unidos, um acordo de céus abertos entre os países da América do Sul (e, talvez, no
futuro, a consolidação de uma área de aviação comum entre esses países) poderia contribuir
32 FLINT, 2007, p. 5
33 Desde que operando um serviço proveniente dos Estados Unidos, ou seja, trata-se do exercício da oitava
liberdade do ar.
34 Para mais informações, ver FLINT, 2007, p. 5 e Air Transport World, 2007, p. 9.
35 BOOZ ALLEN HAMILTON LTD., 2007
36 Id. 2007, passim
Na década de 1990, os países do então Pacto Andino envidaram esforços com o intuito de
liberalizar os serviços de transporte em geral, especialmente transporte marítimo e aéreo.
Como resultado, adotou-se uma política de céus abertos entre os países do bloco.
A decisão mantém, no entanto, exceto para os vôos não regulares de carga40, a necessidade
de outros acordos entre os países membros da Comunidade para o caso de direitos de
quinta liberdade para vôos com origem num dos países membros e com destino para
terceiros países:
O regime da Comunidade Andina permitiu uma maior flexibilidade na operação de vôos entre
os países da região. O resultado foi o surgimento de novas rotas, de novas companhias
aéreas e a melhora no padrão de serviços prestados na região42. O regime da Comunidade
Andina, tendo em vista ter sido elaborado entre países que enfrentam muitos dos problemas
enfrentados pelos demais países sul-americanos, pode servir como uma base para um
eventual acordo que abranja toda a América do Sul.
No Mercosul, não existe uma política única de regulamentação dos serviços de transporte
aéreo entre os países membros, apesar da assinatura de um acordo, o Acordo de Fortaleza,
em 1996, cujo artigo primeiro estabelece:
O presente Acordo tem por objetivo permitir a realização de novos serviços aéreos sub-regionais
regulares, em rotas diferentes das rotas regionais efetivamente operadas nos termos dos Acordos
Bilaterais, a fim de promover e desenvolver novos mercados e atender devidamente à demanda
43
dos usuários.
Desta forma, os serviços de transporte aéreo no Mercosul são governados por uma
verdadeira teia de acordos bilaterais, que tornam a situação do bloco semelhante a da União
Européia antes da desregulamentação do transporte aéreo no âmbito da União. Para Silva,
um mercado comum de transporte aéreo no Mercosul deveria:
maximizar as conexões;
estabelecer uma política externa comum;
Na atual União Européia, somente foi possível iniciar esforços de liberalização interna a
partir de 1987, ou seja, 30 anos após a assinatura do Tratado de Roma (que criou a
Comunidade Econômica Européia em 25 de março de 1957). Deste modo, seria talvez irreal
esperar que os países do Mercosul, um bloco econômico criado pelo Tratado de Assunção
(em 26 de março de 1991), já se mostrassem dispostos a avançar rumo a um mercado
comum para os transportes aéreos. Entretanto, uma política de céus abertos entre os países
do bloco poder-lhes-ia ser benéfica e servir como base para uma política sul-americana de
liberalização do transporte aéreo. O Memorando de Entendimento de Santiago parece
apontar para esse caminho.
Como exposto na tabela 1, os acordos de transporte aéreo do Brasil com outros países da
América do Sul são, em geral, antigos, assinados há décadas. Ainda, essa política tem-se
mostrado ineficiente. Já em 1998, o Brasil era apontado, em estudo sobre a flexibilização
dos acordos de transporte aéreo da América Central, como um exemplo a não ser seguido:
[O Brasil] Tem mantido políticas restritivas e protecionistas, ainda que contra os objetivos do
Mercosul. O número de visitantes diminuiu 44% entre 1986 e 1990. Ainda que a situação de
queda se tenha reduzido na década de 90, o Brasil mantém um número de ingresso de turistas
internacionais muito baixo (só 2,1 milhões em 1996), menor que de países muito menores, como
o Uruguai. No âmbito mundial, o Brasil encontrava-se em 35º lugar, caindo para o 52º em 1990 e
49
indo para 45º em 1996 .
Ainda, Araújo Júnior aponta que:
*Rubrica não é o mesmo que assinatura, pois simboliza apenas um entendimento, e não a conclusão
de um acordo.
Deste modo, percebe-se que a política brasileira traz resultados negativos para o turismo no
país e para a própria integração econômica do Mercosul e da América do Sul. Entretanto,
algumas resistências persistem, devido aos motivos tradicionais de oposição a acordos de
céus abertos, mas também devido, no caso do Brasil, a problemas internos que dificultam o
funcionamento do mercado de aviação civil51.
Para viajar entre várias cidades brasileiras e várias cidades de países sul-americanos, é
necessário, muitas vezes, fazer um grande número de conexões e, às vezes, mesmo
pernoitar em algum ponto intermediário52. É fácil ver como isto pode inibir o deslocamento de
pessoas na região. A tabela 2, elaborada com base em consultas ao sistema Amadeus de
reservas53, mostra alguns exemplos de deslocamentos dificultados em virtude da ausência
de melhores ligações entre as cidades brasileiras e sul-americanas.
Os exemplos da Tabela 2 não podem ser tomados como exaustivos, tendo em vista a
escolha arbitrária de pares de cidades e as falhas do sistema Amadeus54. Todavia, esses
exemplos ilustram como as ligações secundárias são prejudicadas pela ausência de vôos
mais diretos entre cidades do Brasil e da América do Sul. Embora seja impossível haver
vôos diretos partindo de todas as médias e grandes cidades brasileiras em direção a todas
as médias e grandes cidades da América do Sul, uma política de céus abertos poderia
51 Rolim Amaro, ex-presidente da TAM, reclamava, já em 2000, da excessiva quantidade de tributos aos quais
as empresas aéreas brasileiras estão sujeitas. Na época, 35% do valor dos bilhetes aéreos era composto por
tributos. V. LIMA, 2000, p. 42.
52 Poder-se-ia dizer que um acordo de céus abertos não resolveria o problema, posto que o Brasil,
internamente, apresenta distorções do tipo. Contudo, o mercado brasileiro ainda absorve o impacto da quase
falência da VARIG. Ainda, iniciativas como a das companhias BRA e OceanAir de explorarem novos pontos
de conexão mostram que o mercado desperta para uma reestruturação interna do transporte aéreo em
direção a consolidação de novas rotas. V. G1, 2007.
53 AMADEUS.NET
54 O sistema Amadeus, apesar de exibir os principais vôos existentes, não mostra todos os vôos existentes,
tendo em vista que as companhias aéreas devem pagar para ter seus vôos listados no sistema. Vôos da
OceanAir e da BRA, por exemplo, não aparecem nas consultas ao Amadeus. Ainda, há o fato de que
empresas podem preferir trabalhar com outros sistemas, como o SABRE. Deste modo, existe uma chance de
que haja alternativas diferentes das expostas na tabela.
Elaborada com base em consulta para vôos programados entre os dias 03 e 10 de Agosto de 2007
No que tange, especificamente, à América do Sul, o diagnóstico obtido pode ser resumido da
seguinte forma57:
É necessário o acesso direto, ou por meio de hubs, de outras cidades que ainda não
possuem vôos internacionais, como Foz do Iguaçu (um dos principais destinos
turísticos do Brasil);
55 Aeroportos que funcionam como pontos de conexão entre diversos vôos, permitindo que um passageiro se
desloque de uma cidade a outra sem a necessidade de um vôo direto entre ambas.
56 BRASIL, 2007b.
57 BRASIL, 2007b, Módulo I, p. 1.
Com relação à aviação transfronteiriça, isto é, à ligação aérea entre cidades secundárias de
países diferentes, o estudo58 concluiu que é necessário um maior desenvolvimento desta
modalidade de ligação aérea, com o intuito de oferecer mais ligações diretas, sem
necessidade de uso de um centro de distribuição. Tais ligações ocorreriam entre aeroportos
que movimentariam entre 30 e 40 passageiros internacionais por dia. Neste caso, poder-se-
ia imaginar ligações diretas, servidas por empresas regionais, entre, por exemplo, Rio
Branco e Iquitos (Peru), ou entre Boa Vista e Ciudad Bolívar (Venezuela), por exemplo.
Contudo, o estudo também aponta que, devido ao número reduzido de vôos internacionais
nesses aeroportos secundários, seria inviável manter neles uma equipe de agentes da
Polícia Federal e da Receita Federal sete dias por semana, 24 horas por dia. Para enfrentar
a questão, o estudo aponta que seria necessária uma redução da burocracia de imigração,
com a adoção de um critério de fiscalização por amostragem, e não de fiscalização de toda a
bagagem e de todos os passageiros, como ocorre atualmente59.
as rotas poderiam ser estabelecidas para qualquer ponto dos países signatários,
limitando-se somente por motivos de ordem técnica e de infra-estrutura;
as medidas deveriam ser adotadas pela via administrativa, para maior agilidade
enquanto não se firmasse um acordo;
expansão dos exploradores de infra-estrutura aeroportuária (por meio de concessões ou, por
exemplo, Parcerias Público-Privadas);
Por fim, o estudo estimou que a oferta de assentos, na região, passe dos atuais 30 bilhões
para 350 bilhões com um acordo regional de céus abertos65.
Com base nesse diagnóstico, a ANAC passou a defender uma política de maior abertura do
Brasil em relação à prestação de serviços de transporte aéreo na América do Sul. No dia 18
de abril de 2007, foi noticiado66 que o presidente da ANAC, Milton Zuanazzi, defendeu
publicamente o fim dos acordos bilaterais entre os países da América do Sul. Segundo o
informe, as propostas de mudança já teriam sido apresentadas ao presidente do Brasil, Luís
Inácio Lula da Silva, a ministros de Turismo e autoridades da aviação civil da América do
Sul. Ainda, de acordo com a notícia veiculada, o país deve apresentar, oficialmente, uma
proposta de acordo sul-americano de céus abertos em junho de 200767.
9 Conclusões e perspectivas
Até o momento, como exposto neste trabalho, o transporte aéreo na América do Sul segue,
salvo algumas exceções, sendo regulado por uma teia de acordos bilaterais. Neste contexto,
o Brasil, maior país da região, tradicionalmente seguiu uma política de estabelecimento de
acordos bilaterais, não assinando nenhum acordo de céus abertos com nenhum país do
mundo, nem mesmo com os países fronteiriços.
A análise dos acordos de liberalização demonstra que, de um modo geral, eles tendem a ser
benéficos para os países signatários, tendo em vista, entre outros fatores, o aumento da
oferta de rotas, a melhora no padrão dos serviços e a queda das tarifas.
Um estudo conduzido pelo Ministério do Turismo em conjunto com a ANAC, além de outros
estudos realizados em outras regiões, demonstram que uma liberalização do transporte
aéreo entre os países sul-americanos tenderá a trazer melhoras para o transporte aéreo na
região, resultando numa diversificação das rotas, na consolidação de centros de distribuição
regionais, no aumento da oferta, na melhora do padrão dos serviços e na queda das tarifas.
64 O tráfego de raiz pode ser entendido como o transporte aéreo proporcionado às cidades com baixo potencial
de tráfego e que depende, portanto, de suplementação de tarifas para viabilizar a regularidade dos vôos. V.
BRASIL, 2007b, Módulo IV, p. II.14.
65 LAGE, 2007.
66 LAGE, 2007.
67 Até a última revisão deste artigo, no dia 29 de junho de 2007, a proposta em questão ainda não havia sido
apresentada.
Nesse contexto, pode-se afirmar que a América do Sul caminha rumo ao estabelecimento de
uma política regional de céus abertos, semelhante a existentes nos países da Comunidade
Andina de Nações. Está-se, no entanto, no início da caminhada, e é provável que se leve
algum tempo para a implantação dessa política. Com a consolidação de seus benefícios, no
entanto, é possível que, num futuro mais distante, pense-se no estabelecimento de um
mercado aéreo comum, a exemplo do que já ocorre na União Européia e entre a Austrália e
Nova Zelândia. A América do Sul está ainda no começo de um caminho já trilhado por outras
nações, um caminho que, provavelmente, tornar-se-á a regra conforme for avançando a
globalização.
Abstract: This work aims at analyzing the perspectives for the establishment of an open
skies agreement among the South American countries. In order to achieve this goal, this
work begins with an analysis of the traditional air transportation regulation. Subsequently, the
open skies agreements are analyzed: the concept of open skies is clarified, and the
European internal market, the open skies agreement between the United States and the
European Union and the open skies agreement within the framework of the Andean
Community of Nations are discussed. Afterwards, the current Brazilian policy of bilateral
agreements, as well as the proposals for the growth of the air traffic in South America are
analyzed. At last, it is concluded that an eventual open skies agreement is viable and will
benefit Brazil and the region.
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Revista Jurídica
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/revistajuridica/index.htm
A presente análise visa verificar a contextualização do tráfico ilegal de fauna e flora silvestres
no Brasil, haja vista ser uma das principais causas da perda da biodiversidade como um
todo. Sob o alicerce do desenvolvimento sustentável, demonstra-se que a conservação
ambiental é dever e direito de todos, de forma que não basta apenas a atuação estatal, mas
sim de toda a sociedade que, ao exigir o cumprimento da lei, como atos habituais de seus
cidadãos, permitirá que esta conservação ocorra de fato.
Essa diversidade implica na intensa busca por animais e plantas exóticas para os mais
diversos fins no Brasil. Desta forma, a necessidade de consolidação dos termos de proteção
ambiental é relevante diante do quadro ecológico no que tange a manutenção da
biodiversidade, e também em razão da exploração econômica desses recursos, que viabiliza
a criação de empregos, possibilidade de uma atividade sustentável e assim, o
desenvolvimento do país.
A fauna e a flora, assim como os demais recursos ambientais, exercem uma função no
ecossistema, e são indispensáveis para o seu equilíbrio. É dizer que cada um dos elementos
do ecossistema tem uma missão a cumprir para mantê-lo estruturado e em harmonia. Nesse
sentido, se todas as espécies são insubstituíveis nesse complexo, a ausência de qualquer
uma delas altera toda a dinâmica do sistema.
De sua conceituação normativa, tem-se que a fauna silvestre brasileira comporta todos os
animais pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou
terrestres, reproduzidos ou não em cativeiro, que tenham seu ciclo biológico ou parte dele
ocorrendo naturalmente dentro dos limites do Território Brasileiro e suas águas
jurisdicionais.3
A flora possui estreita ligação com a fauna, expressada nas relações ecossistêmicas, ao
exemplo das relações alimentares. Nesse sentido, compõem a flora as florestas, as matas
Biodiversidade é a variabilidade dos organismos vivos e dos sistemas ecológicos dos quais
eles são parte, ou seja, inclui todo o resultado da evolução da vida biológica no planeta, em
seus diferentes níveis, desde espécies, seus habitats e ecossistemas, os complexos
ecológicos dos quais fazem parte, até mesmo sua capacidade de reprodução.6
4 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005. p. 202.
5CONVENÇÃO SOBRE DIVERSIDADE BIOLÓGICA. Disponível em:
[http://www.redenortebrasil.org.br/doc/cdb.doc]. Acesso em: 31 mar. 2007.
6 ALBAGLI, Sarita. Amazônia: fronteira geopolítica da biodiversidade. Parcerias Estratégicas, Brasília, n.12, p.
6-19, set. 2001. Disponível em: [http://ftp.unb.br/pub/unb/ipr/rel/parcerias/2001/3379.pdf]. Acesso em: 29 mar.
2007
7 _______. Amazônia: fronteira geopolítica da biodiversidade. Parcerias Estratégicas, Brasília, n.12, p. 6-19,
set. 2001. Disponível em: [http://ftp.unb.br/pub/unb/ipr/rel/parcerias/2001/3379.pdf]. Acesso em: 29 mar. 2007
8 SACHS, Ignacy. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo: Vértice, 1986. p. 12.
O desafio para a continuidade do comércio de vida selvagem é gerar no seu complexo social
e político, a conscientização de como e porquê se deve preservar e exercer a atividade de
forma sustentável. É dizer que a atividade necessita de regulamentação, não apenas para
proteger os recursos da fauna e da flora, mas também para conservá-los, e permitir a
continuidade de sua exploração econômica.
A utilização da fauna e da flora propicia uma melhor qualidade de vida, não somente por
fazerem parte da manutenção do equilíbrio ecológico conforme já ressaltado, mas também
por proporcionar avanços medicinais, pelo uso e estudo de plantas medicinais e mesmo de
animais silvestres, além de criação de produtos derivados, como poções, cremes e
remédios.
9 SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito ambiental internacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Thex , 2002.
p. 113.
10 REDE NACIONAL DE COMBATE AO TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES. 1º Relatório Nacional sobre o
Tráfico de Animais Silvestres, 2001. p. 1-108. Disponível em:
[http://www.renctas.org.br/files/REL_RENCTAS_pt_final.pdf]. Acesso em: 27 mar. 2007.
11 INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (Brasil).
Orientações para a criação de novas unidades de conservação: projeto unidades de conservação.
Brasília, abril de 1999. p. 1-45. Disponível em:
[http://www.ibama.gov.br/siucweb/guiadechefe/guia/anexos/anexo8.pdf]. Acesso em: 28 ago. 2007.
12 _______. What is wildlife trade? When is wildlife trade a problem? Disponível em:
[http://www.traffic.org/wildlife/wild6.htm]. Acesso em: 28 fev. 2007.
Liberdade, na vertente de Amartya Sen, “diz respeito aos processos de tomada de decisão e
às oportunidades de obter resultados considerados valiosos”.15 Nesse sentido, é garantir
também os direitos humanos, constitucionalmente garantidos, direito à saúde, educação, à
um ambiente ecologicamente equilibrado, oportunidades de crescimento no mercado, na
sociedade, e individualmente também, o que acaba por acarretar em garantir os alicerces da
dignidade da pessoa humana e da liberdade de escolha propriamente dita.
13 THE WILDLIFE TRADE MONITORING NETWORK. Traffic South América. Disponível em:
[http://www.traffic.org/network/network8.htm]. Acesso em: 28 fev. 2007.
14 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000. p. 17-18.
15 Ibid. p. 329.
16 Ibid. p. 18.
17 VARELLA, Marcelo Dias. Direito internacional econômico ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 43.
18 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000, p. 52.
Se tomar como foco a utilização da fauna e da flora silvestres, demonstra-se, nesse sentido,
que a conservação destes recursos como parte das políticas organizadoras da sociedade, e
como meta de atuação no mercado consiste justamente na ampliação das liberdades do
homem, na medida em que, além de conservar o produto base de uma atividade, aumenta a
qualidade ambiental e as condições de vida, e oportunidades de progresso. É a própria
complementação entre direito ao desenvolvimento e direito a um ambiente ecologicamente
equilibrado.
Desta feita, tem-se que a conservação dos recursos ambientais emergiu diante das graves
conseqüências da intervenção do homem no meio ambiente, e, atualmente, integra a própria
conceituação do desenvolvimento. E o tráfico ilegal da fauna e flora silvestres, por sua falta
de critérios que acarretam em uma devastação contínua, prejudica o equilíbrio ecológico,
privando as liberdades humanas, tanto no aspecto ecológico, restringindo o direito a um
ambiente ecologicamente equilibrado, a gerações presentes e futuras, quanto à restrição de
oportunidades e de uma melhor qualidade de vida.
Nesse sentido, por seu cunho não sustentável, o tráfico ilegal importa em uma atividade que
impede o desenvolvimento, sob todos os seus aspectos, e deve ser barrado, por meio de
políticas públicas eficientes, mas principalmente, pela conscientização da sociedade como
um todo, por ser o alvo principal, e assim, o mais importante fiscalizador da atuação regular
da atividade.
Outra demanda, ainda que em menor escala, consistiu na proteção do meio ambiente sem
necessariamente estar vinculado a um fim econômico; nesse sentido, a campanha do World
Wildlife Fund – WWF em defesa do urso panda, foi uma das primeiras a alertar para
catástrofe ecológica da extinção de animais caçados com fins de lucro ou por esporte. A
panda chegou ao número de 100 no mundo inteiro, hoje somam mais de mil.21
Contudo, tendo em vista a função política e econômica das atividades que utilizam os
recursos naturais, responsáveis diretamente pela realização da extensão do
desenvolvimento, não há que se vê com um sentido negativo os tratados que visam
conservar os recursos para a garantia de um fim econômico; além disso, estarão por fim,
protegendo a continuidade do recurso propriamente dito. Se assim não fosse, muitos
recursos já estariam escassos, como muitos já foram diante da contínua exploração
humana.
19 SACHS, Ignacy. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo: Vértice, 1986. p. 15-16.
20 SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito ambiental internacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Thex, 2002.
p. 114.
21 Ibid. p. 114.
Com isso, as populações têm um instrumento, não somente que orienta como deve ser a
atividade, mas que também a promove, permitindo o desenvolvimento social e econômico. É
a própria implementação do desenvolvimento sustentável, pois compatibilizar meio ambiente
e desenvolvimento, implica considerar os problemas ambientais como parte do processo de
planejamento, de modo que a política ambiental se construa não como um obstáculo ao
desenvolvimento, mas sim um de seus instrumentos.24
A Convenção merece destaque, tendo em vista que monitora o comércio daquelas espécies
mais visadas no comércio, e, portanto, a atividade representa um risco à manutenção da
espécie envolvida, de sua função ecológica e da biodiversidade como um todo. Desse modo,
22 TEN popular misconceptions about CITES. CITES World: Official Newsletter of the Parties. n. 17, p. 14-15, jul.
2006. Disponível em: [http://www.cites.org/eng/news/world/17.pdf]. Acesso em: 28 fev. 2007.
23 VERCILLO, Ugo Eichler. A efetividade da CITES. Entrevista concedida à Gabriela Garcia Batista Lima,
conforme Parecer PIC 94/06, do Comitê de Ética em Pesquisa - CEP/ UniCEUB, haja vista Memo 189/06 de
11 de dezembro de 2006. Brasília, 26 jan. 2007.
24 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005. p. 52-53.
25 CONVENTION ON INTERNATIONAL TRADE OF ENDANGERED SPECIES. What is CITES? Disponível em:
[http://www.cites.org/eng/disc/what.shtml]. Acesso em: 15 nov. 2006.
26 THE WILDLIFE TRADE MONITORING NETWORK. What is the scale of wildlife trade? Disponível em:
[http://www.traffic.org/wildlife/wild2.htm]. Acesso em: 21 fev. 2007.
O Brasil aderiu a CITES em 1973, e foi formalmente inserida na legislação interna quando da
sua ratificação, em 24 de junho de 1975, pelo Decreto Legislativo nº 54, promulgado pelo
Decreto nº. 76.623 de 1975, entrando em vigor 90 dias após o ato. A Convenção entrou em
vigor para o Brasil, em 04 de novembro de 1975, e posteriormente, foi alterada pelo Decreto
Legislativo nº. 35, em 1985, e tal alteração promulgada pelo Decreto nº. 92.446 de 07 de
março de 1986.
Tem-se ainda, a Instrução Normativa nº. 02/01 de 2001, que dispõe sobre a obrigatoriedade
na identificação individual de espécimes da fauna para fins de controle de criação e
comércio, e a Portaria nº. 113/97. Para os recursos pesqueiros, destacam-se a Instrução
Normativa nº. 56/2004, que estabelece normas para utilizar peixes ornamentais marinhos, e
Instrução Normativa nº. 13/2005, que estabelece normas para a utilização de peixes
ornamentais de águas continentais. Apontam que, ao se tratar de espécies CITES, deve
corroborar com toda regulamentação da Convenção.
Para a flora, existem a Portaria nº. 112/1985, que regulamenta a coleta, transporte,
comercialização e industrialização de plantas ornamentais, medicinais, aromáticas ou
tóxicas, a Portaria nº. 83/1996, que regulamenta a exportação de produtos e subprodutos
oriundos da flora brasileira, e a Instrução Normativa nº. 03/ 2004.
Para o infrator, constitui crime matar, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre
sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em
desacordo com a obtida, conforme a Lei nº 9.605/1998. A pena deverá corroborar também
com a Lei nº 6.938/1981, sendo prevista também, sanção administrativa, conforme Decreto
A utilização de recursos silvestres ainda é objeto do tráfico ilegal, que ocupa a terceira maior
atividade ilegal no campo mundial, somente perdendo para o tráfico de drogas e o de armas,
movimentando de 10 a 20 milhões de dólares por ano, sendo que o Brasil participa com
cerca de 5% a 15% do total mundial.28 A existência do tráfico ilegal da fauna e da flora
silvestre ainda é umas principais causas à perda da biodiversidade.
No Brasil, a questão do tráfico ilegal é preocupante, haja vista ser um dos países mais
requisitados quando da procura por fauna e flora silvestres. Além disso, importante ressaltar
que, a atitude da sociedade perante toda essa irregularidade, é a de impunidade, de forma
que é comum a permanência de feiras, lojas irregulares e criadouros clandestinos, que tão
somente encoraja o comércio ilegal.
Uma das piores realidades que se enfrenta são as condições de tratamento dos animais.
Apesar de existirem técnicas de manejo e transporte adequadas às espécies, os animais são
As aves são um dos animais mais encontrados no comércio ilegal, tanto o animal vivo, como
mortos, para a retirada de suas penas, couros, ovos e outras partes. Outra grande demanda
é a pele de répteis como crocodilos, cobras e lagartos, que são muito utilizadas para
diversos artigos: sapatos, bolsas, roupas, malas, pulseiras de relógio, cintos e outros, sem
falar da procura para animais de estimação exótica.34
Os peixes de aquário também são muito populares, inclusive nos Estados Unidos. Os
americanos mantêm cerca de 340 a 500 milhões de peixes, cujo comércio movimenta pelo
menos US$ 215 milhões por ano. É estimado que o mercado mundial para peixes de aquário
movimente US$ 600 milhões; e ainda vem crescendo cerca de 10% a 15% anualmente.35
A dificuldade que se tem em conter o tráfico ilegal de recursos silvestres é alarmante. Entre
os principais motivos do aumento dessa atividade ilegal se materializam também no fato de
que o tráfico de drogas é cada vez mais arriscado, e o tráfico de fauna silvestre possui
menor risco e quase igual lucro para o traficante, cuja atividade é facilitada também, diante
da visão benigna do comércio ilegal da fauna e flora, enquanto crime, por parte da polícia,
alfândegas e autoridades judiciais.40
Outro óbice consiste na dificuldade de uma correta identificação da fauna ou flora objeto do
comércio internacional, de difícil ou quase impossível identificação para um funcionário
aduaneiro, de forma que, para o traficante é fácil exportar uma arara ou um papagaio
ameaçado de extinção com uma denominação de espécie cuja exportação é permitida.41
Excelente exemplo se tem com a situação das orquídeas hoje: as orquídeas são plantas
muito visadas pelo mundo todo, de forma que todas as espécies que existem no Brasil estão
na CITES, e a legislação brasileira só permite a comercialização de orquídeas, quando
forem reproduzidas artificialmente, ou seja, de laboratório, e por causa da legislação interna,
5 Medidas tomadas pelo Brasil para tornar a proteção mais efetiva: avanços e limites
No que se refere aos criadouros, para aquelas espécies não descritas na CITES, ou seja,
não muito visadas internacionalmente; a lista dos criadouros comerciais devidamente
registrados junto ao IBAMA consta um número bastante expressivo, mais de 120 por todo o
Brasil44. No entanto, para o mercado de importação e de exportação, campo de atuação da
CITES, apesar da grande demanda, o número de exportadores e importadores registrados é
muito pequeno.
Nesse aspecto, além da falta de incentivo, por parte do governo para a criação de criadouros
legalizados, falta também uma atuação mais efetiva da educação ambiental, propiciando
informações suficientes para modificar todo um comportamento social, de modo que as
próprias passem a exigir a legalidade na atividade, conscientizadas da importância da
conservação da biodiversidade.
43 MELLO, Claudia Maria Correia de. A efetividade da CITES. Entrevista concedida à Gabriela Garcia Batista
Lima, conforme Parecer PIC 94/06, do Comitê de Ética em Pesquisa - CEP/ UniCEUB, haja vista Memo
189/06 de 11 de dezembro de 2006. Brasília, 26 jan. 2007.
44 INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (Brasil). Lista dos
criadouros para fins comerciais. Disponível em: [http://www.ibama.gov.br/fauna/criadouros/comerciais.pdf].
Acesso em: 04 mar. 2007.
45 Id. Lista de exportadores ativos junto ao IBAMA. Disponível em:
[http://www.ibama.gov.br/fauna/criadouros/exportadores.pdf ]. Acesso em: 04 mar. 2007.
46 Id. Lista de importadores ativos junto ao IBAMA. Disponível em:
[http://www.ibama.gov.br/fauna/criadouros/importadores.pdf]. Acesso em: 04 mar. 2007.
Além disso, todo ano o IBAMA e polícias ambientais apreendem em torno de 70 mil animais
silvestres em feiras, residências e estradas, sendo que a maioria são aves. 48 No Brasil, a
questão do tráfico ilegal é preocupante, haja vista ser um dos países mais requisitados
quando da procura por fauna e flora silvestres.
Assim que o DOF entrou em operação, o IBAMA detectou tentativas de fraude, como por
exemplo, de empresas que tentaram falsificar declarações de estoque de madeira em
quantidades superiores às verificadas no pátio das madeireiras, e a descoberta do delito se
deu cinco dias após a vigência do DOF, comprovando a eficiência do sistema.51
De acordo com a Lei nº. 9.605/1998, a pena para os crimes contra a fauna e contra a flora,
variam conforme o potencial ofensivo da ação danosa. Por exemplo, para a fauna, matar,
apanhar, vender, exportar ou adquirir de forma ilegal, a pena é de detenção de seis meses a
um ano e multa; aumentada de metade, quando tratar de espécie ameaçada de extinção,
conforme §4º do art. 29. Exportar peles e couros de anfíbios e répteis em bruto sem
autorização competente, incorre em reclusão de um a três anos e multa, segundo art. 30.
Segundo o art. 32, abuso e maus tratos aos animais, a pena é de detenção de três meses a
um ano e multa, sendo aumentada de um sexto a um terço se ocorre a morte. Cumpre
perceber que a prática de maus tratos aos animais é uma das principais colaboradoras para
a extinção das espécies, e conseqüente afetação na biodiversidade mundial e, contudo, a
pena consiste somente na detenção de três meses a um ano, não demonstrando o
reconhecimento esperado pelo Estado, da tamanha gravidade da conduta.
No âmbito da flora não parece ser diferente, por exemplo, descreve o art. 39 que danificar
floresta de preservação permanente, a pena é de detenção de um a três anos ou multa, ou
ambas as penas cumulativamente, causar dano às Unidades de Conservação concorre para
reclusão de um a cinco anos, e se afetar espécies ameaçadas de extinção, se considera
circunstância agravante; e se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.
Por vezes, a legislação penal ambiental parece suficiente, por vezes não, e na maioria dos
casos, a aplicação da pena segue a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, Lei nº.
9.099/1995, no âmbito da Justiça Estadual, e dependendo das circunstâncias do crime,
aplica-se a Lei dos Juizados Criminais Federais, de nº. 10.259/2001, obedecida às
alterações da Lei nº. 11.313/ 2006.
De um modo geral, a crítica que se manifesta é que, ao invés de incidir as penas privativas
de liberdade, mais adequadas à punição de um crime ambiental, se aplicam as penas
alternativas e restritivas de direito instituídas pelos referidos diplomas processuais, que não
parecem estar adequadas à conscientização da realidade da gravidade do dano ambiental,
53 MACEDO, Kézia. A última fronteira do crime ambiental. Revista Ibama, Brasília, ano 2, n. 2, p.17.
54 MOTTA, Luiz da. CETAS: Expansão da rede de triagem de animais silvestres. Revista Ibama, Brasília, ano 2,
n. 2, p. 39.
Conclusão
Em que pese, ainda que se tenha toda uma previsão legal e atuação do Estado,
regulamentando todo o procedimento interno até a comercialização internacional
propriamente dita, é importante que a sociedade se conscientize da necessidade da
conservação ambiental, e da relevância da conduta de cada indivíduo para a efetivação
dessa proteção em todas as etapas da atividade.
Abstract: The present analysis describes the situation of the illegal traffic in Brazil,
emphasizing the gravity of the continuity of the illegal comercial activity of the fauna and the
flora, for the ambient conservation and the sustainable development. Under this form,
structuralized the Brazilian composition directed toward the regulation of this commerce, the
study delineated its main imperfections in the conduction of the activity, as well as the
possibilities of adequate alterations to the Brazilian context, for the accomplishement of the
ambient conservation in the commerce of the wild fauna and the flora.
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