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DIREITO DOS CONTRATOS E DO CONSUMIDOR

PARTE 1 – DA INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS CONTRATOS

1 – DA BREVE ANÁLISE HISTÓRICA DO ESTUDO DOS CONTRATOS


– DA VELHA ROMA A IDADE MODERNA

O fenômeno contratual começou a ser identificado no direto romano. No


período pré-clássico, o rigor formalista era exacerbado, chegando mesmo
a retirar completamente o papel da vontade no contrato, posto que o pacto
sem forma não produzia efeitos. Para parte da doutrina, o contrato na
época de Roma tornava o pacto vinculativo mais pela forma de que deveria
se revestir do que propriamente como instrumento jurídico apto a
regulamentar operações econômicas plurais e variadas como ocorre nos
dias de hoje.

Na era Cristã: ainda no período clássico do direito romano, houve uma


evolução do contrato com a crescente redução dos formalismos, o que se
tornaria ainda mais efetivo no direito de justinianeu (outro momento),
dando ensejo ao acatamento de contratos inominados e fazendo valer a
regra contida no artigo 425 do Código Civil em vigor que dispõe, a saber:
“É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas
gerais fixadas neste Código”. Parte da doutrina crava que no direito de
justinianeu o panorama modifica-se, posto que os juristas bizantinos, ao
invés de considerarem, como os clássicos, que a obrigação nasce do
elemento objetivo (forma), e não do acordo de vontade, entendiam que é
deste (acordo) que resulta a obrigação, o acordo de vontade, de mero
pressuposto de fato dos contratos. Neste momento passou a ser seu
elemento juridicamente relevante.

A Idade Média: por sua vez recebeu influência permanente do direito


canônico (Igreja), provocando, como em outros ramos do direito, a
vinculação entre direito e religião, a qual perduraria até a Idade Moderna,
com o advento do jusracionalismo, que acabaram provocando a laicização
do direito, e não havia ainda a consolidação da autonomia da vontade,
pois apesar de a Igreja Católica mostrar-se simpática ao valor da palavra
dada, não se reconhecia o primado da vontade individual, senão nos
limites da fé, da moral e do bem comum. Noutras palavras, a vontade
haveria de estar ligada aos três preceitos preconizados pela Igreja, ou
seja, da fé, da moral e do bem comum. Preponderava neste período a ideia
de que os interesses da comunidade familiar, religiosa ou econômica
ultrapassavam a vontade individual.

Na Idade Moderna: viu-se uma evolução dos contratos, que se iniciou em


1.453 com a conquista de Constantinopla pelos turcos otomanos,
provocando a derrocada final do chamado império romano oriental,
caminhado até a Revolução Francesa em 1.789, sendo que neste período
a figura contratual ganhou relevo nas regiões que já conheciam de alguma
forma a produção capitalista e se viam na contingência de realizar trocas
econômicas. Nesse período ainda se destaca a importância da Escola
Jusnaturalista que, dentre outras máximas, acreditava que a vontade devia
ser soberana, incluindo a liberdade e igualdade entre os direitos naturais
do homem.

Destacou-se nessa escolástica o jurista alemão Samuel Von Pufendorf,


eis que contribui para com a concepção futura do “contrato justo” como
aquele que pelo simples consenso os contratantes se obrigavam,
mantendo-se, por conseguinte, o acordo de vontades imune de
ingerências estranhas, fossem elas do Estado ou não. Tais ideias
acabaram por ser iniciadoras da teoria do Contrato Social de Rousseau.

A obra Contrato Social de Jean Jacques Rousseau escrita em 1.762,


retrata com fidedignidade o imediato período que antecedeu a chamada
época áurea do contrato, em que a autonomia da vontade e a consequente
obrigatoriedade das convenções particulares encontraram seu apogeu.
Nessa obra, verifica-se a defesa contundente de que a vontade vinculava
os homens entre si em um pacto social por uma vida com mais plenitude,
sentido e razão de existir, desde que nesse contrato, o contratante, por
vezes, viesse a abrir mão de sua liberdade em favor do bem comum. Do
mesmo modo, percebia-se a defesa que a vontade do homem dotado de
razão tinha o poder de vincular os contratantes em um pacto social
objetivando a conservação comum e o bem estar geral.

Inegavelmente, tem-se que a concepção do contrato como acordo de


vontades voltado para a produção de efeitos jurídicos em torno de uma
necessidade de conteúdo estava atrelada ao desenvolvimento da
liberdade que propiciou ao homem como ser racional a ampla autonomia
de vontade.

2 – DA IDADE CONTEMPORÂNEA AOS DIAS ATUAIS

Certamente, foi na idade contemporânea, com a eclosão da Revolução


Francesa em 1.789, que o contrato encontrou a sua época áurea na
expressão clara do artigo 1.134 do Código Civil Francês de 1.804 que,
aproximando o direito natural de liberdade do direito positivo, proclamou
para o mundo ocidental que as convenções legalmente constituídas teriam
o mesmo valor que a Lei relativamente as partes que a fizeram. Só
poderiam elas ser revogadas (Lei entre as partes), por consentimento
mutuo, ou pelas causas que a Lei admitisse. Havia também a premissa de
que sempre se pautaria pela boa-fé. A máxima de sabedoria popular de
que o contrato era Lei entre as partes, o que nos remete ao princípio do
pacta sunt servanda que deriva dessa época histórica.

A noção de justiça contratual era totalmente diversa dos dias atuais, pois,
assentava-se na ideia de que a coincidência entre a vontade declarada e
a vontade querida seria o suficiente para tornar válido o acordo de
vontades, eficaz e justo sob o ponto de vista moral e ético,
independentemente da intervenção estatal.
Sobre esse período, ou seja, da Revolução Francesa e do Código de
Napoleão, tem-se posição doutrinária de que nessa fase ou período se
estava diante da idade de ouro da liberdade absoluta entre as partes,
sejam vendedores e compradores; patrões e operários; senhorios e
inquilinos, com a consequência da obrigação de as executar, mesmo se
elas se revelassem injustas ou socialmente graves e perigosas. Vê-se
assim nesse período que a autonomia da vontade estava acima de tudo,
podendo até mesmo ignorar preceitos de paridade e justiça entre as partes
quanto ao resultado útil do contrato. Noutras palavras, a “justiça contratual”
se baseava naquilo em que era querido pelas partes no ajuste do vínculo.

Pode-se concluir que nessa época, a autonomia da vontade era absoluta,


independo saber se o resultado contratual seria justo ou injusto. Exemplo:
nessa época, a entabulação de um contrato para trabalho de forma
exaustiva e degradante para o trabalhador era encarado como válido, na
medida em que o operário aderira as condições propostas no contrato, não
havendo que se falar, a exemplo dos dias, em hipossuficiência da parte
mais fraca da relação contratual.

Posteriormente, sobretudo no final do século XIX e início do século XX,


assiste-se a burguesia provocando a redução do poder do clero e da
nobreza, abusando do poder econômico e industrial e provocando, cada
vez mais, o empobrecimento e, porque não dizer, sofrimento da classe
operária. Esta, por sua vez, (classe operária), procurou se organizar em
torno dos sindicatos de classe para reivindicar legislações protetivas da
parte mais vulnerável que, por exemplo, passassem a fixar jornadas de
trabalho menos desumanas e dias de repouso. Deflagrou assim a
chamada luta de classes em que um lado estavam os capitalistas e de
outro o proletariado. Essa era inclusive, fez surgir no Brasil, a exemplo, o
surgimento da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) em 1.943.
Nesse contexto, há posição doutrinária da preocupação com instrumentos
de equalização das partes do contrato, ou seja, criação de normas
positivas para propiciar prerrogativas ao economicamente mais fraco na
relação contratual para compensação de sua desvantagem econômica
(CDC nos dias de hoje). Dessa forma, ter-se-ia que a igualdade não seria
mais o fim das diferenças na Lei, como adotado na Revolução Francesa,
mas sim a equalização das condições jurídicas de contratantes desiguais.

Há de se destacar que essa necessidade de transformação de paradigma


da Revolução Francesa desencadeou previsões, a exemplo, na nossa
CF/88, como a previsão da dignidade da pessoa humana e a solidariedade
como princípios constitucionais inderrogáveis (artigo 1º, III e 3º, I) e a
defesa do consumidor como garantia fundamental (artigo 5º, XXXII).
Outros avanços contemporâneos para a proteção da parte mais fraca na
relação contratual, pode-se citar o Código de Defesa ao Consumidor
(CDC) e a própria CLT.

Há de se registrar que no plano do judiciário, destaca-se a outorga de


poder-dever aos juízes de reverem judicialmente o contrato se este em
seu curso se mostrar excessivamente oneroso para uma das partes,
conforme se verifica, a exemplo, nos artigos 6º, V do CDC; 19 da Lei do
Inquilinato; 317 e 478 do CC/2002. Assim, nos dias de hoje, vê-se que o
contrato que antes se mostrava intocável face a manifestação da vontade
das partes, hoje pode sofrer revisões judiciais a fim de se estabelecer no
concreto a justiça e o equilíbrio entre as partes da relação, evidenciando
assim a possibilidade legal de intervenção do Estado Juiz na relação
contratual e em seus efeitos.

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