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VALVOPATIAS: ATIVIDADES FÍSICAS E ESPORTE

TARASOUTCHI F
e cols. FLÁVIO TARASOUTCHI, MARCELO KATZ, TARSO A. D. ACCORSI, MAX GRINBERG
Valvopatias:
atividades físicas
e esporte
Unidade Clínica de Valvopatias — Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 —


Cerqueira César — CEP 04015-011 — São Paulo — SP

Ao se recomendar atividade física e esporte, o médico deve considerar as carac-


terísticas da atividade proposta, associada ao tipo de valvopatia e sua gravidade.
Uma das formas de se classificar esporte/atividade física é pelo tipo de exercício e
pela intensidade empregados em sua prática. Assim, os exercícios podem ser clas-
sificados em dinâmicos e estáticos leves, moderados e intensos. A avaliação da
doença valvar, por outro lado, inicia-se pelo diagnóstico, com anamnese, exame
físico e exames complementares, acrescentada pela estratificação de gravidade,
que leva em conta parâmetros anatômicos e funcionais das valvas, alterações ana-
tômicas do coração e presença de sintomas, principalmente dispnéia aos esforços.
Dessa forma, baseado no diagnóstico tanto anatômico como funcional da valvopa-
tia, e com a caracterização da gravidade, o médico pode recomendar atividade físi-
ca e/ou esporte de forma individualizada para o paciente.

Palavras-chave: valvopatia, atividade física, esporte.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:152-9)


RSCESP (72594)-1524

INTRODUÇÃO grande de pacientes para guiar a uma conclusão defi-


nitiva sobre os vários aspectos do manejo das valvo-
A prática esportiva é parte da cultura social, enten- patias. Em nosso meio, é uma condição freqüente, so-
dida como atividade física regular e organizada, com- bretudo porque o acometimento reumático ainda é
preendendo múltiplas modalidades. O hábito do espor- muito prevalente. De tal forma que boa parcela dos
te pode ser recreacional ou profissional, espontâneo pacientes com doença valvar cardíaca no Brasil é com-
ou recomendado. Cada modalidade tem sua exigência posta por jovens. Esses indivíduos comumente repre-
psíquica e física particular e, para a prática adequada sentam um desafio para o médico que pretende reali-
e segura, o esportista deve ter tais requisitos satisfató- zar orientação em relação às atividades físicas e es-
rios. São inúmeras as doenças que potencialmente li- portivas.
mitam e eventualmente contra-indicam certas modali-
dades esportivas, entre elas as valvopatias cardíacas. CARACTERIZAÇÃO DO ESPORTE/ATIVIDADE
As valvopatias são um grupo especial de doenças FÍSICA
cardíacas, com características peculiares, que, em
geral, após instalação, cursam com longo período sem Uma das formas de se classificar esporte/atividade
manifestações clínicas; quando há o aparecimento de física é pelo tipo de exercício e intensidade emprega-
sintomas, o paciente é um provável candidato à inter- dos em sua prática(1-4). Exercícios dinâmicos (isotôni-
venção cirúrgica. Diferentemente de outras doenças cos) caracterizam-se pela movimentação intensa das
cardiovasculares com maior impacto social e econômi- articulações, e pela contração e diminuição do compri-
co, são poucos os estudos multicêntricos com número mento de vários grupamentos musculares, provocan-

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do aumento do consumo valvopatas leva em consideração a doença valvar de
de oxigênio, implicando base; a partir do diagnóstico e da estratificação de gra-
maior freqüência cardíaca, vidade, o paciente é orientado quanto às possibilida-
TARASOUTCHI F volume sistólico, débito des de prática esportiva(5, 6).
e cols. cardíaco, e pressão arte- O diagnóstico do tipo de doença valvar, assim como
Valvopatias: rial sistólica e média e sua gravidade, é feito por meio de anamnese e exame
atividades físicas
e esporte
menor pressão arterial di- físico detalhado, complementado por radiografia de tó-
astólica e resistência arte- rax, eletrocardiografia e ecocardiografia. Alguns paci-
rial periférica(1, 2). O resul- entes eventualmente realizam avaliação hemodinâmi-
tado de tal atividade é a ca com cateterismo cardíaco. A doença valvar, esteno-
sobrecarga de volume se e insuficiência, uma vez diagnosticada, é graduada
com hipertrofia ventricular em leve, moderada e grave. Essa classificação leva em
excêntrica. Exercícios estáticos (isométricos), por ou- consideração parâmetros anatômicos e hemodinâmi-
tro lado, geram grande força intramuscular, com manu- cos(5). Além disso, os pacientes são avaliados quanto
tenção do comprimento muscular, sem movimentação aos sintomas (dispnéia em esforços, dor torácica, sín-
significativa das articulações, implicando aumento da cope). Feita essa avaliação, as recomendações serão
pressão arterial sistólica, diastólica e média, com so- individualizadas de acordo com o tipo de valvopatia,
brecarga de pressão e tendência à hipertrofia ventri- gravidade e sintomas. A seguir estão apresentadas as
cular concêntrica(1, 2). Entretanto, sabe-se que as diver- recomendações(5, 6).
sas modalidades esportivas combinam atividades es-
táticas e dinâmicas e podem ser classificadas em or- Estenose mitral
dem crescente do componente estático (I, II e III) e do A etiologia da estenose mitral é reumática em 99%
componente dinâmico (A, B e C) (Tab. 1).(2) dos casos, acometendo pacientes jovens, principalmen-
te do sexo feminino(5-7). A gravidade da estenose mitral
RECOMENDAÇÃO DE ESPORTE/ATIVIDADE pode ser avaliada pela área valvar, e pela estimativa
FÍSICA EM VALVOPATAS da pressão de capilar pulmonar em exercício e da pres-
são sistólica de artéria pulmonar. A Tabela 2 apresenta
A recomendação de atividade física e esporte em a classificação da estenose mitral(5, 6).

Tabela 1. Classificação de esportes baseada nos componentes dinâmico e estático de pico.(2)

A – Dinâmico B – Dinâmico C – Dinâmico


leve moderado intenso

I – Estático leve Bilhar Beisebol “Badminton”


Boliche “Softball” Futebol
Golfe Tênis de mesa Corrida (fundo)
Tiro ao alvo Tênis (duplas) Tênis
Voleibol (individual)
“Squash”
II – Estático moderado Automobilismo Esgrima Hóquei no gelo
Motociclismo Nado sincronizado Basquetebol
Hipismo Corrida (“sprint”) Handebol
Mergulho Surfe Natação
Arco e flecha Patinação Corrida (meio
Rodeio fundo)
III – Estático intenso Artes marciais Musculação Boxe
Ginástica olímpica Luta greco-romana Decatlon
Vela Esqui “downhill” Ciclismo
Levantamento Remo
de peso
Alpinismo

Adaptado de Mitchell e colaboradores.(2)

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Tabela 2. Gravidade da estenose mitral.(5, 6)

Área valvar PCP em exercício PSAP


TARASOUTCHI F
e cols.
Leve > 1,5 cm² < 20 mmHg < 35 mmHg
Valvopatias:
atividades físicas Moderada 1,1-1,5 cm² < 25 mmHg < 50 mmHg
e esporte Grave < 1 cm² > 25 mmHg > 50 mmHg

PCP = pressão de capilar pulmonar; PSAP = pressão sistólica de artéria pulmonar.

Os pacientes com estenose mitral leve geralmente estenose mitral grave, ou pacientes com pressão sis-
toleram bem o exercício, permanecendo assintomáti- tólica de artéria pulmonar > 80 mmHg durante esforço
cos. Quando a estenose mitral é mais grave, existe a não devem participar de esportes competitivos. Uma
possibilidade de o esforço físico (com aumento do atividade física aeróbica leve pode ser realizada. Os
débito cardíaco e da freqüência cardíaca) provocar pacientes devem ser avaliados cuidadosamente pela
aumento das pressões em átrio esquerdo, que, em possibilidade de indicação cirúrgica.
associação com a estenose mitral moderada a gra- 5. Pacientes que utilizam anticoagulantes devem ser
ve, eleva a pressão em capilar pulmonar, gerando aconselhados a não participar de atividades físicas de
quadro de edema agudo dos pulmões. A estenose alto impacto, pelo risco de sangramento.
mitral, entretanto, raramente é causa de morte súbi-
ta em exercício(5, 6). Insuficiência mitral
As recomendações de atividade física em estenose A insuficiência mitral apresenta diversas etiologias,
mitral geralmente são limitadas pelos sintomas(5, 6). Pa- sendo o prolapso de valva mitral e a doença reumática
cientes oligossintomáticos e/ou com estenose mitral as principais causas de insuficiência mitral(5-7, 9, 10). As
grave podem ser submetidos a teste ergométrico para recomendações de atividade física e esporte em insu-
avaliação funcional(8). Teste normal é indicador de bom ficiência mitral são direcionadas para os casos de in-
prognóstico, porém a presença de alterações hemodi- suficiência mitral primária. Quando a insuficiência mi-
nâmicas é argumento para iniciar avaliação de possí- tral for secundária a miocardiopatia dilatada ou insufi-
vel intervenção cirúrgica. Pacientes sintomáticos, com ciência coronariana, essas condições deverão ser ana-
pior prognóstico, podem exercer atividades físicas ae- lisadas em conjunto com a insuficiência mitral para a
róbicas de baixa intensidade (caminhadas leves), limi- orientação da prática esportiva.
tando-se pelo sintoma de dispnéia(5, 6). Esses pacien- A insuficiência mitral pode se instalar aguda ou cro-
tes devem ser avaliados cuidadosamente pela pro- nicamente(5, 7, 9). A insuficiência mitral aguda geralmen-
vável indicação de intervenção terapêutica (valvoplas- te apresenta-se como quadro dramático, necessitando
tia, cirurgia). Entre os assintomáticos, as recomen- intervenção precoce, não sendo, portanto, objeto des-
dações variam de acordo com a gravidade da este- te capítulo. A insuficiência mitral crônica, por outro lado,
nose mitral (5, 6): permite adaptação inicial das câmaras esquerdas, e o
1. Pacientes com estenose mitral leve, em ritmo sinu- paciente permanece assintomático por alguns anos(5, 7, 9).
sal, podem participar de todas as atividades esporti- Com o passar do tempo, os mecanismos adaptativos
vas, mesmo em caráter competitivo. esgotam-se e o paciente pode desenvolver sintomas.
2. Pacientes com estenose mitral leve e fibrilação atri- A presença de sintomas, o diâmetro ventricular esquer-
al, pacientes com estenose mitral moderada, em ritmo do e a função ventricular são os principais elementos
sinusal ou fibrilação atrial, e pacientes com pressão avaliados para indicação cirúrgica(5, 7, 9, 11).
sistólica de artéria pulmonar em repouso ou esforço < 50 A abordagem inicial do paciente com insuficiência
mmHg podem participar de atividades estáticas ou di- mitral visa ao diagnóstico e ao estabelecimento da gra-
nâmicas leve e moderada (IA, IB, IIA, IIB, conforme vidade da lesão. Anamnese, exame físico, radiografia
Tabela 1). de tórax e eletrocardiograma devem ser realizados nos
3. Pacientes em ritmo sinusal ou fibrilação atrial, com pacientes. A confirmação diagnóstica é feita com eco-
estenose mitral leve, com pressão sistólica de artéria cardiografia, que permite estimar a gravidade da insu-
pulmonar entre 50 mmHg e 80 mmHg, podem partici- ficiência mitral por meio da observação do jato regurgi-
par de exercícios estáticos leve e moderado, e exercí- tante e das alterações anatômicas e funcionais cardía-
cio dinâmico leve (IA e IIA, Tab. 1). cas decorrentes da insuficiência mitral: dilatação ven-
4. Pacientes em ritmo sinusal ou fibrilação atrial, com tricular e função ventricular(5-7). Além da ecocardiogra-

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fia, a ventriculografia radi- ao fluxo causada pela estenose aórtica progride lenta-
oisotópica também forne- mente ao longo dos anos, levando à adaptação ventri-
ce informações detalha- cular com hipertrofia das paredes, mantendo cavidade
TARASOUTCHI F das acerca da anatomia e de tamanho normal e débito cardíaco normal. Ocorre,
e cols. da função ventricular. porém, diminuição da relação volume/massa e da com-
Valvopatias: As recomendações de placência, e aumento do volume diastólico final do ven-
atividades físicas
e esporte
atividade física e esporte trículo esquerdo. Também ocorre diminuição da perfu-
em insuficiência mitral le- são miocárdica e da reserva vasodilatadora coronária,
vam em consideração os mesmo sem aterosclerose das artérias epicárdicas.
sintomas e a gravidade da Taquicardia/exercício físico pode levar a isquemia su-
insuficiência mitral(5, 6) (jato bendocárdica, contribuindo para disfunção tanto sistó-
regurgitante, dilatação lica como diastólica. Não é possível estimar com certe-
ventricular e função de ventrículo esquerdo). Pacien- za como será a evolução da estenose aórtica em cada
tes sintomáticos devem ser avaliados quanto à possi- indivíduo. Em média, há decréscimo de 0,12 cm² da
bilidade cirúrgica, não sendo recomendada a prática área valvar por ano e acréscimo de 10 mmHg no gradi-
de esportes. A atividade física deve se restringir ao ente transvalvar, com evolução pior nas causas ate-
exercício aeróbico leve, sem objetivo de treinamento roscleróticas-degenerativas, quando comparada aos
ou competição(5, 6). Em relação aos pacientes assinto- reumáticos;(5, 7) porém, vários indivíduos apresentam
máticos, as recomendações são(5, 6): comportamento diferente. Alguns pacientes com este-
1. Pacientes em ritmo sinusal, com diâmetro e função nose aórtica grave podem apresentar morte súbita, que,
ventricular esquerda normais, podem participar de to- em geral, é precedida de sintomas e é evento inco-
dos os esportes competitivos. mum.
2. Pacientes em ritmo sinusal ou fibrilação atrial com O diagnóstico de estenose aórtica é feito por anam-
dilatação ventricular discreta e função ventricular nor- nese e exame físico, complementados com radiografia
mal em repouso podem participar de atividades espor- de tórax, eletrocardiografia e ecocardiografia. A avalia-
tivas competitivas dinâmica leve e moderada e estática ção de gravidade inicia-se na anamnese, pela busca
leve e moderada (IA, IB, IIA, IIB). Alguns pacientes se- ativa de sintomas relacionados à estenose aórtica, que,
lecionados podem eventualmente realizar esportes quando presentes, determinam maior probabilidade de
estáticos leve, moderado e dinâmico leve, moderado e mortalidade (dispnéia, angina, síncope). O ecocardio-
intenso (IA, IB, IC, IIA, IIB, IIC). Quando o paciente grama permite a avaliação da valva, com cálculo da
apresentar fibrilação atrial, o teste ergométrico pode área valvar, e do gradiente entre ventrículo esquerdo e
ser utilizado para avaliar a freqüência cardíaca em exer- aorta, definidores de gravidade da estenose aórtica(5, 6).
cício. Em alguns casos, a cineangiocoronariografia é utiliza-
3. Pacientes com dilatação ventricular marcante ou dis- da para cálculo do gradiente entre ventrículo esquerdo
função ventricular em qualquer grau não devem reali- e aorta(5). O teste ergométrico freqüentemente não é
zar esportes competitivos. incentivado para portadores de estenose aórtica gra-
4. Pacientes em fibrilação atrial anticoagulados devem ve, pelo risco de congestão pulmonar, síncope e arrit-
evitar esportes de alto impacto pelo risco de sangra- mias. Também tem a sensibilidade diminuída no diag-
mento. nóstico de doença arterial coronária, já que boa parte
dos pacientes apresenta sobrecarga de câmaras e al-
Estenose aórtica terações da repolarização ventricular(8). Em sintomáti-
A estenose aórtica tem dois picos de incidência: em cos, deve ser contra-indicado(8); porém, pode ser reali-
jovens (etiologia reumática e congênita) e em idosos zado com segurança em assintomáticos, para avalia-
(etiologia aterosclerótico-degenerativa, com calcifica- ção funcional da valvopatia. Achados eletrocardiográfi-
ção valvar intensa)(5, 7, 10, 12). Em geral, só há sintomas cos têm valor duvidoso, porém o desempenho hemodi-
quando a área valvar aórtica torna-se cerca de um quar- nâmico do paciente é informação valiosa para progra-
to do normal, isto é, cerca de 0,80 cm², caracterizando mação terapêutica e para orientação de atividades fí-
estenose aórtica grave(5, 7). São freqüentes, porém, pa- sicas. Pacientes assintomáticos, com estenose aórtica
cientes com estenose aórtica com área < 1 cm² assin- grave e com baixa capacidade funcional ou hipotensão
tomáticos e pacientes com área maior, sintomáticos. no teste são prováveis candidatos à terapêutica cirúr-
Pacientes assintomáticos cursam com baixa morbida- gica, mas aqueles sem limitação ou complicações ao
de e mortalidade(5, 7, 12). O aparecimento de sintomas teste máximo apresentam bom prognóstico e boa tole-
(dispnéia, síncope, angina), independentemente da rância às atividades físicas(5, 6). Pacientes com esteno-
área valvar, confere mau prognóstico, sendo o princi- se aórtica grave devem ser acompanhados anualmen-
pal indicador do tratamento cirúrgico(5, 7, 12). A obstrução te por meio de ecocardiografia, com o intuito de avaliar

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o grau da estenose, do com estenose aórtica moderada sintomáticos não de-
gradiente transvalvar, da vem realizar atividade física competitiva.
hipertrofia do ventrículo Pacientes portadores de estenose aórtica congêni-
TARASOUTCHI F esquerdo e da função ven- ta podem realizar todos os tipos de atividades compe-
e cols. tricular. Pacientes com es- titivas, desde que tenham estenose leve (gradiente
Valvopatias: tenose aórtica moderada transvalvar aórtico de pico < 20 mmHg), sejam assin-
atividades físicas
e esporte
devem ser submetidos a tomáticos, com eletrocardiograma normal ao repouso
ecocardiografia a cada e com exercício, com boa tolerância ao esforço das ati-
dois anos e leve, a cada vidades habituais, sem hipertrofia e sem arritmias ven-
cinco anos.(5) triculares. Portadores de estenose aórtica congênita
A recomendação de moderada (pico entre 20 mmHg e 50 mmHg) podem
atividade física e esporte realizar esportes do grupo IA e IIA se assintomáticos,
em estenose aórtica leva em consideração a presença eletrocardiograma e ergométrico normais, sem hiper-
de sintomas e a gravidade da estenose aórtica, defini- trofia ventricular esquerda ou hipertrofia ventricular es-
da a partir da área valvar e do gradiente de pressão querda leve. Estenose aórtica congênita grave é con-
entre ventrículo esquerdo e aorta(5, 6, 13). A Tabela 3 apre- tra-indicação a atividades esportivas competitivas, po-
senta a classificação da estenose aórtica(5, 6). rém atividades recreativas podem ser avaliadas indivi-
dualmente.

Tabela 3. Gravidade da estenose aórtica.(5, 6) Insuficiência aórtica


A insuficiência aórtica apresenta diversas etiologi-
Gradiente as(5, 7). As mais comuns são valva aórtica bicúspide, do-
Área valvar VE-Ao (médio) ença reumática, endocardite infecciosa, síndrome de
Marfan e dissecção de aorta(5, 7). A insuficiência aórtica
Leve > 1,5 cm² < 20 mmHg pode ter instalação aguda, com instabilidade hemodi-
Moderada 1,1-1,5 cm² 21-49 mmHg nâmica, havendo necessidade de intervenção em ca-
Grave < 1 cm² > 50 mmHg ráter emergencial. Entretanto, na maioria dos casos, a evo-
lução da insuficiência aórtica é crônica e gradual(5, 7, 14). Du-
VE = ventrículo esquerdo; Ao = aorta. rante o curso da doença, ocorre o remodelamento do
ventrículo esquerdo, com dilatação e aumento do volu-
me diastólico final (para acomodação do maior volume
As recomendações de atividade física e esportiva sem aumentar a pressão de enchimento), objetivando
para os pacientes com estenose aórtica são(5, 6): adaptar-se ao volume regurgitante decorrente da insu-
1. Pacientes com estenose aórtica leve, assintomáti- ficiência aórtica. Nessa fase adaptativa, o paciente pode
cos, não apresentam restrições às atividades da vida estar assintomático(5, 7, 14). O aparecimento de sintomas
diária, à realização de atividades físicas e, inclusive, a é o principal marcador de indicação de tratamento ci-
esportes competitivos. Pacientes com antecedente de rúrgico(14). Pacientes assintomáticos com função ven-
síncope, mesmo que com estenose aórtica leve, de- tricular normal têm baixa morbidade e mortalidade e
vem ser avaliados cuidadosamente no sentido de se aqueles com disfunção de ventrículo esquerdo evolu-
descartar arritmias induzidas pelo exercício. em rapidamente para sintomas(14). Pacientes sintomá-
2. Pacientes com estenose aórtica leve a moderada ticos têm mau prognóstico e devem ser avaliados para
podem realizar todos os esportes competitivos de bai- programação de intervenção cirúrgica. A avaliação da
xa intensidade (IA, conforme Tabela 1). Pacientes se- gravidade da insuficiência aórtica leva em considera-
lecionados podem praticar atividades estáticas leve e ção os sintomas do paciente, o exame físico, com es-
moderada e dinâmicas leve e moderada (IA, IB, IIA, pecial atenção aos sinais periféricos da insuficiência
IIB). Esses pacientes selecionados podem ser subme- aórtica, e os dados fornecidos pelo ecocardiograma,
tidos a teste ergométrico para avaliação do comporta- fundamental na complementação diagnóstica(5-7). O
mento clínico em atividade física semelhante à que se ecocardiograma informa o diâmetro do ventrículo es-
propõe orientar. querdo e a função ventricular, além de avaliar o jato
3. Pacientes com estenose aórtica leve ou moderada, regurgitante, estimando a gravidade da insuficiência
com taquicardia supraventricular, ou arritmia ventricu- aórtica(5-7). Em casos de dúvida, o cateterismo cardía-
lar complexa em repouso ou exercício devem praticar co pode ser utilizado para realização da aortografia,
somente esportes competitivos de baixa intensidade definindo o grau de insuficiência aórtica. Em relação
(IA). aos sintomas, em casos duvidosos (pacientes autoli-
4. Pacientes com estenose aórtica grave ou pacientes mitados), um teste ergométrico pode facilitar a defini-

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ção da capacidade funci- cientes com insuficiência tricúspide primária, indepen-
onal(8). Teste máximo, sem dentemente da gravidade, na ausência de pressão atrial
complicações, é sinal de direita > 20 mmHg, com pressão sistólica de ventrículo
TARASOUTCHI F boa tolerância e prognós- direito normal e função ventricular direita normal, po-
e cols. tico com exercício físico. dem realizar todos os esportes competitivos(5, 6).
Valvopatias: Alterações hemodinâmi-
atividades físicas
e esporte
cas, como, por exemplo, Estenose tricúspide (ET)
hipotensão e baixa capa- A estenose tricúspide isolada é rara. Normalmente
cidade funcional, são si- associa-se à estenose mitral reumática. Nesses casos,
nais de alerta, que devem devem prevalecer as recomendações para estenose
afastar o paciente de ati- mitral(5, 6).
vidades físicas.
As recomendações para atividade esportiva em in- Doença multivalvar
suficiência aórtica são(5, 6): A presença de doença multivalvar está associada a
1. Pacientes com insuficiência aórtica leve ou modera- doença reumática na maioria dos casos. Os pacientes
da, com diâmetro ventricular normal, ou discretamente com doença multivalvar, de modo geral, devem ser
aumentado, podem participar de todas as atividades desaconselhados a realizar atividades esportivas com-
esportivas competitivas. Em casos selecionados, paci- petitivas. A valva mais acometida anatômica e funcio-
entes com dilatação ventricular moderada podem pra- nalmente, com comprometimento hemodinâmico mais
ticar atividades esportivas estáticas leve e moderada e importante, deve prevalecer nas orientações quanto à
dinâmicas leve, moderada e intensa (IA, IB, IC, IIA, IIB, prática esportiva(5, 6).
IIC). Pacientes com dilatação ventricular progressiva
em avaliações seriadas não devem realizar esportes Pós-operatório de portadores de próteses valvares
competitivos. Existem poucas evidências de que o exercício vigo-
2. Pacientes com insuficiência aórtica leve ou modera- roso em longo prazo tenha influência sobre o funciona-
da, com arritmias ventriculares em repouso ou exercí- mento da prótese valvar. A presença de prótese valvar
cio, devem participar somente de atividades competiti- determina gradiente transvalvar, com variação indivi-
vas de baixa intensidade (IA). dual. O funcionamento adequado da prótese deve ser
3. Pacientes com insuficiência aórtica grave, assim pesquisado por meio de anamnese, exame físico e
como aqueles com insuficiência aórtica leve ou mode- ecocardiografia. Em algumas situações, pode ser ne-
rada sintomáticos, não devem participar de atividades cessária ecocardiografia transesofágica. As recomen-
físicas competitivas. dações para atividade física e esporte são(5, 6):
4. Pacientes com insuficiência aórtica e dilatação evi- 1. Pacientes com prótese valvar mitral, que não este-
dente da aorta ascendente proximal não devem parti- jam utilizando anticoagulantes, com prótese normofun-
cipar de atividades físicas competitivas. cionante, com função ventricular normal, podem parti-
5. Em pacientes com síndrome de Marfan, além da in- cipar de atividades físicas competitivas estáticas leve
suficiência aórtica outros fatores como dissecção e e moderada e dinâmica leve e moderada (IA, IB, IIA,
aneurisma de aorta devem ser avaliados para se reco- IIB).
mendar a atividade física mais adequada. 2. Pacientes com prótese mitral ou aórtica que utilizem
anticoagulantes não devem realizar atividades físicas
Prolapso da valva mitral de alto impacto, pelo risco de sangramento.
Pacientes com prolapso da valva mitral devem ser 3. Pacientes com prótese valvar aórtica que não este-
afastados de esportes competitivos se tiverem dilata- jam utilizando anticoagulantes, com prótese normofun-
ção ventricular esquerda, disfunção ventricular esquer- cionante, com função ventricular normal, podem parti-
da, taquiarritmias incontroláveis, síndrome do QT lon- cipar de atividades físicas competitivas de baixa inten-
go, síncope inexplicada, morte súbita prévia, e dilata- sidade (IA). Pacientes selecionados podem realizar ati-
ção do arco aórtico. Quando houver insuficiência mitral vidades classe IA, IB, IIA, IIB.
associada, esta deve ser considerada na orientação
de atividade física(5, 6). Pós-operatório de pacientes submetidos a
valvoplastia
Insuficiência tricúspide Neste item estão incluídos os pacientes portadores
A insuficiência tricúspide pode ser secundária a di- de estenose mitral, que realizam valvoplastia por cate-
latação ventricular direita, associada à hipertensão pul- ter-balão, e os pacientes que apresentam insuficiência
monar. Insuficiência tricúspide primária é rara, relacio- mitral corrigida por plástica mitral. No caso da valvo-
nada a doença reumática e endocardite infecciosa. Pa- plastia por balão, as recomendações de atividade físi-

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ca baseiam-se no grau de CONCLUSÃO
estenose residual após o
procedimento. Em relação A recomendação de atividade física e esporte deve
TARASOUTCHI F à plástica mitral, os paci- ser feita com cautela em portadores de doenças cardí-
e cols. entes devem ser aconse- acas, particularmente as doenças valvares. As valvo-
Valvopatias: lhados às atividades com- patias apresentam espectro variável de apresentação,
atividades físicas
e esporte
petitivas de baixa intensi- e, por esse motivo, as orientações de prática esportiva
dade (classe IA). Casos devem ser individualizadas. O tipo de valvopatia, a gra-
selecionados poderão re- vidade da lesão e a presença de sintomas (capacida-
alizar atividades modera- de funcional) são os principais parâmetros analisados
das (IA, IB, IIA, IIB)(5, 6). para a orientação do esporte.

VALVOPATHY: PHYSICAL ACTIVITY AND SPORTS

FLÁVIO TARASOUTCHI, MARCELO KATZ, TARSO A. D. ACCORSI, MAX GRINBERG

When recommending physical activity and sports, the physician must consider
the characteristics of the proposed activity, associated to the type of valvopathy and
its seriousness. One way to classify the physical activity/sport is by the type of exer-
cise and intensity employed in its practice. Thus, exercises can be classified in dyna-
mic, light static, moderate and intense. The evaluation of the valvular desease, on
the other hand, is initiated through the diagnostic, with anamnesis, physical exami-
nation and complementary exams, supplemented by the stratification of serious-
ness which takes into account functional and anatomical parameters of the valves,
anatomic alterations of the heart and the presence of symptoms, mainly dyspnea at
effort. Therefore, based on the functional and anatomical diagnostic of the valvopa-
thy and with the characterization of the seriousness, the physician can recommend
the physical activity and or the sport in an individualized way for the patient.

Key words: valvopathy, physical activity, sport.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;2:152-9)


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