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Amante por encomenda

MAIL ORDER MAN

Roseanne Williams
"QUERIDA JÉSSICA, VOCÊ ESTÁ PRECISANDO DE UM
HOMEM..."
Com todo o trabalho na fazenda, Jéssica Patton não tinha tempo
para namorar... nem para controlar os anúncios que seu avô colocava no
jornal da região. Ao descobrir que o velhinho requisitara uma noiva no
Correio Sentimental do periódico, ficou preocupada. Mais ainda quando
a "noiva" surgiu acompanhada pelo neto, Raitt Marlow — um charmoso
solteirão a quem mulher alguma era capaz de resistir!
Inclusive Jéssica. A primeira vez que Raitt invadiu sua cama, ela
ficou atordoada. Afinal, sabia que não tinha atrativos para conquistar o
coração de um homem avesso a casamento. Então houve a segunda
vez... e a terceira... Talvez Raitt estivesse superando o pavor por
compromissos duradouros. Seria Jéssica capaz de fazê-lo perder o
medo de subir ao altar?
Digitalização: Tinna
Revisão: Aliane

Copyright © 1993 by Sheila Slattery


Publicado originalmente em 1993 pela Harlequin Books, Toronto,
Canadá.
Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução
total ou parcial, sob qualquer forma.
Esta edição é publicada por acordo com a Harlequin Enterprises
B.V.
Todos os personagens desta obra são fictícios.
Qualquer outra semelhança com pessoas vivas ou mortas terá
sido mera coincidência.
Título original: MAIL ORDER MAN
Tradução: Sílvia Maria Pomanti
Copyright para a língua portuguesa: 1994 CIRCULO DO LIVRO
LTDA.
EDITORA NOVA CULTURAL uma divisão do Círculo do Livro Ltdà.
Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346
CEP 01410-901 — São Paulo — SP — Brasil
Caixa Postal 2372
Fotocomposição: Círculo do Livro
Impressão e acabamento: Gráfica Círculo
CAPÍTULO I
— Jessie, minha menina, você precisa de um companheiro.
Jéssica Patton parou de lavar os pratos usados no café da manhã.
Apoiando as mãos sobre as bordas da pia, virou-se e lançou ao avô um
olhar capaz de congelar um autêntico pingüim do Pólo Norte. Será que
Duncan Patton não se cansaria nunca de lhe dizer aquilo? Será que o
velhinho não percebia que já estava na hora de trocar o disco?
— Você é um bom companheiro, vovô. Para que preciso de outro,
se podemos dar conta perfeitamente bem das nossas tarefas aqui na
fazenda?
— Estou ficando velho, menina. Não consigo mais juntar um fardo
de feno, não consigo mais domesticar um cavalo bravo, não consigo
mais cuidar das nossas poucas cabeças de gado como se deve... Não
consigo mais fazer metade do serviço que fazia no ano passado. Preciso
de um substituto, essa é que é a verdade.
Tocando os cabelos grisalhos, Dunc soltou o corpanzil de encontro
ao recosto da antiga cadeira. A seus pés, embaixo da mesa da cozinha,
Murph e Muttlev, seus dois cães pastores, olhavam para o ancião como
se concordassem com cada palavra que ele dizia.
Jéssica voltou a abrir a torneira e pôs-se a enxaguar os pratos
ensaboados. Dunc, então, apresentou-lhe o argumento irrefutável:
— Os anos passam, Jéssica... Ninguém pode impedir a marcha do
tempo.
— Não fale assim, vovô...
Ao mesmo tempo em que deixava escapar um suspiro, ela deu
uma olhada através da janela que ficava logo acima da pia. Diante de
seus olhos, espalhava-se um extenso vale de terras muito férteis,
confinado pelas encostas das Montanhas Warner, onde as árvores
centenárias formavam um bosque compacto e exuberante. Aquela
região, no nordeste da Califórnia, era praticamente isolada; sua escassa
população, constituída por meia dúzia de proprietários de minifúndios
como o próprio Duncan Patton, convivia em perfeita harmonia com a
natureza hospitaleira.
O velho Dunc tomou uma boa golada do café que ainda fumegava
em sua caneca e tornou a colocá-la sobre a toalha florida que cobria o
tampo da mesa de madeira maciça.
— Não sei por que você insiste em se fazer de desentendida.
— Vovô...
— Quando falei em companheiro, era óbvio que estava me
referindo a um marido, ora bolas! Você tem mais de trinta anos, Jessie, e
todo um futuro pela frente. Por que se recusa a pensar nisso? Por acaso
estou dizendo alguma mentira?
E, parecia que o disco iria mesmo continuar girando na mesma
faixa...
Por cima do ombro, Jéssica deu uma espiadela sorrateira no avô.
Dunc faria setenta anos em breve e, se não fosse pelos cabelos
brancos, ninguém lhe daria aquela idade. Mesmo assim, era impossível
negar que suas espáduas já não se mantinham orgulhosamente eretas e
que suas mãos, antes firmes e voluntariosas, agora tremiam com o
simples gesto de levar uma caneca aos lábios ressequidos. Como
também era impossível negar a existência das manchas senis que lhe
cobriam os braços ou ignorar o pesado óculos de lentes bifocais que se
empoleirava no nariz afilado.
Ah, era difícil aceitar o fato de que Duncan Patton envelhecia...
Jéssica adorava o avô, com a mesma energia vibrante com que adorava
aquela pequena fazenda perdida entre as colinas e o velho casarão de
madeira em que moravam. Havia cerca de cinqüenta anos, Dunc o
construíra com o madeiramento formado a partir de toras virgens de
cedro, jacarandá, imbuía e pinho, retiradas das imensas árvores que
cobriam as encostas das montanhas vizinhas. Ela sabia que iria herdar
aqueIa propriedade algum dia, mas rezava para que essa data levasse
uma eternidade a chegar.
Recolhendo as migalhas de pão espalhadas sobre a toalha da
mesa, Jéssica disse:
— Você também tem um longo futuro pela frente, vovô.
— Não sei, não sei... Parece que envelheci um milhão de anos
desde a morte da minha Lizbeth.
— É, vovó faz uma falta incrível. Também sinto muita saudade
dela.
— Bom, vamos deixar os assuntos dolorosos de lado. Você não
acha que já está mais do que na hora de pensar em se casar e ter filhos,
menina?
— Como já não sou mais tão "menina", marido e crianças estão
fora da minha lista de desejos secretos.
— Bobagem! Você devia era colocar um anúncio no Correio
Sentimental do nosso jornalzinho.
— Você já fez isso por mim, esqueceu?
— Mas o anúncio saiu apenas uma única vez na Gazeta Rural. É
muito pouco, Jessie. Deveríamos ter insistido.
— Para quê? Não viu o tipo de gente que aquele comunicado
trouxe até aqui? Três desordeiros desempregados. Cada um deles deu
uma olhada em mim e...
— E o que foi que viram? Uma mulher que mais parecia um
caubói hostil.
— Vovô!
— Não estou mentindo, Jessie. Por que você teve que recebê-los
com suas velhas roupas de montaria e o mais autêntico perfume "Odor
de Estrebaria"?
— E como queria que eu estivesse? Afinal, tinha passado o dia
todo lidando com os cavalos. Além do mais, eles viram o que realmente
sou, vovô: uma moça simples, atarefada, rústica... ou, para ser mais
exata, uma mulher sem a mínima graça e sem o menor atrativo. Nós
dois sabemos muito bem que eu tiraria o último lugar num concurso de
beleza, Sr. Duncan Patton..
— Por que teima em viver afirmando que não é uma moça bonita,
Jessie? O que eu quis dizer é que um vestido estampadinho e um pouco
de batom não lhe faria mal algum. Além disso, você poderia ter colocado
um pouco de perfume e deixados esses longos cabelos pretos soltos, ou
pelo menos ter enfeitado com uma bonita fita o maldito rabo-de-cavalo
com que os prende dia e noite.
Jogando as migalhas na cesta de lixo, ela tratou de ocupar-se em
limpar uma teimosa mancha na pia. Com uma careta, comentou:
— Sou uma mulher que trabalha duro numa modesta fazenda
onde se cria gado. Homens que lêem anúncios no Correio Sentimental
do jornal não estão interessados em consertar nossas cercas ou beijar
as asperezas que tenho nas mãos.
— Bah! Todos os rapazes da região dão olhadinhas cheias de
atenção quando você passa... Isso, sem mencionar aquele canalha do
Bob Cochran, é claro.
— Canalha é uma palavra muito gentil para se referir a ele. E,
como o salafrário do Bob, os homens que olham para mim já se casaram
no mínimo duas vezes. Por essa e por.outras, prefiro continuar sozinha a
me contentar com a porcaria que outras mulheres não quiseram aturar.
Dunc ajeitou-se na cadeira, ao mesmo tempo em que tirava do
bolso uma pequena forquilha de madeira que o acompanhava noite e
dia. Pondo-se a executar intrincados desenhos imaginários sobre a
estampa da toalha de mesa com uma das pontas da forquilha, ele deu
um suspiro.
— Não me parece lógico que você passe o resto dos seus dias
como uma freira, Jessie. Assim como não é justo que eu continue
vivendo como um monge. Você está perdendo as alegrias e os
momentos de amor do casamento... E eu, também.
— Mas não estou abrindo mão da minha independência, vovô.
Quantas mulheres podem afirmar que fazem exatamente aquilo que
desejam, sem ter que pedir a permissão ou a opinião de outras
pessoas? Eu posso dizer isso sem pestanejar. Aposto que um marido iria
interferir na minha vida ou colocar limites à minha liberdade.
— Um marido bom de verdade não faria isso. Ele iria aceitá-la
como você realmente é.
— Duvido! Diga o nome de algum homem que conhecemos e que
não gostaria que eu tivesse os traços de uma atriz de cinema. Ou que
não colocasse defeito nas minhas curvas, no tamanho do meu busto, no
comprimento das minhas pernas... Vamos, me diga o nome de um único
homem que não implique com a aparência ou o modo de ser da
companheira.
— Eu sou um bom exemplo. Amava minha Lizbeth do jeito que ela
era. E amo você do jeito que é.
— E, mesmo assim, queria que eu desse confiança para aqueles
três desocupados que responderam ao seu anúncio na Gazeta!
Um murmúrio ininteligível era a resposta que o velho Dunc dava
quando seus argumentos se esgotavam. Aliviada por ter conseguido
expor seus pontos de vista, Jéssica enxugou as mãos num pano de
prato e prendeu atrás da orelha uma mecha dos longos cabelos que
havia se soltado do rabo-de-cavalo. O avô era dono de uma teimosia
ímpar... e também tinha um charme que era só dele!
Suspirando novamente, Dunc guardou sua forquilha no bolso da
camisa e levantou-se. Depois de dar uma boa assoprada numa teia de
aranha que se enredava no lustre dependurado sobre a mesa, anunciou:
— De qualquer maneira, eu vou colocar um novo anúncio no
Correio Sentimental da Gazeta. As pessoas precisam saber que nesta
fazenda, onde vivem poucos cavalos e cabeças de gado, há também
uma alma solitária que precisa de companhia e calor humano.
— Não perca seu tempo, vovô. Vou mandar cancelar o anúncio
antes mesmo que ele seja publicado.
— Calma, menina, calma. Vou colocar um anúncio em busca de
uma esposa para mim. Afinal, nenhuma das viúvas que freqüentam
nossa paróquia despertou o meu interesse.
— Uma... esposa?!
— Por que o espanto, Jessie? Ainda amo minha Lizbeth do fundo
do coração mas, após quatro anos vivendo completamente só, acho que
estou carente demais e preciso do amor de uma mulher. Além do mais,
também tenho bastante amor para dar. E você não iria se importar em
ter alguém que a ajudasse nas tarefas domésticas, não é?
— Sim, eu... Quero dizer, não, mas...
— Colocarei o anúncio e então veremos no que vai dar.
“Proprietário de fazenda na Califórnia, 69 anos, viúvo, procura
senhora para futuro compromisso. Favor enviar foto na primeira carta”.
O pequeno comunicado de Duncan Patton no jornal da localidade
levou à sua fazenda uma avalanche de quase trezentas cartas num
único mês. Todos os dias, Jéssica vinha da caixa de correspondência
com punhados de envelopes perfumados. E o que mais a surpreendia
era o fato de que boa parte das remetentes era bem mais jovem do que
ela mesma. Havia até mesmo uma carta vinda de Paris, na França. Isso,
nem falar nas fotos de mulheres em trajes ousados ou de duas moças
que enviaram seus retratos em minúsculos biquínis!
Quando a imensa enxurrada de correspondência diminuiu ao nível
de um esparso gotejar de envelopes, Dunc resolveu que era chegado o
momento de fazer uma pré-seleção das candidatas. Espalhando as
fotografias das mulheres que mais o agradaram sobre a mesa da
cozinha, ele retirou do bolso a inseparável forquilha de madeira.
A seu lado, Jéssica observava a cena mergulhada em emoções
conflitantes. Estava contente da vida ao ver o avô novamente tão
entusiasmado e cheio de esperanças, mas também temia que muitas
das candidatas causassem uma grande decepção ao velhinho ao se
revelarem aventureiras oportunistas e interesseiras.
Com os olhos fechados, Dunc lhe pediu que embaralhasse as
vinte e cinco fotos escolhidas, explicando que iria descobrir a
companheira ideal da mesma forma como encontrava veios de água em
suas terras: através da velha forquilha.
Enquanto seguia as instruções do avô, ela deixou escapar um
suspiro. Duncan Patton não tomava jeito! De onde fora tirar uma idéia
tão absurda? Isso lá era maneira de, se escolher uma esposa?
— Pronto, vovô. As fotos estão bem embaralhadas.
Sem abrir os olhos, o velhinho começou a passar sua forquilha
sobre as fotografias que se enfileiravam sobre a mesa. Atônita, Jéssica
via a ponta do graveto mover-se ligeiramente em sua viagem acima dos
diversos retratos. Dunc não havia selecionado uma candidata com idade
inferior a sessenta e cinco anos; algumas eram bonitas, outras
apresentavam uma aparência apenas bem cuidada, o restante estava
longe de poderem ser chamadas de belas.
De repente, a forquilha fixou-se sobre uma foto, como se uma
força invisível e inexorável a tivesse direcionado para lá.
Dunc finalmente abriu os olhos.
— Bem, vamos ver quem é essa adorável e sorridente senhora.
— Mas, vovô...
Ele guardou outra vez a forquilha no bolso, ajeitou os grossos
óculos sobre o nariz e inclinou-se sobre a mesa, a fim de identificar a
candidata escolhida pelo graveto.
— Oh, é Evangeline Marlow, de San Francisco... Que bom! Adorei
a carta dela!
— Vovô, por que não...
— Sabe, nós dois temos muita coisa em comum. Nos casamos
assim que terminamos os estudos e agora estamos viúvos.
Jéssica analisou a fotografia por alguns instantes. Tratava-se de
uma senhora simpática, quase gordinha, com fartos cabelos grisalhos
ajeitados delicadamente de forma a adornar um rosto bem oval. Os
olhos de Evangeline eram escuros, iluminados por um sorriso generoso
e natural.
Dunc pôs-se, então, a ler em voz alta parte da carta que a
graciosa senhora havia lhe enviado:
"Cresci numa fazenda de criação de gado no Texas, mas parti de
lá quando me casei com meu finado marido. Nosso casamento foi uma
união muito feliz e desde a morte de Leland, ocorrida há cinco anos,
tenho me sentido muito sozinha. Meu filho e minha filha, que hoje são
adultos, têm suas próprias vidas para cuidar; desse modo, sou uma
pessoa livre de responsabilidades. Estou ansiosa para conhecê-lo
pessoalmente e torço para que também se sinta assim a meu respeito.
Ah, ia me esquecendo: gostaria que você me chamasse apenas pôr
Vangie, está bem?"
Evitando pensar em sua avó Lizbeth, que fora uma pessoa
absolutamente adorável em todos os sentidos, Jéssica comentou:
— Ela parece ser muito gentil.
— Tive uma certa "quedinha" por Vangie Marlow desde que li sua
carta.
— Mesmo?
Ele fez um gesto afirmativo com a cabeça, enquanto recolhia as
outras fotografias espalhadas pela mesa.
— Bem, vou escrever para Vangie ainda hoje. Mandarei o número
do nosso telefone e aproveitarei para convidá-la para uma visita à
fazenda, a fim de nos conhecermos melhor... Isto é, se ela gostar das
coisas que lhe direi na carta.
— Vai entrar em contato somente com ela, vovô?
— Sim. Minha velha forquilha nunca falha.
Vangie Marlow ligou para a fazenda dos Patton na noite do dia em
que recebeu a carta de Dunc. O velhinho levou o telefone consigo para
seu quarto e fechou a porta, mantendo Jéssica num agonizante
suspense por quase duas horas.
Enquanto tentava se distrair com um seriado de tevê, ela ouviu o
avô cair na gargalhada por várias vezes durante a longa chamada
telefônica. E pensar que o velho Duncan não ria dessa maneira desde a
morte de Lizbeth... Embora o som que fugia através da porta fechada
fosse um tanto abafado, era inegável que o ancião estava contente,
ansioso e bastante entusiasmado.
Jéssica cruzou os braços sobre o peito e franziu as sobrancelhas.
Nenhum dos três telefonemas que ela recebera a tinham deixado
contente, ansiosa ou entusiasmada. E as visitas que seus "pretendentes"
lhe haviam feito, se transformaram em breves desastres. Na verdade, a
última vez em que se sentira feliz ou ansiosa fora...
Sua testa vincou-se numa ruga profunda e sombria. Fazia dez
anos. E ela tinha sido tola o suficiente para acreditar que Bob Cochran,
empregado temporário de Dunc àquela época, lhe dedicasse algum tipo
de carinho ou afeição. Tudo o que o malandro queria era levá-la para a
cama. E acabou atingindo o seu objetivo após três meses da mais doce
e convincente conversa que ela já ouvira da boca de um homem. Aliás, a
única conversa afetuosa que ouvira em toda a vida.
Duncan e Lizbeth tinham advertido Jéssica quanto às intenções de
Bob, mas a bobona estava certa de que ele a amava. No dia seguinte à
concretização de seus planos inescrupulosos, o pilantra desaparecera
da cidade e nunca mais fora visto. Jéssica chegou a imaginar que a sua
única dor fosse aquela causada por um coração aos pedaços. Mas, ao
circular pelo povoado e descobrir que Bob somente a levara para a cama
com a finalidade de ganhar uma aposta que havia feito com outros
cafajestes da mesma laia, a dor da humilhação veio somar-se ao já
lancinante sofrimento.
Ainda hoje, aquela maldita vergonha por que passara a fazia sentir
o rosto em brasas. Na ocasião em que fora seduzida, era a única virgem
da região com mais de vinte anos de idade. E sua virgindade tinha sido o
motivo para a desprezível aposta de um caubói de quinta categoria,
cruel, covarde, simplesmente abjeto.
Maldito fosse Bob Cochran! Se ao menos pudesse...
Ao ouvir a porta do quarto do avô se abrir, Jéssica endireitou-se
no sofá e fingiu estar com toda a sua atenção concentrada na reprise do
antigo seriado de ficção:
— Cuidado, capitão Kirk! Um dos alienígenas tem uma arma
escondida sob a capa!
Para dar mais autenticidade à representação, deu um pulo de
"susto" ao ver Dunc entrar na sala.
O velhinho tinha um sorriso de orelha a orelha e foi logo
anunciando:
— Vangie vem nos visitar e pretende passar duas ou três
semanas na fazenda.
— Duas ou três... semanas?
— Sim. Ela disse que vem de carro, direto de San Francisco.
— Vovô, eu... nós...
Transbordando genuína satisfação por todos os poros, Dunc
atirou-se na sua grande poltrona recoberta por couro de boi, ainda
sorrindo como um garotinho.
— Sabe, tivemos uma conversa tão agradável... Vangie disse que
gostaria de trazer uma companhia. E eu falei que não nos importaríamos
com isso. Você se importaria?
— Claro que não, mas...
— Então vamos ter que preparar os dois outros quartos antes que
elas cheguem, na tardinha de sábado.
— Vovô! Sábado é depois de amanhã!
— Exato. Sabe, acho que seria melhor Vangie ficar no quarto em
frente ao meu. A companhia que ela trouxer pode se instalar no
dormitório ao lado do seu e vocês dividirão o banheiro que os separa.
Jéssica teve vontade de lhe dizer que não deixasse suas
esperanças voarem tão alto. Afinal, será que o velhinho tinha se
esquecido do fracasso em que resultará o anúncio colocado em nome
dela?
Mas não teve coragem de dissipar toda aquela euforia. Dunc não
dava mostras de tamanha alegria desde a morte da esposa. Seria uma
monstruosidade lhe tirar aquele brilho cintilante dos olhos cansados ou o
sorriso que se acomodara com tanta naturalidade nos lábios crestados
pelo tempo.
O avô, contudo, pareceu ter lhe notado a expressão dúbia.
— Não se preocupe, menina. Este velho fazendeiro sabe o que
está fazendo.
Ela mordeu o lábio, enquanto suspirava. Teriam tanto trabalho
para deixar a fazenda preparada para a visita de sábado... Tanto
trabalho a troco de nada.
Em seu posto de sentinela, espiando através da tela da porta que
dava para a varanda do antigo casarão, Jéssica viu quando uma nuvem
de poeira elevou-se no ponto onde a rodovia principal se encontrava
com a estrada de acesso à fazenda.
— Chegaram!
Seu aviso atingiu os fundos da casa de madeira, onde Dunc
estava às voltas com os preparativos para um churrasco ao autêntico
estilo texano. Ele havia migrado para a Califórnia, vindo do Texas, cerca
de cinqüenta anos atrás, mas ainda mantinha vivos na memória vários
costumes e tradições do estado vizinho.
Jéssica observava o carro aproximar-se rapidamente pela
estradinha de terra, criando um verdadeiro redemoinho de pó atrás de si.
A julgar pela carta enviada por Vangie Marlow, a velha senhora não
parecia do tipo que costumava dirigir com a velocidade de quem está
prestes a tirar o pai da forca. Será que todo aquele rebuliço era para
impressionar o velho Duncan Patton?
O ancião aproximou-se da neta, comentando:
— É, acho que são elas... Já tranquei os cachorros no estábulo,
para que não façam algazarra ou fiquem pulando em cima das nossas
visitas.
Jéssica virou-se para o avô. Usando uma camisa xadrez quase
nova, calça jeans recém passada a ferro e um par de botas de cano
curto, Dunc era o entusiasmo em pessoa. Seu perfume era uma mistura
de uma centenária loção após-barba com o aroma de costeletas de boi
na brasa.
— Você está ótimo vovô.
— E você também está um encanto, minha menina. Gosto de vê-
la nesse vestido cor-de-rosa, calçando sandálias de salto alto e com os
cabelos livres daquele maldito rabo-de-cavalo. E esse perfume...
Finalmente resolveu gastar um pouco da sua colônia de alfazema, hein?
— Pare com isso, sim? Não adianta tentar fazer com que eu me
sinta uma Cinderela, quando nós dois estamos fartos de saber que
feminilidade, formosura e charme nunca foram os meus pontos fortes.
— Isso tudo é uma grande bobagem. Essas idéias tolas só
brotaram na sua cabeça depois do que aconteceu com Cochran. E,
mesmo que você não fosse bonita, o que realmente importa é a beleza
interior que existe nas pessoas, Jessie. Uma beleza que ninguém, nem
mesmo o tempo, pode tirar.
É, o danado do velhinho sabia mesmo como lhe dizer as coisas de
que ela tanto precisava para alentar o tão machucado amor-próprio...
O ruído de um motor possante tornou-se bastante claro em meio à
tranqüilidade que pairava pelos arredores e, instantes depois, o carro
que trazia a "candidata a futura noiva" de Duncan Patton surgiu na
alameda de cascalhos que levava ao pátio em frente à varanda. Era um
veículo imponente, vermelho, esportivo, de linhas atuais e arrojadas.
Dunc ajeitou a gravata-borboleta, comentando:
— É um desses automóveis importados... Deve ser caro para
chuchu.
O carro podia ser bonito e caro, mas Jéssica o considerou um
tanto inadequado para o dia-a-dia numa fazenda modesta encravada
entre as montanhas. E, a julgar pelo automóvel que possuía, a Sra.
Evangeline Marlow devia ser uma viúva "alegre" demais para se
contentar com a vida pacata de uma propriedade rural isolada nos
cafundós da Califórnia. Na certa, iria desistir do compromisso com o
velho Duncan antes mesmo que o churrasco estivesse no ponto.
Dunc adiantou-se até a beirada da extensa varanda e acenou.
Jéssica colocou-se logo atrás dele, protegendo os olhos do sol com a
mão. Pobre vovô! E pensar que, no dia anterior, o velhinho passara
horas a fio lustrando suas botas gastas, temperando a carne para o
churrasco, arrumando todas as dependências da fazenda e colhendo
flores para enfeitar os quartos de hóspedes... Jéssica, que o ajudara em
todas essas tarefas, via agora o esforço de ambos ir por água abaixo.
Tanto trabalho por nada!
Apertando os olhos para melhor enxergar contra a claridade do
sol, ela começou a sentir um aperto na garganta. A velha forquilha de
madeira havia, finalmente, fracassado. Se ainda tivesse um pouco de
juízo, seu avô deveria jogar aquela droga de graveto em meio à brasa
que ardia sob a grelha da churrasqueira.
Com um ranger de eficientes freios, o carro parou no pátio, diante
da varanda. A nuvem de poeira que se levantou atrás do moderno
veículo fez com que Jéssica espirrasse uma, depois duas, então três
vezes. Dunc entregou-lhe um lenço e ainda teve tempo para um singelo
"Saúde!", antes do quarto espirro.
A porta do motorista se abriu. Ao ver uma cabeça coberta por um
chapéu de caubói emergir do veículo, Jéssica devolveu o lenço ao avô,
piscou algumas vezes e voltou a estreitar os olhos. No banco do
passageiro havia uma mulher, mas sua companhia era, sem sombra de
dúvida, um homem.
E que homem!
Emoldurado por uma aura formada pelo sol poente e pelo pó da
estradinha, parecia muito alto e apresentava um belo porte. Possuía uma
silhueta bastante viril, com ombros largos e eretos, um tórax vigoroso,
quadris estreitos, pernas longas e atléticas. Era uma pena que as abas
do chapéu a impedissem de lhe ver o rosto.
Jéssica pensou que fosse espirrar novamente, mas então deu-se
conta de que era a sua respiração que estava hesitante. Ali, bem diante
de seus olhos espantados, estava a imagem do caubói com que sempre
sonhara!
A seu lado, Dunc ergueu uma sobrancelha grisalha, deixando
escapar o pensamento que acabava de se formar em sua cabeça:
— Puxa, menina... Ele tem jeito de ser o homem ideal para você!
CAPÍTULO II
— Como vai? Você deve ser Raitt Marlow, o neto de Vangie... E eu
sou Duncan Patton, mas todos me chamam apenas de Dunc.
Raitt tirou o chapéu de abas largas, aliviado por ver-se livre
daquele estorvo que a avó o obrigara a colocar, a fim de causar uma boa
impressão aos Patton.
E, embora seu rosto mantivesse uma expressão gentil, o frouxo
aperto de mão que trocou com Dunc deixou claro o quanto desaprovava
aquela visita programada pela velha senhora.
— É um prazer conhecê-lo... Dunc.
O velhinho olhou para o carro e esboçou um sorriso radiante, ao
responder:
— O prazer é todo meu. Agora, se me der licença, vou ajudar sua
avó a saltar do automóvel.
Raitt balançou a cabeça num gesto afirmativo, mas manteve-se
sério. Não fazia muito tempo, havia perseguido um assassino serial, que
escolhia suas vítimas através dos anúncios da seção de Correio
Sentimental dos jornais. Por isso, correu aceitar o convite da avó,
quando ela o chamou para acompanhá-la naquela viagem sem pé nem
cabeça. Afinal, precisava ter certeza de que a velhinha não seria a
próxima inocente a cair nas garras de algum maníaco homicida.
Apesar de Duncan Patton ter lhe parecido um homem decente e
honesto, Raitt preferiu deixar o julgamento definitivo para mais tarde.
Suas atividades como policial haviam lhe mostrado que as primeiras
impressões podem levar a graves erros ou conclusões absolutamente
falsas. As pessoas precisavam de tempo para demonstrar o que
realmente eram. E Duncan Patton ainda teria que lhe provar ser digno e
merecedor das atenções da generosa e desmiolada Evangeline Marlow.
Foi então que Raitt olhou para a jovem mulher parada no primeiro
degrau da varanda. Na certa, devia ser a tal "gracinha de neta" de Dunc,
a que sua avó se referira. Bem, aparentemente Vangie o tinha levado na
conversa, ao lhe insinuar que se tratava de uma adolescente
desabusada, com o rosto coberto de sardas, corpo cheio de curvas
voluptuosas e um arrogante rabo-de-cavalo.
Estendendo-lhe a mão, ele se apresentou:
— Raitt Marlow, muito prazer. E você deve ser Jessie.
Raitt viu um rubor se espalhar desde o colo até a raiz dos cabelos
da moça. Ela devia ser tímida à beça... ou então estava louca de raiva.
Louca de raiva era mais provável, já que Jessie lhe erguia o
queixo numa atitude quase desafiadora, lançando-lhe chispas através
dos penetrantes olhos verdes.
Na certa, isso era sinal de que ela também fora levada na
conversa quando o avô lhe falara sobre a tal companhia que sua
"candidata a noiva" estaria levando em sua visita à fazenda. Mesmo
contrariada, porém, Jéssica retribuiu ao gesto de cortesia, esticando o
braço para receber o aperto de mão.
— Como vai, Sr. Marlow? Sim, sou a...
Foi então que o imprevisível aconteceu. Descendo
desajeitadamente os degraus da varanda a fim de encontrar a mão
cordial que Raitt lhe oferecia, ela entortou o calcanhar ao tentar se
equilibrar sobre os saltos altos aos quais não estava acostumada e...
desabou pelo restante da escadinha de madeira como um saco de
batatas.
Jéssica teria se estatelado aos pés de seu visitante, se ele não
corresse a ajudá-la. Raitt amparou-a num abraço estouvado, apertado o
suficiente para lhe proporcionar um gostoso contato dos seios
empinados contra seu peito. Enquanto a segurava, pôde também lhe
sentir a curva da cintura na palma da mão e a sedosa massa de cabelos
negros que foram de encontro ao seu rosto. Um suave perfume de
alfazema lhe penetrou as narinas e, num impulso, ele apertou-a um
pouco mais de encontro ao corpo. A neta de Duncan Patton estava longe
de ser uma garotinha sapeca, mas, além dos traços exóticos, possuía
um jeitinho todo especial.
Muda diante do susto e do inesperado abraço, Jéssica olhou
fundo nos olhos de Raitt e só então notou que eram de um azul
simplesmente deslumbrante. Os braços que a seguravam demonstravam
firmeza e determinação; o calor que emanava do avantajado tórax era
contagiante; a proximidade com aquele corpo muito viril a fez sentir-se
subitamente envolvida por uma sensação esquisita, meio indecifrável.
Tratou de soltar-se dos braços de Raitt com a pressa de quem
coloca o dedo numa tomada de alta tensão. E seu gesto estabanado
acabou fazendo voar pelos ares o chapéu que ele trazia na mão
esquerda.
— Me... me desculpe...
— Não foi nada. Você se machucou?
— A-acho que... que não.
Depois de apanhar o chapéu de feltro do chão, Raitt pendurou-o
no corrimão da escadinha e ajoelhou-se diante dela. Enquanto Jéssica,
apoiada na estrutura da varanda, contorcia o rosto numa expressão de
dor lancinante, ele usou de toda a delicadeza de que foi capaz para lhe
descalçar o pé contundido.
Dunc, que se aproximava de braço dado com uma sorridente
Vangie, foi logo dizendo:
— Você precisa tomar cuidado quando anda com saltos tão altos,
menina... Venha, cumprimente Vangie antes que acabe se
esborrachando toda por aí.
O sorriso da velhinha se alargou, mas ela mostrava também uma
certa consternação.
— Olá, Jessie! Pobrezinha, meu Deus... Será que você não se
machucou, minha filha? Ainda bem que Raitt entende como ninguém de
primeiros-socorros e outras pequenas emergências!
Jéssica retribuiu ao cumprimento com um sorriso convencional e
um rápido aperto de mão, para então tentar dar um passo. A dor foi
insuportável e uma careta voltou a lhe contrair o rosto.
Raitt deixou a sandália no chão e, olhando para Jéssica, apontou
o último degrau do alpendre, dizendo:
— Sente-se ali e eu vou dar uma olhadinha no seu pé.
— Não precisa, obrigada. Eu...
Dunc tratou de organizar a bagunça:
— Faça o que o moço pediu e sente-se lá, menina. Enquanto ele
examina seu machucado, vou mostrar a casa para Vangie.
— Deve ser uma gracinha — comentou a velha senhora. — A
julgar pelo aspecto externo...
— Fui eu mesmo quem construiu tudo por aqui, inclusive o celeiro
e o estábulo — explicou um orgulhoso Dunc, levando-a para o interior do
casarão. — Sou o responsável pela colocação de cada viga, de cada
tijolo na lareira... Gosta de ficar diante do calor aconchegante de uma
boa lareira nas noites de inverno, Vangie?
Morrendo de vergonha, incapaz de dar um só passo, Jéssica
ouviu as vozes de ambos sumirem na distância. Maldição. Como fugir ao
tal "exame" oferecido por Raitt Marlow? Olhando para ele, tentou soar
decidida:
— Não é necessário que você se preocupe com o meu pé.
Mas Raitt ignorou a aparente segurança que Jéssica havia
imposto à voz. Ajoelhou-se novamente diante dela e, sem maiores
avisos, tomou-lhe o pé machucado entre as mãos.
— Agora tente movimentar os dedos.
Jéssica mordeu o lábio, enquanto praguejava baixinho:
— Que inferno! Se eu estivesse com as minhas botas de montaria,
nada disso teria acontecido!
— Esqueça as tais botas, pois acho que você não poder calçar
coisa alguma por uns dois ou três dias. Me parece que o seu tornozelo
sofreu uma bela entorse.
Ela fechou os olhos, a fim de não fixá-los nos delicados
movimentos que as mãos ágeis de Raitt executavam ao longo de seu pé,
examinando ossos, tendões e músculos. E tentou visualizar uma
magnífica praia do Caribe, para não prestar atenção aos toques quase
íntimos com que ele percorria-lhe a perna e o joelho, à procura de
indícios de alguma lesão mais séria. Quanto esforço jogado fora! Era
impossível impedir os arrepios que lhe percorriam a espinha, fazendo-a
esquecer-se, ainda que por uns poucos instantes, da forte dor que a
acometia.
Raitt apalpou-lhe o tendão logo acima do calcanhar.
— Sente alguma coisa solta ou mais molinha aqui?
— Claro que não. Não tenho uma só parte do corpo "solta ou mais
molinha", Sr. Marlow. Estou acostumada a cuidar do gado, montar
cavalos de todos os tipos, consertar cercas, plantar hortaliças... E odeio
ser manipulada, da maneira como nossos avôs estão tentando nos
manipular.
— Me chame de Raitt, assim poderei chamá-la apenas por Jess.
— Eu... eu...
— Também não gosto de ser manipulado, também acho que
nossos avôs planejaram fazer algum tipo de armação conosco e...
também tenho o corpo rijo devido ao trabalho, Jess. Me parece que
estamos empatados.
Quem seria a maluca de afirmar que naquele físico capaz de
causar inveja ao mais atlético esportista poderia haver alguma parte
"solta ou mais molinha"?
Numa briga íntima para afastar os pensamentos licenciosos, ela
perguntou:
— Em que tipo de serviço você adquiriu essa... essa rigidez no
corpo?
— Trabalho numa divisão dê cavalarianos da polícia, a Guarda
Montada de San Francisco. Além de fazer cumprir a lei, os oficiais da
minha guarnição cuidam dos seus cavalos e dos estábulos onde os
animais ficam. Somos uma espécie de caubóis do asfalto.
— Entendo. E está em férias?
— Forçadas. Durante a próxima semana, a unidade com que
trabalho terá uma folga involuntária, como medida de contenção de
despesas. Houve cortes no nosso orçamento e... Bem, você sabe como
andam as finanças públicas.
Que ele não perdesse o emprego, como havia acontecido com
tantas pessoas que Jéssica conhecia!
Ela deu-lhe uma olhadinha de relance. Apesar dos problemas no
trabalho, Raitt tinha uma aparência elegante, quase refinada. Em vez de
um surrado uniforme, usava calça de linho bege e uma vistosa camisa
azul-marinho, que tinha as mangas dobradas à altura dos cotovelos. O
chapéu marrom, que a fizera imaginar um caubói recém-saído de seus
sonhos, parecia ser de excelente qualidade.
Por uma fração de segundo, ela perguntou-se se a avó havia lhe
sugerido que usasse aquele traje, da mesmo forma que Dunc quase a
obrigara a colocar seu vestido cor-de-rosa e as amaldiçoadas sandálias
de salto alto.
Picada pelo insidioso bichinho da curiosidade, Jéssica abaixou a
cabeça, a fim de melhor examinar aquele belo homem a seus pés. Os
cabelos dele, fartos e acomodados em mechas levemente onduladas,
tinham uma tonalidade de castanho que se aproximava do dourado, ao
refletirem o sol do fim de tarde. Seu rosto, onde predominavam os olhos
azuis, possuía linhas quase clássicas, com maxilares quadrados, um
nariz de forma e proporções mais do que adequadas, sobrancelhas
espessas e testa larga. Sem sombra de dúvida, um homem para mulher
nenhuma colocar defeito.
Jéssica deixou escapar um suspiro desanimado. E ela? O que
tinha de bonito, charmoso ou sedutor? O que havia em sua aparência
que pudesse chamar a atenção de um homem? Nada, era evidente.
Afinal, de menina travessa havia se transformado em uma mulher
prática que montava com perfeição, usava o laço como um autêntico
vaqueiro, sabia cuidar de um pequeno rebanho de gado e levava uma
vida rotineira, sem ter tido um único namorado desde que Bob Cochran a
seduzira. Tratava-se, enfim, de alguém que só sentia à vontade lidando
com as tarefas da fazenda. Seu mundo se restringia àquilo. E mais nada.
O comentário de Raitt me interrompeu as divagações:
— Que cheirinho gostoso...
— Churrasco à moda texana é a especialidade do meu avô. Ele
prepara as costeletas de boi com chili e...
Ela parou a explicação ao perceber que Raitt lhe lançava um olhar
absolutamente perplexo.
— Eu estava me referindo ao seu perfume, Jess.
— Oh...
— É uma delícia.
— Eu... eu nunca coloco perfume. Hoje foi uma exceção porque...
porque quis agradar ao meu avô. Também nunca uso vestido, nem calço
sandálias de salto alto ou...
Jéssica calou-se novamente, ao se dar conta de que Raitt passara
um braço por debaixo de seus joelhos e o outro ao redor de suas costas,
levantando-a do chão.
— Precisamos colocar gelo sobre essa torção no seu tornozelo. E
você precisa de um lugar confortável para sentar.
— Mas não quero...
— Quer, sim.
Carregando-a de encontro ao peito robusto, ele subiu os degraus
da varanda, abriu a porta da fazenda com um leve pontapé e foi
entrando.
— Me ponha de volta no chão! Posso muito bem pular num pé só,
se precisar de alguma coisa!
— Talvez. Desta vez, porém, vou lhe dar uma carona.
Ela deixou escapar uma imprecação assim que Raitt depositou-a
na poltrona de couro de boi da sala de estar. Ignorando-lhe as
reclamações, ele cobriu uma banqueta com uma das almofadas que
estavam sobre o sofá e ajeitou-lhe o pé machucado em cima do
improvisado descanso. Em seguida, localizando a cozinha através de
uma rápida espiadela à sua volta, anunciou:
— Vou buscar o gelo.
Dunc e Vangie surgiram no lado oposto da sala, vindos do
corredor que dava acesso às demais dependências do casarão. A
velhinha ia dizendo:
— Adoro casas de madeira, sabia? São mesmo uma gracinha!
— Que bom!
Ao ver Jéssica na poltrona, com a perna estirada e o pé sobre a
banqueta, a velha senhora correu para junto dela.
— Oh, minha filha... Que coisa horrível foi lhe acontecer!
— É assim tão grave, menina? — perguntou Dunc, tocando a
ponta do queixo. — Será que você sofreu alguma fratura?
— Não, vovô. Parece que foi apenas uma forte torção.
— Onde está Raitt? — Vangie olhou ao redor.
— O doutor-sabe-tudo está na cozinha — respondeu Jéssica, mal
humorada. — Foi apanhar gelo para provar sua competência.
Dunc e Vangie trocaram um olhar cúmplice e então esboçaram um
sorriso nada discreto.
Jéssica fez menção de levantar-se da imensa poltrona, mas o avô
evitou-lhe o gesto, colocando a mão com força em seu ombro para
obrigá-la a permanecer sentada.
— Confie no que Raitt diz, menina. Ele é um profundo conhecedor
das medidas de primeiros-socorros.
— Não preciso de nenhum tratamento de emergência — ela
retrucou, ríspida. — Basta colocar uma faixa bem apertada ao redor do
meu tornozelo e aí poderei...
Raitt reapareceu, interrompendo-a. Trazia uma bolsa de gelo que
havia providenciado a partir do que conseguira encontrar na cozinha: na
geladeira, alguns sacos plásticos e um pano de prato. Antes que Jéssica
se pusesse a reclamar novamente, prendeu o saco plástico com cubos
de gelo ao redor do pé dela com o pano dobrado numa longa tira.
Mesmo assim, ela tentou recomeçar com as queixas:
— Não pense que pretendo ficar sentada aqui até que... - Raitt
ergueu uma das mão para interrompê-la outra vez:
— Se não ficar sentada aí e esperar até que o gelo ajude a
desinchar seu tornozelo, não conseguirá colocar o pé no chão por nó
mínimo uma semana. É isso o que você quer?
— Vangie, venha ver o seu quarto.
Dizendo isso, Dunc desapareceu novamente corredor adentro,
levando a simpática velhinha dependurada em seu braço.
Raitt passou a mão pelos cabelos e deu uma olhada resoluta na
direção de Jéssica, para então avisar:
— Vou tirar as malas do carro.
Cruzando os braços num gesto de desalentada indignação, ela fez
um muxoxo e o viu desaparecer pela porta de tela da varanda. Seu
sangue fervia. Sujeitinho mandão! Não fazia nem meia hora que havia
chegado e já se punha a dar ordens a torto e a direito, tirando-lhe o
direito de fazer suas próprias resoluções. Não lhe ocorreu, um segundo
sequer, que ele era a visita indesejada e que ela era dona da casa?
Se Vangie se parecesse com o neto, aquela festa iria acabar logo,
logo e ela ficaria na Fazenda Patton muito menos tempo do que
imaginava. Afinal, ninguém dava ordens ao velho Duncan.
Erguendo o rosto, Jéssica decidiu mostrar a Raitt Marlow que
ninguém lhe diria o que fazer. Com esse objetivo em mente, tentou girar
o tornozelo a fim de provar que o diagnóstico dele não passava de uma
bobagem. Mas bobagem foi o que ela acabara de fazer, pois o
movimento lhe arrancou um grito de dor das profundezas da garganta.
Raitt ressurgia na porta de entrada naquele mesmo instante.
Indicando cada uma das malas que trazia nas mãos, perguntou:
— Onde coloco isto?
Zonza de dor, Jéssica apenas estendeu o braço e apontou para o
ali.
Então ele lhe recomendou, com um ar meio debochado:
— Sorria e faça de conta que está tudo bem, Jess. Foi a atitude
que resolvi tomar, até que minha avó recobre o juízo e ponha um fim a
essa farra toda.
Raitt dirigiu-se para o local indicado. No caminho, deu uma olhada
um pouco mais atenta à mobília rústica e à decoração simples do
casarão. A espaçosa casa de madeira possuía um charme discreto e
acolhedor, e reinava no ambiente um calor humano ao qual era
impossível permanecer imune.
Mas, pelo bem da avó, ele teria que resistir àquela sensação de
bem-estar. E fingir-se cego não só ao aconchego proporcionado pela
antiga residência, como também à beleza natural do solitário e longínquo
vale.
Raitt viu, então, Vangie colocar a cabeça para fora de uma das
portas que se enfileiravam pelo amplo corredor. A velhinha era toda
sorrisos.
— Traga a minha mala para cá, Raitt. O seu quarto fica logo ali,
naquele canto. Não é uma gracinha?
Ele entrou no dormitório no exato momento em que Dunc abria as
cortinas de chita florida, revelando uma vista magnífica para as
majestosas Montanhas Warner.
Tomado por uma sensação de alívio, Raitt notou que Vangie iria
dormir numa cama de solteiro; além disso, não havia muito espaço para
duas pessoas naquele aposento. Mesmo assim, decidiu não despregar
os olhos dos dois velhinhos até saber quais eram realmente as
verdadeiras intenções de Duncan Patton. Jovens ou idosos, homens
eram homens. E ponto final.
Dunc seguiu o olhar de Raitt e deu um sorrisinho meio amarelo,
explicando:
— Fui eu mesmo quem apanhou as flores e Jessie as arrumou
nos vasinhos. As cortinas e a colcha da cama foram feitas por ela
também há alguns anos. Além disso, posso dizer que minha neta tem
uma ótima mão na cozinha... E, por falar em comida, vou dar uma
espiada no meu churrasco, enquanto vocês se acomodam e se
refrescam um pouco.
A cândida Vangie lhe dirigiu um sorri só ainda mais cândido. E
quando o ouviu assobiando no hall, voltou-se para Raitt:
— É uma gracinha de homem, não é? Não lhe falei que você não
tinha com o que se preocupar?
Ele deixou uma das malas sobre a cama e comentou:
— Tudo é "uma gracinha" para você... Por que não me falou
também que a neta dele já tinha passado dos trinta e era solteira?
— E que diferença isso iria fazer, Raitt? Tanto você quanto ela não
são os principais envolvidos nesta nossa visita à fazenda de Dunc. Além
do mais, com essa sua mania de bancar o meu anjo da guarda, você
teria vindo comigo de qualquer maneira.
— O fato é que não quero ser objeto de nenhuma armação que
você e o velhinho possam estar tramando. Jess pensa da mesma forma
e já deixou isso bem claro. E se, assim como eu, ela também for contra a
publicação de anúncios no Correio Sentimental dos jornais, posso
afirmar categoricamente que jogamos no mesmo time.
Vangie aproximou-se do vaso florido que estava sobre a cômoda e
aspirou, deliciada, o perfume do pequeno buquê de rosas amarelas.
— Seja como for, essa coincidência é mesmo uma gracinha, Raitt.
— Coincidência?
— Claro. Você e Jéssica são solteiros e adoram cavalos. Como
pode ver, ambos têm muito mais em comum do que você imaginava.
— Não estou interessado nos pontos que possa ter em comum
com Jéssica Patton, vovó. Na verdade, estou é mais do que satisfeito
com a vida que levo em San Francisco.
— Vamos,meu filho... Você leva uma vida muito solitária, quase
nunca sai para se distrair, passa o tempo todo trabalhando e, nas poucas
horas de folga, se dedica a ajudar os meninos de rua. É um estilo de
vida louvável, com certeza, mas está longe de ser alegre, prazeroso,
estimulante. Se ao menos fizesse um pouco de vista grossa aos casos
de divórcio que ocorreram em nossa família, iria se dar conta de que...
— Fazer vista grossa? Vovó, você e eu somos os únicos membros
de nossa família que não nos divorciamos. Você porque é viúva, eu
porque sou solteiro. A separação de casais é uma instituição entre os
Marlow, essa é que é a verdade!
— Pois eu posso lhe afirmar com toda a convicção que o meu
casamento foi uma união muito feliz do primeiro ao último dia.
— Foi à única união feliz que ocorreu em nossa família, isso sim!
— Raitt, pare de falar e agir como se o divórcio fosse um vírus que
irá fatalmente atacá-lo, se um dia você vier a se casar.
— Muito obrigado, mas prefiro continuar solteiro e imune. Nunca
se case e nunca se divorciará, é o meu lema.
— Bobagem. Já está na hora de você tirar essa idéia absurda da
cabeça,
— Esqueça vovó.
Vangie acariciou as pétalas das flores com a ponta dos dedos,
comentando a seguir:
— Há vasinhos como este no dormitório onde você vai ficar,
também. O quarto é uma gracinha e fica do lado esquerdo de quem vem
do hall. Tem uma ferradura pendurada na porta, sabia?
Percebendo que a avó se faria de surda a qualquer argumento
que ele apontasse contra o casamento, Raitt deu meia-volta e tratou de
procurar seu quarto. E viu que se tratava de um dormitório muito
parecido com o que a velhinha iria ocupar, só que as cortinas e a colcha
da cama tinham estampas azuis, em vez de vermelhas. O único
problema era a cama de solteiro, um tanto acanhada para um homem do
seu tamanho.
Depois de acomodar a mala num canto, ele foi dar uma espiada
no banheiro anexo. A segunda porta que havia ali, juntamente com o
roupão de banho amarelo pendurado num gancho de ferro, deixaram
claro que iria dividi-lo com a neta de Dunc. Outras evidências dessa
dedução óbvia eram os sais de banho colocados sobre a beirada da
banheira, o desodorante feminino, o diminuto estojo de maquiagem
contendo um solitário batom, a escova de cabelos, a presilha para fazer
rabos-de cavalo... e o frasco de colônia de alfazema, arrumados na
prateleira de madeira acima da pia.
O vidro de perfume era bem pequeno, o que mostrava que ela não
havia mentido ao dizer que quase nunca o usava. Pelo visto, Jéssica
Patton preferia mesmo utilizar sua feroz e altiva independência como
acessório às roupas simples do campo.
Raitt desviou o olhar da imagem que o espelho lhe devolvia. Tinha
se preparado para encontrar uma adolescente levada e meio
desmiolada, não uma mulher madura e dona de suas próprias vontades.
Num impulso, apanhou o frasco de colônia e tirou-lhe a tampa, levando-o
até as narinas. Imediatamente, a suave fragrância o fez recordar-se da
excitação física, sexual, que o acometera ao amparar Jéssica no
momento da queda. Os seios empinados de encontro ao seu peito... A
firmeza dos músculos que torneavam-lhe os braços e as pernas... As
grossas mechas dos cabelos negros que roçaram seu rosto...
Pouco depois, Raitt tinha percebido que ela o examinava com um
certo interesse. Isso fez com que sentisse uma inexplicável atração por
aquela jovem mulher de gestos e palavras impetuosas. Jéssica Patton
possuía força de caráter. Possuía uma inquebrantável convicção. E
essas eram qualidades que ele admirava muito em uma mulher. Eram
virtudes tão tentadoras e excitantes quanto aquela singela colônia de
alfazema...
Bem, podia ser um homem arredio ao casamento, mas estava
longe de permanecer imune aos prazeres do sexo, às delícias de um
romance, ao simples ato de admirar as características marcantes de
uma mulher. Apossado por um novo impulso imperioso, murmurou:
— Jess... Jess...
O nome lhe escapou por entre os lábios num sussurro sibilante,
sensual. E ele gostou do som que lhe chegava aos ouvidos como o
cantar do vento.
Epa... Agora também já estava indo longe demais!
Deixando as tolices românticas de lado, Raitt apressou-se em
fechar novamente o vidro de perfume e devolvê-lo à prateleira.
Deixar-se dominar por uma atração sem pé nem cabeça por
Jéssica Patton, a neta do "candidato a futuro noivo" de sua sexagenária
avó... Isso, sim, seria o fim da picada!
CAPÍTULO III
Jéssica ficou olhando para Raitt Marlow, ao perceber que ele se
aproximava e parava bem à sua frente. Com os polegares enfiados nos
passantes da calça, Raitt lhe lançou um olhar inquisitivo, como a
perguntar se ela estava melhor.
Ele havia trocado de roupa e agora usava calça de sarja cinza-
chumbo e uma camisa branca de doer na vista. Seus olhos, de um azul
escandaloso, a fizeram lembrar-se das águas do lago Moming Glory,
onde Dunc a ensinara pescar.
De repente, Jéssica sentiu-se maravilhada e teve a impressão de
reviver o sentimento que havia experimentado ao visitar o lago pela
primeira vez. Sereno e convidativo, ele repousava em meio a flores
silvestres e parreiras perfumadas num recanto semi-isolado, próximo ao
cume de uma das montanhas da região. Naquela ocasião, ela sentiu a
cabeça rodar, o coração bater acelerado, a alma querendo lhe deixar o
corpo e alçar vôo rumo ao céu infinito.
Foi então que, como se viesse de muito longe, a voz de Raitt lhe
chegou aos ouvidos:
— Onde estão eles?
— Ha... Estão no... no sótão. Procurando um velho par de muletas
para mim.
— Muletas?
— É. Meu avô quebrou a perna, há quase trinta anos, quando
tentava domar um garanhão rebelde recém-chegado à fazenda.
Os primeiros botões da camisa de Raitt estavam abertos,
revelando um insinuante tufo de pêlos crespos e dourados. Até onde
desceria aquela pelúcia de aparência tão macia, tão sedosa...?
Assustada com o inconveniente pensamento, ela tratou de abaixar
a cabeça e fixar os olhos num ponto qualquer do assoalho de tábuas
largas.
Através do teto, podiam escutar o ruído abafado que os dois
velhinhos faziam ao se locomoverem pelo sótão. Incomodada pela
proximidade do vigoroso corpo de Raitt que, além das idéias absurdas,
já começava a lhe provocar comichões ao longo da espinha, Jéssica
falou:
— Não preciso que você fique bancando a minha ama-seca. Não
estou inválida, muito menos à beira da morte.
— Sei, sei... Posso ao menos saber como está se sentindo?
— Bem. E vou ficar ainda melhor, quando puder me movimentar à
vontade com a ajuda das muletas.
Dunc e Vangie reapareceram, limpando a poeira das mãos. O
velhinho foi logo dizendo:
— Não conseguimos encontrar o par de muletas. Acho que as
guardei em algum outro lugar, ou então devo tê-las serrado para usar a
madeira. Raitt, Você não se importaria em ajudar minha menina a se
locomover por aí quando ela precisar, não é?
A boca bem feita de Raitt se curvou num arremedo de sorriso,
então ele respondeu:
— Claro que não. Peça auxílio sempre que precisar, Jess.
Mas ela não se deu por vencida:
— Você não procurou direito, vovô. As muletas têm que estar lá
em cima. Não faz nem um mês que as vi junto do... Ei vovô, volte aqui!
Mas Dunc já tinha tomado o caminho para os fundos do casarão,
seguido de perto por uma animadíssima Vangie Marlow. Por sobre os
ombros, o ancião anunciou:
— O jantar será servido no alpendre nos fundos da casa daqui a
pouquinho. Não demorem!
Mais do que depressa, Jéssica levantou-se da poltrona e,
equilibrando-se com cuidado, preparou-se para pular num pé só até a
churrasqueira.
Mais depressa ainda, Raitt tratou de segurá-la pelo braço.
— Quer parar de agir como uma menina cheia de vontades? Será
que o fato de eu carregá-la nos braços até o quintal é o suficiente para
ameaçar a sua inflexível dignidade?
— Não estou com disposição para ouvir sermões, Raitt. Agora, por
favor, quer sair da minha frente e fingir que não está aqui?
Raitt colocou-se diante dela, a fim de lhe bloquear a passagem.
— Não seja criança. Será que não percebe que ficar saltitando
para cima e para baixo, como um Saci-Pererê, só vai piorar o estado do
seu pé? Onde vai se apoiar, no caminho até o quintal? E se perder o
equilíbrio e acabar se estatelando no chão? Acha que uma boa queda
seria o melhor remédio para...
— Oh, pare com essa cantilena!
Menos de uma hora havia se passado desde a chegada de Raitt
Marlow e, nesse ínterim, o mundo de Jéssica ficara de cabeça para
baixo. Ela ia ter que dividir seu banheiro com um baita pedaço de mau
caminho, e não com uma velhinha gorda e ranzinza como havia suposto.
Com certeza, ele iria cantar debaixo do chuveiro, sujar a pia com creme
de barbear, cobrir o espelho de vapor, deixar cuecas jogadas por
qualquer canto... Enfim, uma tortura em todos os sentidos.
Principalmente o físico. E o sexual.
Ah, quando ficasse sozinha com o velho Duncan, seria capaz de
lhe torcer o pescoço!
Ao ouvir Dunc e Vangie remexendo em louças e panelas na
cozinha, Jéssica experimentou saltar com o pé sadio. Mas Raitt não lhe
permitiu um novo movimento. Como havia feito aos degraus da varanda,
tomou-a nos braços antes que ela pudesse dizer um "A".
Jéssica então tentou se debater. Outra vez, ele não deu a mínima
atenção aos seus protestos.
— Raitt, você é... é insuportável!
Aconchegando-a de encontro ao peito, ele falou:
— Fique quietinha, sim? Sou bem maior e mais forte do que você.
Encare a realidade e pare de brigar comigo.
— Pois saiba que não vou permitir que me trate como uma
inválida, ou uma inútil, ou uma pobre-coitada desamparada. Nunca
deixei que nenhum brutamonte...
— Não sou um brutamonte. Sou apenas um homem bastante
robusto, Jess. E não venha me dizer que já se esqueceu de como um
homem pode ser de grande serventia. Em qualquer ocasião ou
circunstância.
Jéssica sentiu o calor da respiração dele, os lábios que quase lhe
tocavam a orelha, o bater forte do coração de encontro às costelas sobre
as quais ela colocara a mão espalmada. O aroma de uma gostosa
colônia cítrica quase a deixou zonza. Quando finalmente conseguiu falar,
sua voz soou fraca e seu argumento, pouco convincente:
— Não preciso da ajuda de ninguém.
— Todo mundo precisa de ajuda uma vez ou outra. Inclusive você,
Jess.
— Já disse que não...
— Neste exato momento você precisa, sim. E não esperneie mais,
OK? Todo esse esforço pode prejudicar o seu machucado.
Jéssica não sabia dizer se balançava a cabeça afirmativamente
apenas porque ele fazia o mesmo ou se porque concordava de verdade
com Raitt. E também não conseguiu controlar o ímpeto que a levou a
passar os braços ao redor do pescoço dele, aninhando-se como uma
menina de encontro ao tórax avantajado.
Puxa vida... Apenas nos seus sonhos encontrara-se tão
confortável nos braços de um homem. Era só então que experimentava
a sensação atordoante de achar-se feminina, delicada, provocante,
frágil... irresistível, até. De que magia Raitt estaria lançando mão para
que se sentisse daquela forma agora? Era incapaz de compreender.
A distância, ouviu a voz do avô:
— Venham! O churrasco está no ponto!
Então, Raitt perguntou, num murmúrio ao seu ouvido:
— Está com fome, Jess?
Ainda que tentasse se controlar, ele não conseguiu reprimir o
impulso de confortá-la. Bem, talvez fizesse muito tempo que andava
afastado de companhias femininas. Ou será que era Jéssica Patton
quem o fazia sentir-se assim, tão sedutor? Fosse o que fosse, a verdade
era que estava adorando a situação, a ponto de ter a impressão de que
a calça começava a ficar justa demais para conter seu membro. Não é
que o safado o ameaçava com uma bela e indecente ereção fora de
hora?
O encanto, porém, durou pouco. Em questão de segundos, lá
estava Jéssica esbravejando novamente:
— Não me venha com conversa fiada, Raitt!
— O-o quê?
— Esse seu jeitinho de me perguntar se estou com fome... Você
não me convence com a sua fala macia!
— Ah... Isso?
Vangie e Dunc já se encontravam acomodados a um dos lados da
comprida mesa de piquenique que ocupava boa parte do alpendre.
Estavam tão entretidos em trocar brindes com vinho tinto, que mal se
perceberam que tinham companhia. Ajeitando-se ao lado de Raitt, em
frente ao avô, Jéssica notou que o ancião tinha os olhos fixos nos de
Vangie, sustentando um olhar meio enigmático por cima da borda de seu
copo. O danadinho parecia estar desavergonhadamente envolvido numa
paquera nada sutil, alheio ao restante da humanidade. É Vangie, por sua
vez, tinha a mesma expressão.
Ela teve que tossir duas vezes para chamar a atenção do casal de
pombinhos:
— Podemos nos unir ao brinde, vovô?
Muito a contragosto, Dunc desviou o olhar da "candidata a futura
noiva" e serviu mais dois copos de vinho, dizendo:
— Já brindamos duas vezes aos classificados do Correio
Sentimental da Gazeta Rural.
Guardando para si mesma o que pensava a respeito dos anúncios
daquela seção do jornal, Jéssica fez seu copo tilintar contra os outros
três. Quem sabe o vinho não iria ajudá-la a relaxar e parar de admirar as
fortes coxas de Raitt Marlow, tão próximas das suas?
Ela então ergueu a cabeça, ao mesmo tempo em que deixava
escapar um longo suspiro. Os últimos raios do sol poente riscavam o céu
de ponta a ponta, em matizes de vermelho, violeta e dourado. Dourado
como os cabelos de Raitt... Maldição! Será que o vinho iria demorar
muito para fazer efeito?
Assim que Dunc serviu a todos generosas porções de suculenta
carne e chili, Vangie pôs-se a falar sobre sua infância numa fazenda de
criação de gado no Texas. Jéssica ouvia com atenção, mas também com
um crescente sentimento de culpa e deslealdade para com a avó. Será
que a boníssima Lizbeth gostaria que o marido olhasse daquele modo
para outra mulher?
Ao perceber que jamais obteria uma resposta para essa
suposição, ela sorriu na direção do avô e disse para Vangie, com quem
começava a simpatizar de verdade:
— Você não tem o menor sotaque texano, sabia?
Vangie também sorriu.
— É que fiz de tudo para perdê-lo, a fim de que o pessoal de San
Francisco não me tratasse como uma garota recém chegada do interior.
Falar da maneira como eles falam é mais fácil do que mudar as idéias
preconceituosas que cultivam.
— Você só readquire o sotaque quando está brava e sai xingando
por aí — zombou Raitt.
— Mas isso acontece com todo mundo, não é? — retrucou à
velhinha, com ar maroto.
— Ainda bem! — comentou Dunc. — Assim, Jessie e eu não
seremos os únicos a falar de modo diferente por aqui.
Novamente, ele e Vangie trocaram um olhar sonhador, repleto de
significações. Parecia que ambos estavam prestes a desfrutar das
promessas do Paraíso.
Jéssica tomou um bom gole de vinho, a fim de afogar sua
descrença em amor à primeira vista. Essa idéia era tão absurda e fora
de propósito quanto à teimosa insistência do avô em afirmar que ela
acabaria encontrando o marido ideal. Na certa, um "príncipe encantado",
que viria através de um anúncio no jornal. Ou pelo correio, embrulhado
para presente. Ora, só mesmo o velho Duncan Patton, que devia era
estar ficando gagá!
A voz alegre de Vangie voltou soar pelo alpendre:
— Raitt, fale para Dunc e Jessie a respeito das boas ações que
você vem praticando pelas ruas de San Francisco.
— Prefiro ouvir o que eles têm a me contar, vovó.
Ele ajeitou-se melhor sobre o banco de madeira e seu braço tocou
no de Jéssica. Como se tivesse levado um choque, ela correu tomar
mais gole de vinho para se acalmar. Seu copo, porem, já estava vazio.
Sem se preocupar em afastar o braço do dela, Raitt perguntou:
— Você sempre morou aqui, na fazenda, Jess?
— Não.
— Quase sempre — Dunc apressou-se em explicar. — Jessie
passava todas as férias e feriados aqui, comigo e Lizbeth, depois que
seu pai, ou melhor, meu filho Don. mudou-se com a esposa para Los
Angeles. Don e Beth nunca gostaram da rotina do campo, mas Jessie
mostrou interesse pelas atividades da fazenda desde que saiu do berço.
Lizbeth e eu praticamente a criamos aqui.
— Que gracinha... — comentou Vangie. — Raitte e o irmão
também passaram várias férias na fazenda da minha irmã, no Texas.
— Não se esqueça de dizer por quê — interveio ele, perdendo o
bom humor de repente.
— O complicado divórcio dos pais deles e as batalhas judiciais
pela guarda dos dois meninos foi um dos principais motivos —
esclareceu a franca velhinha. — Certas pessoas nunca deveriam se
casar, mas, enquanto acham que estão apaixonadas, não dão ouvidos
aos conselhos de ninguém. Infelizmente, precisam passar por
experiências desagradáveis para aprender a lição.
— É o caso de todos os membros da nossa família — acrescentou
Raitt. — Com exceção de Vangie e meu falecido avô, Leland... e eu
também, é claro.
— Estes não são o momento nem o local para suas preleções,
Raitt. — olhando para Jéssica, Vangie prosseguiu: — Como eu ia
dizendo, ele aprendeu a montar e a usar o laço na fazenda. E ninguém
se surpreendeu quando tomou-se um oficial da divisão de cavalarianos
da polícia... Um dos melhores, posso afirmar com certeza absoluta.
— Você tem irmãos ou irmãs, Jess? — Raitt tentou evitar que a
avó se desmanchasse em elogios a ele próprio.
— Uma irmã, já casada, chamada Molly — respondeu Jéssica —
Ela herdou dos nossos pais o gosto pela vida urbana e também prefere
morar em Los Angeles.
— Não sei como eu teria me arrumado sem a companhia dessa
minha menina por todos esses anos — disse Dunc — Ela cuida da
fazenda como ninguém. Entende de gado, de cavalos e ainda...
— Você foi meu professor, vovô — interrompeu ela, transpirando
orgulho.
Após um sorriso compartilhado pelos outros três ocupantes da
extensa mesa, Raitt olhou ao redor e, admirando o céu muito limpo a
proteger as montanhas que se erguiam ao longe, observou:
— Fiquei surpreso ao chegar aqui. Este lugar é muito mais bonito
do que eu imaginava.
— Me faz lembrar de algumas regiões de Wyoming e Montana —
disse Dunc — E da zona de Durango, no Colorado, também.
— Tudo aqui é mesmo uma gracinha — acrescentou Vangie —
Não está contente por termos vindo, Raitt?
— É um bom local onde descansar da correria da cidade — ele
respondeu, meio lacônico — E deve haver uma porção de trilhas boas
para cavalgar pelas redondezas, não?
— Dezenas e dezenas delas — ressaltou Dunc — As paisagens e
os cenários naturais são uma verdadeira maravilha, quando vistos do
alto das montanhas. Se você gosta de pescar, Jessie poderá levá-lo até
o lago Morning Glory. Se não estivesse tão velho para agüentar uma
longa cavalgada, eu mesmo iria acompanhá-lo. De qualquer forma, vou
lhe emprestar a minha vara e os meus apetrechos de pescaria.
— Obrigado, Dunc — um sorriso malicioso iluminou as feições de
Raitt — Mas quem irá tomar conta das pessoas de meia-idade, se Jess e
eu formos pescar?
— Pode confiar em mim, rapaz — Dunc não perdeu a pose — Sou
um cavalheiro em todos os sentidos do termo. Pode perguntar sobre
mim a qualquer fazendeiro desta região, e todos irão lhe responder a
mesma coisa: que Duncan Patton é homem de uma só palavra. Além
disso, quem pode me garantir que você vai usar do mesmo respeito para
tratar a minha neta?
— Vovô! — ela sentia o rosto pegar fogo. — Não sou nenhuma
incapaz. Estou presente a esta mesa e posso muito bem falar por mim
mesma. Sei me defender... Sempre que necessário.
— Claro que sim, menina — concordou o velhinho — Eu só disse
aquilo para provocá-lo.
— Eu garanto que Jess terá todo o respeito que merece. — Raitt
foi tão enfático, que estendeu o braço sobre a mesa e apertou a mão de
seu anfitrião, como se selasse um acordo.
Analisando a cena em absoluto silêncio, Jéssica torceu para que o
chão se abrisse a fim de engoli-la. Que vergonha! O que faziam aqueles
dois homens à sua frente, assumindo um arcaico compromisso de honra
como se estivessem em plena Idade Média? Será que não se davam
conta do quão antiquada e machista era aquela atitude? Ah, o velho
Dunc estava mesmo precisando ouvir umas coisinhas!
Por fim, ela acabou declarando:
— Infelizmente, ando ocupada demais para ir pescar com quem
quer que seja. Preciso instalar novas estacas ao longo da cerca no fim
do vale ainda nesta semana. Os velhos esteios de madeira estão
apodrecidos ao nível do solo.
— O conserto da cerca pode esperar mais uma semana ou duas
— disse Dunc, dando de ombros — E um dia de pescaria irá lhe fazer
muito bem, menina. Além do mais, você adora pescar.
—Mas o tornozelo de Jéssica a impedirá de cavalgar ou mesmo
andar por aí durante alguns dias — interveio Raitt.
A princípio, ela teve vontade de agradecê-lo por livrá-la daquela
situação embaraçosa. Depois, teve vontade de esganá-lo ao imaginar
que, no fundo, ele estava mesmo era querendo cair fora da armadilha
engendrada pelo velho Dunc. Ah, que o diabo carregasse Raitt Marlow
para as profundezas do inferno! Com toda a educação e uma desculpa
mais do que plausível, ele acabava de lhe atirar um belo "Não!" no meio
das fuças.
Se tivesse um pouco de sorte, em um dia ou dois o avô e Vangie
já estariam fartos um do outro e colocariam um ponto final àquela visita
nefanda. Nesse instante, iria se despedir do abominável Raitt com o
melhor de seus sorrisos... Ah, se iria!
A noite já se anunciava e Dunc resolveu acender duas lamparinas,
a fim de clarear o alpendre. Raitt ofereceu-se para levar a louça usada
de volta à cozinha, retomando de lá com um novo saco plástico cheio de
cubinhos de gelo. Ainda morrendo de raiva, Jéssica não conseguiu
esboçar nenhuma reação quando ele trocou o "curativo" sobre seu pé,
ajudando-a a esticar novamente a perna em cima do banco de madeira.
— Como está a torção, Jess? Ainda dói?
— Não. O gelo adormeceu meu pé inteirinho.
Através da porta da cozinha, ela podia ouvir a conversa correr
animada entre Dunc e Vangie, que se ocupavam com lavar e secar a
louça. A julgar pelas risadinhas e um ou outro cochicho, não iria demorar
muito para que os dois velhinhos trocassem o primeiro beijo. Que
situação!
Raitt pareceu ter lhe adivinhado os pensamentos:
— Odeio imaginar o que meu falecido avô diria se pudesse ver
como sua viúva está se comportando... Acha que sua avó faria a mesma
coisa, se pudesse ver Duncan neste exato momento?
— Vovó Lizbeth iria gostar de vê-lo feliz, mas não bancando o
menininho tolo. Se quiser minha opinião, acho que ele e Vangie vêm
agindo como dois adolescentes amalucados.
— Nenhum dos dois está usando de bom senso ou prudência. E
eu não gosto nem um pouco disso.
— Concordo plenamente.
Jéssica e Raitt calaram-se por alguns instantes. Após estudar o
céu salpicado de grandes estrelas reluzentes durante um bom tempinho,
ele aproximou-se e, ainda em silêncio, tocou-lhe o pé machucado. Ao
senti-la estremecer, explicou:
— Eu quis ver se o inchaço estava diminuindo.
— Oh...
— A bolsa de gelo que improvisei parece ter surtido efeito. O
edema regrediu bastante e a aparência já está quase normal.
— Que bom.
A atenção de Raitt se voltou, então, para a cozinha. Com um ar
desconfiado, ele comentou:
— De repente, tenho a impressão de que ficou tudo quieto demais
lá dentro.
— É... Também não estou ouvindo nada.
— O que acha que eles estão fazendo?
— Só Deus sabe.
— Será que um dos dois foi até o banheiro?
— Pode ser.
Jéssica, que fingia observar atentamente as estrelas, abaixou a
cabeça. Só então deu-se conta de que Raitt tinha os olhos fixos nela,
como se tivesse esquecido completamente o casal de velhinhos que
parecia pintar o sete no interior do casarão.
— Você tem os pés muito bonitos, Jess.
Dessa vez, ele levantou-lhe o pé machucado com cuidado e
acomodou-o na palma da própria mão. Depois deu início a uma gostosa
e relaxante massagem, esfregando de leve o polegar e o indicador ao
redor do local da torção. Como Jéssica permanecesse muda como uma
parede, insistiu:
— Não acha que seus pés são bonitos?
— E-eu acho que... que essa massagem é... é muito boa.
— Por que simplesmente não aceita um elogio, sem se preocupar
em responder com outro? Ou será que não acredita em mim?
Pela primeira vez desde a chegada dos visitantes, Dunc, ainda
que involuntariamente, foi ao socorro da neta. Colocando o rosto num
dos vãos da janela da cozinha, o velhinho anunciou:
— Vangie e eu vamos dar uma voltinha pelos arredores.
Levaremos Murph e Muttley conosco.
— S-sim... Está bem, vovô.
Ao ver que Raitt segurava o pé da neta, o ancião perguntou:
— Como está o tornozelo dela, Raitt?
— Quase bom.
— Ótimo!
— Dunc, não faça nada que um bom escoteiro não faria, nesse
seu passeio pelas redondezas. E trate de não levar minha avó para
muito longe daqui.
— Não se esqueça, rapaz: Duncan Patton é homem de uma só
palavra.
— Comportem-se!
Assim que o velhinho fechou a janela, Raitt voltou a olhar para o
pé de Jéssica, que ainda descansava na palma de sua mão. Sentiu que
a pele era tão lisinha, tão branquinha, tão quente... As unhas, bem
aparadas e sem sinal de esmalte, tinham um belo contorno. De repente,
ele teve vontade de correr a mão pela perna estirada à sua frente,
acariciar-lhe o joelho arredondado, afagar-lhe a coxa oculta pelo vestido.
Mas, se Jéssica tinha dificuldade em aceitar um simples elogio, como
reagiria diante de tais carícias? Não, melhor seria tirar essas idéias
extravagantes da cabeça e continuar com seus serviços de um
prestativo "enfermeiro".
Raitt voltou a ajeitar o saquinho de gelo sobre o tornozelo dela,
prendendo-o no lugar com a toalha que trouxera consigo do banheiro ao
retornar do interior do casarão.
Visivelmente aliviada com o fim da sessão de massagem, Jéssica
disse:
— Obrigada... Muito obrigada. Será que se importaria em me fazer
um favor?
— Claro que não. Do que se trata?
— Poderia dar uma olhadinha no sótão, para ver se consegue
encontrar aquele velho par de muletas?
Não era bem aquilo que ele desejava no momento, mas...
— Posso, sim, Jess. Como chego até lá?
— Na lavanderia, ao lado da cozinha, há uma tampa de madeira
no teto. É só puxar uma maçaneta de ferro e a tampa vem para baixo,
transformando-se numa escadinha de poucos degraus. A luz do sótão se
acende automaticamente quando a tampa é aberta.
— Olhe, Jess, não quero que pense que me incomodo de carregar
você nos braços ou...
— Eu me incomodo.
— Está bem, está bem. Vou tentar não demorar.
Raitt não disfarçou a irritação. Aquela mulher estava precisando
de um beijo que lhe tirasse o fôlego, não de um par de muletas!
Seguindo as orientações que Jéssica lhe dera, ele subiu a
escadinha dobrável e viu-se num espaço amplo e empoeirado. Havia de
tudo um pouco naquele sótão fracamente iluminado: tralhas de todas as
espécies, ferramentas, abajures quebrados, cadeiras aos pedaços, um
grande espelho numa moldura de cedro. E, encostado no espelho, bem
diante dos olhos de quem quisesse ver, um velho par de muletas.
Raitt sacudiu a cabeça de leve. O que deveria fazer com aquele
casal de velhinhos desmiolados? Dar uns tapas no traseiro dos dois?
Agradecer a ambos pelas boas intenções? Ah, que Deus lhe desse
paciência até o fim daquela desastrosa visita à fazenda dos Patton!
Lá fora, no alpendre iluminado pelas duas lamparinas, Jéssica
voltou a admirar o céu. Aquela era, sem dúvida alguma, uma noite
bastante propícia aos arroubos de romantismo de qualquer pessoa. E
ela tinha certeza absoluta de que Vangie e Dunc deviam estar em algum
cantinho, trocando beijos apaixonados como dois adolescentes. Seria
bom estar assim com Raitt, presa em seus braços, deixando-se beijar
até a alma, com o corpo colado ao dele enquanto suas mãos trocavam
carícias repletas de curioso ardor?
Só uma doida de pedra poderia dizer que não.
O coração de Jéssica deu um salto quando ela ouviu a porta da
cozinha abrir-se às suas costas.
Tão logo sentou-se ao lado dela no longo banco, Raitt foi dizendo:
— Não vi nenhum par de muletas lá em cima.
— Oh... Bem, obrigada por ter tido o trabalho de procurar.
— Não foi trabalho algum, Jess.
O que era uma deslavada mentira. Custara-lhe, e muito, decidir
pela pequena farsa. Mas como poderia ter agido de outra forma, se
estava louco de vontade de tomá-la nos braços novamente e levá-la até
seu quarto? Quem sabe, teria até mesmo a chance de colocá-la sobre a
cama e sentir outra vez, bem de pertinho, o excitante perfume de
alfazema que se desprendia de sua pele...
Ou teria sido melhor lhe entregar as muletas e terminar de uma
vez por todas com aquela bobagem? Ela mesma não tinha feito questão
de insinuar, ou mesmo afirmar clara e objetivamente, que queria vê-lo
bem longe de si?
De repente, Raitt teve a impressão de que fizera um mal negócio
ao alimentar a excruciante atração que começava a sentir por Jéssica
Patton.
CAPÍTULO IV
Um ruído estranho acordou Jéssica no dia seguinte. Água
correndo. Alguém assobiando uma música.
Raitt Marlow debaixo do chuveiro. Com certeza.
Ela enfiou a cabeça no travesseiro, deixando escapar um gemido
exasperado de encontro à fronha macia. Na noite anterior, Raitt a tinha
carregado nos braços até seu quarto e, surdos aos seus protestos
indignados, fizera questão de colocá-la na cama. E agora estava ali com
apenas uma parede a separá-los, nu debaixo do chuveiro, ensaboando o
físico perfeito, com a água lépida a lhe escorrer pelos músculos firmes e
bem desenvolvidos, atlético e viril como... como o homem de seus
sonhos mais secretos.
Jéssica sentiu o corpo arder devido à estimulante imagem que
formara na cabeça e foi um custo afastá-la de seus pensamentos. A
canção cheia de bossa que Raitt assobiava era um indício de que ele
dormira muito bem. Ao contrário dela, que havia levado uma eternidade
para conseguir pegar no sono. O desejo que começara a sentir por
aquele inesperado e belo visitante ameaçava deixar-lhe os nervos em
frangalhos.
Tentando espreguiçar-se a fim de aliviar o cansaço da noite mal
dormida, Jéssica percebeu que seu tornozelo ainda latejava. Louca de
raiva e frustração, virou-se de costas sobre a cama e cobriu o rosto com
o travesseiro. Não experimentava um desejo tão intenso desde... desde
que caíra na conversa de Bob.
Não que ele fosse um amante fantástico, carinhoso e cheio de
imaginação. Ela que bancara a tola, se deixando envolver por um
vaqueiro de modos até mesmo rudes. Afinal, virgem e considerando-se
uma jovem feiosa...
O fato era que Jéssica jamais admitiria a própria beleza, exótica e
singular. Talvez fosse essa a forma que encontrara para punir a si
mesma pela tolice de ter se entregado a um homem que a fizera de boba
e, na certa, tinha rido muito às suas custas.
Ela jogou o travesseiro longe no mesmo instante em que Raitt
fechava o chuveiro. Então, como num filme, teve a nítida impressão de
vê-lo à sua frente, friccionando a toalha sobre o peito largo, ao longo do
abdômen firme, através dos pêlos pubianos...
Inferno! Maldição!
Daquele dia em diante, iria ser a primeira a acordar e a tomar
banho!
Meia hora mais tarde, mordendo o lábio como se isso pudesse
ajudá-la a suportar a dor no tornozelo ainda inchado, Jéssica chegou à
cozinha pulando num pé só. Decidida a não fazer concessões aos
convidados do avô, naquela manhã voltara a prender os longos cabelos
no costumeiro rabo-de-cavalo, tendo também vestido seu surrado jeans
de trabalho e uma camiseta de algodão com a singela, estampa de um
buldogue. Impossibilitada de colocar suas botas de montaria por causa
da contusão no tornozelo, tivera que se contentar em calçar um velho
par de mocassins.
Murph e Muttlev, estirados embaixo da mesa, a saudaram com um
rosnar preguiçoso. Dunc e Raitt já tomavam o café da manhã enquanto
Vangie, usando um vestido colorido demais para o gosto de Jéssica,
remexia em utensílios que estavam sobre a pia. Em cima da mesa,
sobressaía-se um grande arranjo de flores que fora colocado num antigo
vaso de cristal de Lizbeth. E no prato do velho Duncan havia panquecas
com calda caramelada e bolachas de centeio, ou seja, o desjejum
favorito do dono da casa. E, parecia que a velhinha não perdera tempo
em assumir o controle das atividades domésticas...
— Bom dia, menina — Dunc cumprimentou-a. — Dormiu bem?
— Mais ou menos — foi a resposta lacônica.
— Você não devia ficar saltitando por aí — observou Raitt. —
Sente-se e apoie o pé machucado numa cadeira.
Ignorando o conselho, Jéssica pôs-se a pular em direção à
cafeteira.
Vangie interrompeu-a na metade do caminho, colocando a mão
em seu ombro de modo amável:
— Por favor, minha filha, sente-se. Deixe que eu cuide de tudo por
aqui, sim?
— Mas...
Antes que Jéssica pudesse concluir o protesto, a velhinha
encaminhou-a até uma das cadeiras vagas. Foi somente após vê-la
devidamente acomodada, que perguntou:
— Como gosta do seu café, Jessie?
— Puro. E sem açúcar.
Deixou escapar um suspiro desanimado, enquanto Vangie se
ocupava em servi-la. Depois de colocar a caneca diante de Jéssica, á
entusiasmada senhora dirigiu-se ao neto:
— Raitt, ajude Jessie com o que ela precisar.
— Não preciso de nada, Sra. Marlow — Jéssica apressou-se a
declarar.
— Você precisa de uma boa dose de bom senso — retrucou Raitt,
erguendo uma sobrancelha.
— Ah, disso ela precisa mesmo — concordou Dunc, espalhando
manteiga numa bolacha de centeio ainda quentinha.
— Vovô, aquele par de muletas tem que estar em algum lugar do
sótão — Jéssica retomou o assunto do dia anterior. — Raitt tentou
encontrá-lo ontem à noite, mas...
— Ele subiu ao sótão, ontem? — Dunc engoliu um pedaço da
bolacha como se fosse uma colherada de sopa de pedras.
— Não vi muleta alguma por lá — Raitt mentiu, expressando sua
cumplicidade para com o casal de idosos.
— Será que você não daria mais uma olhadinha lá em cima,
vovô? — insistiu Jéssica, na maior inocência.
— Você me dá uma mãozinha, Raitt? — O velhinho retomou seu
tom despreocupado.
— Claro, Dunc. — Raitt usou do mesmo artifício.
Os dois levantaram-se ao mesmo tempo e desapareceram na
lavanderia adentro. Assim que chegaram ao sótão, Dunc encostou-se
numa viga empoeirada e deu um sorriso travesso. Apontando para as
muletas, perguntou:
— Por que você disse que não as tinha encontrado, Raitt?
— Por puro respeito à minha avó e ao meu anfitrião, acho eu.
— Ou será que foi porque você gostou da minha menina bem
mais do que havia suposto?
— Não sou do tipo casamenteiro, Dunc. Minha avó deveria ter lhe
dito isso.
— Ela disse, sim, quando conversamos pelo telefone. E eu contei
a Vangie que minha neta é geniosa, teimosa e independente demais
para se submeter às ordens de um marido mandão.
— E então...?
— Jessie ficou assim depois de um namoro desastroso com um
empregado temporário que tivemos aqui na fazenda.
— Não foi isso o que eu perguntei.
— O que é que você quer saber, meu rapaz?
— Quero saber por que nossos avôs estão tentando fazer de mim
e Jess um parzinho romântico, uma vez que têm consciência de que nós
dois não estamos nem um pouco interessados em casamento.
— A esperança é a última que morre, Raitt. Você e Jessie têm
muitas coisas em comum: adoram cavalos, são teimosos e orgulhosos
e...
— E não queremos perder nossa independência. Olhe, Dunc, por
mais que eu aprecie a companhia feminina, "casamento" é uma palavra
que não consta do meu vocabulário.
— E quem aqui falou em alguma coisa parecida com "até que a
morte os separe"? Vou ser razoável com você, Raitt: prometo não lhe
furar um dos olhos, se quiser namorara minha neta. Apenas namorar,
certo? Não quero vê-la novamente com o coração aos pedaços por
causa de um homem interessado somente em... em... você sabe o quê.
— Com todo o respeito, Dunc, eu também lhe furaria um dos olhos
se soubesse que está interessado na minha avó somente por causa de...
de... você sabe o quê.
— Mas eu sou do tipo casamenteiro, rapaz. Minhas intenções para
com Vangie são as melhores possíveis. E sou um incansável partidário
do "até que a morte os separe".
— Pois eu tenho alergia crônica e fico todo empipocado só em
ouvir essas palavras.
— É por isso que terá que se comportar direitinho. Só namorar,
está bem? E com todo o respeito.
— Ora, Dunc, deixe de maluquices!
— Vou lhe dizer uma coisa, rapaz: já vivi um bocado e acho que
aprendi como entender a maneira de pensar das mulheres. Veja o caso
de Lizbeth, minha falecida esposa. Ela era tão geniosa quanto Jessie e,
quando teimava com qualquer bobagem, ninguém conseguia lhe tirar a
razão. Mas bastava que eu a chamasse de "minha pimentinha preferida"
e pronto, num segundo ela se transformava num favo de mel!
— Você diz cada uma! Não acredito que...
— Acredite ou não, agora leve essas malditas muletas para
Jessie, antes que ela venha procurá-las num pé só.
Após um aperto de mãos. Raitt seguiu o velhinho escadas abaixo,
carregando o par de muletas.
— Aleluia!
Jéssica vibrou ao ver as velhas muletas e a euforia ajudou a lhe
diminuir o complexo de culpa. Sentia-se culpada porque havia
simplesmente adorado o desjejum preparado por Vangie. O café, as
panquecas de ricota, a calda caramelada, as bolachas... tudo estava
muito mais gostoso do que qualquer coisa parecida que sua falecida avó
tivesse feito para as refeições matinais na fazenda. E todas as reações
favoráveis que a gentil "candidata a futura noiva" de Dunc lhe provocava
a faziam imaginar-se traindo a memória de sua adorada vovó Lizbeth.
Bem, pelo menos agora tinha o par de muletas... O que significava
que podia dar adeus ao aconchego do colo de Raitt Marlow. Será que
ele estava satisfeito da vida ao ver-se desincumbido da tarefa de
carregá-la para lá e para cá?
Apoiada nas muletas, Jéssica encaminhou-se para a porta da
cozinha, avisando:
— Vou dar uma olhada nos cavalos. Venha, Murph. E você
também, Muttlev.
Assim que os dois cães pastores seguiram no encalço dela,
Vangie protestou:
— Mas você mal terminou o café da manhã, minha filha...
— Tenho muito o que fazer — explicou Jéssica — E os animais
estão à espera de comida e água.
— Precisamos dar atenção aos nossos visitantes — interpôs Dunc
— Além disso, você precisa poupar esse pé machucado, menina.
Impassível aos argumentos, ela saiu porta afora e tomou o
caminho para o estábulo. O ar da manhã estava bastante fresco e os
passarinhos faziam uma verdadeira algazarra nos galhos dos pinheiros.
Assim que chegou ao portão da estrebaria, Jéssica assobiou para
que os cavalos deixassem suas baias e se agrupassem junto às
manjedouras. Havia adestrado todos aqueles animais e era
surpreendente vê-los obedecerem a um único gesto ou sinal seu.
Aproximou-se, então, do seu cavalo favorito, Álamo, um garanhão
de reluzentes pêlos negros. Egocêntrico, o eqüino exigia receber as
primeiras saudações, ou punha-se a relinchar como forma de chamar a
atenção sobre si.
Jéssica afagou-lhe o longo pescoço, murmurando:
— Bom dia, bonitão sexy e egoísta. Passou bem à noite?
No fundo, sabia que Álamo estava mesmo era se exibindo para
Teardrop e Lucillc, as duas éguas com quem compartilhava a estrebaria.
Afinal, ambas pareciam concordarem número e grau que ele era o
macho de quatro patas mais atraente de toda a fazenda e pouco se
importavam com a presença de Marcus e Speed, alazões de meia-idade
que ocupavam um patamar neutro na hierarquia social eqüina das
paragens. Jovem, intrépido e impetuoso. Álamo era o verdadeiro rei da
Fazenda Patton.
Naquela manhã o garanhão estava mais cordial do que de
costume, mordiscando as pontas dos dedos de Jéssica e farejando-lhe a
manga da camiseta. Os dois alazões responderam aos cumprimentos
dela com afável complacência; como Lucillc, já demonstravam um certo
cansaço para brincadeiras ou arroubos de embevecimento.
Teardrop, por sua vez, resfolegou suavemente enquanto passava
o narigão aveludado de encontro à palma da mão de Jéssica.
Acariciando a crina da égua, ela perguntou:
— Como vai essa sua barrigona? É gostoso estar esperando um
filhote de Álamo?
Havia presenciado o ritual de acasalamento dos dois animais,
encantada com a perfeição com que a natureza unia seus filhos a fim de
que dessem origem a novos filhos, num eterno ciclo de preservação da
vida. Tudo aquilo era tão bonito e perfeito que chegava a comovê-la. Se
ao menos tivesse a mesma sorte de Teardrop e encontrasse o
companheiro que...
Interrompendo o pensamento absurdo, tratou de providenciar
alimento para os cavalos. Não era justo que os pobrezinhos passassem
fome pelo simples fato de possuírem uma dona tola, com a cabeça
repleta de idéias românticas!
Não demorou muito para que Jéssica se desse conta de que,
apoiada num par de muletas, era incapaz de carregar um balde cheio de
água ou um bom fardo de feno. E, se deixasse as muletas de lado, aí
então seria absolutamente impossível cuidar dos animais, já que não
conseguia sequer colocar o pé machucado no chão. Diabos, que bela
dor de cabeça fora se arrumar! E tudo por causa de Raitt Marlow! Se ele
e a avó não tivessem aparecido para...
— Você está precisando de ajuda, não está?
Raitt parecia ter surgido do nada e o susto fez com que ela
dissesse a primeira coisa que lhe ocorreu:
— Não se preocupe. Tão logo desenvolva um terceiro braço, vou
dar conta de tudo direitinho.
— Por que não admite o óbvio, Jess?
— E qual é o óbvio?
— Você não conseguirá realizar tarefa alguma por aqui, ora essa.
Vamos, é só me dizer o que precisa ser feito e eu cuidarei de tudo com o
maior prazer.
Pela determinação com que Raitt se expressara, Jéssica percebeu
que nada do que pudesse falar iria impedi-lo de prestar o auxílio
oferecido. Se não dissesse àquele caubói intrometido e pertinaz o que
fazer, ele acabaria fazendo tudo à sua própria maneira. E ponto final.
Por isso achou melhor dar as orientações:
— Dois maços de feno para cada cavalo, começando por Álamo, o
garanhão preto. Água fresca no bebedouro, até as bordas. E tome
cuidado com Álamo, porque ele é meio temperamental.
— Dunc já me avisou. E também me contou que você comprou
Álamo e Teardrop num leilão de cavalos ainda não domesticados. Achei
interessante.
Interessante era o modo como a camisa que Raitt usava se colava
à sua pele e revelava a consistente musculatura de suas costas e
ombros, a cada movimento que ele executava com o ancinho, a fim de
separar pequenos feixes de feno do grande fardo colocado junto à
entrada do estábulo.
Ao se virar, ele finalmente deu-se conta de que Jessica o
observava com o queixo caído. Mais do que depressa, ela desviou o
olhar para Álamo e fingiu interesse nas atividades gastronômicas do
garanhão. Incomodada com a atenção que Raitt insistia em lhe dedicar,
disse:
—Infelizmente, não temos mais extensas pastagens para
acomodar um grande rebanho de cavalos selvagens. Eles precisam de
muito espaço para se exercitarem, como você sabe. E também não
podem ficar soltos por aí, pois estariam sujeitos às doenças, à seca e
aos predadores naturais.
— Entendo...
— Fui àquele leilão apenas para dar uma olhadinha nos animais,
mas acabei me apaixonando por mais de uma dezena deles. Pena que
só tive dinheiro para comprar dois: Álamo e Teardrop.
— Dunc me disse que, na certa, eles iriam acabar numa fábrica de
sabão se você não os tivesse trazido para cá. Ainda bem que o seu
coração falou mais alto.
— Coração, não. O meu bom senso.
Raitt apoiou os braços no cabo do ancinho e olhou para ela com
uma expressão de reprovação.
— Não vejo o que há de mal em admitir que tem um bom coração,
Jess.
— Bem, eu não... Acho que... que se for por uma boa causa...
— No fundo, acredito que todos temos nossos... nossos bons
motivos, digamos assim. Eu, por exemplo, me dedico aos meninos de
rua. Como os cavalos bravios, eles também precisam lutar para
sobreviver em meio a um ambiente natural que às vezes lhes é hostil. A
grande maioria desses garotos vem de lares desfeitos, você sabia?
No mesmo instante, Jéssica lembrou-se de que Raitt também
pertencera a um lar que fora desfeito. E lembrou-se ainda dos
comentários de Vangie a respeito das batalhas judiciais dos pais dele
quanto ao acordo de divórcio e à guarda dos filhos. Com certeza, devia
ter sido uma experiência péssima para qualquer criança.
Alheio aos seus pensamentos, ele prosseguiu:
— Há milhares de meninos de rua neste país. E olhe que essa é
uma estimativa bem otimista, pois não leva em conta as inúmeras e
extensas famílias sem-teto.
— Seu auxílio deve ser inestimável para eles, Raitt.
— Faço tudo o que posso, mas ainda é muito pouco. Sei muito
bem como esses garotos se sentem. Os pais se separaram mas não
param de brigar, nem mesmo, depois do divórcio. Não raro, a criança
pensa que ela é o motivo de tantas brigas. E como ninguém lhe dá a
mínima atenção, ela vai para as ruas, acaba se envolvendo com uma
turminha barra-pesada e... Bem, o resto você pode imaginar.
— O divórcio de seus pais foi uma experiência muito dolorosa
para você, não foi?
— Foi sim. E pensar que o mesmo aconteceu com praticamente
toda a nossa família... Tudo o que você quiser saber a respeito do fim do
amor e da vida após uma separação judicial, posso lhe contar nos
mínimos detalhes. Acho que não há uma só particularidade a esse
respeito que eu desconheça.
Jéssica sentiu o coração se apertar. E pensar que na sua família,
tudo era exatamente o oposto! Os três filhos de Duncan e Lizbeth eram a
personificação da felicidade junto a seus companheiros. Molly, a irmã
dela, casara-se aos dezessete anos e não se cansava de afirmar que o
casamento fora a melhor coisa que podia ter lhe acontecido. A união de
Dunc e Lizbeth, por outro lado, havia durado até que a morte os
separasse.
Por mais que se negasse a admitir claramente, também sonhava
em experimentar da mesma felicidade junto ao homem amado. Sonhava
com um casamento sólido e duradouro, com filhos bonitos e sadios, com
uma família alegre e barulhenta a se espalhar pelo casarão de madeira e
pelas terras da fazenda... No entanto, tudo o que havia conseguido fora
cair na armadilha de um cafajeste do quilate de Bob Cochran!
Afastando a lembrança desagradável, Jessica comentou:
— Você não é um homem romântico, pelo jeito.
— Tenho os meus momentos de romantismo, mas graças a Deus,
eles não são suficientes para me levar ao altar. O casamento bem-
sucedido dos meus avôs foi uma exceção à regra na família Marlow. E
eu não creio que vá ter a sorte de que isso volte a acontecer justamente
comigo. Na verdade, o que aconteceu com Vangie e Leland foi um
verdadeiro milagre... E milagres não ocorrem todos os dias.
Indignado com o fato de estar sendo ignorado, Álamo pôs-se a
resfolegar, balançando a cauda ao mesmo tempo em que batia com as
ferraduras das patas dianteiras sobre o solo de cascalhos diante da
estrebaria. Olhando na direção do garanhão, Raitt aproveitou para
mudar o tema da conversa:
— Os dois "bons motivos" que amoleceram seu coração já foram
amansados?
— Somente Teardrop.
— E quem a domesticou?
— Eu.
— Puxa vida... Meus parabéns!
Sentindo o rosto corar, Jéssica usou as muletas para se aproximar
de Teardrop e passou a mão pela mancha branca que a égua tinha entre
as orelhas alertas. Raitt espalhou alguns pequenos feixes de feno ao
longo da manjedoura e distribuiu pequenos maços da erva para Lucille e
os dois alazões, antes de perguntar:
— Quem vai amansar Álamo?
— Vovô é o melhor amansador de cavalos bravios que temos
nesta região, e fez dessa habilidade uma profissão durante anos. Ainda
hoje, não há vaqueiro ou tratador de animais que se equipare ao velho
Duncan Patton.
— Mas, na idade de Dunc, tenta domesticar um garanhão como
Álamo seria suicídio.
— Ter setenta anos não significa estar inválido ou à beira da
morte.
O comentário áspero de Jéssica fez com que Raitt desistisse de
argumentar. Era evidente que ela idolatrava o avô e que lhe seria leal
pelo resto da vida. Esse amor desmedido, com certeza a fazia negar-se
a aceitar um fato inexorável na existência de qualquer ser humano: as
pessoas envelheciam e morriam, por mais que isso doesse.
Levando um punhado de feno à boca gulosa de Teardrop, Raitt
tentou soar razoável:
— Ninguém é eterno, Jess.
— Me recuso a ouvir coisas desse tipo.
— Você se recusa a ouvir qualquer coisa sensata, isso sim!
— O que está querendo dizer com isso?
— Que você não dá ouvidos a ninguém! Quantas vezes lhe falei
para que ficasse sentada e mantivesse o pé erguido ao nível do corpo,
apoiado num descanso? Você ligou para o que eu disse? Ligou? Pois
agora olhe só, seu tornozelo voltou a inchar e logo, logo vai estar do
tamanho de uma bola de futebol!
— Eu sou a única responsável pelos meus atos e o que acontece
com o meu tornozelo só diz respeito a mim mesma! Ninguém me diz o
que fazer, Sr. Marlow! Nem você, nem Vangie, nem o santo papa!
Mesmo atrapalhando-se com as muletas, ela virou as costas e fez
menção de afastar-se. Foi então que ouviu Teardrop relinchar e, em
seguida, a voz de Raitt ecoou pelo cercado que delimitava a estrebaria:
— Calma, formosura, calma... Eu também tenho um cavalo,
sabia? Ele se chama Cody. Aposto que você iria gostar dele... Cody é
muito mansinho, até mesmo com os meninos de rua... Todos são amigos
do meu cavalo... E Cody é amigo de todo mundo...
Enquanto ele tentava ganhar a confiança da égua, Jéssica deu
uma espiada na direção de Álamo. Próximo ao portão do cercado, o
garanhão olhava para Raitt com desconfiança; pelo visto, estava
enciumado ao ver alguém tratar sua "esposa" com tamanha intimidade.
Pudera! Quem haveria de imaginar que um homenzarrão como Raitt
Marlow fosse capaz de usar um tom tão doce, tão persuasivo, tão...
magnético?
Jéssica virou-se novamente e sentiu o sangue ferver ao ver como
Teardrop pestanejava languidamente para ele, roçando as grandes
narinas de encontro ao seu braço vigoroso. Traidora! Será que nem
mesmo uma fêmea com quatro patas resistia ao charme daquele
homem?
O forte resfolegar de Álamo fez com que ela se encaminhasse
para junto do cavalo. Afagando-lhe a crina luzidia, Jéssica tratou de
consolá-lo:
— Não se preocupe, garotão... Raitt é apenas um homem. Ele não
vai lhe roubar a companheira, prometo. Fique sossegadinho, sim?
As atenções que a dona lhe dedicava acabaram por tranqüilizar o
garanhão, que não esboçou reação ao perceber que Raitt se
aproximava. Tão logo deu-se conta de que seu indesejado hóspede
parava às suas costas, Jéssica voltou a passar a mão pela crina do
cavalo, repetindo:
— Apenas um homem... E não um garanhão fogoso e sexy como
você.
A voz de Raitt soou num murmúrio rouco e provocante:
— Não? Acho que você tem prestado muita atenção aos seus
cavalos, esquecendo-se de olhar com mais cuidado ao redor...
Pimentinha.
Pimentinha, onde ele aprendera a falar daquele modo, tão meigo e
insinuante?
Álamo decidiu que aquele era o momento de agir. Seu enorme
focinho chocou-se contra o peito de Jéssica num carinho desastrado,
fazendo com que ela perdesse o equilíbrio e, com o susto, soltasse as
muletas. Ao ver que o par de muletas ia ao chão com um baque surdo,
Raitt estendeu os braços e amparou-a num abraço apertado, antes que
ela também caísse.
Jéssica prendeu a respiração. Sentia um dos braços fortes de
encontro aos seios, o outro a lhe envolver a cintura. O tórax robusto de
Raitt parecia o abrigo ideal para suas costas e baixo ventre dele. Colado
ao seu quadril, lhe proporcionava uma sensação simplesmente deliciosa.
Encostando os lábios no ouvido dela, Raitt murmurou:
— Calma, pimentinha... Não vá cair...
A enxurrada de protestos ficou presa na garganta de Jéssica.
Imobilizada naquele abraço inesperado, percebeu que Raitt levava uma
das mãos ao seu seio esquerdo, prendendo-o com força entre a palma e
os dedos longos. Ao mesmo tempo, ele lhe depositou um beijo suave na
curva do pescoço.
— Raitt...
— Sim?
Antes que Jéssica respondesse, ele virou-a de frente para si e,
sem desfazer o abraço firme, tez com que seus olhares se
encontrassem. Percebeu, então, que ela estava com o rosto corado e
seus olhos verdes haviam adquirido uma tonalidade ainda mais
profunda.
— Quer namorar um pouquinho, Jess?
Novamente, ela não teve tempo para responder. Raitt voltou a
prender-lhe um seio com a mão em forma de concha, no exato momento
em que seus lábios procuravam os dela num beijo apaixonado.
Imprimindo audácia e languidez aos movimentos da língua, ele lhe
invadiu a boca em carícias repletas de insinuante excitação. Sentindo o
peito de Jéssica arfar de encontro à sua mão, Raitt tomou-lhe um mamilo
já rijo entre o polegar e o indicar, massageando-o com delicadeza.
Ela não conseguia esboçar reação alguma. E, ao notar que o
membro de Raitt dava sinais de uma vigorosa ereção, deixou escapar
um suspiro do mais puro e contagiante desejo. Ele também era presa da
mesma descarga de paixão. Naquele instante, não lhe importava que
tivesse nos braços uma mulher geniosa, teimosa, que se zangava a toa.
O fato era que aquela mulher irascível lhe provocava uma ereção como
havia muito não experimentava e uma onda de desejo simplesmente
arrebatadora.
Murph, um dos pastores de Duncan Patton, soltou um latido
satisfeito ao aproximar-se da estrebaria. O som penetrou nos ouvidos de
Jéssica, trazendo-a de volta à realidade. O que estava fazendo ali, nos
braços possessivos de Raitt Marlow, deixando que ele a acariciasse e a
beijasse com tamanha avidez, a ponto de lhe roubar o fôlego e a razão?
Tinha ficado maluca?
Meio zonza, ela ainda encontrou forças para afastá-lo de si.
Mesmo assim, Raitt manteve um dos braços ao redor de sua cintura.
— Não diga que não gostou, Jess...
— N-não, eu não... Quero dizer, se Álamo não tivesse me
empurrado, eu nunca... eu nunca...
— Não mesmo? Nunca?
— Quer fazer o favor de me soltar?
— Nada disso. Você ficou em pé muito tempo e agora precisa
descansar.
— Não vou...
Com um gesto rápido e ágil, Raitt tirou-a do chão e levou-a até
uma bancada de madeira ao lado do portão da estrebaria. Ao vê-la
sentada ali, perguntou:
— Você nunca admite uma fraqueza? Nunca dá ouvidos à lógica?
Mas, na verdade, era ele quem precisava retomar o bom senso,
ou acabaria fazendo a bobagem de tomá-la nos braços outra vez e
recomeçar de onde haviam parado. Esforçando-se para aparentar
naturalidade e disfarçar o volume formado na parte frontal do jeans, Raitt
apanhou o par de muletas e entregou-o a Jéssica.
— Obrigada.
— Não há de quê. Agora fique sentadinha aí, enquanto termino de
alimentar os cavalos.
Era óbvio que ela ficaria sentadinha ali. Afinal, não tinha forças
sequer para murmurar um bom xingamento...
CAPÍTULO V
Ao voltar do estábulo, Jéssica podia esperar por qualquer coisa ao
entrar no casarão de madeira. Menos deparar-se com Dunc e Vangie em
meio a um acalorado beijo, bem no meio da cozinha.
Quando ela tossiu para anunciar sua presença, os velhinhos
separaram-se com relutância. Além de não parecer nem um pouco
embaraçado, Dunc ainda fez questão de permanecer com um braço ao
redor dos ombros da "noiva". Que, por sua vez, nem chegara a corar.
Com um brilho todo especial nos olhos escuros, Vangie perguntou:
— Por onde anda o meu neto, Jess?
— Ele ficou na estrebaria, terminando de dar comida e água aos
cavalos — respondeu Jéssica, meio sem graça.
— As muletas estão ajudando, minha menina? — indagou Dunc.
— Pelo menos, posso me locomover por aí, sem a ajuda de
ninguém — foi a resposta direta. — E vocês? O que andaram fazendo,
além de namorar?
— Preparando as coisas para o piquenique na cidade — Dunc
apontou para as duas grandes cestas de vime que estavam sobre a
mesa — Já está tudo pronto.
— Oh... o piquenique — Jéssica tinha se esquecido por completo
do evento anual, que se realizaria naquele dia.
— Falei para Vangie a respeito do leilão — comentou o velhinho
— Contei também que todos o consideram o ponto alto da festividade.
Jéssica nunca tivera o menor interesse por aquele leilão bobo: as
mulheres preparavam suas cestas com alimentos e os homens faziam
lances em dinheiro pelos tais cestos; a maior oferta era a vencedora e o
ofertante adquiria o direito de compartilhar dó piquenique com a dona da
cesta. Além de considerar a brincadeira muito tola, ela também
detestava o leilão porque o avô, temendo que um novo Bob Cochran
aparecesse em sua vida, sempre se antecipava a qualquer lance e
acabava arrematando a cesta da própria neta. Que bela diversão...
Mesmo assim, Jéssica sentia-se na obrigação de participar do
evento, pois o dinheiro arrecadado era revertido para as obras de
caridade na comunidade. E absolutamente todos os moradores da
região tomavam parte, de um modo ou de outro, na festividade. Isso já
tinha se tomado uma tradição local e não havia como escapar.
— Ponha o nome de Vangie nas duas cestas, assim você e Raitt
poderão comprá-las — disse ela, sem hesitar — Prefiro ficar em casa.
— Nós nunca perdemos uma dessas festas, Jessie — argumentou
Dunc — E você prometeu que iria a todas, já que se trata de um evento
beneficente.
— Sobrou uma porção das costeletas e do chili de ontem, que já
guardamos nas cestas — anunciou Vangie, entusiasmada — Podemos
levar frutas e alguns vidros de compotas também.
— Meu pé está inchado demais — alegou Jéssica — E vai inchar
ainda mais, se eu ficar andando de um lado para o outro.
— Mas você fica andando do mesmo jeito por aqui, na fazenda —
Dunc tentou convencê-la — Além disso, vamos levar as muletas e o
saco com gelo.
— Vovô... — ela insistiu.
— Acha justo quebrar sua promessa? — Dunc também era
teimoso à beca — Se você não for, então ninguém da Fazenda Patton
irá.
— Oh, Dunc... — O sorriso desapareceu dos lábios de Vangie.
— Eu estava tão ansiosa para participar da festividade... Todos os
seus vizinhos e amigos vão estar lá, não vão? Seria uma ótima
oportunidade para eu conhecê-los.
— E todos também estão loucos para conhecê-la — Dunc
assegurou-lhe.
Os dois velhinhos olharam para Jéssica com uma expressão
suplicante. Com medo de decepcioná-los ou passar por estraga
prazeres, ela não teve outra escolha:
— Está bem, está bem... Eu vou.
— Oh, que gracinha! — Vangie era toda entusiasmo outra vez —
O que devo vestir? Um conjuntinho de saia e blusa de algodão
estampadinho ficará bem? Calço sandálias ou alpargatas?
— Trate de ficar confortável, pois elegante você já é — garantiu-
lhe Dunc.
— Eu vou do jeito que estou — avisou Jéssica.
— Ninguém sairá desta casa enquanto você não estiver usando
uma roupa mais graciosa e feminina — ameaçou o avô com
determinação.
— Oh, Dunc... — A crista de Vangie voltou a cair.
— Dai-me paciência, Senhor... — Jéssica contou até dez. — Vou
colocar um jeans limpinho e cheiroso, tirado do armário, está bem?
— Com aquela blusa de seda toda bordada que Lizbeth lhe deu
de presente de aniversário? — barganhou Dunc.
— Aquela blusa precisa ser passada a ferro, vovô — ela inferiu —
Além do mais, que diferença faz se...
— Por favor, Jessie querida — interveio Vangie — Aposto que sua
avó ficaria muito contente se você usasse o presente que ela lhe deu.
Deve ser uma gracinha de blusa!
Raitt acabava de entrar na cozinha e foi logo perguntando:
— O que é "uma gracinha" desta vez, vovó?
Antes que alguém pudesse dizer alguma coisa, Jéssica amparou-
se sobre o par de muletas e anunciou:
— Vou passar minha blusa. Com licença.
Ela não voltou a dar o ar de sua graça até que Duncan batesse à
porta de seu quarto.
— Ande logo, menina. Está ficando tarde.
— Calma vovô. Não sou tão ágil com roupas e penteados como
sou para lidar com o gado.
— Mas é teimosa feito uma mula... Posso entrar?
— Pode.
O ancião abriu, a porta e, colocando apenas a cabeça para dentro
do quarto, afirmou:
— Deixe-me ver... Hum, agora está bem melhor! Mas não faça
essa cara de sofrimento, pois não criei um caso para que você colocasse
um vestido, criei?
— Nem iria adiantar, já que eu não teria colocado mesmo. A blusa
bordada que ganhei da vovó e um pouco de colônia de alfazema foram o
máximo que você conseguiu arrancar de mim.
— De qualquer modo, gostei que tivesse deixado os cabelos
soltos, seguros somente por essa tiara no alto da cabeça. Ficou bonito.
Ignorando o elogio, Jéssica apanhou o par de muletas que estava
sobre a cama e seguiu o avô tropegamente até a varanda. Dali, pôde ver
que Raitt e Vangie arrumavam as duas cestas de vime para o piquenique
no minúsculo porta-malas do carro esporte dele.
Todo orgulhoso, Dunc anunciou:
— Hoje quem dirige sou eu. E mal posso esperar para ver a cara
do pessoal, quando eu chegar ao volante daquela máquina infernal.
Assim que se aproximaram do compacto automóvel, Jéssica deu
uma espiada no interior do veículo.
— Vamos caber todos aí dentro?
— Claro que sim — Dunc foi categórico. — Você e Raitt vão no
branco de trás. E Vangie vai ao meu lado, na frente.
— Mas a sua caminhonete é muito mais...
— Prefiro experimentar esse carrinho, que mais parece um
brinquedo para crianças — retrucou o velhinho — Quando Raitt
perguntou se eu gostaria de guiá-lo, não tive como dizer não.
Por cima do teto do veículo, Jéssica lançou um olhar de
reprovação a Raitt. Ele apenas fechou o porta-malas e deu de ombros,
indicando que fora gentilmente obrigado a oferecer seu carro para que o
velho senhor o dirigisse.
Já imaginando-se no colo de Raitt, ela tentou argumentar:
— Como podem sentar duas pessoas no banco traseiro, se mal há
espaço para um par de muletas?
— As muletas ficarão para fora da janela, menina — Dunc
começava a demonstrar impaciência.
— Acho melhor Raitt e eu irmos na caminhonete — ela teimou.
— A bateria da caminhonete está muito fraca — o velhinho pôs um
ponto final à discussão.
Acomodar-se no diminuto banco foi uma verdadeira batalha para
Jéssica. Além das inúmeras tentativas a fim de encontrar a melhor
posição para o pé machucado, ela teve também que preocupar-se em
não encostar em Raitt um milímetro a mais do que o estritamente
necessário.
Usando calça de brim caqui e uma camiseta preta, ele parecia
perfeitamente à vontade na posição incômoda em que se encontrava.
Mesmo assim, Jéssica não conteve um comentário um voz baixa:
— Isto tudo é ridículo.
— Para nós, talvez. Os "adolescentes" parecem estar se
divertindo a valer.
— Eles deveriam visitar um bom psiquiatra, isso sim!
Vangie ofereceu-se para levar as muletas sobre o colo, tomando o
cuidado de passar as longas extremidades através da janela aberta. E
Dunc não se esqueceu nem mesmo de ligar o rádio.
Instantes depois, já na estrada, o velhinho engatou a quinta
marcha e pôs-se a conversar com a "noiva", contando-lhe a respeito da
movimentação das massas vulcânicas que deram forma às Montanhas
Warner e aos vales da região. Jéssica, por sua vez, só conseguia pensar
na movimentação da massa que preenchia a apertadíssima calça caqui
que Raitt usava.
Minutos se passaram até que ele resolvesse puxar assunto:
— Essa blusa que você está usando é muito bonita, Jess.
— Obrigada. Foi minha falecida avó quem fez todos os bordados,
ponto por ponto.
— Quantas margaridinhas formam o desenho?
— Isso eu não sei.
— Bem, então terei que contá-las um dia desses.
— O quê?
— Nada... nada.
Para Duncan, era como se os dois não existissem. Com uma das
mãos pousada no joelho de Vangie, o ancião prosseguia no seu
tagarelar sobre rochas e vulcões. Percebendo que o carro ia a uma
velocidade considerável, Jéssica perguntou para Raitt:
— Você também dirige assim, tão depressa?
— Depende. Quando é para impressionar uma "garotinha" como a
minha avó... Hum, esse seu perfume de alfazema é uma delícia, sabia?
— Foi vovô quem me obrigou a colocá-lo. A blusa também foi idéia
dele.
— Ah...
Raitt mal conseguiu disfarçar o desapontamento. Por que aquela
diabinha não se dava ao luxo de arrumar-se ou perfumar-se por causa
dele? Por que não vestira um short ou uma minissaia?
Com um olhar ostensivo ao longo das pernas ocultas pelo jeans,
ele não demorou a perceber que o tornozelo de Jéssica ainda estava
bastante inchado. Tocando-o de leve, comentou:
— Deveríamos ter trazido um saco com gelo...
Ela não conseguiu ao menos responder. Raitt havia começado a
executar uma massagem mágica e insinuante sobre o local da torção,
provocando-lhe arrepios que terminavam num verdadeiro nó na
garganta.
Como o velho Duncan havia previsto, quase todos os olhos se
voltaram para eles assim que o vistoso carro esporte de Raitt chegou à
área do piquenique. Em questão de instantes, uma pequena multidão de
curiosos acercou-se do veículo. Dunc não perdeu a pose e, transpirando
orgulho por todos os poros, tratou de apresentar Vangie e Raitt Marlow a
quem quer que lhe surgisse pela frente.
Embaraçada, Jéssica deixou os três entretidos com os
cumprimentos e dirigiu-se ao local onde se realizava a corrida anual de
tartarugas. No caminho, teve que parar aqui e acolá, a fim de explicar o
motivo do pé inchado e a necessidade das muletas.
Nas várias quadras improvisadas, ocorriam jogos de beisebol,
futebol e vôlei. Ela, que sempre fora uma excelente jogadora de voleibol,
hoje teria que apenas assistir às competições. E estava sentada num
banco de madeira, vendo seu desfalcado time perder feio enquanto as
jogadoras amaldiçoavam-lhe o tornozelo contundido, quando Raitt
aproximou-se com um saco plástico contendo pedrinhas de gelo.
— É mais do que hora de você colocar isto sobre o pé, Jess.
— Estou me dando muito bem sem essa droga gelada, obrigada.
O jogo foi interrompido por alguns instantes, já que todas as
garotas que estavam na quadra e arredores voltaram seus olhares de
admiração e curiosidade na direção de Raitt. É, não havia outra saída...
Teria que apresentá-lo às deslumbradas colegas ou nenhuma delas
retomaria a partida subitamente paralisada.
— Este é Raitt Marlow, garotas.
Ele viu-se rodeado pelos dois times, trocando sorrisinhos e
apertos de mãos com todas as jogadoras. As moças estavam mesmo
deslumbradas com a beleza e o charme daquele atraente forasteiro...
principalmente Betsy Newman, verdadeira perfeição em forma de
mulher, com seus olhos azuis e cabelos muito loiros, pele bronzeada e
medidas de fazer inveja às garotas da página central da "Playboy".
Raitt trocou o saco com gelo de mão, dizendo:
—Vamos procurar um lugar mais confortável para você se
acomodar, Jess.
— Diabos, Raitt! Será que você não...
Virando-se para as garotas do time de vôlei, ele perguntou:
— Jess é sempre assim, tão cabeça-dura?
— Não vejo motivos para que ela se comporte dessa forma...
justamente hoje — adiantou-se Betsy, com um olhar de cobiça ao peito
largo dele. — Hum, adoro homens com camiseta preta.
— Eu gosto de rosa — respondeu Raitt, voltando-se para Jéssica
— Jess usou um vestido cor-de-rosa ontem que, como diria a minha avó,
era uma gracinha.
Temendo que aquela conversa enviesada acabasse se
transformando num desastre, Jéssica tratou de levá-lo até uma das
mesas da área de piquenique. Enquanto se instalava no longo banco de
madeira, com o cuidado de manter a perna estirada, resmungou:
— Você está se mostrando uma pessoa extremamente
inconveniente.
Ele lhe colocou o saco de gelo sobre o pé inchado, perguntando:
— Quer que eu vá lhe buscar uma cerveja geladinha?
— Por que não vai assistir à corrida de tartarugas? Ou jogar
beisebol? Ou então pingue-pongue? Há também karts puxados por
cachorros, ou passeio de pônei se quiser matar as saudades do bom e
velho Cody.
Acomodando-se à mesa, de frente para ela, Raitt falou baixinho:
— Prefiro ficar aqui, discutindo com você... A propósito, o que é
que eu tenho que a irrita tanto?
— Me irrita saber que estamos sendo manipulados por um casal
de velhinhos desavergonhados. Isso não irrita você?
— Vou deixar esse tipo de julgamento para depois, quando já a
tiver conhecido melhor. Até esta manhã, você mostrou ser bem peituda,
digamos assim.
— Esqueça o que aconteceu hoje de manhã no estábulo, sim? Foi
uma bobagem.
— Não foi não. Seja honesta a esse respeito, como você costuma
ser com todo o resto.
— Quer que eu seja honesta? Pois bem, estou louca para tomar
aquela cerveja gelada, se você ainda estiver disposto a ir buscá-la para
mim.
Qualquer coisa seria válida para mantê-lo afastado, nem que
fosse por alguns minutos. A maneira com que Raitt olhava para o decote
da blusa de seda que ela ganhara da avó estava dando nos nervos de
Jéssica.
Ele se levantou e, com um sorrisinho malicioso, comentou antes
de se afastar:
— Bem peituda, por sinal.
Observando-o caminhar em direção ao setor das barraquinhas de
guloseimas e bebidas, Jéssica deixou escapar um suspiro de alívio e
certa ansiedade. Não era à toa que Betsy Newman dissera adorar
homens com camisetas pretas... Todos os olhares femininos se
concentravam no andar seguro e no porte elegante de Raitt Marlow. E
com razão, pois não havia nada naquele homem que uma mulher de
bom senso pudesse criticar.
Não demorou muito para que Betsy, acometida por uma sede
súbita, abandonasse o jogo de voleibol e corresse para perto de Raitt,
junto à barraquinha de refrigerantes. Jéssica teve que usar de um
controle imenso para não gritar "Ele é contra o casamento!".
O que, pensando bem, não iria servir para nada. Afinal. Betsy
Newman já fora casada duas vezes e não devia estar lá muito
interessada em dizer um novo "sim" diante de qualquer Juiz de Paz.
Quando Jéssica voltou a olhar para os dois, Raitt entregava à moça uma
garrafinha de cerveja. E ela lhe retribuía com um sorriso de orelha a
orelha.
Em vez de desviar o olhar novamente, Jéssica simplesmente
fechou os olhos. E pôs-se a imaginar a cena: Raitt faria a maior oferta
pela cesta de piquenique da loira, depois de uma refeição romântica à
sombra de uma árvore, ele a conduziria para o salão de baile, onde
dançariam bem agarradinhos um ao outro. Mais tarde, à luz da lua,
trocariam um beijo apaixonado e Raitt lhe tomaria um dos seios na mão
para depois...
— Está bem geladinha!
Ela abriu os olhos a tempo de ver Raitt colocando uma garrafa
pequena de cerveja à sua frente. E a formosa Betsy não estava ao lado
dele! Voltando o olhar para a barraquinha de refrigerantes, Jéssica
distinguiu a loira em meio às pessoas que se aglomeravam ali com a
mais autêntica cara de tacho. O que teria acontecido? Por que Raitt
deixara Betsy sozinha?
Depois de uma longa golada em sua própria garrafa, ele sentou-se
a seu lado e perguntou:
— O que andou fazendo, enquanto fui buscar as cervejas?
— N-nada... O que eu poderia ter feito?
— Imaginado bobagens, talvez.
— Ora, não lhe parece que...
— Me parece que esse seu tornozelo não está nada bem. Estive
pensando e cheguei à conclusão de que você deveria tirar um raio-X do
pé. Não senti nenhuma fratura ao tocá-lo, mas talvez haja algum outro
problema mais sério, que não consegui detectar.
— Eu não tenho nada!
— Você só tem a língua comprida demais. É o seu pé que pode
estar precisando de maiores cuidados. Não há nenhum médico no meio
desta multidão que veio ao piquenique?
— Apenas um.
— Um?
— E por falar do diabo...
Jéssica percebeu que o Dr. Coulter caminhava em direção à sua
mesa naquele exato momento. Com certeza, tinha visto o saco de gelo,
ou então as notícias corriam mesmo depressa demais.
— Jessie, ouvi dizer que você teve uma grave torção no pé... —
falou o médico, continuando que, naquela região, as novidades tinham
asas — Por que não me chamaram?
— Nós... nós estávamos com visitas — respondeu ela, como se
isso explicasse alguma coisa — Este aqui, ao meu lado, é Raitt Marlow,
que entende bastante de primeiros-socorros... Raitt, este é o Dr. Coulter,
médico de confiança de toda a comunidade rural.
— Ah! Então é você o neto de Vangie, oficial de cavalaria da
polícia de San Francisco? — O Dr. Coulter apertou a mão de Raitt —
Sua avó é um amor de pessoa. Vou competir com Dunc nos lances pela
cesta de piquenique dela.
— Tivemos uma grande coincidência — declarou Raitt — Eu
acabava de dizer a Jess que ela deveria tirar uma radiografia do pé
machucado, quando o senhor chegou.
— Concordo plenamente — O médico apontou uma casa amarela
nas imediações — Meu consultório é logo ali. Vamos?
Em outras circunstâncias, Jéssica resistiria até a morte à simples
idéia de deixar-se examinar por um médico por causa de uma simples
entorse. Mas estava louca para se ver livre de Raitt e não se tomar um
empecilho ao romance dele com Betsy New-man. Assim, correu a
amparar-se nas muletas, afirmando:
— Vamos, sim. Até logo, Raitt.
— Eu vou com vocês — Raitt já havia se levantado.
— Oh, não é preciso — Jéssica apressou-se em seguir o médico.
— Eu disse que vou com vocês.
Raitt apanhou as duas garrafas que estavam sobre a mesa e
ignorou o olhar fulminante que ela lhe dirigiu sobre o ombro.
Folheando uma revista na sala de espera do consultório do Dr.
Coulter, Raitt Marlow apanhou-se pensando em sua vida sexual, que
andava praticamente nula nos últimos tempos. Estava surpreso com a
reação que tivera naquela manhã, ao beijar Jess no pátio da estrebaria.
Mais alguns segundos e o zíper de sua calça teria ido para o espaço.
Puxa vida, nunca havia experimentado uma ereção tão intensa, nem
mesmo quando era adolescente e comprava exemplares de revistinhas
pouco recomendáveis para adolescentes! Também, da maneira como ela
reagira aos seus carinhos seria impossível não...
— Foi mesmo apenas uma torção — o Dr. Coulter interrompeu-lhe
as divagações, ao acompanhar Jéssica até a sala de espera — Você
estará bem melhor amanhã Jessie, se não forçar demais esse tornozelo
hoje. Cuide para que ela não apoie o pé diretamente no chão, Raitt. E
fiquem longe do salão de danças!
— Pode deixar, doutor — ele garantiu.
— Raitt não precisa me dizer o que devo fazer — ela os avisou —
Quanto lhe devo pela consulta para confirmar o que eu já sabia, Dr.
Coulter?
— Mandarei a conta para a fazenda — respondeu o médico,
ignorando a ironia — E, já que estou aqui, vou aproveitar para dar um
telefonema. Com licença... E nada de baile!
Do lado de fora do consultório, Jéssica esbravejou:
— O Dr. Coulter sabe muito bem que nunca danço com ninguém!
— Pois eu estava pensando em convidá-la para dançar, isto é, se
você pudesse.
— Obrigada, mas eu não aceitaria.
— Por quê não? O que há de errado comigo?
— Não é com você! É comigo.
— E o que há de errado com você?
— Ora, você sabe muito bem! Sou sem graça, sem charme, sem
atrativos, sem...
— Sem juízo, isso sim! De onde tirou essa idéia absurda, Jess?
Quem enfiou essas lorotas nessa sua cabeça de vento?
— Não diga que tenho cabeça de vento, se você me conhece há
vinte e quatro horas!
Surpreso com aquela explosão, Raitt ficou calado e deixou que ela
se afastasse. Iria escolher o momento mais adequado para mostrar a
Jéssica que já a conhecia e compreendia muito mais do que ela podia
supor.
CAPÍTULO VI
Pouco antes do jantar, teve início o leilão das cestas de
piquenique. Como os sobrenomes Marlow e Newman, pela ordem
alfabética obedecida pelo leilão, viessem antes de Patton, Jéssica ficou
apreensiva ao dar-se conta de que seu cesto seria oferecido depois dos
de Vangie e Betsy. E, muito antes que a cesta da velhinha recebesse os
primeiros lances, já estava morta de vontade de transformar-se num
mosquitinho e sumir dali sem que ninguém percebesse.
Como se os céus tivessem ouvido suas preces, Raitt mantivera-se
afastado dela depois da desagradável cena no portão do consultório
médico. Mesmo assim, Jéssica deu um jeitinho de controlar-lhe os
passos e ficou sabendo que ele jogara beisebol, que vencera o torneio
de pingue-pongue, e que perdera um dólar e meio para Dunc ao apostar
numa tartaruga que nem chegara a sair da linha de largada. Uma coisa
era certa: as notícias só faltavam usar de satélites para alcançar todos
os membros da pequena comunidade.
Porém, assim que começou o leilão Raitt parou de evitá-la. A
primeira cesta mal tinha sido anunciada, quando ele aproximou-se e
perguntou:
— Divertindo-se bastante?
— Como nunca! É divertidíssimo ficar o dia todo cravada num
banco de madeira, com a perna esticada e um saco de gelo em cima do
pé... E você?
— Eu estou com fome.
Aquilo não foi surpresa para Jéssica. Afinal. Raitt tinha vindo de
uma das quadras de vôlei e parecia meio vesgo de tanto olhar Betsy
executar suas estudadas cortadas. Devia era estar morto de fome da
bela loira, isso sim!
Fingindo um bocejo entediado, ela murmurou:
— A cesta de Betsy costuma ser bem cara...
— É mesmo? — Raitt tirou a carteira do bolso e deu uma espiada
em seu conteúdo. — Eles aceitam cheque ou cartão de crédito?
— Aceitam qualquer coisa, desde que haja fundos na sua conta —
respondeu Dunc, que acabava de chegar trazendo uma sorridente
Vangie pela mão.
Consciente de que jamais se transformaria num mosquitinho,
Jéssica olhou para o toalete feminino, talvez pudesse se esconder lá até
sua cesta ser leiloada. Como sempre, seu avô cobriria todos os lances;
dessa vez, contudo, ela ficaria a distância e só voltaria quando aquele
martírio tivesse acabado.
Ao vê-la esticar o braço na direção das muletas apoiadas sobre o
banco, o velhinho pôs um fim em seus planos:
— Você não vai a lugar algum, menina. Tenha modos, sim?
— Este evento é mesmo uma gracinha — Vangie dizia a Raitt. —
Me faz lembrar das reuniões comunitárias beneficentes que
costumávamos ter no Texas.
A velha senhora continuou tagarelando por um bom tempinho,
pontuando seu discurso com aplausos entusiásticos a cada cesta
leiloada. Muda no seu canto, Jéssica preparava-se para o inevitável.
Quando a cesta de piquenique da anciã foi anunciada, três viúvos
passaram a disputar os lances: Duncan Patton, o Dr. Coulter e o prefeito.
Dunc, como era de se esperar, arrematou a cesta. E Vangie, é claro,
quase delirou com o resultado.
Assim que o velhinho foi buscar sua aquisição, Raitt afastou-se
em direção ao barril de chopp. Nesse instante, a cesta de Betsy
Newman foi anunciada.
Choveram ofertas dos quatro cantos. Pelo visto, todos os homens
solteiros da região estavam a fim de compartilhar um piquenique todo
especial com a beldade dos festejos. De olhos fechados, Jéssica
esperou pelo lance de Raitt.
— Cinqüenta — soou a voz pausada dele.
— Cinqüenta e cinco — alguém aumentou o lance.
— Sessenta — ofereceu um outro ansioso rapaz.
Ela sabia que o suplício seria longo, pois as cestas de Betsy
sempre eram arrematadas por mais de cem dólares. Ou seja, pelo
menos três vezes o preço pago pelos cestos das outras participantes.
Mordendo o lábio, perguntou-se quanto Raitt iria ter que desembolsar
pelo pequeno mimo.
Foi então que a voz dele voltou a lhe penetrar os ouvidos:
— Está bem geladinho.
Jéssica abriu os olhos e viu-o diante de si com duas canecas de
chopp. Ao redor, as ofertas prosseguiam num ritmo eletrizante.
Segundos depois, o leiloeiro avisou:
— Dou-lhe uma... dou-lhe duas...
— Não vai pegar o seu chopp, Jess?
Raitt ficara surdo? Não se dera conta de que a cesta de Betsy
estava prestes a ser arrematada?
— Vendida! — declarou o leiloeiro.
— Jess não dou conta das duas canecas. Vamos, pegue a sua...
Em quanto estão os lances? Setenta e cinco?
— A cesta foi vendida por cento e cinqüenta dólares. — Ela
apanhou uma das canecas — E você acabou de perdê-la.
— É mesmo? Puxa...
— A cesta de Jessie é a próxima — avisou Dunc.
— Ótimo — disse Raitt, colocando seu chopp sobre a mesa.
Ótimo para Jéssica seria poder evaporar no ar, ou evitar em meio à
pequena multidão, erguendo-se aos céus e voando de volta à fazenda,
aos cavalos, ao gado, às galinhas... ao ambiente ao qual estava
acostumava e no qual se sentia tão bem.
— Agora chegou a vez da cesta de piquenique de Jéssica Patton
— anunciou o leiloeiro.
— Cinqüenta dólares — Dunc apressou-se em fazer a primeira
oferta.
— Quem dá cinqüenta e cinco? — perguntou o leiloeiro. Vermelha
como um tomate, Jéssica tentava convencer-se de que aquele
sofrimento tinha uma causa justa. Era a sua contribuição às obras de
caridade do centro comunitário. Por isso, só lhe restava enfiar o nariz na
caneca de chopp e fingir não se interessar pelos lances ou por quem
iria...
— Duzentos dólares — ofereceu Raitt.
Ouviu-se uma palpitação generalizada. Queixos caíram, olhos se
esbugalharam, as pessoas pareciam subitamente paralisadas. Jéssica
não era exceção e, estarrecida, ficou olhando para Raitt.
— Vendida! — declarou o leiloeiro.
Raitt dirigiu-lhe um sorriso radiante:
— A cesta é toda minha, Jess.
Dando um sonoro tapa nas costas dele, Dunc exclamou:
— É isso o que eu chamo de um lance cinematográfico!
Ainda boquiaberta, Jéssica viu Raitt encaminhar-se para o
estande onde ficavam as cestas de piquenique. Duzentos dólares! Ele
tinha enlouquecido de vez?
De repente, era como se todos os participantes do evento
resolvessem falar ao mesmo tempo e um burburinho instalou-se na área
do leilão. Olhares intrigados se cravavam em Jéssica e no belo homem
que havia comprado sua cesta pelo lance mais elevado feito até aquele
momento.
Alheio à curiosidade dos demais, Raitt retornou com a agora
famosa cesta e, tirando a caneca de chopp da mão gelada de Jéssica,
falou:
— Vamos fazer o nosso piquenique debaixo daquela árvore ali.
Atordoada demais para esboçar qualquer reação de protesto, ela
simplesmente apanhou suas muletas e seguiu-o até o local indicado.
Pelo ar, ecoava a voz do leiloeiro, anunciando a próxima cesta a ser
oferecida. O homem teve que repetir o nome da doadora por três vezes,
antes que alguém fizesse o primeiro lance.
Jéssica acomodou-se no banco da mesa que Raitt tinha escolhido.
Ele sentou-se ao seu lado, tendo o cuidado de colocar a cesta entre
ambos, e só então reparou que a cor havia voltado ao rosto dela. Mas
sua acompanhante hão estava ruborizada, estava era roxa de raiva!
Antes que Raitt pudesse dizer alguma coisa, Jéssica começou a
esbravejar.
— Duzentos dólares... Duzentos dólares! Você perdeu o juízo?
— Foi por uma boa causa, Jess.
— Se o meu avô subornou você para...
— Paguei a cesta com o meu dinheiro. E a idéia de comprá-la foi
única e exclusivamente minha.
— Você ficou foi com pena de mim! Na certa, meu avô lhe disse
que sempre arremata as minhas cestas e...
— Já disse que arrematei a cesta porque eu quis. E, se não
estiver disposta a dividi-la comigo, pode comprá-la de volta com um
acréscimo de cinqüenta por cento ao preço, como taxa pelo
desapontamento causado.
— Desapontado? Você ficaria desapontado? Essa é boa!
— Jess, por que sempre acaba discutindo comigo? Não importa o
que eu diga ou faça, você sempre dá um jeito de brigar. Será que não
poderíamos saborear as costeletas em paz?
— Desapontado... Você tem cada uma!
— Gosto de você, Jess. E tão difícil assim aceitar isso?
— Ora, eu...
— Agora relaxe e aproveite o piquenique, sim?
Raitt pôs-se a tirar os alimentos da cesta, espalhando pequenas
travessas e fôrmas de alumínio sobre a mesa. Mas Jéssica não se dava
por vencida:
— Para começo de conversa, eu não preparei coisa alguma do
que está dentro dessa maldita cesta! Você só a comprou porque...
Tapando-lhe a boca com um imenso e rubro morango, ele tentou
pôr um fim àquele falatório:
— Fique quieta e deixe que eu aproveite o dinheiro que gastei.
Estou com fome, sabia?
Ela mastigou o saboroso morango em silêncio. O que aquela
multidão de fazendeiros e camponeses estaria pensando? Se Raitt
tivesse pago os duzentos dólares pela cesta da exuberante Betsy
Newman, todo mundo acharia a coisa mais natural do mundo. Mas
gastar aquela dinheirama com a cesta da desengonçada Jéssica
Patton... Não fazia sentido!
Virou-se para Raitt e viu que ele tinha os olhos fixos na bela loira,
acomodada a uma mesa a alguns metros dali. Retornando-lhe o olhar,
ele comentou com indisfarçável desdém:
— Ela deve gastar uma nota preta em tintura para cabelo, a fim de
ficar loira como uma sueca. Prefiro os seus cabelos negros que, além de
naturais, têm um brilho magnífico.
Em vez de responder, Jéssica pôs-se a mastigar nervosamente
um sanduíche de costeleta de boi desfiada.
O sol desaparecia num mergulho preguiçoso atrás das montanhas
e logo a radiante claridade do dia foi substituída pela iluminação suave
das lampadazinhas coloridas que haviam sido instaladas nas árvores.
Músicos especializados em canções country tomaram seus lugares no
pequeno palco do saguão de baile, espalhando os acordes da clássica
Pretty Woman, de Roy Orbispn, por toda a área reservada ao tradicional
piquenique. De onde se encontravam, Jéssica e Raitt podiam observar
que Betsy Newman já estava sé requebrando langorosamente nos
braços do forasteiro que comprara sua cesta.
Assim que a música acabou, viram também que Dunc se
aproximava da limitada orquestra. Não foi difícil prever que o velhinho
havia solicitado uma canção romântica já que, instante depois, ele
tomava Vangie nos braços e ambos rodopiavam pela pista como um
casal de adolescentes vitimados pela primeira paixão.
Jéssica apanhou uma das maçãs que Raitt havia tirado da cesta e
deu-lhe uma sonora dentada. Seu avô nunca dançara com a falecida
Lizbeth daquele modo. E nem pagara pela cesta dela metade da quantia
vultuosa que tinha desembolsado para arrematar a cesta da "noiva".
Pobre vovó Liz... devia estar se revirando no túmulo!
Colocando a cesta de vime num canto da mesa, Raitt aproximou-
se dela. Após passar o braço pelo encosto do banco de madeira, tocou-
lhe o ombro e perguntou:
— Você dançaria comigo, se pudesse?
Ela quase engasgou com um pedaço de maçã, mas conseguiu
responder:
— Eu nunca danço.
— Posso saber por quê?
— P-porque... porque...
— Sim?
Jéssica remexeu-se toda em cima do banco, tentando se afastar
do contato com aquele corpo robusto. A maneira casual com que Raitt
descansava a mão em seu ombro lhe fazia o sangue ferver.
Tratando de mudar de assunto, ela comentou:
— Vovô e Vangie estão dando um espetáculo, olhe só para eles!
— Já percebi.
Mas ele estava mesmo era de olho em outras coisas. O reflexo da
luz dourada nos cabelos de Jess era como um encantamento hipnótico,
e o perfume que se desprendia da pele dela o deixava embriagado...
Pele clara, suave, cheirosa, acetinada... Pele translúcida que lhe cobria o
belo colo, embrenhando-se pelo decole da blusa rumo a um par de seios
curvilíneos e empinados.
Num impulso, ele lhe apertou o ombro de leve e Jéssica
estremeceu. No pavilhão de baile, contudo, as coisas tomavam novo
rumo.
— Raitt, eles estão deixando a pista de danças! E a música ainda
nem terminou! Olhe, estão indo para o estacionamento! O que será
que... que aqueles dois têm em mente?
Fosse outra a ocasião, Raitt Marlow teria ficado com os cabelos
em pé só em imaginar que a avó pudesse cair nas garras de um
velhinho sem-vergonha. Naquele instante, porém, estar junto a Jéssica
era tudo o que lhe importava. E não demorou a concluir que fizera bem
em escolher aquela mesa, semi-encoberta pela copa frondosa de um
centenário carvalho e relativamente distante das atividades na área do
piquenique. Estava adorando as fragrâncias campestres carregadas pelo
vento, assim como deliciava-se com toda aquela situação. Era muito
gostoso brincar com Jess, provocá-la, vê-la reagir à proximidade de seus
corpos.
Uma florista aproximou-se, trazendo uma grande cesta no braço.
— Flores para a sua acompanhante, senhor?
Ele apressou-se em tirar a carteira do bolso:
— Todos os buquês de margaridas que você tiver, por favor.
— Tenho três.
— Vou ficar com eles.
Assim que a moça se afastou, Raitt entregou os delicados buquês
a Jéssica. Ao perceber que ela continuava imóvel como uma estátua,
comentou:
— Não me diga que você também nunca aceita flores dos seus
admiradores.
Era exatamente isso o que ela tencionava lhe dizer, mas as
palavras lhe morreram na garganta. Aquele gesto cordial e espontâneo a
fez esquecer-se por um momento do que Dunc e Vangie poderiam estar
fazendo no escurinho do estacionamento. Raitt e seu singelo presente
tinham lhe tocado fundo no coração.
— Obrigada. As flores são... são lindas.
Ele colocou-lhe um dos pequeninos arranjos atrás da orelha. Entre
os cabelos. Depois, tomando-lhe o rosto ruborizado entre as mãos,
murmurou:
— Não precisa agradecer pimentinha.
A simples idéia de que Raitt a beijasse provocou-lhe um
eletrizante arrepio ao longo da espinha. Ele estava tão próximo, que
podia sentir-lhe o calor da respiração. Nervosa, Jéssica abaixou a
cabeça.
— Adoro esse seu perfume, Jess... Por que você não olha para
mim?
Ela colocou as mãos espalmadas sobre o peito de Raitt, numa
tentativa de mantê-lo a distância. Mas não teve forças para afastá-lo de
si e em questão de segundos, viu-se acariciando o tórax forte por sobre
a camiseta de algodão.
— Pimentinha...
Então os lábios de Raitt procuraram os dela. Meigo e persuasivo a
princípio, o beijo foi ganhando intensidade aos poucos e logo tornou-se
uma explosão de sensualidade. Mesmo que quisesse Jéssica não
poderia resistir por muito tempo, quando deu-se conta oferecia a boca
por inteiro às inflamadas carícias da língua dele.
Dominado pela poderosa paixão que o assaltava, Raitt tomou-a
num abraço apertado. Naquele momento, sentia que Jéssica Patton era
exatamente a mulher que desejava abraçar e beijar, acariciar e tocar
com intimidade. Nenhuma outra lhe provocava tamanha excitação.
Nenhuma outra reagira com aquele incrível arrebatamento a um simples
beijo seu.
Ele estreitou-a ainda mais de encontro ao peito. Todos os
músculos de seu corpo estavam tensos, rijos, e o coração parecia
prestes a lhe saltar até a garganta. Se não estivessem num local público,
seria capaz de...
O pensamento teve o efeito de uma chuveirada fria e Raitt
afrouxou o abraço. Entre frustrada e morta de vergonha. Jéssica livrou-
se dos braços dele com um suspiro. Por que tinha feito aquilo? A fim de
suportar o tédio de um piquenique comunitário?
Como recompensa pela pequena fortuna gasta com a cesta de
alimentos?
Perguntas e suposições lhe enchiam a cabeça. Com raiva de si
mesma por ter correspondido ao beijo com inegável enlevo, ela se
levantou e desajeitadamente, acomodou-se sobre as muletas, dizendo:
— É hora de pegarmos nossas coisas e voltarmos para casa. Vá
procurar o meu avô e Vangie, por favor. Só Deus sabe o que eles
estarão fazendo em meio aos carros.
— Calma Jess, por que essa pressa?
— Porque quero ir embora.
— Me dê um tempinho, sim? Preciso me recompor, digamos
assim.
Jéssica não precisava olhar para saber que Raitt estava se
referindo ao volume que se formara por trás do zíper da calça que ele
usava. Diabos! O problema era que não podia culpá-lo pela reação tão
natural. A culpa era dela mesma, que se deixara envolver pela segunda
vez num único dia, pelos carinhos impetuosos de um homem à procura
de um pouco de distração. Oh, será que nunca iria aprender a lição?
Será que a experiência com Bob Cochran não lhe bastara?
O aroma sensual das flores silvestres chegou com uma lufada de
vento. Ela sentiu-se estremecer e percebeu que não suportaria ficar nem
mais um minuto ali.
— Vamos, Raitt. Ande logo.
— Posso saber por que temos que sair correndo?
— Porque nossos avôs estão fazendo sabe-se-lá-o-que no
estacionamento. Um mal conhece o outro, e aposto que os dois nunca
ouviram falar em sexo seguro!
Raitt, enfim, deu-se conta do absurdo da situação. E, embora
quisesse tomar Jéssica nos braços novamente e beijá-la até que
perdessem o fôlego, tratou de se levantar, ajeitando a camiseta que
colocara para fora da calça.
— Tudo bem, vou procurar aqueles dois idosos desajustados. Mas
apenas por uma questão de desencargo de consciência, viu? Não pense
que você pode ficar me dando ordens a torto e a direito, Jéssica Patton.
A caminho do estacionamento, perguntava-se por que estaria tão
atraído por aquela mulher de modos ríspidos e língua ferina.
Simplesmente não conseguia entender como ela era capaz de lhe
despertar um desejo incontrolável, que o fazia perder a cabeça numa
fração de segundo. Ah, maldição!
Raitt foi até seu carro esporte e viu que não havia ninguém no
interior do veículo. Onde teriam se metido aqueles dois velhinhos
assanhados e sem um pingo de juízo?
Nos fundos do estacionamento crescia uma espessa e compacta
cerca de hibiscos. Raitt encaminhou-se para lá e não demorou a
detectar, por trás de alguns arbustos, o ruído de beijos estalados e
respirações ofegantes.
— Dunc? Vangie? O que estão fazendo no meio desse mato? A
resposta veio na voz de um garoto, visivelmente embaraçado:
— N-nada... N-não estamos fazendo nada, senhor... Juro!
Ele podia imaginar o "nada" que o garoto e sua namoradinha
faziam ali e, de repente, sentiu inveja do jovem casal. Se Jéssica Patton
concordasse em acompanhá-lo, bem que gostaria de trocar de lugar com
aqueles dois adolescentes apaixonados.
Balançando a cabeça para afastar a deliciosa idéia, voltou para a
mesa onde lanchara com Jéssica. Ela estava sentada no mesmo banco
de madeira, com a cesta de piquenique sobre o colo. Pronta para ir
embora, com certeza.
Raitt foi logo avisando:
— Nem sinal dos velhinhos tarados no estacionamento.
— Não? Então vou ter que lançar mão de um certo recurso.
— Como assim?
Em vez de responder, ela colocou dois dedos entre os lábios e
emitiu um forte assobio. Após repetir o gesto por mais duas vezes,
explicou:
— É uma chamada de emergência que o meu avô me ensinou
quando eu era pequena. Mais ou menos como discar para a polícia ou
os bombeiros.
O truque nunca falhava. Em poucos instantes, Dunc e Vangie
reapareceram. Ambos estavam corados e um tanto ofegantes. O ancião
não perdeu tempo:
— Qual é o problema, menina?
— Hora de voltar para casa, vovô. Meu tornozelo está começando
a reclamar.
Enquanto se dirigiam para o estacionamento, Dunc entregou as
chaves do carro esporte para Raift.
— Não quero abusar da sua bondade, rapaz. Vangie e eu vamos
voltar no banco de trás.
Raitt Marlow não gostou da idéia de ter os dois idosos
apertadinhos no banco traseiro. E também não ficou satisfeito em saber
que Jéssica viajaria a seu lado. Afinal, começava a recear que a incrível
atração que sentia por ela pudesse acabar metendo-o em encrencas.
Em situações como aquela, estava plenamente de acordo com o ditado
que dizia: "O que os olhos não vêem, o coração não sente". Ou seja,
quanto mais longe se mantivesse da ardida pimentinha, mais seguro
estaria. E segurança, para ele significava evitar o altar a qualquer custo.
Assim, achou melhor argumentar:
— Não acha que o banco de trás é um pouco apertado demais
para duas pessoas?
— Você não reclamou quando viemos para cá, reclamou? —
respondeu Vangie, piscando para o "noivo".
CAPÍTULO VII
Ao amanhecer do dia seguinte, Jéssica despertou com o ruído de
duas pessoas que cochichavam ininterruptamente no alpendre dos
fundos do casarão. Tratou de levantar-se sem fazer barulho, tomou um
banho rápido e desceu para a cozinha a tempo de ver Dunc e Vangie
rumarem para as montanhas nos lombos de Marcus e Lucille. Murph e
Muttlev, os cães pastores, acompanhavam o suave trotar dos cavalos.
Seu avô havia deixado um bilhete sobre a mesa, avisando que as
principais tarefas matutinas da fazenda já tinham sido executadas. Raitt
entrou na cozinha e rio no momento em que os vultos desapareciam no
horizonte. Dando-se conta de que os velhinhos faziam uma repentina e
estratégica fuga às colinas das redondezas, lembrou-se do que a avó
dissera na noite anterior
— Agora sei qual é o verdadeiro significado da expressão "amor à
primeira vista".
Visivelmente emocionado, Dunc balançara a cabeça em sinal de
concordância. Percebendo-lhe os pensamentos, Jéssica disse, num
muxoxo desanimado:
— Não acredito em amor à primeira vista.
— Nem eu. Acho que aqueles dois ficaram malucos de vez, isso
sim.
— Talvez fosse melhor que um de nós fosse ao encalço deles.
Nossos avôs agem como se precisassem de uma babá.
— Com esse tornozelo machucado, você não está em condições
de cavalgar.
— Já estou melhor. Agora, uma só muleta é suficiente para que eu
me locomova pela casa.
— Como?
Só então Raitt percebeu que ela estava usando apenas uma das
muletas como apoio. Antes que pudesse fazer qualquer comentário,
Jéssica adiantou-se:
— Você poderia montar Teardrop e tentar encontrar os dois.
— Aquela égua me pareceu prenha...
— E está. Mas ainda agüenta uma cavalgada suave.
— Sei que soa absurdo afirmar uma coisa dessas, mas nossos
avós não são mais crianças, Jess.
— Só que não estão se comportando como pessoas adultas. O
que Dunc e Vangie fazem é brincar com fogo e isso...
— Os dois beijos que trocamos também foram uma forma de
"brincar com fogo"?
— Foram... foram uma bobagem. Aquilo não significou nada para
nenhum de nós, Raitt. E você sabe muito bem disso.
Ele deixou escapar uma imprecação ininteligível. Odiava sentir-se
agitado e rabugento como se encontrava naquela manhã. Tinha
acordado com uma imprópria e inconteste ereção no momento em que
Jéssica abrira a torneira do chuveiro. O simples devaneio de imaginá-la
nua, ensaboando-se sob o jorro quente da água, foi mais do que
suficiente para que sua mente fosse povoada pelas mais diversas
fantasias sexuais, e isso intensificara ainda mais a já excruciante
excitação de seu membro. Fora um custo convencê-lo a voltar a dormir!
Agora, as palavras ríspidas dela funcionavam como um tiro de
misericórdia em seu depauperado senso de humor.
— Pois saiba que eu acho que os beijos que trocamos
significaram alguma coisa, Jess. Pelo menos, no que me diz respeito.
Afinal, não costumo sair por aí beijando a primeira mulher que me
aparece pela frente.
Jéssica fingia ter toda a atenção concentrada na cafeteira elétrica.
Assim, enquanto comparava medidas de água e pó de café, falou num
tom meio indiferente:
— Muitos homens perdem as estribeiras quando se vêem privados
dos prazeres da cidade grande... Uma cidade como San Francisco, por
exemplo.
— Sabe qual c o seu problema Jess? Você não se dá o menor
valor, essa é que é a verdade!
— Aprendi com Bob Cochran!
— Pois, se você ainda não percebeu, eu não sou esse tal de Bobo
Croquete.
— E-eu...
Percebendo-lhe o embaraço, ele tentou ser gentil e tomou-lhe a
mão direita:
— Meu nome é Raitt Marlow, muito prazer em conhecê-la. E
agora, senhorita, me diga o que teremos para o café da manhã.
— Nada, se você não parar com essas tolices!
Embora a conversa de Raitt estivesse lhe dando nos nervos,
Jéssica sentiu as pernas bambearem diante do sorriso que ele lhe
oferecia.
— Foi você quem começou a brigar Jess, para variar. Não quer
me falar a respeito desse seu ex-namorado?
— Aquele inseto repugnante?
— Sim, aquele inseto repugnante.
— Não... Um outro dia, talvez.
Ela guardou as recordações desagradáveis num canto qualquer
da memória. Naquele momento, era muito mais recompensador fixar-se
no sorriso doce de Raitt e no suave tom de voz com que ele lhe falava.
De repente, lembrou-se das crianças de rua de San Francisco e chegou
à conclusão de que deveriam ter um amigo solidário e leal com quem
contar.
Alheio às suas divagações, Raitt disse:
— OK, OK. Mas eu queria que uma coisa ficasse bem clara: um
beijo meu significa um interesse honesto, verdadeiro. Posso lhe garantir
que não sou um inseto repugnante.
— Interesse? Que tipo de interesse, Raitt?
— Você sabe, Jess. Não lhe escondi que a palavra "casamento"
me deixa com o corpo coberto de brotoejas. Por isso, acho que o meu
interesse por você é resultado de uma coisa natural, que surge entre um
homem é uma mulher. Uma atração mútua, sem grandes expectativas
ou grandes compromissos. Somos maduros o suficiente para...
— Não estou disposta a servir como fonte de alívio para os
desejos de quem quer que seja.
— E nem é isso o que espero de você. Apenas pensei que, se
também tiver algum tipo de interesse em mim, poderíamos desfrutar
bons momentos juntos. Se não tiver...
Aquilo pegou-a desprevenida. Assumir que a simples presença
dele lhe causava arrepios de excitação por todo o corpo seria o mesmo
que lançar-se às chamas do inferno com uma garrafa de gasolina nas
mãos. Negar o desejo que ele lhe provocava seria fazer papel de tola,
pois já ficara evidente que se derretia toda com um simples e furtivo
beijo. Sendo assim, Jéssica decidiu jogar na defensiva:
— E se eu não tiver o menor interesse em você?
— Primeiro, terá que me convencer disso, Jess. Só então...
Ela não esperava que Raitt fosse jogar na ofensiva. Sem saber
como lidar com a insinuação que ele deixara no ar, resolveu entregar os
pontos e abriu a porta da geladeira, perguntando:
— Gostaria de ovos mexidos com torradas e manteiga?
— Não, a menos que você se sente e me deixe prepará-los. Se
não começar a poupar o seu tornozelo machucado, vou chamar o Dr.
Coulter para um novo exame nos tendões e ligamentos do seu pé.
A partida parecia suspensa por alguns instantes e Jéssica não
perdeu a oportunidade para esbravejar:
— Francamente, Raitt! Você é a pessoa mais mandona e mais
enervante que já...
— Prefere que eu telefone para o médico? Não me custa nada
procurar pelo número dele na agenda de endereços que fica na mesinha
da sala. E isto não é um blefe, Jess.
Pela primeira vez na vida, ela sentiu o gosto amargo da derrota.
Qualquer coisa seria melhor do que ter o Dr. Coulter a seu lado, dizendo-
lhe o que fazer e o que não fazer. Com um suspiro desanimado,
caminhou com a ajuda da muleta até a mesa e acomodou-se numa das
cadeiras. Então, simulando indiferença, abriu o jornal e pôs-se a ler as
principais manchetes... Homens!
Pouco depois Raitt colocava um saboroso prato com ovos
mexidos e torradas diante dela. Deixando o jornal de lado, Jéssica
murmurou um chocho "obrigada" e tomou um gole do suco de laranja
que ele também havia preparado.
Raitt fez seu desjejum em pé, entre espiadelas ansiosas pela
janela que ficava logo acima da pia. Um sol radiante pairava
serenamente acima dos cumes das montanhas, mas o calor era
amenizado por uma refrescante brisa que soprava do oeste. Com o
canto dos olhos, Jéssica observava o belo homem que tinha por
companhia. O jeans justíssimo que ele usava lhe revelava a perfeição da
musculatura das pernas e quadril. Pernas longas e fortes, quadril estreito
e...
A voz dele chegou-lhe aos ouvidos:
— E então, o que você acha?
Ela engoliu cm seco, enquanto Raitt abria a torneira e punha-se a
lavar a louça usada.
— O-o que... Do que você está talando?
— De atração mútua, Jess. De desfrutarmos juntos de momentos
gratificantes, digamos assim.
Jéssica tratou de erguer-se e pegar a muleta.
— Tenho uma série de contas para verificar, toalhas para lavar,
pãezinhos para assar, sem falar do preparo de um almoço para quatro
pessoas. Distraia-se consigo mesmo.
Diante da dispensa, só restou a Raitt entreter-se com uma visita
aos cavalos. Depois, às galinhas. Depois, à prateleira de ferramentas no
celeiro.
Sozinha no casarão, Jéssica anotou prazos em sua agenda,
preencheu vários cheques e fez um rápido balanço das contas da
fazenda naquele mês. Na lavanderia, colocou as toalhas de rosto e
banho na máquina de lavar, após o processo de centrifugação,
estendeu-as todas no varal, tomando o cuidado de verificar se o perfume
de Raitt ainda se mantinha naquelas que ele havia usado.
Estava na cozinha, ajeitando pãezinhos de milho numa grande
bandeja que seria levada ao forno, quando ouviu o barulho do cortador
de grama. Em questão de instantes a silhueta de Raitt Marlow surgiu
através da janela acima da pia: ele estava aparando a grama do pátio
nos fundos do casarão. Tão logo Raitt sumiu do seu campo de visão,
Jéssica fechou a vidraça bruscamente com um suspiro da mais pura
frustração.
Bem, pelo menos ele estava se fazendo útil. E isso era bem
melhor do que aquela conversa sem pé nem cabeça sobre atração
mútua.
Atração mútua... Na verdade, uma expressão que ele encontrara
para designar sexo casual, sem compromissos, sem vínculos, sem
porcaria nenhuma! O mesmo que havia experimentado nos braços de
Bob Cochran anos atrás. Sim, na certa era somente isso. E nada mais
do que isso.
Se ele lhe aparecesse com aquela conversa outra vez, iria lhe
dizer que não precisava de seus favores sexuais. Omitindo, é claro, as
poucas ocasiões em que tentara se satisfazer sozinha e dera com os
burros na água. De qualquer forma, as revistas femininas tratavam
desse assunto a todo instante e ela seria apenas mais uma a declarar
sua total independência do sexo masculino. Além do mais, de que lhe
adiantaria ir para a cama com o excitante e sedutor Raitt Marlow, para
depois amargar mais dez anos de arrependimento, como tinha
acontecido com Bob? Bem melhor era continuar sozinha, imaginando-se
uma mulher sem atrativos ou encantos, uma mulher incapaz de provocar
desejo numa barata.
O ruído do cortador de grama cessou subitamente. Antes que
Jéssica tivesse tempo para olhar pela janela outra vez, Raitt entrou na
cozinha e foi direto para a geladeira. Após despejar cubos de gelo e
água num copo alto, ele comentou:
— Está fazendo um calor dos infernos lá fora.
Ela fez menção de dizer alguma coisa, mas a intenção lhe morreu
na garganta. Rápido como um raio, Raitt tomou a água de um gole só,
tirou a camiseta branca que usava e tomou a sair pela porta dos fundos.
Como um autômato, Jéssica empurrou a bandeja com os
pãezinhos para dentro do forno. Deus do céu, como ainda não havia se
dado conta do quanto também estava acalorada? Gotas de suor
brotavam de sua testa e as pernas lhe pareciam falsear. O mais estranho
era que, em meio àquela sensação de passear pelo fogo do interno, lhe
subia pela espinha um friozinho esquisito. Não, Raitt não tinha deixado a
porta da geladeira aberta. Eram apenas ela mesma e seu instinto sexual,
bruscamente despertados pela aparição repentina daquele homem
charmoso e cheio de saúde. Sim, apenas uma maldita manifestação da
natureza. Ou a chamada "atração mútua", como ele havia sugerido.
Fosse o que fosse, dessa vez ela não conteve um palavrão.
Abrindo novamente a janela, Jéssica viu Raitt manobrando o
aparador sobre o tapete de grama que cobria o quintal do casarão.
Seus ombros e bíceps estavam banhados de suor. E, como ela
havia imaginado, os pêlos de seu peito, grossos e dourados, se
estendiam como um manto aveludado ao longo da pele morena,
rumando convidativamente para dentro do jeans apertado.
Ardendo de desejo e paixão, Jéssica deixou-se dominar por uma
avalanche de fantasias eróticas. Seus olhos não conseguiam se
despregar da figura persuasiva de Raitt Marlow. Parecia um sonho. Ele
era bonito e atraente demais para ser real!
Só foi perceber que estivera praticamente hipnotizada quando
ouviu o barulho dos cavalos montados por Dunc e Vangie. Seu avô e a
feliz noiva retornavam do passeio com uma expressão de puro deleite
nos rostos e trocavam olhares apaixonados, enquanto levavam os
animais de volta à estrebaria. Pela primeira vez, Jéssica sentiu uma
pontinha de inveja do casal de idosos.
Estava arrumando a mesa para o almoço, quando os dois
velhinhos entraram no casarão. Raitt cruzou a porta dos fundos quase
no mesmo instante, mas foi direto para a lavanderia a fim de lavar as
mãos e se refrescar. Enquanto Jéssica colocava as travessas com
frango ensopado, mandioca frita, legumes cozidos e salada de batatas
sobre a mesa, ele reapareceu e sentou-se numa das cadeiras.
Após agradecer pelo serviço que Raitt executara no quintal, Dunc
estudou-lhe a expressão e comentou:
— Parece que o trabalho ao ar livre lhe abriu o apetite.
— Eu estava precisando de um pouco de exercício — respondeu
Raitt, servindo-se de uma grande porção de frango e salada.
— Jess também deu um duro danado esta manhã.
— Pena que deixei queimar os pãezinhos de milho — murmurou
ela, recriminando-se por ter prestado mais atenção nele do que nas
broinhas.
— Pois nós fizemos um passeio maravilhoso pelas montanhas —
disse o velhinho, lançando um olhar afetuoso na direção de Vangie.
— Vou morrer de tristeza quando minha visita à sua fazenda
chegar ao fim — afirmou a velha senhora, os olhos brilhando.
— Você não precisa ir embora, querida — assegurou-lhe Dunc —
Se quiser, sabe que poderá ficar aqui para sempre.
Jéssica tinha os olhos fixos num pedaço de batata que ocupava o
centro de seu prato. O avô parecia tão convicto ao declarar aquelas
palavras. Na prática, aquela afirmação do velho Duncan soava como
uma clara proposta de casamento. Mas será que ele teria mesmo
coragem de se casar com uma mulher que conhecia havia tão pouco
tempo?
Ela achou melhor chamá-lo à razão:
— Vovó Lizbeth sempre dizia que o tempo é o nosso melhor
conselheiro.
Dunc não perdeu a pose:
— Estive falando sobre Lizbeth a Vangie. E também sobre a
preciosa sabedoria que minha falecida esposa possuía.
— Eu também contei a Dunc tudo a respeito do meu falecido
Lcland e seu modo de ser, que era uma verdadeira gracinha — interpôs
a contente velhinha.
— Como vê, minha menina, ninguém está se esquecendo do
maravilhoso passado que teve — concluiu Dunc.
— Seja como for, a observação de Jess faz sentido — interveio
Raitt — Todos os membros da família Marlow têm o péssimo defeito de
tomarem suas decisões com a pressa de quem está com uma corda no
pescoço, para depois passarem o resto de suas vidas amargando a
rapidez de suas resoluções.
Surpresa com o fato de ele tê-la apoiado com tamanha
determinação e veemência. Jéssica lançou-lhe um olhar agradecido.
Contudo, Dunc censurou-os num tom repleto de paciência:
— Vocês dois ainda são muito jovens para saberem mais a
respeito do tempo do que um casal de pessoas vividas como Vangie e
eu.
— É verdade — concordou a velha senhora.
O telefone tocou e Dunc ocupou-se em atendê-lo.
— Sim, é da Fazenda Patton... Sim... Está aqui, sim. Um
momento, por favor. — Cobrindo o bocal com a mão, virou-se para Raitt
e explicou: — É um de seus superiores da Guarda Montada. Atenda na
sala, para que possa conversar à vontade com ele.
Raitt agradeceu e pediu licença ao mesmo tempo. Assim que
ouviu-o apanhar a extensão na sala de estar, Dunc recolocou o telefone
no gancho e voltou a acomodar-se à mesa, comentando:
— O chefe dele não estava com uma voz nada boa...
— Oh, meu Deus — queixou-se Vangie — Só espero que esse
telefonema não tenha nada a ver com novos cortes orçamentários. A
guarnição da cavalaria não pode sobreviver com meia dúzia de trocados.
Raitt só está aqui comigo por causa de uma medida de contenção de
gastos, como vocês bem sabem.
— Ainda acredita que precisa de um guarda-costas, Sra. Marlow?
— brincou o velhinho, cobrindo-lhe as mãos com as suas.
— Isso foi coisa do rabugento do meu neto — explicou ela com
um sorriso cúmplice — Eu sempre soube que você era um homem
honrado e respeitador, Duncan. Desde que ouvi a sua voz pelo telefone,
na primeira vez em que nos falamos, tive certeza absoluta de que suas
intenções eram as melhores.
Raitt retornou à mesa e não perdeu tempo em dar as más
notícias:
— Mais um corte no orçamento da divisão de cavalarianos. A
Guarda Montada terá que ser desativada temporariamente.
— Jesus... — Vangie arregalou os olhos.
— O trabalho de patrulhamento nas ruas será interrompido por
seis meses — continuou Raitt — E só me restam duas opções: serviços
burocráticos ou licença sem remuneração.
— Você não iria agüentar ficar trancado num escritório,
preenchendo papéis e formulários atrás de uma escrivaninha —
argumentou sua avó.
— Sei disso melhor do que ninguém — declarou Raitt, convicto —
Prefiro ficar de licença pelos próximos seis meses, até que meus
superiores decidam se a suspensão das atividades dos cavalarianos
será temporária ou definitiva.
— E você teria como se sustentar por todo esse tempo, sem
receber os seus vencimentos? — Vangie estava visivelmente
preocupada.
— Cortando despesas aqui e ali... — Ele passou a mão pelos
cabelos — O problema é que, ao final desses seis meses, minhas
economias terão ido para o espaço.
— Que situação, Raitt! — O rosto de Vangie tornou-se
subitamente sombrio.
— Meu superior disse que nossos cavalos serão transferidos para
estábulos de particulares — acrescentou ele, a expressão anuviada —
Alguns fazendeiros se ofereceram para fornecer-lhes abrigo e
alimentação durante o período de paralisação das atividades da Guarda.
— Cody ficará sob os cuidados de estranhos? — Vangie ficou
ainda mais desanimada.
Dunc decidiu colocar fim àquela torrente de novidades
desagradáveis. Dando um sonoro tapa na mesa, falou com
determinação:
— Há outras formas de resolver esses problemas, rapaz. Primeiro:
peça autorização a seus superiores e traga Cody para cá, temos lugar
de sobra para ele no nosso estábulo. Segundo: mude-se você também
para cá e trabalhe na fazenda como meu auxiliar pelo período que durar
sua licença. Assim, continuará tendo uma remuneração e não precisará
dispor de suas economias.
Jéssica piscou repetidas vezes, a fim de certificar-se de que não
estava sonhando. Custava a crer que seu avô estivesse fazendo uma
oferta daquelas a um quase estranho, sem ao menos consultá-la. Afinal,
em assuntos que diziam respeito à fazenda e às atividades ali exercidas,
eram praticamente sócios e nunca tomavam decisões sem o
consentimento um do outro. Será que o "noivado" com a cândida Vangie
havia lhe acelerado o processo de esclerose?
Largando os talheres sobre o prato, achou que era o momento de
intervir:
— Vovô, Raitt é um patrulheiro e não um trabalhador rural. Ele não
conhece nada a respeito de gado!
— Raitt sabe um bocado sobre o assunto, sim — a velha senhora
correu em socorro do neto — Ele passou mais de dez verões na fazenda
de criação de gado no Texas, onde cresci.
— Além do mais, ele é inteligente e aprenderá num piscar de
olhos as poucas coisas que ainda desconhece a esse respeito —
acrescentou Dunc.
— E por que Raitt não procura trabalho como patrulheiro numa
outra localidade? — ela insistiu.
— Em todo o país, há pouquíssimas divisões de polícia que
utilizam o serviço de uma guarda montada — alegou o velho Duncan —
E, nas poucas guarnições que existem em todo o território, deve haver
listas intermináveis de candidatos à espera de vagas.
— Além do mais, seria mais prudente aguardar pela decisão dos
superiores dele, daqui a seis meses — argumentou Vangie, temendo
pelo futuro do neto.
— Vovô, nós sequer precisamos de um...
— Precisamos, sim — Dunc interrompeu-a — Há muito tempo que
estamos precisando de alguém que nos dê uma mãozinha com o
trabalho aqui, na fazenda.
— Mas desde quando você...
Dessa vez, o velhinho resolveu ignorar-lhe os protestos. Virando-
se para Raitt, perguntou:
— E então? Qual é o seu voto, rapaz: escriturário ou caubói?
Raitt olhou para Jéssica e viu que ela lhe lançava uma súplica
muda para que recusasse aquela oferta de trabalho. Então, olhou para
Vangie e viu que a velhinha lhe implorava com os olhos para que
aceitasse. Por fim, decidiu apertar a mão que Dunc lhe estendia,
anunciando:
— Sinto muito Jess, mas a minha resposta é... caubói.
Jéssica largou o corpo de encontro ao encosto de sua cadeira.
O que seria da sua vida nos próximos seis meses, tendo que
conviver com Raitt Marlow pelas vinte e quatro do dia?
CAPÍTULO VIII
No dia seguinte, Raitt foi para San Francisco a bordo da
caminhonete de Dunc, à qual estava atrelada uma pequena carroceria
para o transporte de animais. A longa jornada lhe deu tempo de sobra
para pensar. E Jéssica Patton ocupou grande parte de seus
pensamentos.
Mas, com um pouco de sorte, rever os amplos horizontes de uma
cidade grande iria ajudá-lo a tirar aquela mulher voluntariosa e briguenta
da cabeça de uma vez por todas.
Ele aproveitou algumas das prolongadas horas de viagem para
planejar as atividades da semana. Iria deixar seu apartamento preparado
para permanecer seis meses desocupado, resolveria todos os casos
urgentes e pendentes que tivesse na cidade, requisitaria uma
autorização para transportar Cody e depois rumaria de volta à Fazenda
Patton, onde daria início à sua vida como trabalhador rural. Ou caubói,
como dissera Duncan.
Decidiu que também daria um telefonema à aeromoça com quem,
às vezes, costumava sair. Ela adorava jantar em Chinatown e tinha o
agradável hábito de convidá-lo para dividir sua enorme cama de casal
sem esperar, em troca, por um relacionamento duradouro ou propostas
de casamento.
Sim, aquela seria uma boa maneira de satisfazer as necessidades
naturais do corpo, relaxar e readquirir o modo neutro como encarava as
representantes do sexo feminino e a mania que todas elas tinham em
concluir um simples caso amoroso no altar ou perante um Juiz de Paz.
Quando retomasse à fazenda dos Patton, iria também dar um
telefonemazinho a Betsy Newman e tentar fazer dela uma boa
companhia para momentos de diversão e prazer.
Sem mal-entendidos, sem expectativas, sem corações aos
pedaços, sem arrependimentos. Sem compromissos eternos. Sem ter
que acabar dizendo um "sim" no altar da igreja da comunidade, enfim.
Jéssica não fazia idéia de que uma simples semana pudesse
demorar tanto a passar. Acordava todas as manhãs à espera de ouvir
Raitt fazendo barulho no quarto ao lado do seu, e só então voltava a se
dar conta de que ele não estava no casarão. O banheiro que unia os
dois dormitórios, assim como o tempo livre de que dispunha, lhe
pertenciam por completo. Mas isso não parecia fazer lá muita diferença.
Gostaria de ter uma séria conversinha com Dunc a respeito da
insistência com que o velhinho tentava empurrá-la para os braços de
Raitt Marlow, mas nunca conseguia ficar a sós com o avô. Ele e Vangie
não se desgrudavam por um segundo sequer e o romance entre os dois
anciãos ia de vento em popa.
Levou pouco-tempo para que Jéssica finalmente acabasse
admitindo que a simpática velhinha era tudo o que Dunc desejava numa
mulher. E numa esposa. Dia após dia, ficava menos difícil aceitar a
presença alegre de Vangie Marlow no casarão e a inegável influência
positiva que ela vinha exercendo sobre o antes sorumbático viúvo.
Seria uma tolice negar que os velhinhos estivessem verdadeira e
profundamente apaixonados. Aliás, Duncan Patton anunciara o fato com
todos os erres numa noite, após o jantar. Uma medida totalmente
desnecessária, pois a troca de olhares, confidencias e atenções entre o
casal de idosos falava mais do que milhões de palavras.
Uma outra coisa boa naquela semana foi a indiscutível melhora do
machucado no tornozelo dela. Jéssica estava completamente
recuperada da incômoda e dolorosa torção, isso, por si só lhe parecia
um presente dos céus.
No dia em que Raitt deveria chegar, ela entrou no casarão na hora
do almoço e qual não foi a sua surpresa ao descobrir que Dunc e Vangie
empilhavam malas e sacolas no hall de acesso ao corredor.
— Aonde vocês vão?
— San Francisco — respondeu Dunc — Vangie quer que eu
conheça seus amigos e parentes. De lá, seguiremos para Los Angeles, a
fim de que ela conheça os seus pais e a sua irmã.
— Posso saber quando tudo isso foi planejado, vovô?
— Ontem à noite, entre os lençóis da minha cama.
— Vovô!
— E pare de nos olhar com esses olhos arregalados, como se
nunca tivesse ouvido talar de sexo após os sessenta anos de idade. A
relação sexual é um comportamento saudável, natural e relaxante,
sabia? Além de ser também uma atividade bastante divertida, digamos
assim.
— Oh, meu Deus! Se Raitt descobrir, será capaz de...
— É por isso que vamos partir assim que ele chegar. Não agüento
sequer imaginar que Raitt vai ficar o tempo controlando nossas vidas
novamente, indicando quem deve dormir em que quarto e outras
bobagens do tipo. E também não pretendo gastar a minha saliva para
provar a ele que tenho razão no que digo. Afinal, não há crianças por
aqui.
— Mas, e se...
— Ah, ia me esquecendo nada de contar essas "novidades" a ele,
hein, Jessie? Já passei da idade de ouvir sermões.
— Você não pode me deixar aqui, sozinha com um estranho!
— Você precisa ficar uns tempos sozinha com um homem só para
variar, menina. E Raitt é um sujeito decente, responsável, que tem a
cabeça no lugar. Talvez ele consiga colocar um brilho especial nos seus
olhos.
— Como se atreve a insinuar que...
— Estou me referindo ao mesmo tipo de brilho que emana dos
olhos de Vangie quando ela olha para mim, entendeu agora?
Jéssica viu que só estava perdendo tempo e paciência ali. Saiu do
casarão pisando duro, sabendo que ninguém seria capaz de fazer o
velho Duncan Patton mudar de idéia, se o velhinho havia resolvido viajar
com a noiva, e agora companheira da cama, seria mais fácil um elefante
voar do que ele voltar atrás em seus planos. Mas que mil diabos a
carregassem se ela ficasse na varanda, dando adeusinho àqueles dois
desertores! Ah, essa era que não!
Jéssica estava no estábulo, selando Lucille para uma longa
cavalgada pela pradaria, quando os cães puseram-se a latir. Pouco
depois, ela ouvia a caminhonete de Dunc aproximando-se do pátio em
frente à varanda do casarão.
Raitt. Ele estava de volta.
Seu último fio de dúvida dissipou-se assim que ela distinguiu o
ruído da carroceria para transporte de animais, que se acercava da
entrada da estrebaria. Prendendo os arreios na égua, murmurou:
— Prepare-se, Lucille. Acho que teremos novas companhias.
Do lado de fora do estábulo, junto à manjedoura, Teardrop soltou
um relincho mais alto do que o normal. Jéssica não se virou quando Raitt
entrou na estrebaria, seguido de perto pela algazarra dos cães pastores.
Ouviu os passos dele sobre o piso de terra e então Murph ganiu baixinho
para chamar-lhe a atenção. Ela ainda continuava se fazendo de surda,
quando a voz de Raitt ecoou entre as espessas paredes de madeira:
— Estou de volta. Será que ainda tenho um emprego aqui, nesta
fazenda?
— Não, se for inteligente o suficiente para ter mudado de idéia.
— Sentiu saudades de mim?
— Tanto quanto você sentiu de mim.
— Puxa Jess, juro que eu não esperava por uma recepção tão
calorosa!
Jéssica finalmente virou-se. Erguendo a aba do chapéu, encarou-
o e usou de toda a frieza de que foi capaz:
— Não me lembro de fazer parte de nenhum comitê de boas-
vindas.
— Ah, sei. E onde está o tal comitê?
— No casarão, arrumando as malas para uma viagem de
"conheça os meus parentes" a San Francisco e Los Angeles.
— Viagem? De onde saiu essa idéia?
— Pergunte a eles. Eu ia dizer que ambos podem fazer o que
quiserem, pois são maiores de idade e estão no gozo de suas plenas
faculdades mentais, mas isso seria uma incoerência. Afinal, estão é
malucos!
— Eu... eu estou pasmo com essa...
Raitt calou-se, ao ouvir o barulho da porta de um carro se
fechando com força. Jéssica antecipou-se às suas conclusões:
— Me parece que o casalzinho está de partida.
Ele girou sobre os calcanhares e praguejando baixinho, rumou
com passos decididos para a garagem anexa ao casarão onde Dunc
guardava seu velho sedan. Da porta do estábulo, Jéssica viu que Raitt
se aproximava do veículo no momento em que o velhinho fechava o
porta-malas. Os dois homens, então, puseram-se a gesticular e suas
vozes se alteraram. Murph e Muttlev trataram de recolher seus rabos
entre as pernas, como se fossem o alvo da acalorada discussão.
Nesse instante, Vangie saiu do casarão, carregando uma
frasqueira. No momento seguinte, ela e Dunc entraram no carro e o
veículo tomou o caminho para a estrada, deixando Raitt Marlow a
esbravejar furiosamente em meio a uma nuvem de poeira.
Jéssica deu um longo suspiro, sabendo que Raitt devia estar tão
desgostoso e frustrado quanto ela própria estivera durante toda aquela
semana. As constantes e intermináveis sessões de romance entre os
dois velhinhos faziam com que qualquer cristão se sentisse um
incômodo intrometido, um estorvo, um estranho no paraíso. Segurar vela
para o casal de pombinhos tinha sido o mesmo que chegar em traje
social a uma festa do pijama.
Ainda murmurando todos os palavrões e xingamentos que
conhecia, Raitt voltou para a estrebaria. Jéssica balançou a cabeça em
sinal de aprovação:
— É tudo isso e muito mais.
Correndo os dedos nervosamente por entre algumas mechas de
cabelo, ele comentou:
— Não sei, não. Tenho a impressão de que aqueles dois estão se
comportando como se já tivessem dormido juntos. O que você acha?
— Acho que, seja lá o que tenha acontecido entre eles, a verdade
é que ninguém os irá impedir de mais nada daqui para frente.
Jéssica retomou a atenção a Lucille, terminando de atrelar os
arreios e rédeas à égua. Raitt observou-a por alguns instantes, depois
perguntou:
— Aonde tenciona ir com Lucille?
— Até os limites do vale. Ela precisa de exercício e eu tenho que
consertar a cerca.
— Tem que ser agora? Diabos, esta é a pior recepção de uma
viagem que já tive na vida! A começar pela sua indiferença, Jess.
Foi só pronunciar essas palavras e Raitt deu-se conta do quanto
havia sentido a falta dela naquela semana. Passara dias e noites
arrumando o apartamento, pagando contas, organizando compromissos
para uma prolongada ausência de seis meses. E sequer respondera à
mensagem que a tal aeromoça com quem costumava sair havia deixado
na secretária-eletrônica.
O fato era que o tempo tinha voado, e ele perdera longos e
irrecuperáveis momentos pensando na neta de Duncan Patton. Em
troca, ela não se mostrava nem um pouco feliz em revê-lo por aquelas
paragens. Era evidente que não pretendia lhe dar um abraço, muito
menos um beijo, com certeza. Droga! Mil vezes droga!
Sentindo uma certa culpa pela expressão sombria no rosto dele,
Jéssica tratou de ser um pouco mais cordial:
— Se estiver com fome, há pernil e maionese de legumes na
geladeira. Você trouxe Cody?
Perdido em meio à contusão e às caras feias com que fora
recebido, Raitt se esquecera por completo de retirar seu cavalo da
carroceria atrelada à caminhonete de Dunc.
— Trouxe... Trouxe, sim. Há alguma baia vazia para ele?
— Várias. Escolha a que melhor lhe convier.
Ansiosa para partir dali antes que começasse a demonstrar o
quanto estava satisfeita em tê-lo novamente na fazenda, Jéssica levou
Lucille para fora do estábulo e acomodou-se sobre a cela em seu lombo.
Numa tentativa de detê-la por mais alguns instantes, Raitt falou:
— Deixe essa pressa de lado por uns minutinhos e venha
conhecer Cody.
— Irei vê-lo assim que voltar.
— Certo, certo. Se preferir, finja que nunca viu o novo empregado
da fazenda. E que nem desconfia que ele trouxe um cavalo para cá.
Enterrando o chapéu com força na cabeça, ele foi cuidar do
animal. Por que não ficara em San Francisco?
Jéssica estava trocando algumas estacas de madeira da cerca
que demarcava os limites da Fazenda Patton, quando Lucille começou a
relinchar. Um relincho de satisfação, percebeu sua dona, ao ver que
Raitt se aproximava no lombo de Marcus.
Surpresa, Jéssica exalou o ar dos pulmões devagarzinho. Aquela
era a primeira vez que via Raitt cavalgando. Era uma bela imagem: um
vulto elegante e viril, em perfeita harmonia com o galope tranqüilo de um
cavalo a cruzar uma vasta e viçosa pradaria.
Ela quase deixou cair a estaca de madeira que segurava com uma
das mãos. E as palavras que lhe saíram da garganta soaram vacilantes:
— R-Raitt... O que... o que está fazendo aqui?
— Procurando o que fazer. E acertei ao supor que Marcus seria
capaz de encontrar você. Bem, para falar a verdade, meu instinto e a
trilha principal também ajudaram.
— É?
Ele passou a mão pelo longo pescoço do alazão, embrenhando as
pontas dos dedos na pelagem macia. Então comentou, sem tirar os
olhos de Jéssica:
— Este lugar parece muito solitário, apesar da paisagem
magnífica ao redor.
— Uma paisagem magnífica é sempre uma boa companhia. Assim
como Lucille, Muttley e Murph. Nunca me sinto sozinha quando eles
estão por perto.
— A companhia deles é melhor do que a minha?
De repente, a coluna de madeira pareceu pesar uma tonelada e
Jéssica tratou de fincá-la no buraco que havia aberto havia poucos
minutos.
— Estou acostumada a trabalhar sozinha por aqui.
— Você não respondeu à minha pergunta, Jess.
— Eu...
Raitt desmontou, deixando que Marcus fosse para perto do local
onde Lucille pastava sossegadamente. Enquanto calçava o par de luvas
que tirara do bolso do jeans, voltou a insistir:
— Eles são melhores companhias do que eu?
— Raitt, você sabe muito bem que não concordei com a oferta de
trabalho que o meu avô lhe fez.
— Vamos deixar algumas coisas bem claras, sim? Se realmente
não tem o mínimo interesse por mim, então também não tenho o mínimo
interesse por você. Se tiver, então é possível que eu também tenha. Em
ambos os casos, contudo, vou sobreviver.
— Você estaria bem melhor na cidade, trabalhando no serviço de
escritório que o seu superior lhe ofereceu. Se tivesse aceitado aquela
proposta, meu avô e Vangie nunca teriam inventado a tal viagem e me
deixado aqui, sozinha. Mas, sabendo que você estaria na fazenda, os
dois não hesitaram em arrumar as malas e partir.
— Diabos, Jess! Não posso ser culpado por estar necessitando de
um emprego ou por ter aceitado o emprego de que precisava.
— Não foi isso o que eu disse.
— Seja sincera: não está nem um pouco feliz em ter diante de si o
único ser humano num raio de vinte quilômetros?
— Dai-me paciência, Senhor... Olhe, meu avô contratou-o para
trabalhar, não foi? Se você veio até aqui à procura de serviço, ocupe-se
em trocar as estacas de madeira apodrecidas.
— Posso muito bem ver o que precisa ser feito, sem que ninguém
fique chamando a minha atenção.
— Pois então, faça.
— E o que é necessário para que eu consiga respeito e admiração
pelas tarefas executadas? Jornada de trabalho dupla?
— Meu avô sempre diz que um serviço bem-feito merece respeito
e admiração por si mesmo.
— Então vou trabalhar normalmente aqui e redobrar meus
esforços em outra tarefa.
— Outra tarefa?
— Sim. Tentar quebrar a resistência que você tem quanto à nossa
atração mútua.
— Não gaste o seu latim, Raitt. Faz dez anos que aprendi a não
cair na conversa fiada dos empregados temporários desta fazenda. Bob
foi um excelente professor.
— Dez anos. Não acha que é tempo demais para que um corpo
tão bonito fique sem os carinhos de um homem?
— Ora, por que não se ocupa em...
Antes que ela terminasse, Raitt apanhou a pá que estava sobre a
cerca de arame farpado, dizendo:
— Segure o esteio de madeira no lugar, enquanto encho o buraco
com terra.
Jéssica fez como ele havia orientado, mas não conseguiu ficar
calada por muito tempo:
— Não estou nem um pouco preocupada com o fato de dormir
sozinha. Continuo a mesma garota sem graça e sem atrativos de dez
anos atrás. E, com certeza, não faço parte das fantasias eróticas de
homem nenhum. Quem sonha comigo, só pode ter pesadelos.
Pisando com força sobre a terra que havia jogado sobre o buraco,
Raitt não escondeu que começava a perder a paciência com aquela
mulher obstinada:
— Posso saber quem foi que meteu essas idéias estapafúrdias na
sua cabeça? "Sem graça e sem atrativos"... Ora, faça-me o favor! Não
tem vergonha de viver afirmando ou insinuando tamanha besteira?
— Não é besteira!
— É, sim! Uma besteira, um absurdo, uma mentira! Você não quer
aceitar o fato de ser bonita, porque isso iria lhe causar problemas com os
homens, como já causou com o pateta do Bobo Croquete! E se você
fosse verde e tivesse antenas na cabeça? É só a aparência, que conta,
Jess? E a beleza interna? E as qualidades que você tem? E a paixão e o
desejo femininos que ardem no seu íntimo?
Atordoada com as palavras sedutoras dele, Jéssica soltou a
estaca e ordenou a si mesma que não desse ouvidos àquele belo
discurso. Raitt tinha pena dela. Ou então queria apenas levá-la para a
cama, como Bob fizera.
Oh, que situação. Raitt Marlow era o homem de seus sonhos. Mas
deixá-lo saber o quanto ansiava por seus beijos e carícias seria conferir-
lhe um poder do qual ele poderia lançar mão para dominá-la.
Ele tirou uma das luvas e tomou-lhe a mão trêmula.
— Me responda, Jess. Diga alguma coisa.
— Me solte, sim?
Em vez disso, Raitt puxou-a para junto de si. Levantou-lhe a aba
do chapéu para melhor lhe admirar os olhos e viu que eles haviam
adquirido uma tonalidade mais escura, um tom de verde que parecia
reproduzir a incandescente fulguração de preciosíssimas esmeraldas. A
curta convivência com Jéssica lhe ensinara que aquele era um sinal de
braveza ou paixão.
— Jess, tenho certeza de que iríamos nos entender muito bem se
você permitisse que...
Incapaz de prosseguir com palavras, usou de um beijo repleto de
desejo para convencê-la. Seus lábios se uniram e Jéssica sentiu-lhe a
língua esfomeada a procurar a sua, ao mesmo tempo que ele a
estreitava de encontro ao peito. Os corpos ávidos também se uniram,
moldando-se numa perfeição que ela desconhecia até então: seus seios
colados ao tórax forte, os ventres se tocando, os sexos se roçando num
carinho guloso, as coxas muito juntas.
Raitt lhe acariciava o contorno do rosto com as pontas dos dedos,
com a mão enluvada cravada em sua nádega, tornava o contato de
ambos ainda mais íntimo. Jéssica agarrou-se a ele, prendendo os braços
ao redor do pescoço a fim de lhe afagar os cabelos e as costas.
Enquanto isso, o fogo abrasador da paixão tomava conta de suas
entranhas, acelerando-lhe o coração e fazendo com que o ar lhe
faltasse.
— Droga, Raitt...
— Não me importo com suas reclamações, pimentinha. Pode me
amaldiçoar o quanto quiser desde que continue a me beijar
apaixonadamente.
Raitt voltou a cobrir-lhe os lábios com os seus, sufocando-lhe os
suspiros cheios de desejo. Com a mão nua, tomou-lhe um dos seios e
pôs-se a acariciá-lo por sobre a blusa, para depois enfiá-la através dos
botões que havia aberto, sentindo-lhe a pele ardente e um mamilo já
túmido de excitação.
Jéssica sentia-se derreter nos braços dele.
— Raitt... Raitt, por favor... Por favor, você está me fazendo...
— Estou fazendo com que deseje o que eu também desejo tanto.
Ofegante, ela abaixou a cabeça e viu os longos dedos que lhe
prendiam o bico do seio, massageando-o em excruciantes movimentos
circulares. Fechou então os olhos, experimentando a deliciosa sensação
de sentir-se bela, feminina, desejável.
Nesse instante, todos os músculos de seu corpo se retesaram.
Mas não por causa do desejo que a consumia. Jéssica ficara paralisada
com a simples constatação de que seria impossível resistir aos carinhos
de Raitt Marlow por muito tempo. A paixão que aquele homem lhe
despertava, violenta e irrefletida, acabaria por fazer com que ela caísse
na armadilha. Outra vez.
Com um safanão, livrou-se do abraço e das carícias dele. Virando-
lhe as costas enquanto abotoava a blusa, falou no habitual tom de
rispidez:
— Me deixe em paz, caubói.
— Mas... O que... O que foi que...
— Não me toque novamente. Nunca mais. Você deixou de ser
uma visita nesta fazenda, agora trabalha aqui, como os outros ajudantes
que meu avô já teve.
Pego de surpresa por aquele rude gesto de rejeição, Raitt
apanhou o chapéu que jogara ao chão e voltou a colocá-lo sobre a
cabeça. As abas largas impediam que Jéssica visse o brilho de dor e
frustração que ele tinha nos olhos.
— Pelo que seu avô me contou, um dos ajudantes fez mais do
que simplesmente trabalhar aqui.
— Bob foi uma exceção e meu avô não tinha o direito dê lhe falar
a respeito da minha vida pessoal.
Ela fez menção de caminhar para junto de Lucille, mas Raitt a
impediu com a voz nitidamente alterada:
— Espere aí, mocinha!
— O que foi?
— Quais são as outras regras a que devo obedecer, além de não
tocar em você?
— Os trabalhadores temporários que vêm para esta fazenda
dormem no quarto nos fundos da garagem. Há cama, chuveiro e
instalações sanitárias lá.
— E quanto às refeições?
— Farei o café da manhã e o jantar. O almoço será colocado
numa marmita térmica, que você trará consigo até que todas as estacas
apodrecidas da cerca tenham sido trocadas.
— Vou trabalhar sozinho aqui?
— Tenho outras coisas para fazer, Raitt. Suas folgas serão aos
sábados e domingos. Você pode utilizar tudo de que necessitar no
casarão, inclusive a máquina de lavar roupa e a secadora. E pode
assistir à televisão até a hora que quiser.
— Em outras palavras: você manda, eu obedeço.
— Na ausência do meu avô, sou eu quem organiza e controla todo
o serviço. E tudo o que acabei de lhe dizer se aplica a qualquer pessoa
que venha trabalhar conosco.
— Seja feita a sua vontade, patroa. Nunca mais vou desabotoar a
sua blusa, a menos que você me peça para lhe fazer esse favor. Será
que vai pedir?
Ansiosa por escapar do brilho sugestivo que agora iluminava os
olhos de Raitt, ela correu a montar Lucille. Mesmo assim, ainda
encontrou coragem para mais uma provocação:
— Vou deixar a cerca ao seu encargo, Raitt. Seja razoável com o
horário em que encerrar suas atividades: nem cedo demais, nem tarde
demais.
— A que horas serão servidos o café da manhã e o jantar?
— Procure-os no forno, nos horários convencionais.
Assim que Jéssica mostrou a Lucille o caminho a seguir, ouviu a
voz dele às suas costas, num tom entre irônico e malicioso:
— Quando estiver cansada de jantar sozinha, venha procurar pela
sobremesa no quarto nos fundos da garagem.
CAPÍTULO IX
A princípio, Raitt resolveu que não iria cortejar Jéssica a fim de
fazê-la mudar de idéia. Aliás, namoricos eram a última coisa que lhe
passava pela cabeça quando teve que saborear seu primeiro jantar
completamente só. E nem mesmo lhe ocorreu ir à procura dela antes de
se deitar. Fulo da vida, engoliu a raiva e rumou para o quartinho nos
fundos da garagem sem que, nenhum pensamento lascivo sequer
ousasse incomodá-lo.
Na manhã seguinte, porém, a poeira começava a assentar. E,
após fazer um insosso desjejum requentado tendo a si mesmo como
companhia, deixou um bilhete para Jéssica sobre a mesa da cozinha:
“Por um motivo ou por outro, creio que nós dois saímos um pouco
da linha ontem. Vamos ser amigos, OK? Apenas amigos. Raitt”.
Encontrou-a pouco depois trabalhando no telhado do estábulo,
quando foi selar Cody. Deixando o cantil com água gelada e a marmita
térmica que ela havia lhe preparado aos pés da escada onde Murph e
Muttlev davam uma cochilada, advertiu-os:
— E nem pensem em cair na farra com o meu almoço, certo?
Raitt subiu a escada que estava apoiada no beirada da estrebaria.
Próximo ao último degrau, e teve uma visão panorâmica e privilegiada
do traseiro arredondado de Jéssica Patton, moldado com perfeição pelo
surrado jeans que ela usava. E gostou muito do que viu.
Sem saber se ela ainda não havia percebido de sua chegada ou
se simplesmente ignorava sua presença, parou no último degrau da
escada e pigarreou.
Ao vê-la escorregar por duas ou três telhas devido à surpresa,
Raitt foi logo dizendo:
— Me desculpe. Eu não queria assustá-la.
— Do que você está precisando com tanta urgência, que sequer
pode me esperar lá embaixo?
— Dos cachorros. Se importa se eu levar Muttlev e Murph para me
fazerem companhia, enquanto conserto a cerca?
Voltando a martelar pregos sobre algumas telhas soltas, ela
respondeu:
— Se eles quiserem... Não vou precisar dos cães hoje.
— Está bem. Até mais, então.
Ele fez menção de descer, mas parou antes de apoiar o pé no
degrau inferior. Sem dar-se conta de que Raitt estava de olho no seu
derrière, Jéssica não escondeu a impaciência:
— O que está esperando?
— Já estou indo... Você levantou mais cedo do que de costume
hoje, não foi?
— Nunca ouviu dizer que "Deus ajuda a quem cedo madruga"? Já
dei água e comida para os cavalos, inclusive Cody. Os outros-estão
soltos, mas ele está na estrebaria, à sua espera.
— Obrigado. Trocou o feno das baias também?
— Sim. O seu trabalho é na cerca. E não a deixe esperando.
— É você quem manda, chefona.
Raitt ajeitou o chapéu sobre a cabeça, deu uma última olhada na
visão panorâmica e desceu pela escada.
No interior do estábulo, cumprimentou o bom e velho Cody:
— E então, amigão? Nada mal para umas feriazinhas de seis
meses, não é? Os outros cavalos estão tratando você melhor do que a
chefe está me tratando?
Cody roçou o narigão de encontro ao braço do dono. Acariciando-
lhe uma das vigilantes orelhas, Raitt murmurou:
— É, não há meninos de rua para cuidarmos por aqui. Eu também
sinto falta deles, sabia? Ainda bem que pelo menos você veio para cá,
não é?
Jéssica deu uma espiadela para dentro, através do buraco
deixado pelo deslocamento de uma telha. Então viu Raitt passando a
mão carinhosamente pelo dorso do imponente garanhão, verificando-lhe
a pelagem, os músculos, os tendões. Ela, que também adorava seus
cavalos e os examinava com cuidado todas as manhãs, entendia muito
bem aquela relação de amizade e respeito entre homem e animal.
De repente, pegou-se sentindo uma certa inveja de Cody. Mas mal
teve tempo para reprimir o sentimento absurdo, pois, quando se
apercebeu, Raitt olhava na sua direção. Na certa, ficara intrigado ao
notar que o barulho das marteladas havia cessado.
— Jess? Está tudo bem aí em cima?
— Sim... Está, sim.
E então ela voltou a martelar os pregos com uma força
absolutamente desnecessária.
Minutos depois, Raitt deixava a estrebaria no lombo de Cody.
Jéssica tentou não admirar a cena. Em vão. Não conseguia despregar
os olhos da silhueta máscula sobre a sela, seus ombros largos, os
músculos fortes das coxas de encontro aos flancos do cavalo, as costas
largas e bem-feitas. Murph e Muttley abriam caminho pela trilha,
seguidos pelo elegante trotar de Cody.
Subitamente, foi invadida por uma estranha sensação da mais
pura solidão.
E seu repentino mal-estar só desapareceu quando, por volta do
meio-dia, ela deu-se conta de que Raitt havia esquecido seu almoço ao
pé da escada.
Após certificar-se de que o sol estava a pino, Raitt deu uma
olhada no relógio de pulso. Será que Jess lhe levaria o almoço? Ou teria
desconfiado de que ele largara o cantil e a marmita à entrada do
estábulo de propósito e o deixaria passando fome como forma de
punição? Será que já teria lido o bilhete que ele colocara sobre a mesa
da cozinha? Teria concordado com a proposta ou simplesmente atirado o
pedacinho de papel no cesto do lixo?
Seu estômago queixou-se do vazio. Talvez fosse melhor vestir
novamente a camiseta, retornar ao casarão e comer alguma coisa, antes
que desmaiasse de fome e sede sob aquele sol impiedoso.
Foi então que Cody, que pastava mansamente a alguns metros de
distância, ergueu a cabeça e moveu as orelhas em sinal de alerta.
Muttley e Murph, que tiravam uma soneca sob a copa de um pinheiro,
colocaram-se sobre as quatro patas no instante seguinte, antes que Raitt
pudesse piscar duas vezes, os cães puseram-se a abanar as caudas e
ganir em sinal de boas-vindas. Mais um instante e ele ouviu o assobio
com que Jess costumava saudar seus cachorros.O almoço acabava de
chegar.
Assim que Jéssica se aproximou da cerca, viu que Raitt estava
trocando uma das colunas de madeira deterioradas pelo tempo. Reparou
também que ele fizera inegáveis progressos na substituição das estacas,
aliás, bem mais do que poderia ter imaginado. Em algumas horas, Raitt
executara o serviço que ela levaria um dia ou mais para concluir.
Mas o que mais lhe chamava a atenção era o fato de ele ainda
não ter se percebido de que esquecera sua refeição à porta da
estrebaria. Será que não sentia um pingo de sede, suado como estava
debaixo daquele sol tórrido?
Conduzindo Speed para junto da cerca, Jéssica lhe entregou a
marmita e o cantil, perguntando:
— Todos os cavalarianos da Guarda Montada de San Francisco
são distraídos como você?
Ele fingiu surpresa e embaraço ao mesmo tempo:
— Oh, esqueci o meu almoço? Que cabeça, me desculpe.
— Trate de não esquecê-lo amanhã. Não posso passar o tempo
todo correndo atrás de você.
Raitt tirou as luvas de couro e, colocando seu almoço ao lado da
cerca, olhou fundo nos olhos dela.
— Obrigado, Jess. Não precisava ter tido o trabalho.
— Bem. Seja como for, Speed precisava se exercitar um pouco.
— Me faz companhia para o almoço?
— Eu já almocei. Mas acho que um descanso não faria mal a
Speed.
Ignorando a contradição da desculpa esfarrapada, Jéssica saltou
do cavalo e acompanhou Raitt até a sombra de um alto pinheiro, onde
ele acomodou-se sobre o solo forrado por pinhas secas e folhas
aciculadas. Encostando-se no tronco da alta árvore, resolveu ser
amável:
— Vi o seu bilhete, Raitt.
— E?
— "Apenas amigos" faz sentido, tendo em vista a nossa situação.
Raitt ergueu o cantil antes de tomar um gole e declarar:
— Um brinde à nossa amizade!
Ele levou o cantil novamente aos lábios e, dessa vez, tomou
quase toda a água gelada numa só golada. Jéssica ficou observando-o
em silêncio e não pôde deixar de reparar que seu peito nu estava todo
coberto de suor. Será que Raitt Marlow usava do mesmo empenho em
suas atividades sexuais?
Bem, iria ser um bocado complicado levar aquele relacionamento
na base do "apenas amigos", se pusesse a imaginar como seria fazer
amor com aquele homem.
Ele deu uma dentada faminta em seu sanduíche de rosbife. Pouco
depois, uma exclamação de puro deleite escapava-lhe da garganta:
— Deus do céu, que delícia!
— A receita é da minha avó Lizbeth. O segredo está no molho de
alho e mostarda.
— Hum.
— Vou fazer rosbife mais vezes, já que você gostou tanto.
Esboçando um sorriso de apreciação, Raitt apontou um lugar ao
seu lado.
— Sente-se e descanse um pouquinho. Assim, poderá me contar
mais coisas a respeito da sua avó.
Hesitante, Jéssica acomodou-se a mais de metro do local que ele
havia indicado.
— Vovó sabia fazer qualquer coisa: cozinhar, costurar, galopar
pelas encostas mais escarpadas, cuidar do gado e também fazer do meu
avô o homem mais feliz do mundo.
Atacando o sanduíche com voracidade, ele incentivou-a:
— Continue, Jess.
— Ela era uma pessoa admirável. Jamais demonstrou um pingo
de preguiça e se interessava por tudo.
— Como a neta dela, então?
— Ah, não. Não tenho metade da fibra da minha avó. Sei seguir
as receitas culinárias dela, mas sou incapaz de criar as minhas; sei
costurar, mas jamais conseguiria fazer um bordado como aquele na
minha blusa de seda.
— Você é uma mulher extremamente capaz e talentosa, Jess.
Acredite no que lhe digo.
— Obrigada. Você também é muito capaz. Substituiu uma grande
série de colunas da cerca num tempo recorde.
— Agradeço o cumprimento, embora tenha que admitir que estarei
com o corpo todo dolorido no fim do dia. Costumo me exercitar na
academia de ginástica da guarnição onde trabalho, ou trabalhava, só
que num ritmo muito mais moderado.
— Como foi a sua semana?
— Coisas de se esperar: limpei a geladeira, deixei o apartamento
arrumado, avisei ao síndico que ficaria fora por seis meses, pedi ao
banco que debitasse despesas da minha conta corrente, visitei alguns
dos meus amiguinhos de rua.
— Como são eles?
— Por fora, duros como pedra; no íntimo, porém, se derretem com
um pouco de atenção e carinho. Sabe, Cody foi uma espécie de ponte
para que eu conseguisse me aproximar deles. Os garotos gostam de
animais e um cavalo vistoso pode ser um ótimo meio para se puxar
conversa.
— Sempre imaginei que os policiais da Guarda Montada fossem
mais pose do que sentimentos. Afinal, estão sempre nas áreas de
atrações turísticas.
— Você deve ter em mente os guardas da unidade federal que
vigiam a região de Cais dos Pescadores-Embarcadero. A minha divisão
trabalha dentro dos limites urbanos, na zona do Parque Golden Gate,
mas às vezes temos que nos deslocar para regiões como Lago Merced,
Parque Dolores e arredores. Fazemos também rondas de segurança à
população e prevenção de acidentes em locais de grandes
aglomerações.
— Já prendeu muitos criminosos em batidas policiais?
— Vários. Detenções e citações são uma rotina no meu serviço.
Agora, vou lhe contar uma coisa incrível: enquanto estive em San
Francisco durante a semana, participei de uma rodada de pôquer com
alguns amigos da corporação e todas as apostas, ínfimas para não dizer
ridículas, foram feitas em centavos, pois ninguém tinha cédulas nas
carteiras. Que situação. É ficar absolutamente "duro" ou ficar
datilografando formulários numa repartição qualquer.
— Se tivesse aceitado o trabalho atrás de uma escrivaninha, seu
corpo não iria estar todo dolorido esta noite.
— Pois prefiro ficar moído de cansaço de tanto trocar colunas de
madeira de uma cerca de arame farpado!
— Eu não quis ser indelicada.
— Mesmo que você não me queira por aqui, vou fazer por
merecer cada tostão que Dunc me pagar. Pode acreditar no que digo.
Observando para a quantidade de estacas apodrecidas
amontoadas num canto da cerca, Jéssica teve certeza de que Raitt
falava a verdade. Virando o rosto, ela fixou o olhar em Cody e Speed,
que mastigavam grandes quantidades de relva em suas enormes bocas.
Incomodada com o silêncio que se instalara nas redondezas, gritou para
seu cavalo:
— Ei, Speed! Pare de comer ou vai ficar gordo como um
hipopótamo!
Raitt seguiu-lhe o exemplo:
— E você também, Cody! Não queremos cavalos balofos por aqui!
Assim que Raitt deu a primeira mordida na maçã que Jéssica lhe
levara junto com o almoço, ela levantou-se e limpou a folhagem das
roupas, dizendo:
— Bem, é melhor eu ir andando. Ainda tenho muito o que fazer.
— Esta noite vou encontrar jantar para um no forno novamente?
— Ha... Olhe, vovô e eu costumamos levar nossos pratos para a
sala de estar e jantamos assistindo aos noticiários da tevê. Se a idéia o
agrada.
— Agrada, sim. O que teremos para a sobremesa?
— Pudim de ameixa, salada de frutas ou sorvete de creme. O que
prefere?
— Sou louco por sorvete.
— OK. Sorvete de creme, então.
— Grande!
Ela já estava junto a Speed quando uma idéia, a princípio
absurda, lhe ocorreu. Mas antes que tivesse tempo para censurar-se, as
palavras lhe saíram de um só fôlego:
— Pode usar o quarto do meu avô, enquanto ele estiver fora.
— Mesmo? Puxa... Obrigado, Jess.
— Até às seis, Raitt.
— Pode me esperar.
Jéssica montou em seu cavalo e afastou-se sem ao menos um
olharzinho de despedida. As coisas fugiam de seu controle e estavam
bem piores do que pudera supor. Se Raitt soubesse o que estava se
passando... Se ao menos desconfiasse de que ela começava a se
apaixonar pelo empregado temporário que seu avô havia contratado...
Pelo restante da semana, Raitt encontrou uma boa dose de
satisfação ao dissimular uma desinteressada amizade por Jéssica
Patton. Bem menos satisfatório, porém, era dormir absolutamente
sozinho na imensa cama de casal de Dunc. O quarto do velhinho ficava
a uma razoável distância do de sua neta e, por inúmeras vezes, Raitt
flagrou-se fantasiando um sensual "ataque" noturno ao dormitório que
ela ocupava.
Invariavelmente, acordava com o membro ereto de desejo e
punha-se a imaginar um erótico banho na companhia de Jéssica. À
distância que agora se encontrava do quarto dela, mal podia ouvir o
barulho do chuveiro, mas visualizava na mente cenas excitantes em que
a água morna escorria com languidez sobre seus corpos nus, enquanto
ele ensaboava um par de seios rotundos e empinados.
A frustração era tão intensa que, por mais de uma vez, cogitou de
retomar a San Francisco e dedicar-se de corpo e alma ao enfadonho
trabalho burocrático numa repartição pública. Em outras ocasiões,
rezava para que Dunc e Vangie chegassem de repente, o que colocaria
um fim às suas agoniantes expectativas.
Pior do que tudo isso era o comportamento de Jéssica. Embora o
tratasse com cordial distanciamento, alguma coisa em suas atitudes e
expressões o fazia desconfiar de que ela também achava que uma
simples amizade não era o suficiente para ambos.
Raitt queria algo mais do que aquele relacionamento cortes.
Algo mais, mas nada de muito sério, que pudesse significar um
compromisso sólido ou irretratável.
Cinco dias após a tumultuada partida de Dunc e Vángie, Jéssica
estava na cozinha, preparando o café da manhã ao mesmo tempo em
que lutava contra pensamentos turbulentos e repletos de erotismo em
relação a Raitt Marlow.
Ele não demorou a aparecer, seguido por Muttley e Muiph.
Cumprimentou-a com a naturalidade de sempre, serviu-se de um
cafezinho sem açúcar e acomodou-se à mesa, com os dois cães a seus
pés.
Jéssica, então, comentou:
— Você se levantou cedo hoje. Esqueceu que é seu dia de folga?
— Folga? Hoje já é sábado?
— Sim, senhor. E a maior parte do pessoal que trabalha em
caráter temporário nas fazendas desta região some na sexta-feira à
noite, para só retomar aos seus postos na manhã de segunda.
— O que esse pessoal costuma fazer nos fins de semana?
Pescar?
— Às vezes.
— Dunc mencionou um lago, aqui por perto.
— O Moming Glory, com certeza.
— É, acho que foi isso o que ele disse. Você não gostaria de ir até
lá, Jess? Pescar é uma boa fôrma de relaxar o corpo e descansar a
mente.
— Prefere panquecas de queijo ou ovos mexidos?
— Se não quiser ir pescar comigo, é só dizer.
Colocando as panquecas em banho-maria e retirando alguns ovos
da geladeira, ela falou a primeira coisa que lhe ocorreu:
— Tenho muito o que fazer hoje.
— Por exemplo?
— Bem, tenho que... que... As panquecas ou os ovos, Raitt?
— Os dois. Diabos!
— Que fome, hein?
A observação bem-humorada não teve o efeito desejado: trazer
um sorriso aos lábios crispados de Raitt. Apanhando o exemplar dá
Gazeta Rural que estava sobre a mesa, ele murmurou num tom
provocativo:
— Por que não fui até a cidade ontem à noite, convidar Betsy
Newman para um passeio?
Jéssica mordeu o lábio. Então ele não havia esquecido a
estonteante loira. Louca de raiva, sugeriu:
— Por que não telefona para ela? Aposto que Betsy nunca
recusaria um convite seu para ir pescar.
— E por que você recusou?
Sem perceber que Raitt a observava por cima do jornal, ela fez um
barulhão danado ao apanhar uma frigideira no armário embaixo da pia e
só faltou atirá-la sobre o fogão. Dobrando o jornal na página de esportes,
ele insistiu:
— O que há de mal numa saudável e tranqüila pescaria na minha
companhia?
— Nada. Mas não gosto de saber que fui convidada por uma mera
conveniência sua.
— Conveniência? Como assim?
— Você quer ir pescar e não sabe o caminho até o lago Morning
Glory. Eu sei. Você não tem equipamento para pesca. Eu tenho. Muito
conveniente, não?
Raitt levantou-se e jogou o jornal longe.
— Diga mais alguma bobagem que desmereça a mim ou a você
mesma e vou esquecer que combinamos ser amigos, Jess.
— Eu já disse que...
— Betsy Newman é a única "conveniência" que conheço por estas
paragens e não tenho o menor interesse em usufruir dela. Se tivesse,
estaria na cidade neste exato momento, na cama que Betsy vive
oferecendo a quem quer que vista um par de calças.
— Por que mencionou o nome dela, então?
— Porque você me deu um fora e eu fiquei louco da vida, dona
Jéssica Patton. O que queria que eu fizesse? Agradecesse você por ter
me tratado feito um saco de lixo?
— Não foi isso o que eu...
— Foi, sim! E é por essa e por outras que faz dez anos que você
não tem um namorado! Quem seria o louco de pedi-la em namoro,
sabendo correr o risco de levar uma bela frigideirada na cabeça como
resposta?
As lágrimas afloraram aos olhos de Jéssica antes que ela tivesse
tempo para reprimi-las. As palavras de Raitt doíam como uma bofetada,
mas eram verdadeiras. Dez anos, dez longos e solitários anos sem
ninguém, absolutamente ninguém.
De repente, era como se a última década adquirisse vida e
ameaçasse sufocá-la com mãos frias e poderosas. Jéssica sentiu-se
jogada num beco sem saída, sombrio e assustador, de onde não tinha
como escapar.
Raitt percebeu que ela chorava e teve ódio de si mesmo pelo que
acabara de fazer. Sem hesitar, aproximou-se rapidamente e colocou as
mãos em seus ombros, tentando confortá-la:
— Me desculpe, Jess. Oh, pelo amor de Deus, me desculpe! Acho
que levantei da cama com o pé esquerdo hoje.
Ela lutava contra os soluços e Raitt deu-se conta do quanto lhe
era difícil mostrar-se assim, tão frágil e desamparada. Briguenta e
voluntariosa, Jess era como os meninos de rua com os quais ele
costumava lidar: independentes nas atitudes e na aparência, mas
carentes e vulneráveis como qualquer criança.
Enxugando-lhe as lágrimas com as pontas dos dedos, Raitt
ofereceu:
— Vou lhe servir um pouquinho de café com bastante açúcar, está
bem?
— Está.
Ele entregou-lhe um guardanapo de papel e, colocando o
cafezinho sobre a mesa, disse:
— Venha sentar-se, Jess. O café da manhã pode esperar.
Jogando-se sobre a cadeira que Raitt lhe apontava, ela falou num
fio de voz:
— Como posso ser tão boba? Eu nunca choro. Pode perguntar ao
meu avô, se não acreditar em mim.
— Acredito, sim. Sei que você nunca chora, que nunca se vê
como a bela mulher que é, que nunca se imagina como uma companhia
gostosa e agradável. E eu queria muito que fosse pescar comigo, sabia?
Meu convite foi absolutamente sincero e desinteressado, juro.
— Você não é um homem muito sensato, Raitt.
— Não? Por quê?
— Betsy Newman é loira, charmosa, bonita...
— E usa isso sem o menor escrúpulo. Você, por outro lado, vive
negando o próprio charme e beleza, como se fossem um castigo. Às
vezes seu comportamento me faz lembrar de Tim Waverly, um dos meus
meninos de rua.
— Eu o faço lembrar-se de um menino de rua? Que atraente que
sou!
Raitt sentou-se ao lado dela e tomou-lhe uma das mãos entre as
suas.
— Nada de ironias, Jess. Você sequer sabe ao que eu estava me
referindo quando mencionei Tim. Mas o fato é que, como você, ele é um
grande garoto e se julga um traste imprestável. Por isso, andei
pensando...
— No quê?
— Bem... Você e Dunc trazem cavalos selvagens para a fazenda
e, aos poucos, vão tratando de amansá-los, não é? O que acha de
proporcionar a um menino problemático a chance de passar alguns dias
numa fazenda tranqüila? Tim iria adorar cavalgar e também executar
algumas das tarefas que temos por aqui, isso lhe mostraria que há
outras opções de vida, além de vagar à toa pelas ruas da cidade. E é
claro que eu custearia todas as despesas extras que a presença dele
pudesse trazer.
A idéia agradou Jéssica. E o fato de conhecer um pouco mais a
respeito do lado humano e caridoso do caráter de Raitt Marlow a fazia
sentir-se ainda mais ligada afetivamente a ele.
— Seria muito bom, más vovô tem que dar o seu consentimento.
Por que não telefona para ele, na casa de Vangie?
— Não sei. Já ligamos tantas vezes durante a semana, mas eles
nunca atendem. Vai ver que sequer têm saído do quarto da minha avó.
— Não custa tentar mais uma vez, Raitt.
Ele tirou o fone do gancho e fez uma careta, enquanto discava o
número da casa de Vangie. Então suas sobrancelhas se ergueram,
quando alguém finalmente respondeu do outro lado da linha.
— Dunc, seu velhinho descarado! Sim, se eu... Está tudo bem por
aqui, sim. Não, quero falar primeiro com você.
Jéssica sorvia seu café devagarinho, enquanto ouvia Raitt explicar
o motivo pelo qual havia ligado para a casa da avó.
— Achei que seria melhor Tim Waverly vir primeiro. Ele tem treze
anos e mora numa vaga que lhe consegui numa espécie de albergue.
Tenho medo de que, longe das minhas vistas, o garoto possa se sentir
tentado a voltar para as ruas. Jess aprovou a idéia. E então, o que me
diz? Duncan ficou eufórico:
— Grande! Vangie e eu podemos levá-lo conosco, quando
retornarmos à fazenda na semana que vem.
— Obrigado, Dunc. Enquanto isso, vou verificar quais são as
formalidades legais para que ele possa deixar o albergue por algum
tempo.
Vangie fez questão de falar com o neto e Jéssica serviu-se de
mais um pouco de café. Assim que desligou o telefone, Raitt correu para
junto dela e voltou a tomar-lhe as mãos entre as suas.
— Que coisa boa, Jess! Mais alguns telefonemas e acho que
teremos uma ótima novidade para comemorar!
— Oh, Raitt! Estou me sentindo tão bem! Até já me esqueci que,
há instantes, estava chorando feito um bezerro desmamado!
— E eu estou muito feliz por ver esse sorriso espontâneo iluminar
seu rosto de menininha!
Encabulada, ela baixou a cabeça e pôs-se a acariciar as orelhas
de Muttley e Murph, que também pareciam empolgados com a súbita
animação que tomara conta do ambiente.
Raitt ocupou-se com mais duas chamadas telefônicas e, quando
finalizou as ligações, seu sorriso ia de orelha a orelha. Contagiada pelo
entusiasmo dele, Jéssica sentiu o coração aos saltos ante a perspectiva
de que uns dias na Fazenda Patton poderiam mudar drasticamente o
rumo da vida de um menino de rua.
Exultante, Raitt tomou-a nos braços e pôs-se a dançar pela
cozinha.
— Precisamos celebrar um acontecimento tão importante, Jess!
Ela lhe passou os braços ao redor do pescoço e deixou-se levar pela
contagiante empolgação. Estava tão contente, que chegou a imaginar
que dançava com o homem de sua vida num grandioso salão
recendendo a flores, onde só havia os dois, envoltos por um clima de
poderosos romantismo e sensualidade, Quando, enfim, a colocou no
chão, Raitt murmurou-lhe ao ouvido:
— Ah, querida... Ah, minha pimentinha!
Seus lábios tocaram-lhe o lóbulo da orelha e depois traçaram um
percurso insinuante ao longo do pescoço, até alcançaram-lhe o queixo
arredondado. Ela sentiu-se zonza, incapaz de controlar a vontade de
enfiar os dedos por entre as espessas mechas de cabejos dourados.
— Raitt... Raitt...
No instante seguinte os lábios de Jéssica procuravam os dele,
num convite à ávida língua masculina para que acariciasse a sua, não
menos gulosa. Naquele momento, era lhe impossível continuar
ocultando a paixão e o desejo que a tinham torturado durante toda a
semana.
Raitt apertou-a com força contra si e ela pôde sentir-lhe o volume
do membro já ereto. Encantada com a maravilhosa sensação de ver se
tão ardentemente desejada, abraçou-o com infinita ternura e pôs-se a
saborear o suave gosto da boca sôfrega, que parecia querer engoli-la
por inteiro. A língua de Raitt movimentava-se com furiosa intensidade de
encontro à sua, transmitindo-lhe um desejo que só encontrava sinulitude
no tórrido calor que lhe brotava no meio das coxas.
As mãos deles começaram a vagar por suas costas, descrevendo
desenhos repletos de insinuações. Ao mesmo tempo, Raitt apertava-a
de encontro ao corpo com fogosa veemência, fazendo com que seus
sexos se tocassem num encontro abrasador. Levando a boca junto a um
dos seios de Jéssica, ele o mordiscou por sobre o tecido da camiseta
que ela usava e depois murmurou:
— Não me faça parar agora, por favor...
— Não, não farei... Eu o quero... Eu o desejo muito...
— Mesmo?
— Mesmo.
— Sem compromissos pelo resto da vida, Jess?
— Sim... Como você quiser...
— Ah, querida... Também a desejo tanto!
Raitt apoiou-lhe o corpo de encontro à mesa. Jéssica colocou as
mãos sobre seus ombros, maravilhada ao vê-lo erguer-lhe a camiseta e
tomar entre os lábios um mamilo já intumescido de excitação. Deixando
de lado a vergonha e inebriando-se com a fascinante sensação de livrar-
se de todo o autocontrole, estendeu um dos braços até alcançar o zíper
do jeans que Raitt vestia.
Abriu-o sem hesitações e, enquanto ele lhe sugava o bico
enrijecido do seio, pôs-se a acariciar o membro pulsante com
movimentos repletos do mais puro enlevo. Como era bom saber que o
homem por quem se apaixonava vibrava de desejo por ela!
E o desejo realmente dominava cada terminação nervosa do
corpo de Raitt. Esfregando os lábios de encontro à pele do colo de
Jéssica, ele murmurou entre gemidos:
— Tão macia... tão acetinada... Deliciosa, você é simplesmente
deliciosa...
Voltou a massagear-lhe uma auréola rosada com a ponta da
língua, enquanto sua mão firme lhe afagava o estômago e o ventre. Os
carinhos dela em seu membro o fizeram sentir uma vontade louca de
retribuir o imenso prazer. Assim, abriu-lhe também o zíper do jeans e,
com incontrolável ansiedade, buscou com os dedos o sexo já túmido e
umedecido.
— Oh, Jess... Você está toda molhada! Tudo isto é para mim?
— S-sim... sim...
Louco de excitação, ele separou-lhe os grandes lábios e procurou
pelo botão inflamado e latejante. Começou, então, a massageá-lo com
movimentos circulares, suaves, provocantes, cheios de sensualidade. A
reação de Jéssica foi uma agradável surpresa: gemendo baixinho e
contorcendo-se toda, ela deixou escapar um grito rouco pouco depois,
ao atingir rapidamente um forte orgasmo que lhe provocou espasmos do
mais deslumbrante êxtase que jamais experimentara.
Percebendo-lhe a total incapacidade de conter o prematuro
clímax, Raitt estreitou-a de encontro ao peito.
— Jess... Oh, Jess! Fico tão contente em saber que pude lhe
proporcionar um prazer tão intenso em tão pouco tempo... Isso deixa
qualquer homem lisonjeado, sabia?
— Eu... eu...
— Não diga mais nada, minha pimentinha. Vamos para o quarto.
Ele tomou-a nos braços e carregou-a até o seu dormitório sem ao
menos interromper um beijo carinhoso e apaixonado. Assim que a
colocou sobre a cama tirou-lhe todas as peças de roupa rapidamente,
com medo de que ela se envergonhasse pelo que havia acontecido na
cozinha e voltasse atrás.
Mas Jéssica estava feliz demais para pensar em arrependimento.
Enlevada, observava-o despir-se e admirava-lhe o belo físico a cada
peça que ele jogava ao chão. Em pouco tempo, tinha diante de si um
homem prisioneiro de avassalador desejo, um homem a ponto de perder
o controle. O sexo viril, robusto e muito túmido, era como uma visão
hipnótica, a seduzi-la com sua força e promessa de novas delícias.
Raitt seguiu-lhe o olhar e sorriu de satisfação. Quando ela esticou
o braço na direção de seu sexo afogueado, pediu:
— Por favor, não me toque novamente. Eu não seria capaz de me
controlar por mais de um segundo.
— Mas... mas eu quero lhe retribuir o prazer que você me deu...
lá, na cozinha...
— E tenho certeza de que vai me retribuir. Só que, antes disso, eu
gostaria de saborear um pouco mais desse seu corpo divino.
Mal terminou de falar. Raitt sentou-se na cama e, dobrando o
corpo sobre Jéssica, voltou a tomar-lhe um dos mamilos na boca.
Enfiando-lhe os dedos por entre os cabelos, ela pôs-se a guiar-lhe a
cabeça para um e outro seio alternadamente, enquanto murmurava:
— Mais... Mais forte... Mais...
Ele satisfez-lhe a vontade. Mais do que isso, levando os lábios de
encontro ao sexo dela, cobriu-o com a boca num beijo íntimo. Jéssica
sentiu-se subir às nuvens e retornar numa fração. Oh, Deus... Jamais
poderia sequer imaginar que, um dia, iria experimentar sensação tão
maravilhosa!
Raitt seria capaz de passar o restante do dia a beijar-lhe e
acariciar-lhe o corpo inteirinho, se não estivesse prestes a explodir de
paixão. Por isso, assim que percebeu que Jéssica estava pronta para
recebê-lo, deitou-se entre as pernas dela. Mas não penetrou-a de
imediato, segurando o membro com a mão, fez com que ele lhe
afagasse os pêlos pubianos, os lábios vaginais, o clitóris intumescido a
entrada do sexo que ansiava por acolhê-lo. As carícias, contudo, só
fizeram inflamar-lhe o desejo e ele sentiu que o momento tinha chegado.
Voltando a tomar-lhe os lábios num beijo quase desesperado, Raitt
penetrou-a. Jessica deixou escapar um gemido no instante da doce
invasão. Depois, retribuindo ao beijo ardente, enlaçou-lhe a cintura com
as pernas e o abraçou com força, acariciando-lhe as costas, os ombros,
a nuca, os cabelos.
— Raitt... Oh, Raitt...
— Quero que você goze de novo, Jess... Quero que goze comigo
desta vez...
Então pôs-se a movimentar-se dentro dela, sentindo-lhe o sexo
úmido a agasalhá-lo com afeto e abrasadora paixão. Suas arremetidas,
suaves e vagarosas a princípio, tomaram-se mais intensas e vigorosas.
Jéssica jamais sentira-se tão excitada, tão plena, tão... apaixonada. Sim,
naquele momento de tamanha intimidade, deu-se conta de que estava
irremediavelmente apaixonada por Raitt Marlow.
Cravando-lhe as unhas nos ombros, sussurrou:
— Venha, Raitt... Me possua por completo, me faça sua, me deixe
senti-lo inteirinho dentro de mim...
Os movimentos dele se intensificaram e cada arremetida, a fazia
contrair-se de prazer. Quando sentiu a boca seca, a cabeça girando no
vazio e tremores incontroláveis arquearem-lhe a espinha, ela mal pôde
acreditar que atingia novamente o clímax. Agarrou-se a Raitt e beijou-lhe
a boca com sofreguidão. Instantes depois, ouvia um forte gemido
escapar da garganta dele. Com o corpo todo crispado pelo êxtase, Raitt
deixou-se cair sobre ela, enfiando o rosto entre seus longos cabelos
negros.
Aquilo tudo fora como uma bênção para Jessica: o ato de amor
com um homem magnífico, o prazer que encontrara nos braços fones e
protetores, a descoberta de que se apaixonara por ele. Quando aquele
alumbramento passasse, iria pensar nas conseqüências da experiência
gloriosa que vivia naquele instante. Agora, só uma coisa importava,
aquele instante.
CAPÍTULO X
Jéssica emergiu de seu quarto no início da tarde. Como Raitt
ainda estivesse profundamente adormecido, deixou-lhe um bilhete sobre
a mesa da cozinha.
Vou fazer companhia a uma amiga que adoeceu repentinamente.
Devo voltar dentro de uns dois dias.
Depois de colocar itens de primeira necessidade numa pequena
valise, partiu da fazenda na caminhonete de Dunc. Tendo feito amor com
Raitt durante toda a manhã, precisava ir para bem longe dali, a fim de
colocar as idéias em ordem. Precisava, antes de mais nada, recuperar o
que havia perdido nos braços dele: a independência e o autocontrole.
Raitt acordou de um sono reparador e estendeu um dos braços à
procura de Jéssica. Sobressaltado, arregalou os olhos ao perceber que
estava sozinho na cama. Chamou, então, por ela.
Nada. O casarão estava no mais absoluto silêncio.
Ele insistiu:
— Jess? Jess!
O chamado trouxe apenas Muttlev e Murph, que puseram-se a
raspar a porta do quarto com as patas. Estranho, se Jéssica estivesse
pelas redondezas, na certa os cães estariam na companhia dela, como
sempre faziam.
Sentando-se na cama, Raitt deu um bocejo preguiçoso. Caramba!
Nunca havia feito amor de forma tão apaixonada. No alto da coxa direita,
ainda tinha a marca de uma leve mordida de Jess. Com certeza, suas
costas e nádegas também estariam marcadas. Que mulher fogosa!
Vestindo a cueca e o jeans, ele abriu a porta e foi logo
perguntando aos cachorros:
— Onde está aquela pimentinha?
Muttley e Murph responderam com um abanar de cauda. Morto de
fome, Raitt foi direto para a cozinha. E lá encontrou o bilhete dela.
Maldição! Desde quando Jéssica tinha uma amiga que "adoecera
repentinamente"? E por que não deixara o endereço ou o número do
telefone da tal amiga? Aquilo era uma bela mentira, isso sim!
E não apenas uma mentira. Era também a prova do
arrependimento dela. Era um sinal de que, como a maioria das
mulheres, Jéssica não se contentava apenas com o ato sexual. Sem
dúvida, queria afeto, carinho, atenção, um relacionamento sólido. Queria
amor.
Oh, não... Não! Para piorar, só lhe faltava admitir o que vinha
negando a si mesmo há dias: começava a se apaixonar por aquela
mulher geniosa, teimosa, birrenta, mandona... ardida como pimenta.
Antes que desandasse a se amargurar com aquela conclusão,
Raitt resolveu telefonar para Dunc e perguntar se o velhinho fazia
alguma idéia de onde Jess pudesse estar metida.
Duncan Patton demonstrou que realmente conhecia a neta:
— Aposto que Jessie foi para o velho chalé que possuímos na
encosta de uma das montanhas, ao leste. Ela sempre vai para lá quando
quer pensar em alguma coisa... Vocês andaram fazendo alguma coisa
que a deixasse com necessidade de raciocinar friamente?
— Não seja curioso. A propósito, como você tem tratado a minha
avó?
— Faço com que Vangie mantenha um sorriso permanente, rapaz.
— Sei, sei... Bem, me diga como encontrar esse tal chalé.
Depois de demoradas e complicadas instruções, Duncan
despediu-se de Raitt com votos de boa sorte. Antes de desligar, porém,
ouviu um pedido solene:
— Dunc, será que dava para tirar o sorriso permanente do rosto
da minha avó?
Escondida no pequenino e aconchegante chalé pela segunda
noite consecutiva, Jéssica atiçava o fogo da minúscula lareira que havia
improvisado abaixo do fogão de pedras e tijolos.
Não conseguia parar de pensar nos momentos de amor que
compartilhara com Raitt e a lembrança das tórridas cenas de sexo entre
ambos ainda estava viva em sua memória. O que iria lhe dizer, quando
retornasse à fazenda? E se ele se recusasse a deixar o casarão e voltar
para o quarto nos fundos da garagem?
Sacudindo a cabeça num gesto de desalento, trocou a roupa do
dia por uma camisola longa, apagou o lampião que ficava sobrea mesa e
preparou-se para dormir. Se tivesse sorte, aquela seria pelo menos uma
noite tranqüila. Na véspera, um curioso urso fora lhe fazer uma visita de
surpresa e ela teve que fazer um barulhão dos infernos, batendo numa
pesada caçarola com uma colher até que o animal se assustasse e
voltasse para o bosque. Pouco depois, um coiote desatou a uivar a
distância, despertando-lhe um irresistível desejo de sentir os braços
fortes de Raitt ao redor de seu corpo.
Aquela era a primeira vez em que Jéssica se sentia sozinha no
antigo chalé. Antes, a casinha de escassa mobília e com um bom
estoque de alimentos enlatados sempre lhe servira como um
reconfortante refúgio. Um veio nas proximidades proporcionava água
fresca e cristalina. O que mais uma mulher poderia desejar, além da
companhia do homem a quem amava?
A idéia deixou-a profundamente irritada. Certificando-se de que a
caçarola e a colher estavam à mão, ela apagou a lamparina a gás e
deitou-se entre os lençóis de flanela.
Já havia dado voltas e mais voltas sobre a cama rústica, quando
ouviu um galho estalar do lado de fora do chalé. Com um suspiro
desanimado, tratou de apanhar a caçarola e a colher e estava prestes a
iniciar a barulheira. Foi então que o urso deu uma leve pancada na porta
de madeira. Diabos! Não lhe faltava mais nada!
Jéssica fez tamanho estrépito com as "armas" que tinha em mãos,
que seus ouvidos estavam zunindo quando ela parou com o espalhafato
a fim de prestar atenção aos ruídos nas vizinhanças do chalé.
Nesse instante, a porta escancarou-se.
Aos gritos, Jéssica pulou da cama e correu apanhar o machado
que ficava ao lado do fogão. Um vulto muito grande, emitindo sons
guturais, cruzou a porta num caminhar vacilante. Gritando ainda mais
alto, ela ergueu o machado e preparou-se para atacar.
O vulto, então, grunhiu:
— Pare com isso, diabos... Sou só eu.
— R-R-Raitt?!
Assim que Jéssica levou o machado ao chão, ele gemeu:
— Minha maldita lanterna pifou. E há urtigas por toda parte.
— O que... o que está fazendo aqui?
— Pagando os meus pecados. Pelo amor de Deus, Jess, acenda
a luz!
Ela correu acender a lamparina a querosene que estava sobre a
mesa e a tênue claridade mostrou que Raitt tinha o rosto crispado, numa
inegável expressão de dor.
— O que houve, Raitt?
— Caí sobre um arbusto cheio de espinhos imensos, quando a
minha lanterna quebrou.
— Oh... Mas como...
Estendendo-lhe as mãos já meio inchadas, ele suplicou:
— Depressa, tire esses malditos espinhos para mim!
Jéssica correu apanhar o estojo de primeiros-socorros e fez com
que ele se sentasse numa cadeira, dizendo:
— Primeiro, vou anestesiar suas mãos com este spray para
queimaduras. Agüente firme, sim?
Raitt cerrou os dentes e fechou os olhos. Por sorte, o efeito do
remédio foi praticamente instantâneo e, poucos momentos depois, ele
deixava escapar um suspiro de alívio. Em silêncio, Jéssica pegou a
pinça e pôs-se a remover os espinhos. Eram realmente grandes e, com
certeza, deveriam ter provocado uma dor terrível. Terminada essa tarefa
ingrata, ela derramou um pouco de gel antirséptico na palma da mão e
esfregou-o com cuidado sobre os ferimentos.
Abrindo os olhos, Raitt comentou:
— Que alívio! Puxa, você nem imagina a sensação de estar livre
daquelas pragas!
— Como me encontrou aqui?
— Como não acreditei no bilhete que encontrei na cozinha,
telefonei para Dunc.
— Ah... Bem, me dê às mãos novamente. Este anti-séptico
também tem efeito anestésico e analgésico.
Á suave massagem que Jéssica executava em suas mãos teve
um efeito erotizante em Raitt. Em questão de instantes, ele tinha
esquecido as dificuldades em encontrar aquele chalé perdido nas
montanhas, a lanterna que quebrara na hora em que mais precisava
dela, a queda sobre o arbusto espinhento. E ardia de desejo.
— Vamos para a cama, Jess. Tive um dia dos infernos. Preciso de
você.
Raitt levantou-se da cadeira e Jéssica pôde ver o volume que se
formara na parte frontal da calça de brim que ele usava. Um arrepio
sensual lhe percorreu a espinha, mas ela hesitou:
— Não creio que seria sensato. Acho que não devemos...
O amor e suas contradições! Enquanto falava. Jéssica abria-lhe os
botões da camisa, beijava-lhe os lábios entreabertos, descia o zíper da
calça de brim, acariciava-lhe o peito e as costas. Ao perceber que ela
não usava nada sob a longa camisola de algodão, Raitt ergueu-lhe a
peça à altura da cintura e pôs-se a afagar-lhe a pele nua, esquecendo-se
por completo dos ferimentos causados pelos espinhos. Tomado por um
desejo abrasador, colocou as mãos sobre as nádegas dela e ergueu-a
ligeiramente do chão. Sem deixar de beijá-lo, Jéssica passou-lhe as
pernas em tomo do quadril e os braços ao redor do pescoço.
Raitt tinha planejado amá-la com calma, suavidade, ternura. Mas o
calor da paixão e os gemidos que escapavam da garganta dela o
impediam de raciocinar. Naquela mesma posição, sustentando-a no ar
de encontro ao próprio corpo, ele cobriu com dois largos passos a
distância que os separava da parede. Encostando as costas de Jéssica
nela, a fim de melhorar o equilíbrio de ambos, acabou por penetrá-la ali
mesmo, em pé.
Ela gemia de prazer, ao mesmo tempo em que lhe oferecia a boca
aos beijos atrevidos. Agarrada a Raitt, sentia-se zonza com as
sensações deliciosas provocadas pelos movimentos de vaivém
executados pelo quadril dele. Nunca fizera amor daquele modo e
descobriu que, em vez de considerar a posição indecorosa, achava-a
simplesmente estupenda.
Para Raitt, porém, era difícil manter o equilíbrio por muito tempo
daquele jeito. Devagar dessa vez, ele voltou para perto da mesa e
sentou-se numa das cadeiras, tomando o cuidado necessário para que
seus corpos continuassem unidos. Assim que se ajeitou sobre o colo
dele, sentindo-lhe o membro penetrar fundo suas entranhas, Jéssica
deixou escapar um grito de júbilo. Aquilo era o máximo! Jamais, em toda
a vida, pudera imaginar que um dia estaria fazendo amor daquela forma
com o homem amado.
— Raitt... Oh, meu Deus!
Depositando um langoroso beijo em cada um de seus mamilos,
ele murmurou:
— Isto é sensacional, não é? Você gosta?
— Demais... Demais!
Ele colocou-lhe as mãos na cintura e ajudou-a a executar os
movimentos necessários para que atingissem o clímax. Cobrindo-lhe
uma rósea auréola com os lábios, pôs-se a sugar o bico rijo com
voracidade. Jamais, em toda a vida, pudera imaginar que um dia estaria
fazendo amor daquela forma com a mulher a quem começava a amar.
Quando Raitt acordou na manhã seguinte, Jéssica ainda dormia a
sono solto. Com extremo carinho, ele pôs-se a pentear os longos
cabelos negros sobre o travesseiro com a ponta dos dedos. Tinha o
corpo exausto de tanto fazer amor a noite passada, mas talvez sua
companheira não estivesse saciada. Bem, isso não seria problema.
Sabia agora que não necessitaria de uma ereção para levá-la ao êxtase,
Jess havia aprovado com entusiasmo as outras variações que ele lhe
sugerira, ainda que fizesse questão de frisar o quanto adorava senti-lo
dentro de si.
Puxa vida, nunca sonhara encontrar uma mulher com quem se
desse tão bem na cama!
Pouco depois, ela despertava mansamente e seus grandes olhos
verdes fitaram-no com ternura.
— Bom dia, dorminhoca. O que teremos para o café da manhã?
Jéssica espreguiçou-se, deu um longo bocejo e respondeu:
— Uma porção de tarefas a serem cumpridas na Fazenda Patton.
É melhor voltarmos logo para lá.
— Como preferir, "patroa". Sou apenas o trabalhador temporário,
pronto para obedecer às suas ordens.
Após espreguiçar-se novamente, ela sentou-se na beirada da
cama e começou a vestir-se. Raitt beijou-lhe a nuca, para depois segui o
exemplo.
— Por que você fugiu de mim, Jess?
— Como estava o meu avô, ao telefone?
— Vire-se para mim, olhe no fundo dos meus olhos e responda:
por que fugiu de mim?
Mas ela fingiu ocupar-se com o zíper da bota.
— Não fugi. Apenas vim para cá porque... porque pensei que
poderia me apaixonar e depois sofrer como uma condenada, quando
você voltasse para San Francisco.
— Poderia se apaixonar por mim? Mas não se apaixonou, não é?
Aposto que isso está fora de cogitação para você.
Nervoso com o rumo que a conversa tomava, Raitt sentiu as mãos
trêmulas ao abotoar a camisa. Talvez fosse cedo demais para tocar
naquele assunto...
— Não posso me apaixonar. Sou uma mulher independente e
além do mais, você não quer nem ouvir falar em casamento.
— Amor e casamento são duas coisas bem diferentes.
— Mas eu não sou tão tola a ponto de pensar que você me
amaria, Raitt.
— Jess, estou cansado de ouvir você se desmerecer, se
menosprezar. Eu simplesmente adorei fazer amor com você aquela
manhã e...
— O que houve entre nós foi produto da solidão e do isolamento.
— Não, não acredito nisso. E vim atrás de você em busca da
verdade. Ou de uma esperança quanto...
— Quanto a quê? Desde a primeira em que fizemos amor, você
deixou bem claro que não queria saber de compromissos. Por que
resolveu vir com essa conversa sobre "esperança" agora? Sente-se
culpado?
Raitt calçou os sapatos e pôs-se de pé. Estava visivelmente
contrariado com aquela troca de agressões.
— Claro que não. Por que eu haveria de sentir culpa, se é você
quem vive me rejeitando? Aliás, Jess, estou começando a me perguntar
o que vi em você para que chegasse a pensar que...
— É claro que não viu coisa alguma! O que há para ver numa
mulher sem graça, sem charme, sem atrativos?
— Oh, não! De novo, não! Não agüento mais ouvir essa estúpida
cantilena!
— Chame como quiser! Acha que vou me importar com a opinião
de um homem que tem medo de tudo?
— Tudo? Tudo o quê?
— Amor, casamento, compromisso!
Ele apanhou a jaqueta de couro que ficara no chão e dirigiu-se
para a porta.
— Trate de chegar à fazenda a tempo de se encarregar das
tarefas da tarde, porque eu não estarei mais lá para fazer o que quer que
seja. O mais tedioso dos serviços burocráticos deve ser muito mais
interessante do que passar dia e noite brigando com você!
— Para onde devo enviar o cheque pelos dias que você trabalhou
na fazenda?
— Deposite na conta corrente do meu cavalo, até eu resolver o
que fazer com ele!
Dizendo isso, Raitt saiu e bateu a porta com toda a força atrás de
si.
Jéssica sentiu os olhos arderem. Como fora tola! Não sabia que,
mais cedo ou mais tarde, ele sairia de sua vida sem ao menos um
adeus? Afinal, esperar outra atitude de Raitt Marlow seria prova do mais
autêntico desatino.
Contudo, essa conclusão não a impediu de cobrir o rosto com as
mãos e chorar copiosamente.
CAPÍTULO XI
Em vez de seguir diretamente para a fazenda, Jéssica resolveu ir
até a cidade ao deixar o chalé. Assim Raitt teria tempo de sobra para
arrumar suas coisas e sumir dali sem deixar vestígios.
Sua primeira parada foi no armazém Feed-and-Tack. Pete,
proprietário do armazém e velho amigo de Dunc, recebeu-a com
entusiasmo e o habitual punhado de amendoins que sempre reservava
para os clientes preferidos.
— Olá, menina! Como vai esse tornozelo que tanto a atrapalhou
no piquenique?
— Já sarou.
— Que bom! E o danado do Dunc? Desde que Vangie veio visitá-
lo, ele nunca mais apareceu por aqui.
— Neste exato momento, é ele quem está visitando Vangie em
San Francisco.
O velho senhor deu um sorriso largo. Castigado por um
reumatismo que o acompanhava havia anos, Pete aproveitou que o
armazém estava vazio e convidou Jéssica a sentar-se numa das
cadeiras que ficavam ao redor do pequeno barril repleto de amendoins.
Assim que se acomodaram, ele retomou a conversa:
— Dunc e Vangie me pareceram muito felizes, durante o
piquenique. Mas você não está com uma aparência lá muito satisfeita,
Jessie.
— É que acordei com uma tremenda dor de cabeça.
— Oh, pobrezinha. O Dr. Coulter me contou que o neto de Vangie
está trabalhando na Fazenda Patton, como empregado temporário.
— Estava. Ele pediu demissão esta manhã. Acho que não se
adaptou ao serviço. Na verdade, já deve estar a caminho de San
Francisco à uma hora destas.
— Que pena. Tive a impressão de que vocês dois formavam um
casal e tanto.
— Foi só impressão, Pete.
— E Dunc? Volta logo?
— Espero que sim.
— Pegue mais amendoins, Jessie.
Os amendoins de Pete eram os mais graúdos e mais saborosos
das redondezas, mas Jéssica não conseguiria engolir nem mesmo uma
grande golfada de ar. Esforçando-se para não parecer rude ao cordial
velhinho, perguntou:
— O que tem acontecido por aqui ultimamente? Alguma
novidade?
Pete empertigou-se todo na cadeira e suas sobrancelhas grisalhas
se arquearam:
— Você não sabe? Ainda não ouviu falar?
— O quê?
— Bob Cochran voltou à cidade.
— Oh, não! É mesmo?
— Como dois e dois são quatro. Aliás, neste momento ele está lá
na taverna jogando pôquer.
Jéssica esboçou um sorriso. Deveria agradecer a Raitt Marlow
pelo auxílio prestado. De alguma maneira, o que se passara entre
ambos no início da manhã agora lhe dava forças para superar o choque
causado pela desagradável notícia. Erguendo um canto da boca, ela
falou, o tom de voz transbordando desdém:
— Não me diga... O grande, o primeiro e único Bobo Croquete
está de volta?
Pete caiu na risada e segurou-se no barril de amendoins, como se
fosse cair.
— Bobo Croquete? Oh, isso é demais para mim!
— Para todos nós, Pete. Aumente o seu estoque de óleo, pois ele
só presta para fritar bolinhos.
Dizendo isso, Jéssica levantou-se e saiu do armazém com toda a
pose de que foi capaz. Afinal, dez anos atrás a história da aposta de
Budd Cochran havia se alastrado pelos quatro cantos da cidade. Não
que as pessoas tivessem rido às suas custas. Pelo contrário, Bob fora o
único a divertir, pois todos se solidarizaram com ela, horrorizados com a
falta de caráter do cafajeste. Mesmo assim, não fora fácil lidar com a
humilhação a que fora exposta.
Ah, como gostaria de torcer o pescoço daquele caubói de meia-
pataca! Como gostaria de fazê-lo passar por metade da vergonha que
ela havia passado! Jéssica saíra do armazém de Pete com ò firme
propósito de correr para a fazenda e se esconder do resto do mundo.
Mas, quando deu-se conta, estava rumando com passos decididos para
a taverna.
Alguns metros adiante, encontrou-se com Betsy Newman, que
vinha na direção oposta.
— Oi, Jessie!
Ela nem se preocupou em parar.
— Olá, Betsy. Não posso falar corn você agora.
A loira voltou-se e acertou seu passo com o dela.
— O que aconteceu, Jessie?
— Vai acontecer. Uma bela surpresa para um vaqueiro sem um
pingo de vergonha na cara, ou melhor, no focinho.
— Você está falando de Bob, não está?
—Conhece algum outro réptil tão repulsivo e asqueroso quanto
ele?
— O que pretende fazer, Jessie?
— Torcer-lhe o pescoço até que ele vomite todo o veneno que tem
dentro de si, só isso.
— Oh, meu Deus! Não faça nada até que eu tenha reunido uma
boa platéia para o seu espetáculo!
Betsy saiu correndo na direção contrária, enquanto Jéssica
continuava a caminhar pela rua principal da cidade com o peito estufado
e a cabeça erguida. Estava farta de caubóis e empregados temporários
até o último fio do seu longo rabo-de-cavalo!
Ela adentrou a taverna pisando duro, os olhos verdes faiscando
como esmeraldas ao sol. Um silêncio fora de hora se abateu sobre o bar.
Era quase meio-dia e o local estava lotado.
O canalha estava numa mesa de canto, jogando pôquer. Tinha as
costas voltadas para Jéssica, mas ela o reconheceria em qualquer lugar,
mesmo que estivesse fantasiado de Maria Antonieta. Bob usava um
gasto chapéu marrom, camisa preta com franjas, calça jeans caindo aos
pedaços e botas que precisavam no mínimo de meia-sola. Seus cabelos,
agora bem mais longos, não deviam ver a cor de um xampu havia
tempos.
Abrindo caminho em meio às mesas, Jessie aproximou-se.
— Ora, ora! Quer dizer, então, que o nosso querido Bobo
Croquete está de volta à cidade?
Ele virou-se sobre a cadeira. E ficou branco como um fantasma ao
reconhecê-la.
— Como vai, Bobão Croquete? Ou será Bobinho Croquetão?
Ouviu-se uma risada generalizada e Gari, o dono da taverna, deu
um longo e provocativo assobio.
A reação jocosa dos presentes encorajou-a a pegar uma garrafa
de cerveja que alguém lhe estendeu. Parando junto a mesa de jogo,
Jéssica despejou o conteúdo da garrafa em cima das cartas.
— Que prazer, Sr. Croquete! Estes dez anos pareceram uma
eternidade! E eu aposto que não esperava me ver assim, entrando na
taverna e anunciando o que você é para quem quiser ouvir, um bobo
alegre, um croquete estragado!
— Croquete de cabeça de camarão! — gritou alguém.
Bob Cochran parecia em estado de choque. Não conseguia ao
menos esboçar uma reação. Demorou algum tempinho antes que ele
conseguisse abrir a boca:
— J-Jessie...?
— Em pessoa,seu bunda-mole!
Uma nova onda de gargalhadas e assobios ecoou pela taverna.
Em meio à confusão, ouviam-se também gritinhos e risadinhas histéricas
que ridicularizavam Bob Cochran. Alguns fregueses chegaram mesmo a
bater palmas quando Jéssica lançou o último insulto, em voz bem alta e
clara.
Pela expressão aparvalhada no rosto macilento, Bob Cochran
parecia estar vivendo um sonho. Ou melhor, um pesadelo. Num fio de
voz, ele perguntou:
— Posso lhe pagar uma cervejinha, Jessie?
Ela apanhou uma garrafa que estava na mesa ao lado,
respondendo:
— Oh, não! Faço questão de que você tome um pouco da minha.
Então, tirou-lhe o chapéu e despejou-lhe a cerveja gelada no alto
da cabeça.
Bob jogou a cadeira para trás com o corpo, piscando e cuspindo o
líquido que lhe entrara na boca aberta. Alguém entregou mais uma,
garrafa a Jéssica e ela não hesitou em derramar todo o conteúdo em
cima dele outra vez.
— Quer mais um pouquinho, Bobinho queridinho, Bobão do meu
coração?
Mais uma garrafa surgiu por sobre o seu ombro e ela apressou-se
em pegá-la. Contudo, a pessoa que lhe estendia a cerveja não a soltou.
Jéssica, então, virou-se e viu-se encarando um par de penetrantes olhos
azuis.
— Raitt!
Nesse momento, Bob Cochran levantou-se da cadeira com um
palavrão, girou o corpo e desferiu um soco. Ela abaixou-se a tempo de
evitar o golpe e Raitt segurou o braço de Bob no ar. No segundo
seguinte, Jéssica viu-o torcer o pulso de Bob com tanta força, que o
miserável, com um grito de dor, ajoelhou-se no chão.
Mantendo o adversário naquela posição vexatória, Raitt
aconselhou-o:
— Seja um bom menino e agradeça a srta. Jess pelas duas
cervejas que ela lhe deu.
Bobo Croquete fez força para soltar-se, mas Raitt obrigou-o a
permanecer de joelhos, apertando a chave de braço. Pisando sobre a
mão com que Bob se apoiava, ele insistiu:
— Agradeça à moça como se deve seu bastardo!
A voz de Bob soou como o ganir de um coiote:
— Obrigado, Jessie.
— Mais alto! — pediu o dono do bar.
— Obrigado, Jessie!
— De novo! — gritou um velhinho de barbas brancas.
— Obrigado, Jessie! — berrou Bob, com toda a força de que foi
capaz naquelas circunstâncias.
Com um sorriso de orelha a orelha, Jéssica despejou então a
garrafa de cerveja sobre ele, dizendo:
— Será que poderia repetir, Sr. Croquete? Tenho a impressão de
que não escutei direito.
— Obrigado, Jessie! — ele voltou a berrar roxo de raiva e
vergonha.
Então, ela virou-se para seu cúmplice e falou:
— Obrigada, Raitt. Foi um prazer. Mesmo.
— Não há de que, Jess. Se quiser repetir a dose, é só chamar.
Assim que se viu livre, Bob levantou-se meio cambaleante.
Murmurando todos os palavrões que sabia, abriu caminho em
meio à pequena multidão de fregueses e curiosos que lotavam o bar e
saiu num atordoado zigue-zague pela rua.
Só então Jéssica deu-se conta de que a taverna estava apinhada.
Parecia que a cidade inteira tinha ido assistir ao seu improvisado show.
Numa rápida olhadela ao redor, ela reconheceu Betsy, Pete, o Dr.
Coulter e sua secretária, o rapaz que arrematara a cesta de Betsy no
piquenique, o responsável pela pequena agência de correio, dois
funcionários da mercearia, os vários empregados do posto de gasolina.
Todo mundo acercou-se, apertando-lhe a mão e dando sonoros tapas de
felicitações nas costas de Raitt.
— Gravei tudo! — anunciou Betsy, mostrando a câmera de vídeo
que tinha na mão. — Vai ser o filme do ano!
— A próxima rodada de cerveja é por conta da casa — ofereceu
Carl. — Vamos comemorar!
Assim que os ânimos se acalmaram, Jéssica perguntou a Raitt:
— O que está fazendo na cidade?
— Parei no posto para trocar o óleo e encher o tanque, antes de
seguir para San Francisco. Betsy passou correndo, espalhando a notícia,
e eu resolvi vir com o pessoal.
— Você foi maravilhoso.
— E ele merecia pagar por tudo o que lhe fez.
— E você sabe tudo o que ele me fez? Tudo mesmo?
— Seu avô me contou boa parte, o resto fiquei sabendo aqui. De
qualquer forma, você estava se saindo muito bem quando cheguei. Mas
eu precisava ver o miserável de joelhos.
— Nem sei como lhe agradecer.
— Sabe, sim. Reconsidere suas idéias a nosso respeito.
— Minhas opiniões sobre compromissos afetivos e casamento não
vão mudar, Raitt. Elas fazem parte de mim, dos meus princípios.
— Não quer nem mesmo ser minha amiga?
— Já ultrapassamos os limites da amizade. Não há como voltar
atrás agora.
— Bem, então só me resta seguir o meu caminho.
— Por favor, não esteja na fazenda quando eu chegar lá.
— É uma promessa, Jess. Quando você chegar à Fazenda Patton
estarei a quilômetros e quilômetros daqui.
Jéssica esboçou um sorriso e afastou-se em silêncio. Não queria
vê deixar a taverna e sair da sua vida para sempre.
De volta à fazenda, ela evitou pensar em Raitt. Mas não teve
como impedir as reflexões a respeito de Tim Waverly. Era uma penar
que o garoto não fosse mais passar uns dias ali. Estava ansiosa para
conhecê-lo e sentia uma certa responsabilidade pelo fracasso da
tentativa de mostrar-lhe uma outra opção de vida. Contudo, apesar da
decepção e da culpa, convenceu-se de que não havia como remediar
aquela situação.
A campainha do telefone interrompeu suas divagações. Era Dunc.
— Ficou maluca, menina? Por que colocou Raitt para correr?
— Não coloquei ninguém para correr, vovô. Ele decidiu ir embora
por iniciativa própria. O que foi uma decisão muito sensata, levando-se
em conta as circunstâncias.
— Gostaria de saber o que se esconde por trás dessas suas
palavras, isso sim. E detesto a idéia de que esteja sozinha aí, na
fazenda.
— Estou muito bem, acredite. Não há com o que se preocupar.
— Jessie, se eu souber que aquele rapaz fez alguma coisa que
magoou você.
— Pare com isso, sim, vovô? E não me diga que telefonou apenas
para falar sobre esse assunto.
— Na verdade, não. É que tenho uma novidade bombástica para
você.
— Mesmo? Do que se trata?
— Vangie e eu vamos nos casar. A cerimônia será em Reno, no
próximo sábado.
— Casar? Reno? Oh, meu Deus.
— Reno é uma localidade muito mais divertida do que a grande
San Francisco. Sua atmosfera rural combina bem mais com um casal de
ex-texanos, como nós dois.
— Mas, vovô, você conhece Vangíe há menos de...
— Não se pode contrariar o coração, menina. O Dr. Coulter irá
para Reno, ele será o meu padrinho. Você será a madrinha e entrará na
igreja na companhia de Raitt.
— Isso não faz sentido! Se o Dr. Coulter é o padrinho, então eu
devo...
— Eu e Vangie já organizamos tudo, Jessie. E você devia era
estar me felicitando pela grande novidade! Não está feliz por seu velho
avô, menina?
— Oh, vovô, me desculpe. É claro que estou, sim. Meus parabéns!
Você e Vangie formam um belo casal.
— Essa é a minha Jessie, a menina que eu conheço e adoro!
Agora, trate de arrumar um vestido bem vistoso para o meu casamento.
E nada de me aparecer por aqui com seu bendito rabo-de-cavalo, hein?
Quero que cause uma boa impressão aos parentes de Vangie.
— Pode deixar, vovô. Não vou decepcioná-lo.
— Ótimo. Pegue uma caneta para anotar o endereço. Jéssica
anotou todos os detalhes que ele ditou. Os convidados à cerimônia
seriam transportados de San Francisco até Reno num ônibus de luxo,
fretado. Ela era esperada para um jantar a ser oferecido aos familiares
dos Patton e dos Marlow na noite de sexta-feira.
Bem, agora só lhe restava providenciar o tal vestido vistoso e
preparar-se emocionalmente para entrar na igreja acompanhada por
Raitt Marlow.
No dia seguinte ao telefonema de Dunc, Jéssica foi para a cidade
na caminhonete dele. O tempo encontrava-se meio esquisito, incerto, o
ar estava abafado demais e imensas nuvens se aglomeravam no céu.
Como era de costume durante o verão, os boletins meteorológicos
transmitidos pelo rádio advertiam que a atmosfera estava carregada e
isso criava condições para descargas elétricas de alta intensidade.
Ela não prestou muito atenção aos informes sobre o tempo. Tinha
a cabeça ocupada com pensamentos e recordações de Raitt, além de
preocupações em conseguir uma roupa adequada ao casamento do avô
e um aparelho para modelar os cabelos.
Havia duas lojas especializadas em roupas e um modesto
magazine na cidade. Mas, como se sentisse mais à vontade no Feed-
and-Tack, Jéssica foi diretamente para lá.
Pele saudou-a com o entusiasmo e o punhado de amendoins de
sempre.
— Adivinhe só quem saiu da cidade ontem mesmo, com o
raborentre as pernas? Nosso querido Bobo Croquete!
— Que boa notícia! Também tenho novidades, meu avô vai se
casar.
— Estou sabendo. Dunc ligou para o Dr. Coulter ontem à noite e
contou as boas-novas. O filho mais velho de Carl vai tomar conta da
fazenda, enquanto você estiver fora.
— Vai ser uma mão na roda, não posso negar. Bem, Pete, vamos
aos fatos, preciso de um vestido para o casamento. E não me venha
com esse seu sorriso irônico, pois você sabe muito bem que sou uma
negação em compras desse tipo.
— Você é muito boa para escolher ferramentas, feno e produtos
alimentícios. Comprar um vestido não deve ser lá muito diferente.
— Diz isso porque nunca usou um, nem sapatos de salto alto.
— É verdade... Desta vez, acho que minha opinião não lhe será
de grande serventia. Por que não pede auxílio a Betsy? Ela é
especialista em comprar roupas.
Jéssica descartou a idéia e pôs-se a procurar por um modelador
de cabelos. Para um armazém tão pequeno, o Fced-and-Tack tinha uma
infinita variedade de modeladores, dos mais diferentes modelos,
tamanhos, estilos e marcas; alguns enrolavam, outros ondulavam, outros
ainda frisavam e havia também aqueles que encaracolavam ou
alisavam. Confusa, ela acabou não comprando nenhum.
— Pode deixar, Pete. Vou dar uma passadinha nas lojas ou no
magazine.
Jéssica deixou o velho senhor às voltas com seus amendoins e
rumou para a loja de roupas mais próxima. Foi Rhoda, a gorducha
esposa de Carl, quem a atendeu.
— Precisando de jeans novos, Jessie?
— Não. De um vestido.
— O quê?!
— Não faça essa cara, Rhoda. Apenas me mostre onde eles estão
e diga qual é o meu número.
— Desculpe o meu espanto, mas é que você nunca compra
vestidos.
— Somente um vestido. Para casamento.
— Raitt Marlow pediu você em casamento?
— Vou ao casamento do meu avô, Rhoda.
— Então o Dr. Coulter não estava brincando? Dunc vai mesmo se
casar? Quem diria.
Enquanto tagarelava sem parar, Rhoda encaminhou-se para a
seção da loja onde vestidos de todos os tipos ficavam expostos em
cabides giratórios. Seguida de perto por Jéssica, ela pôs-se a fazer
intermináveis comentários a respeito de cores, tecidos, modelos e
estampas, sugerindo também tipos e texturas de meias que combinavam
com essa ou aquela peça. Com a impressão de que seus tímpanos
estavam prestes a estourar, Jéssica apanhou meia dúzia de trajes e
enfiou-se num provador. Infelizmente, o cubículo não era à prova de
som.
Quando, enfim, Rhoda declarou que o vestido de voile verde-
esmeralda, com corpete tomara-que-caia, saia guarda-chuva e forro de
cetim ficava perfeito nela, Jéssica deu um suspiro de alívio e decidiu que
nunca mais compraria coisa alguma pelo resto da vida. Mesmo assim,
ficara bastante satisfeita com o traje e também com a aquisição das
sandálias de salto médio, presas por delgadas tiras ao redor do
tornozelo, que combinava com ele. Como acessórios, Rhoda lhe sugerira
um colar curtinho de pérolas miúdas que fazia conjunto com um delicado
par de brincos. O efeito foi bem melhor do que o imaginado.
Voltando para casa na caminhonete do avô, Jéssica percebeu que
estava exausta após passar tanto tempo na loja. Cuidar de animais ou
executar as tarefas domésticas no casarão não representavam um
centésimo da energia gasta na escolha de um traje adequado ao
casamento de Duncan Patton.
O pior era que, quando os velhinhos recém-casados voltassem
para a fazenda, ela iria sentir-se uma intrusa em sua própria casa. Que
droga!
Através do auto-rádio, um locutor anunciou que uma tempestade
estava se formando na região das montanhas. Jéssica esperava chegar
logo, antes que a tormenta desabasse. Tinha por hábito manter os
cavalos fechados no estábulo por ocasião de temporais já que todos
eles, principalmente o temperamental Álamo, tinham péssima reação
diante de raios e trovões.
Assim que a caminhonete parou no pátio em frente ao casarão,
grossos pingos de chuva começaram a cair das nuvens escuras que
agora roubavam toda a claridade do dia. Jéssica levou as compras para
o seu quarto, depois foi cuidar dos cavalos. Ao certificar-se de que os
animais estavam bem protegidos, deixou rapidamente a estrebaria na
companhia de Muttley e Murph. Estava a meio caminho do casarão,
quando um raio rasgou o céu com tamanha intensidade, que ela teve
que cobrir os olhos com as mãos a fim de protegê-los do ofuscante
clarão. Bem próximo a si, ouviu o ranger de galhos que se partiam e
despencavam das árvores.
Apontando para o canil numa das laterais do casarão, gritou:
— Murph! Muttley! Vão para suas casinhas!
Os cachorros hesitaram, assustados com os galhos que
tombavam de seus troncos como folhas secas.
— Corram! Já para o canil!
Nesse instante, um estrondo ensurdecedor ecoou pelos ares e
Jéssica levou as mãos aos ouvidos. Meio cambaleante, tentou rumar
para a varanda, mas tropeçou num imenso galho caído e foi ao chão.
Um tronco espesso estava bem à sua frente, bloqueando-lhe a
passagem. Ela ajoelhou-se com dificuldade, viu uma língua de fogo e
então escutou o ruído de outra árvore que caía às suas costas. Raios
cortavam o céu enegrecido em todas as direções. Os trovões eram tão
fortes, que pareciam romper o próprio ar.
— Raitt!
O grito escapou-lhe da garganta sem que ela se desse conta da
inutilidade do apelo. Então, tudo ficou escuro.
CAPÍTULO XII
— Jessie?
Ela ouviu a voz distante que chamava seu nome e esforçou-se
para abrir os olhos. Foi impossível. Sentiu, então, que uma mão batia de
leve em seu rosto e outra lhe apertava o braço. Um cheiro de fumaça e
madeira queimada lhe penetrou as narinas. Suas roupas estavam
molhadas.
— Jessie, está me ouvindo?
A voz, feminina, tinha um tom de súplica e tornava-se mais
próxima, mais alta.
— Não quero comprar mais vestidos. Não preciso de meias...
— Jessie, tente abrir os olhos.
Ela fazia um sacrifício enorme para obedecer ao pedido. Tinha a
impressão de que fogos de artifício espoucavam no interior de sua
cabeça.
— Estou aqui, Jessie. Você vai ficar boa. O Dr. Coulter já vem
vindo para cá.
O peso que ela sentia sobre as pálpebras foi cedendo aos poucos.
Quando, enfim, conseguiu abrir os olhos, Jéssica viu três figuras
observando-a atentamente: Muttley, Murph e o rosto redondo de uma
mulher gorducha. Oh, não... Será que, por mais que tentasse, nunca
conseguiria concluir a compra de um vestido para o casamento do avô?
Com um sorriso trêmulo, Rhoda murmurou:
— Oh, graças a Deus!
O som dos ganidos de Murph e Muttley ecoou dolorosamente na
cabeça de Jéssica. Num fio de voz, ela perguntou:
— O que aconteceu?
— Uma descarga elétrica caiu sobre um pinheiro bem às suas
costas, Jessie.
— É?
Ela olhou ao redor e viu que estava deitada sobre o piso da
cozinha, em cima de um grosso edredon de algodão. Um travesseiro lhe
sustentava a cabeça. A lojista estava ajoelhada ao seu lado tendo os
cachorros por companhia. Rhoda franziu as sobrancelhas.
— Eu trouxe você para dentro e chamei o Dr. Coulter. Está muito
ferida, Jessie?
— Não, não sei. Minha cabeça dói demais.
— Acho que um galho caiu sobre você. Há um grande hematoma
entre os seus cabelos.
Um pouco mais alerta, ela observou:
— Minhas roupas estão encharcadas.
— Apaguei o incêndio com a mangueira do pátio e tive que molhar
você também. Oh, se eu não tivesse chegado a tempo...
— Incêndio? Mas que...?
Recordando-se de que vira uma labareda antes de perder a
consciência, Jéssica tentou levantar-se. Rhoda impediu-lhe o esforço,
explicando:
— O raio fez com que a árvore pegasse fogo. Mas a chuva ajudou
a debelar as chamas.
Só então Jéssica deu-se conta do aguaceiro que fazia um ruído
estrepitoso no telhado. Apoiando-se num cotovelo, perguntou a Rhoda:
— E como achou de você estar aqui?
— Você esqueceu o par de brincos de pérolas na loja. Ou fui eu
quem esqueceu de colocá-los nas sacola, não sei. De qualquer modo,
isso foi obra da Divina Providência. Quando cheguei, para lhe trazer os
brincos, o incêndio estava prestes a atingi-la.
— Nossa. Obrigada, Rhoda. Você me salvou a vida.
— Esqueça. Agora deite-se e fique quietinha. O Dr. Coulter disse
que você não deve se mover enquanto ele não chegar.
Ainda bastante atordoada, ela obedeceu.
— Quanto tempo estive inconsciente?
— Quase uma hora. Fiquei morta de medo, porque você não
voltava a si. Oh, Jessie, não devia ficar sozinha aqui, na fazenda! Nunca
se sabe o que pode acontecer. Eu sou fracote e foi um custo traze-la
para dentro, sabia?
— Meu avô e Vangie estarão de volta logo depois da lua-de-mel.
— Não é bem assim. Dunc disse ao Dr. Coulter que dividirá seu
tempo entre a fazenda e San Francisco, para que Vangie não fique muito
tempo longe dos parentes.
— Oh...
Os cães puseram-se a latir e um sorriso aliviado iluminou o rosto
de Rhoda:
— Deve ser o Dr. Coulter. Graças a Deus!
O médico entrou correndo, a capa de chuva deixando um rastro
de água por onde, ele passava.
— Como está nossa paciente? Consciente, pelo que estou vendo.
Jéssica cumprimentou-o com um ligeiro aceno. O Dr. Coulter tirou
a capa, pegou alguns instrumentos em sua maleta e ajoelhou-se junto a
ela. Após examinar-lhe o fundo dos olhos, tomar-lhe a pulsação e ouvir-
lhe o coração, concluiu:
— Parece estar bem. Pode me dizer quem è, onde mora e que dia
é hoje?
Enquanto ele prosseguia com o exame, Jéssica respondeu a
todas as perguntas, informando-lhe também o nome dos cavalos da
fazenda, dos cães, pastores e da lojista. Por fim, afirmou:
— E o senhor é o Dr. Junius A. Coulter, médico da nossa
comunidade.
O Dr. Coulter sorriu para Rhoda.
— Bom trabalho, enfermeira. Quer trabalhar no meu consultório?
Rhoda ficou toda envaidecida:
— Sou uma ótima "bombeira" também. As chamas estavam
prestes a atingir a roupa de Jessie, quando ensopei-a dos pés à cabeça
com a mangueira de água.
O médico deu um olhar de reprovação a Jéssica:
— Você não imagina do que escapou, menina. Jamais deveria ter
ficado sozinha aqui. Quando o seu avô souber o que...
— Não conte nada ao meu avô, por favor. Pelo menos, até que ele
se case.
— Vou pensar no seu caso.
— Por favor, Dr. Coulter.
— Fique quieta e me deixe examinar esse "galo" na sua cabeça.
Hum, nada grave, apenas uma boa pancada.
— Já posso me levantar?
— Só se for para assistir ao vídeo que eu lhe trouxe.
— Vídeo?
— Sim, o filme que Betsy fez daquele esparramo que você armou
na taverna de Carl. Ela deu-lhe o nome de "O triste fim de um
croquetão", em sua homenagem. Há passagens simplesmente
hilariantes. Você vai adorar!
Rhoda caiu na risada e Jéssica seguiu-lhe o exemplo. O médico,
concluindo seu exame, falou:
— Vou lhe receitar somente um pouco de repouso e um
analgésico para a dor de cabeça. E não deixe de assistir ao vídeo, pois
rir ainda é o melhor remédio que conheço.
Rhoda ofereceu-se para passar a noite na fazenda. Ao ver que
Jéssica ameaçava protestar, argumentou:
— Estou mesmo precisando tirar uma folguinha do trabalho que
Carl e os meninos me dão.
Antes que o médico se fosse, os três acomodaram-se na sala de
estar para assistir ao tal filme no videocassete. O simples fato de rever
Raitt, ainda que fosse só numa tela de televisão, deixou os olhos de
Jéssica marejados. Mesmo assim, ela deu um jeito de fingir que as
lágrimas eram produto das gargalhadas convulsivas que as cenas
filmadas no bar de Carl lhe provocavam.
Não havia como negar que todo aquele ato de bravura tinha muito
a ver com o seu breve relacionamento com Raitt Marlow. Se não fosse
pela autoconfiança e amor-próprio que ele a ajudara a cultivar, jamais
teria tido coragem suficiente para devolver a Bob Cochran, com juros e
correção, os dez anos de humilhação que amargara. O desejo sincero
que Raitt demonstrara por ela a tinha transformado numa outra mulher,
muito mais segura de si mesma e de suas potencialidades.
No dia seguinte, Jéssica contratou o filho mais velho de Rhoda e
Carl para trabalhar como temporário na fazenda, enquanto ela estivesse
em San Francisco. O garoto pôs mãos à obra imediatamente, instalando-
se no quartos nos fundos da garagem. Ela lhe ensinou as tarefas de
rotina, tão logo limparam o local onde a árvore tinha caído e se
incendiado. Preocupada com o fato de o rapazinho ficar sozinho por
aquelas paragens um tanto distantes da cidade, convenceu-o a chamar
um colega de escola para lhe fazer companhia.
Com essas questões prática solucionadas, na sexta-feira Jéssica
arrumou uma pequena mala com itens básicos e o traje para o
casamento do avô, despediu-se dos garotos e rumou para San
Francisco. A custa de um belo susto e uma boa dose de sofrimento,
começava a dar-se conta de que nenhuma pessoa neste mundo podia
prescindir da companhia ou do auxílio de outrem.
No início da tarde de sexta-feira, a casa de Vangie encontrava-se
num verdadeiro tumulto, com parentes e amigos que chegavam a todo
instante para cumprimentar os noivos. Todas as camas extras estavam
ocupadas e havia até mesmo um pequeno acampamento improvisado
no quintal, para abrigar parte dos numerosos convidados à cerimônia.
Raitt descansava um pouco na pequena sala íntima, tentando
distrair-se com uma partida de beisebol transmitida pela tevê. Dunc abriu
á porta e foi logo entrando, acenando com uma fita de videocassete que
trazia na mão. Antes que Raitt dissesse qualquer coisa, o ancião tomou-
lhe o controle remoto.
Raitt protestou:
— Espere aí, Dunc! O jogo não estava nem na metade! Afinal, o
que há nessa fita de vídeo?
O velhinho ajeitou os óculos.
— Ainda não sei. O Dr. Coulter enviou-a pelo correio, mas não
mencionou seu conteúdo. A etiqueta diz que o título do filme é "O triste
fim de um croquetão". Imagino que deva ser uma fita super pornográfica,
com um nome desses. Na certa, o Dr. Coulter pensa que vou fazer uma
festa de despedida de solteiro esta noite.
Lembrando-se de que Betsy havia filmado a confusão no bar de
Carl, Raitt fez um esforço supremo para não rir.
— Vamos aproveitar que você, oficialmente, ainda é um homem
livre, Dunc. E como sou um solteirão convicto. Vamos, feche bem a porta
e coloque essa sacanagem toda para rolar!
— Vou é trancar a porta, rapaz. Se Vangie nos pega, vamos virar
picadinho!
Enquanto Duncan passava á chave na porta, Raitt colocou a fita
no vídeo, ligou o aparelho e fechou as cortinas! Assim que ambos se
acomodaram no sofá, ele acionou o controle remoto.
— Deixe o volume no mínimo, Raitt, para que ninguém ouça os
gemidos e sussurros. Oh, que maravilha! Há anos que não vejo uma
coisa dessas!
A alegria do velhinho durou pouco. Quando ele ergueu as
sobrancelhas numa expressão dos mais puros espanto e
desapontamento, Raitt cobriu a boca com a mão, a fim de ocultar uma
gostosa risada.
— Mas, que diabo é isso?! O que a taverna de Carl tem a ver-
com... Olhe, é a minha neta! Droga, isso não é um filme pornográfico!
— Mas você vai adorá-lo, aposto.
— Por que está dizendo isso? Como você sabe?
— Apenas assista com o máximo de atenção, sim? Vou aumentar
o volume.
A irritação de Dunc foi dando lugar à curiosidade. Por fim, ele ria
como um garotinho.
— Mas quando foi tudo isso?
Assim que Raitt lhe deu todas as informações, Dunc pediu que ele
passasse o filme novamente, desde o início. Dessa vez, prestou atenção
aos mínimos detalhes e divertiu-se ainda mais.
Ao final da segunda exibição, contudo, o ancião voltou a ficar
sério. Com um tapinha nas costas de Raitt, agradeceu:
— Obrigado por ter deixado aquele canalha de joelhos, rapaz. Foi
um prazer vê-lo sofrer todas aquelas humilhações. E Jessie... Puxa, a
minha menina mostrou que tem sangue nas veias e dignidade para dar e
vender!
— É verdade.
Raitt tentou engolir o nó que se formara em sua garganta. Puxa,
que saudade tinha de Jess! Como sentia a falta dela! Dunc lhe estendeu
a mão e eles trocaram um cumprimento.
— Se eu soubesse que Bob Cochran, ou Bobo Croquete, estava
de volta à cidade, teria estrangulado aquele miserável e agora estaria na
cadeia. Você e Jessie, no entanto, acabaram com ele da melhor e mais
eficiente forma.
— Não sei. Talvez o cafajeste merecesse mais.
— Raitt, como toda essa gente entrando e saindo, ainda não tive a
oportunidade para lhe fazer a pergunta que não me sai da cabeça: por
que você desistiu do emprego temporário na fazenda?
— Eu e Jess não estávamos nos entendendo muito bem. Só isso.
— Que conversa é essa? Até Vangie percebeu que você está
muito aborrecido, desde que chegou.
— Dunc, Jess deixou bem claro que não me quer na fazenda
pelos próximos seis meses. Não nos meus termos.
— E quais são os termos dela?
— Bem mais do que seis meses. Talvez a vida inteira. Jess
acredita em relacionamentos firmes, efetivos, permanentes. Eu não sou
assim.
— Me fale a verdade, Raitt. Você a ama?
Raitt levantou-se e, com as mãos nos bolsos, pôs-se a andar de
um lado para o outro.
— Jess vive brigando comigo. Ela enfia uma coisa na cabeça e
não há cristão que consiga fazê-la mudar de idéia. Depois do que
aconteceu com Bob, na taverna, pensei que ela pudesse voltar atrás e...
Mas, não, aquela pimenta vai continuar batendo na mesma tecla até o
fim de seus dias.
— Você não esperava se apaixonar pela neta do futuro marido da
sua avó, não é?
— Não. Quero dizer, eu...
— Está na sua cara, Raitt. Ainda não conheci um homem
apaixonado que conseguisse disfarçar os seus sentimentos. Mas vamos
ao que importa: o que você pretende fazer quanto a isso?
— Não há nada para ser feito, Dunc. Você foi apresentado a
quase todos os membros da minha família. E viu que todos,
absolutamente todos, destruíram suas vidas com casamentos errados,
divórcios, novos casamentos errados, novos divórcios... Isso é uma
loucura!
— Sim, reparei que muitos deles sequer trocam um olhar ou uma
palavra de amizade. Mas você conheceu boa parte da família Patton e
viu que somos exatamente o oposto.
Isso era uma verdade irrefutável. Raitt fora apresentado a Don e
Beth, filho e nora de Dunc, e tivera uma excelente impressão deles. O
mesmo se deu com Molly, a irmã de Jéssica. Ela e o marido Keith eram
pessoas alegres, simpáticas, bem-humoradas, formavam um casal que
transpirava amor e respeito por todos os poros. E seus dois filhos eram
simplesmente adoráveis.
Os Marlow por sua vez, eram tensos, reservados e gastavam boa-
parte de suas energias tentando evitar uns aos outros sempre que
possível. Na companhia dos Patton, Raitt sentia-se tranqüilo, era um
prazer dividir e compartilhar das brincadeira, atenções e gestos
afetuosos que viviam trocando.
Dunc insistiu:
— Você também mete uma coisa na cabeça e não há quem
consiga fazê-lo mudar de idéia, Raitt. Por que não se dá uma chance e
tenta enxergar os dois lados de um casamento? Por que não tenta ver
que a união de um casal pode e deve ser uma promessa de felicidade
para o resto da vida?
Nesse instante, alguém tentou girar a maçaneta da porta. Era
Vangie.
— Dunc? Você está aí?
— Sim, querida. Com Raitt.
— E por que a porta está trancada?
— Estávamos fazendo uma festinha de despedida de solteiro.
— O quê? Fale alto, não consigo entender!
Dunc abriu a porta para a noiva, recebendo um estalado beijo nos
lábios. Depois, explicou:
— Raitt estava me dando alguns conselhos. Ele é perito em
divórcios.
Vangie olhou para o neto com ar reprovador.
— Oh, Raitt, como pode falar em divórcio numa ocasião como
esta? Além do mais, é você quem está fazendo uma grande besteira, ao
deixar uma gracinha de pessoa como Jessie escapar. Ainda não se deu
conta de que vamos fazer parte de uma família muito feliz?
— Vovó, eu não...
— Já chega, menino mimado. Já está mais do que na hora de
você colocar um pouco de juízo nessa sua cabeça vazia.
— Sua avó é uma mulher sábia, rapaz. Guarde as palavras dela.
Pegando na mão do noivo, ela arrastou-o atrás de si, dizendo:
— Venha, Dunc. Deixe esse chato aí e venha me ajudar a entreter
os convidados.
Jéssica estacionou a caminhonete de Dunc numa das poucas
vagas que ainda restavam na rua onde Vangie morava. Em meio aos
inúmeros carros parados ali, reconheceu o de seus pais, logo atrás da
perua de Molly e Keith.
Bem em frente à casa da velha senhora, estava o carro esporte
vermelho de Raitt. Ela suspirou.
Era um dia de sol quente, mas uma gostosa brisa agitava
mansamente as folhas das grandes árvores que lhe alinhavam em
ambas as calçadas. Tratava-se de uma rua tranqüila, onde todas as
residências apresentavam o estilo compacto e funcional que
predominava em San Francisco.
Trazendo o vestido novo na mala, Jéssica trajava-se com
simplicidade: camiseta de linha sem mangas na cor amarela, jeans
delavé e alpargatas de lonita marrom-escuro, Já que seu avô iria implicar
com o jeans, pelo menos ficaria feliz ao vê-la com os cabelos soltos e
bem escovados.
Ela estava a poucos metros da casa de Vangie, quando Raitt
cruzou o portão de ferro e apressou-se em sua direção, dizendo:
—Deixe que eu levo a sua bagagem.
— Não se preocupe, eu mesma posso cuidar disso.
Tirando-lhe à mala e uma sacola plásticas das mãos, ele retrucou:
— Não sou mais seu empregado, Jess. No meu território, quem
manda sou eu.
Numa tentativa de evitar os imperiosos olhos azuis, Jéssica
focalizou o olhar nos cabelos dourados. Que vontade de tocá-los...
Olhou, então, para o peito largo. Que vontade de acariciá-lo... Ao
perceber que seu olhar continuava descendo, ela virou a cabeça e pôs-
se a admirar uma quaresmeira em flor que crescia no jardim em frente.
Raitt falou:
— Antes que você entre, é melhor eu avisá-la de que o Dr. Conlter
mandou a fita com os melhores momentos de Bobo Croquete para o seu
avô. Neste instante, a maior parte dos convidados já assistiu ao filme.
— Também já o vi.
— Grande performance, Jess! Você deveria receber uma
indicação para o "Oscar"!
— Você não ficou atrás.
—Bem, agora vamos entrar. Seus pais estão ansiosos para
abraçá-la. Aliás, com exceção da turma dos divorciados, todos estão
loucos para conhecê-la.
Eles subiram o pequeno lance de degraus em silêncio. Na porta,
contudo, Jéssica hesitou:
— Raitt, não vamos discutir ou brigar diante do meu avô e Vangie,
está bem?
— Se você não discutir ou brigar comigo, não discutirei ou brigarei
com você. Prometo.
— Que consolo...
Na profusão de beijos, abraços e brincadeiras com que os Patton
a receberam, ela acabou não encontrando tempo para pensar em Raitt
Marlow. Além das atenções e perguntas amáveis de praxe, todos
também queriam cumprimentá-la pelo eletrizante desempenho no filme
de vídeo. Raitt, por sua vez, sentiu-se contagiado por tamanho
entusiasmo, por alguns instantes, chegou a esquecer o clima de tensão
e animosidade que reinava entre os Marlow, carrancudos pelos cantos
da casa.
Assim que conseguiu um pouco da atenção da avó, ele mostrou a
bagagem de Jéssica e perguntou:
— Onde coloco isto?
— No seu carro.
— O quê?!
— Não há mais um único centímetro de espaço disponível nesta
casa, Raitt. Você tem uma gracinha de sofá-cama no seu quarto de
hóspedes e Jessie ficará muito mais confortável lá.
— Escute, Jess e eu não...
Dunc aproximou-se e o interrompeu:
— Problemas com a bagagem de Jessie, Vangie?
— Não se preocupe, querido. Raitt acaba de oferecer o quarto de
hóspedes de seu apartamento para ela. Acho que é a forma que ele
encontrou para retribuir a maravilhosa acolhida que tivemos na Fazenda
Patton.
O velho Duncan deu um tapinha nas costas dele.
— Fico contente em saber que você apreciou nossa hospedagem,
rapaz. E tenho certeza de que minha neta ficará muito bem na sua
companhia.
— Jess não vai concordar com isso — Raitt argumentou.
— Dunc se encarregará de convencê-la — retrucou Vangie. Dunc
não perdeu tempo e saiu à procura da neta. Sem saber se deveria
estrangular os velhinhos ou agradecê-los, Raitt procurou refúgio na sala
íntima, onde a televisão permanecia ligada. Lá, encontrou o filhinho e a
filhinha de Molly, sobrinhos de Jéssica, entretidos com uma sessão
especial de desenhos animados.
— Posso me juntar a vocês?
Como nenhum dos dois desgrudasse os olhos da tela, ele jogou-
se no sofá e fingiu assistir às aventuras de Mickey e Pateta, enquanto
aguardava pela gritaria que Jéssica iria fazer quando soubesse das
novidades.
Jéssica estava falando de Alamo a um de seus primos, quando
Dunc aproximou-se.
— Menina, pode vir comigo uns minutinho? Preciso lhe falar sobre
sua bagagem.
Ela seguiu o avô escada acima, pensando que já era hora de
dependurar o vestido novo num cabide. Rhoda lhe avisara que o tecido
era muito delicado e poderia amassar.
No alto da escadaria, o velhinho lhe apontou as portas dos
dormitórios em ambos os lados de um extenso corredor, explicando
quem ficaria em qual. Depois, levou-a ao quarto que ele próprio estava
ocupando.
Ao ver a única cama de solteiro que havia ali, ela perguntou:
— E eu? Vou ficar onde?
— Raitt tem um confortável sofá-cama para você no apartamento
dele.
— Raitt?!
— Sim, senhorita. Vocês devem ter muito o que conversar.
— Vovô, nunca ouvi uma coisa tão ridícula.
— Dobre sua língua comprida e me ouça, Jessie. Não há mais
lugar para uma única pulga na casa de Vangie. Há barracas de camping
no quintal e alguns dos convidados estão dormindo em redes amarradas
nas vigas do alpendre.
— Entendo... Bem, vou procurar um hotel então.
— E não encontrará uma só vaga, pois os participantes da
convenção da Associação Médica Americana estão ocupando todas as
acomodações da cidade. E nem ouse imaginar que vou permitir que
durma no banco traseiro da minha caminhonete.
— Não é possível que o apartamento de Raitt seja a única
solução.
— Ele diz a mesma coisa. Mas como estamos aqui para o meu
casamento com Vangie, faço questão de que os noivos se encarreguem
de encontrar as soluções adequadas. E de que não sejam contrariados
em suas determinações. Trate de fazer o mesmo quando for a vez do
seu casamento.
— É mais fácil um de nossos cavalos criar asas do que Raitt
Marlow se casar.
— Tudo pode acontecer neste mundo de Deus, minha menina. De
qualquer modo, não quero ouvir reclamações a respeito das decisões
que Vangie e eu tomamos. Coloque, suas boas maneiras em prática até
que esteja de volta à Fazenda Patton. Entendeu?
— Sim, vovô. Não vou lhe causar dissabores nas comemorações
do seu casamento.
Dunc deu um abraço apertado na neta.
— Logo, logo será o dia do seu. Você verá. O amor supera todos
os problemas.
Ouviram uma leve batida à porta. Era a noiva.
— Posso entrar, Dunc?
— Claro, querida.
Vangie tinha uma expressão preocupada.
— Acabaram de ligar do restaurante. Um grande cano da
instalação hidráulica se rompeu e não poderemos utilizar o salão de
banquete que havíamos reservado para esta noite. O gerente disse que
não há a menor possibilidade de nos atender. O que faremos?
O velhinho franziu as sobrancelhas por um instante, depois
sugeriu:
— O que acha de pedirmos pizzas a domicílio?
— Será impossível encontrar uma pizzaria que possa fornecer a
imensa quantidade de pizzas de que precisaremos. Afinal, não
solicitamos nada com antecedência.
— Então, pediremos cerca de uma dúzia em seis ou oito
estabelecimentos diferentes. Dessa forma, acho que conseguirão dar
conta do recado.
— Oh, Duncan, você é brilhante! Vou pedir a Ráitt que se
encarregue dos telefonemas.
— Resolvido!
— No final das contas, até que não será tão ruim. Todos poderão
jantar com comodidade, descansar da viagem e deitar cedo.
Abraçada ao avô, Jéssica só conseguia pensar em como iria se
arranjar no apartamento de Raitt Marlow naquela noite.
Após mais de uma dezena de telefonemas, Raitt tinha resolvido o
problema do jantar. Alguns dos presentes se encarregaram de ir buscar
vinho, cerveja e refrigerantes nos bares da proximidade, enquanto outros
trataram de providenciar guardanapos de papel, copos, pratinhos e
talheres descartáveis num supermercado. Beth comunicou a mudança
de planos aos vizinhos, numa interminável seqüência de ligações.
Vangie encontrou o neto na sala íntima.
— Tudo pronto, querido?
— Sim. Vovó, já que teremos um jantar informal, o que acha de
convidarmos Tim Wavcrly?
— E precisa perguntar, Raitt? Vamos, ligue para o menino agora
mesmo!
Assim que a avó saiu, ele correu telefonar para o albergue onde
Tim estava morando. E acabava de lhe fornecer o endereço de Vangie,
quando Jéssica entrou com um copo de uísque em cada mão.
Raitt despediu-se do garoto e voltou a atenção para ela:
— Espero que um desses drinques seja para mim.
— É, sim. Saúde!
Ao vê-la acomodar-se no sofá, ele sentou-se na poltrona em frente
e perguntou:
— Posso saber qual é o motivo desta pequena comemoração?
— Sua generosa oferta para me hospedar. Mas não se preocupe,
Raitt. Estou farta de saber que nossos avôs não lhe deram sequer a
oportunidade para protestar.
— Fizeram o mesmo com você, não foi?
Jéssica apenas sorriu. Ambos tomaram um gole do uísque, então
ela perguntou:
— Como está o trabalho na repartição pública?
— Ainda não comecei. Só vou cuidar disso depois do casamento.
E Cody?
— Está contente na companhia dos outros cavalos.
— Que bom.
— Que conversa mais empolgada. Até parece a forma de falar dos
Marlow com quem tentei trocar algumas palavras.
— Aposto que sim. Se eu tivesse uma esposa, ela teria que
conviver com pessoas sisudas e taciturnas, não teria?
Esposa! O que dera nele, para cogitar dessa possibilidade?
Jéssica achou melhor mudar de conversa:
— Sabe que estou gostando cada vez mais de Vangie? Sua avó é
uma pessoa maravilhosa.
— É sim, “uma gracinha" como ela mesma diz.
— Oh, é verdade!
— E eu adorei conhecer os seus parentes, Jess. Eles são tão
felizes.
— Todos também gostaram muito de você. A propósito, quando foi
que os filhos de Molly começaram a chamá-lo de Tio Raitt?
— Assim que chegaram aqui, brinquei um pouco com os dois e
então....
— Eu devia ter imaginado.
De repente, o ar se tornou pesado. Mas Raitt tomou um longo gole
do seu uísque e resolveu colocar um fim àquele princípio de
constrangimento:
— Tenho sentido muito a sua falta, Jess.
— Eu também senti saudades de você.
Ele levantou-se tão depressa, que Jéssica levou um susto. Mas
ficou calada, apenas observando-o girar a chave na fechadura da porta.
Raitt então, parou no meio da sala e lhe estendeu os braços:
— Venha me dar um beijo, pimentinha.
Jéssica não vacilou. Deixou o copo sobre a mesinha de canto e
atirou-se nos braços dele. Calor. Segurança. Aconchego. Era como estar
num refúgio seguro, onde nada de mal pudesse lhe acontecer. Ah, Raitt
Marlow... Seu querido Raitt. E ela o amava tanto!
Deixou que as emoções fluíssem junto com o beijo apaixonado.
Ele saboreou-as todas, sem ocultar o quanto também estava comovido
com aquele reencontro.
Trocavam carícias repletas do desejo reprimido nos últimos dias,
quando Raitt, afundando as mãos entre os longos cabelos negros, tocou
o local que ela havia batido contra o chão na tarde da tempestade.
— O que foi isto, Jess? Meu Deus, você se machucou?
Jéssica tomou-lhe uma das mãos e fez com que ele se sentasse.
Contou-lhe rapidamente o que tinha acontecido, aninhando-se de
encontro ao peito protetor.
— Oh, Jess. Eu não deveria tê-la deixado sozinha na fazenda! A
culpa foi minha, toda minha!
— Não diga tolices, Raitt. Esse pequeno acidente serviu para me
mostrar que ninguém é uma ilha. Aprendi, finalmente, que todos
dependemos e precisamos uns dos outros.
— Se eu estivesse lá, nós...
— Teríamos feito todas as tarefas juntos e talvez o incidente não
tivesse acontecido.
— Fui um perfeito idiota, Jess. Comecei a me apaixonar por você
e...
— Começou?
— Estou apaixonado por você. Pensei que fosse apenas uma
atração sexual intensa, mas o tempo me provou que eu estava errado.
— E eu também estou apaixonada por você, caubói.
Trocaram um longo olhar. Um olhar onde se expressava todo o
amor, todo o carinho, todo o desejo que os invadia e que os fazia
compreender que só seriam felizes juntos. Um olhar que dispensava
palavras. Um olhar que era só sentimentos.
— Faça amor comigo, Raitt.
— Sim, sim, minha pimentinha.
Ele abriu o zíper do jeans de Jéssica. Ela abriu o zíper da calça de
Raitt.
Foi então que ouviram uma leva batida à porta e a voz de Dunc
anunciou:
— Tim Waverly está aqui, Raitt.
EPÍLOGO
O improvisado jantar na véspera do casamento de Dunc e Vangie
foi um sucesso. Para aumentar ainda mais a alegria dos noivos, de
Jéssica e de Raitt, o afável e bem-falante Tim Waverly vibrou com a idéia
de passar alguns dias na Fazenda Patton. Tudo, enfim, parecia ter se
encaixado no seu devido lugar. Ou quase tudo.
Assim que chegaram ao apartamento de Raitt, Jéssica perguntou:
— Em que quarto vou ficar?
— É você quem escolhe, Jess.
— Escolho o seu, então.
— Posso ficar nele também?
— Bem... Por que não serve um drinque para nós, enquanto vou
lavar o rosto e escovar os cabelos?
Quando ela retomou à sala de estar, Raitt estava à sua espera no
sofá. Havia duas taças de vinho branco gelado sobre a mesa de centro.
Jéssica pegou uma taça para si e entregou a outra a ele,
sugerindo:
— Vamos fazer um brinde?
— A quê?
— A feliz união dos nossos avôs.
— Aos simpáticos e assanhados velhinhos, então!
Os dois caíram na risada. Após sorver um pequeno gole de sua
taça, Jéssica respirou fundo e fez nova sugestão:
— Vamos falar um pouco a respeito de nós dois agora?
— Vamos, sim. Estive pensando nesse assunto desde que deixei
a fazenda.
— E eu não consigo tirar da cabeça que você disse que me
amava. É mesmo verdade, Raitt?
Ele deixou a taça de vinho sobre a mesa e tomou-lhe as mãos
entre as suas.
— Do fundo do meu coração, Jess. Com seu temperamento
ardido como pimenta, você conquistou minha mente, meus sentimentos,
meu sexo. Agora, eu lhe pertenço.
— Você também me conquistou por completo. E me ensinou a
acreditar em mim mesma.
— Também eu aprendi muito com você.
— Mesmo?
— Sim. Aprendi que estava na hora de repensar minhas
convicções tolas e meus preconceitos bobos contra o casamento.
— Mas nunca pensei em obrigá-lo a...
— Nada de discussões ou brigas. Agora, nós vamos é fazer amor.
Após uma noite repleta de paixão, Raitt acordou na manhã
seguinte com a campainha do telefone.
— Humm...? Sim, é ele... Quero dizer, sou eu... Oh, Dunc, o que
você quer a uma hora destas?
— Como, o que eu quero? O ônibus já está de partida para Reno,
rapaz! Hoje é o dia do meu casamento com a sua avó, seu desmiolado!
E vocês estão atrasados!
— Tudo bem, não se preocupe. Jess e eu vamos para lá de carro.
E nos desculpe pelo contratempo. É que acabamos dormindo demais.
— Dormindo demais, é? Juntos ou separados?
— Adivinhe...
— Rapaz, você vai ter muito o que explicar ao lado Patton da
nossa família! Vamos, agora tratem de se levantar e chegar a tempo
para a cerimônia! Caso contrário, Vangie e eu não iremos ao casamento
de vocês!
Assim que Dunc desligou, Raitt aconchegou Jéssica de encontro
ao peito. Ainda sonolenta, ela pôs-se a lhe acariciar o braço.
— O que meu avô falou?
— Que eu devo pedir dispensa da Guarda Montada, casar com
você e encher a Fazenda Patton com meninos de rua. Além dos nossos
filhos, é claro.
— Foi isso mesmo o que ele disse?
— Não, mas é o que pretendo fazer. Não foi o que combinamos na
noite passada?
— Por duas vezes, amor.
— Vai se casar comigo, Jess? Vai me dar uma porção de filhos?
Vai me ajudar a cuidar da fazenda? Vai me dar uma força para tirar
aquelas crianças das ruas de San Francisco?
— Já respondi a todas essas perguntas na noite passada. Por
cinco vezes, amor.
— Eu já disse que amo você?
— Dezenas de vezes durante toda a noite passada, amor.
— E você também me ama de verdade?
— Bem, isso eu vou dizer pelo resto da minha vida. Um milhão de
vezes, amor.
NÃO PERCA NAS PRÓXIMAS EDIÇÕES
LÁBIOS SEDUTORES - Bobby Hutchinson
Os homens criticavam Emily Parker por ser forte e independente demais,
mas ela não iria mudar por causa de um sujeito qualquer... Então, apareceu
Kevin Richardson, que virou seu mundo de cabeça para baixo. O que a
surpreendia era o puro prazer de estar com um homem que a compreendia e a
desejava tanto quanto ela o desejava! Kevin se orgulhava de seu faro para os
negócios, razão do sucesso da Companhia de Empreendimentos Pace. Não tinha
escrúpulos de fazer-se passar por turista para avaliar as terras das Parker. Mas foi
desviado de sua trilha pela bela e selvagem Emily. Mesmo se abrisse mão do
negócio, Emily jamais o perdoaria por ter sido enganada. Kevin teria coragem de
arriscar tudo por amor?
UM NOVO AMOR - Vicki Lewis Thompson
Partindo de sua pequena cidade, Laura Rhodes foi em busca de uma nova
vida. Mas ao chegar, de carro, a San Francisco, na Califórnia, começou a ser
seguida por sujeitos mal-encarados. E para piorar a situação, o homem com
quem iria casar desapareceu sem nenhum aviso! Laura estava numa enrascada,
até que Nick Hooper, irmão de seu noivo, surgiu para salvá-la. Quando o
atraente Nick a fez perder a cabeça com beijos e carícias devastadoras, Laura
sentiu-se perdida! Ele estava arriscando a própria vida para protegê-la e esconder
um misterioso pacote que ambos haviam encontrado no automóvel dela. De
repente, Laura ficou sem saber o que estava correndo maior risco: sua vida ou
seu coração...

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