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VIVIANE SOUZA MARTINS

As Cores Negras da Lama:


Etnoecologia Abrangente na Comunidade Quilombola Salamina Putumuju,
Recôncavo da Bahia

Campinas

2014
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

VIVIANE SOUZA MARTINS

As Cores Negras da Lama:


Etnoecologia Abrangente na Comunidade Quilombola Salamina Putumuju,
Recôncavo da Bahia

Orientador: Dr. José Geraldo Wanderley Marques


Co-orientadora: Dra. Sônia Regina da Cal Seixas

Tese apresentada ao Programa de Doutorado em


Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e
Pesquisas Ambientais (NEPAM) e Instituto de Filosofia
Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP) como requisito para obtenção do
título de doutora em Ambiente e Sociedade na área de
concentração Aspectos Biológicos da Sustentabilidade e
conservação.

Este exemplar corresponde à tese final defendida pela aluna Viviane


Souza Martins, orientada pelo professor Dr. José Geraldo
Wanderley Marques e co-orientada pela professora Dra. Sônia
Regina da Cal Seixas, aprovada no dia 27 de outubro de 2014.

Campinas
2014
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RESUMO

A etnoecologia é um campo de pesquisas que visa elucidar as relações entre sociedades


humanas e natureza. Na margem oeste do Recôncavo Baiano, situa-se a Baía do Iguape,
localizada na interface da foz do rio Paraguaçu com a Baía de Todos-os-Santos. Na
localidade, onde em agosto de 2000 foi criada a Reserva Extrativista Marinha Baía do
Iguape, está situada a comunidade quilombola Salamina Putumuju. A renda e
subsistência de grande parte da comunidade se baseiam no extrativismo de recursos
naturais tais como pescado e espécies vegetais como dendê e piaçava. A reserva convive
atualmente com a operação de empreendimentos de infraestrutura com grande potencial
causador de impacto que incidem, sobretudo nas atividades pesqueiras. Optou-se por
abordar as relações pessoas/ambiente através de etnoecologia abrangente e
contextualizá-las no tempo e nos processos históricos vividos pelos extrativistas. Além
disso, foi verificada a percepção nativa a respeito dos impactos ambientais provocados
pela instalação e operação dos empreendimentos. Uma combinação de ferramentas de
coleta de dados qualitativos (entrevistas, observação direta, turnês guiadas) foi utilizada.
O território abrigou um quilombo de escravos fugidos no período colonial e o trabalho
escravo esteve presente na comunidade até a recente certificação quilombola. O
Conselho Pastoral dos Pescadores teve papel decisivo no processo de transformação
social. Os extrativistas possuem aprofundado conhecimento da dinâmica dos recursos
pesqueiros e do fenômeno das marés o que otimiza o exercício da atividade pesqueira.
Além disso, compreendem aspectos ecológicos do recurso piaçava que historicamente é
considerado como principal fonte de renda da comunidade local. Os empreendimentos
geradores de grandes impactos, principalmente a operação da Usina Hidrelétrica Pedra
do Cavalo têm sido interpretados pelos pescadores como principais responsáveis pela
diminuição dos estoques pesqueiros na região.

Palavras-chave: Etnoecologia abrangente, quilombola, pesca artesanal, piaçava.

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ABSTRACT

Ethnoecology is a field of research that seeks to elucidate the relationship between human
societies and nature. On the west bank of the Reconcavo Baiano, is located Baia do
Iguape, placed on the mouth of the river Paraguaçu interface with the Baía de Todos-os-
Santos. In this place, which in August 2000 was created the Marine Extractive Reserve
Baía do Iguape, is situated a quilombola community called Salaminas Putumuju. The
income and livelihood of much of the community is based on the extraction of natural
resources such as fish and plant species such as palm oil and palm fiber (dendê and
piaçava). The reserve is currently experiencing the operation of large infrastructure
projects with potential impact that caused concern, particularly in fishing activities. We
chose to analyze the relationships human/environment based on the comprehensive
ethnoecological proposal of Marques and contextualize them in time and historical
processes experienced by extractivists. Furthermore, we investigated the native
perception about the environmental impact of the installation and operation of projects. A
combination of qualitative data collection (interviews, direct observation, guided tours) tool
was used. The territory took a Quilombo of runaway slaves during the colonial period and
slavery labor was present in this community until the recent accreditation quilombola. The
Pastoral Council Fishermen (Conselho Pastoral dos Pescadores) played a decisive role in
the process of social transformation. The local extractivists have in-depth knowledge of the
dynamics of fish stocks and the phenomenon of the tides which optimizes the exercise of
fishing activity. Also, understand the ecological piaçava resource that is historically
regarded as the main source of income of the local community aspects. The generating
enterprises large impacts, especially the operation of the Hydroelectric Plant Pedra do
Cavalo have been interpreted by fishermen as primarily responsible for the decline in fish
stocks in the region.

Key words: Ethnoecology, quilombola, artisanal fishing, piaçava.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 1
OBJETIVOS .................................................................................................................................... 15
ASPECTOS METODÓGICOS DA PESQUISA ......................................................................... 17
Coleta de dados.......................................................................................................................... 17

Análise de dados ........................................................................................................................ 21

RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................................... 25


A COMUNIDADE DA SALAMINA ................................................................................................ 25
A Dimensão Espacial: área de estudo e aspectos da paisagem ........................................ 25

O nativo multi-estrategista ........................................................................................................ 29

A Dimensão temporal ................................................................................................................ 47

Breve contextualização histórica do Recôncavo Baiano e sua ocupação .................... 47

Uma história da Salamina tal como contada pelos nativos ............................................. 49

Os vários contextos das atividades produtivas.......................................................................... 75


Bases Conflitivas ........................................................................................................................ 75

Usina Hidrelétrica Pedra do Cavalo .................................................................................... 79

Canteiro de São Roque ......................................................................................................... 83

Estaleiro Paraguaçu ............................................................................................................... 85

Conflitos com fazendeiros ..................................................................................................... 89

Bases Emotivas .......................................................................................................................... 95

Etnoecologia Abrangente da Pesca do Camarão ..................................................................... 99


Bases Cognitivas ........................................................................................................................ 99

Hidrodinâmica ......................................................................................................................... 99

Aspectos biológicos e ecológicos ...................................................................................... 105

Indicadores vernáculos ........................................................................................................ 119


xi
Interpretação da paisagem ................................................................................................. 123

Bases Conexivas ...................................................................................................................... 127

Pessoa /Mineral .................................................................................................................... 127

Pessoa / Vegetal................................................................................................................... 129

Pessoa / Animal .................................................................................................................... 137

Pessoa / Pessoa ................................................................................................................... 155

Pessoa / Sobrenatural ......................................................................................................... 161

Etnoecologia Abrangente do Extrativismo de Piaçava ........................................................... 163


Bases Cognitivas ...................................................................................................................... 163

Aspectos biológicos e ecológicos ...................................................................................... 163

Interpretação da paisagem ................................................................................................. 169

Bases Conexivas ...................................................................................................................... 171

Pessoa / Mineral ................................................................................................................... 171

Pessoa / Vegetal................................................................................................................... 173

Pessoa/ Animal ..................................................................................................................... 183

Pessoa / Pessoa ................................................................................................................... 185

Pessoa / sobrenatural .............................................................................................................. 191

Temporalidade e apropriação dos recursos: conexões ao longo do tempo ....................... 193


CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 201
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................... 205
Apêndices ...................................................................................................................................... 221

xii
Esta tese é dedicada:

aos quilombolas da Salamina Putumuju e sua trajetória de luta e resistência.

à minha família, razão primeira e última dessa jornada.


xiii
xiv
Agradecimentos

“Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar”


Chico Science
Diz um poeta “Há sempre um lado que pesa e outro lado que flutua” (Otto).
Estou certa de que um dos lados que flutua nessa conclusão de doutorado é a imensa
gratidão que sinto.
Agradeço a Deus por sua infinita generosidade e por ter me concedido tantas
oportunidades, por ter iluminado meus caminhos e por ter me dado força sempre que
achei que o lado que pesa, pesava demais.
À minha mãe, por todo amor que há nessa vida, pelos sacrifícios, dedicação,
conforto e compreensão. Ao meu pai pela vibração com cada conquista, por me erguer e
impulsionar. Aos meus irmãos que me ensinaram desde sempre o que é partilhar (dores e
alegrias!) e viver e aos meus sobrinhos por me encherem de felicidades. A minha querida
tia-dinda (in memorian) por ter me incentivado, ajudado e torcido por mim.
A todos e a cada um dos meus amigos da Salamina por terem me feito crescer
de forma tão generosa, por terem compartilhado seus saberes e seu dia-a-dia comigo e
ainda por toda atenção, todo afeto e toda a partilha. A Vidal, Carminha e Felipe também
por me hospedarem. A Raquel, Paula e Saúna também por me acompanharem nas
entrevistas.
Ao meu queridíssimo amigo e orientador José Geraldo W. Marques por ter sido
tão presente ao longo dessa jornada, por me aceitar, acolher, incentivar, orgulhar muito e
ainda me encher de poesias. Por ter sido tão compreensivo, companheiro e confidente,
sobretudo nos momentos em que Shiva fez as suas danças.
Ao querido amigo Franzé por acompanhar o desenvolvimento intelectual e afetivo
dessa tese, discutir assuntos, aguçar olhares e mais que tudo por seu companheirismo,
conselhos, amizade e carinho.
Ao meu querido companheiro Leonardo D’Icarahy, através de quem vi as coisas
mais lindas, agradeço além de tudo pela luz que traz aos meus dias.
Aos meus queridos amigos por existirem e serem tão especiais e fundamentais e
mais que tudo por todo amor, amparo e dedicação. Aos irmãos que me emprestaram as
asas: Sintia, Kleyson (Matin e Tales), Leo Macedo, Dani, Mony, Nara, Dea, Lala, Xande,

xv
Taty e Kátia por todo apoio, amizade, generosidade e pelos ouvidos emprestados.
Raquel, Gabi e Luziana por terem representado minha família campineira e por terem
compartilhado tantas emoções, frustrações, alegrias e ainda por gentilmente estarem às
voltas com documentos para resolver alguma pendência minha na Unicamp. Às meninas
do projeto Siris (Ana Teresa, Carol e Ketlen) por dividirem um trabalho de campo tão
divertido e compartilhar momentos ótimos no LETNO. A Gilsimar por ter me ajudado a
conduzir esse trabalho desde o início, agradeço pela partilha, pela torcida, pelo apoio
logístico e pelo grande afeto com o que fez tudo isso. Ao extra-bem e agregados (Mari,
Brena, Paulinha, Alan, Thaís, Thiago e os já citados) pela diversão garantida! A Libério,
Parísio, Cris, Jammili pelos bons e necessários momentos de terapia e descontração. A
João Ricardo pela “luz acesa no quarto escuro”. A Dani, Marcos e Patrícia por terem sido
além de tudo, um valioso suporte emocional na minha chegada a São Paulo. A Luciana e
Helena por terem tão generosamente me acolhido no primeiro mês em Campinas. A
minha família paulista (Nóbia, Céu & companhia) pelo carinho e acolhida aconchegante.
A Sônia Regina da Cal Seixas, por ter aceito me coorientar e por acolher o
desafio, sobretudo da minha distância física e por ter feito tudo isso com muita calma e
generosidade.
Aos queridos colegas da turma 2010 do NEPAM pelos divertidos e produtivos
momentos que passamos juntos. Aos professores do Doutorado Interdisciplinar em
Ambiente e Sociedade por suas importantes contribuições acadêmicas.
À CAPES pela concessão da bolsa de doutorado sem a qual não teria sido
possível desenvolver esse trabalho.
À UNEF, e em especial ao coordenador dos cursos de Comunicação Social,
Thiago Oliveira por terem gentilmente concedido afastamento para finalização dessa tese.
Aos amigos banda B pela alegria do convívio e amizade.
À UEFS através do Laboratório de Etnobiologia e Etnoecologia (LETNO) por
prestar estrutura e apoio logístico ao desenvolvimento dessa pesquisa.
Àqueles que de uma forma discreta, mas decisiva, emprestaram qualquer
momento de atenção para que fosse possível chegar até aqui. Sigo dizendo: é muita
gratidão!

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"O mangue é um paraíso, sem o côr-de-rosa e o azul do
paraíso celeste, mas com as cores negras da lama, paraíso
dos caranguejos" (GRIFO NOSSO)

Josué de Castro

xvii
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“Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos
inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a
nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de
uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma
diferença que não produza, alimente ou reproduza as
desigualdades.”

Boaventura de Souza Santos

xix
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“Se aí você teve estudo,
Aqui, Deus me ensinou tudo,
Sem de livro precisá
Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mexo aí,
Cante lá, que eu canto cá.
Você teve inducação,
Aprendeu munta ciença,
Mas das coisa do sertão
Não tem boa esperiença.
Nunca fez uma boa paioça,
Nunca trabaiou na roça,
Não pode conhecê bem,
Pois nesta penosa vida,
Só quem provou da comida
Sabe o gosto que ela tem.”

Patativa do Assaré

xxi
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"...Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda..."

Cecília Meireles

xxiii
xxiv
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÃO

Figura 1 - Realização de entrevista semi-estruturada .................................................................. 4


Figura 2 - Observação direta do extrativismo da piaçava ........................................................... 17
Figura 3 - Esquema do processo de coleta de dados................................................................. 20
Figura 4 - Análise da dimensão Etológica (baseado em MARQUES, com.pess.) ..................... 20
Figura 5. Ilustração da análise de dados .................................................................................... 23
Figura 6 – Localização da Resex Baía do Iguape e Comunidade da Salamina Putumuju ........ 27
Figura 7 - Mapa de remanescentes florestais destacando a área de estudo – comunidade da
Salamina Putumuju (Baseado em mapa elabora do pela Fundação SOS Mata Atlântica e INPE,
2009) ........................................................................................................................................... 28
Figura 8 - Localização dos bairros que compõem a comunidade Salamina e principais pontos de
referência utilizados pelos extrativistas ....................................................................................... 31
Figura 9 – Portos de vilarejos da comunidade da Salamina (A- Porto do Tororó; B- Porto do
Ferreiro; C- Porto do Dunda; D – Porto da Olaria; E – Porto do Engenho Novo; F – Porto do Forte
da Salamina) ............................................................................................................................... 32
Figura 10 – Obtenção e transporte de água em riacho na comunidade do Tororó .................... 33
Figura 11 – Pescador obtendo água em bica para consumo durante pescaria ......................... 34
Figura 12- Atividades infantis na Salamina ................................................................................. 35
Figura 13- Residência de um extrativista com roça situada ao lado .......................................... 45
Figura 14 – Etapas da produção do azeite de dendê. A - cozimento dos frutos de dendê; B -
maceração em pilão. C – bagaco obtido após peneiração; D – Produto da peneiração pronto para
novo cozimento ........................................................................................................................... 46
Figura 15 – Locais utilizados pelo fazendeiro no tempo de Rosalvo Velho: A- Local onde
funcionava a venda; B – Local onde a os extrativistas entregavam a piaçava e onde eram feitas as
contas do pagamento; C – residência do fazendeiro .................................................................. 56
Figura 16 – Área e limites do território quilombola Salamina Putumuju (aguardando titulação) –
Elaborado com base em INCRA (2005) ...................................................................................... 74
Figura 17 - Localização dos empreendimentos geradores de grande impacto na Baía do Iguape77
Figura 18 – Canteiro de Obras de São Roque a partir do Rio Paraguaçu ................................. 84
Figura 19 – Faixa de manifestação contra a instalação do Estaleiro Paraguaçu durante o II
Encontro das Reservas Extrativistas do estado da Bahia, Maragogipe, 2009. .......................... 85
Figura 20 – Ilustração do ciclo hidrodinâmico segundo as luas na percepção êmica .............. 101
Figura 21 – Figura ilustrando o comportamento das marés de quebra (acima) e de lançamento
(abaixo) de acordo com a percepção êmica ............................................................................. 103
Figura 22 – Peixes de água escura (a. papa-terra, b. caratupanha, c. barbudo, d. sapoca-vermelha,
e. regalada) ............................................................................................................................... 121
Figura 23 – Referências utilizadas para localização de pesqueiros: A – Pedra do Angelim; B –
Pedra da Gameleira; C – Cais do Engenho .............................................................................. 124
Figura 24 – Utensílios de origem vegetal empregados na pesca: A – Cesto, que possui múltiplos
usos; B – Esteira para secagem e defumação de camarão; C – Panacum ou caçuá, utilizado para
transportar pescado; D – Cofo de isca, utilizado para armazenar iscas durante a pesca; E –balaio,
que também possui múltiplos usos ........................................................................................... 132
Figura 25 – Camboa de pau...................................................................................................... 133
Figura 26 – Talas de dendê em processo de secagem para confecção de esteiras para camboa133
Figura 27 – Canoa de uma pau só- principal tipo de embarcação utilizado para pesca na
comunidade da Salamina .......................................................................................................... 136
xxv
Figura 28 - Rede camarãozeira com detalhe do tamanho da malha ........................................ 140
Figura 29 – Pesca do Camarão com rede camarãozeira ......................................................... 142
Figura 30 – Processo de defumação do camarão. A- Ferventação (pré-cozimento); B- Separação
dos tamanhos; C1-Camarões graúdos sendo arrumados em “espetos” e C2- Espetos em cesta
para defumação; D1- Camarões miúdos prontos para arrumação em cesta de degumação e D2-
Camarões miúdos em defumador. ............................................................................................ 143
Figura 31 – Pindobeira (em primeiro plano) .............................................................................. 175
Figura 32 – Extrativistas realizando o processo de separação das fibras de piaçava (catação)177
Figura 33 – Partes da fibra de piaçava com as respectivas denominações êmicas ................ 178
Figura 34 – Vista da margem do rio ocupada por uma fazenda ............................................... 182
Figura 35 – Vista da margem do rio ocupada por quilombolas da Salamina ........................... 182
Figura 36 – “Quintal” de um extrativista com pindobeiras ........................................................ 188
Figura 37 – Camboa de paus em manguezal nas proximidades da cidade de Maragogipe .... 196

xxvi
INTRODUÇÃO

A etnoecologia é um campo de pesquisas relativamente recente,


eminentemente interdisciplinar, que visa conhecer, sob uma ótica particular, as
relações entre sociedades humanas e natureza. Como parte das etnociências -
folk science (BERKES, 2008), a etnoecologia estuda o conhecimento ecológico e
as relações entre culturas e ambiente (NAZAREA, 1999). Desta forma, busca-se
comparar duas tradições intelectuais distintas na interpretação da natureza: a
ocidental, através da ciência normal e a tradicional através do conhecimento
ecológico tradicional1 (TOLEDO e BARRERA-BASSOLS, 2009).
Sob a ótica da etnoecologia, conhecimentos locais e/ou tradicionais são
reconhecidos e valorizados, considerando o contexto cultural onde se inserem. Os
saberes sistematicamente produzidos por sociedades humanas a respeito da
natureza já haviam sido abordado por Levi-Strauss (1962) que os denominou de
“ciência do concreto”.
Os primeiros estudos sistemáticos do conhecimento ecológico
tradicional foram conduzidos por antropólogos (HUNN, 2006; BERKES, 2008) e
em seguida, o tema despertou o interesse de pesquisadores de outras áreas do
conhecimento, especialmente das ciências biológicas. Apesar de ter suas raízes
na antropologia e na biologia, a etnoecologia apresenta influências, tanto de
natureza teórica quanto metodológica, de outras áreas do conhecimento
(TOLEDO, 1992). Segundo Ellen (2006), há um discurso comum, mas não uma
teoria unificadora em etnobiologia.

1
Com a intenção de evitar o aprofundamento na questão conceitual em torno da tradicionalidade,
adota-se para efeito dessa tese a definição “operacional” de Conhecimento Ecológico Tradicional
(Tradicional Ecological Knowledge – TEK) de BERKES (2008), segundo a qual TEK corresponde ao “conjunto
de conhecimentos, práticas e crenças envolvendo processos adaptativos, difundidos através das gerações
por transmissão cultural, sobre as relações de todos os seres vivos (incluindo seres humanos) entre si e com
o seu ambiente”.

1
Na definição de Marques (2001), etnoecologia é “o campo de pesquisa
(científica) transdisciplinar que estuda os pensamentos (conhecimentos e
crenças), sentimentos e comportamentos que intermediam as interações entre
populações humanas e os demais elementos dos ecossistemas que as incluem,
bem como dos impactos ambientais daí decorrentes”. Já segundo Toledo e
Barrera-Bassols (2009) a etnoecologia consiste em um enfoque interdisciplinar
“que estuda as formas pelas quais os grupos humanos veem a natureza, através
de um conjunto de conhecimentos e crenças; e como os humanos, a partir de seu
imaginário, usam e, ou, manejam os recursos naturais”.
Pesquisas em etnobiologia inicialmente produziam listas de nomes
populares e científicos de animais e plantas úteis para determinada cultura e tais
estudos representavam uma descrição do conhecimento ecológico dos até então
considerados “povos primitivos” (ELLEN, 2006). De acordo com este autor, em
uma segunda fase, as pesquisas buscavam contextualizar histórica e logicamente
esses conhecimentos, enfatizando em princípio, aspectos da classificação do
mundo natural. Nesse contexto, surgiu o trabalho de Harold Conklin sobre o uso
de vegetais pelo povo Hanunoo em 1954. A partir de então, emergiu o foco na
percepção nativa acerca do mundo natural e a expressão “abordagem
etnoecológica” começou a ser utilizada (NAZAREA, 1999).
Ellen (2006) afirma que hoje a etnobiologia atua muito mais numa
perspectiva analítica do que descritiva. Pode-se constatar o mesmo com relação à
pesquisa em etnoecologia, que atualmente além de contemplar temas
historicamente tratados, tem vivenciado o surgimento de novas temáticas.
Segundo Reyes-García e Sanz (2007), as principais linhas de pesquisa atuais
nesse campo são os sistemas locais de conhecimento ecológico, as relações
entre diversidade biológica e diversidade cultural, os sistemas de manejo de
recursos naturais e as relações entre desenvolvimento econômico e bem-estar
humano. Hoje os estudos estão focados no entendimento de como as culturas
interpretam, conceituam, representam, se relacionam, utilizam e manejam o

2
ambiente (ELLEN, 2006) e para tanto, Hunn (2006) salienta a necessidade de
entendimento da linguagem local no sucesso dos trabalhos em etnociências.
Totalmente inserido em uma perspectiva descritiva e analítica, o
presente estudo utiliza o aporte teórico-metodológico da etnoecologia abrangente.
Tal teorização emergiu da prática (grounded theory) através das pesquisas
realizadas por José Geraldo Marques na Várzea da Marituba, estado de Alagoas
(MARQUES, 1995; 2001) e está em processo de construção e aperfeiçoamento.
Segundo o autor, essa teorização foi construída com o objetivo de proceder a
análise de dados quando nenhuma outra teoria testada, produzia resultados que
facilitassem a interpretação e sistematização dos mesmos.
A abordagem etnoecológica abrangente difere de outras abordagens
em etnoecologia principalmente por propor um modelo analítico que abrange
quatro dimensões das relações entre pessoas e ambiente2 como categorias:
1. Bases Conflitivas: Aprofunda as questões geradoras de conflito
na localidade e sua interferência na relação entre seres humanos e o
restante do ambiente;
2. Bases Cognitivas: Analisa os conhecimentos a respeito dos
recursos explotados (etnotaxonomia, ecologia trófica, hidrodinâmica,
etnofenologia, etc.) e as crenças locais, especialmente aquelas que possam
exercer alguma interferência nas atividades extrativistas;
3. Bases Emotivas: Aborda os sentimentos e possíveis
implicações destes na conservação de recursos naturais, tal como tratado
por Marques (2005);
4. Bases Consexivas: Analisa aspectos relacionados ao
comportamento dos extrativistas com relação aos recursos explotados.
Nesse contexto, considera-se que as pessoas mantém cinco conexões
básicas com o ambiente: pessoas/minerais, pessoas/vegetais,

2
A separação em quatro dimensões tem finalidade de facilitar a análise dos dados. Considera-se que para a
cultura local, tais elementos estão imbricados ou mesmo sobrepostos de modo que para o(a) nativo(a) seja
difícil ou até mesmo impossível distingui-los.
3
pessoas/animais, pessoas/pessoas, pessoas/sobrenatural. Tais conexões
podem ser caracterizadas de acordo com (Figura 1):
a. Tipologia Conexiva: Finalidade para a qual se
estabelece a conexão (ex: trófica, econômica, estética, lúdica, etc.);
b. Grau de Conectividade: Importância cultural da conexão
(forte/média/fraca);
c. Status Conexivo: Comportamento da conexão ao longo
do tempo (emergente, permanente, resiliente, evanescente, etc.);
d. Modalidade: Pode ser classificada como “limpa” ou
“suja” quanto a natureza social, ambiental e/ou política.

Figura 1 - Análise das bases conexivas– baseada na abordagem etnoecológica


abrangente

4
As inovações propostas pela etnoecologia abrangente possuem
implicações teórico-metodológicas relevantes. A primeira delas é a possibilidade
de aplicação da abordagem aos mais diversos contextos socioculturais, uma das
razões pela qual a mesma recebe a denominação abrangente. De acordo com
Marques (2001) essa abordagem pode ser aplicada a todos os sistemas
ecológicos, inclusive o urbano. Tal visão surge no contexto de uma etnoecologia
que sempre esteve mais ocupada em estudar as sociedades culturalmente
diferenciadas, ou tradicionais.
Do ponto de vista analítico, a etnoecologia abrangente apresenta
alguns pontos de divergência da abordagem de Toledo (1992). A última considera
as relações entre seres humanos e natureza de acordo com o sistema k-c-p
(kosmus, corpus e práxis) onde kosmus corresponde às crenças, corpus aos
conhecimentos e práxis à prática produtiva. A etnoecologia abrangente agrega
conhecimentos e crenças em bases cognitivas, trata a prática produtiva como
comportamento em bases conexivas e incorpora as dimensões conflitiva e emotiva
(pathos) à análise.
Além disso, se constituem em características típicas etnoecologia
abrangente, a abordagem predominantemente qualitativa que preconiza uma
análise do ponto de vista emicista/eticista3, onde os memes - fragmentos
reconhecíveis de informação cultural passados de pessoa a pessoa dentro de uma
cultura (DAWKINS, 1979; BLACKMORE, 2000) - são utilizados como ferramentas
capazes de aferir a consistência das informações obtidas em campo.
A partir da valorização do conhecimento empiricamente construído por
comunidades locais, certos setores da ciência têm admitido a existência de outras
formas de conhecimento que não o científico stricto sensu. A etnoecologia
considera que populações não-letradas, que não estão totalmente inseridas no

3
Abordagem emicista-eticista associando as visões nativa (êmica) e acadêmica (ética). É importante
ressaltar que as denominações êmico/ético são provenientes de vocábulos lingüísticos (fonêmica e fonética)
de modo que, neste caso, a palavra “ético(a)” não é empregada no sentido de “moral”. Nesta abordagem
não se pretende corroborar ou depreciar um ou outro tipo de conhecimento ou fazer qualquer julgamento
de mérito ou valor com relação aos mesmos, e sim apenas compará-los.
5
contexto da sociedade abrangente, possuem conhecimentos válidos a respeito
dos recursos naturais e que tal conhecimento influencia o manejo dos recursos
naturais.
A preocupação com o meio ambiente e com a diversidade cultural tem
estimulado o crescente interesse na etnoecologia. Desse modo, devido à sua
natureza multifacetada, os problemas de uso e conservação dos recursos naturais
precisam integrar conhecimentos de populações locais e científicos naturais e
sociais numa perspectiva interdisciplinar. Reyes-García e Sanz (2007) consideram
a conservação de ambos como um fator chave de adaptação ao meio ambiente e
reiteram que, justamente por isso, e também devido ao caráter multi-escalar de
suas análises, a etnoecologia pode contribuir para compreender e interpretar
problemas envolvendo ambiente e sociedades.
Alguns autores acreditam que diferentemente do uso desordenado que
a sociedade industrializada faz dos recursos naturais, algumas comunidades
(tradicionais ou não) vêm utilizando-os de forma a não colocá-los em risco de
esgotamento (e.g. DIEGUES, 2000). Hanazaki (2003) considera indubitável que
populações tradicionais provocam impacto sobre os recursos naturais, porém
afirma que este é “quantitativa e qualitativamente distinto do que aquele gerado
por sociedades modernas/urbanas”. Begossi et al. (2002) afirmam que, à medida
que as populações tornam-se urbanas, os processos de decisão passam
provavelmente a depender mais de fatores econômicos do que ecológicos.
No âmbito científico, a conservação da biodiversidade por comunidades
locais foi abordada habitualmente dentro de duas concepções antagônicas: os
mitos do “poluidor primitivo” e do “bom selvagem” (DIEGUES, 1994; HANAZAKI,
2003; SOUTO, 2006). A primeira concepção trata as populações tradicionais como
elementos externos aos ecossistemas e a sua presença seria inevitavelmente
responsável por efeitos deletérios ao ambiente, enquanto a segunda considera
que essas comunidades vivem em plena harmonia com os demais componentes
do mundo natural, sem lhes causar danos.

6
Na prática, esta questão é bastante polêmica. De acordo com Gerhardt
(2008), o debate polarizado tem gerado uma frenética e generalizada busca por
evidências (sejam elas baseadas em casos, exemplos, números, dados,
informações, relatórios, reportagens, relatos-denúncia, etc.) tanto por parte
daqueles que defendem a tese de que populações tradicionais (do passado ou do
presente) sempre depredaram a natureza quanto pelos que querem comprovar
que estas mesmas populações ajudam a preservar a biodiversidade. É evidente
que a complexidade no que tange à conservação dos recursos naturais por
comunidades locais vai muito além do reducionismo colocado pelas concepções
citadas, dada a complexidade das relações entre ser humano e natureza.
Os conhecimentos e práticas locais de povos tradicionais ainda que de
qualidade sub ou superestimadas, são hoje consideradas chaves para a
conservação da biodiversidade (BACELAR e SOUZA, 2008). Tal temática já havia
sido tratada no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), durante
a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
realizada no Rio de Janeiro em 1992, na qual é citado o potencial do acervo de
conhecimentos historicamente acumulados pelas comunidades locais na
conservação da diversidade biológica (MMA, 2000).
O debate, ao menos em tese, tem alcançado a esfera das políticas
públicas. O conhecimento tradicional tem sido reconhecido como relevante, tanto
para os estudos da biodiversidade quanto para a conservação do patrimônio
biológico e genético no país. Acrescenta-se a isso, a diversidade cultural brasileira
que é representada por um grande número de comunidades locais detentoras de
considerável conhecimento sobre as espécies da flora e da fauna e de sistemas
tradicionais de manejo dos recursos naturais renováveis (MMA, 2002).
O termo “tradicional” foi utilizado no âmbito desta tese para fazer
referência tanto à comunidade da Salamina quanto ao conhecimento de
extrativistas daquela localidade. Tal escolha se fez assumindo a inexatidão,
controvérsia, complexidade e ainda o caráter político-ideológico implícito neste
conceito (VIANNA, 2008), mas considerando a importância dessa terminologia
7
para explicitar: 1. A relevância da tradição como referencial para construir o futuro
(VIANNA, 2008), 2. O caráter político do conceito, que se tornou um instrumento
capaz de garantir territórios “tradicionalmente ocupados” e 3. A inclusão de
comunidades quilombolas na categoria “povos e comunidades tradicionais” no
âmbito da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e
Comunidades Tradicionais (PNDSPCT) criada em 2007.
A existência de “comunidades remanescentes de quilombo” foi
reconhecida oficialmente pelo Estado Brasileiro na Constituição de 1988, que em
seu artigo 68 afirmou o direito dessas comunidades aos seus territórios. Segundo
Linhares (2004), tal inclusão na esfera legislativa se deu pela pressão de
movimentos sociais afro-brasileiros que assim se colocavam, de acordo com
Schmitt et al (2002) devido às expropriações incessantes que sofriam as
comunidades negras rurais. Leite (2000) afirma que, apesar do texto da
constituição expressar “a necessidade de reconhecimento da cidadania étnico-
cultural”, não se sabe se esse reconhecimento se dá com intenção de preservar o
patrimônio cultural ou se por garantir o direito à terra e à diversidade étnica.
Após a inserção do artigo 68, a identidade quilombola passou a ser um
elemento capaz de garantir a sobrevivência material e simbólica dos grupos
negros. A construção da realidade enquanto “remanescente”, segundo Arruti
(1997), passa a ser um elemento de força ainda maior que a própria comprovação
da etnicidade negra. Esta identidade é considerada por Schimitt et al (2002), não
como algo fixo, mas sim em curso, que se estabelece a partir das relações de
diferença formadas em decorrência de eventos históricos e torna-se fundamental
para a garantia do direito de território e consequente transmissão da cultura das
populações negras rurais. Quando a identidade de “remanescente de quilombo”
passa a ser admitida, as diferenças que se colocavam entre essas e as demais
comunidades como forma de estigma, a exemplo da utilização das denominações
“negro” e “preto”, passam a ser adotadas e valorizadas (ARRUTI, 1997).
Quilombos, mocambos, comunidades negras rurais, terras de preto e
comunidades remanescentes de quilombo, segundo Linhares (2004), são termos
8
correlatos, criados por grupos com diferentes pontos de vista para se referirem a
uma situação social singular. Considera-se que os grupos negros se constituíram
a partir de uma grande diversidade de processos (SCHIMITT et al, 2002) e que a
terminologia utilizada no âmbito da legislação (“comunidades remanescentes de
quilombo”) não contempla esta dinâmica. Um aspecto que contribui para a
inexatidão do termo é a sua vinculação à noção de temporalidade (ARRUTI, 2006)
com o propósito de solucionar a “relação de continuidade e descontinuidade com o
passado histórico em que a descendência parece não ser laço suficiente”
(ARRUTI, 1997). Segundo Linhares (2004), a terminologia é criticada por
acadêmicos e pelo próprio movimento social por considerar apenas a fuga e
negação do regime de escravidão e desconsiderar outras formas de resistência. O
autor afirma que ativistas negros preferem a denominação “comunidades negras
rurais” porque consideram a forma de vida social independentemente do seu
processo histórico de formação. Da mesma maneira, a expressão “terras de
preto” mais utilizada no norte e nordeste do Brasil, enfatiza o caráter comum das
propriedades e recursos.
A palavra “quilombo” por sua vez possui uma grande quantidade de
significados – ora designando lugar, ora povo, ora manifestações populares, etc –
e por este motivo seria útil para construir um aparato simbólico capaz de
representar a história das Américas (LEITE, 2000). A autora afirma que este
conceito pode ser visto pelos militantes como elemento aglutinador que permita
dar sustentação à afirmação da identidade negra. A palavra quilombo de acordo
com Leite (2008) foi ressemantizada pelos movimentos sociais, passando a
incorporar os princípios de liberdade e cidadania negados aos afrodescendentes
tais como direito à terra, ações em políticas públicas que ampliem a cidadania e
proteção às manifestações culturais.
Para efeitos deste estudo, opta-se pela utilização da expressão
comunidade quilombola para designar a Salamina Putumuju, em concordância
com autores que consideram que tal terminologia agrega elementos
socioantropológicos além do significado exclusivamente histórico, que se percebe
9
na expressão “remanescentes de quilombo” (ARRUTI, 1997; 2006; LEITE, 2000;
SCHMITT et al. 2000).
De acordo com Gomes (1995), a formação de quilombos tinha
reconhecida tradição na capitania da Bahia. O autor afirma que, no Recôncavo
Baiano, a existência de mocambos está registrada em documentos que datam da
década de 1580. Esta região, por reunir elementos das culturas indígena, negra e
européia, é considerada por Souto (2004) como o berço da cultura baiana. Pedrão
(2007) classifica o Recôncavo como um lugar de uma pluralidade de situações
agregando tanto aquelas determinadas pela escravidão e pela servidão quanto
aquelas constitutivas do universo do extrativismo reunindo ainda um elenco de
situações pertencentes ao que se aceita como moderno.
Fisicamente, o Recôncavo Baiano possui limites bem definidos, uma
vez que corresponde à faixa de terra que circunda a Baía de Todos-os-Santos. De
acordo com Pedrão (op. cit), a região apresenta uma identidade cultural única no
Estado da Bahia porque as pessoas se sentem parte da região, mais do que de
uma localidade ou município.
Na margem oeste do Recôncavo da Bahia, situa-se a Baía do Iguape,
sistema hídrico formado a partir da falha geológica Salvador - Maragogipe
(SANTOS, 2007), localizado na interface da foz do rio Paraguaçu com a Baía de
Todos-os-Santos. Ao longo do seu curso, o rio Paraguaçu percorre trechos da
Chapada Diamantina e da caatinga até chegar ao Recôncavo Baiano compondo a
bacia hidrográfica com o mais importante sistema fluvial de domínio inteiramente
estadual (PEREIRA, 2008). De acordo com Ramos (1993), o estuário lagunar que
forma a Baía de Iguape abrange aproximadamente 80 km 2 e se comunica com a
Baía de Todos-os-Santos através do Canal de São Roque.
Nesta localidade, abrangendo parte dos municípios de Maragogipe e
Cachoeira, situa-se a Reserva Extrativista Marinha Baía do Iguape4, criada em

4
Sobrepõe-se a esta, uma Unidade de Conservação Estadual: a Área de Proteção Ambiental Baía de Todos-
os-Santos, que inclui as águas da Baía de mesmo nome.

10
agosto de 2000, com a finalidade de garantir a exploração auto-sustentável e a
conservação dos recursos naturais renováveis tradicionalmente utilizados pela
população extrativista local. Nessa região, estão localizados os manguezais mais
bem preservados da Baía de Todos-os-Santos, de onde são extraídos recursos
que se constituem em importantes fontes de renda e subsistência para as pessoas
da região.
A área aproximada da Resex até 2009 era de 8.117,53 ha, sendo
2.831,24 ha em terrenos de manguezais, e 5.286,29 ha de águas internas
brasileiras (D.O.U., 11/08/2000). A partir de então, a unidade sofreu alteração em
seus limites por meio de emenda à Medida Provisória nº462 de 2009 que foi
convertida na Lei nº 12.058 de 13 de outubro de 2009.
Atualmente, conflitos socioambientais envolvendo a instalação de
empreendimentos (principalmente navais, hoteleiros e portuários) e interesses de
populações locais e grupos ambientalistas têm se tornado manifestos no litoral do
estado da Bahia. A Baía do Iguape, particularmente, convive com a operação de
três empreendimentos causadores de grande impacto ambiental: ao norte, a Usina
Hidrelétrica de Pedra do Cavalo e ao sul, os estaleiros de São Roque e Enseada
do Paraguaçu. A inexistência do plano de manejo da unidade acaba por facilitar a
inserção de atividades industriais nas adjacências da Resex.
A Usina Hidrelétrica de Pedra do Cavalo atua na geração de energia
desde o ano de 2004. A partir de então, a liberação de água pela barragem parece
ocorrer de modo aleatório, o que prejudica atividades pesqueiras provocando,
inclusive, o desaparecimento de espécies da localidade (PROST, 2007a;
SANTOS, 2008; ICMBio, 2009; OLIVEIRA, 2012). O estaleiro de São Roque foi
instalado na década e de 1950, passou um período desativado e voltou a operar
após o estabelecimento da Resex Baía do Iguape. A implantação do estaleiro
Enseada do Paraguaçu ocorreu em uma área que até meados do ano de 2009
integrava a reserva. Segundo documento de caracterização da unidade (ICMBio,
2009), na ocasião, os extrativistas locais de um modo geral estavam em

11
desacordo com a implantação do empreendimento por entenderem que o mesmo
representaria prejuízo às atividades pesqueiras.
Segundo dados do ICMBio (2009), cerca de 92 comunidades vivem nas
adjacências da Resex, dentre as quais, 26 são reconhecidas pela Fundação
Cultural Palmares como “remanescentes de quilombo” (ICMBIO, 2009). Grande
parte dos quilombolas que habitam a região tem sua única ou principal fonte de
renda proveniente das atividades pesqueiras e da extração de produtos vegetais
tais como o dendê e a piaçava (ICMBIO, 2009).
Dentre as comunidades, insere-se a Salamina Putumuju, que está
localizada na parte sul da Baía do Iguape e foi reconhecida como “remanescente
quilombola” pela Fundação Cultural Palmares em 10 de dezembro de 2004
(ICMBIO, 2009). Após o reconhecimento, a comunidade anteriormente conhecida
apenas por Salamina resgatou o nome do antigo quilombo: Putumuju. De acordo
com dados do INCRA (2006), na ocasião de realização do laudo antropológico, em
toda a comunidade viviam cerca de 40 famílias5.
O aumento na quantidade de estudos etnoecológicos realizados nos
últimos anos é reflexo do crescente interesse acadêmico pelas maneiras como as
diferentes sociedades se apropriam dos recursos naturais. Apesar disso,
pesquisas com essa temática ainda são escassas considerando a
sociobiodiversidade brasileira. Pesquisas envolvendo conhecimentos e práticas
tradicionais de comunidades quilombolas, por exemplo, são raras. Na região do
Recôncavo Baiano, alguns estudos etnoecológicos têm sido desenvolvidos a
respeito da pesca artesanal, mas não foram localizados trabalhos abordando o
extrativismo vegetal em áreas de remanescentes de Mata Atlântica locais. De
acordo com o ICMBio (2009) os aspectos culturais de atividades produtivas na
Reserva Extrativista Marinha Baía do Iguape necessitam ser aprofundados para a
elaboração do Plano de Manejo da Unidade de Conservação.

5
Dados obtidos através do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Território Quilombola de
Salamina Putumuju realizado pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA, 2006).

12
Ainda que escassas, algumas pesquisas têm contemplado a pesca
artesanal na região do Recôncavo Baiano do ponto de vista etnoecológico
(SOUTO, 2004; 2007; 2008; SOUTO e MARTINS, 2009). No que se refere ao
extrativismo vegetal de produtos como piaçava e dendê, os estudos de cunho
etnoecológico certamente são ainda mais raros. Não foram localizados trabalhos
que investigassem as relações entre pessoas e ambiente em atividades
extrativistas florestais desta naureza no Recôncavo Baiano.
Considerando a riqueza da cultura e da biodiversidade da região do
Recôncavo Baiano e em particular, da cultura de origem predominantemente
africana dos quilombolas da Salamina Putumuju e sua singularidade devido a: 1.
seu relativo grau de isolamento com relação às comunidades adjacentes; 2. o
exercício das atividades extrativistas como principal meio de sobrevivência; e, 3.
as recentes modificações ambientais ocorrentes na localidade, propôs-se, com
esta pesquisa, documentar os conhecimentos, crenças, sentimentos e
comportamentos da população local com relação aos principais recursos
explotados através de um estudo etnoecológico, comparando conhecimentos
tradicional e acadêmico e analisando práticas extrativistas do ponto de vista da
conservação. Além disso, buscou-se verificar a percepção dos extrativistas quanto
aos efeitos das modificações no ambiente na relação da comunidade local com os
demais elementos dos ecossistemas que as incluem e contextualizar a produção
do conhecimento tradicional, abordando os processos históricos e relações de
poder vividas pela comunidade ao longo do tempo.
Do ponto de vista teórico-metodológico, pretendeu-se avançar na
incorporação de modelos de análise de dados qualitativos em etnoecologia e
ainda contribuir para o amadurecimento da teorização etnoecológica abrangente
(MARQUES, 1995, 2001) numa avaliação crítica sobre a sua aplicabilidade no
contexto das atividades extrativistas realizadas na comunidade da Salamina.
Além de desenvolver análises a respeito do contexto de reprodução
simbólica e material da comunidade estudada, foram enfocadas no estudo
etnoecológico as duas atividades de maior relevância dentro do seu contexto
13
cultural e socioeconômico: a pesca de camarão e o extrativismo da piaçava.
Dessa maneira, essa tese está organizada de forma a primeiramente inserir o
leitor no universo da comunidade estudada, trazendo no capítulo 1 aspectos de
localização, paisagem, modo de vida e a contexto histórico da Salamina Putumuju
conforme narrados pelos extrativistas entrevistados.
O capítulo 2 trata de duas dimensões da etnoecologia abrangente
(conflitiva e emotiva) envolvendo de forma ampla as relações entre extrativistas e
demais elementos da natureza. Percebeu-se, nas análises, que esses aspectos
não poderiam ser avaliados separadamente de acordo com cada uma das
modalidades de extrativismo enfocadas, uma vez que incidem sobre o modo de
vida da comunidade como um todo.
Optou-se por apresentar as dimensões cognitiva e conexiva
separadamente para pesca do camarão (capítulo 3) e piaçava (capítulo 4) uma
vez que se tratam de recursos provenientes de ecossistemas distintos. Fez-se
essa escolha com objetivo heurístico, visando facilitar a análise de conhecimentos
e comportamentos relacionados a cada um dos recursos explotados.
Finalmente, buscou-se analisar o fator temporal no capítulo 5
enfocando a dinâmica das conexões na comunidade estudada. A destinação de
um capítulo exclusivo para tratar essa análise se deu por considerar que esta é
mais importante contribuição deste estudo à teorização etnoecológica abrangente.
Nesse sentido, abordou-se no último capítulo as mudanças ocorridas na Salamina
tanto diante da sua própria dinâmica cultural interna quanto àquelas relacionadas
às recentes modificações ocorridas externamente à comunidade.

14
OBJETIVOS

GERAL

– Realizar um estudo etnoecológico sobre as relações


pessoas/ambiente na comunidade quilombola da Salamina Putumuju;

- Verificar se as modificações no ambiente (decorrentes da operação da


Usina Hidrelétrica Pedra do Cavalo e da instalação do Estaleiro Paraguaçu)
influenciaram/influenciam na relação da comunidade local com os demais
elementos da natureza.

ESPECÍFICOS

- Registrar o conhecimento etnoecológico relacionado manguezal, à


mata atlântica e seus recursos;

- Conhecer os diversos aspectos cognitivos e comportamentais que


mediam as relações entre pessoas e ambiente na comunidade da Salamina;

- Caracterizar o zoneamento ecológico local percebido pelos


extrativistas, inferindo as diversas atividades extrativistas exercidas pela
comunidade;

- Analisar as práticas e estratégias de pesca e extrativismo vegetal sob


o prisma da etnoconservação;

- Descrever as possíveis modificações ocorridas nas formas de


apropriação dos recursos (pesqueiros e vegetais) ao longo do tempo.

15
16
ASPECTOS METODÓGICOS DA PESQUISA

Coleta de dados

Inicialmente foram realizadas entrevistas informais6 com extrativistas


encontrados ad libitum7 com o intuito de se conhecer aspectos mais gerais da
comunidade nativa, dos ecossistemas locais e das práticas de utilização nele
desenvolvidas. Após esta etapa, foram gravadas entrevistas semi-estruturadas
(figura 2) com extrativistas que desenvolvem as diversas modalidades de pesca,
mariscagem e extrativismo vegetal. A pesquisa privilegiou, a princípio, a
abordagem de questões históricas e de percepção de impacto ambiental.

Figura 2 - Realização de entrevista semi-estruturada

6
Entrevistas informais são aquelas em que o pesquisador escreve registros de uma conversa casual
(ALEXIADES, 1996).
7
Pessoas encontradas casualmente foram entrevistadas.
17
Posteriormente foram realizadas 21 entrevistas semiestruturadas
abordando assuntos relacionados à biologia e ecologia dos recursos
(etnotaxonomia, etnofenologia, ecozoneamento, hidrodinâmica, territorialidade...),
crenças locais, estratégias de captura, utilização e conservação. Particularmente
no que se refere ao estudo da compreensão dos ciclos naturais pelos nativos
(etnofenologia – NABHAN, 2010), foram agregados indicadores vernáculos
(grassroots indicators - MARARIKE, 1996; ORONE, 1996) identificados pelos
extrativistas para relacionar eventos fenológicos distintos. Através das entrevistas,
foi investigado se os nativos percebem mudanças nos ciclos etnofenológicos e se
atribuem alguma causa a estes fenômenos.
A percepção local sobre as mudanças ocorridas no ambiente foi
estudada através da história oral. Para tanto foram realizadas entrevistas semi-
estruturadas empregando o gênero “história oral temática”, que segundo Freitas
(2006), permite a comparação entre diversas informações, apontando
convergências, divergências e evidências de uma memória coletiva. Todas as
entrevistas semi-estruturadas foram gravadas e transcritas de forma verbatim,
respeitando o linguajar nativo. Dentre os entrevistados, privilegiou-se contactar
aqueles indivíduos considerados “especialistas nativos(as)”, pessoas auto-
reconhecidas e reconhecidas pela própria comunidade como culturalmente
competentes no exercício de determinada atividade (MARQUES, 1995). A
ampliação amostral foi possibilitada pela inclusão de novos indivíduos,
sucessivamente indicados a partir dos anteriormente contatados.
Todas as entrevistas foram precedidas pela identificação do
entrevistador, explanação sobre os objetivos do trabalho e apresentação de um
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme indicações do Comitê de
Ética em Pesquisa (autorização em apêndice 1). O projeto de tese foi avaliado e
autorizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) 8 por

8
No ano de 2011, a solicitação de autorização de acesso ao conhecimento tradicional associado à
biodiversidade em pesquisas que não envolvam o acesso direto ao componente genético e nem a intenção
de gerar produtos e patentes, deixou de ser uma atribuição do Conselho do Patrimônio Genético (CGEN) e
18
tratar de conhecimento tradicional associado à biodiversidade (processo
02000.000446/2012-10 DPI/IPHAN/MinC – D.O.U. 18/07/2012 – apêndice 2). Por
tratar-se de uma pesquisa em unidade de conservação federal o projeto também
foi submetido a avaliação pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade e aprovado sob o número 27644-3(apêndice 3). Por se tratar de
uma unidade de conservação de uso sustentável, o projeto foi submetido ainda à
apreciação do Conselho Deliberativo da Resex Baía do Iguape, tendo sido
apresentado e discutido em reunião.
A coleta de dados também ocorreu através de observações diretas
(figura 3), quando os informantes foram acompanhados em suas atividades
extrativas rotineiras, ocasião em que também foram realizadas as entrevistas de
campo (ALEXIADES, 1996). Complementarmente, foi utilizada a técnica de
percursos guiados em campo, onde os próprios extrativistas serviram de guias em
áreas de extrativismo ou atividades que desenvolvem (GRENIER, 1998). Durante
essas incursões, foram feitos registros fotográficos (conforme permissão do sujeito
da pesquisa) das atividades cotidianas de extrativistas nos sítios de pesca e
coleta, nas ruas ou em suas residências. Nessas ocasiões, foram evitadas
interferências no trabalho desses profissionais para que o registro das imagens
seja fidedigno e para não atrapalhar o rendimento de suas atividades.

passou a ser analisado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), desta forma, o
projeto desta tese que aguardava parecer do CGEN, foi transferido para apreciação do IPHAN.

19
Figura 3- Observação direta do extrativismo da piaçava

Um esquema do processo de coleta de dados é representado na figura


4.

Figura 4- Esquema do processo de coleta de dados

20
Análise de dados

Optou-se por analisar as atividades extrativistas sob abordagem da


Etnoecologia Abrangente (MARQUES, 1995, 2001). A escolha de compreender as
relações entre extrativistas e o restante do ambiente a partir desta óptica se
justifica principalmente pela natureza eminentemente qualitativa da proposta e
pelas categorias empregadas que facilitam a análise.
A partir das entrevistas foram identificados memes que, enquanto
ferramenta de análise qualitativa, serviram como instrumento para verificar a
consistência das informações obtidas. Também através das entrevistas, buscou-
se no presente estudo comparar os conhecimentos locais com a literatura
científica (cognição comparada) e os comportamentos foram observados de
acordo com as implicações ambientais decorrentes. Inferências relacionadas à
etnoconservação (PITT, 1987) foram abordadas de forma mais pragmática,
utilizando a perspectiva adotada por Smith e Wishnie (2000) para avaliar
conservação em sociedades de pequena escala9, segundo os quais existe
conservação quando há prevenção ou mitigação de: depleção de recurso,
extirpação de espécies e degradação de hábitat.
Reunindo informações a respeito dos conhecimentos, crenças e
comportamentos dos extrativistas com relação aos recursos por eles explotados,
será elaborado um diagrama baseado no calendário agrícola, climático e festivo
elaborado por BARRERA-BASSOLS e ZINK (2003). Nesta ilustração serão
mostrados elementos que influenciam na atividade extrativista agregando
elementos simbólicos e práticos. Integrando dados obtidos nas entrevistas,
observações de atividades extrativistas e percursos guiados foi construído um
modelo ilustrando as principais unidades de manejo da paisagem da maneira
como são percebidas pelos nativos (MAIMONE-CELORIO et al, 2008).

9
Sociedades de pequena escala são caracterizadas essencialmente por possuir algumas centenas a poucos
milhares de habitantes e certa autonomia política (SMITH e WISHNIE, 2000).
21
Optou-se nesta pesquisa por abordar o extrativismo pesqueiro e vegetal
na comunidade da Salamina Putumuju a partir de uma análise de caráter
etnográfico, privilegiando assumidamente uma análise qualitativa dos dados. A
análise escolhida parte do arcabouço teórico-analítico da etnoecologia abrangente
(MARQUES, 1995; 2001) e buscou integrar outros elementos com a intenção de
tornar as dimensões espacial e temporal os eixos da análise. Para tanto, agrega-
se um entendimento mais amplo de paisagem, assumindo-a de acordo com a
perspectiva de Ingold (1993) considerando a vida humana como um processo que
envolve a passagem do tempo e nela são construídas as paisagens que a pessoa
vive. Além disso, procurou-se associar aspectos trazidos pela etnoecologia da
paisagem, que tem assumido a importância dos processos históricos e relações
de poder na geração do conhecimento e manejo de recursos naturais (ELLEN,
2009; JOHNSON E HUNN, 2010a).

A análise de dados se deu conforme a figura 5.

22
Figura 5. Ilustração da análise de dados

23
24
RESULTADOS E DISCUSSÃO

A COMUNIDADE DA SALAMINA

A Dimensão Espacial: área de estudo e aspectos da paisagem

A Baía de Todos-os-Santos (BTS) é um acidente geográfico com


superfície de 1.233 km2 que inclui 56 ilhas, estuários de rios, manguezais,
restingas, matas, além de duas baías menores: Aratu e Iguape (CAROSO et al.,
2012). No entorno da BTS distribuem-se os municípios que compõem o
Recôncavo Baiano (BOMFIM, 2006), região com grande importância histórica e
econômica ao longo da história do Brasil, pioneira no ciclo da cana-de-açúcar, da
indústria fumageira e do petróleo no país (PEDRÃO, 2007).

O estuário do rio Paraguaçu, localizado na margem oeste da BTS, é


composto por três setores: baixo curso do rio, Baía do Iguape e canal do
Paraguaçu (REIS-FILHO et.al., 2010). Este último serve de ligação entre as Baías
de Iguape e de Todos-os-Santos. Neste local se encontram manguezais bem
preservados e áreas de remanescentes de Mata Atlântica.

Com a finalidade de conservar os ecossistemas locais e o modo de vida


das populações que vivem basicamente do extrativismo, foi criada em agosto de
2000 a Reserva Extrativista Marinha Baía do Iguape. A Resex atualmente abrange
os municípios de Cachoeira, São Félix e Maragogipe e a comunidade quilombola
Salamina Putumuju é uma das beneficiárias da unidade (figura 6).

Localizada entre a Baía do Iguape e o Canal do Paraguaçu, na margem


direita do rio (em direção à sua foz), essa comunidade se encontra relativamente
isolada, principalmente por não possuir via de acesso terrestre ligando-a às
localidades vizinhas. Desta maneira, o deslocamento da população local até a

25
sede do município ocorre por meio de embarcações, principalmente canoas de
madeira (predominantemente a remo e/ou vela) ou de fibra movida a motor. Além
disso, as embarcações disponíveis para o transporte de pessoas até as demais
localidades são escassas.

O local onde se situa a comunidade é caracterizado por vegetação de


substituição de Mata Atlântica com duas regiões fitoecológicas distintas (Floresta
Ombrófila Densa e Áreas de Formações Pioneiras), clima úmido a semiúmido,
temperatura média anual de 25,4°C e período chuvoso de abril a junho (INCRA,
2006). É possível comprovar a sobreposição dos remanescentes de Mata Atlântica
na área da comunidade através dos dados da Fundação SOS Mata Atlântica do
ano de 2010 (figura 7). A manutenção desse ecossistema em bom estado de
conservação se deve ao uso e manejo de práticas agrosilvícolas praticadas pela
comunidade (INCRA, 2006). Ainda de acordo com o INCRA (2006), a presença de
árvores frutíferas como mangueiras, cajueiros e coqueiro e jaqueiras são indícios
comprobatórios da ancianidade da ocupação do local pelos quilombolas.

26
10
Figura 6 – Localização da Resex Baía do Iguape e Comunidade da Salamina Putumuju

10
O mapa representa a Resex Baía do Iguape com as limitações originais, antes das alterações sofridas em 2009. Material gentilmente elaborado por Simony
Reis.

27
Figura 7 - Mapa de remanescentes florestais destacando a área de estudo – comunidade da Salamina Putumuju (Baseado em mapa elabora do
11
pela Fundação SOS Mata Atlântica e INPE, 2009)

11
Material gentilmente elaborado por Allan Yu Iwama de Mello.

28
O nativo multi-estrategista

"Às vez o cara diz assim: 'não pode ser


pescador e lavrador'. Mas pode! Pode sim! "

Oito pequenos vilarejos denominados localmente de bairros formam a


comunidade da Salamina. São eles: Tororó, Ferreiro, Dunda, Olaria, Cais do
Engenho, Rio do Navio, Putumuju e Forte da Salamina (figura 8).
Poucas casas podem ser vistas na Salamina a partir do rio Paraguaçu,
a quase totalidade delas se encontra escondida pela densa mata e manguezais
que cobrem grande parte do território. Algumas estruturas de valor histórico,
entretanto, podem ser visualizadas do leito do rio. Próximo à Ilha dos Coelhos
estão localizadas as ruínas do Engenho Novo, que foi sede da fazenda no período
colonial e atualmente possui uma casa ocupada por uma família de extrativistas.
Um pouco mais no sul do Canal do Paraguaçu, precisamente na Ponta da
Salamina está edificado o Forte da Salamina, ou forte colonial de Santa Cruz que
de acordo com Etchevarne e Fernandes (2012) é a única estrutura defensiva
encontrada na região.
O acesso às comunidades é possível apenas por meio de
embarcações, por isso, cada bairro possui um porto para ancorar as canoas, todos
sem nenhuma infraestrutura e a maioria com condições inadequadas para
embarque e desembarque. Em Locais como Tororó e Olaria, as pessoas precisam
passar pela lama do manguezal para chegar e sair das canoas, o que dificulta o
transporte de alguns itens como materiais de construção. Nas localidades
margeadas por pequenas porções de areia como Dunda, Ferreiro e Forte da
Salamina o fundo arenoso torna o embarque e desembarque um pouco mais fácil
(figura 9).
Atualmente a população da Salamina se encontra distribuída em áreas
próximas à margem do rio, denominadas localmente de marés, o que facilita o
deslocamento para a cidade e o acesso à pesca. As residências se encontram
29
afastadas umas das outras em todas as localidades com exceção do bairro Forte
da Salamina. De forma geral, trilhas na mata e no manguezal separam as casas e
não existem ruas. A ocupação do espaço é predominantemente dada de acordo
com os laços de parentesco (INCRA, 2006).

30
Figura 8 - Localização dos bairros que compõem a comunidade Salamina e principais pontos de referência utilizados pelos extrativistas

31
A B

C D

E F

Figura 9 – Portos de vilarejos da comunidade da Salamina (A- Porto do Tororó; B- Porto do


Ferreiro; C- Porto do Dunda; D – Porto da Olaria; E – Porto do Engenho Novo; F – Porto do Forte
da Salamina)

32
Embora esteja sob a influência de uma Usina Hidrelétrica há quase dez
anos, a comunidade da Salamina só passou a ter energia elétrica em 20 de junho
de 2013, cabendo à população extrativista local durante muito tempo apenas arcar
com o ônus do impacto produzido pela operação do empreendimento. Essa
realidade não se aplica às fazenda Mutuca e Jaqueira, que com recursos
financeiros suficientes e alheias ao descaso do poder público com a comunidade
local, há muito tempo possuem eletrificação. As residências não possuem água
encanada, saneamento básico e a maior parte também não possui banheiro.
A água, entretanto, é abundante no território e a população local tem
acesso a este recurso através de fontes e riachos de água doce (figura 10). A
água obtida nesses locais é utilizada para os diversos fins: consumo familiar,
limpeza, lavagem de roupas e higiene. Alguns locais conhecidos localmente como
bicas estão situados bastante próximos à margem do Paraguaçu e são utilizados
pelos pescadores para obter água potável nos intervalos da pescaria (figura 11).

A B

Figura 10 – Obtenção e transporte de água em riacho na comunidade do Tororó

33
As fontes recebem os nomes das pessoas que moram próximo a elas
(exemplos: fonte de Bié, fonte de Ademário). Apesar dos topônimos serem
sugestivos de posse, neste caso, as fontes são de uso comum, embora sejam
mais utilizadas por aqueles que moram próximos a ela. Esta mesma situação se
estende a alguns portos (exemplo: porto de Vidal, porto de Egídio), que apesar
dos topônimos também não se constituem em “pedaços possuídos” (Marques,
2001). Desta maneira, o espaço em geral é concebido localmente como uma
propriedade coletiva, com exceção das residências, quintais e roças que são
compreendidos como locais pertencentes a cada família. O território comum e
indivisível é uma característica comum entre quilombolas, dessa maneira, o
espaço é ocupado e explotado obedecendo a regras consensuais do grupo
(ANDRADE, 2011).

Figura 11 – Pescador obtendo água em bica para consumo durante pescaria

A tarefa de buscar água na fonte envolve toda a família, incluído as


crianças, que também se inserem de outras maneiras no cotidiano do extrativismo,

34
principalmente num contexto lúdico. Há que se destacar, entretanto, o potencial
pedagógico implícito nessas brincadeiras, que acabam por inserir naturalmente a
criança no universo do extrativismo (figura 12). As brincadeiras infantis refletem a
dinâmica local: ao invés de carros, as crianças utilizam as brácteas penducunlares
das palmeiras como se fossem canoas, constroem armadilhas para capturar
guaiamuns e brincam nos riachos.
Assim, tal como foi tratado por Marques (2001), a infância na Salamina
propicia inúmeras vivências ecossistêmicas e, em muitos casos, as brincadeiras
contribuem para a complementação da alimentação familiar, ainda que isso não se
constitua em uma obrigação infantil e também não seja considerado como
trabalho. Os adolescentes, por sua vez, frequentemente são recrutados a
trabalharem na pesca como ajudantes e é desta forma que eles acabam se
inserindo profissionalmente no universo extrativista, inclusive levando o
rendimento do trabalho para suas famílias.

Figura 12- Atividades infantis na Salamina

35
A solidariedade e ajuda mútua são características presentes nas
relações entre os extrativistas. Assim sendo, transporte de materiais, construções
de residências e outras atividades que demandam maior esforço são realizadas
por um grupo em regime de mutirão que atribui a estas tarefas o nome de digitório.
Muitas residências da Salamina são feitas de taipa, construídas com
material autóctone como madeiras e barro. Um número cada vez maior de
extrativistas está edificando novas casas utilizando tijolos e aproveita as antigas
para guardar redes, defumar pescado e produzir azeite de dendê. As casas de
taipa estão sendo substituídas tanto devido à precariedade das construções que
possuem baixa durabilidade, quanto por causa do risco de infestação por
barbeiros. Na comunidade do Tororó duas pessoas moradoras de casas de taipa
afirmam ter adquirido doença de Chagas.

"Olha, aqui tem muitos problema que poderia ser


resolvido, só que as autoridade, as pessoas responsáveis fica
só enrolando pra lá e pra cá e nada se resolve. Aqui tem muito
barbeiro, barbeiro é o transmissor da doença de Chagas. Então
aqui não era mais pra existir casa de taipa. Aqui era pra todo
mundo ter sua casa de bloco, tudo direitinha, bonitinha.”
“As nossas casas a maioria 50% é picada de
barbeiro. Eu mesmo sou porque das casa de taipa."

Outras dificuldades vividas pela comunidade dizem respeito à


precariedade no acesso à saúde. Extrativistas afirmam que a falta de um posto de
saúde na comunidade prejudica muito a qualidade de vida da população
principalmente em situações de emergência, uma vez que o atendimento médico
mais próximo só pode ser alcançado na cidade de Maragogipe. Não obstante, os
entrevistados afirmam que atualmente a situação está um pouco melhor devido à
presença ocasional de profissionais de saúde que realizam vacinação em crianças
e proporcionam às mulheres a realização de exames preventivos.

36
“...Outra coisa, a saúde aqui é muito precária.
Mas em vista de antigamente aqui tá ótimo agora”.

As principais atividades econômicas exercidas na Salamina atualmente


estão relacionadas ao extrativismo. A pesca de camarão e a coleta de piaçava (ou
piaçaba conforme a terminologia nativa) são as principais fontes de renda da
população local. Somam-se a estas, outras atividades realizadas também para
subsistência: os plantios de roças com cultura de ciclo longo e/ou curto, e em
escala menor, o extrativismo de dendê, a apicultura e a criação de pequenos
animais como galinhas. A totalidade dos entrevistados pratica mais de uma
atividade como fonte de renda e/ou subsistência.

"Rapaz, eu não desprezo a pescaria e nem o


extrativismo da piaçaba porque aqui você não consegue ficar
comprano carne, carne, carne e tal com esses preço de
coisa. Então nós aqui á beira mar nós trabalha nos dois. E aí
se eu for dizer qual a preferência, eu não consigo passar
sem o extrativismo nem sem a maré. Tem que ser os dois,
porque se um faltar me faz muita falta como eu já tô
chorando aí a falta dos marisco. Faz muita falta..."

O trabalho relacionado tanto à pesca quanto ao extrativismo vegetal na


comunidade da Salamina Putumuju acontece em nível familiar. Uma vez que a
sobrevivência da população local está associada a diferentes formas de
extrativismo e produção agrícola com intenção de complementaridade, considera-
se que a comunidade de uma forma geral utiliza o que Toledo (2001, 2008)
denominou de estratégia de múltiplos usos dos recursos naturais (MUS -
indigenous multiple-use strategy).
De acordo com Toledo et al (2003), os camponeses adotam o uso
múltiplo como uma reação endógena à intensificação do uso dos recursos naturais
em resposta a mudanças tecnológicas, demográficas, culturais e econômicas às
quais estão submetidas no mundo contemporâneo.
37
Assim como encontrado por Toledo et al (2008) entre os Mayas
Yucatecos, a combinação de diferentes atividades produtivas na Salamina permite
manter uma economia dual baseada na produção para a subsistência com
porções excedentes destinadas ao mercado local. Tal estratégia provavelmente
responde, portanto, a uma racionalidade tanto ecológica quanto econômica
(TOLEDO et al, op. cit.).

"Planto, faço tudo aí. Tenho tudo graças á Deus.


Tomate, pimentão, cebola, pimenta, graças á Deus.
Ultimamente eu tô vendendo. Pimenta mesmo eu vendo lá
no mercado em Maragogipe, tomate eu já vendi muito...
Abóbora mesmo eu já vendi tudo."
"Sim, eu tiro piaçaba, planto alguma coisa, aipim,
plantei melancia esse ano. É pra vender, pra comer..."

Os camponeses12 multi-estrategistas maximizam a diversidade e


número de opções disponíveis para garantir a subsistência e minimizar os riscos e
para tanto, fazem uso múltiplo do espaço, tempo e das populações de plantas,
animais e fungos (TOLEDO et al, 2003). A totalidade dos entrevistados
desenvolve no mínimo duas das três principais atividades locais. A temporalidade
é o primeiro aspecto a ser observado na escolha da atividade. Assim, são
respeitadas as épocas de realização de cada uma delas (figura 13).
O segundo aspecto a ser observado na gestão do tempo investido no
desempenho de cada atividade considera o rendimento que a referida ocupação
proporciona em um dado momento. Sendo assim, a atividade que não está
oferecendo retorno satisfatório na ocasião é momentaneamente substituída por
outra.

"Eu saio pra pescar hoje e não panho nada, vamo


dizer, camarão, eu panhei mei quilo. Aí eu digo: é, não

12
A palavra camponeses é empregada aqui como tradução da palavra peasant, utilizada originalmente por
Toledo (2001) e Toledo et al (2003) para designar as comunidades tratadas nesses estudos.

38
panhei nada, a pesca deu fraca, mei quilo de camarão eu já
parto pra outra coisa."
"Aqui quando não tá dando de um lado, a gente
parte pra outra. Se você vai pra camarãozeirra hoje e tomar
pau, amanhã eu já vou pra rede de fundo, se tomar pau de
novo no outro dia já bota outra arte."

Figura 13 – Ciclo anual de recursos naturais e atividades produtivas segundo informações êmicas
na comunidade da Salamina

39
Cada uma das atividades produtivas é desempenhada em uma
unidade de recurso distinta. Localmente identifica-se quatro: mata, quintal e/ou
roça, mangue e maré (figura 14). A mata se distingue das demais unidades de uso
principalmente pelo porte da vegetação arbórea e pelas espécies vegetais típicas.
A roça corresponde localmente às áreas cultivadas que geralmente, porém não
necessariamente, estão adjacentes às residências. O quintal por sua vez é
compreendido como espaço próximo às casas onde são manejadas plantas
frutíferas e onde, muitas vezes, estão contidas as roças. As roças/quintais quando
compreendidas como uma unidade, assim como a mata, são discretas, de modo
que é possível ver o limite entre estas e as demais unidades. Ao contrário disso, o
mangue e a maré são contínuos. No entendimento dos nativos, o mangue também
é maré, embora haja distinção entre as atividades a serem desempenhadas em
cada unidade.

Figura 134 – Unidades de uso de recursos

A produção agrícola na Salamina é caracterizada pelo policultivo em


pequena escala. Embora haja cultivo predominante do aipim 13, não existem

13
Aipim é denominado em outros locais do Brasil como macaxeira ou mandioca.

40
manchas de monocultivo na área do quilombo. As roças são plantadas em áreas
próximas às residências, confundindo-se com o quintal onde muitas espécies
vegetais, sobretudo árvores frutíferas, já se encontram cultivadas. Esse sistema
de cultivo se assemelha ao home garden definidos por Toledo et al (2003) como
sistema agroflorestal localizado próximos às casas.
As roças atuam como um fator capaz de diminuir a dependência da
população local do mercado mais abrangente. Assim, algumas famílias plantam
itens empregados diariamente na alimentação, como tomate, cebola e pimentas.
As frutas que também possuem grande importância na dieta dos nativos também
são cultivadas. Assim como as roças, o mangue e a maré são unidades de
paisagem que possuem um manejo multi-específico (como citado por Toledo et al,
op. cit.). No ambiente de mata por sua vez, o manejo é predominantemente dos
recursos piaçava e dendê, embora outros vegetais (espécies frutíferas e outras
utilizadas na fabricação de utensílios) sejam também utilizados.
Ainda de acordo com esses autores, o grande número de espécies
utilizadas pelos nativos com diferentes finalidades confirma a manutenção da
biodiversidade no sistema de uso múltiplo. Quando comparados com áreas de uso
específico (agricultura de monocultivo, por exemplo), os usos múltiplos
representam uma menor produção por unidade de paisagem, mas uma maior
produção por paisagem agregada (TOLEDO et al, 2003). Analogamente, tomando
como referência pequenas comunidades de agricultores na Índia, Shiva (2000)
concluiu que estratégias que agregam biodiversidade são mais produtivas do que
os monocultivos em escala industrial e ainda que são essas pequenas produções
as responsáveis por alimentar a maior parte das pessoas no mundo.
No que se refere à pesca é necessário distinguir logo a princípio, duas
modalidades de atividades pesqueiras realizadas localmente: a mariscagem, que
envolve a captura de bivalves como ostras e sururu e captura de caranguejos e
aratus e pesca propriamente dita que especificamente no caso da Salamina,
compreende a captura de peixes e camarão utilizando instrumentos como rede e

41
anzol (linha). Essa distinção é similar àquela abordada por Souto (2004) em
trabalho desenvolvido em outra localidade do Recôncavo Baiano.
A mariscagem, de uma forma geral, é realizada com aparatos bastante
simples, como facão, colher de pedreiro e faca de cozinha. No que se refere à
pesca, no sentido estrito, é necessário o uso de apetrechos como rede, linha,
anzol e embarcações, o que limita o exercício da atividade àqueles que têm
acesso a este aparato. A parte das pessoas que não dispõe desses instrumentos
tem o exercício da atividade condicionado ao convite. Nesta situação, um
pescador proprietário da canoa e da rede, convida outra pessoa (geralmente
considerando as relações de parentesco) para ajudá-lo na atividade. Em geral, as
pescarias são realizadas em dupla e a produção é dividida igualmente. Aqueles
que possuem artefatos e embarcações pescam com maior frequência do que
aqueles que dependem do convite. Outras atividades pesqueiras que não
dependem do uso de embarcações, a exemplo da mariscagem, são realizadas
pela totalidade dos entrevistados e visam predominantemente a subsistência.
Apesar dos extrativistas contatados assegurarem que a piaçava é o
principal recurso utilizado pela população das Salamina, a maior parte identifica a
pesca como a atividade economicamente mais importante para a própria família,
em razão desta ocupação fornecer melhor retorno financeiro. Por este motivo, é
exercida prioritariamente pelos extrativistas, caso hajam condições de maré
apropriada e eficiência na pesca.

“A pesca é melhor, ganha mais dinheiro. Eu acho


assim. Quer dizer, eu acho não, todo mundo aqui acha
assim. Quando não tá dando pesca é que parte pra outra
coisa”.
"Pra minha família mais importante é a pesca e
roça. Que eu tiro mais dinheiro é a pesca quando tá no
período porque pescou de manhã, dinheiro de tarde. Quando
faz a mão de camarão (defumado) vai levar uma semana pra
vender. Eu numa semana fiz três mão, dentro de oito dia. A
pesca fechada (defeso) já parte pra outra coisa, pescar de
rede, piaçaba também. Vou no mato. a qualquer momento aí
42
eu vou no mato pra pegar um trocozinho aí que eu tomei
emprestado. A piaçaba arranja um pão. É bom também."

A pesca de camarão é a atividade pesqueira mais difundida e mais


importante da Salamina. Este recurso é capturado principalmente para venda,
ainda que eventualmente seja consumido pelas famílias: “Aqui tem vários tipo de
pesca, mas a maioria aqui desfruta mais do camarão”. Ainda que o camarão seja
capturado para comercialização e eventualmente para consumo, a pesca é uma
atividade que fornece retorno alimentar imediato para a família. Isso se deve à
fauna acompanhante capturada durante a pescaria que é utilizada principalmente
para a subsistência. Esse é um dos motivos que faz da pesca, a atividade
preferencialmente exercida pelos multi-estrategistas: enquanto a coleta de piaçava
oferece apenas retorno financeiro, a pesca promove um pronto retorno proteico e
faz do pescador um forrageador literal.

"Eu acho que a pesca é um lugar que você sabe


que vai e vai trazer algo pra comer. Piaçaba é diferente. A
piaçaba você vai arrancar, você ali vai preparar ela, vai
aprontar, enquanto isso a barriga tá ali esperando. Vai
esperar o comprador, o atravessador vim pra comprar na sua
mão, às vez vai vim sem o dinheiro, vai pagar com oito dia...
E a pesca não, a pesca a diferente, você vai ali, ranca dois
quilo de camarão ali, panha, você vai ali na feira, vende no
comércio são trinta reais dois quilo, porque o quilo tá
vendendo a quinze, desesseis reais. Então é mais viável,
você já compra um pão, já compra outra coisa. E além disso
tem outras espécie que você traz pra fazer moqueca, é
fumerar que nem a pescada. Manta de pescada bate nessa
rede aí, é muita pescada, é cutupanha, pescada graúda."
"Porque aqui é assim: nós trabalha quando tá na
piaçaba, vai pra piaçaba aí quando chega em casa vai no
cofo e não tem carne a gente já vai pra maré buscar aquele
alimento pra a gente. Aí trabalha nos dois. Mas quando a
gente tá na atividade da pesca, nós já tráz a comida pra
casa. Já vem junto."

43
O plantio de algumas culturas é outra alternativa de renda e
subsistência utilizada pela população da Salamina. Destaca-se o cultivo de aipim
que se destina tanto à alimentação da família quando à comercialização nas feiras
da cidade de Maragogipe. Outros cultivos como inhame, milho, amendoim, batata,
banana e feijão se destinam em sua maior parte à subsistência.

“Planta muita roça aqui. Aipim, meu irmão mesmo


tá plantando inhame, eles planta batata. O aipim é o que eles
mais planta porque é o que mais vende.”

As roças estão geralmente localizadas próximas às residências (figura


15), mas existem algumas que estão situadas a pouca distância das casas. Ainda
nesses casos, a propriedade de cada roça é reconhecida por todos. O trabalho de
plantio e colheita é realizado predominantemente por homens. Em alguns casos,
outras pessoas (geralmente familiares), ajudam nas atividades agrícolas e
recebem parte da produção como pagamento. O cultivo é feito em pequena
escala, até por limitação na força de trabalho, e há diversidade de itens plantados.
É relevante mencionar que árvores frutíferas tais como mangueira, jaqueiras,
cajueiros e bananeiras também se encontram espalhadas ao redor das casas e
são importantes para a alimentação.
O extrativismo do dendê é uma atividade praticada localmente com a
finalidade de produzir azeite. O dendê, fruto da palmeira Elaieis guineensis, é
uma planta originária da costa ocidental africana e foi introduzida na América a
partir do século XVI, coincidindo com o início do tráfico de escravos (LODY, 2009;
OLIVEIRA 2009). O azeite de dendê é ingrediente importante na culinária baiana e
muito utilizdo na culinária rotineira pelos extrativistas na Salamina.
Ao contrário da piaçava, o extrativismo do dendê atualmente é feito em
pequena escala e, em geral, apenas para o consumo familiar e ocasional venda
do excedente. Entretanto, devido à alta qualidade do produto, a demanda vem
aumentando. Esta atividade já teve grande importância econômica na localidade,
44
mas atualmente a falta de unidade de beneficiamento impossibilita a produção do
azeite para comercialização em escala maior.

“...é só pra fazer azeite de consumo da casa


mesmo, pra o pessoal comer aqui na fazenda.”
“...tem o dendê também, mas nós não temos
fábrica.”
O corte do dendê é considerado por alguns como uma atividade
arriscada, por envolver a escalada de palmeiras que chegam a 15 metros de
altura. A produção do azeite é trabalhosa e envolve algumas etapas. Depois de
coletados, os frutos são cozidos e macerados em pilão (figura 16). Em seguida o
produto é peneirado e o azeite novamente cozido. O ingrediente é utilizado na
preparação de peixes e mariscos, itens muito importantes na dieta da população
local.

Figura 15- Residência de um extrativista com roça situada ao lado

45
Figura 16 – Etapas da produção do azeite de dendê. A - cozimento dos frutos de dendê; B -
maceração em pilão. C – bagaco obtido após peneiração; D – Produto da peneiração pronto para
novo cozimento

46
A Dimensão temporal

Breve contextualização histórica do Recôncavo Baiano e sua ocupação

De acordo com Neves (2008), o rio Paraguaçu foi fundamental para o


acesso dos desbravadores portugueses ao Recôncavo e aos sertões. A conquista
do Recôncavo Baiano foi priorizada principalmente pela existência de solos
apropriados ao cultivo da cana-de-açúcar, produto de grande importância
comercial durante o período colonial. (NEVES, 2008).
O Recôncavo Baiano teve grande destaque no contexto da economia
açucareira no período colonial. De acordo com Etchevarne e Fernandes (2011), os
engenhos aumentaram muito em quantidade no final do século XVII e foram
importantes economicamente inclusive para a capital da província até o século
XIX. O sistema latifundiário de plantation era mantido principalmente com o
trabalho escravo e visava tanto mercados locais quanto externos (BARICKMAN,
1999).
A produção açucareira, presente no Brasil desde o século XVI, colocou
o Recôncavo Baiano na rede comercial do Atlântico (ETCHEVARNE E
FERNANDES, 2011). A região do baixo Paraguaçu teve inserção relevante nesse
contexto representando um importante pólo açucareiro e fumageiro da Bahia. O
primeiro engenho da região do baixo Paraguaçu foi instalado ainda no final do
século XVI na então povoação de Cachoeira, elevada à categoria de vila em 1698
(CASTELUCCI JÚNIOR, 2011). A natureza das atividades econômicas coloniais
realizadas no Recôncavo Baiano continuam evidentes até hoje através dos
vestígios de construções na área rural: casas de engenhos, aquedutos, fornos,
olarias, senzalas, estruturas defensivas (ETCHEVARNE E FERNANDES, 2011)
A mão de obra escrava era fundamental não apenas para a
manutenção do sistema agrícola, mas também para a realização do trabalho
doméstico e posteriormente em fazendas de gado e plantações de tabaco e
47
mandioca. O tráfico de escravos africanos era tão intenso nessa região que a
população negra superou em muito, o número de habitantes brancos
(BARICKMAN, 1999).
Desde o final do século XVI há indícios da existência de mocambos no
Recôncavo Baiano. Eles se assemelhavam em tamanho e eram formados por
pequenos bandos de caçadores e coletores que em geral, roubavam pra
sobreviver (NEVES, 2008). Evidentemente, a localização geográfica se tornou um
fator de extrema importância para a sobrevivência e autonomia das comunidades
de escravos fugidos (NEVES, 2008).
A tradição de rebeldia entre os escravos do Recôncavo Baiano é
bastante abordada na literatura. Especificamente na região, uma série de
documentos históricos comprovam a preocupação das autoridades coloniais da
época com relação ao aquilombamento de escravos nas regiões de Cachoeira e
Maragogipe (GOMES, 1995). No período entre 1807 e 1835 ocorreu no
Recôncavo, um ciclo de revoltas escravas que apesar de violentas não chegaram
a desestabilizar a ordem escravista (MARQUESE, 2006). Muitas dessas revoltas
escravas aconteceram na região do baixo Paraguaçu, onde estavam localizadas
as vilas, atuais municípios, de Cachoeira e Maragogipe.
Neste contexto de economia açucareira e formação de mocambos se
constitui a etnogênese do quilombo Salamina Putumuju da forma como é
compreendida por grande parte dos entrevistados. Esse é o marco temporal a
partir do qual os extrativistas começam a se referir quando se remetem à própria
história.

48
Uma história da Salamina tal como contada pelos nativos

“Quando viemo morar aqui sabia que era um lugar


mau. Escravizado. Sabia que não bebia café, não comia
feijão.”
“A vida nessa época era horrível que hoje eu falo
até com meus irmãos, com minha família todos os dias que
hoje a Salamina tá um paraíso.”
"(Como ficaram sabendo que eram quilombolas?)
É o seguinte, isso aí é uma resposta muito fácil. Porque é
vivendo e aprendendo e a gente morre e nunca acaba de
aprender. Antes a gente não sabia de nada, a gente só era
sofrido. Hoje a gente acordou pra a vida pela orientação de
alguém.”

De acordo com as abordagens mais recentes em etnoecologia da


paisagem, as relações de poder juntamente com os elementos históricos,
entendidos como processos, são fundamentais para compreender a dinâmica de
produção do conhecimento tradicional. (ELLEN, 2009; JOHNSON E HUNN, 2010).
A temporalidade percebida e relatada pelos extrativistas não é bem
definida em termos de datas, de modo que eles raramente fazem referência a elas
associando-as aos fatos, e quando o fazem, citam apenas períodos aproximados.
Entretanto, é possível encontrar tempos históricos localmente percebidos, tal
como abordado por Montenegro (2002).
Através da história contada e vivida por extrativistas é possível
identificar sete referências temporais que atuam como marcos importantes no seu
modo de vida. São eles: o Tempo dos escravos fugidos, o Tempo do engenho, o
Tempo da charqueada, o Tempo de Rosalvo Velho, o Tempo de Rosalvo Novo, o
Tempo de Tânia e o Tempo do quilombo. Apesar de se reportarem a tempos mais
antigos, os entrevistados falam com maior riqueza de detalhes do tempo em que
eles próprios viveram. Desta maneira, há mais elementos consistentes para uma
reconstrução etnohistórica do extrativismo a partir do Tempo de Rosalvo Velho,
que muitos deles presenciaram.
49
Diferentes tipos de opressão e dominação incidiram sobre a população
local nos distintos tempos, e é possível afirmar que todas elas, de alguma
maneira, exerceram influência sobre o trabalho dos extrativistas. Assim, é
relevante mencionar que as relações de poder ao longo do tempo interferiram
diretamente na relação dos extrativistas com o ambiente.
Ainda que de forma breve e com algumas lacunas é possível se
reportar ao passado que está na memória dos entrevistados pelas histórias
contadas pelos seus antepassados. Os aspectos históricos mais antigos relatados
remetem ao período colonial, em que a região foi ocupada por escravos fugidos de
engenhos de cana de açúcar da vila de Cachoeira. Segundo um entrevistado,
escravos fugitivos formaram um primeiro quilombo no Angolá, atual bairro da
cidade de Maragogipe, e posteriormente, se amotinaram na Salamina onde
construíram o quilombo Putumuju.

“Primeiro eles fugiram de lá (Cachoeira) pra cá,


fugiram dos senhores de engenho. Os que tavam no Angolá
correu pra aqui, né? Que já tinham fugido de Cachoeira aí foi
se juntando gente aí. Depois vem os engenho.”
"Essa história do Putumuju pra mim já é um pouco
difícil, mas sempre eu vejo alguns, os mais velho, os que já
morreram falar do Putumuju que eles (os escravos) corria e
se escondia lá no Putumuju. Tem lugar aqui que você anda
que ainda de coisa de cem ano atrás você passando lá você
inda vê os lugar das casa."

Nota-se na fala do entrevistado que ele se reporta ao Tempo dos


escravos tendo sido sucedido pelo Tempo do engenho. Não foi possível identificar
o período histórico em que esta transição ocorreu e não se pode afirmar que
houve de fato uma transição entre esses períodos. É possível que tenha havido
períodos em que escravos fugidos e engenho tenham ocupado a localidade
simultaneamente, uma vez que estes estavam situados em pontos diferentes da
Salamina. As ruínas do Engenho Novo estão localizadas na margem do
50
Paraguaçu, próximo ao bairro da Olaria, enquanto o Putumuju se localiza numa
área mais interior. Além disso, sabe-se que os escravos fugidos buscavam se
estabelecer em locais de difícil acesso com a finalidade de garantir a segurança
da comunidade e construírem uma alternativa de vida afastada do cativeiro, mas
mantendo alguma proximidade com cidades e vilas circunvizinhas
(CASTELLUCCI-JÚNIOR, 2011), como era o caso do Putumuju, que ainda hoje é
considerado pelos extrativistas como um local de acesso difícil.
O engenho que se estabeleceu na Salamina, conhecido como Engenho
Novo, estava localizado em um ponto que reunia algumas das melhores
características para uma boa produção. A presença de ruína de um aqueduto
indica que este engenho possuía atributos que Etchevarne e Fernandes (2001)
consideraram essenciais para classificar os chamados “engenhos reais” na região.
Segundo os autores, estes se situavam nos melhores lugares para terem as suas
moendas movidas pela roda d’água, que se constituía em uma força motriz mais
produtiva quando comparada às moendas movidas a tração animal ou escrava. É
possível inferir as modificações na paisagem que ocorreram em consequência das
atividades produtivas realizadas na Salamina. No Tempo do engenho essas
modificações ocorreram principalmente devido ao plantio de cana-de-açúcar.
A presença do Engenho Novo denota outra relação de trabalho
existente na Salamina. No período colonial, escravos trabalhavam na produção de
cana-de-açúcar e também na construção de residências e outras edificações.

“...Aí começou o plantio de cana. Tudo que você


vê aí foi feito pelos escravo. Se você ver ali o sobradão tem
cada parede drobada (dobrada), aquilo tudo foi feito pelos
escravo. Se chama Engenho Novo.”
“...Aí foi quando isso aqui passou também ter um
engenho, que é o mais novo engenho foi esse.”
"Quilombo é porque é descendência de... Aqui
teve a escravatura aqui, isso é o certo. Então é por isso é
que pega esse nome quilombo, porque aqui é lugar que teve
a escravidão. Aí na fazenda mesmo tem o forte aí, tem a
51
casa dos imperadores na época. Porque lá embaixo no
sobrado, naquele casarão lá tinha como se fosse uma cadeia
lá, os escravo era tudo preso ali, amarrado. Aí depois que
veio esse conhecimento eles se desfizeram de quase tudo
ali, você vê que não tem mais aquele negócio ali, mas tinha
mesmo, ainda tem lá. Um túmulo lá, uma parte mais perigosa
que você vê tudo escuro. Eu já entrei lá de lanterna... Aí eles
desfizeram essas coisa. Tinha assim tipo um pilar onde
amarrava os nêgo."

De acordo com informações êmicas, ao Tempo do engenho seguiu-se o


Tempo da Charqueada. Um dos informantes atribui à libertação dos escravos o
motivo do insucesso do engenho que teria levado à venda da fazenda. Entretanto,
de acordo com o INCRA (2006), já no ano de 1872 não havia mais plantio de
cana-de-açúcar nas terras do Engenho Novo e a área era utilizada para extração
de madeiras e fibras de piaçava até ser vendida ao novo proprietário. No Tempo
da charqueada o novo dono passou a desenvolver atividade de criação de animais
de corte para o comércio de charque e as pastagens começaram a se expandir na
área da fazenda. Segundo o INCRA (2006) alguns negros que trabalhavam no
antigo engenho passaram a trabalhar na produção de charque e outros foram
constrangidos a deixar as áreas que ocupavam e migraram para áreas de difícil
acesso.

“Eu sei que depois surgiu não sei o que foi que
teve aí que libertaram os escravo que passou a ser
assalariado. O pessoal trabalhava e recebia aquela
migalha... Aí eu não sei como foi lá, eles conseguiram ir
embora e venderam isso aqui pra outro dono que chama
Teotônio. Teotônio quando chegou pra aqui acabou com
esse negócio de engenho e passou a ser charqueada,
salgadeira. Matava o animal e fazia charqueada. Criava aí, aí
matava e fazia charque.”

52
Após o fechamento da charqueada, a fazenda Salamina foi novamente
vendida (INCRA, 2006). Dessa vez, o fato marcou a o início do Tempo de Rosalvo
Velho. Muitos dos entrevistados viveram este período e por esse motivo, os
eventos a partir daí passam a ser narrados com maior riqueza de detalhes.

“...Aí depois vendeu pra outro dono que fez a


charqueada e depois que foi charqueada é que vendeu pra
Rosalvo Velho isso aqui. Aí foi desse tempo pra cá que a
gente já sabe contar alguma coisa.
“Quando eu nasci já era de Rosalvo Velho. Aí a
gente ficou aqui todo mundo aí, meus avôs, meus pais, todo
mundo trabalhando. E trabalhando, tal e coisa, aquela coisa
meio pendendo....”

No Tempo de Rosalvo Velho a pecuária foi mantida como atividade


produtiva, porém em menor escala. O extrativismo vegetal, principalmente da
piaçava, passou a apresentar melhor perspectiva de mercado e tornou-se uma
das atividades produtivas mais importantes da Salamina. Os moradores da
comunidade trabalhavam na extração e beneficiamento do recurso e toda a
produção só podia ser vendida ao dono da fazenda. Os extrativistas relatam uma
situação de miséria e escravidão vividas nesta época, incluindo vários relatos de
maus tratos.
O dono da fazenda possuía um estabelecimento comercial, chamado
localmente de venda, onde os extrativistas adquiriam alimentos e roupas (figura
17). O “pagamento” pelo trabalho era realizado em crédito para compra nesses
estabelecimentos e não havia outras possibilidades de obter produtos de primeira
necessidade porque também não existiam meios dos extrativistas se deslocarem
em direção a outras localidades.
Muitos dos entrevistados relataram que seus pais não chegaram sequer
a conhecer a cidade de Maragogipe, localizada há menos de um quilômetro de
travessia do bairro do Tororó. A ausência de estradas de acesso e embarcações

53
para uso dos extrativistas impedia o deslocamento dos mesmos para outras
localidades.

“No tempo de Rosalvo Velho aqui ainda era


escravidão mesmo. Você tinha que trabalhar de manhã se
tivesse que comer de manhã, pra sair pra trabalhar, que não
tivesse tinha que trabalhar pra comer de tarde, era assim. Se
não trabalhasse não comia, porque a venda era aí mesmo,
ninguém saía pra comprar nada fora. Nada, ninguém
conhecia nada aí fora. Trabalho fica ali e comprava ali
mesmo. nem Maragogipe aqui o povo não conhecia,
conhecia porque andava aí pela fazenda e via Maragogipe
do outro lado, mas não que tivesse acesso ir em
Maragogipe."
"Só tinha um problema aqui que antigamente que
aqui, quem morava aqui, Maragogipe era ali. Ninguém
conhecia Maragogipe. Eu mesmo não ia. Ele não deixava a
gente ir. Também não tinha canoa. Tudo era aqui perto.
Quem vendia tudo aqui era ele. Ele vendia um pano a gente
chamava dorme sujo. Era aquele pano sujo, encardido
parecendo umas lona pra fazer aqueles short. Aí só
trabalhando. Se você trabalhasse, de tarde você ia lá na
venda e trazia uma coisa pra comer, mas se você perdesse
tempo e não trabalhasse, não trazia não. A venda era dele."

Segundo os entrevistados, o alimento adquirido na venda era de


baixíssima qualidade (farinha e carnes apodrecidos) e em quantidades
insuficientes. Empregados de Rosalvo Velho vigiavam o trabalho dos extravistas
para que só tivessem acesso a alimentos, aqueles que estivessem efetivamente
trabalhando nos serviços designados pelo patrão. Essas atividades incluíam o
corte de madeiras para venda, criação de gado, trabalho nas roças, extrativismo e
beneficiamento de piaçava e dendê.
O preço “pago” pelo trabalho dos extrativistas era muito baixo e quando
a produção era entregue ao dono da fazenda, era dividida em quatro partes: a
parte do boi que transportava a piaçava, a parte do mato, a parte do fazendeiro,
todas lucro do patrão, e a parte do extrativista.
54
"Eu tinha que trabalhar mesmo pra me vestir
porque meu pai morreu, eu tinha que lutar, minha mãe tinha
três filho, o dinheiro era pouco, a necessidade era muita aí
trabalhava, trabalhava até hoje aí. Trabalhei muito pra ele,
pro fazendeiro. Era no mato tirando piaçaba pra ele, cortava
lenha pra vender pra padaria, olaria. Cortava dois carro aí.
Não ganhava nada não porque ele tirava a parte do boi, a
parte dele, a parte do mato e a gente ficava com aquela outra
parte, quer dizer que era dividido em quatro. Aí ele ficava
com aquela parte pra ele. Ele plantava muita roça também.”

55
A

Figura 14 – Locais utilizados pelo fazendeiro no tempo de Rosalvo Velho: A- Local onde
funcionava a venda; B – Local onde a os extrativistas entregavam a piaçava e onde eram feitas as
contas do pagamento; C – residência do fazendeiro

56
A unidade de medida utilizada na comercialização da piaçava é a
arroba, que no Brasil, equivale a 14,688Kg. Entretanto, para efeito de compra de
piaçava pelo proprietário da fazenda, a unidade de medida equivalia a 16 quilos, o
que mais uma vez prejudicava os extrativistas. Além disso, as frações que
ultrapassassem as arrobas não eram pagas, de forma que se o extrativista
entregasse cinco arrobas e meia, por exemplo, o patrão pagaria apenas pelas
cinco arrobas. Um funcionário chamado Diocrécio, era o responsável por calcular
o “pagamento” dos extrativistas junto com o fazendeiro.

“O pessoal trabalhava pra ele, tá entendendo? Aí


tirava as piaçaba, levava e sempre ele só pesava arroba.
Porque sempre quando o pessoal levava uma quantidade de
a piaçaba pra pesar sempre dá tantas arrobas e tantos quilo,
é sempre assim, né? Nunca vai dar o peso certo. Toda vez
não vai dar o peso certo. E ele só pesava as arroba, os quilo,
nada de quilo, o trabalhador não tinha. E uma arroba era
dezesseis quilo e o certo da arroba é quinze quilo, ele dizia
que era dezesseis. E o preço era bem mau, vendia arroba de
piaçaba até por seis real eu já vendi, depois passou pra oito.
Então era trabaiando pra ele mesmo. Não tinha o que fazer
não. Já vendemo até de dois e cinquenta."
"Tinha uma música que falava do lápis de
Diocrécio. Dizia: 'o lápis do Diocrécio corre mais do que carro
na rodage'. Ele era o empregado de Rosalvo Velho."

O trabalho com a piaçava ocorria, como até hoje, em nível familiar. Já


no Tempo de Rosalvo Velho, o trabalho de retirada de piaçava na mata era
praticado por homens e mulheres e crianças que atuavam também no
beneficiamento da piaçava. Outras crianças trabalhavam cuidando dos animais do
patrão. Todos os entrevistados se consideram ex-escravos.

"A gente vivia praticamente no barracão. Mãe


catava piaçaba lá no barracão que trazia aquelas piaçaba ali

57
e botava as mulher pra aprontar. Os caroço14 ali tinha que
ser todo repassado. Se ele chegasse no bagaço de uma
catadeira e achasse um caroço de piaçaba, vorta tudo pra
catar tudo. Porque é um desperdício, se achar um caroço..."
"Eu era escravo do velho. Eu tô dizeno que eu era
escravo porque eu era escravo. Porque no dia que eu não
trabaiava, não comia. Com idade de sete ano, de oito ano.
Eu tomava conta do animal dele."
"Eu tô lembrado quando eu chegava com piaçaba
lá pro fazendeiro pra comprar um radinho de pilha, e ele dizia
'Essa piaçaba aí é sua?' Eu era menino. Desde criança.”

O cerceamento da liberdade dos extrativistas por parte do fazendeiro os


impedia inclusive de realizar atividades pesqueiras. O exercício da pesca era
tolhido para que não houvesse diminuição na produtividade exigida e também
para manter o vínculo de dependência para com o patrão, uma vez que a prática
da atividade, ainda que somente para a subsistência, conferiria alguma
independência ao extrativista.
A falta de artefatos e embarcações também era um dificultador para o
desempenho da pesca. Entretanto, é necessário considerar que alguns recursos
como ostras, sururus e outros bivalves, assim como caranguejos e siris podem ser
obtidos no manguezal sem o emprego de artefatos sofisticados. Além disso, os
nativos ajudavam nas pescarias de rede grande e com isso, obtinham alguns
peixes como pagamento.

(Se pescava no tempo dos fazendeiros?) "O


pessoal daqui, da fazenda geral, não. Comia marisco por
causa desse Ferreiro. Mas aqui ninguém pescava. A gente ia
no Ferreiro, chegava lá, ajudava a puxar a rede, os dono da
rede que dava muito peixe, dava a gente. Eu já pesquei de
linha, quando eu era menino, ali na Lage da Força, saindo do
Forte."

14
“Caroço” é a parte da fibra da piaçava que possui maior valor econômico.

58
“Nós chegava aqui nesse Ferreiro, como eu disse
que pegava canoada de marisco, não era nós. Maragogipe
vinha com aquelas rede de calão aí nós ajudava puxar pra
ganhar muquequinha, até se for falar de mariscar, nós
mariscava pra ganhar aquele pouquinho, pra eles dar
aquelas muquequinha a gente. Dos outro, tudo dos outro,
vinha aquelas rede de Maragogipe, nós ia ali pro Ferreiro pra
puxar rede."
(Podia mariscar naquela época?) "Ah bom, até aí
caranguejo tinha graças à Deus, aí tinha fartura. Nós ia pra
mata, tinha tiririca, quando chegava nós tinha que correr pra
água salgada pra ir mariscar dentro do mar, aquilo coçava
como o quê, tinha que ir pro salgado pegar marisco pro povo
comer porque não tinha pirão em casa... Ia pro mato tirar
piaçaba pra ele, quando chegava tinha que ir pra maré. Era
pro mato e pra maré... Até que marisco, graças à Deus,
nunca faltou. Agora é que nós tá chorando por marisco. a
mariscagem era mais antiga, não tinha como ganhar nada
assim, dinheiro, tá entendendo? Era só pra comer
mariscando aí no mangue..."

O extrativismo do dendê e a fabricação de azeite possuíam grande


importância econômica no Tempo de Rosalvo Velho. A população local trabalhava
em todas as etapas do processo e assim como no extrativismo da piaçava,
recebia muito pouco por este trabalho. A escalada do dendezeiro, palmeira que
chega a 15 metros de altura, para o corte do fruto confere um risco à atividade.

“...O dendê todo vendido, o lucro era pra ele. O


trabalhador ganhava uma miséria, e o lucro maior era pra
ele, igual o cultivo da piaçaba.”

As roças do fazendeiro também eram mantidas ao custo do trabalho da


população local. O trabalho era vigiado pelos empregados da fazenda que
estipulavam o tempo de trabalho e intervalo entre as atividades.

59
“...a gente trabalhava há dias e não existia relógio.
Eles olhava pro sol e dizia: mei dia, vai! Quando a gente
terminava de comer: bora! Quem fumava pra fazer um
cigarro de fumo se demorasse, eles recramava: bora! Era os
empregado. (Qual era o trabalho?) Cortar o capim, plantar
mandioca... Plantava pra eles.”

A precariedade das condições laborais e de vida à qual a população


local estava submetida no período em que Rosalvo Velho era proprietário da
fazenda, torna necessária uma reflexão acerca da natureza das relações de
trabalho na comunidade. A relevância da contextualização desse assunto do ponto
de vista etnoecológico se dá em função das relações de poder que se
estabelecem a partir daí gerando consequências na maneira como os extrativistas
se relacionam material e simbolicamente com a natureza. A partir de uma
perspectiva histórica, social e cultural, a importância se dá pelo reconhecimento da
trajetória de luta e resistência da comunidade local.
O regime empregado na Salamina se enquadra em diversos conceitos
relacionados a trabalho forçado. Pode ser considerado como trabalho escravo
contemporâneo praticado no meio rural brasileiro, conforme descrito na literatura
do direito (SENTO-SÈ, 2001). Se encaixa no conceito adotado por Mello (2005)
como um tipo de trabalho forçado, que inclui a servidão por dívida e trabalho
forçado na agricultura e em regiões rurais remotas. Além disso, atende aos quatro
elementos que podem configurar o “trabalho em condições análogas à escravidão”
- trabalhos forçados, jornada exaustiva, condições degradantes e servidão por
dívida – contidos no artigo 149 do Código penal Brasileiro.
Sem desconsiderar toda a questão conceitual relacionada, mas
evitando centralizar a discussão nesse ponto, será adotada nessa tese a
expressão “trabalho escravo” em consonância com alguns autores (FIGUEIRA,
2000; FERNANDES e MARIN, 2007; FIGUEIRA e PRADO, 2011; CPT, 2014),
considerando-o em sua definição mais simples: condições que envolvem trabalho
degradante com cerceamento da liberdade (OIT, 2006).

60
Além do trabalho forçado, a violência física e simbólica foi amplamente
relatada pelos entrevistados. Muitos deles afirmaram que os patrões atribuíam aos
animais como cachorros e vacas, os nomes dos trabalhadores locais na intenção
de humilhá-los.

"A história da Salamina é escravidão. Eu já vi


gente apanhar de cipó pra ficar todo cortado. Cipó caboclo.
Com essa pouca idade que eu tenho (54 anos). Todo cortado
de cipó caboclo. João Merengue que morava lá em casa.
Que ele saiu que marraram ele numa casa de dendê,
marraram ele num pilar e cortaram ele todo no cipó. Rosalvo
marrou e Pedro, finado Pedro, bateu. Ele ficou todo cortado
de cipó caboclo. O empregado era que batia. E várias coisa...
de eu já tive época aqui de ver um pai tá assim, ver bater o
patrão bater num filho e não poder dizer nada. Você ter um
filho, ver um patrão bater e não poder reagir. Isso é certo? É
difícil! Isso também eu já vi."
“Até a roupa da gente era comprada na mão
deles, aquele brim. As roupa da gente era brim, roupa velha.
A gente aqui sabe o que era que a gente fazia? A gente
nesse rio aqui debaixo, eu, o marido da minha mãe, que é
meu padrasto, o irmão, tomava banho e com o mesmo short
que tirava, se enxugava aí passava um sabão, lavava pra no
outro dia vestir. Meu avô morreu e nunca foi na cidade de
Maragogipe porque não tinha condições. A gente ia pra
Salamina (Forte da Salamina), chegava aqui, agora a
distância daqui pra Salamina é preciso que você vá andando
pra você ver, pra levar piaçaba, no inverno, já cansei de ver
ali na roça o boi e o marido dela seguro pra não cair e eu
dormindo e ela batendo nos filho de noite pra acordar pra
comer, que tava tudo lenhado de fome. Agora comer o quê?
Farinha de gorgulho, fedendo. Com aquelas que pagava a
gente. Terra dos escravo aqui, terra do escravo. Por aí você
vê. A maioria das construção velha daí é tudo de óleo de
baleia. Agora vê quando era que existia isso. É no Cais do
Engenho... Aqui foi um sofrimento danado. Os patrão daqui
dava surra nos trabaiador."

61
O Tempo de Rosalvo Velho teria durado aproximadamente até o ano de
1972. O seu falecimento marcou a passagem para o Tempo de Rosalvo Novo.
Apesar de não ter proporcionado grandes avanços nas condições de vida dos
trabalhadores, o novo período trouxe algumas mudanças significativas para os
extrativistas. De um modo geral, os entrevistados consideram que houve alguma
melhoria de vida, ainda que pequena, nesse tempo.
No Tempo de Rosalvo Velho os extrativistas tinham que entregar a
produção de piaçava semanalmente. Rosalvo Novo flexibilizou um aspecto da
compra da piaçava quando facultou aos extrativistas a entrega quinzenal da
produção. Nesse período os extrativistas passaram a ter maior oportunidade de se
deslocarem até Maragogipe, e a venda se extinguiu. A pequena quantidade de
embarcações disponíveis para realizar o deslocamento e a falta de condições
financeiras para custear o transporte tornavam o acesso à cidade ainda bastante
limitado.

“...Daí ele (Rosalvo Velho) chegou a falecer.


Morreu, aí veio o filho. Continuou a mesma coisa,
trabalhando do mesmo jeito pra ele. Esse daí já foi
melhorzinho um pouquinho porque essa semana a gente
trabalhava na semana que a gente não ia entregar piaçaba,
ficava pra outra semana, a gente ia falar com ele, tomava
aquele dinheiro e já ia pra Maragogipe, quando era na outra
semana a gente pagava, aí já foi melhor.”

A flexibilização na entrega da produção de piaçava e também a


diminuição de fiscalização do trabalho parecem ter representado, na prática, a
oportunidade para a realização de outras atividades, incluindo a pesca. No
entanto, é relevante mencionar que a falta de apetrechos e embarcações
restringia bastante o exercício de atividades pesqueiras. Os entrevistados relatam
que as camboas, armadilhas de madeira construídas para a captura de peixes,
foram a principal arte de pesca empregada no princípio. Muito provavelmente isso

62
ocorreu devido à facilidade de encontrar material para a construção desse
apetrecho nas matas locais.

"Teve uns tempo que eles andava nas casa pra


ver quem não tava no mato, quem tava deitado, que não tava
trabalhando, o fazendeiro. Depois teve um tempo que foi
mudando que não era mais com esse rigor. Depois desse
tempo é que a gente já vendia alguma coisa (pescado) que
vamos considerar assim como fosse um biscate."

A fiscalização do trabalho continuava, porém com menor rigor. Esse


fator parece ter possibilitado a realização da pesca, entretanto, não representava
uma permissão do proprietário para a prática da atividade por parte dos
extrativistas. O exercício da pesca era indesejável para o patrão porque conferiria
alguma autonomia à população local. Alguns entrevistados relatam que eram
impedidos de pescar na camboa que tinham fixado, e essa passava a ser utilizada
pelos empregados da fazenda em favor do proprietário.

"Ele saía nas porta pra ver quem tava trabaiando.


Mas chegou uma época daqui dele proibir a pesca, botar
camboa. Se tivesse a camboa não tinha maneira dele
explorar, o camarada ia viver pra ele próprio. Então isso era
motivo dele privar as pessoas. Se eu tenho lá meu lucro,
minha arte de renda pra mim claro que eu não ia viver
subalterno a ele. Às vezes também, chegou muitas vezes a
pescaria ele dizer que a pescaria tinha que levar pra ele lá.
Julio de Cristóvão ali fez muito isso. Quem à vez ia mariscar
a camboa era Antônio, que era empregado dele. Várias
vezes ele mandava: quem vai é você. A gente tinha o
trabalho de botar a camboa e ele mandar os empregado ir
levar a pescaria toda pra ele e não dava nada a gente."

Mesmo diante de todas as dificuldades relatadas, provavelmente, foi


nesse período que a pesca de fato começou a representar uma alternativa de

63
subsistência e renda para a população local. Segundo a fala de entrevistados, a
pesca resistiu apesar da conjuntura desfavorável. Aos poucos, alguns extrativistas
começaram a adquirir pequenas canoas a remo e artefatos de pesca.

"Quando esse pessoal tava aí (fazendeiros) o


pessoal não tinha assim muita arte de pesca, tá entendendo?
Aí depois disso foi que foi que começamo comprar assim
uma peça de rede aí foi que começou a pescar. Mas bem
pouca gente pescava aqui. Ele não fazia muita questão que
os pessoal pescasse não que era pra trabaiar pra ele.
Porque se o pessoal fosse pescar o destino ia ser pouco pra
ele, né, a renda ia ser pouco. O que tivesse ia ser pro
pescadores e no mato não, na piaçaba o que tirava era dele
lá, a renda dele ia ser bem pouca. A piaçaba era o forte da
renda dele aqui. Ele comprava mais barato e vendia mais
caro."

O Tempo de Rosalvo Novo encerrou-se com o seu falecimento, que


teria ocorrido aproximadamente no ano de 2001. Sucedeu-se a ele na
administração da fazenda, a sua filha Tânia.

“ O novo morreu faz uns dez ano por aí, onze


ano... Ficou a viúva por aí mas a filha é que comandava.”

O Tempo de Tânia foi o período mais curto relatado pelos extrativistas.


A retirada de piaçava continuava a ser a atividade produtiva mais importante. Os
extrativistas ainda eram obrigados a vender toda a produção para a fazendeira a
preço por ela estipulado, mas os entrevistados consideram que houve melhoria no
comércio da piaçava porque Tânia passou a pagar as frações de peso que
ultrapassavam as arrobas. Nesse tempo, o acesso a Maragogipe se ampliou
devido ao aumento no número de embarcações.

64
“Aí depois que ele morreu passou pra filha, a
Tânia. Aí já foi melhorando, tá entendendo? Depois que a
filha passou aumentou o trabalho, ela aí já começou a pesar,
a piaçaba ela pagava a arroba e os quilo, ele não fazia isso.
Se desse quatro arroba e dez quilo, ela já pagava os dez
quilo.”

De acordo com os entrevistados, Tânia prometia melhorias na vida dos


nativos quando fosse dona da fazenda, entretanto logo que assumiu a
administração da fazenda, ela vendeu o gado e os trabalhadores passaram a ser
obrigados a carregar a produção de piaçava. Além disso, todos os entrevistados
afirmaram que a fazendeira teria lhes dito que venderia os trabalhadores como
escravos, após vender os animais.

“... você vê que até pouco tempo ainda tinha roupa


aí que Tânia deu pros trabalhador se acabar do mato pra tirar
piaçaba. Porque ela disse que quem levasse mais piaçaba
ganhava um presente, né? Aí quando foi ver era aqueles
brim de não sei quantos anos... Mas só que ela se arrombou.
Porque quando ela era moça, quer dizer, quando ela era
nova, ela prometia, quando vinha de Salvador, fazia tanta
coisa com a gente! O pai viajava, a gente trabalhava há dias
no tabuleiro plantando capim, quando dava duas hora, ela
subia: 'Larga isso aí! Vai jogar bola! Essa fazenda ainda vai
ser minha pra vocês ver!' Hum! Quando o pai morreu, que ela
tomou conta... Piorou! Até os animal ela vendeu. Agora ela tá
pagano pelo que ela fez. Ela disse que vendeu os animal e ia
vender os trabalhador. Se lenhou. Só que nós tava
acordando pra vida. A gente foi descobrindo qual era a
verdade, os nossos direito. Aí ela se lenhou."

Ainda no Tempo de Tânia, o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP)


chegou à fazenda Salamina. Segundo um entrevistado, integrantes do CPP
chegaram ao Porto do Tororó e lhe perguntaram se aquela era uma comunidade
quilombola. O entrevistado afirmou que não sabia do que se tratava. De acordo

65
com ele, os funcionários perguntaram se eles eram escravizados e então ele
respondeu que sim. A partir de então, foi agendada uma reunião entre alguns
extrativistas e a CPP, que reuniu representantes para dar entrada na solicitação
de reconhecimento enquanto comunidade remanescente de quilombo na
Fundação Cultural Palmares.

“... E quando eles (integrantes do CPP) chegaram


aí eles falaram do processo quilombola, dos direitos que a
gente tinha garantido na instituição (constituição), na lei. E aí
eles colocou pra a gente, a gente analisou e viu que seria
muito bom pra a gente, apesar de a gente sabia que seria
muita luta, né? E dificuldade pra poder conseguir chegar
onde a gente chegou hoje."

Em razão dessa movimentação, Tânia propôs a doação de alguns


pedaços de terra aos extrativistas, o que não chegou a ocorrer de fato. A partir de
então ela teria deixado de realizar os pagamentos pela piaçava, passou a fazer
exploração madeireira de forma mais intensa. De acordo com extrativistas a
proprietária loteou a fazenda e vendeu o que foi possível, mas de acordo com
informações do INCRA (2006) a herdeira teria dividido a fazenda em cinco novos
imóveis logo após o falecimento de Rosalvo Novo.

"Quando a CPP chegou o negócio foi ficando mais


melhorado que Tânia até rejeitar os trabalhadores ela
rejeitou, não fazia mais pagamento. Ficou aí só lucrando,
tirando as madeira, derrubando pé de jaqueira, vendendo pra
estaleiro. Aí ficou só na (fazenda) Mutuca lá."
“Quando Rosalvo Novo morreu a fazenda ficou
entregue a Tânia que é a filha única do casal, porque depois
apareceu mais filho. Aí Tânia chegou, queria vender os
animais. Chegou um ponto dela dizer que tava vendendo os
animal e depois ia vender os trabalhador.”

66
O CPP reuniu alguns representantes de extrativistas na Salamina e os
conduziu a Salvador para que fosse feito um documento solicitando o
reconhecimento da comunidade como remanescente de quilombo. Os extrativistas
afirmam que a certificação foi obtida com agilidade.

"Quilombo chegou praqui já foi dois mil, dois mil e


três, que começaram vir aqui. Quando foi em dois mil e
quatro a gente foi certificado como quilombo... A gente foi pra
Salvador, pra CPP, fizemo um documento lá, assinamo tudo
e pronto. Aí com poucos tempo a certidão chegou aqui,
rapidinho."
"A gente aqui não tinha participação de nada. Nós
não sabia nada, nada, nada. A gente passou a entender
alguma coisa depois desse movimento. Nós não sabia dos
nossos direito, nós não sabia nada. Hoje aqui, essa carteira
aqui (certidão quilombola) indica nossos direito que nós tem,
nossa situação, de quilombo, tudo. A reparação não olha pra
a gente, uma coisa que discrimina a gente."

Durante o processo de reconhecimento, que simbolizava também a


rebeldia contra o sistema vigente até o Tempo de Tânia, os extrativistas estavam
cientes de que encontrariam dificuldades. Apesar de alguns deles afirmarem terem
sido perseguidos e ameaçados, muitos consideram que o processo foi pacífico,
diante da realidade enfrentada por outras comunidades quilombolas da Baía do
Iguape.

"A gente sempre fala por aí, a gente refrete...


Comparando a Salamina, o quilombo Putumuju hoje com
outros quilombo da região aqui de Maragogipe, e outros
lugares, até que a gente não teve assim tanta dificuldade. No
princípio a gente imaginou porque devido seria muitos
fazendeiro, era uma terra que teria muitos dono, com muitos
pedaços vendido que poderia lá na frente causar muitos
entrave, mas mesmo assim não teve muita dificuldade.
Analisando mesmo assim pra mim a maior dificuldade hoje é
a demora do governo titularizar essas terra. Porque os donos
praticamente abandonaram essa fazenda, que era Rosalvo,
passou pro filho, pra filha e abandonaram, sumiram, deixou a
67
gente aqui à toa. E os outro que tão aí por baixo: Jaqueira,
Mutuca, esses meio. Então eu acho que não teve assim
muita dificuldade. A gente pensou que ia existir assim, mas
até que não houve comparando com os demais quilombo da
região a gente não teve muita dificuldade com a questão de
fazendeiro não.”
"Depois que os pessoal da CPP começou fazer
reunião aqui, ela tava lá embaixo ainda (na Mutuca) aí com
esse movimento ela começou entender que a gente tava
tendo uma revelação e o que a gente podia ser... Aí aquela
ditadura ela baixou mais. Mas ela não deixou de ser
imperadora, sempre ela vinha de lá de baixo pra cá, aí
depois ela praticamente foi embora, vendeu as terra...”

A certidão quilombola foi obtida em 16 de dezembro de 2004 e


provavelmente em consequência disso, Tânia abandonou a fazenda. O
reconhecimento da identidade quilombola transformou as relações de trabalho e
vários outros aspectos da vida da população da Salamina. A partir de então,
iniciou-se o Tempo do quilombo, período em que os extrativistas passaram a ter
autonomia no exercício do extrativismo e comercialização dos seus produtos. Na
prática, isso expressava a possibilidade de exercer atividades pesqueiras,
liberdade para comercializar piaçava a preços mais justos, cultivar roças em
benefício próprio e adquirir alimentos e outros itens (básicos ou não) em outros
locais.
A certificação teve para os extrativistas um significado ainda mais forte:
a identidade quilombola os trouxe liberdade.

"Rapaz, ser quilombola pra mim... o que me define


quilombola é ser independente. É ser independente pra mim.
É ser livre. É você ter autonomia. É ser reconhecido, na
verdade. Pra mim ser quilombola é isso."
“Quando a gente soube o que era quilombo, a
gente aí correu atrás. Quando a gente menos espera chegou
um advogado de Lula (presidente), aí a gente foi até a casa
desse Armando, aí foi a partir desse dia que o advogado
falou: a partir de hoje a Salamina é um quilombo e o trabalho
da Salamina vai ser pra eles. Porque hoje uma arroba de

68
piaçaba custa trinta reais. Se tivesse na mão deles eles
pagava doze. (Antes) A gente tinha que vender pra eles
(fazendeiros). Aí o advogado chegou e disse: o trabalho vai
ser vendido pra quem eles quiser, eles vai trabalhar pra si
próprio. Aí que se tornou um quilombo. Aí descubriram, aí
pronto! A gente aqui não é mandado por ninguém!
Antigamente a gente era mandado! Aqui a gente faz o que
quer, cria o que tem condição de criar. Antigamente a gente
não podia criar um boi, não podia criar um porco e agora é
diferente. O probrema é que as condição aqui é pouca. Não
tem uma rodage, tudo é através de canoa, do mar."

Em consequência de todas as mudanças vividas após a certificação, os


extrativistas consideram o tempo presente, muito melhor que o tempo passado.
Na percepção nativa, outros fatores além da autonomia contribuíram para a
melhoria de vida da população local. Dentre esses, se destacam ações do
governo federal como o fornecimento mensal de cestas básicas e o acesso a
programas sociais, notadamente o bolsa família. Além disso, os pescadores de
camarão e de robalo que contribuem com o INSS tem acesso ao seguro
desemprego no período de defeso do camarão, no qual a pesca é proibida. Isso
ocorre quatro meses por ano e os extrativistas consideram o recebimento desses
“salários” como um aspecto bastante importante para a melhoria de vida.

“...hoje o trabalho da piaçaba é muito mais


valorizado. Porque hoje os menino pega piaçaba, leva, chega
lá pesa e ganha um dinheirinho bom. Um dinheirinho bom
pela piaçaba porque hoje o cultivo da piaçaba tá mais
valorizado. E hoje tem a pescaria, cada um tem sua rede tem
sua canoas pra pegar seu peixe, pra vender seu peixe,
vender seu camarão. Hoje aqui o pessoal recebe cesta
básica, recebe bolsa família, hoje o pessoal aqui tem auxílio
à maternidade, hoje o pessoal tem defeso pescaria."

Atualmente, a população local tem maior facilidade de acesso a


embarcações e apetrechos de pesca, o que tornou o extrativismo pesqueiro uma
atividade de grande importância para subsistência e renda dos extrativistas. Não

69
obstante, em 2009 o Governo da Bahia através da Bahia Pesca disponibilizou
canoas de fibra a motor para várias comunidades pesqueiras da Baía do Iguape. A
Salamina foi contemplada com seis dessas embarcações, que ficaram distribuídas
entre os vilarejos e colaboraram com a ampliação do acesso à pesca.

"Antigamente nem rede a gente não tinha, a gente


não tinha muita oportunidade de ter nada não porque a gente
aqui era vida escravizada. Então hoje a gente tem canoa,
tem duas: essa de fibra aí que o governo deu aí, foi uma
melhora boa."

Recentemente, a Salamina foi eletrificada, o que melhorou as


condições de vida da população local, inclusive com a possibilidade de
armazenamento da produção pesqueira. Entretanto, a falta de saneamento e
água tratada são aspectos que podem comprometer a saúde da população.
Soma-se a isso, a falta de assistência médica local, que força as pessoas a se
deslocarem ao município de Maragogipe para obter atendimento médico.

"Aqui é uma área muito boa! Silêncio, não tem


violência, mas falta muita coisa pra melhorar aqui, sabe?
Muita coisa mesmo! Mas em vista de antes, hoje tá um
paraíso. Eu digo todo dia isso."

O reconhecimento da identidade quilombola atuou de maneira decisiva


na transformação da situação social da comunidade local. No momento da
realização das atividades de campo, o território quilombola ainda não estava
titulado, e os extrativistas relatavam a sua vulnerabilidade com relação aos
fazendeiros locais.

“Num sentido mudou um pouco, porque hoje a


gente trabalha pra a gente mesmo aqui, temos nossa
liberdade. Porque eles lá entenderam que a gente entendeu
que a gente somos donos. Então isso facilitou um pouco,
mas em termos de dizer assim, nós tamos seguro que

70
realmente as terra somos nossa, na certidão isso não quer
dizer nada enquanto a gente não é titulado. A qualquer
momento a gente pode sofrer aqui um confronto aqui terrível!
Tem esse André aqui que é parente de Rosalvo Novo, não
que ele não tenha, que não precise, mas você sabe como é
esses cara... São amigo, aqui da fazenda aqui de cima, ele é
primo de Rosalvo Novo, não sei que é primo carnal... Ele tá
de olho. Então a qualquer momento, a gente pode sofrer um
massacre. Porque segundo a justiça, até agora, ele sabe que
não tem vigor. “
" A gente temos o comprovante como aqui é um
quilombo, agora só tá faltando o título da terra. Porque o que
é que diz o título da terra? Existe muita coisa que a gente
não pode fazer porque não temos o comprovante como a
terra é nossa. Não tem o título. Um empréstimo no banco a
gente fica um pouquinho difícil porque nós não tem o título da
terra. E é isso ai que nós tamo correndo atrás, o que nós
mais a gente precisa é isso aí: título das terra, energia e as
casa É o suficiente pra melhorar a vida da gente.”

O processo de titulação do quilombo Salamina Putumuju foi iniciado


junto ao INCRA em 2005 e no ano seguinte, o Relatório Técnico de Identificação e
Delimitação do território (RTID) foi elaborado. Em 16 de dezembro de 2010, foi
publicado o decreto do presidente do INCRA declarando a área do território
quilombola (2.061 hectares), como de interesse social para fim de desapropriação
(figura 18). A partir desse documento é necessária a desapropriação das
propriedades privadas para que então pudesse ocorrer a titulação.

“A Mutuca foi vendida. Nós não tem acesso, mas


tá em nosso território. A Mutuca é nosso território. O
Bastião...."

Os decretos de desapropriação caducam dois anos após terem sido


publicados. Em 2011, cinco comunidades tiveram seus decretos vencidos sem
que tenha acontecido a desapropriação e não se sabe que medidas o governo
adotará para solucionar esta questão (COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO DE SÃO PAULO,
2011). O decreto de desapropriação de terras particulares da Salamina venceu em

71
dezembro de 2012. A falta de iniciativa do governo em cumprir as medidas de
desapropriação levou o Ministério Público Federal a acionar juridicamente o
INCRA para concluir a titulação do território quilombola Salamina Putumuju.
Somente em 20 de novembro de 2013, dois imóveis locais foram
desapropriados pelo INCRA, garantindo a titulação de uma parte do território
quilombola. Entretanto, três outros imóveis, dentre eles o que a disputa gerou mais
conflito, ainda não foram desapropriados. Além dessa, pode-se dizer que a outras
questões ameaçam a reprodução material e simbólica da população local, a
exemplo da pressão sobre os recursos naturais provocada direta ou indiretamente
pela ação de grandes empreendimentos que operam na região da Baía do Iguape.
A titulação de terras quilombolas no Brasil segue um ritmo
demasiadamente lento e o fato da primeira terra quilombola ter sido titulada sete
anos depois da promulgação da Constituição já é um indicativo dessa situação. É
importante ressaltar a falta de informações censitárias a respeitos das
comunidades quilombolas, sua população ou dimensão de seus territórios
(ANDRADE, 2012). Ainda de acordo com esta autora, os movimentos sociais
estimam que haja entre três e cinco mil comunidades quilombolas no país, destas
1.838 foram certificadas pela Fundação Cultural Palmares e apenas 104 territórios
foram titulados, beneficiando 193 comunidades. É importante ressaltar que coube
aos estados do Pará e Maranhão a titulação de grande parte desses territórios. Os
dois estados somados possuem 72 dos territórios titulados no Brasil (ANDRADE,
2012).
De acordo com a Comissão Pró-Índio de São Paulo (2011) apenas um
território quilombola foi titulado durante todo o ano de 2011. A organização
destaca ainda as dificuldades para a efetivação dos decretos de desapropriação já
publicados do Diário Oficial da União, como é o caso da Salamina Putumuju,
devido à falta de reais condições concedidas ao INCRA pelo governo federal para
atuarem na desapropriação de terras.
A morosidade dos governos em efetivar a política agrária de titulação
de terras quilombolas acaba deixando comunidades quilombolas em situação de
72
vulnerabilidade com relação às pressões do agronegócio, empreendimentos de
infraestrutura e programas governamentais de segurança nacional (ANDRADE,
2012). Considerando o tamanho do território nacional de acordo com dados do
IBGE, atualmente 0,12% do território brasileiro corresponde a terras de quilombo e
com todos os processos de titulação que hoje estão em tramitação no INCRA
realizados, os quilombos não chegariam a ocupar 1% do território nacional
(INCRA, 2012). Em contraposição ao modelo agrário disseminado atualmente, o
território quilombola é de propriedade coletiva e nessa escala, é capaz de garantir
a todos, o direito de realizar cultivos pequenos e diversificados para subsistência e
renda. De acordo com Leite (2010), a invisibilidade sofrida pelos grupos rurais
negros no Brasil os expõe a uma forma de violência simbólica e constituem a
expressão máxima da ordem jurídica hegemônica.

73
Figura 15 – Área e limites do território quilombola Salamina Putumuju (conforme solicitado no Relatório de Identificação e delimitação) –
Elaborado com base em INCRA (2005).

74
Os vários contextos das atividades produtivas
Bases Conflitivas

Os conflitos envolvendo a comunidade da Salamina compreendem


desde questões de abrangência local, como acesso a recursos naturais, até
problemas envolvendo impactos provocados por grandes empreendimentos que
atingem também outras comunidades situadas às margens do lagamar do Iguape.
Uma vez que já foi elaborado um relato histórico que envolveu
situações conflitivas vivenciadas pela comunidade da Salamina ao longo do
tempo, neste item serão tratados apenas os conflitos atualmente vividos pelos
extrativistas que se relacionam de algum modo com a pesca e extrativismo
vegetal, incluindo tanto aqueles em estado latente, quanto aqueles que são
manifestos (LITTLE, 2004). Em certos casos, entretanto, será necessário
contextualizar historicamente a situação, abordando “momentos em que o conflito
fica muito “quente” e depois perde sua visibilidade, para posteriormente
“esquentar” de novo” (LITTLE, 2004).
Optou-se por tratar neste tópico os conflitos de origem exógena,
separando-os daqueles que envolvem questões de territorialidade na pesca que
por sua vez serão tratados dentro da conexão pessoa-pessoa. Nesse sentido,
quatro conflitos principais vivenciados pela população local serão abordados, três
deles estão associados à instalação e operação de grandes empreendimentos
com alto potencial de impactos nas atividades pesqueiras (figura 19).
 Impactos ambientais percebidos em decorrência da
operação da Usina Hidrelétrica (UHE) Pedra do Cavalo;
 Impactos ambientais percebidos com relação à
operação do Canteiro de São Roque, operado pela Petrobrás para
reparação de navios e plataformas de petróleo;
 Implantação do Estaleiro Enseada do Paraguaçu,
empreendimento que está se estabelecendo nas proximidades da foz

75
do rio Paraguaçu, realizada através do consórcio Odebrecht, OAS e
UCT engenharia;
O quarto conflito, decorrente da presença de fazendeiros na localidade,
incide de forma mais direta no extrativismo vegetal.

76
Figura 19 - Localização dos empreendimentos geradores de grande impacto na Baía do Iguape

77
78
Usina Hidrelétrica Pedra do Cavalo

“...Tem a usina porque aquela água véa que fica


na turbina, prejudica."

As barragens estão dentre as atividades humanas capazes de gerar os


efeitos mais pronunciados no comportamento dos rios (GENZ, 2006). A instalação
desses empreendimentos provoca alteração no sistema natural dos estuários
considerando que o regime de liberação de água e sedimentos é profundamente
alterado produzindo efeitos na forma de mistura e circulação de água no ambiente
(GENZ, 2006).
A Barragem de Pedra do Cavalo foi fundada no ano de 1982 com a
finalidade de controlar o nível do rio Paraguaçu a jusante evitando as cheias que
atingiam anualmente as cidades de Cachoeira e São Félix (PROST, 2007b). Além
disso, desde seu projeto, previa a captação de água para abastecimento urbano
da capital do estado e também de outras cidades situadas nas suas proximidades
(GENZ, 2006). Com a construção da barragem, uma área de mais de 53.650
quilômetros quadrados foi drenada, abrangendo 10 municípios (SRH-INGÁ, 1996).
A atuação da Pedra do Cavalo na produção de energia iniciou-se em
2005. A partir de então, a vazão de água começou a ocorrer sem regularidade, o
que promoveu alterações ainda maiores na dinâmica do estuário a jusante. De
acordo com Genz (2006), a geração de energia trabalha em geral com variações
diárias, podendo provocar grandes flutuações de descarga hídrica segundo regras
e limitações operacionais da usina. O autor afirma ainda que o baixo curso de rio
Paraguaçu e a Baía do Iguape são as áreas mais sensíveis à variação da vazão
da hidrelétrica.
PROST (2007a) investigou a percepção de pescadores da Baía do
Iguape a repeito do impacto provocado pela Usina Hidrelétrica (UHE) Pedra do
Cavalo e concluiu que os extrativistas percebem o empreendimento como principal
fator responsável pela diminuição dos estoques pesqueiros. De acordo com a
autora, pescadores mais idosos afirmam que a construção da barragem trouxe
79
consequências como a diminuição considerável de espécies anteriormente
abundantes e até desaparecimento de outras tais como a pititinga, a tainha ou o
cabeçudo. Esses resultados são idênticos àqueles obtidos nas entrevistas
realizadas na Salamina. No entendimento dos extrativistas, a operação da
hidrelétrica produz o maior impacto negativo sofrido pelas atividades pesqueiras e
se constitui no principal responsável pela diminuição dos estoques. Para os
entrevistados, a água doce liberada pela Usina afugenta peixes, camarões e
caranguejos e mata mariscos sésseis como a ostra e o sururu.

"Com certeza essa barragem aqui Pedra do


Cavalo, ela é prejudicial aqui no rio porque depois que essa
barragem, ela foi instalada aí em cima, a questão dos
marisco diminuiu. Houve uma grande mortandade de marisco
como sururu, caranguejo, ostra devido muita água doce que
sortava aí. E até hoje tem sido prejudicial na verdade, essa
barragem aí pra a questão dos recursos. E é um dos fator
principal, no meu ponto de vista, para a questão da escassez
dos pescado aqui no rio, é a barragem Pedra do Cavalo."
"O sururu mesmo com água doce ele morre tudo.
Ostra... Essa água doce aí teve uma ocasião que matou os
sururu tudo. Você ia na maré só via era o fedor. E as ostra
tudo morta porque da água doce porque foi muita água.
Quando morre os marisco aí a pessoa tem que passar sem
ele. Vai não traz, e escolhendo o que tá bom, porque eles
abre tudo."

De acordo com informações obtidas nas entrevistas, o camarão-


vermelho também denominado localmente como camarão-mouro, importante
recurso pesqueiro para extrativistas da Salamina, praticamente sumiu da região
em razão da vazão de água doce no estuário provocada pela operação da
hidrelétrica.

"A água doce aí acabou com peixe. A água doce


que eles sorta aí. Por exemplo assim até o camarão mesmo,
quando tem muita água, ninguém vê. A água fica doce, cheia
de baronesa, você bota a rede aqui pra ela subir, ela vai cá

80
na casa de Cristóvão (desce). A água doce o mar fica todo...
Esse massambê, com a água doce ninguém encontra ele
aqui."

Genz (2006) afirma que a comunidade biológica do canal de jusante é


de fato, muito afetada. Isso se deve tanto às características da água que é
lançada pelas turbinas quanto pela mistura provocada pela vazão. A variação de
salinidade é outro fator com efeitos nocivos evidentes sobre a fauna e flora
estuarinas. Os pescadores percebem o surgimento de plantas aquáticas
denominas de baronesas, além do próprio movimento da água, como indicadores
da vazão da barragem.

“Ela (a água proveniente da usina) traz um tipo de


mato por nome baronesa pra dentro do rio. E a Pedra do
Cavalo é água doce aí se mistura água doce com água
salgada aí faz aquele processo que os marisco acaba se
afugentando. A baronesa fica aí pelas costa do mangue, por
cima do mato, bem descendo aí faz esse processos de
mistura de água doce com água salgada e os marisco
começa a se afugentar."

Os extrativistas afirmam que quando não havia barragem, as enchentes


afugentavam os peixe e mariscos, entretanto, quando o nível do rio voltava ao
normal, a quantidade de pescado aumentava. Após a operação da UHE, a
diminuição do pescado é constante, o que prejudica sobremaneira o extrativismo
pesqueiro não apenas na Salamina, como em toda a Baía do Iguape.

"Rapaz até agora de cá não sei não mas esse


negócio aqui de cima quando decia água doce às vez era
melhor (quando não tinha barragem) porque quando decia
água doce parava a pescaria mas com poucos dia a pescaria
drobava (dobrava). Porque quando decia aquele enxorro,
quando o enxorro assentava, dava muita pescaria aí dentro.
E agora me parece que a pescaria só tá indo cada vez
piorando."

81
As falas dos extrativistas denotam que se existe algum tipo de
monitoramento ambiental ou controle de vazão da UHE Pedra do Cavalo em razão
dos efeitos prejudiciais à pesca, estes são ineficientes. Pode-se afirmar inclusive
que a própria fiscalização de cumprimento das obrigações legais do
empreendimento não é realizada com o devido rigor pelos órgãos competentes. O
problema ficou patente no período que a UHE operou com licenciamento
ambiental vencido (ano de 2009), o que fez com que o conflito “esquentasse” e se
manifestasse nos espaços do Conselho da Resex. A questão provocou longas
discussões no Conselho Deliberativo da Resex e gerou inclusive uma intervenção
do Ministério Público Federal (MPF) para cobrar que o Instituto do Meio Ambiente
da Bahia (IMA), então órgão ambiental do governo do estado, incluísse os
extrativistas na discussão do processo de licenciamento.

"(O que prejudicou a ostra?) É essa barrage


quando solta água, água doce. Essa água doce quando
desce aí. Que agora eles dizem que sorta o mínimo, mas
dizem que solta o mínimo e solta o máximo, que é pra
enrolar a gente. Ai quando desce essa água doce, acaba
com tudo aí. Não tem marisco que guente! Morre sururu,
morre ostra, morre tudo aí. Quer dizer, como é que a gente
vai sobreviver na vida com esse prejuízo que nós tamos
tendo? É isso que eu tô te dizendo, você tá gravando e isso
tem que sair em algum órgão. Que nós tamo sendo
projudicado."

Várias manifestações de extrativistas ocorreram nesse momento,


incluindo ocupação das instalações IMA por comunidades tradicionais do
Recôncavo que incluía na sua pauta de revindicação, providências quanto aos
impactos provocados pela operação da Pedra do Cavalo. Seis meses depois da
intervenção do MPF, o IMA realizou uma série de oficinas para discutir o
licenciamento da UHE Pedra do Cavalo com vistas a cumprir a formalidade. Isso
não representou de fato, uma consulta à população atingida. O processo de
licenciamento ainda não foi finalizado.

82
Atualmente, o Conselho da Resex demandou a formação de um Grupo
de Trabalho de Monitoramento da Qualidade Ambiental na RESEX Baía de Iguape
com o objetivo de formar um grupo técnico (pesquisadores e agentes públicos) e
empírico (representantes pescadores) para propor parâmetros de monitoramento
ambiental para a RESEX Baía de Iguape. Esta ação pode contribuir com a
melhoria das condições ambientais da Baía do Iguape, entretanto nada
representará se não forem garantidos mecanismos de fiscalização e punição em
caso de descumprimento das normas que já estão estabelecidas.
Canteiro de São Roque

O canteiro de Obras de São Roque (figura 20), operado pela Petrobrás,


situa-se na parte sul da Baía do Iguape nas proximidades da foz do Rio
Paraguaçu. As informações localizadas na literatura a respeito desse
empreendimento são bastante escassas. Sabe-se, no entanto, que a sua
implantação ocorreu por volta da década de 1950 e que segundo PEDRÃO
(2007), o “porto de São Roque” teria sido desativado no ano de 1967. Na ocasião
da criação da Resex, o empreendimento não mais operava. As atividades do
empreendimento foram retomadas, mas não foram localizadas informações sobre
quando ocorreu a reativação. Atualmente o canteiro de obras possui licença para
operar na recuperação de embarcações e plataformas.
Parte dos extrativistas não atribui grandes impactos à operação do
Canteiro de obras de São Roque, outros afirmam que o empreendimento é
responsável por alguns derramamentos de óleo que prejudicam, sobretudo a
fauna do estuário. Sempre que os extrativistas mencionam a operação do Canteiro
de São Roque, eles manifestam preocupação com a instalação de outros
estaleiros na região.

"Agora não tá fazendo diferença não, por


enquanto não, mas quando montar o estaleiro aí vai
prejudicar nós.”

83
"Esse daí (canteiro de São Roque) por enquanto
ele tá passando ainda aí se fizer esse aí de grande porte aí
vai complicar tudo a gente."
“... agora me parece que a pescaria só tá indo
cada vez piorando. É eu não sei se é por causa desses
estaleiro aqui embaixo, deve ser. Que agora depois desses
estaleiro pescaria também aí só tá diminuindo de tudo a tudo.
A quantidade que era tá diminuindo."

Figura 2016 – Canteiro de Obras de São Roque a partir do Rio Paraguaçu

84
Estaleiro Paraguaçu

O governo do estado da Bahia começou a veicular no ano de 2008 a


informação de que se pretendia instalar um Pólo Industrial Naval em área que até
então compunha a Reserva Extrativista Baía do Iguape. Diante da
incompatibilidade de convivência entre atividades extrativistas e industriais na
localidade, inclusive no âmbito legal, o governo federal alterou os limites da Resex
através de uma medida provisória (MP 462) excluindo a porção de interesse direto
com instalações físicas e equipamentos do empreendimento da Reserva
Extrativista Baía do Iguape.
Os extrativistas e o próprio Conselho Deliberativo da Resex foram
ignorados nesse processo, sendo apenas informados do novo dimensionamento
da unidade (COMISSÃO PRÓ-IGUAPE, 2010). O conflito tornou-se manifesto a
partir de então. O assunto foi divulgado em diversos meios de comunicação,
extrativistas de todas as Resex do Estado da Bahia se reuniram em Maragogipe e
se manifestaram favoravelmente aos beneficiários locais (figura 21). Foram
encaminhadas representações junto aos Ministérios Públicos Estadual e Federal
questionando a legalidade do processo de alteração dos limites da Resex.

Figura 21 – Faixa de manifestação contra a instalação do Estaleiro Paraguaçu durante o II


Encontro das Reservas Extrativistas do estado da Bahia, Maragogipe, 2009.

85
Através do Pólo Naval, o Governo do Estado da Bahia pretendia instalar
três estaleiros na região da extremidade sul da Baía do Iguape, próximo à
comunidade de Enseada do Paraguaçu. Afirma-se que em consequência da
mobilização de extrativistas e ambientalistas, o governo e as empreiteiras optaram
por instalar um único estaleiro na localidade. A medida não foi suficiente para
minimizar o conflito, entretanto, a desproporcionalidade das forças envolvidas
conferiu vitória ao estado e às empreiteiras. Atualmente, o empreendimento está
sendo implantado e hectares de manguezal e mata nativa já foram suprimidos.
Certamente o maior fator de impacto do Estaleiro Enseada do
Paraguaçu foi ocasionado pela dragagem de sedimentos. Os extrativistas
relataram que o pescado desapareceu da região por três meses em decorrência
da dragagem. Além disso, a dinâmica do impacto favoreceu a proliferação de uma
espécie de macroalga no estuário a que os nativos chamam de coentro. No
entendimento dos entrevistados, o estaleiro trouxe e trará grande prejuízo às
atividades pesqueiras. Muitos temem que as atividades portuárias cheguem mais
próximas à comunidade da Salamina e acreditam que a titulação das terras não
tenha ocorrido ainda devido a este tipo de especulação.

"Esse estaleiro que vai aí, o povo tá brigando pra


não fazer, porque se fizer vai prejudicar por aqui tudo. Esse
povo brigou aí, fez um bocado de reunião por causa disso
pra combater mas o governo aceitou o primeiro a assinar pra
fazer. E o povo ainda tá lutando pra ver se impede mas eu
acho que não vai impedir não porque é um negócio que o
governo já liberou. Agora se fizer esse estaleiro aí, pronto:
acabou a pescaria. Acabou mesmo."
"... tão destruindo o nosso lazer! Porque isso aqui
é um lazer nosso! Agora vem uma Petrobrás mundial pra
destruir! A senhora acha que isso pode existir? É uma
destruição porque é dinheiro, petróleo... Gasolina de não sei
quanto, por quê? Porque a Petrobrás que é rica! Que manda!
A borra é que vem pra a gente aqui, é a borra que a gente
usamos aqui. Aí o que acontece? Só tá destruindo o nosso
lazer."

86
"O que eu acho, meu ponto de vista, eu acho
mesmo que a Petrobrás tá com os olho aberto aqui. Porque é
uma coisa muito próximo ao mar. É um premisso medonho.
E esses empreendimento... Por isso que esse título de terra
não saiu até agora porque eles tem os olho aqui (...) Aí bota
os sentinela aí e ninguém passa mais. É esse o plano da
Petrobrás é esse. Aí o que é que eles diz: vão embora,
desocupa! Ou então vão morar longe, lá fora. Porque a
Petrobrás tem interesse é nos porto, lembra? É a frente
marítma.”

O que se percebe em todo o processo que favoreceu a redefinição dos


limites da Resex, seguidos do licenciamento das obras e posterior instalação e
operação do Estaleiro Enseada do Paraguaçu é privatização da natureza em
terras da União. Além disso, é patente que os objetivos da política
desenvolvimentista dos governos, se utiliza de manobras de fluidez legislativa
capaz de legalizar um processo que desde o princípio ignorou a tramitação
prevista na legislação. Todos esses aspectos vêm a corroborar a política de
estado vigente, onde o interesse do capital privado é privilegiado em detrimento da
sobrevivência de comunidades como a Salamina.

87
88
Conflitos com fazendeiros

A Salamina, assim como as demais comunidades extrativistas da Baía


do Iguape está imersa em diversos conflitos exógenos de diferentes naturezas.
Entretanto, apenas os conflitos com fazendeiros que ainda possuem propriedades
de terra no local, incidem de forma direta sobre o extrativismo vegetal. Tal como
diagnosticado por Paré et al (2007) em comunidades quilombolas de Goiás, a
população da Salamina não mantém outras relações com os fazendeiros além
daquelas que envolvem conflito. Madeireiros, garimpeiros e fazendeiros são
considerados por Alexandre (2002a; 2002b) como principais agentes de conflito
com populações tradicionais.
A divisão das terras ocorridas no início do Tempo de Tânia trouxe
consequências com as quais os extrativistas têm que conviver atualmente. De
acordo com o INCRA (2006) a área da comunidade inclui:

“Terrenos na marinha, área remanescente da


Fazenda Salamina de propriedade Espólio de Rosalvo
Ribeiro Sánches Júnior, Fazenda Eleonora de propriedade
do Sr. Eduardo Raimundo Neiva Lordelo, Fazenda Santa
Maria de propriedade do Sr. Eduardo Raimundo Neiva
Lordelo, Fazenda Salamina de propriedade da Sra. Tânia
Maria Martinez Sanches, Sítio Jaqueira de propriedade do
Sr. Paulo Roberto Guerra Armede e Terras de Dação em
pagamento do Sr. Eládio Ferreira Borges.”

Sete anos mais tarde, o INCRA desapropriou e concedeu aos


quilombolas da Salamina a posse das terras que pertenciam a Eduardo Lordelo e
Eládio Borges. Para que todo o território requerido seja titulado, ainda são
necessárias outras desapropriações, de forma que fazendeiros que adquiriram
propriedades da antiga fazenda Salamina ainda ocupam parte essas áreas.
Apesar do INCRA (2006) reconhecer todas as propriedades listadas
acima, os extrativistas se referem apenas a três fazendas de propriedade privada

89
no território quilombola: Mutuca, Jaqueira e Gouveia. Desta, apenas o Gouveia foi
desapropriada.

"Os donos de fazenda são três. O da (fazenda)


Jaqueira, o da (fazenda) Mutuca e Ricardo Ribeiro, que é do
Gouveia. Tinha problema, mas agora quetou. Ele queria que
desfizesse esse negócio de quilombo. Ele ficou muito
enraivado porque também o governo não pagou as terra
ainda e ficou nessa pendência. A gente pegava as piaçaba
perto da casa dele e ele ficava enraivado. Ficou com umas
ameaças aí, a promotora daí deu muitos carão nele. Ele
tomou um sabão bom da promotora daí."

O conflito mais frequentemente relatado envolvendo fazendeiros na


localidade ocorreu por volta do ano de 2010 com o proprietário da fazenda
Mutuca. De acordo com os extrativistas, ele teria mandado envenenar cerca de
cinco mil pindobeiras para afastar os extrativistas de piaçava da sua propriedade.
Alguns afirmam que a mortandade de pindobas acabou com uma das melhores
áreas de extrativismo.

"Doutor Elísio, a média de cinco mil pindobeira ele


envenenou e matou devido o povo tá tirando. E é uma região
que, como eu tô dizendo, sempre foi um lugar onde a gente
trabalhou, onde sempre o pessoal extraiu a piaçaba, sempre
foi um lugar onde o pessoal trabalhou e criou os recurso pra
sustentar sua família e esse fazendeiro doutor Elísio
envenenou as pindoba devido o pessoal tá tirando, tá
entrando e tirando ele envenenou e matou cerca de cinco mil
pindobeira. E era um dos melhores matos que a gente tinha
aqui, ele fez isso com as pindoba. Essas pindoba foi excluída
do mapa, não existe."

A propriedade foi cercada pelo fazendeiro e pessoas armadas teriam


sido espalhadas pela mata para impedir o acesso dos extrativistas. Alguns
entrevistados relatam ter ouvido tiros enquanto extraíam piaçava. Mesmo diante
das ameaças, parte dos extrativistas continuou a frequentar a fazenda Mutuca

90
para coletar o recurso, alegando que aquela era uma área historicamente utilizada
com essa finalidade. Os extrativistas registraram queixas contra o fazendeiro
perante a polícia e o ICMBio.

"O dono que comprou cercou tudo, aí os


trabalhador continuou tirando piaçaba, sabe? Ele aí botou
corretor no mato, depois botou remédio pra matar as
pindobeira dele, dizendo ele que era dele. As terra daqui,
sabe? Só que ele comprou, cercou e botou remédio pra
matar as pindobeira. Aí matou um monte! Só vendo quantas
pindobeira ele matou... Que era pros trabalhador daqui não
tirar. Hoje ele parou de colocar remédio. Os corretor do mato,
acho que não tá indo mais. (As pessoas ainda tiram piaçaba
lá?) Os pessoal tão tirando ainda, tá entendendo? Mas ele
botou pistoleiro pra correr os mato pra quem tirasse ele
matar, mas depois disso acabou. Os pessoal denunciaram
aí."
“Logo quando comprou ele cercou tudo, mas
mesmo assim o pessoal não respeitou porque é uma área
que a gente sempre trabalhou, era uma área que nossos
antepassado trabalhava há séculos, há décadas, e a gente
cresceu trabalhando ali, tendo aquilo como nosso. Depois
que foi vendido ele cercou, mesmo assim o pessoal
continuou trabalhando. “

Os extrativistas relataram também o aprisionamento de animais por


parte do fazendeiro, como possível retaliação ao que ele considerou invasão das
terras.

“... e uma certa vez o rapaz foi trabalhar lá, deixou


o animal à beira da margem da cerca e o empregado com
autorização do dono, pegou o animal e levou pra porta da
casa lá onde eles ficava. Houve dificuldade porque eles não
queria deixar a gente trazer o animal, teve que acionar a
polícia em Maragogipe, outros órgãos de Maragogipe pra
poder liberar esse animal. Esse foi um dos conflito que houve
aqui, foi esse."

91
Após interferência policial, a tensão foi minimizada e os extrativistas
continuaram a utilizar a área para extrativismo, explotando as palmeiras que
restaram. Com base nos dados levantados através das entrevistas, pode-se
afirmar que o conflito se encontra atualmente em estado latente. Os entrevistados
afirmam que problemas dessa natureza não voltaram a acontecer.

(Problemas com donos de fazenda?) "Da Mutuca


já que os menino que trabalha aí no mato já viu tiro dentro do
mato. Era um policial que vinha praí. Muitos deles já correu
muitas vezes no mato. Agora de novo não, esses tempo
agora parou, não houve mais nada não."

Embora mal sucedida, a estratégia do fazendeiro buscava exercer o


que Marques (2001) chamou de privatização da natureza, neste caso particular
buscando evitar uma relação interativa homem-planta representada pela
apropriação de produtos da fotossíntese. Outras estratégias foram empregadas
por outros fazendeiros para evitar a perda da fazenda. De acordo com uma
liderança da comunidade, um fazendeiro o procurou com intenção de oferecer a
construção da sede da comunidade em troca da permanência da sua propriedade
no território quilombola. O entrevistado teria negado a proposta.

"Eu conversei com o advogado de Dr. Hélio


(fazendeiro), o advogado dele lá conversando comigo se a
gente não podia se unir com Dr.Hélio, não sei o quê,
conversar com ele, pra ele acabar de fazer nossa
associação, ajeitar o quê, isso aquilo, o que a gente
precisasse... Eu disse: não! Nós tá querendo tirar os
forasteiro! Ele disse: Mas assim mesmo converse com o
povo lá, pra se reunir... Eu disse: Não, tem conversa não."

A recente titulação de parte das terras do quilombo evidentemente


representa um grande avanço para a consolidação do território da comunidade da
Salamina. Entretanto, é importante mencionar que as terras em que se os conflitos

92
se manifestaram de forma mais clara e violenta ainda não foram desapropriadas, o
que ainda confere um estado de vulnerabilidade à comunidade local.

93
94
Bases Emotivas

A pesca é compreendida como trabalho pela população da Salamina,


entretanto, envolve um lazer implícito. Há uma notória satisfação no exercício da
pesca demonstrada na maior parte das entrevistas e visualizada nas observações
diretas. A atividade localmente representa, portanto, simultaneamente, trabalho e
diversão. Essa percepção do trabalho se aproxima, mas não é totalmente similar
àquela encontrada por Marques (2005) entre os brejeiros maritubanos, para os
quais pesca e trabalho significavam coisas diferentes.

“A vida de pescador eu acho divertido. É


trabalhoso, mas ao mesmo tempo é divertido."
"Rapaz é uma coisa divertida! Meu padrasto, se
ele pudesse, ele não saía de cima do mar. Eu gosto sim!
Pescaria, eu adoro!"

Os entrevistados reconhecem o desgaste físico implícito no exercício da


pesca, entretanto, apesar disso, consideram-na como uma atividade lúdica.
Alguns deles afirmam ter recusado propostas de emprego para continuar atuando
como pescadores. Tal afirmação é representativa de que em muitos casos a vida
de pescador não é mantida por ocasião de falta de oportunidades de emprego e
sim por escolha e satisfação pessoal.

"Eu acho uma maravilha porque eu gosto de


pescar. É uma arte que eu escolhi, eu largo todas as arte, já
achei emprego, já achei curso de não sei o quê e eu não
quero nada. Só quero ficar na pescaria. Porque é uma coisa
que eu gosto de fazer. E a pessoa fazer uma coisa que gosta
é bom. Eu me sinto feliz pescano. Mas me sinto feliz
mesmo!"

Tal ponderação é particularmente importante por estarem esses


pescadores inseridos em um contexto onde a industrialização crescente ameaça o
seu modo de vida e a integridade dos ecossistemas locais. Em suma, posições

95
como esta contrariam o discurso pró-desenvolvimentista recorrente que busca
converter populações locais em mão de obra assalariada nos empreendimentos
de infraestrutura que se espalham nas proximidades de terras ocupadas por
populações tradicionais.

"Do meu trabalho eu gosto. Gosto da vida. Eu


quero dizer que gosto e prefiro ficar. Mesmo ganhando esse
pouco. Pra eu ir pra fora trabalhar em Petrobrás ganhar dois
mil, três mil? Isso aí não tá na minha agenda não. Eu prefiro
ficar tendo esse pouquinho. É uma prova que eu não tenho
desgosto, eu tenho prazer. Desgosto é os governo que não
faz assim por onde. Eles conversa mais do que o que faz."

Além do aspecto de diversão e aventura contido na pescaria, a


satisfação dos trabalhadores do mar se dá também pela qualidade de vida
associada à atividade. Os entrevistados se referem à qualidade do pescado, da
alimentação e também da pureza do ar local como os bons atributos da Salamina.
Associado a isso, existe o meme de que o “na maré só morre de fome quem é
preguiçoso”, em referência à abundância de recursos alimentares nestas
localidades.

"A vida de pescador é uma vida boa, no sentido de


saúde... É esforçado? É. O cara paga um preço? É. Ganha
pouco? Ganha. Mas o pouco continuado com saúde
recebendo esse ar, esse oxigênio aqui, não tem coisa melhor
não. Melhor do que você tá numa fábrica recebendo aquele
ar... Eu gostaria de hoje ter um trabalho, ter um emprego pra
poder avançar, ter as minhas coisa que eu quero ter, seria
bom, ótimo. Mas quando eu penso em ficar numa firma o dia
todo de capacete, com aqueles macacão. Tá doido, véi!
Misericórdia! Eu não sei que eu acostumo não! "
"Eu acho uma coisa maravilhosa ser pescador. Só
de ficar em cima do mar comendo essas moqueca de peixe
natural, misericórdia! É pior assim quando a gente vai que
não acha nada. Mas é bem difícil a gente ir no mar e não
achar nada. Ainda não chegou esse dia ainda pra eu vê uma
pessoa ir no mar com a rede, pescar numa beirada, num

96
pegar uma tainha, num pegar o camarão, não pegar uma
comida. Nem que seja pra uma família. Isso é uma bênção,
uma coisa de Deus mesmo. Maravilha!"

Alguns dos entrevistados temem a ação das indústrias na região e o


consequente aumento dos efeitos negativos sobre a pesca. Parte dos extrativistas
se preocupa, sobretudo com sobrevivência das próximas gerações, em razão de
vislumbrarem um cenário de mudanças com implicações diretas sobre o seu modo
de vida.

"Como eu tô dizendo, nós acha bom onde nós


mora. Nós não tem desgosto, nós tem prazer. Agora nós
tamo já tremendo as perna devido as coisa que vem
acontecendo e nossos filho crescendo. Não tinha essas
empresa agora tá tendo perto da gente. E sempre a corda
quebra do lado mais fraco.

Dentre as emoções percebidas nas falas dos entrevistados, pode-se


dizer que muitas delas se manifestam no apego ao lugar e também no processo
de luta pela conquista de direitos. Cabe ressaltar que muitos extrativistas atuam
como representantes da comunidade nos diversos espaços, o que os distingue
pela atuação política em defesa dos direitos da população local.

97
98
Etnoecologia Abrangente da Pesca do Camarão

Bases Cognitivas

"O pescador tem que ser sabido, né?"


Hidrodinâmica

“Todas pescaria tem seu tempo certo. Tudo tem que ter conhecimento."

As marés constituem o principal fator abiótico com influência sobre o


desempenho das atividades de pesca e mariscagem em áreas de manguezais
(NISHIDA, 2000; SOUTO, 2004). Sendo assim, a compressão dos fenômenos
hidrodinâmicos é imprescindível para a realização das atividades pesqueiras na
Salamina. Ao longo do tempo, os pescadores locais acumularam um vasto
conhecimento a respeito dos fenômenos das marés o que gerou um sofisticado
corpo de conhecimento a respeito da dinâmica das águas.
Localmente, as marés são classificadas genericamente em marés
grandes e marés pequenas. Os correspondentes acadêmicos para esta
classificação são respectivamente marés de sizígia, que se caracterizam por
preamares15 muito altas e baixa-mares muito baixas, e quadratura, que produzem
preamares mais baixas e baixa-mares mais altas. O efeito prático desse fenômeno
é, portanto, uma maior amplitude de maré no período das luas nova e cheia, e
menor nas luas crescente e minguante.
Na transição da maré pequena para a maré grande, o nível da água
aumenta gradativamente a cada pico de maré alta e à medida que isso ocorre, a
água avança em direção ao continente. Êmicamente, cada preamar que ocorre no
período em que a maré está crescendo ou começa a puxar corresponde a um
lançamento. Esse movimento ocorre até a maré alcançar o nível mais alto, o que é
15
É relevante mencionar que os significados êmico e ético para a palavra preamar são distintos. A
oceanografia considera preamar como sinônimo de maré alta ou maré cheia, enquanto para os pescadores
locais preamar é o período em que a maré está enchendo.

99
denominado localmente de cabeça d’água e coincide com o primeiro dia das luas
nova e cheia. O período de crescimento da maré inclui, portanto, uma série de
lançamentos que ocorrem a cada preamar. O nível máximo de maré se repete
depois da cabeça d’água segundo os pescadores e a esse acontecimento eles
denominam de maré igual.

"Quando a lua é crescente, a maré cresceu.


Porque tem pequena água que é quando a maré baixa 9:45h.
No outro dia ela vai ser igual, não bota nada. Aí depois no
primeiro lançamento ela já cresce um pouquinho."

Tendo o nível da água chegado ao seu ponto máximo (cabeça d’água),


a maré tende a recuar a níveis cada vez mais baixos. Nesse período, de acordo
com pescadores, a maré começa a quebrar, num processo contrário ao
lançamento. Sucessivas quebras ocorrem até que a água chegue ao seu nível
mínimo e, devido à pequena amplitude observada entre a preamar e a baixa-mar,
a maré praticamente não enche e não vaza. Localmente, denomina-se essa maré
como mais pequena água, que coincide com o dia das luas crescente e
minguante. Assim como ocorre na cabeça d’água, o nível mínimo da maré
também se repete depois da mais pequena água e a isso os pescadores também
chamam de maré igual. Depois de chegar ao nível mínimo, a maré volta a lançar
ou puxar dando andamento ao ciclo (figuras 22 e 23).
As terminologias mais pequena água e cabeça d’água são idênticas
àquelas registradas por Cordell (1974) entre pescadores da região de Valença,
baixo sul baiano. Souto (2004) encontrou classificação parecida entre pescadores
de outra comunidade do Recôncavo Baiano, entretanto, neste caso, os
pescadores identificavam 6 lançamentos e 6 quebramentos de maré, um a cada
dia. Na compreensão de pescadores da Salamina, os lançamentos e as quebras
ocorrem a cada preamar.
A pesca de camarão ocorre majoritariamente nas marés pequenas e
isso se deve basicamente à velocidade das águas nas marés grandes que

100
arrastam a rede com muita rapidez e não há tempo suficiente para a captura do
camarão (“A rede não tem tempo de mariscar”) e ao consequente maior esforço
necessário para remar a canoa. Durante os períodos inapropriados para a pesca
de camarão, algumas pessoas passam a praticar a pesca com anzol (pesca de
linha).

Figura 22 – Ilustração do ciclo hidrodinâmico segundo as luas na percepção êmica

"Maré grande pesca, mas o pau (esforço) é muito


porque devido a força do vento e da maré a gente não
guenta remar a canoa. Do segundo até o terceiro lançamento
até mais pequena água é que pesca camarão. É quando a
maré vai 9:45 a gente pesca porque a maré não corre muito,
tá parada."
101
"É porque é o seguinte: quando a maré tá grande
demais, a gente não pode jogar a rede porque a maré
quando tá grande, ela corre demais. A gente perde a rede.
Perder a rede quer dizer: lasca, pau... As canoa não tem
condição de suportar o mar, que venta demais, aí você
começa a pescar na maré pequena. A pescaria no mínimo é
oito dia por maré, sete, oito dia. Os teimoso é que pesca oito
dia. Aí a gente pesca por maré.

Alguns pescadores consideram que o camarão adentra a Baía do


Iguape durante as marés de lançamento e à medida que ocorrem os lançamentos,
o recurso se desloca rio acima. Esse é um dos motivos adicionais para não
realizar a pesca em marés grandes, uma vez que o recurso já se afastou dos
sítios de pesca utilizados pelos pescadores locais, o que implicaria em esforço
adicional de deslocamento para encontrar o recurso, a menos que o pescador
utilize uma canoa a motor.

“Na maré grande eu mesmo aqui a pesca de


camarão fica longe. Maré pequena o camarão vem pra perto
de mim e na maré grande ele vai pro lado de Maragogipe.
Fica mais longe. Agora de vez em quando eu tô indo porque
eu comprei um motorzinho, mas no remo não dá."

O sistema de classificação hidrodinâmica local compreende ainda


variações diárias no regime de marés. Os pescadores nomeiam o momento da
transição das marés cheia para vazante como preamar, enquanto a transição da
maré vazante para cheia recebe o nome de reponta. Este último é o momento do
dia mais adequado para a captura do camarão. Similarmente, Montenegro et al
(2001) encontraram a denominação riponta significando a chegada das primeiras
águas da maré. Há ainda na Salamina a denominação meia-enchente quando a
maré está enchendo e meia-vazante para quando está vazando.
"Reponta é quando ela vai encher. É bom pra
pescar. Ela vai quatro hora aí reponta dez hora. São seis
hora quando ela tá grande, ela vaza seis hora e quando ela
vai quebrano, cinco hora ela vaza."

102
Figura 23 – Figura ilustrando o comportamento das marés de quebra (acima) e de lançamento
(abaixo) de acordo com a percepção êmica

103
O fenômeno hidrodinâmico é detalhadamente compreendido pelos
pescadores locais e inclui tanto variações mensais, compreendidas considerando
os ciclos lunares, quanto enfoca aspectos de variação diária. Pode-se dizer,
portanto, que o pescador local possui um sofisticado conhecimento a respeito da
dinâmica das águas que lhes é bastante útil para o desenvolvimento das
atividades pesqueiras.

104
Aspectos biológicos e ecológicos

De acordo com as entrevistas, dois específicos folk são explotados


localmente: camarão-branco e o camarão-mouro (também chamado de camarão-
moura e camarão-vermelho). Uma vez que não foi feita coleta de material
zoológico, não se tem convicção das espécies zoológicas que correspondem a
tais específicos. Entretanto, pode-se afirmar com alguma segurança, tomando por
base estudos anteriores, que o camarão-branco corresponde a Litopenaeus
schmitti e o camarão-mouro corresponde ao Fanfarpenaeus subtilis.
A observação dos pescadores locais quanto à reprodução do camarão
se baseia principalmente na observação da captura de fêmeas ovadas e
indivíduos muito jovens durante a pescaria. Os pescadores entrevistados afirmam
que o camarão se reproduz ao longo de todo o ano e os órgãos ambientais
estariam equivocados quanto ao período adequado para o defeso, período em que
a pesca do camarão fica proibida. De acordo com Santos et al (2007), o camarão-
branco apresenta desova contínua, com dois picos anuais de reprodução, o que
vem a corroborar a percepção dos pescadores.

"Eles, nas pesquisa deles, diz que o camarão é de


6 em 6 mês pra desovar mas não é não! Agora (janeiro) tá
desovando. Por que você sabe que tá desovando? Quer
dizer, eles lá estudou e disse que não desova. A gente
pesca, se quando a gente vai pescar a gente vê
camarãozinho desse tamanho (pequeno). Não tá
desovando? Tá desovando! Esse mês camarão tá
desovando, no mês de abril desova camarão.
"Nunca deixa de não produzir. É igual a mulher.
Tem gente que faz o filho no mês de agosto, outra já faz lá
pra setembro, outra no mês de dezembro. É isso aí. Agora
tem a capacidade de ser mais ou menos, eu acho que é
105
mais, tem os mês que produz mais. É igual a maternidade.
Tem mês que a maternidade tá assim, cheia de mulher pra
dar a luz. (Camarão) Mês de junho temos cria, muita cria,
julho temos cria constante, agosto, setembro também,
maio..."
"Eles dizem: ah, vai fechar a pesca porque vai
desovar o marisco. Toda maré que nós vai pescar tem
camarão pequenininho, chegar escapulir da rede, então
camarão desova em qualquer quadra. Toda vez que nós vai
pescar tem camarão pequenininho."

A compreensão dos reticulados tróficos na pesca tem sido considerada


por diversos autores como uma estratégia cultural útil à otimização do
comportamento do pescador enquanto predador (e.g. MARQUES, 2001; SOUTO,
2004; MARTINS et al, 2011). Desta forma, o conhecimento a respeito da dieta dos
diversos recursos pesqueiros é indispensável para a prática da pesca.
Os entrevistados enfatizam o caráter detritívoro e necrofágico da dieta
dos camarões. Dessa maneira, na concepção êmica, quatro itens compõem a
alimentação desses animais: o limo, que corresponde a uma camada de algas que
se deposita sobre o sedimento; lama que tal como definido por Souto (2004), se
refere a um sedimento escuro de pequena granulometria; sujeira que é a matéria
orgânica em decomposição; e animais mortos que porventura estejam no rio.
Neste último caso, tal como encontrado por outros autores (e.g. SOUTO, 2004;
SOUTO e MARQUES, 2009) é comum notar na fala dos entrevistados um
sentimento de repulsa diante do hábito necrofágico do camarão.

“(O camarão come) ... o que ele achar na frente,


de carniça a... Do bom ao podre. É limo. Se ele achar um
jegue morto aí dentro de uma beirada dessa aí, ah, meu
irmão, pode botar um cerco aí. Pense num bicho pra gostar
de coisa podre é o camarão. O bicho é muito nogento!"

106
"O camarão come lama, sujeira. Camarão se tiver
uma carniça dentro do mar que hoje em dia não existe, ele
cai matando. Cachorro podre...”

De acordo com Abertoni et al (2003), crustáceos decápoda de são


onívoros oportunistas, se alimentando principalmente de pequenos organismos
bênticos e matéria orgânica em decomposição. Os camarões de uma forma geral,
segundo Castro e Huber (2003), possuem hábito necrofágico alimentando-se
predominantemente de restos orgânicos dispersos no substrato, sendo por este
motivo, considerados também como animais depositívoros.
O conhecimento êmico a respeito da alimentação dos camarões se
assemelha àquele encontrado na literatura, uma vez que todos os itens citados
pelos pescadores como pertencentes à dieta dos camarões de fato constituem
material orgânico depositado sobre o substrato. Além disso, também na literatura
destaca-se o hábito necrofágico desses animais (e.g. CASTRO e HUBER, 2003;
LEITE e PEZUTO, 2012).
Na percepção êmica, os camarões de forma genérica são recursos
alimentares para várias espécies que habitam o ecossistema aquático local:
"Qualquer espécie de coisa que tiver na maré gosta do camarão”. A grande
diversidade de predadores de camarões e a preferência de muitos organismos
aquáticos por este item alimentar foi também identificada por Souto e Marques
(2009) no discurso de pescadores artesanais da comunidade de Acupe, também
situada no Recôncavo Baiano. O mesmo foi percebido por Clauzet et al (2005) em
duas comunidades pesqueiras no litoral do estado de São Paulo.
Dentre os entrevistados na Salamina, as interações tróficas envolvendo
os camarões e peixes parecem ser mais profundamente compreendidas. De
acordo com os entrevistados, os camarões não apenas estão inclusos na dieta
alimentar dos peixes, mas também constituem o item preferencial da alimentação
da maior parte deles: “Camarão é o melhor presunto assim pra todas marca de
peixe”. Dentre os peixes que se alimentam de camarão os mais citados forma o
robalo, a pescada, a corvina, a cutupanha, o bagre e o merete. Parte dos
107
entrevistados afirma que a pescada possui preferência por um dos tipos: o
camarão-moura.

“... agora pescada gosta mais do camarão moura,


o vermelho. A gente acha o camarão branco dentro dela, ela
come. Mas o camarão especial pra ela é o vermelho.”
“...você bota, vamos dizer, meia braça, que é pra
ele ficar no mei d'água que é pro robalo ver, mas ele tá vivo.
Você isca ele ali pela cabeça, não mata ele. Você tem que
pegar ele e botar num cofo dentro d'água ou botar água na
canoa pra ele não morrer, porque o robalo só pega ele vivo."

Souza e Barella (2001) compararam informações da literatura ictiológica


e conhecimento de uma comunidade caiçara do litoral paulista e encontraram
correspondência entre os conhecimentos êmico e ético relativos à predação de
camarões por peixes como robalo, bagre e tainha. Essas informações também
indicam a similaridade entre os conhecimentos dos pescadores da Salamina e
acadêmico no que se refere às interações tróficas envolvendo o camarão.
O fato do camarão ser identificado pelos pescadores como um recurso
alimentar utilizado por várias espécies de peixes, faz com que esta seja a principal
isca utilizada na pesca de linha. O tratamento dado à isca é diferenciado no caso
da pesca do robalo, em que o camarão precisa ser iscado ainda vivo.

"Coitado do camarão... Principalmente o robalo,


pescada como o camarão, sempre assim. Mas todos os
peixe eu acredito que come é tanto que pra pescar ele tem
que ter camarão, né? Como isca. Tudo a isca é eles."

De acordo com Marques (2005), os conhecimentos a respeito do local


de ocorrência dos recursos, interações tróficas e comportamentos leva a
adaptações comportamentais dos pescadores que passam inclusive a manipular
troficamente o recurso. Pode-se notar esse fenômeno de forma clara na pesca de
linha (anzol), que utiliza isca para atrair os peixes. Da compreensão adequada das
interações tróficas, neste caso, dependerá o sucesso do exercício da pesca.
108
Os pescadores investigam os fenômenos tróficos de diversas maneiras.
Percebe-se a alimentação dos organismos por seu comportamento durante a
pesca pela fauna acompanhante que aparece na rede: “Se você tiver correndo a
rede e aparecer um siri, vem qualquer coisa ali. Ou algum peixe, ou camarão vai
aparecer. Porque siri não guenta ver camarão". Infere-se a alimentação do peixe
ainda percebendo para o comportamento dos mesmos quando capturados, como
é o caso da pescada que segundo os pescadores “vomita” o camarão quando
capturada.

“...Quando a gente pega ela (pescada) na rede a


primeira coisa que ela vomita é o camarão vermelho."

O comportamento de regurgitação em peixes é comumente interpretado


por populações pesqueiras como vômito. Mourão e Nordi (2003) registraram a
observação dos pescadores do rio Mamanguape na Paraíba quanto ao
comportamento de eversão fisiológica estomacal dos meros, identificados pelos
nativos como vômito. Moura et al (2008), identificaram a etnocategoria “peixe que
vomita” na classificação de uma comunidade de pescadores ribeirinhos da região
da Chapada Diamantina no estado da Bahia.
Outra forma bastante usual de conhecer a dieta dos peixes é no
momento de evisceração que precede o preparo do alimento: “Nós vê quando vai
tratar (o peixe) também. Vê no bucho”. A importância da observação do conteúdo
estomacal durante o processamento do pescado para compreensão dos
reticulados tróficos já foi tratada por diversos autores de trabalhos em
etnoecologia da pesca (e.g. Marques, 1995; Costa-Neto 1998; Mourão, 2000;
Souza e Barella, 2001; Souto, 2004).

109
110
Distribuição espacial e temporal dos camarões: Etnohabitat e abundância

“Pescaria é uma coisa que ninguém se baseia. É aventura."

O conhecimento de pescadores artesanais em relação à distribuição


espacial e temporal dos recursos pesqueiros, bem como o reconhecimento dos
seus ciclos reprodutivos tem sido mencionados em diversos estudos de natureza
etnoecológica (e.g. MARQUES, 1991; 1995; 2001; SOUTO, 2004; MOURÃO e
NORDI, 2006; SILVANO et al, 2006; SILVANO e JORGENSEN, 2008; BEGOSSI
et al, 2011; HALLWASS et al, 2013).
Pescadores da Salamina distinguem duas estações do ano: o verão,
período mais seco que vai de setembro a fevereiro e o inverno, estação mais
chuvosa compreendida entre os meses de março e agosto. Divisão de estações
do ano idêntica a esta foi registrada por Mourão e Nordi (2006) entre pescadores
do estuário do rio Mamanguape na Paraíba.
De acordo com os entrevistados, o verão é o período em que o
camarão é mais abundante localmente. O inverno é considerado um período difícil
para a pesca, sobretudo pelas condições climáticas adversas (maior incidência de
ventos e chuva). Devido à importância da pesca como atividade de renda e
subsistência, alguns afirmam que este é um momento em que a sobrevivência é
dificultada: “... a maré que não pesca, a gente passa dificuldade”. O vento é um
fator que atrapalha a pesca principalmente para aqueles que utilizam
embarcações sem motor e que tem que empregar maior esforço físico para
promover o deslocamento da canoa.

"(o vento) Impata. Tem vez que a gente pára.


Ainda dá tempo de botar dois ou três lance e tem que vim pra
terra porque o vento, a canoa não suporta e ninguém guenta
remar, né?"

111
De acordo com os estudos de Santos et al (2004), os índices
pluviométricos são fatores chave para a frequência de Litopenaeus schmitti.
Ainda segundo os autores, a espécie tem a sua maior produção no estuário por
eles estudado durante os meses chuvosos. Essa informação é aparentemente
incompatível com aquela fornecida por pescadores da Salamina. Entretanto, de
acordo com Santos et al (op. cit), outras condições ambientais gerais do estuários,
inclusive determinada por fatores de impacto ambiental, são determinantes para a
abundância dos camarões nesses sistemas ecológicos. Além disso, não está claro
se os entrevistados identificam o inverno como o período menos produtivo em
termos de biomassa disponível no sistema estuarino ou se consideram que há
menos camarão nesse período em decorrência da menor quantidade capturada
devido à dificuldade inerente à pesca em condições de chuva.

"No verão dá mais. No inverno é outra qualidade


de camarão. Porque no inverno dá mais graúdo. (Muda o
tamanho ou a marca?) O tamanho. No inverno dá mais
graúdo."

Dentre os dois específicos explotados localmente, o mais abundante é


o camarão-branco. Os entrevistados afirmam que o camarão-mouro era
encontrado com muito maior fartura em tempos pretéritos e a diminuição de
ocorrência desse animal, segundo os nativos, se deu em consequência da
operação da Usina Hidrelétrica de Pedra do Cavalo. Discurso idêntico a este já foi
registrado em outras comunidades da Baía do Iguape não apenas quanto à
diminuição de ocorrência do camarão-mouro e algumas espécies de peixe, mas
também com relação à extirpação de outros recursos pesqueiros locais que
atualmente não são mais encontrados no estuário (PROST, 2007a; ICMBio, 2009).
Os entrevistados percebem a distribuição e abundância dos camarões
nas dimensões vertical e horizontal, assim como identificado por Ramires et al
(2011) com relação à distribuição de peixes segundo comunidades Caiçaras do
Vale da Ribeira, São Paulo. O zoneamento vertical se refere à disposição dos

112
camarões na coluna d’água. Classifica-se como zoneamento horizontal
êmicamente percebido tanto a disposição dos camarões com relação ao substrato
onde são encontrados quanto ao deslocamento dos mesmos em direção ao
continente com a chegada das marés grandes.
No que se refere aos substratos, os entrevistados reconhecem pelo
menos cinco tipos de fundo no estuário: as pedras, a lama, o cascalho (substrato
que inclui areia, pequenas rochas e restos de conchas), o piçarro (corresponde ao
cascalho com lama) e os bancos de coroa (fundos arenosos que emergem
durante a maré baixa). De acordo com os pescadores, embora o recurso possa
ser encontrado em outros substratos, o habitat preferido do camarão são os
fundos lamosos.

"Ou areia com lama, ou lama só. Tem aquele


piçarro também, mas ele não gosta muito de piçarro não. (...)
tem vez também que ele dá na coroa. Porque pedra, o
camarão é difícil dá na pedra, quando tá na pedra é porque
ele tá escondido.”

Na interpretação dos pescadores, a associação do camarão com


substratos lodosos se dá porque o animal “gosta de se enterrar” e também pelo
fato dele se alimentar da lama ou de detritos que nela estejam. De acordo com a
literatura zoológica, os camarões de uma forma geral, são organismos bênticos,
que passam grande parte do seu ciclo de vida associados ao fundo. De acordo
com Silva et al (2006), a espécie Litopenaeus schmitti à qual provavelmente
corresponde o específico camarão-branco habita fundos lamosos com alto teor de
matéria orgânica. Tal informação também é confirmada por Santos et al (2004)
que considera L. schmitti como uma espécie vasícola, ou seja, que está
associada a substratos lamosos. Santos et al (2007) comprovaram através de
testes de laboratório que outra espécie desse mesmo gênero (Litopenaeus
vannamei) possui preferência por substratos com pequena granulometria (areia
fina ou muito fina). Neste caso, pode-se afirmar que os conhecimentos êmico e

113
ético são compatíveis no que diz respeito à preferência dos camarões pelos
substratos de pequena granulometria.
Os pescadores percebem ainda o comportamento do camarão de se
enterrar no substrato. Informações zoológicas confirmam esse comportamento nos
peneídeos de forma geral. De acordo com Castro e Huber (2012), os animais
detritívoros tendem a estar presentes em fundos lodosos. Segundo Santos (2007)
esses animais possuem a capacidade de se enterrar durante o dia tanto para
otimizar o forrageio quanto para defesa contra predação. É importante ressaltar
que o conhecimento do comportamento de enterramento dos camarões por parte
dos pescadores tem implicações importantes sobre as técnicas de captura do
recurso. Em decorrência do hábito bêntico desses organismos, os pescadores
utilizam uma rede de arrasto de fundo neste tipo de pescaria.

“...ele (camarão) fica enterrado na lama, aí a rede


passa... porque o camarão ele fica ali na lama, é por isso que
a rede camarãozeira tem que ser arrasto, no fundo que é pra
ela ir arrastando, descer até embaixo."

Com relação ao deslocamento do recurso com a chegada das marés,


os pescadores compreendem que os camarões adentram o estuário quando as
marés crescem e a cada lançamento de maré, se deslocam rio acima. As
informações zoológicas encontradas se referem apenas ao deslocamento dos
peneídeos de forma geral, em direção à costa para ambientes de salinidade mais
baixa para se desenvolverem da fase jovem para a adulta (HICKMAN et al, 2013).
A compreensão do movimento do recurso ao longo dos sítios de pesca,
denominados localmente de pesqueiros, confere dinamicidade à pesca. Desta
forma, identificando que os camarões estão “subindo o rio”16 passam a pescar
cada dia em um sítio diferente.

16
Embora os entrevistados utilizem expressões como “subir o rio” ou “descer o canal”, essas expressões não
significam deslocamento vertical e sim o movimento na direção mar-continente.

114
“... na pesca vai depender da maré. Tem vez que
ele dá embaixo e tem vez que ele dá em cima. Quando a
maré tá pequena, a gente pesca mais embaixo porque o
camarão tá embaixo, mais pra o lado do canal. E a maré vai
aumentando porque todo dia a maré aumenta, né? Aí a
gente vai subindo também, acompanhando o pesqueiro."

Há um meme local segundo o qual os camarões preferem as águas


escuras. Alguns pescadores afirmam que de fato, esses animais preferem águas
onde o sedimento se encontra em suspensão enquanto outros afirmam que nas
águas limpas não conseguem capturar os camarões porque esses veem a rede e
fogem. Santos (2000) assim como Santos e Freitas (2000), registraram que
pescadores da Barra de Santo Antônio atribuíram a fuga dos camarões nos meses
de verão à transparência da água. Montenegro et al (2001) identificaram entre
pescadores de pitu de uma comunidade do Baixo São Francisco a ocorrência
desses animais associada a “águas sujas”17.

"Aqui a lama é uma só. O camarão é o seguinte,


porque ás vez quando chove que assanha a água porque
camarão gosta muito porque água suja. Água clara não
presta pra camarão."
"Pra a gente pegar é melhor água escura, agora
pra ele viver, eu não sei. Porque com água clara ele vê a
rede e nós não pega ele."

As informações dos pescadores com relação á preferência dos


camarões por águas turvas é corroborada pela literatura técnico-científica. Santos
et al (2004) afirmam que, de acordo com vários autores, esses animais são mais
facilmente capturados em águas turvas em função da matéria orgânica,
intensidade dos ventos e concentração de cálcio proveniente da decomposição de
conchas e carapaças.

17
As expressões “água escura” e “água suja” são empregadas tanto neste trabalho quanto por Montenegro
et al (2001) no sentido de água turva, com sedimento em suspensão.

115
Os entrevistados afirmaram que com relação à distribuição vertical, o
camarão pode ser encontrado tanto nos locais mais fundos (“canal”), quanto em
águas mais rasas (“beirada”) e mais próximos da terra (“em terra”). A localização
do recurso está associada às marés e é mais um elemento de imprevisibilidade da
pesca, de acordo com os nativos. Não é possível antever onde o recurso estará
disponível, de modo que para encontrá-lo é possível investir nas tentativas
repetidas vezes.

"E tem a maré pequena às vez ele dá mais na


beirada que é no lugar mais raso, quando a maré vai
cresceno às vez ele dá no lugar mais fundo...”
“Eles passa em todas as água mas é o lugar que a
nós pega ele. O lugar que a gente não pega, a gente diz que
não tem. Nós bota a culpa neles."

Assim como relatado por alguns autores (e.g. SOUTO, 2004;


MARTINS, 2008) com relação a outros recursos pesqueiros em outras localidades,
também entre pescadores da Salamina foi identificado um meme segundo o qual a
abundância dos camarões está condicionada às marés em um evento aleatório e
imprevisível. De acordo com os nativos existem “marés que dão mais” e “maré que
não dá quase nada”. Os primeiros dias das marés já indicam a abundância do
recurso naquele período. Os pescadores continuam realizando a atividade
enquanto o pescado está abundante e passam a buscar outros recursos, como a
piaçava, no momento em que estes se tornam escassos. O extrativista se mantém
atuando na pesca enquanto a maré estiver favorável e os recursos pesqueiros
estejam minimamente abundantes, a ponto de compensar o tempo desprendido e
os custos eventuais, com combustível no caso de uso de embarcação a motor.

"(Como escolhe a atividade que vai fazer?) Nós


vai um ou dois dia pra pesca, aí não panha nada. Aí nós já
sabe, amanhã nós não vai mais, já vai pro mato. No mato
você vai achar qualquer coisa."

116
"Mas isso tem tempo, né? Tem maré. Tem maré
que você vai e não traz nada. Tem semana que você pesca
uma maré toda e não arruma dinheiro pra comprar o café e o
café e o açúcar."

De acordo com Acheson (1981), vários recursos pesqueiros não estão


disponíveis periodicamente, nem todas as espécies migram sazonalmente e as
populações dos recursos podem aumentar ou diminuir drasticamente em eventos
difíceis de prever, inclusive para os cientistas. Estes fatores estão dentre os
muitos que em uma associação complexa determinam a abundância ou escassez
de determinados recursos em um sistema ecológico. Outros autores destacam
elementos que conferem o caráter imprevisível da pesca: fatores abióticos como
tempestades e ventos fortes (MacCAY, 1978) ou a inconstância dos fatores
climáticos e ecológicos (PASQUOTO e MIGUEL, 2004); flutuação cíclica e sazonal
no tamanho e localização dos estoques pesqueiros (ALLISON e ELLIS, 2001); e
de modo bastante amplo, a especificidade do ambiente marinho que se apresenta
como “cíclico, móvel e imprevisível” (CUNHA, 1989).
Mesmo considerando o caráter dinâmico da abundância e distribuição
dos estoques de camarão, em algumas ocasiões há um momento do dia em que é
mais fácil prever a localização do recurso: o “clarear do dia”. Usa-se pescar nesse
momento principalmente durante o verão, já que no período chuvoso as condições
climáticas desfavorecem essa prática. Segundo os entrevistados, o camarão está
saindo das “beiradas” (mais próximos dos manguezais) ao amanhecer porque foi
ali que permaneceram durante à noite.

"A gente usa chamar o clarear do dia, que é esse.


A gente larga a rede 4:30. Por que a gente larga a rede no
clarear do dia? Porque o marisco se encontra em terra na
beiradinha devido a noite. Aí quando clareia que a rede já
trabalhou, ali, o dia clareou você pode tirar porque o camarão
já bateu ali na rede. Aí chama o clarear do dia, que ás vez
costuma o camarão costuma dar no clarear do dia, depois
que o dia clareia você morre de botar lance e não panha
nada, devido à água tá clara, o camarão se afugenta. Então
117
agora no verão a gente usa muito pescar assim no clarear do
dia. É uma tese medonha!"

De uma forma geral, pode-se dizer que os pescadores locais percebem


a abundância dos camarões como um evento complexo que comporta além da
sazonalidade, as dimensões horizontal e vertical de distribuição desses recursos.
A imprevisibilidade intrinsecamente relacionada à atividade pesqueira agrega mais
um fator de complexidade e incerteza que obriga o pescador a exercer outras
atividades produtivas como alternativas de complementaridade da subsistência e
renda.
Quando o camarão se torna escasso, os pescadores investem na
captura de outros peixes ou partem para a realização de outras atividades. No
entanto, o caráter de imprevisibilidade da pesca e a gradativa diminuição dos
recursos pesqueiros percebida localmente faz com que os pescadores passem a
exercer outras atividades em ocasiões em que peixes e camarões estão escassos.

"Vamo dizer assim, como a pescaria tá ruim aí,


nós tá preferindo futucar os mato por enquanto. Diminui os
pescador, não dá, não tem como ir. Você olhar você ver rede
encostada na beira da casa, você vê ali no baixo... Pescaria
tá um pouquinho difícil. Mas enquanto isso nós fica futucano,
vai ali na maré, tira uma ostra, tira um sururu e tal pra ir
controlando. Porque jogar rede no mar, só se for quando dá
esse massambê aí pra nós defumar. Tem hora que eu até
vendo caixa de massambê por aí. Mas camarão aí o povo tá
chorando mesmo."

Diante do componente de imprevisibilidade da pesca, alguns dos


extrativistas aguardam o resultado da pesca dos companheiros para decidirem se
realizarão ou não a atividade nos dias subsequentes. A informação relativa à
abundância dos recursos é compartilhada geralmente entre pessoas com
parentesco próximo.

118
Indicadores vernáculos

A pesca do camarão com a rede camarãozeira implica na captura de


outros peixes como fauna acompanhante que em sua maioria também são
utilizados na alimentação. Durante a pescaria, a presença de determinadas
espécies de peixes na rede indica o sucesso ou fracasso do lance na captura do
camarão. De acordo com os pescadores, quando os peixes de água clara
aparecem na rede, indicam que os camarões não foram capturados. Ao contrário
disso, se os peixes de água escura são encontrados na rede, indicam sucesso na
pesca do camarão.
Diante do meme local segundo o qual o camarão não é capturado em
águas claras, alguns pescadores afirmam que este recurso de fato não habita as
águas mais translúcidas. Na compreensão de outros, este recurso pode habitar as
águas claras, no entanto, quando aí estão, avistam a rede e fogem. Os peixes
citados como de água clara fora o carapicum, a carapeba, o peixe-galo e
miguelão.

"É porque quando nós joga a rede pra camarão


que começa vim esses peixe: carapicum, carapeba, qual é o
outro? Tem outro... Aí nós já sabe: água clara. Nem ateime
botar mais lance nesse lugar que não vai panhar camarão
porque ele sabe que ele tá vendo você, ele não vai ficar lá de
jeito nenhum.”
"Tem um tal de miguelão (peixe) mesmo que se a
gente pegar ele pode sair dali que não vai pegar nada (de
camarão). Ele é peixe de água clara. Ele e a carapeba, é
água clara. Carapicum, o peixe-galo é água clara.”

A associação entre o camarão e os peixes de água escura envolve não


apenas a preferência de ambos por águas mais turvas como também a
compreensão do reticulado trófico. Na percepção dos pescadores os peixes de
água escura se alimentam do camarão isso também justifica a sua atuação como
indicador. Os peixes de água escura (figura 24) citados foram: sarvage,

119
cutupanha, bagre, arraia, língua-de-sogra, papa-terra, barbudo, pescada e tapa-
porco.
“Aí quando a gente sabe que a área tá boa pra
camarão aí já vai vim espécie de peixe diferente é a língua-
de-sogra, é a tapa-porco, é a papa-terra, é a pescada, é o
barbudo. Aí nós já sabe, o camarão tá aqui. Siri também, se
você tiver correndo a rede e aparecer um siri, vem qualquer
coisa ali. Ou algum peixe, ou camarão vai aparecer porque
siri não guenta ver camarão."
"É porque tem os tipo de peixe que a gente sabe
que vai dar o camarão, tá entendendo? Porque a pescada
mesmo, a gente pega na rede por quê? Ela vai comer o
camarão que tá na rede, aí ela chega lá e fica. Vai atrás do
camarão. Quando vem pescada na rede, vem camarão."
“Água escura é sarvage, é cutupanha, é bagre,
arraia, esses peixe de fundo.”

120
Figura 24 – Peixes de água escura (a. papa-terra, b. caratupanha, c. barbudo, d. sapoca-vermelha,
e. regalada)

121
122
Interpretação da paisagem

“Sei de cada pedra que tem daqui até São Roque”

A leitura da paisagem é mais um aspecto de fundamental importância


para o exercício da pesca. Os pesqueiros são localizados tanto através de
referências que se encontram “em terra” - árvores ou casas - quanto utilizando
referências que se encontram no próprio ambiente aquático - pedras, camboas,
ilhas, etc (figura 25). Estratégias semelhantes de localização de pontos de pesca
já foram documentados em outros estudos, alguns clássicos como Forman (1967).
Tal conhecimento agrega elementos visíveis da paisagem emersa com
vistas a referenciar elementos submersos nos rios. Os entrevistados identificam o
relevo subaquático, percebendo pontos de maior e menor profundidade e também
localizando as pedras onde as redes, se jogadas, poderão ser danificadas.
Localmente, os entrevistados se referem às pedras como locais onde as redes
“pegam”. Esse conhecimento é associado à compreensão do fenômeno das
marés para que as redes sejam lançadas no local correto, aumentando a
eficiência de captura e diminuindo os riscos de prejuízo.
“... porque a gente aqui tem a base da pesca.
Aonde a rede pega, aonde não pega. A gente rema a canoa
por um pé de árvore desse a gente se baseia aonde no
Iguape a gente joga a rede. Ali no porto de Vidal, só tem uma
maré que você pode sair dali. O resto tem que sair é ali na
Ilha dos Coelho, que ali você saindo com a maré grande,
você pode botar mais na beirada porque ali a maré quando
vai correno, então quando você joga a rede aqui, a rede ela
não assenta aqui, ela vai assentar lá. Quando a maré tá
grande, puxa. Aí aqui tem pedra como ali em frente a Vidal,
quando a maré tá correno muito o que é que a gente faz? A
gente joga a rede aqui pra quando ela assentar já passou
essa pedra. Quer dizer, tudo isso a gente tem base. Tem
gravatá, pé de dendê, tudo isso é base pra gente de onde
coloca a rede. Ali no Angelim (Pedra do Angelim) ali pra
pescar tem que saber. Rede ali no Angelim você tem que
botar

123
A

Figura 25– Referências utilizadas para localização de pesqueiros: A – Pedra do Angelim; B –


Pedra da Gameleira; C – Cais do Engenho

124
descobrino o Cais do Engenho porque sabe que não pega.
Você bota um lance lá nos Coelho, na hora que você avistar
essa torre aí ou que você avistar o cemitério, tire sua rede
senão você perde."

É relevante mencionar que esse conhecimento, fundamental para


escolha do sítio de pesca, limita a atuação espacial do pescador que não pesca
em locais que desconhece. Dessa forma, o pescador da Salamina atua apenas
em áreas próximas à comunidade e não em toda a Reserva Extrativista com vistas
a preservar os seus petrechos de pesca.

"No lugar das pedra a gente não pesca. Se pescar


não tem rede que guente. Você vê que mesmo assim a gente
sabendo onde vai jogar a rede, tem vez que, com qualquer
vacilo, a gente perde duas ou três peça de rede.”
"Daqui de Maragogipe até São Roque eu sei de
cada pedra que tem no fundo do mar, mas pro lado de
Santiago já fica mais difícil. Eu pesco por aqui mesmo."
"Eu tenho meus lugar de pescar porque eu não
conheço o mar todo. Pra a gente pescar em qualquer lugar
tem que conhecer o mar todo. Pra conhecer o mar todo tem
que perder muita rede. Não vale à pena."
"Pro lado de São Francisco eu não conheço. Essa
área até o Rio Grande, eu conheço. Pesco até Porto da
Pedra. De Porto da Pedra pra lá eu não vou, porque cima,
não porque eu não conheço."

De modo parecido, os espaços aquáticos também recebem diferentes


denominações. Sistemas tradicionais de nomeação de zonas ecológicas foram
definidos por Posey (1987) com o termo ecozona. Anos mais tarde, Souto (2010)
relatou em uma comunidade pesqueira do litoral da Bahia, um sistema sofisticado
de nomeação de ecozonas. Dados preliminares entre pescadores da Salamina
revelam a existência de pelo menos quatro unidades de paisagem aquática
nomeadas localmente. O baixo se refere a áreas rasas do rio, enquanto a
denominação canal designa locais de maior profundidade. Beirada corresponde às
bordas de manguezal e coroa são as porções que ficam emersas durante a maré

125
baixa. Casal e Souto (2011) encontraram oito unidades êmicas de paisagem
relacionadas à pesca de camarão em outra comunidade quilombola da Baía do
Iguape. É bastante provável que haja um maior número de ecozonas identificadas
pelos extrativistas da Salamina, entretanto, esse aspecto foi abordado apenas
brevemente nas entrevistas.

126
Bases Conexivas

Pessoa /Mineral

O uso de materiais de origem mineral na pesca de camarão na


localidade estudada é bastante limitado. Observa-se que a rede camarãozeira
possui peças de chumbo na parte inferior para fazer com que ela afunde quando
jogada ao rio. Também é constituída de recursos minerais a âncora, denominada
localmente de poita, empregada para aportar a canoa. O chumbo presente nas
redes camarãozeiras é de origem alóctone, enquanto a poita pode tanto ser
autóctone quanto alóctone.
O grau de conectividade com os minerais na pesca de camarão pode
ser classificado como fraco já que não foram identificadas interações que uma vez
substituídas, descaracterizariam a pesca local. Esse resultado se assemelha
àquele encontrado por Marques (1995) e Souto (2004) que identificaram a
interação com os minerais como a mais fraca dentre as cinco e destacaram a
escassez de referências bibliográfica a respeito desse tema. Martins (2008)
reiterou que as conexões fracas estão previstas na abordagem da etnoecologia
abrangente e portanto não a invalidam.

127
128
Pessoa / Vegetal

Vários estudos tratam da utilização de plantas por comunidades


pesqueiras abordando grande diversidade de finalidades - médica, trófica,
estética, etc. Entretanto, o emprego de vegetais na pesca é um tema
insuficientemente tratado na literatura de uma forma geral. Poucos trabalhos que
abordam esse assunto de maneira aprofundada foram localizados. Dentre esses
destacam-se os estudos de Hanazaki et al (2009) trazendo uma revisão sobre uso
de plantas em comunidades pesqueiras; Oliveira et al (2006) que registraram os
aspectos culturais do emprego de vegetais nas atividades pesqueiras locais na
microrregião do Salgado, no Pará e Oliveira (2007) que abordou o emprego de
vegetais na construção de armadilhas de pesca chamadas de cercos-fixos, entre
pescadores da Ilha do Cardoso, São Paulo.
Outros trabalhos tangenciaram a utilização vegetal na pesca: Nery
(1995) abordou o assunto ao tratar da tecnologia pesqueira em uma região da
Amazônia; Bastos (1995) discutiu brevemente esse tema quando relatou a
importância dos vegetais da restinga e manguezal para comunidades locais;
Montenegro (2002) abordou a utilização de vegetais na confecção de covos para
captura do pitu no Baixo São Francisco; Fonseca-Kruel e Peixoto (2004)
registraram o uso de vegetais para tingir redes de pesca; Souto (2004; 2008)
tratou da etnobotânica dos bosques de manguezais em uma comunidade
pesqueira do Recôncavo Baiano e relatou a utilização de espécies vegetais na
captura de crustáceos e peixes e Sousa (2010), por sua vez, citou o uso de
plantas na confecção de canoas e artefatos de pesca no delta do Parnaíba.
Em tempos pretéritos, o envolvimento da população da Salamina na
prática da pesca no sentido stricto (excluindo, portanto a mariscagem) só ocorria
através da atuação em pescarias de redes grandes, oriundas da cidade de
Maragogipe. Ao longo do processo de mudanças sociais já relatado anteriormente,
os nativos aos poucos passaram a exercer atividades pesqueiras inclusive sem a
autorização dos fazendeiros, por iniciativa própria.
129
Em vistas da impossibilidade de adquirir petrechos de pesca, a
população local passou a utilizar os vegetais como matéria prima para confecção
de armadilhas e cestos utilizados na pescaria. Assim, dentro desse processo, os
vegetais tiveram expressiva importância, pois representaram o meio capaz de
conectar ser humano e recursos pesqueiros.

“... porque nessa época a gente não tinha rede,


era camboa. Falo pescador, mas que não tinha rede, era
camboa. A gente tirava as madeira e colocava essa camboa
no mar."

A conexão com os vegetais relacionada à pesca na Salamina possui


diferentes finalidades. Utilizam-se cestos de cipós para armazenar iscas, para
transporte e lavagem de peixes e também para a defumação de pescados e
camarão (figura 26). Os balaios para secagem dos camarões são empregados até
hoje e não foram registrados substitutos sintéticos. Da mesma maneira, não foram
documentados substitutos para os “cofos de isca”, onde são armazenadas as
iscas utilizadas durante a pescaria. Nesses dois casos, pode-se afirmar que se
tratam de conexões persistentes, de acordo com a categorização de Marques
(Com. Pess.), porque se mantém ao longo do tempo.
Com relação aos cestos que, dentre outras coisas, são empregados
para retirar o pescado da embarcação, ainda que sejam utilizados atualmente,
verificou-se que o mesmo pode ser substituído por bacias ou mesmo sacos
plásticos, sem que isso represente mudança cultural no exercício da pesca. Sendo
assim, pode-se dizer que no que se refere ao emprego desses cestos na pescaria,
o grau de conectividade com o vegetal é fraco.
Os cestos produzidos com vegetais autóctones são, em sua maioria
confeccionados por pessoas da própria comunidade, que tem neste ofício, apenas
mais uma ocupação, similarmente ao que foi encontrado por Nery (1995) entre
pescadores da região do Salgado, Pará. Na Salamina, o material vegetal utilizado
na fabricação desses utensílios é coletado muitas vezes, durante o extrativismo da

130
piaçava e o artesão tem no exercício dessa atividade, a possibilidade de arrecadar
uma renda extra.
No caso particular da pesca de camarão, a conexão com os vegetais é
mais forte na pesca de camboa-de-pau, um tipo de armadilha fixa feita de madeira
que de acordo com o Ministério do Meio Ambiente (2008), também é chamada de
curral ou tapagem (figura 27).
A conexão pescador/camboa é intermediada por uma conexão
pescador/vegetal, uma vez que além da estrutura da armadilha ser feita de
madeira, também são empregadas esteiras de fibra vegetal nesta arte de pesca.
Enquanto a estrutura da camboa é feita de madeira de árvores como o Buri, por
exemplo, para a captura do pescado são utilizadas esteiras fabricadas utilizando-
se talas de dendê (figura 28), trançadas com fibras de piaçaba, ambas abundantes
na localidade.

"Era boa viu, a camboa! Pra fazer a esteira é com


palha de dendê ou então de pindoba."

131
A B

C D

Figura 26 – Utensílios de origem vegetal empregados na pesca: A – Cesto, que possui


múltiplos usos; B – Esteira para secagem e defumação de camarão; C – Panacum ou caçuá,
utilizado para transportar pescado; D – Cofo de isca, utilizado para armazenar iscas durante a
pesca; E –balaio, que também possui múltiplos usos

132
Figura 27 – Camboa de pau

Figura 28 – Talas de dendê em processo de secagem para confecção de esteiras para camboa

133
Alguns fatores fizeram com que a pesca de camboa fosse ficando cada
vez mais rara na comunidade da Salamina. O primeiro deles está relacionado ao
desgaste físico proporcionado pela atividade, uma vez que esta modalidade de
pesca é realizada durante a noite. O segundo diz respeito ao custo de tempo e
esforço para manter as armadilhas em funcionamento, já que a imersão da
madeira na água causa danos à estrutura, que precisa constantemente ser
reformada para não cair.
Muitas camboas foram abandonadas porque com o passar do tempo,
os moradores locais foram adquirindo condições financeiras de possuir as redes
de nylon. Atualmente resta apenas uma dessas armadilhas na comunidade, e
como a norma ambiental vigente proíbe que novas estruturas dessa natureza
sejam erguidas, elas tendem a desaparecer. Portanto, apesar da conexão
pessoas/camboa ocorrer atualmente, ela pode ser classificada como evanescente.

"Camarão nós panha de camarãzeira. Panhava


também de camboa, mas agora a camboa de pau a gente
deixou, não pesca mais de camboa de pau, aí agora nós só
pesca só de malha. Camboa de pau não é proibida não,
agora porque é muito trabalho porque sempre tem que dá
manutenção, tá tirando madeira pra restaurar, é muito
trabalho. Aqui mesmo Cristóvão tem uma. Só tem uma nesse
costeiro aqui agora. Lá no Tororó tinha meio mundo de
camboa, mas não tem mais, você só vê as marca quando
passa. Aqui só a de Cristóvão, e ele nem faz muito uso
porque devido as condições que camarão parece que sumiu,
parece que não entra mais dentro do riacho, quando o
camarão entra é pra fazer a desova e é aqueles
camarãozinho miudito. Então ele usa botar o candeeiro
assim pra pegar uma isca pra pegar, aí pega dez, quinze
camarão somente pra iscar. Antigamente essa camboa aqui
meu pai pegava numa noite pegava uma mão de camarão,
uma mão e meia. Uma mão de camarão é desesseis espeto.
É mais de cinco quilo, é sete quilo e pouco de camarão que
pegava numa noite."
"Ó o que eles inventa, tá vendo? A nossas
camboa de pau, nós não pode levantar mais. Porque nós
trocou por rede camarãzeira."

134
Pode-se dizer que a substituição das camboas por redes camarãozeiras
constitui um processo semelhante àquele identificado por Marques (2005) entre os
brejeiros maritubanos em que ocorre uma mudança cultural na pesca em direção
ao que é industrializado. Esse processo dinâmico, tal como discutido pelo autor,
implica em desconexões de baixo custo energético (aquisição de material
autóctone para construção de armadilha) e reconexões de alto custo energético
(uso de material produzido industrialmente), o que torna o nativo dependente do
mercado externo também para aquisição de equipamentos de pesca.
Ocorre localmente ainda outra conexão-meio estabelecida com os
vegetais para a realização da pesca que envolve o uso de canoas e remos. De
acordo com Maldonado (2004), canoa é o nome genérico atribuído a uma
embarcação construída com o tronco de uma árvore. Na Salamina há
predominância das canoas de um pau (figura 29) só que são aquelas talhadas em
um tronco de árvores. Essas embarcações não são produzidas na comunidade,
mas adquiridas em outros centros. Apesar de haver atualmente a inserção das
canoas de fibra para uso comunitário na Salamina, a maior quantidade de
embarcações utilizadas para pesca são de fato as canoas de madeira. É possível
afirmar que a conexão entre essas embarcações e pecadores possui um grau de
conectividade forte, uma vez que representa grande importância cultural no
exercício da pesca.
Ainda que atualmente alguns produtos de origem vegetal possam ser
substituídos por outros de origem sintética, as plantas ainda podem ser
consideradas um elemento presente nas atividades ligadas à pesca na Salamina.
De acordo com Oliveira et al (2006), ainda que haja o emprego cada vez em
escala maior de produtos de origem sintética, muitas populações litorâneas ainda
tem nos vegetais uma importante fonte de suprimento de necessidades,
empregando esses recursos na produção de vestuário, adorno, implementos
agrícolas, caça e pesca, medicina popular e construção de casas. Tal importância
é bastante perceptível na Salamina, onde os recursos vegetais são fundamentais
135
para a viabilização da sobrevivência da população local, seja como fonte de
alimento e matéria-prima para construção de moradia, seja enquanto estratégia de
obtenção de recursos pesqueiros.

Figura 29 – Canoa de uma pau só- principal tipo de embarcação utilizado para pesca na
comunidade da Salamina

Dessa forma, de maneira geral pode-se classificar a relação com o


vegetal para a pesca na Salamina como uma conexão de intensidade forte, uma
vez que define os traços culturais de muitos aspectos da atividade. Na maior parte
dos usos relatados, o vegetal funciona como um meio capaz de conectar ser
humano e recursos pesqueiros.

136
Pessoa / Animal

Estratégia de captura
De acordo com Santos et al (2013), os camarões peneídeos são um
dos recursos pesqueiros mais rentáveis do mundo e o segundo mais importante
economicamente do nordeste do Brasil, perdendo apenas para a lagosta. Já no
litoral do sul e sudeste do país, segundo Robert et al (2007) o camarão constitui o
recurso pesqueiro mais explorado. No estado da Bahia, o Ministério do Meio
Ambiente (2008) com base em estatísticas pesqueiras, observou que os camarões
(branco, rosa e sete-barbas) representavam o grupo com maior volume de
pescado produzido. Os autores consideraram que esse resultado se deve à
grande quantidade de locais com fundo lodoso no litoral do estado, destacando-se
as baías de Todos-os-Santos e Camamu.
Ainda segundo o Ministério do Meio Ambiente (2008), a cidade de
Maragogipe se destaca no estado da Bahia no que se refere à produção pesqueira
de forma geral e também à pesca de camarão em particular. Na comunidade da
Salamina, o camarão é o recurso pesqueiro mais importante, embora outros
organismos marinhos também possuam relevância tanto para a renda quanto para
a subsistência da comunidade local.
De acordo com Acheson (1981), as ecozonas marinhas apresentam
grande diversidade de espécies e habitats que requerem uma gama de estratégias
para captura de vários recursos, o que leva pessoas de uma mesma cultura a
utilizar variadas técnicas de pesca. O mesmo pode ser afirmado para zonas
estuarinas, como a que provém o sustento de inúmeras comunidades como a
Salamina.
Diante da diversidade da fauna aquática (peixes, crustáceos e
moluscos) disponível no sistema ecológico, o nativo desenvolveu e/ou passou a
empregar uma série de técnicas que lhe possibilitaram usufruir de tais recursos.
Desse ponto de vista, mais uma vez é possível identificar o pescador da Salamina
como um multi-estrategista (TOLEDO et al, 2003), uma vez que, até mesmo os
137
especialistas na pesca do camarão executa também outras modalidades de pesca
e mariscagem. Assim, também no que se refere às atividades pesqueiras, o nativo
ocupa um nicho que é dinamicamente plural, tal como foi constatado por Marques
(2001) com relação à conexão com os vegetais na pesca na Várzea da Marituba.
Apesar de se reconhecer a importância dos peixes e os mariscos em
geral para a sobrevivência da comunidade local, optou-se nesse estudo por
aprofundar os aspectos ligados à pesca de camarão. Esta escolha se deu
justamente por ser esta uma atividade localmente considerada como mais
relevante e que é desempenhada por um maior número de pessoas. Pode-se
dizer que, na localidade, essa atividade ao longo do tempo teve uma importância
crescente.
No tempo dos fazendeiros, somente era possível pescar nas ocasiões
em que pessoas de outras localidades utilizavam sítios de pesca próximos à
Salamina, e assim, os nativos ajudavam a puxar a rede e recebiam pescado como
forma de pagamento. Posteriormente, a camboa de pau foi empregada
localmente, ainda que sobre forte restrição do proprietário da fazenda.
Com a extinção espacializada das camboas, conforme discutido
anteriormente, a pesca de camarões passou a ser realizada quase completamente
através da rede camarãozeira que representou uma inovação tecnológica na
pesca local (Figuras 30 e 31). Essa arte de pesca foi um meme que se espalhou
rapidamente na Salamina e o seu emprego é relativamente recente na
comunidade.

"A camarãozeira aqui não é muito véia não. A


camarãzeira quando eu alcancei assim idade de vinte ano,
não tinha camarãozeira.” (pescador de 54 anos)

Os pescadores locais empregam três malhas distintas para a captura


do recurso: 0,20mm, 0,25mm e 0,30mm, sendo mais comuns o emprego das duas
últimas. A arte de pesca para captura dos camarões muda durante as duas
estações do ano localmente percebidas. No verão pesca-se com rede de malha de
138
0,20 ou 0,25mm e no inverno, com malha 0,30mm. Essa mudança ocorre devido
ao tamanho dos organismos capturados nas diferentes estações. As malhas
maiores são empregadas nas pesca de inverno, época em que os camarões
apresentam tamanhos maiores de acordo com o meme local.
Diversos tipos de peixe são capturados durante a pesca de camarão e
estes são os itens mais comuns na alimentação da população local. A rede
camarãozeira também é útil para a captura de um peixe de relativo valor
econômico para a comunidade: a pescada. Quando obtida em grande quantidade,
a pescada é comercializada na cidade de Maragogipe. Até pouco tempo, quando
não havia energia elétrica, a maior parte do pescado era comercializada ainda
fresca (verde, na denominação local), devido à impossibilidade de armazenamento
do produto. Este fator gerava grande prejuízo na comercialização do pescado,
uma vez que a urgência da venda provocava uma desvalorização econômica do
produto. Atualmente, o pescado é armazenado em freezer, o que permite uma
venda posterior do produto.
Até a recente chegada da energia elétrica, a única alternativa à venda
apressada dos produtos pesqueiros era a defumação. Atualmente os pescadores
podem escolher realizar a defumação ou conservar o camarão congelado. O
processo de defumação do pescado envolve algumas etapas (figura 32), demanda
tempo e maior trabalho por parte dos extrativistas, embora agregue maior valor ao
produto. Dessa forma, os pescadores consideram esta uma estratégia de baixa
viabilidade porque implica em um processo trabalhoso, que não compensa devido
ao pequeno valor agregado.
Os camarões de maior tamanho são mais valorizados e vendidos em
espetos (“espetados”), agrupados em “mãos”, que equivalem a um conjunto de
dezesseis espetos. Aqueles que possuem menor tamanho são vendidos em
“litros”, medidos em latas com volume aproximado de um litro. Se os camarões
defumados possuem maior valor de mercado, o inverso acontece com os peixes,
que são muito desvalorizados quando vendidos “secos”, tanto que as pessoas
preferem utilizá-los e para o consumo familiar ao invés de comercializá-los.
139
Figura 30 - Rede camarãozeira com detalhe do tamanho da malha

140
141
Figura 171 – Pesca do Camarão com rede camarãozeira

142
Figura 32 – Processo de defumação do camarão. A- Ferventação (pré-cozimento); B-
Separação dos tamanhos; C1-Camarões graúdos sendo arrumados em “espetos” e C2- Espetos
em cesta para defumação; D1- Camarões miúdos prontos para arrumação em cesta de
degumação e D2- Camarões miúdos em defumador.

Atualmente, os pescadores levam gelo para acondicionar o pescado


durante a atividade e posteriormente armazenam o produto em freezers nas
próprias residências. Sem dúvida a chegada da energia elétrica contribuiu
sobremaneira para a melhoria de vida da população local porque além de conferir
maior independência com relação ao mercado consumidor que é constituído
basicamente por atravessadores, representou também a possibilidade de

143
armazenamento de outros alimentos, que anteriormente teriam que ser
consumidos prontamente.
A pesca de camarão possui um caráter sazonal, uma vez que só é
realizada durante as marés pequenas. Os entrevistados evitam pescar camarão
durante as marés grandes porque nessas ocasiões as redes se deslocam muito
mais rapidamente, não tem tempo para mariscar e correm maior risco de serem
danificadas. Além disso, em decorrência dos ventos e correntes mais fortes nesse
período, é necessário um esforço maior para deslocar a canoa a remo. Devido a
essa conjunção de fatores, o pescador é praticamente obrigado a desenvolver
outras atividades além da pesca de camarão. Do mesmo modo, a
imprevisibilidade da pesca também contribui para que alternativas de renda sejam
desenvolvidas quando o recurso está escasso mesmo em marés apropriadas.
A totalidade dos entrevistados percebe a diminuição na quantidade não
apenas dos camarões, mas também de todos os outros recursos pesqueiros
locais. O mesmo tem sido registrado por inúmeros autores em outras
comunidades pesqueiras ao redor do mundo. Por esses e outros motivos, é
recorrente que a literatura considere que haja uma crise mundial nos estoques
pesqueiros.
A dinâmica cultural da pesca é produto das interações entre pessoas e
ambiente e pode também significar uma resposta adaptativa às modificações do
mesmo. Diante do cenário de mudanças e incertezas ao qual está sujeito, o
pescador artesanal precisa criar mecanismos para lidar com a escassez dos
recursos pesqueiros. Desta forma, mudanças de estratégias de pesca, malha de
rede e até a ocupação de novos nichos surgem como possibilidades de viabilizar a
sobrevivência cultural e material dessas populações. Pode-se considerar que, na
comunidade estudada, esta estratégia está fortemente relacionada à combinação
de atividades produtivas que promovem uma complementaridade da subsistência
e renda.
É relevante mencionar que muitos nativos declaram ter na pesca, a sua
atividade mais importante e preferencialmente desenvolvida. Essa situação é
144
análoga àquela registrada por Marques (2001) dentre os brejeiros maritubanos
que quando questionados sobre o processo de tomada de decisão a respeito da
atividade realizada preferencialmente, respondiam: “a gente escolhe pescar”. Na
Salamina, tal preferência se dá pelo maior retorno financeiro fornecido pela pesca,
mas também porque esta é uma atividade prazerosa para a maioria.
Ainda que haja outras estratégias locais de sobrevivência, a crise nos
estoques pesqueiros produz sérias consequências negativas para a comunidade
da Salamina. É preciso considerar que muitos dos ajustes de caráter
socioecológico que ocorreram em nível local frequentemente representaram
resposta a alterações no ambiente provocadas por agentes externos à
comunidade. A escassez dos recursos pesqueiros compromete não somente a
principal fonte de renda de grande parte das famílias que vive na localidade, como
também subtrai da mesma, a sua principal fonte proteica.

145
146
Etnoconservação

O termo etnoconservação, largamente empregado em estudos de


natureza etnoecológica (e.g. MARQUES, 1991; 1995; 2001; DIEGUES, 2000;
SOUTO, 2004; MARTINS, 2008; COSTA, 2011) foi proposto inicialmente na
década de 1980 pelo antropólogo americano Pitt (1987) como um híbrido entre as
ciências humanas e naturais capaz de reconhecer o papel das culturas na
conservação do patrimônio natural. Fortemente influenciada pelo cenário político
externo como a Conferência de Estocolmo em 1972, Relatório Brundtland em
19872 e a Eco-92 (ALEXANDRE, 2002a; 2002b; PEREIRA e DIEGUES, 20010;
FÜRSTENAU-TOGASHI e SOUZA-HACON, 2012), a conservação da natureza
por populações tradicionais ganhou notoriedade no Brasil no meio acadêmico num
contexto de discussões polarizadas entre preservacionistas e conservacionistas
(DIEGUES, 2001).
Ainda no caso brasileiro, Marques (2001) foi pioneiro na utilização do
termo em seus estudos desenvolvidos com os brejeiros maritubanos e o trabalho
de Diegues (2000) foi mais um responsável pela divulgação do mesmo. O
etnoconservacionismo no Brasil historicamente teve uma ligação muito íntima com
os movimentos sociais, opondo-se tanto às ameaças aos territórios ocupados por
populações tradicionais como também à política de criação de unidades de
conservação de uso restrito (ALEXANDRE, 2002a; 2002b). Um dos resultados
obtidos, principalmente a partir da atuação política de seringueiros na Amazônia
foi a criação de Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento
Sustentável instituídas no Sistema Nacional De Unidades de Conservação
(SNUC). O etnoconservacionismo propõe oferecer não apenas uma conservação
ambiental mais eficaz, mas também capaz de representar melhoria nas condições
sociais e econômicas especialmente para as populações que dependem
diretamente dos benefícios da biodiversidade que ajudam a manter (DIEGUES,
2010).

147
No contexto do presente estudo, verificou-se que a comunidade da
Salamina é reconhecida tanto entre os seus membros internos quanto nas
imediações da Baía do Iguape por possuir uma conduta preocupada com a
preservação dos recursos naturais que se encaixa no que Smith e Wishnie (2000)
denominaram de ética conservacionista. Em todas as entrevistas, os pescadores
afirmaram não utilizar artes de pesca consideradas mais prejudiciais ao
ecossistema estuarino como a pesca de redinha (rede de arrasto com malha muito
pequena) e pesca com explosivos. Os entrevistados reconhecem os danos
provocados pelo emprego dessas técnicas de captura e consideram esse, um dos
motivos para a diminuição local do pescado.

"Nós tem que pescar e preservar a pesca."


"O problema que prejudica a pesca é a bomba e
a redinha. Eu sou uma pessoa que se eu pudesse, tirava a
redinha de circulação.”
(Alguém pesca com bomba aqui na Salamina?)
"Aqui na Salamina ninguém. Ninguém, ninguém! Só o
pessoal lá da cidade. Aqui, ninguém!"
(Alguém pesca de redinha aqui?) "Aqui na
comunidade não. Aí são arte de Maragogipe... A gente já
tentou acabar com isso mas eles cai na tese de que é
cultura, não sei o quê. Cultura e acabando com as espécie!
Tem dia que você chega ali no terraço em Maragogipe, tem
mei mundo de peixe podre ali, tudo quanto é espécie. É
porque a malha dela é muito miúda, ela pega tudo."

Embora os pescadores da Salamina não empreguem esse tipo de


artefato de pesca, evidentemente, eles estão sujeitos ao impacto provocado pelas
mesmas. A utilização de explosivos no estuário é sem dúvida um dos
responsáveis pela diminuição dos estoques pesqueiros na localidade tendo sido
inclusive relatado por outros autores que desenvolveram estudos na localidade
(OLIVEIRA, 2001; PROST, 2007; SANTOS, 2008; ICMBio, 2009; OLIVEIRA,
2012). O efeito negativo da utilização das redinhas também é bastante perceptível
devido à baixíssima seletividade desse instrumento de pesca que captura

148
indivíduos muito jovens de várias espécies de pescado. A problemática
envolvendo o uso de redinhas já havia sido detectada por Souto (2004) como uma
preocupação de todos os seus entrevistados da comunidade de Acupe, também
situada no Recôncavo Baiano.
Os pescadores locais também atribuem a diminuição na quantidade de
pescado ao aumento da população que utiliza o recurso. O aumento na demanda
pelo camarão inclui não apenas a Salamina, mas também as demais comunidades
que estão localizadas nas margens da Reserva Extrativista.

"Antes era melhor a pesca porque tinha pouca


gente, não era todo mundo que tinha rede não...”
"Eu digo que não tinha essa força de rede que
agora tem. Eu tenho, Vidal tem, Cristóvão tem... Aí que
camarão que vai ficar? Tudo atrás de camarão com
camarãozeira. Teve dia de eu contar vinte, trinta e poucas
canoa (incluindo as de outros locais) aí no Ferreiro. Que
camarão é que vai ter pra trinta canoa de rede? Aí naquele
tempo era bem pouca gente, pouca gente vendia o camarão.
Agora não. Eu tenho três peça de rede, Vidal tem cinco,
outro tem seis aí bota aquelas peça, pronto. Tinha camarão
mesmo aí. Era sete, oito quilo, dez quilo de camarão, tinha
camarão mesmo aí. Agora você bota um lance, tem vez que
pega três quilo, quatro quilo, cinco, seis, tem vez que tá
baixa, bota a rede e não pega nada."

Vários outros autores (e.g. Nordi, 1992; Barros, 2001, Marques, 2001;
Souto, 2004, Martins et al, 2011) identificaram na fala de seus informantes o
aumento da população pesqueira como um dos motivos para a escassez do
pescado. No que se refere à pesca de camarão pode-se dizer que algumas
estratégias locais, com ou sem intencionalidade conservacionista, podem acabar
produzindo consequências sobre os estoques do recurso. O primeiro deles e de
mais fácil inferência, é o caráter sazonal da atividade pesqueira. O fato da pesca
só ser realizada em marés específicas provavelmente favorece a capacidade de
reposição dos estoques. A alternância de marés já havia sido considerada por
Souto (2004) como uma possível ação de consequências conservacionistas.
149
Soma-se a este fator, a combinação de estratégias que viabiliza a
sobrevivência da população local. As múltiplas atividades produtivas empregadas
localmente que associam a captura de diversos recursos pesqueiros, agricultura e
extrativismo vegetal podem implicar em menor pressão sobre a população de
camarão. As combinação de atividades produtivas já havia sido tratada por
autores como Diegues (1983), Adams (2000) e Marques (2001).
De forma bastante pragmática, Smith & Wishnie (2000) consideraram
que pode-se esperara que haja conservação em sociedades de pequena escala
(caracterizadas essencialmente por possuir algumas centenas a poucos milhares
de habitantes e autonomia política) quando há prevenção ou mitigação de
depleção de recurso, de extirpação de espécies ou de degradação de habitat.
Tecendo uma breve análise a partir desse aporte teórico, considera-se que as
ações da comunidade que envolvem ou não ética conservacionista, podem
produzir efeitos positivos sobre os recursos pesqueiros. Entretanto é necessário
ponderar que outros inúmeros fatores externos incidem sobre a abundância local
do pescado e, sendo assim, as alternativas locais provavelmente não são
suficientes para prover a manutenção dos estoques.
Ainda que não se refira a uma iniciativa local, deve-se considerar com
ação pró-conservação dos estoques de camarões, os períodos de defeso criados
a partir de ação governamental com efeito sobre o recrutamento de indivíduos
jovens. Segundo Santos et al (2013) o defeso do camarão da cidade de Camaçari
(Bahia) até o norte do estado do Espírito Santo, ocorre no período de 1 de abril a
15 de maio e de 15 de setembro a 31 de outubro, sendo o primeiro período com o
objetivo de proteger o recrutamento principalmente do camarão sete-barbas
(Xiphopenaeus kroyeri) e o segundo em atendimento à solicitação de
pescadores do município de Ilhéus (Bahia) para proteger a espécie Farfapenaeus
subtilis.
Como parte da ética conservacionista, na Salamina os pescadores
afirmam obedecer ao período de defeso do camarão, passando a executar outras
atividades pesqueiras (notadamente a pesca de linha e utilização de redes
150
tainheiras), agrícolas ou extrativismo vegetal quando estão impedidos de pescar
camarão.

"Nesse período que o pessoal fica sem pescar


(defeso) recebe salário. Já faz outra atividade, fica fazendo
outra atividade. Mas não é todo mundo que recebe salário.
Esse pessoal que recebe salário são aquelas pessoas
cadastradas na pescaria que tem carteira se pescador. São
essas pessoas que recebe salário quando a pescaria fecha."

Não obstante as estratégias que podem favorecer a manutenção dos


estoques de camarão é unânime entre os entrevistados a opinião de que a
quantidade de recursos pesqueiro tem diminuído gradativamente com o passar do
tempo. Evidentemente, fatores como o aumento da população que sobrevive da
pesca na Baía do Iguape contribuem para a diminuição dos pescados. Entretanto,
considera-se que a maior fonte de impactos que afeta não apenas as populações
de camarões, como também dos demais recursos pesqueiros, provém de ações
exógenas.
A implantação e operação de grandes empreendimentos geradores de
impacto na região promovem sérias modificações no ambiente estuarino da Baía
do Iguape que contribuíram sobremaneira com a escassez cada vez mais aguda
do pescado. Os pescadores percebem esse fenômeno e atribuem à operação da
hidrelétrica e à irregularidade das vazões, a diminuição drástica na quantidade dos
recursos. A implantação do Estaleiro Enseada do Paraguaçu também é motivo de
preocupação dos pescadores locais.

“...aí agora a tendência aí é piorar, com esses


estaleiro aí pra pescador, a tendência é piorar. Todo mundo
já começa a gritar já. Desses cinco mês que você veio pra cá
piora porque bota coisa que foi impecilho pra pescador.
Disso aí (depois da barragem) nunca mais prestou e aí só faz
piorar e não melhora. Só faz piorar isso aí. Mesmo que eles
feche a pesca pra ver se quando abrir dá alguma coisa, o
povo aí continua chorando. É verdade isso.

151
“... chegar o ponto de você olhar pro mar e não vê
nada. Vê tudo como passaram uma vassoura, o fogo. E eu
nunca ouvi isso! Por essas empresa mesmo aí e vem
chegando mais uma e essa parece que é pior, porque tá
mais perto de nós."

A degradação ambiental percebida pelos entrevistados embora tenha


se intensificado de forma acentuada nos últimos anos, não está presente apenas
na Baía do Iguape. Toda a Baía de Todos-os-Santos está fortemente impactada
em decorrência de atividades industriais que contribuem crescentemente com a
escassez de pescado e com o consequente agravamento da situação de miséria e
insegurança alimentar à qual estão sujeitas inúmeras comunidades pesqueiras no
Recôncavo Baiano. Segundo SCHAEFFER-NOVELLI (1989) e DIEGUES (1995),
resíduos dos complexos industriais estão entre as principais causas de destruição
dos manguezais da BTS.
Em se tratando de um ambiente de alta complexidade, onde os
recursos pesqueiros encontram-se cada vez mais escassos e os ecossistemas
estão sujeitos a grandes impactos destacando-se aqueles de origem industrial, as
estratégias locais de conservação podem se tornar cada vez mais insuficientes
para a manutenção dos estoques.
Ao se discutir os procedimentos locais que possivelmente implicam em
conservação do recurso, pode-se constatar que o nativo se preocupa com futuro
diante do cenário de grandes modificações e escassez aguda dos recursos
pesqueiros.

"Nós que mora aqui vamo chamar por Deus.


Pescaria eu não tô com muita fé mais... O fruto do mar que
nós gosta e nós sobrevive dele... Nós nasceu aqui comeno
peixe! Eu digo: peraí! Meu avô morreu com essa idade e não
ficava preocupado com o que o neto ia comer, mas eu agora
eu tô. Tô preocupado: o que é que meu neto vai comer? O
que é que Mikeas vai comer? O que é que Fabrícia vai comer
no futuro?"

152
Considerando a dificuldade na obtenção do pescado e a necessidade
de viabilizar a sua sobrevivência, é possível que o pescador adote estratégias de
pesca cada vez mais insustentáveis do ponto de vista ambiental. Tal situação
tende a alimentar o que Marques (1993) denominou de ciclo de degradação
ambiental e pobreza, quando esses dois problemas tendem a se retroalimentar
numa relação de causa e efeito.
É premente avaliar, entretanto, em que medida os grandes impactos
provocados são responsáveis pela alimentação desse ciclo e o qual o papel da
prática desenvolvimentista do Estado na piora das condições ambientais da BTS e
consequente agravamento das más condições de vida e saúde das populações
tradicionais pesqueiras.

153
154
Pessoa / Pessoa

O modo de vida na Salamina exige uma forte integração entre social


entre os membros da comunidade. Um dos fatores que provavelmente contribui
para isso é o relativo grau de isolamento em que se encontra a comunidade que
faz com que até atividades rotineiras, como por exemplo o deslocamento para a
cidade, dependam da articulação das pessoas.
Na comunidade, muitas tarefas como construção de casas e mais
esporadicamente o plantio de roças, são executadas em regime de mutirão,
denominadas localmente de digitório. No caso de construção de casas não há
pagamento pelo serviço, mas o dono da casa deve arcar com a alimentação das
pessoas que o ajudam. Já no caso das roças, os digitórios acontecem quando a
pessoa que pretende realizar o plantio (principalmente idosos) não tem condições
de fazê-lo. Nessas situações, uma parte da produção é destinada a quem ajudou
no plantio.
Na pesca, os vínculos cooperativos intracomunidade são importantes
tanto para a execução da atividade quanto para otimização da mesma. A pesca de
camarão é realizada em dupla e de uma forma geral o dono da embarcação e da
rede convida outra pessoa para participar da pescaria. Embora as duplas variem,
uma vez que os nativos realizam múltiplas atividades produtivas, a relação de
companheirismo já relatada por Silva et al (2007) na pesca na Vila do Sucuriju,
Amapá, também pôde ser observada na Salamina. Isso caracteriza a pesca local
muito mais com um caráter solidário do que solitário (MARQUES, 1995; 2001).
Apenas em raras ocasiões os pescadores realizam a atividade
sozinhos, quando não encontram outra pessoa com disponibilidade para pescar. O
convite normalmente leva em consideração as relações de vizinhança e
parentesco. Em uma abordagem ecológica clássica (e.g. RICKLEFS, 2012),
considera-se que os comportamentos que favorecem grupos sociais restritos,
como é o caso dos parentes, possuem consequências adaptativas. O autor afirma
ainda que os vínculos cooperativos nem sempre significam atitudes puramente
155
altruístas, mas implicam em benefício direto tanto para o indivíduo quanto para o
seu grupo social. Admite-se, no entanto no presente estudo, que as relações
humanas estão inseridas num contexto muito mais complexo, incorporando outras
tantas variáveis difíceis de prever.
Na comunidade estudada os vínculos cooperativos estão relacionados
ainda ao compartilhamento das canoas, principais meios de transporte utilizados.
No ano de 2009, seis canoas de fibra motorizadas foram obtidas junto ao Governo
do Estado da Bahia através de um projeto elaborado pelo Conselho Pastoral dos
Pescadores e Movimento dos Pescadores do Estado da Bahia. Uma vez que as
embarcações são de uso comunitário, a administração das mesmas é feita de
modo coletivo, respeitando-se regras pré-estabelecidas pelos próprios
extrativistas.
As canoas foram divididas entre os vilarejos (2 para o Tororó, 1 para o
Ferreiro, 1 para o Dunda, 1 para a Olaria, 1 para o Forte da Salamina). Para cada
canoa formou-se um grupo de 4 a 6 pessoas que são responsáveis pela gestão da
embarcação. Foi decidido coletivamente que as canoas seriam utilizadas
prioritariamente para a realização de atividades pesqueiras e secundariamente
para transporte de pessoas.

"Tem gente que não é do grupo, mas é da


comunidade, a canoa tem que servir a ele. Porque não
precisa ele dizer... O grupo é pra organizar as coisa, mas se
a pessoa não for do grupo não tem nada a ver não. É um
óleo que falta, um óleo de carter, uma manutenção, um
negócio, se não tiver o grupo? A canoa é pra servir todo
mundo."

Uma das manifestações mais claras dos vínculos cooperativos


intracomunitários ocorre no compartilhamento de informações a respeito da
abundância dos recursos. Os pescadores avisam uns aos outros quando
encontram grande quantidade de camarão. É importante mencionar que
informações dessa natureza são compartilhadas apenas na própria comunidade,

156
excluindo os demais pescadores da região que são considerados pelos nativos
como o pessoal de Maragogipe, analogamente ao que foi identificado por Marques
(2001) na Várzea da Marituba.
Nota-se, portanto que enquanto se estabelece uma relação de
cooperação intracomunitária, também ocorre a competição com os pescadores de
outras comunidades, notadamente os da cidade de Maragogipe diante dos quais a
abundância de recursos é mantida em segredo.

“Porque tem gente que avisa: 'O camarão tá cá'.


Porque é companheiro, porque não quer comer sozinho."

Assim como identificado por Dias-Neto (2010), também na Salamina o


segredo pode ser mantido de forma passiva por omissão ou de forma ativa, pela
dissimulação ou mentira. Muitos nativos afirmam que, embora adotem a estratégia
de não revelar locais de abundância do recurso, principalmente a pescadores
externos à comunidade, é muito difícil que os demais colegas não percebam a
concentração de pescado em determinados locais. Segundo os entrevistados,
durante a atividade, eles se observam constantemente e o pescador que puxa a
rede e permanece muito tempo de cabeça baixa, retirando o pescado da rede,
está no local onde o recurso é abundante.

"Quando ver um de cabeça baixa a gente já sabe


que tá panhando, a gente já fica de olho. A gente já sabe as
imediação do lance dele...”
"Ah mas pescador não deixa de dizer nada não.
Se você pegar cinco quilo de camarão hoje, Maragogipe toda
sabe. Todo mundo sabe.”

A tentativa de manutenção do segredo na pesca foi tratada por Souto


(2004) como uma expressão da territorialidade que visa subtrair usuários do
acesso aos recursos. O resultado encontrado na Salamina é semelhante ao
encontrado por Futemma e Seixas (2008) entre pescadores da Baía de

157
Ubatumirim (litoral norte de São Paulo), dentre os quais provavelmente existe
segredo, embora este não implique de fato em restrição de acesso aos locais.
Não foi identificada a territorialidade expressa em “locais possuídos”, tal
como identificado por Marques (2001) com exceção da única camboa de pau que
ainda existe na Salamina, que possui um dono. Entretanto, constatou-se que a
territorialidade na pesca se manifesta também na disposição dos petrechos de
pesca. Os pescadores devem manter uma distância mínima entre as redes para
evitar prejudicar a atividade do colega e consequentemente evitar conflitos. De
acordo com a regra local, o pescador que lançou a sua rede primeiro tem
prioridade no lance e se outra rede for lançada sem uma distância mínima,
impedirá que a primeira capture o pescado. Quando isso ocorre, os entrevistados
dizem que deu ferro.

(Pode colocar a rede perto da outra?) "Pode. (Dá


confusão?) Não. Às vez dá confusão mas a confusão não é
muita não. Aqui a gente leva até na brincadeira. Mas eu não
gosto dessas brincadeira comigo não. Eu gosto de respeitar
o seu momento e você respeitar o meu. Eu cheguei aqui na
posição do lance, se Juraci chegar aqui, ele me espera. Se
ele chegar primeiro eu tenho que esperar ele botar a rede
dele pra a rede descer pra eu botar a minha. Porque aqui
tem regra."
(pode colocar rede perto do outro?) "Tem gente
que procura confusão. Os povo fala que deu ferro. Eu tô
colocando uma rede aqui você vai botar na minha frente os
povo fala: 'deu ferro'. Tipo, ele passa na minha frente, tá de
olho grosso quer ganhar mais do que eu, aí a minha rede já
não marisca. A dele vai mariscar. Aí tem gente que sempre
dá problema, não gosta. Fica falando, né? Bate-boca. "

O acontecimento pode provocar conflito e gerar discussões, mas de


acordo com entrevistados, não chega a provocar briga. Esse conflito em geral
envolve pescadores de outras localidades, existindo uma tolerância maior quando
o problema ocorre com alguém da própria comunidade.

158
(Dá problema colocar uma rede perto da outra?)
"Dá problema. Quer dizer, quando é do mesmo território, aí
não. Porque a gente acha que não deve dizer nada, mas se
vim de outros lugares, da problema. Dá confusão, mas não
de briga, sabe?"

No que se refere às relações de gênero, observou-se que a pesca é


uma atividade masculina, ainda que poucas mulheres atuem eventualmente nesse
setor. Quando inseridas na pesca propriamente dita, elas ocupam uma condição
hierárquica inferior à dos homens, atuando como ajudantes.
De acordo com Oliveira (1993) em estudos sobre o papel feminino da
pesca em Maragogipe, coube à mulher o desempenho de diversas tarefas em
terra que não implicam no afastamento prolongado da própria residência. Assim, a
autora reitera o papel feminino na coleta de moluscos e crustáceos e ainda o
desempenho das atividades domésticas. Esta realidade ainda hoje se aplica à
maior parte das mulheres da Salamina. Cotidianamente, elas são responsáveis
tanto por garantir o cuidado com a casa e filhos durante a ausência do marido,
quanto por manipular o pescado para prepará-lo para a venda, caso seja
necessário. Ao contrário do que ocorre na pesca, as mulheres predominam no
exercício da mariscagem que ocorre quase exclusivamente para a subsistência.
O pescado capturado é vendido a atravessadores ou diretamente a
restaurantes da cidade de Maragogipe. Tal como discutido anteriormente, a
chegada da energia elétrica na comunidade melhorou as condições de
comercialização dos produtos, por tornar possível o armazenamento do pescado.

"Nós vende aqui a atravessador. Se tiver muito, a


gente vende ao cara pra revender ou a gente vende no bar.
Mas o bar não pode comprar todas as pesca, né? Agora eles
compra, pessoal que tem restaurante, é até melhor que eles
compra mais caro. Mas só que eles também não vai comprar
direto pra armazenar porque o movimento aqui também é
pouco em Maragogipe, né?"

159
O preço pago por quilo de camarão varia entre sete e quinze reais. O
produto atinge o preço mais alto no período do verão, quando a procura aumenta
ou em ocasiões em que o recurso está escasso.

"Agora porque teve essa falta de camarão agora,


porque toda vez que fecha a pesca, o camarão some. Não
sei qual é o caso. E agora ele tá começando aparecer, tá
caro. Quinze reais. Quando tá barato tá de oito, tá de sete, tá
de dez."

A intermediação da venda pelos atravessadores é um fator que


prejudica os pescadores, uma vez que o lucro obtido é menor. De acordo com
Souto (2004) a intermediação da comercialização do pescado é fato bastante
comum em inúmeras comunidades de pescadores ao longo da costa brasileira.
Esse processo gera lucro progressivamente maior a cada nível hierárquico da
cadeia de comercialização (SOUTO, op.cit.) e provoca a desvalorização do
trabalho dos pescadores artesanais.

160
Pessoa / Sobrenatural

A influência do componente sobrenatural sobre as atividades


pesqueiras é pouco abordada na literatura. Dentre os escassos estudos que
tratam da conexão com o sobrenatural, detacando-se Marques (1995; 2001),
Souto (2004), Martins (2008) e Costa (2011) todos tecendo análises a partir da
etnoecologia abrangente.
Segundo Posey (1986), os seres sobrenaturais podem ter importância
ecológica quando são capazes de influenciar estratégias de uso dos recursos
naturais, atuando na conservação. Autores como Anderson (1996), Berkes (1999)
e Marques (2005) também abordaram a importância das criaturas sobrenaturais
com função reguladora nos ecossistemas.
Particularmente no que tange aos ecossistemas marinhos, Diegues
(1999) aponta que os mitos e ritos com relação ao mar e seus componentes
bióticos se desenvolveram mais no oriente do que no ocidente. Sousa (2006) por
sua vez, considera que existem inúmeros mitos nacionais relacionados ao
imaginário das águas e afirma que os variantes do mesmo são resultantes do
processo de hibridização cultural entre os povos que formaram a cultura brasileira.
Segundo Diegues (op. cit.) os mitos estão desaparecendo nas sociedades
ocidentais do ponto de vista coletivo embora ainda persistam individualmente.
Na Bahia de forma geral, é grande a influência de religiões de matrizes
africanas enquanto no Recôncavo, em particular, essa presença pode ser
considerada é ainda maior. A complexa visão cosmológica dessas religiões
comumente bastante relacionadas com o mundo natural, apresenta elementos
associados às águas e ao universo da pesca.
Na Salamina, entretanto, com a larga disseminação da religião
evangélica não foi registrada nenhuma manifestação religiosa de origem afro.
Assume-se esse não registro nesse estudo como uma “ausência de evidência” e
não como uma “evidência de ausência” (Marques, 2001) dessas crenças e
práticas religiosas na comunidade. Tal cautela se dá por se considerar que parte
161
dos praticantes poderia omitir essa informação em virtude da discriminação sofrida
pelos mesmos principalmente por parte da comunidade evangélica.
Do ponto de vista da conexão com o sobrenatural, uma das
consequências da introdução da religião evangélica é a possível desconexão com
seres sobrenaturais como Iemanjá, considerada guardiã ou protetora do mar por
inúmeras comunidades pesqueiras.
Para os nativos, Deus é o responsável por fornecer os recursos
pesqueiros, e é a Ele que os entrevistados recorrem quando a situação de
escassez de pescado se acentua. Os pescadores consideram ainda a sorte como
um elemento indispensável para o sucesso na pesca. Segundo Diegues (1999),
alguns trabalhos em antropologia simbólica abordam a sorte como elemento em
torno do qual giram os vários aspectos da vida dos pescadores. Isso se dá devido
às incertezas e vulnerabilidade diante dos fatores climáticos e de mercado
(Diegues, op. cit.) como condições flutuantes que se inserem no contexto de
imprevisibilidade da pesca.
Não foi identificado, portanto, entre pescadores locais nenhum ser
sobrenatural que pudesse de alguma maneira atuar na regulação e conservação
dos recursos pesqueiros. Considerando aspectos da cultura e os processos
históricos vivenciados no Recôncavo baiano, é possível que conexões com o
sobrenatural tenham sido desfeitas principalmente depois da inserção da religião
evangélica na comunidade.

162
Etnoecologia Abrangente do Extrativismo de Piaçava

Bases Cognitivas

Aspectos biológicos e ecológicos

Os nativos nomeiam a planta de pindoba ou pindobeira e as fibras


recebem o nome de piaçava. O extrativismo comercial da piaçava na comunidade
da Salamina muito provavelmente envolve uma a explotação de uma única
espécie botânica: Attalea funifera. Apesar de não ter sido realizada coleta e
identificação do material botânico, a literatura consultada (e.g. GUIMARÃES e
SILVA, 2012) cita apenas essa espécie de importância comercial com ocorrência
registrada para a área de estudo. Da mesma maneira, os entrevistados
reconhecem apenas um tipo ou marca de pindoba explotada comercialmente: "Só
tem um tipo, é um tipo só, uma marca só".
Não obstante, os extrativistas afirmam que existe outra palmeira
parecida com a pindoba na região, mas que não apresenta potencial econômico: a
palmeira andaiá ou indaiá. Não é possível afirmar, entretanto, a que espécie
botânica corresponde essa palmeira. Sabe-se que Ribeiro et al (2009) atribuem a
esse nome vulgar à espécie Attalea oleifera enquanto Silva e Fish (2012) tratam-
na como Attalea dubia. Os nativos utilizavam as folhas dessa palmeira para
cobertura das casas de taipa.

"Tem o andaiá, que parece a pindobeira, mas que


não é a pindobeira. Tem o andaiá que os quilombola quando
pra facilitar o acesso de cobrir casa. O andaiá você lasca e
não precisa tá alisano pra cobrir casa e a pindobeira você
tem que tá ajeitano. Agora sai bonitinho o da pindobeira
tombém. Cobrir sai bonitinho."

Os nativos atribuem dois nomes para A. funifera de acordo com fases


ontogenéticas. Quando se apresentam acaule são denominadas localmente de
pindobas, que conforme dito anteriormente é o nome utilizado de forma geral para
163
designar o vegetal. Quando são caulescentes, são denominadas coqueiros e
exigem maior esforço do extrativista na coleta das fibras. Segundo os
entrevistados, as pindobas são mais abundantes do que os coqueiros.
Não há cultivo de pindoba na Salamina, de forma que toda a produção
provém dos vegetais da mata local. A dispersão das sementes foi relatada de
forma detalhada por todos os entrevistados:

"... os bichinho é que espalha o coco. As cutia faz


assim: tem um cacho aqui de coco caindo, os coco vai
soltando, os coco de piaçaba. As cutia vai comendo. Elas
não é boba! Elas vai pegano que ela tem um dente que eu
não sei como é que serve um bicho daquele... Ela chega em
cada lugar esconde pra vim comer depois, aí joga outro lá
pra comer depois, aí vai espalhando o mato. É isso que elas
faz. Aí esquece de comer esses aqui, aí vai nasceno os
mato. Por isso que espalha o mato que os fazendeiro dizia
que era dele. Dele coisa nenhuma que ele não plantou nada!
Aí disso que vai espalhano o mato que as cotia vai guardano
escondido embaixo da terra. Ela cava. Aí quando o cacho é
grande, que ela não vence comer tudo, esquece de tirar dali,
ela nasce ali debaixo, aí vai nasceno, espalhano no quilombo
todo que hoje em dia o quilombo tá quase tomado de
piaçaba. De piaçaba não! De pé (pindoba), né? Que piaçaba
não tem mais esse tanto todo."

A literatura consultada corrobora a fala dos entrevistados. Voeks e


Vinha (1988) citaram o papel de roedores na dispersão de piaçava e Andreazzi
(2009) destacou as pacas (Cuniculus paca) e cotias (Dasyprocta leporina)
como principais dispersores de sementes de A. funifera. Somente um dos
entrevistados se referiu à paca como dispersora da pindoba. Informações a
respeito do comportamento das cotias de enterrar o alimento com finalidade de
estocagem por sua vez, foram comprovadas através dos estudos etológicos
desenvolvidos por Kaiser et al. (2011).
Os extrativistas afirmam que um besouro denominado localmente de
caruncha é uma praga que atinge as pindobeiras. Segundo as informações êmicas

164
a infestação não é frequente e só ocorre quando a planta é maltratada pelo
extrativista:

"(Dá alguma praga na pindobeira?) Dá. Caruncha.


Se você castigar muito a pindoba que tem que trazer a
qualquer custo, se você prejudicar muito, descobrir aquele
amarelo dela é capaz de dar uma caruncha e matar ela. É
capaz. É um besouro. Não dá muito, entendeu, menina, mas
acontece."

De acordo com Guimarães e Silva (2012), uma ampla fauna


entomológica está associada às palmeiras nativas do Brasil, incluindo Hemípteros,
Lepidópteros e Coleópteros. Os mesmos autores reiteram que poucas espécies
desses grupos se constituem realmente em pragas para A. funifera, a maioria
simplesmente vive associada às palmeiras. Entretanto, o coleóptero
Rhynostomus palmarum é citado na literatura (MOURA et al, 2006;
GUIMARÃES e SILVA, 2012) como a principal praga de palmeiras do gênero
Attalea. Embora não se possa confirmar a espécie científica à qual corresponde a
caruncha, o fato de se tratar de um besouro (coleóptero) fornece indícios de
correspondência entre os conhecimentos êmico e ético. Tal como relatado por
informantes locais, Guimarães e Silva (op.cit.) afirmam que os estragos de certa
importância provocados por artrópodes nestes vegetais são raros.
Os extrativistas apresentam conhecimento também acerca da
abundância e fenologia da pindoba. Segundo eles, a produção de fibras de
piaçava está associada a fatores climáticos, uma vez que consideram que a
pindoba produz mais quando o clima está mais ameno. Todos os entrevistados
percebem que as fibras de piaçava são mais abundantes no período do inverno. É
importante ressaltar que essa observação não se refere à abundância do vegetal e
sim da fibra por ele produzida.

165
"Tem. No inverno. Sempre assim no inverno dá
mais. Eu penso e vejo que é porque a terra é mais fresca, aí
dá mais. No verão é até mais difícil ter água."

A respeito da fenologia da piaçava, os dados da literatura consultada


tratam apenas do período de floração e produção de frutos. Não foram
encontradas na literatura botânica, informações que associem a maior produção
de fibras a qualquer fator sazonal. Sabe-se, entretanto que a alta umidade,
combinada com altos índices de precipitação atmosférica contribuem para o bom
desenvolvimento e maior produção de fibras de A. funifera (e.g. VOEKS, 1988).
Interpretando os dados disponíveis a respeito do clima da região dos tabuleiros
costeiros do Recôncavo Baiano, percebe-se que este se caracteriza, dentre outros
fatores, pela elevada umidade do ar durante todo o ano e, embora não apresente
uma estação chuvosa bem definida, está sujeito a uma deficiência hídrica entre os
meses de setembro e março (D’ANGIOLLELA et al. 2011).
Considerando as informações a respeito do clima e das condições
favoráveis ao aumento da quantidade de fibras da espécie, infere-se que escassez
hídrica no verão pode justificar a diminuição da produção de fibras nesse período
e, portanto corroborar a constatação dos extrativistas. A relação entre umidade e
maior quantidade de piaçava pode explicar também o fato dos nativos
considerarem que pindobas que ocupam solos mais úmidos, inclusive áreas um
pouco alagadas, produzem fibras mais rapidamente e em maior quantidade do
que aquelas que se encontram em locais mais secos.

"Tem lugar que dá mais piaçaba, tem lugar que dá


menos. Lugar mais fresco dá piaçaba mais ligeiro, lugar mais
seco piaçaba dá mais fraco.”
“... a piaçaba do brejo, daqueles córrego que a
gente desce, piaçaba ali só dá boa."

De modo geral, tal como em outros estudos etnobotânicos, pode-se


afirmar que os nativos conhecem muitos aspectos da biologia e ecologia da

166
piaçava. Tal conhecimento é importante para embasar a prática extrativista
principalmente do ponto de vista da localização dos recursos.

167
168
Interpretação da paisagem

(Onde pega piaçava?) "Aí na mata. No mato todo


aí. Onde pertencer à Fazenda Salamina, tudo quanto é lugar
aí".

Compreende-se o remanescente de Mata Atlântica que existe na


Salamina como uma unidade de paisagem (POSEY, 1987) ou ecótopo folk, na
abordagem da etnoecologia da paisagem (HUNN, 2006). Diversas localidades
compõe a comunidade da Salamina. Aquelas que são habitadas se encaixam na
definição de bairros rurais que, de acordo com Queiroz (1973) são:

“... aqueles onde os membros desenvolvem entre


si relações de trabalho expressas na ajuda mútua e
conservam relações de vizinhança que se concretizam na
participação, em nível social igualitário, das atividades
cotidianas e festivas do grupo da localidade”.

A percepção da paisagem por extrativistas locais, entretanto, vai além


da nomeação das áreas ocupadas por moradias. Os extrativistas também
nomeiam os pedaços de floresta, chamados localmente de pontas de mato, que
estão espalhadas por todo o território do quilombo e que são importantes sítios de
coleta de piaçava. Nesses fragmentos de unidades de paisagem não existem
moradores. Alguns deles foram habitados em tempos pretéritos, como é o caso do
Putumuju.
Localmente os extrativistas os denominam como bairros ou pontas de
mato. Essas localidades em geral apresentam uma concentração populacional do
recurso, denominados pelos extrativistas de pindobal ou simplesmente mato. Essa
última palavra tanto pode significar um sinônimo da primeira, quanto pode
designar a mata como um todo.

169
(As pontas de mato tem nome?) “Tem... Tem os
bairro, os nome do bairro. Aí tem Vaca Morta, tem Mucugê,
tem Pucino, Lage da Estrela, Mucumbe Grande, Canta Galo.
Só bairro de mato, não mora ninguém. Giral da Onça, Cova
da Mulé, Ilha de Percília, Água Azul de cima, Água Azul de
Baixo, Campo do Vigário, Arrasto do meio..."

Os nomes das pontas de mato muitas vezes são topônimos que em


uma primeira interpretação, podem ser entendidos como sugestivos de posse.
Entretanto, os próprios extrativistas afirmam que locais com nomes de pessoas
fazem referência, em geral, a algum morador, atual ou antigo que habitava as
proximidades, mas que é de acesso comum e não constitui uma expressão de
territorialidade como a que Marques (2001) denominou de “pedaços possuídos”.

"Os local, os mato, tem vários nome. Poço de


Bajara, Rio de Tereza, Ladeira alta, Arrasta do Dendezeiro,
Rio do Cavalo, Mucumbe Grande, Pucino, Caminho do
cajueiro, Cajueiro do Nico, Lage da Estrela, Queimada, aqui
pro lado de Egídio: Ferreiro, Bica, tudo é piaçaba. Rodage,
Rasto de João. Quer dizer esses que dá nome de uma
pessoa é uma rasto que você passava que ficava mais
próximo assim das casa, não sabe? Tem aqui a Lage de Bié,
Caibro de Bié, quer dizer que foi o lugar que ele tirou os
caibro, sabe? Mas é nomes antigo, não é que botaram agora
não."

170
Bases Conexivas

Pessoa / Mineral

O extrativismo da piaçava apresenta uma conexão fortíssima com o


mineral uma vez que envolve necessariamente o uso de facão. Estabelece-se,
portanto com o mineral uma conexão meio de suma importância para a coleta de
piaçava. Tal conexão pode ser considerada forte, porque uma vez sendo
modificada, poderia acarretar em grande mudança da atividade.
Em tempos pretéritos, utilizava-se foice como na retirada de fibras da
piaçava. Aparentemente ninguém utiliza mais esse instrumento no extrativismo
vegetal localmente. Neste caso observa-se que houve uma inovação tecnológica,
entretanto, ela não implicou em sérias modificações no exercício da atividade. Isso
se deve provavelmente à similaridade entre os dois instrumentos.

"Piaçaba pega com facão ou com foice.


Antigamente nós trabalhava de foice. Depois a gente
começou a trabalhar com facão. Hoje o facão deu certo
começou todo mundo trabalhar de facão"

Ainda que haja uma grande diversidade de interações com o mineral no


extrativismo de piaçava, tal conexão através do uso de facão, possui um grau de
conectividade forte, devido à sua importância no exercício da atividade.

171
172
Pessoa / Vegetal

O continente sul-americano é um dos locais com maior riqueza e


diversidade de espécie de palmeiras principalmente pelas condições climáticas
que possui (PINTAUD et al, 2008). O Brasil é um dos países que possui a maior
riqueza de palmeiras nativas, muitas delas com importância econômica como a
piaçava, a carnaúba, açaí, babaçu, buriti, tucumã, tucum, macaúba, etc.
(GUIMARÃES e SILVA, 2012).
Na América do Sul, o gênero Attalea, considerado de distribuição
neotropical apresenta 56 espécies registradas (PINTAUD et al, op.cit). De acordo
com Guimarães e Silva (2012), existem no mundo 10 espécies de palmeiras
produtoras de fibras conhecidas comercialmente como piaçava. No Brasil,
espécies de diferentes gêneros recebem essa denominação popular. De acordo
com Ferreira (2005), pelo menos três espécies nativas são utilizadas para a
fabricação de vassouras: Aphandra Natalia (piaçava do Acre), Leopoldina
piassaba (piaçava do Amazonas) e Attalea funifera (piaçava da Bahia).
Guimarães e Silva (op. cit.) acrescentam a essas, outras duas espécies de
piaçava de uso comercial: Leopoldina major e Barcella odora. Embora existam
outras espécies produtores de fibras, existe uma preferência mercadológica pela
fibra da piaçava da Bahia. Esse produto é mais valorizado no mercado por ser
considerado de melhor qualidade.
A importância comercial do extrativismo de Piaçava no Brasil foi tratada
por Pedrão (2001) que compilou dados históricos e constatou que as fibras, dentre
elas a piaçava, eram o segundo produto vegetal mais exportado pelo Brasil nos
períodos de 1850-1860 perdendo apenas para o Pau-Brasil. Em uma análise
muito mais recente, Almeida et al (2009) concluíram que a piaçava é um produto
cujo mercado está em ascensão, uma vez que no período de 1982 a 2005 houve
um aumento na demanda pelo mesmo.
A origem histórica do uso da piaçava remete à herança cultural
atribuída aos índios tupinambás, que utilizavam o trançado para fabricar objetos
173
(BARRETO, 2009). Registros do período colonial atestam o uso das fibras por
navegadores para fabricação de cordas utilizadas como amarras de navios
(VINHA e SILVA, 1998). Até meados do século XVI, a piaçava estava juntamente
com a cana-de-açúcar, dentre os principais produtos comercializados em
Maragogipe (INCRA, 2006). Um documento histórico datado de 1717, relativo à
criação da vila de Maragogipe, já dava notícia do extrativismo da piaçava na
região da Salamina (Ferreiro e Tororó) para a fabricação de esteiras e tapetes
(ICMBIO, 2009).
A piaçava é uma importante fonte de renda para muitas comunidades
quilombolas tanto da Baía do Iguape quando em outras regiões da Bahia, a
exemplo do Baixo Sul (LESSA, 2007). Na Salamina esse é o recurso reconhecido
como mais importante economicamente e isso se deve provavelmente ao fato de
ser extraído por praticamente toda a população local. Enquanto a pesca depende
de instrumentos específicos para sua realização (canoa e rede) e é uma atividade
cuja rentabilidade é imprevisível, a coleta de piaçava envolve instrumento simples
(facão) e oferece um retorno mais seguro ao extrativista.

“...é de onde você tira o seu sustento mais fácil é


na piaçaba porque a piaçaba você vai hoje, ou pouco ou
muito você traz e a maré hoje você tem dia que você vai e
traz nada e a piaçaba você traz, pode ser uma mãozinha
mas traz. Dez conto, quinze conto, uma piaçavinha. A maré
tem dia que você não arranja nada. Antigamente nêgo
arranjava aí oitenta conto, cem conto na pescaria, até mais,
mas hoje não faz."

Tanto na literatura quanto no senso comum de modo geral, piaçava ou


piaçaba é o nome vulgar empregado para se fazer referência tanto ao vegetal
como um todo quanto às fibras dele retiradas. Na Salamina, embora o vegetal
também possa ser denominado piaçaba, é mais comum na terminologia nativa o
emprego dos termos pindoba ou pindobeira para designar a planta. Provavelmente
a espécie explotada na Salamina é a Attalea funifera Martius (figura 33), de

174
acordo com Vinha e Silva (1998), nativa e endêmica do litoral baiano. Outras
palmeiras apresentam potencial para aproveitamento de suas fibras, entretanto
segundo Ferreira (2005) existe uma “hegemonia mercadológica” das fibras A.
funifera em decorrência da alta qualidade das mesmas.
As pindobas podem ser encontradas inclusive nas matas cortadas por
trilhas que dão acesso às casas, no entanto, estão presentes em número maior
nas pontas de mato mais afastadas. O trajeto entre a residência do extrativista e
os locais de coleta pode ser longo, sendo percorrido em até uma hora e meia. É
necessário o uso de animais, como jegues, para transportar a produção no longo
percurso de volta.

Figura 33 – Pindobeira (em primeiro plano)

175
Os extrativistas passam cerca de 8 horas nas matas coletando as
fibras. Esse tempo depende da distância do local de coleta com relação à casa do
extrativista e da situação de disponibilidade de recursos do local explotado. A
atividade envolve risco principalmente de acidentes com cobras.

"Se pega, rapaz, piaçaba a gente vai pra mata,


arriscado a tudo, a um corte... Arriscado uma cobra, um
negócio, coisa cansativa. Só anda carregado. Se vai pro
mato tem que trazer nas costa. Se vai botar pro porto na
canoa, é nas costa. E pra tirar? E o risco? Um pé de coqueiro
pra a pessoa subir. Às vez a pessoa faz andaime pra tirar.
Tudo isso acontece no mato. A gente pega madeira e faz
andaime, outros pega, aqueles que é mais forte, sobe de
joelho. Pra subir pra chegar na talha lá em cima.
"Eu mesmo tem vez que eu chego três hora da
tarde. Eu saio sete da manhã. Mas não é direto, entendeu,
vai rateando ás vez. Tem dia que é mais cedo, tem dia que é
mais tarde. Não é direto todo dia no mesmo horário não, tem
dia que o corpo pede, a gente vem mais cedo, dia que tem
mais disposição, volta mais tarde, aí pronto, é assim."

A coleta da fibra da pindobeira é realizada manualmente e não implica


no corte das folhas, mantendo a planta viva. Os entrevistados afirmam que se a
fibra for retirada com cuidado, a pindoba produzirá novas fibras que estarão
prontas para o corte em cerca de cinco meses.

(Quanto tempo leva pra tirar de novo no mesmo


lugar?) “Quatro, cinco meses se souber tirar. Quatro cinco
meses já tem uma capinha verde, se o camarada souber
tirar. Porque se ele for lá tirar aquela piaçaba que tá madura
e ainda tirar aquela capinha nova que vem saindo, com
quatro, cinco meses ele vai achar um toquinho verde, que é o
toco daquela capa que ele cortou. Agora se ele deixar aquela
capa, por debaixo daquela capa já vem outra porque no caso
ele pode achar o toco do que ele tirou antes, pode tirar
aquela capa nova da qual ele deixou e a outra que vem por
dentro. Ele já não vai ficar no zero. Agora se for desses
tirador que acaba com a pindoba..."

176
O extrativismo da piaçava envolve outro processo além da retirada das
fibras: a catação. Enquanto a coleta é realizada em geral pelo homem, o processo
de catação, que consiste na separação das fibras, é realizado na maior parte da
vezes, em nível familiar com o envolvimento de mulheres e filhos (figura 34). Em
caso de coleta de grande quantidade de fibras, outras pessoas da própria
comunidade são pagas para ajudar na realização do trabalho.

Figura 34 – Extrativistas realizando o processo de separação das fibras de piaçava (catação)

"Eu posso catar, mas se eu tenho quantidade


de piaçaba eu pago as menina pra catar. Elas ganha
um dinheirinhozinho. As menina daí mesmo é boa
nisso!"

177
No processo de catação, separa-se três componentes da fibra
denominados localmente de: caroço, parte mais valorizada que serve para a
fabricação de vassouras; casca ou lã, utilizada na cobertura de casas e quiosques;
e vidro, subproduto que pode ser utilizado como entulho (figura 35). Das três
partes, apenas o vidro não apresenta valor comercial. A casca passou a ser
comercializada recentemente e é vendida pelo valor de 10 reais por arroba.

(Tem vidro, caroço, capa... Tudo isso vende?)


Não. Essa aqui que se chama a casca. Se não quiser
chamar a casca, pode chamar lã. Aqui vende barato. Aí
depois a gente vem e tira esses vidro. Esses vidro aqui a
gente joga fora. A lã é menos da metade do preço do caroço,
vende pra fazer quiosque, essas coisa. E isso aqui que
chama a piaçba limpa, que é o caroço."

Figura 35 – Partes da fibra de piaçava com as respectivas denominações êmicas

178
Etnoconservação

A totalidade dos entrevistados considera que está havendo diminuição


gradativa da piaçava. Aparentemente, isso não significa redução no número de
pindobeiras, mas em quantidade de fibra encontrada, atribuída principalmente ao
aumento no número de extrativistas praticando essa atividade. Pode-se afirmar
também que os impactos sobre os recursos pesqueiros, muitos deles relacionados
à operação de empreendimentos de grande impacto como a Usina Hidrelétrica
Pedra do Cavalo, contribuem para que um maior número de pessoas precise
compartilhar a piaçava, o que aumenta a pressão sobre o recurso.

"A piaçaba sempre dá, aqui é de inverno a verão.


Tá difícil assim porque tem mais trabalhador. Mas com jeito,
acha. Toda vida foi importante. Aumentou o número de gente
também, né? O pessoal pegou família, chegou alguma gente
de fora..."

Há uma relação paradoxal entre a abundância das pindobeiras e


quantidade de fibras produzidas. É unânime entre os entrevistados a opinião de
que o número de pindobas no território do quilombo tem aumentado
gradativamente. Em contraposição a isso, os extrativistas encontram cada vez
mais dificuldade para coletar as fibras.

“...Porque tem muita! Quer dizer, muito pé, agora


muita piaçaba não tem porque não é mole não, quer dizer,
trinta, quarenta pessoa todo dia no mato tirando num lugar...”
"Mudou assim nesse sentido: vai aumentando o
número de gente, vai ficando mais difícil. Porque nem todos
aqui faz uso da pesca. Porque se eu passo dois mese
pescando, praticamente eu não tô indo no mato. Mas tem
outros que é a vida toda no mato (não vivem de pesca).”

Do ponto de vista da conservação de A. funifera, o extrativismo tal


como praticado localmente não implica em risco de extirpação da espécie. Admite-

179
se isso porque o extrativismo não implica em corte da planta e também não
envolve procedimentos que ameaçam a sua sobrevivência. Desse modo, quando
os extrativistas relatam a diminuição gradativa na quantidade de piaçava, eles
estão se referindo à escassez de fibras e não de árvores.
Alguns nativos afirmam que os pindobais ou matos ocupam uma área
cada vez maior na localidade. Segundo eles, as pindobas se espalharam pelo
quilombo após desativação de roças do antigo proprietário da fazenda.

"Graças a Deus pra piaçaba apesar de tá bem


(menos)... O mato expandiu, né? Nasceu por tudo o que foi
lugar.”
"Pra você ter uma ideia, o desmatar aqui acontece
isso: ela enche de pindoba, nasce. Há trinta ano atrás não
existia esse mato (pindobal) assim não, bem pouquinho. Foi
nascendo mais. Ainda bem né? Que elas nasce."

Cumpre-se analisar também o papel da piaçava como possível espécie-


chave para a conservação da Mata Atlântica local. Os extrativistas consideram
que a piaçava é mais abundante em áreas sombreadas e, embora não tenha sido
encontrado correspondente ético que corroborasse essa afirmação, infere-se que
esse conhecimento possa ter colaborado com a manutenção da vegetação nativa.
Almeida et al (2009), destacam a importância dos produtos florestais não
madeireiros na conciliação da manutenção da renda de famílias de extrativistas e
conservação de florestas tropicais.
De modo mais abrangente é necessário avaliar o próprio papel
desempenhado pela comunidade local na conservação da Mata Atlântica. De
acordo com Silva (2008), os remanescentes florestais atlânticos estão sobrepostos
aos territórios de comunidades culturalmente diferenciadas da sociedade
abrangente, em particular as populações quilombolas.
Em toda a Bahia do Iguape é possível perceber visualmente a partir do
rio Paraguaçu que as áreas ocupadas por fazendeiros, em sua maioria, sofreram
mudanças da cobertura vegetal e são hoje dominadas por pastagens. Não

180
obstante, os territórios ocupados por comunidades quilombolas mantém uma
cobertura de florestas e manguezais (figuras 36 e 37). Isso sem dúvida se deve à
relação histórica e alto grau de dependência que a população local mantém com
os recursos naturais que viabilizam a sua sobrevivência material e simbólica. O
modo de vida dos nativos, que estão inseridos no mercado abrangente, ainda que
de forma marginal, não adotou até o presente, o alto grau de consumo vigente na
que a sociedade hegemônica.

181
Figura 36 – Vista da margem do rio ocupada por uma fazenda

Figura 37 – Vista da margem do rio ocupada por quilombolas da Salamina

182
Pessoa/ Animal

Estabelece-se uma conexão importante com os animais não apenas no


contexto do extrativismo da piaçava, mas também no dia-a-dia da população da
Salamina. Todo material ou carga a ser transportado no interior do quilombo é
conduzido através de uma conexão do tipo ergonômica entre seres humanos e
jegues ou bois. Principalmente os jegues, são utilizados pra realização de todo
tipo de transporte, uma vez que não há nenhum tipo de veículo motorizado na
localidade.
No tocante do extrativismo de piaçava, objeto de uma análise mais
profunda neste estudo, os bois e os jegues se inserem como meio de transporte
da produção tanto após a coleta quanto após o beneficiamento das fibras. Nem
todas as pessoas, entretanto, possuem esses animais, e nesse caso, carregam
pessoalmente o produto: "Produção quem tem jegue traz no jegue, quem não tem
leva na cabeça”.
Ter ou não um animal para transportar a produção provavelmente é um
fator que interfere sobremaneira na quantidade de produto explotado. Isso se dá
por duas razões de fácil inferência: a primeira porque o indivíduo que não dispõe
de um animal não pode se deslocar a grandes distâncias para realizar a coleta da
piaçava, e portanto, não pode acessar locais menos explotados e a segunda que
ele é obrigado a retirar uma quantidade menor de fibras, porque tem que
considerar a quantidade de carga que pode suportar carregar. Desta forma, a
conexão com os animais tem grande influência sobre o extrativismo vegetal, uma
vez que é um dos fatores que incidem sobre a regulação da quantidade de fibras
explotadas.
Aspectos da história local incidem dobre a interação entre seres
humanos e bois/jegues na Salamina. De acordo com um meme local, Tânia,
antiga proprietária da fazenda, vendeu quase todos os animais que existiam que
existiam na antiga fazenda. Por motivos já expostos anteriormente, esse fato
provavelmente gerou impactos sobre a produtividade da piaçava.
183
(Como transporta a produção do mato pra casa?)
"Começou com o animal depois a fazendeira disse assim 'eu
vendi os animal e vou vender vocês' aí nós se zangou porque
nós já tava começando trazer (a piaçaba) na cabeça. Porque
tem uma música que tinha antigamente que eu vim refletir
agora, dizia assim: 'o burro é que merece medalha, o burro é
quem dá murro'. Depois que eu vim entender as coisa de
quilombo, eu disse 'aquela música é pra nós', quem merecia
medalha era nós porque carregava as coisa na cabeça pro
fazendeiro. Mas mesmo assim tinha muito animal. Depois
quando ela quis abusar a gente é que a gente começou a
carregar na cabeça. A mulher aqui (fazendeira) começou a
vender os animal pra castigar o pessoal, né? E com usura do
dinheiro, o pai foi deixano os animal, ela com usura, disse 'eu
vou logo vender os meu que eu não sou boba, sou filha', com
usura, aí ficou quase sem nada de animal aí. Bem pouco
animal ficou aí."

Após todas as modificações sociais ocorridas com a certificação


quilombola, os nativos passaram a novamente ter animais principalmente com a
finalidade de realizar transporte. Essa conexão pode ser classificada portanto
como resiliente, uma vez que após um distúrbio, voltou a se estabelecer.

184
Pessoa / Pessoa

O extrativismo de piaçava envolve praticamente toda a população local,


em um processo no qual a participação familiar é de grande importância. A coleta
de fibras é realizada predominantemente por homens, que realizam o trabalho
individualmente, mas geralmente se deslocam pelas matas em pequenos grupos
com número variável de pessoas. Os grupos de coletores que frequentemente
incluem de 3 a 6 pessoas, não são fixos e em geral levam em consideração as
relações de parentesco e vizinhança.
Uma vez que os extrativistas se deslocam em grupos, ainda que eles
executem a atividade separadamente, a proximidade entre eles na ocasião da
coleta é inevitável. De acordo cada um vai realizando a sua tarefa e a proximidade
não provoca conflito.

(Pode tirar perto do outro?) "Até dez ou vinte


pessoa junto. Aí quando chega lá eu tiro essa pindoba aqui,
você tira uma ali, outro tira uma ali.. Aí na hora um grita
daqui, pro outro ali, bora... Aí vai todos junto"
(Pode pegar perto do outro?) "Pode, pode. Tem
pindobeira que uma tá aqui outra ali, um pega essa aqui e
outro pega e tira a de lá. Geralmente vai três, quatro pessoa
junto."
(Pode tirar piaçaba perto do outro?) “Pode, só não
pode panhar a minha que eu tô tirando."

Ainda que algumas pessoas prefiram realizar a coleta das fibras


sozinhas, a realização da atividade em grupo, tal como é realizada pela maioria
dos nativos, parece promover vantagens a cada um dos indivíduos. Um dos
benefícios proporcionados pela coletividade no extrativismo é a minimização dos
riscos, ou pelo menos a garantia de socorro imediato, em casos de acidentes,
inclusive com picadas de cobras.

"Vai vária pessoa. Nunca é bom ir sozinho. Por


que não é bom? Aqui mermo tinha uma pessoa que foi
185
embora pra Salvador que o bicho pegou, uma cobra. Mas
depois disso nós até começou a usar bota e calça. Nós ia ao
leo pro mato. De bermuda, descalço. Depois do filho de
Valtinho que teve uma mordida de cobra muito violenta
chegou em casa arrastado. Não sei como chegou em casa.
Depois disso nós começou a usar bota e calça."

A mata propriamente dita é um espaço de uso comum onde segundo os


extrativistas não existem os pedaços possuídos: “todo mundo é dono”18. Neste
caso, existe um mecanismo com o potencial de proteger os recursos através da
restrição no número de usuários: o segredo. Este princípio consiste em não
revelar a outras pessoas os locais onde os recursos estejam abundantes com a
intenção de reservá-los para a próxima ocasião de coleta.
Todos os entrevistados afirmaram guardar segredo no caso de
encontrar um local em que o recurso seja abundante. Muitos deles afirmam não
compartilhar a informação com a comunidade porque o recurso já é escasso.
Raciocínio semelhante a esse foi relatado por Souto (2004) no discurso de um
pescador local que usou a expressão popular “Farinha pouca, meu pirão primeiro”
para ilustrar o motivo da manutenção do segredo de áreas com concentração de
recursos pesqueiros. Da mesma maneira que ocorre na pesca de camarão na
Salamina, o segredo com relação à abundância de piaçava também pode ser
mantido por omissão ou por dissimulação ou mentira (DIAS-NETO, 2010).

(Segredo?) "Dependendo da pessoa, a gente


guarda o segredo, né? E dependendo a gente fala a verdade,
mas diz que só foi aquela, tá entendendo? Se o cara sonhar
o lugar, no outro dia o cara tá primeiro do que aquela pessoa
que foi. Aí a gente diz que só tinha aquela, que nós já tirou.
Ou então dá o nome de outro mato."
"O certo é dar o nome de outro mato, meu véi, que
aí o cara vai bater a cara lá pra longe..."

18
Exceção a essa regra são as propriedades particulares de posse de fazendeiros, que podem ser explotada
por extrativistas, mas já houveram conflitos relativos a este uso.

186
A informação relativa à fartura de recursos em determinados locais é
compartilhada apenas entre aqueles que costumam trabalhar juntos, o que
geralmente envolve algum grau de parentesco. Talvez por este motivo, o exercício
da atividade em grupo é denominada êmicamente de parceria e a socialização do
segredo dentro do grupo, beneficia a cada um dos componentes. O exercício
coletivo da atividade, portanto, garante também o compartilhamento de
informações privilegiadas dos locais de concentração de recursos, o que confere
mais uma vantagem para a atuação coletiva dos extrativistas.

(Se encontrar muito, avisa aos outros) "Hum?


Avisar o quê? O cara tem dia que vai e tira uma mutuquinha
(quantidade pequena) daquela. O que é que aquilo dá, pelo
amor de Deus? O cara acha pra tirar duas, três dessas, vai
dizer? A não ser quando trabalha de parceria, né? Aí tudo
bem."

Por todo o exposto, atribui-se ao extrativismo de modo geral um caráter


muito mais solidário do que solitário (MARQUES, 2001) amparado em bases mais
cooperativas do que competitivas. Entretanto, é preciso considerar que isso não
parece ocorrer com propósito altruísta, uma vez que a coletividade promove
vantagens a cada membro do grupo, sejam elas relacionadas à segurança ou à
otimização da coleta. Em termos ecológicos, esses dados se assemelham a
relações identificadas entre animais tal como retratada por Ricklefs (2012) onde há
cooperação, mas essa implica necessariamente em benefício para todos os
indivíduos o que não se configura como propósito altruísta. Não obstante,
independentemente da motivação, pode-se dizer a que o extrativismo
provavelmente reforça a interdependência das relações pessoa/pessoa na
Salamina.
Existe localmente outra regra social que podem ter influência na
regulação do recurso piaçava e parece atuar efetivamente na exclusão de
usuários. Alguns extrativistas construíram suas casas em locais bastante próximos
às pindobeiras e cuidam dessas áreas mantendo-as roçadas (figura 38). Neste
187
caso, uma regra social de respeito confere ao extrativista que cuida das
pindobeiras em seu quintal19, o direito à exclusividade na utilização daquele
recurso, excluindo demais usuários.

"(Pode pegar perto da casa de outra pessoa?)


Não. Porque ele tá ali zelando. Aí a pessoa respeita, né?"
“...É uma falta de respeito eu sair daqui pra ir tirar
uma piaçaba na porta dele, né? Aí é falta de consideração, a
gente aqui não fazemos isso. Agora lá fora a gente tira aonde
quiser."
"A pessoa só vai saber que é dono se ele tiver
cuidano. Se ele não tiver, não tem como fazer."

Figura 38 – “Quintal” de um extrativista com pindobeiras

19
A denominação quintal, neste caso, é utilizada para denominar as redondezas das casas , podendo estar
situadas tanto atrás quanto na frente da casa.

188
O acesso a recursos comuns tem sido exaustivamente discutido em
estudos envolvendo ambiente e sociedades. Recursos de propriedade comum,
assim como a piaçava neste caso, são definidos por Berkes (2008) como aqueles
nos quais a exclusão (controle de acesso) é difícil e o uso coletivo inclui a
subtração – diminuição do total de recurso disponível para o próximo usuário.
Segundo Berkes (2005), recursos comuns (commons) podem ser utilizados nas
escalas global (e.g. oxigênio), regional (e.g. bacias hidrográficas) e local (e.g.
recursos pesqueiros), sendo que o maior número de trabalhos tem abordado
escala local.
Os extrativistas vendem a piaçava a atravessadores. Atualmente eles
possuem autonomia para realizar a comercialização do produto e afirmam que a
alta demanda torna fácil a sua venda. Apesar de praticamente toda a piaçava
produzida na Salamina hoje ser vendida para um único comprador, os
entrevistados afirmam que podem vendê-la ao comerciante que oferecer o melhor
preço.

"O que não falta é freguesia."


(Freguesia?) “Tenho. Tenho um rapaz em São
Francisco, Dinho. Tamo livre. Ele compra a trinta reais a
arroba esse Dinho, mas se chegar um aqui dizendo: eu pago
trinta e um, trinta e dois, nós tamos livre pra passar pra
qualquer outro."

De modo geral, a produção é vendida quinzenalmente ou mensalmente.


Os extrativistas que tem a piaçava como principal fonte de renda coletam entre 7 e
12 arrobas por mês. Atualmente, cada arroba de piaçava (15 quilos) é vendida por
30 reais o que representa uma renda mensal de 210 a 360 reais. Desta maneira,
os extrativistas mais uma vez são os mais prejudicados ao longo da cadeia
produtiva, desprendendo grande esforço energético e obtendo um pequeno
rendimento financeiro no extrativismo da piaçava.

189
"Entrego no máximo duas vez por mês.
Geralmente uma vez no mês eu vendo assim. Do jeito que
eu tô, se eu for no mato vinte dias, eu deixo aqui umas oito
arroba no máximo, sete arroba por aí, porque tá ruim mesmo.
Às vez completo com a pesca. A roça é pouca, mais pra
comer mesmo."

Alguns entrevistados afirmam que a piaçava produzida por eles muitas


vezes são destinadas a mercados externos. Embora não se tenha investigado
essa informação no presente estudo, Guimarães e Silva (2012), mencionam que o
grande parte da produção da fibra atende de fato ao mercado internacional, sendo
direcionado principalmente a países europeus, com destaque para Portugal que
representa cerca de 50% da demanda.

190
Pessoa / sobrenatural

A inserção (recente) da religião evangélica na Salamina acarretou


grandes mudanças socioculturais e isso é particularmente visível quando se
observa a festividade e sistema de crenças locais. Conforme relatado
anteriormente as festas deixaram de ocorrer na Salamina e acessar o universo
simbólico que inclui as criaturas sobrenaturais do mar e da floresta é
extremamente difícil em decorrência da maior parte dos entrevistados ter adotado
a nova religião. Ainda é assim, e mesmo com alguma dificuldade do ponto de vista
metodológico, foi possível encontrar na fala de alguns entrevistados, a alusão a
seres sobrenaturais ou tal como tratado por Siqueira (2013) os não-humanos.
Na região de Maragogipe como um todo é bastante conhecido o ser
sobrenatural denominado localmente de vovó do mangue. Em uma primeira
observação, essa criatura parece ter semelhança com a caipora e ter o potencial
de atura como protetora do mangue e das matas. Na Salamina, refere-se a este
ser sobrenatural como vovó do mato. A maior parte dos entrevistados quando
questionados a respeito da existência dessa criatura, afirmaram que “isso é coisa
dos mais velho”.

"Bom, o povo chama vovó do mato. Diz que pra ir


lá você tinha que botar cachimbada de não sei o que, de
fumo, pra poder trabalahar senão você se perde no mato,
não sei o quê. Eles fala assim, tem um negócio de uma
caipora que fica em cima de um cachorro. mas eu mesmo
nunca vi. Nunca vi e nunca me perdi em lugar nenhum. Eu já
me perdi facheando amoreia dentro do mangue. Tem gente
que diz que já se perdeu, o caminho pertinho e ele perdido
porque xingou, a vovó não gostou e ficou perdido ali. Mas eu
nunca vi..."
"Eu vejo falar, mas nunca vi não. Não sei nem
explicar o que é isso, viu? Eu vejo os mais velho contar isso,
mas nunca vi não."

191
Pode-se considerar a existência da vovó do mato como um meme,
porque essa é uma figura conhecida por todos, embora a maioria afirme nunca tê-
la visto. Entretanto, ainda que hajam algumas evidências de descrença, não se
pode afirmar que há uma total incredulidade sobre a existência da vovó do mato,
uma vez que em muitas falas aparece o paradoxo que Marques (2001) tratou
como “crer não crendo”.

"Menina, no mundo tem bem e tem mal. Então


pode acontecer, né? Tudo pode acontecer. Eu não digo que
não tem não. Tudo pode acontecer. Mas eu mesmo nunca vi
assim."
"Vovó do Mato. Não pergunte a ela (se referindo à
mãe) que ela é cristã! Antigamente ela acreditava. Não tinha
vovó do mato? Tinha! Tinha que eu me lembro. Lá na ponta
da linha, a finada Raimunda minha tia, não foi pegada de
dente de cachorro? A dona do mato que fazia a pessoa ficar
coisa..."
"Diz que tinha! Diz que era a dona do mato,
parece. Principalmente porque minha mãe tinha tempo que
disparava no mundo que tinha que botar cachorro atrás.
Gente! Muita gente naquela época era assim. Se chamava
vovó do mato. Fazia se perder no mato."

De modo geral, a crença na vovó do mato se configura mais como uma


crença do passado: "Isso era mais antigamente, mas agora não existe mais”. Em
consequência da atual situação, esse parece ser um meme em desprestígio, tal
como Marques (2001) mencionou no caso do Jacu, na Várzea da Marituba. A
atuação da vovó do mato com potencial efeito de regulação de recursos
(ANDERSON, 1996) parece não ocorrer atualmente na Salamina e não há como
precisar se essa atuação existia no passado.

192
Temporalidade e apropriação dos recursos: conexões ao longo do tempo

“Vai mudando as coisa, plantação, isso e aquilo,


né? Aí vai mudando as diferença, as coisa vai se facilitando
um pouco. Apesar de que a dificuldade, a pobreza não muda,
né? Não acaba. Sempre tem dificuldade, mas muda alguma
coisa, melhora alguma coisa."

A proposta etnoecológica abrangente propõe uma análise sistemática


de dados abordando as dimensões cognitiva (conhecimentos ou corpus),
conflitiva, emotiva (pathos) e conexiva (comportamentos). Um dos fundamentos
dessa abordagem é a análise das cinco conexões básicas que o ser humano
mantém com o ambiente pessoa/mineral, pessoa/vegetal, pessoa/animal,
pessoa/pessoa e pessoa/sobrenatural (MARQUES, 1995; 2001).
Todas as culturas se encontram em movimento, entretanto, essas
mudanças se processam em velocidades distintas em cada uma delas. Dentro da
abordagem etnoecológica abrangente, a dinâmica cultural é analisada através do
status conexivo. Desta maneira, as conexões podem ser classificadas segundo o
seu comportamento ao longo do tempo. Esta análise contempla não apenas as
modificações ocorridas em decorrência da própria dinâmica cultural em si, mas
também é bastante oportuna para tratar as mudanças acarretadas por fatos
históricos, como também aquelas ocorridas em consequência das novas
demandas geradas pelo paradigma político-econômico do desenvolvimento
vigente.
As atividades econômicas que ocorreram historicamente na Salamina
foram responsáveis por modificações na paisagem local, formas de apropriação
dos recursos, relações de trabalho e modo de vida da população. A paisagem foi
transformada em decorrência das diversas ações antrópicas ocorridas desde a
época da colonização. No Tempo do Engenho havia na localidade plantação de
cana-de-açúcar que foi substituída pelas pastagens no Tempo da Charqueada. A
pecuária ocorreu localmente até o Tempo de Tânia, embora tenha diminuído a
importância desde o tempo de Rosalvo Novo. A vegetação de substituição de
193
Mata Atlântica foi se restabelecendo gradativamente e atualmente elas
predominam na paisagem da Salamina onde prevalecem atividades agrosilvícolas.
A extração de dendê para fabricação de azeite sofreu mudanças ao
longo do tempo. No Tempo de Rosalvo Velho o azeite era produzido para ser
comercializado. A produção era transportada através de embarcações que
adentravam a fazenda Salamina através de um rio que, devido a esta prática,
passou a se chamar Rio do Navio. Conforme afirmado anteriormente, hoje o
dendê é produzido pelos extrativistas apenas para o consumo da família. Desta
forma, o trabalho tanto no corte do dendê quanto na produção de azeite que era
do tipo conexivo eminentemente econômico passou a ser realizado com a
finalidade trófica.
Outra mudança se refere estritamente ao processo de fabricação do
azeite que no Tempo de Rosalvo Velho era moído com força de tração animal e
atualmente é macerado no pilão pelos extrativistas. De acordo com um extrativista
é devido ao grande esforço evolvido no processo de fabricação do azeite de
dendê que torna inviável a sua produção para comercialização.

“Porque já teve, aqui dentro da Salamina, já teve


fábrica de dendê. Aonde o pessoal, os funcionário, cortava o
dendê, levava pra esse local que chama o Rio do Navio, era
ali em cima e aí fazia o dendê. Tinha um boi exclusivo pra
rodar o rodozinho pra moer o dendê e tinha aquelas
mulheres tudo que trabalhava naquele processo e aí lançava
aqueles dendê, aí os navio vinha tudo buscar as carga da
lata de azeite aqui dentro do rio, por isso que chama Rio do
Navio. O dono nessa época era o Rosalvo Velho.”
"Hoje em dia a coisa tá melhor porque ninguém
mais corta dendê aqui, se cortar não é pra vender a
fazendeiro, é só pra fazer azeite de consumo da casa
mesmo, pra o pessoal comer aqui na fazenda.”

A farinha de mandioca, que é um produto muito importante na


alimentação da população local já foi produzida na Salamina. Havia duas casas de
farinha na comunidade: uma no bairro do Tororó e outra no Putumuju. Ambas

194
encontram-se atualmente em ruínas. Assim sendo, hoje a mandioca para
produção de farinha não é mais realizada localmente e o produto passou a ser
comprado nas feiras da cidade de Maragogipe.

" Antigamente eles plantava mandioca na


intenção de fazer farinha, que tinha casa de farinha. Lá
no Tororó tem casa de farinha, tinha um lugar por nome
Putumuju que tinha casa de farinha, a gente fazia
farinha. Então antigamente eles plantava mandioca no
sentido de cultivar farinha, fazer farinha. Hoje eles
plantam aipim no sentido de vender aipim. Sem precisar
fazer farinha. A farinha que nós comemos hoje vem do
mercado de Maragogipe. Tem o mercado da farinha,
onde você escolhe da melhor que você quiser."
“Prantar mandioca, a gente não tem casa de
farinha. A gente já pediu várias vezes mas nunca
chega.”

A pesca também sofreu mudanças ao longo do tempo. No princípio, a


arte mais empregada na pesca era a camboa (figura 39). O uso desse artefato,
conforme citado anteriormente, se dava provavelmente pela facilidade de acesso
aos recursos naturais para a construção da armadilha, já que não havia acesso a
outros tipos de petrechos de pesca. Atualmente, outras artes de pesca como a
rede camarãozeira predominam e a pesca de camboa praticamente não é mais
realizada. Alguns extrativistas afirmam ter substituído esta arte por ser realizada
durante a noite. Diante do exposto, verifica-se que há indicativos de que esta
modalidade de pesca apresenta tendência a desaparecer, se configurando uma
conexão de status evanescente.

195
Figura 189 – Camboa de paus em manguezal nas proximidades da cidade de Maragogipe

"Quando eu era pequeno não tinha rede de


camarãozeira, pescava de camboa, rede grande, coisa
assim. Entrou muito pescador, foi entrando, crescendo...Acho
que o povo gostou mais da arte da camarãzeira do que da
camboa."

Ao contrário desta modalidade pesqueira, o extrativismo da piaçava é


uma conexão que se mantém ao longo do tempo, mesmo com todas as
modificações ocorridas pelo menos desde a colonização. Devido à demanda do
mercado pelo produto, ao atual estado de conservação da mata local e às
estratégias sociais locais que possivelmente atuam na manutenção dos estoques,
pode-se inferir que esta conexão tende a permanecer, sendo classificada como de
status persistente.
A comercialização da piaçava também foi alterada com o passar do
tempo. Do Tempo de Rosalvo Velho ao Tempo de Tânia os extrativistas eram
explorados, humilhados e trabalhavam em atividades solicitadas pelo patrão
196
praticamente em troca de alimento. Além disso, eram proibidos de vender a
produção para outras pessoas. Após a certificação da comunidade, com a
ausência da figura do patrão, os extrativistas passaram a ter liberdade para
escolher o comprador do produto e a comercialização da piaçava passou a ser
feita por um preço mais justo. Desfez-se, portanto a conexão com os proprietários
da fazenda Salamina e estabeleceram-se novas conexões com outros
atravessadores.

"(A venda) Sempre foi pra atravessador. O que


mudou foi que antes tinha que levar pro dono (da fazenda) e
tinha que vender pelo preço que ele colocava. E hoje a gente
pode vender de vinte, pode vender de vinte e cinco, pode
vender de trinta, pode vender de quarenta. Ah, o cara ali tá
pagando trinta, o outro tá pagando trinta e dois ou trinta e
três. Nós vende pra aquele que tá pagando mais."
"Quando eu cheguei praqui era como fazenda.
Tinha o dono que diz que era dono. Nós trabaiava a piaçaba
que nós tirava levava pra ele, ele pagava quanto queria, não
podia vender em outro lugar, não podia vender onde nós
quisesse, só tinha de vender a ele mesmo. E era assim, aí
chamava fazenda de Rosalvinho. Se ele dissesse que não
era pra tirar nós não tirava, se ele dissesse que podia tirar,
nós tirava. Agora fora que não vendia, só vendia a ele
quando ele quisesse."

Filhos do antigo proprietário chegaram a tentar atuar novamente como


atravessadores mesmo depois de deixarem a fazenda. Os extrativistas optaram
por manter relações comerciais com pessoas de outras comunidades da região da
Baía do Iguape.

“Aí mudou mais as coisa. Aí nós não teve mais


relação de repassar nosso trabalho pra fazendeiro. Chegou o
filho do proprietário fazendo movimento aqui no meio da
gente ainda querendo comprar piaçaba. Tombém não deu
certo. Não permaneceu não, sabe? Ainda teve esse
movimentinho. Não mais pelo preço que comprava outrora.
Por um preço melhor, mas mesmo assim não vigorou. Não

197
sei o que é que houve, teve um nhé, nhé, nhé por aí, e não
permaneceu. Ficou mesmo os trabalhador vendendo seus
trabalho onde queria, onde bem queria e entendesse."

No processo de reconhecimento da identidade quilombola algumas


lideranças extrativistas, que tinham dificuldades para conhecer até os centros
urbanos mais próximos, passaram a conhecer capitais de outros estados e se
articular com lideranças de outras comunidades quilombolas.

“... É como eu tô te dizendo, é vivendo e


aprendendo porque tem gente que morreu e nunca teve na
cidade de Maragogipe e nós já vamo pra Brasília de graça,
pra São Paulo de graça, tá entendendo? Quer dizer, quanto
mais o tempo passa mais a gente vai aprendendo as coisa,
né isso?"

Apesar de toda opressão sofrida, a população da Salamina teve um


passado bastante festivo. A maior parte dos eventos ocorria no Putumuju, local
que sediou o antigo quilombo, onde se dançava forró tocado em radiola a bateria e
samba de roda. O período junino era o que reunia maior número de dias festivos e
envolvia praticamente toda a comunidade. Outras festas aconteciam nas
residências onde eram oferecidos carurus, comida tipicamente servida em
ocasiões festivas na Bahia notadamente naquelas de caráter religioso.
A introdução da religião evangélica na comunidade alterou
profundamente a tradição festiva da comunidade. O INCRA (2006) estimou que
80% da população local atualmente seja composta por evangélicos. Os únicos
eventos festivos que ocorrem na comunidade nos dias atuais são casamentos e
aniversários. Outras manifestações são inibidas pela ampla difusão do
evangelismo e apenas algumas pessoas que vivem mais afastadas nos limites do
território conseguem persistir com a tradição.
Os movimentos de migração dentro do território foram bastante comuns
até hoje na localidade. As famílias em geral migram para áreas mais próximas à
maré para facilitar o acesso a recursos pesqueiros e aos centros urbanos,
198
principalmente à cidade de Maragogipe. Nesta localidade são adquiridos produtos
de primeira necessidade, é realizada a comercialização de produtos e a população
tem acesso a serviços médicos. Locais como o Putumuju e o Gouveia são
considerados atualmente como bairros de mato onde não mora ninguém.
De acordo com Pedrão (2007) no século XXI finalmente se reconhece o
Recôncavo Baiano como um todo, como uma região que convive com relações
econômicas e políticas conflitivas, oriundas das novas formas de concentração de
poder econômico que inclui a predominância da influência da produção de
petróleo e a renovação da indústria canavieira. Estes mesmos fatores de
transformação atuam decisivamente na transformação socioeconômica e
ambiental da Baía do Iguape. As recentes modificações ambientais ocorridas na
região refletem as demandas desenvolvimentistas do estado que acata o interesse
econômico de grandes empreiteiras e grandes setores da economia em
detrimento da qualidade de vida, trabalho, reprodução cultural e segurança
alimentar das comunidades tradicionais da região. Essas mudanças exigem
respostas dessas sociedades que estão constantemente lidando com os impactos
causados por grandes empreendimentos e têm os seus direitos e necessidades
frequentemente ignorados pelo poder público.

199
200
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A comunidade da Salamina, ao longo dos anos, tem resistido simbólica


e materialmente apesar do contexto adverso no qual está inserida. As atividades
extrativistas, juntamente com as pequenas roças, possuem importância histórica
para os nativos que estiveram submetidos ao trabalho escravo até obter a
certificação quilombola em 2004. A atuação do Conselho Pastoral dos Pescadores
foi decisiva na transformação social pela qual passaram os quilombolas.
O principal recurso pesqueiro local são os camarões e os
conhecimentos a respeito da hidrodinâmica bem como dos aspectos biológicos e
ecológicos do recurso e da paisagem são imprescindíveis para o exercício da
pesca e em muitos aspectos se assemelham ao conhecimento acadêmico. A
principal estratégia de captura empregada é a rede camarãozeira com três
tamanhos de malha. Dentre as cinco conexões básicas propostas por Marques
(1995), as mais fracas nesse contexto foram as conexões com os minerais e com
o sobrenatural.
O extrativismo de piaçava é a principal atividade produtiva realizada
pela comunidade da Salamina. Os conhecimentos relacionados ao recurso são
compatíveis com aqueles contidos na literatura científica especializada. O mato,
local onde são coletadas as fibras de piaçava são locais de uso comum, com
alguns mecanismos sociais que podem atuar como reguladores, a exemplo do
segredo. Todos os aspectos das bases conexivas apresentaram grande
importância no extrativismo de piaçava, entretanto, devido ao desprestígio do
meme relacionado a seres sobrenaturais, essa foi a conexão avaliada como mais
fraca nesse contexto. Os nativos percebem a diminuição acentuada na quantidade
de fibras, o que compromete a renda e a qualidade de vida da população local,
entretanto, esse fator provavelmente não possui grande influência sob a
conservação do vegetal, uma vez que o exercício da atividade não danifica a
planta.

201
Na percepção êmica, os impactos ambientais gerados por grandes
empreendimentos que atuam na Baía do Iguape, sobretudo aqueles decorrentes
da operação da Usina Hidrelétrica de Pedra do Cavalo são a principal causa da
diminuição dos estoques pesqueiros. Consideram ainda que a redução do
pescado incide negativamente de forma indireta sobre o extrativismo vegetal, em
virtude do aumento do número de pessoas que deixam a pesca para se dedicar a
essa atividade.
Considera-se que a opção pela etnoecologia abrangente como
ferramenta teórico-analítica associada à combinação de métodos essencialmente
qualitativos de obtenção de dados permitiu alcançar os objetivos propostos, ainda
que nem todos os aspectos nela contidos tenham sido de fato empregados na
análise (a exemplo das modalidades nas bases conexivas). Esta tese avançou na
incorporação das modificações mais recentes da abordagem escolhida,
particularmente considerando a dimensão temporal como um fator de grande
relevância na análise dos aspectos etnoecológicos.
A relevância da passagem do tempo (abordada também no status
conexivo) ganhou contornos especialmente importantes quando considerou a
trajetória histórica da comunidade estudada e as recentes modificações pelas
quais a Baía do Iguape tem passado em consequência da implantação e operação
de projetos desenvolvimentistas. Acredita-se ainda que contribuiu qualitativamente
com a análise, a aproximação teórica com a recente abordagem da etnoecologia
da paisagem que considera a importância das relações de poder e dos fatores
históricos no entendimento êmico acerca do mundo natural e apropriação de
recursos. Sendo assim, a etnoecologia abrangente mostrou-se uma abordagem
adequada ao tratamento do assunto, considerando a importância dos fatores
históricos nas relações que se estabelecem entre seres humanos e natureza.
Os elementos apresentados nessa tese permitem reiterar a importância
das comunidades tradicionais como detentoras de profundo conhecimento acerca
do mundo natural, a importância desse conhecimento na elaboração de
estratégias de sobrevivência e também a sua relevância para a conservação dos
202
ecossistemas. É necessário mencionar ainda que tais comunidades, tomando o
exemplo particular da Salamina, precisam ter garantidos os seus meios de
sobrevivência material e simbólica, cada vez mais ameaçados.

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220
Apêndices

221
Apêndice 1. Autorização emitida pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp para a realização da pesquisa.

222
223
224
Apêndice 2. Autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) para a realização da pesquisa

225
226
Apêndice 3. Autorização do Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade para a realização da pesquisa.

Ministério do Meio Ambiente - MMA


Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio
Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade - SISBIO
Autorização para atividades com finalidade científica
Número: 27644-2 Data da Emissão: 07/09/2012 20:52 Data para Revalidação*:
07/10/2013
* De acordo com o art. 33 da IN 154/2009, esta autorização tem prazo de validade
equivalente ao previsto no cronograma de atividades do projeto,
mas deverá ser revalidada anualmente mediante a apresentação do relatório de
atividades a ser enviado por meio do Sisbio no prazo de até 30 dias
a contar da data do aniversário de sua emissão.
SISBIO Dados do titular
Nome: Viviane Souza Martins CPF: 005.547.385-70
Título do Projeto: Estudo Etnoecológico e de Percepção de Impactos Ambientais
na Comunidade Quilombola Salamina Putumuju, Maragogipe, Bahia
Nome da Instituição : Universidade Estadual de Campinas CNPJ:
46.068.425/0001-33
Cronograma de atividades
# Descrição da atividade Início (mês/ano) Fim (mês/ano)
1 Entrevistas, observações diretas, turnês guiadas em campo 03/2011 04/2014
Observações e ressalvas
1
As atividades de campo exercidas por pessoa natural ou jurídica estrangeira, em
todo o território nacional, que impliquem o deslocamento de recursos humanos e
materiais, tendo por objeto coletar dados, materiais, espécimes biológicos e
minerais, peças integrantes da cultura nativa e cultura popular, presente e
passada,
obtidos por meio de recursos e técnicas que se destinem ao estudo, à difusão ou à
pesquisa, estão sujeitas a autorização do Ministério de Ciência e Tecnologia.
2
Esta autorização NÃO exime o pesquisador titular e os membros de sua equipe da
necessidade de obter as anuências previstas em outros instrumentos legais, bem
como do consentimento do responsável pela área, pública ou privada, onde será
realizada a atividade, inclusive do órgão gestor de terra indígena (FUNAI), da
unidade de conservação estadual, distrital ou municipal, ou do proprietário,
arrendatário, posseiro ou morador de área dentro dos limites de unidade de
conservação
federal cujo processo de regularização fundiária encontra-se em curso.

227
3
Este documento somente poderá ser utilizado para os fins previstos na Instrução
Normativa IBAMA n° 154/2007 ou na Instrução Normativa ICMBio n° 10/2010, no
que
especifica esta Autorização, não podendo ser utilizado para fins comerciais,
industriais ou esportivos. O material biológico coletado deverá ser utilizado para
atividades
científicas ou didáticas no âmbito do ensino superior.
4
O titular de licença ou autorização e os membros da sua equipe deverão optar por
métodos de coleta e instrumentos de captura direcionados, sempre que possível,
ao grupo taxonômico de interesse, evitando a morte ou dano significativo a outros
grupos; e empregar esforço de coleta ou captura que não comprometa a
viabilidade
de populações do grupo taxonômico de interesse em condição in situ.
5
O titular de autorização ou de licença permanente, assim como os membros de
sua equipe, quando da violação da legislação vigente, ou quando da inadequação,
omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a
expedição do ato, poderá, mediante decisão motivada, ter a autorização ou licença
suspensa ou revogada pelo ICMBio e o material biológico coletado apreendido nos
termos da legislação brasileira em vigor.
6
Este documento não dispensa o cumprimento da legislação que dispõe sobre
acesso a componente do patrimônio genético existente no território nacional, na
plataforma continental e na zona econômica exclusiva, ou ao conhecimento
tradicional associado ao patrimônio genético, para fins de pesquisa científica,
bioprospecção e desenvolvimento tecnológico. Veja maiores informações em
www.mma.gov.br/cgen.
7
Em caso de pesquisa em UNIDADE DE CONSERVAÇÃO, o pesquisador titular
desta autorização deverá contactar a administração da unidade a fim de
CONFIRMAR
AS DATAS das expedições, as condições para realização das coletas e de uso da
infra-estrutura da unidade.
Outras ressalvas
1 A referida pesquisa deve ser aprovada pelo Conselho Deliberativo da RESEX
Baía do Iguape
Equipe
# Nome Função CPF Doc. Identidade Nacionalidade
1 jOSÉ GERALDO WANDERLEY MARQUES Orientador 026.220.504-10 108497
SSP-AL Brasileira
Locais onde as atividades de campo serão executadas
# Município UF Descrição do local Tipo

228
1 BA RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA DA BAÍA DE IGUAPE UC Federal
SISBIO Este documento (Autorização para atividades com finalidade científica) foi
expedido com base na Instrução Normativa nº154/2007. Através do código
de autenticação abaixo, qualquer cidadão poderá verificar a autenticidade ou
regularidade deste documento, por meio da página do Sisbio/ICMBio na
Internet (www.icmbio.gov.br/sisbio).
Código de autenticação: 74856774
Página 1/2
Ministério do Meio Ambiente - MMA
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio
Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade - SISBIO
Autorização para atividades com finalidade científica
Número: 27644-2 Data da Emissão: 07/09/2012 20:52 Data para Revalidação*:
07/10/2013
* De acordo com o art. 33 da IN 154/2009, esta autorização tem prazo de validade
equivalente ao previsto no cronograma de atividades do projeto,
mas deverá ser revalidada anualmente mediante a apresentação do relatório de
atividades a ser enviado por meio do Sisbio no prazo de até 30 dias
a contar da data do aniversário de sua emissão.
SISBIO Dados do titular
Nome: Viviane Souza Martins CPF: 005.547.385-70
Título do Projeto: Estudo Etnoecológico e de Percepção de Impactos Ambientais
na Comunidade Quilombola Salamina Putumuju, Maragogipe, Bahia
Nome da Instituição : Universidade Estadual de Campinas CNPJ:
46.068.425/0001-33
Registro de coleta imprevista de material biológico
De acordo com a Instrução Normativa nº154/2007, a coleta imprevista de material
biológico ou de substrato não
contemplado na autorização ou na licença permanente deverá ser anotada na
mesma, em campo específico, por
ocasião da coleta, devendo esta coleta imprevista ser comunicada por meio do
relatório de atividades. O transporte do
material biológico ou do substrato deverá ser acompanhado da autorização ou da
licença permanente com a devida
anotação. O material biológico coletado de forma imprevista, deverá ser destinado
à instituição científica e, depositado,
preferencialmente, em coleção biológica científica registrada no Cadastro Nacional
de Coleções Biológicas (CCBIO).
Táxon* Qtde. Tipo de amostra Qtde. Data
* Identificar o espécime no nível taxonômico possível.
SISBIO Este documento (Autorização para atividades com finalidade científica) foi
expedido com base na Instrução Normativa nº154/2007. Através do código
de autenticação abaixo, qualquer cidadão poderá verificar a autenticidade ou
regularidade deste documento, por meio da página do Sisbio/ICMBio na

229
Internet (www.icmbio.gov.br/sisbio).
Código de autenticação: 74856774
Página 2/2

230

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