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Trabalho: Uma Perspectiva

Bíblica
Alex Mello

No dia 1º de maio diversos países do mundo comemoram


o Dia Internacional do Trabalho. Esse dia, que para os
brasileiros é um feriado nacional, foi instituído em
lembrança ao dia 1 de maio de 1886, dia em que se deu
inicio a uma greve na cidade de Chicago, a qual aderiu
cerca de 340.000 trabalhadores.

Os trabalhadores de Chicago reivindicavam, dentre outros


direitos, a redução da jornada de trabalho, que era de 17
horas e sete dias por semana. Em sua luta por condições
mais justas de trabalho, os grevistas agiram com violência
contra os trabalhadores que não aderiram a greve. Os
policiais e seguranças contratados das empresas os
reprimiram com violência, resultando na morte de 3
trabalhadores e oito policiais. Mais tarde diversos líderes
desta greve foram condenados à forca.

Olhar o trabalho pela perspectiva moderna das lutas de


classe ou das implicações sociais do trabalho, ou pior
ainda, da falta dele, não parece nos levar a ter muito a
comemorar. Por isso, para muitos o Dia do Trabalho não é
dia para comemorar, mas, sim, dia para reivindicar direitos
trabalhistas.

Parece-me que a visão pessimista com relação ao


trabalho predomina na sociedade atual. Essa visão é
coerente com a perspectiva bíblica das consequências do
pecado numa humanidade caída, todavia, cristãos
regenerados devem olhar para o trabalho como uma
dádiva dada por Deus para sua própria glória.

Para tanto, alguns princípios bíblicos tornam-se


relevantes. Ao analisar estes princípios, devemos pensar
que eles se referem à atividade produtiva na interação
com a criação, sendo o trabalho assalariado como temos
hoje, uma manifestação específica do princípio geral.

1º Princípio – Trabalho é uma atividade


divina.

João 5:17: “Mas ele lhes disse: Meu Pai trabalha até
agora, e eu trabalho também.”

Deus age produtivamente sobre sua criação. Podemos


chamar essa ação de providencia divina. Da mesma
forma, um dos trabalhos do Filho é a nossa salvação.

Isaias 53:11: “Ele verá o fruto do penoso trabalho de


sua alma e ficará satisfeito; o meu Servo, o Justo, com
o seu conhecimento, justificará a muitos, porque as
iniquidades deles levará sobre si.”

2º Princípio – O trabalho já existia no mundo


ideal criado por Deus

Gênesis 2:15: “Tomou, pois, o SENHOR Deus ao


homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar
e o guardar.”

Antes da Queda, duas instituições foram estabelecidas


por Deus – Família e Trabalho – a fim de se
desenvolverem em harmonia no domínio produtivo da
criação.

Observe a palavra cultivar (i.e. “produzir cultura”)


presente no texto bíblico (Gn 2.15). Deus completou o
processo criativo em todo seu potencial, todavia designou
o homem como corregente para dominar e desenvolver
esse potencial produtivo da criação por meio daquilo que
chamamos de trabalho. Cada cristão deve olhar, então,
seu trabalho pela ótica desse mandato cultural.

3º Princípio – As dificuldades do trabalho


são decorrência do pecado.

Gênesis 3.17-19: “E a Adão disse: Em fadigas obterás


dela o sustento durante os dias de tua vida. Ela
produzirá também cravos e espinhos, e tu comerás a
erva do campo. No suor do rosto comerás o teu pão,
até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque
tu és pó e ao pó tornarás.”

Assim como nosso pecado levou Jesus ao penoso


trabalho da expiação, nosso pecado também tornou
penoso nosso trabalho. Arar a terra era algo que Adão e
seus descendentes deveriam fazer com suor e em meio a
espinhos, e essa nova condição levou a muitos cristãos,
não atentos ao 1º e 2º princípios, a considerar o pecado
como uma maldição a ser evitada.

4º Princípio – O trabalho tem relação com a


adoração

Gênesis 4. 2-4: “Depois, deu à luz a Abel, seu irmão.


Abel foi pastor de ovelhas, e Caim, lavrador.
Aconteceu que no fim de uns tempos trouxe Caim do
fruto da terra uma oferta ao SENHOR. Abel, por sua
vez, trouxe das primícias do seu rebanho e da gordura
deste. Agradou-se o SENHOR de Abel e de sua
oferta…”

Os primeiros homens nascidos na terra são


imediatamente identificados no texto bíblico por meio de
suas atividades laborais. Isso certamente é um indicativo
do quanto nosso trabalho está, sim, relacionado à nossa
identidade. Agora, o mais importante é percebermos
como a adoração deles era relacionada ao fruto do
trabalho.

Sem aprofundar na exegese do texto, basta afirmar que a


descrição da oferta de Abel era qualificada e apresentava
a indicação de ter sido cuidadosamente escolhida e
separada como o melhor.

Sabemos a sequência da história, como Caim movido de


inveja matou Abel, mas observem o impacto desse
pecado de Caim sob seu trabalho:

Gênesis 4.11-12: “És agora, pois, maldito por sobre a


terra, cuja boca se abriu para receber de tuas mãos o
sangue de teu irmão. Quando lavrares o solo, não te
dará ele a sua força; serás fugitivo e errante pela
terra.”

As consequências do pecado de Caim são sentidas


imediatamente sob seu trabalho. Ele se torna improdutivo
no trabalho e pior ainda, é afastado do seu trabalho, pois
como um agricultor poderia viver sem se estabelecer num
lugar?!

5º Princípio – O trabalho é um dom de Deus


e deve ser visto como fonte de
contentamento.

Eclesiastes 2.23-24: “Nada há melhor para o homem


do que comer, beber e fazer que a sua alma goze o
bem do seu trabalho. No entanto, vi também que isto
vem da mão de Deus, pois, separado deste, quem
pode comer ou quem pode alegrar-se?”

Eclesiastes 5.20: “Quanto ao homem a quem Deus


conferiu riquezas e bens e lhe deu poder para deles
comer, e receber a sua porção, e gozar do seu
trabalho, isto é dom de Deus.”

6º Princípio – Não existe contentamento no


trabalho por si só.

Este princípio faz um contraponto ao anterior, ao nos fazer


ver que o fruto de nosso trabalho só tem significado se
desfrutado num contexto de amor com o próximo

Eclesiastes 2.11: “Considerei todas as obras que


fizeram as minhas mãos, como também o trabalho que
eu, com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade
e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia
debaixo do sol.”

7º Princípio – Em última instância, Deus é o


nosso patrão.

Colossenses 3.22-24: “Servos, obedecei em tudo ao


vosso senhor segundo a carne, não servindo apenas
sob vigilância, visando tão-somente agradar homens,
mas em singeleza de coração, temendo ao Senhor.
Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como
para o Senhor e não para homens, cientes de que
recebereis do Senhor a recompensa da herança. A
Cristo, o Senhor, é que estais servindo.”

Esse princípio deve servir como fonte de motivação


interna para todo cristão que trabalha, seja reconhecido
pelo seu empregador ou não.

8º Princípio – As injustiças das relações de


trabalho devem ser consideradas pelo
quadro maior da Justiça Divina

Tiago 5:9: “Irmãos, não vos queixeis uns dos outros,


para não serdes julgados. Eis que o juiz está às
portas.”

O contexto do capítulo 5 de Tiago é de abuso dos ricos


com relação aos seus servos e como estes enriquecem
por negar aquilo que é justo aos seus trabalhadores.

Este princípio não quer dizer que cristãos não devem


recorrer a seus direitos trabalhistas legalmente
estabelecidos, entretanto, ele nos leva a refletir que num
mundo caído existirá injustiça e que nos momentos de
provação devemos manter a confiança no Justo Juiz.

9º Princípio – O trabalho deve ser realizado


com diligência

1Tessalonecenses 4.10-12: “Contudo, vos exortamos,


irmãos, a progredirdes cada vez mais e a
diligenciardes por viver tranquilamente, cuidar do que
é vosso e trabalhar com as próprias mãos, como vos
ordenamos; de modo que vos porteis com dignidade
para com os de fora e de nada venhais a precisar.”

Cada cristão deveria buscar ser o mais dedicado e


eficiente trabalhador de sua empresa. Certamente a
preguiça é um pecado a ser evitado.

2Tessalonecenses 3.10: “Porque, quando ainda


convosco, vos ordenamos isto: se alguém não quer
trabalhar, também não coma.”

Provérbios 6.7-8: “Vai ter com a formiga, ó


preguiçoso, considera os seus caminhos e sê sábio.
Não tendo ela chefe, nem oficial, nem comandante, no
estio, prepara o seu pão, na sega, ajunta o seu
mantimento.”

10º Princípio – Faça sempre o máximo e o


melhor que pode.

Eclesiastes 2.11: “Tudo quanto te vier à mão para


fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque no além,
para onde tu vais, não há obra, nem projetos, nem
conhecimento, nem sabedoria alguma.”

Eclesiastes 11.6: “Semeia pela manhã a tua semente e


à tarde não repouses a mão, porque não sabes qual
prosperará; se esta, se aquela ou se ambas igualmente
serão boas.”
11º Princípio – O trabalho feito com excelência é
reconhecido e deve levar a glória de Deus.

Provérbios 22.29: “Vês a um homem perito na sua


obra? Perante reis será posto; não entre a plebe.”

Mateus 5.15-16: “… nem se acende uma candeia para


colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e
alumia a todos os que se encontram na casa. Assim
brilhe também a vossa luz diante dos homens, para
que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso
Pai que está nos céus.”

Um trabalho ordinário feito com excelência pode levar o


cristão a se destacar e ser reconhecido em sua empresa,
por seus clientes e esta se torna uma grande
oportunidade de testemunho para a glória de Deus.

12º Princípio – O trabalho deve ser equilibrado com o


devido descanso e tempo para adorar a Deus com a
família.

Êxodo 34:21: “Seis dias trabalharás, mas, ao sétimo


dia, descansarás, quer na aradura, quer na sega”.

No próximo dia 1º de maio, aproveite o feriado para refletir


e buscar uma sólida teologia do trabalho, a fim de manter
uma relação produtiva com a criação que vise a glória de
Deus e o benefício ao próximo.

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Alex Mello – Professor, Associação Brasileira de


Conselheiros Bíblicos (ABCB).

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