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O Coração Não se Engana

“Independent Lady”

Kristy McCallum

Bianca Duplo 457

Nos braços de Jimmy, ela se esquecia de que tudo era um jogo...

Ao ver Jimmy aproximar-se, Lucy permaneceu parada, o coração acelerado e


um tremor percorrendo-lhe o corpo inteiro. Fechando os olhos, ofereceu os
lábios, ansiosos por serem beijados.
De súbito, porém, deu-se conta de que fora longe demais, de que deixara
aquele homem brincar com seus sentimentos. “Não me toque”, suplicou.
“Você não vai me enganar! Saia daqui! Eu te odeio, Jimmy O’Donnell.”

Digitalização e revisão: Alice Maria


Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

Copyright: Kristy McCallum


Título original: “Independem Lady”
Publicado originalmente em 1988 pela
Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra

Tradução: Sílvia Ralisch

Copyright para a língua portuguesa: 1990


EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Av. Brigadeiro Faria Lima, 2000 — 3º andar
CEP 01452 — São Paulo — SP — Brasil
Caixa Postal 2372

Esta obra foi composta na Editora Nova Cultural Ltda.


Impressa na Divisão Gráfica da Editora Abril S.A.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
CAPÍTULO I

Como a noite estivesse muito fria, sentaram-se todos perto da lareira.


Lucy Porter, que passara boa parte do jantar tentando explicar aos pais a
decisão de fixar residência na França, acomodou-se sobre o tapete e colocou
mais achas no fogo. Em seguida, apoiou a cabeça no colo da mãe consciente
do quanto era difícil para a família ver a única filha mudar-se para tão longe.
— Oh, querida! — A mãe afagou-lhe os cabelos. — Por que esta
decisão tão repentina de mudar-se? Ainda por cima, para um lugar tão
distante?
Lucy olhou-a com ternura.
— Mamãe, não existe um motivo especial. Apenas acho que será
melhor para mim.
— Mas é uma loucura! — retrucou a sra. Porter. — Se está com
dificuldades de escrever numa cidade tão movimentada quanto Londres, por
que não vem morar conosco? Aqui o bairro é tranqüilo, sem falar que
adoraríamos tê-la por perto.
David Porter, que as observava em silêncio, sentou-se na poltrona e
acendeu o cachimbo, enchendo a sala com o suave aroma do fumo. Lucy
sempre associaria aquele perfume à tranqüilidade da casa paterna.
— Sabe, querida, acho que nossa filha já está bem grandinha para
decidir o próprio destino. — Ignorando a tristeza da esposa, sorriu para a
filha. — Pelo que entendi, sua decisão já está tomada, não é, Lucy?
— O senhor nem faz idéia do tempo que venho pensando no assunto.
O senhor mais do que ninguém sabe o quanto as férias na fazenda da tia
Mary me deixaram feliz.
David Porter encarou Lucy com seriedade e estalou os dedos, como
lhe era de hábito sempre que se defrontava com algum problema. Desde a
faculdade, durante o curso de advocacia, aprendera a medir bem as palavras
antes de expor uma idéia.
— Sabe que não será a mesma coisa, as férias não voltam mais. É um
erro pensarmos que conseguiremos trazer o passado de volta. Aquelas férias
se tornaram apenas lembranças...
— Sei disso, papai, mas acho que toda tentativa de obter felicidade é
válida.
Lucy levantou-se e estudou a expressão de tristeza da mãe. Nesse
instante, David interveio antes que a esposa dissesse alguma coisa.
— Você sabe que as leis quanto a heranças na França são bem
diferentes das nossas, não? Quando não existe um herdeiro pré-definido, a
propriedade é dividida entre os parentes próximos em partes iguais.
— Mas o meu caso não é esse papai. Tia Mary sempre quis que eu
herdasse tudo.
— É verdade, eu mesmo vi o testamento. Minha única dúvida é se
Jean Louis pensa da mesma forma.
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Lucy olhou espantada para o pai.


— Por que acha que ele não concordaria? Ao que me consta, ele tem
direito à Grande Ferme, que é pelo menos três vezes maior do que
Cherrytree.
Dessa vez David Porter dirigiu-se à filha, preocupado.
— Cherryport é o único acesso para a praia e...
— Isso não incomodaria Jean Louis — Lucy interrompeu. —Tenho
certeza de que ele não tem intenção alguma de morar longe da agitação da
cidade. Não faz seu estilo. Ele é um parisiense nato e garanto que venderá a
fazenda na primeira oportunidade.
David ia continuar com os argumentos quando a esposa se intrometeu
na conversa.
— David, você há de concordar que Lucy tem toda razão.
Lembro-me de que certa vez Jean Louis me contou que... — A sra.
Porter narrou uma longa história para provar que Jean Louis jamais
abandonaria a cidade e depois lançou um olhar reprovador ao marido. —
Viu só? Ele não tem a menor intenção de se tornar um fazendeiro. Morreria
de tédio...
— Está bem, minhas queridas, não posso discutir com as duas ao
mesmo tempo. Mas nada me faz mudar a idéia de que Cherrytree é vital para
qualquer empreendimento naquela área. Tenho certeza de que Jean Louis
não resistirá a uma proposta tentadora.
— Empreendimento! Ah, não, só se ele estivesse completamente
louco! — Lucy acomodou-se sobre o braço da poltrona do pai.
— Por que está dizendo isso? Por acaso sabe de alguma coisa?
— Não, claro que não. Mas não é difícil imaginar que a propriedade
será vendida e por um preço excelente. O lugar é lindo, devem existir
centenas de investidores ávidos por transformar aquele paraíso num ponto
turístico.
Lucy deu de ombros.
— Pois eu não acredito. Pelo que sei, Jean está bastante ocupado com
seu trabalho em Paris e com o casamento com Manuelle. Além disso, Gilbert
e tia Mary odiariam ver Cherrytree transformada em atração turística.
— Você se esquece que há muito dinheiro em jogo nessa história — o
pai advertiu —, o bastante para fazer com que Jean mude de idéia
rapidamente e decida vender a propriedade. Dinheiro dá cócegas em
qualquer mão, filha...
— Apesar de não ser problema meu, sempre achei que a família de
Jean estivesse bem de vida o bastante para não se desfazer de um
patrimônio. Mesmo porque, quaisquer que sejam os planos, Jean Louis não
poderá fechar nenhum negócio. Decididamente não estou interessada em
colocar à venda a minha parte.
— Pelo que vejo você está mesmo decidida a mudar-se, não é? —
David Porter soltou longas baforadas do cachimbo. — Então, espero que se

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saia bem nessa opção. Mas saiba que, se acontecer alguma coisa, pode
sempre contar conosco. Quem sabe se no verão não aparecemos por lá?
— Vai ser ótimo, papai. O único problema de morar tão longe é a
saudade que vou sentir de vocês...
— Como os tempos mudaram... — disse a sra. Porter. — Com a sua
idade eu já estava casada e não pensava em outra coisa a não ser cuidar da
casa e de seu pai.
— Ora, mamãe, vamos deixar o saudosismo de lado — comentou
Lucy, contente por ter a aprovação do pai. — Quem sabe não encontro meu
príncipe encantado por lá, hein?
— Quero só ver se existe alguém capaz de suportar esse seu gênio.
Você está cheia de manias!
Sob os olhares espantados do marido e da filha, Sandra Porter saiu da
sala sem dizer mais nada. A atitude da mãe despertou uma ponta de mágoa
em Lucy.
— Papai, se bem a conheço, a mamãe está muito chateada comigo.
— Pode ser, mas acho que ela está é frustrada. Na semana que passou,
Sandra foi a um chá beneficente e voltou enciumada das amigas que
tricotavam para os netinhos.
— Bem, se for esse o problema, diga a ela para pegar nas agulhas. Eu
providencio o resto.
— Deixe de brincadeiras. Sandra só está preocupada com a sua
felicidade.
— Posso lhe assegurar, papai, que agora que tomei a decisão, estou
mais feliz do que nunca. E também vou estar tão ocupada nos próximos
meses que mal terei tempo para arranjar um marido.
— Você continua brincando com as preocupações da sua mãe.
Lucy lançou um olhar maroto para o pai, antes de abraçá-lo.
— Não me diga que também está preocupado?
— Claro que não, sou possessivo e ciumento o bastante para não
querer vê-la casada.

Lucy estendeu o ticket ao sonolento guarda que verificava a fila para


tomar a balsa destinada a Dieppe. Como saíra de casa de madrugada e
fizesse muito frio, Lucy prendera os cabelos num coque e os acomodara sob
um gorro de lã. A jaqueta de veludo, revestida de pêlo de carneiro, estava
fechada até o último botão deixando-a bem aquecida e com coragem para
descer do carro e respirar um pouco de ar puro, enquanto a fila não andava.
Àquela hora da manhã o vento batia-lhe no rosto, cortando-lhe a pele
delicada como se fossem pequenas agulhas afiadas. Ali, parada, sem muito o
que fazer, Lucy examinou um a um os outros carros. A maioria eram
motoristas de caminhão ou então estudantes.
De súbito a fila começou a andar bem devagar. Ela entrou no carro e
deu partida, admirando mais uma vez o recém-adquirido presente. Ainda

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podia ver com nitidez a expressão de espanto dos pais quando lhes dissera
que comprara o carro, gastando com isso toda a herança deixada pela avó.
Mas nenhum dinheiro no mundo pagaria a sensação de liberdade que
desfrutava ao dirigir um automóvel conversível como aquele.
Adorava aventuras, e sempre que tinha oportunidade, dirigia em alta
velocidade. Se o tempo na França fosse tão bom quanto o céu azul e límpido
anunciava, então teria a oportunidade de trafegar com a capota baixa e gozar
do prazer de sentir-se flutuar no ar.
Um dos funcionários da balsa orientou os motoristas para que
avançassem ordenadamente, formando diversas filas. Havia muita gente por
ali, querendo pegar carona no barco para chegar cedo ao trabalho. Todos
avançavam lentamente, brecando e acelerando diversas vezes. De repente o
marinheiro estendeu o braço na frente de Lucy, proibindo-a de prosseguir. A
parada brusca fez com que o veículo que vinha atrás não freasse a tempo e
batesse na traseira do conversível.
Furiosa, Lucy puxou o breque de mão e saiu do carro para inspecionar
o estrago e conversar com o motorista causador do acidente. O susto de
deparar-se com um homem muito atraente obrigou-a a engolir por poucos
segundos a raiva que sentia. Diante de si estava uma beldade masculina
cujos olhos azuis e profundos pareciam envolvê-la numa carícia atordoante.
O maxilar forte, o nariz afilado e a boca máscula conferiam ao estranho um
ar nobre, mas que naquele instante expressava apenas aborrecimento pelo
que havia acontecido.
Jimmy O'Donnell passou as mãos pelo jeans desbotado, procurou os
cigarros no bolso da camisa e então encarou Lucy com aparente descaso. Ela
ia explodir com tal atitude quando reparou no carro dele, um conversível
esporte italiano, último tipo, um modelo que ela sempre sonhara em dirigir.
O fato deixou-a ainda mais nervosa.
— Por que você não prestou atenção? — Lucy protestou. —
Estávamos quase parados!
Jimmy sorriu com ironia.
— Sinto muito, mas você parou tão de repente que não tive tempo de
frear.
—Desculpas não vão resolver nada. O que faço com essas lanternas
quebradas?
— Não se preocupe, senhorita. — O marinheiro se posicionou ao lado
deles decidido a assumir o controle da situação. — Foi apenas o espelho das
lanternas, nada sério.
— Mesmo assim acho que você deveria passar num auto-elétrico para
ver se não aconteceu mais nada — acrescentou Jimmy.
Lucy voltou a atenção para Jimmy, que agora a encarava com mais
atenção, devolvendo-lhe a mesma sensação perturbadora de instantes atrás.
— Ah, ótimo! E onde vou encontrar um auto-elétrico por aqui?

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— Depois de descermos da balsa posso indicar-lhe um posto não


muito longe — sugeriu o marinheiro. — De lá, a senhorita pode ligar e
consultar sua seguradora.
— Seguradora? Mas a culpa não foi minha!
Lucy encarou Jimmy esperando que dissesse alguma coisa. Ele, no
entanto, ignorou-lhe a raiva e, em silêncio, continuou a catar os pedaços de
vidro que haviam se espalhado pelo chão. Depois de alguns minutos dirigiu-
lhe a palavra.
— Acho que não será necessário ligar para a companhia de seguros
nem tampouco fazermos ocorrência policial por um acidente tão sem
importância. — Jimmy pegou a carteira e estendeu a Lucy alguns francos
franceses. — Isto deve ser suficiente para cobrir qualquer despesa de oficina.
Lucy pegou as notas, sem saber ao certo que atitude tomar.
— Se fosse a senhorita, aceitava o dinheiro. Dá e sobra para comprar
as lanternas — argumentou o marinheiro.
— Bem, então... muito obrigada. Mas acho que é muito dinheiro para
tão pouco. Para onde devo mandar o troco?
Jimmy lançou-lhe um sorriso charmoso.
— Deixe para lá. O troco fica por conta do aborrecimento que teve.
Jimmy deu-lhe as costas e entrou novamente no carro. Atordoada,
Lucy olhou para o dinheiro que tinha nas mãos. Teria agido de maneira
correta aceitando aquela quantia? Na certa o conserto não custaria nem um
terço do que possuía naquele momento...
— Ele foi muito generoso — comentou o marinheiro. — Garanto que
não gastará quase nada para consertar o estrago.
Certo de que o assunto fora resolvido de maneira mais do que
satisfatória, o rapaz voltou ao trabalho, deixando Lucy entregue aos próprios
pensamentos.
Depois de algum tempo, ela chegou à conclusão de que a oferta
financeira de Jimmy a ofendera e que por isso o encontraria para devolver-
lhe o troco. Quem poderia ser aquele homem? Bem, não seria difícil
encontrar um carro como o que ele possuía numa cidade pequena como
Dieppe.
A bem da verdade, porém, Lucy tinha consciência de que não estava
indignada só pelo fato de ter recebido dinheiro, mas sim pelo que sentira na
presença daquele estranho. O pior era a evidência de que Jimmy se sabia
admirado pelas mulheres. Mas haveria outro encontro e então teria chance
de provar a ele que não era como as outras mulheres, que não estava nem
um pouco impressionada por aqueles belos olhos azuis. Teria imenso prazer
em lhe devolver praticamente todo o dinheiro, menos a quantia gasta com o
conserto das lanternas.
Decidida a esquecer-se do incidente momentaneamente, Lucy dirigiu-
se ao barzinho da balsa, a fim de tomar um café e comer alguma coisa. Seus
pensamentos, porém, continuavam concentrados em Jimmy. Como faria para

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encontrá-lo? Havia tantos carros e tanta gente naquela embarcação! O único


jeito seria sair na frente de todos e tentar localizá-lo no meio da multidão. E
saindo do bar Lucy foi até o convés e começou a arquitetar o que faria nos
dias seguintes, assim que chegasse à casa da tia. Porém, não conseguia
pensar em outra coisa a não ser no estranho arrogante e misterioso que
invadira sua vida de forma tão inesperada.
Divertiu-se em imaginar o que sua mãe acharia daquilo tudo.
Antes de sair de casa dissera que não teria tempo para pensar em
namorados, ou qualquer coisa do gênero, e logo na viagem já encontrara
alguém que, de uma forma ou de outra, lhe despertara as emoções.
Lucy sempre fora dona de um temperamento suave, doce, fácil de se
tratar. Consciente disso, aproveitara para manipular com jeitinho todos os
homens que haviam se aproximado dela. Mas bem sabia que se comportara
assim por que nunca se apaixonara de verdade.
As amigas invejavam-na por chamar tanto a atenção dos homens. Mas
o que elas não sabiam era que nenhum de seus pretendentes a tocara
profundamente, nunca conhecera a paixão. A maioria deles se aproximava
com propostas vazias, sem sentimento, o que a aborrecia ao extremo.
Sorrindo para si mesma, Lucy acabou por admitir que o estranho lhe
chamara a atenção justamente porque a tratara com indiferença. Adoraria
colocá-lo em seu devido lugar assim que o encontrasse uma próxima vez.
Ignorante um pouco às regras de segurança, ela debruçou-se sobre a
grade do barco, conforme a embarcação passava pelos muros do porto de
Dieppe. O sol já estava mais forte, aquecendo a manhã e os passageiros que
se aglomeravam ansiosos por pisarem em terra firme.
Lucy abriu a bolsa, pegou as chaves e preparou-se para descer até o
carro a fim de sair na frente de todos. Mas havia outras pessoas tão
apressadas quanto ela, e alguém, por ironia, esbarrou-lhe no braço, fazendo
com que suas chaves caíssem dentro de um buraco.
— Droga — murmurou, tentando resolver o problema —, mais essa!
— Vai precisar de ajuda, querida — comentou uma senhora de idade
que em vão tentou socorrê-la. — Não será fácil tirá-las daí.
Lucy tentou pedir ajuda, mas todos estavam apressados demais para
perder tempo com ela. Meia hora mais tarde, quando já não havia quase
ninguém e os marinheiros estavam ocupados com as amarras do barco, Lucy
começou a perder a paciência. Por fim, encontrou um homem que limpava o
convés, e que solucionou o problema com a ajuda de um arame e de uma boa
dose de paciência.
Com o molho de chaves na mão, Lucy desceu até onde estacionara o
carro e o achou num instante. O veículo era o único que permanecera.
Irritada, deu a partida e saiu cantando os pneus. O trânsito em Rouen
estava bem lento, mas ela não demorou muito tempo para encontrar uma
oficina. Fazia bem mais calor do que o esperado, mas àquela altura Lucy
duvidava se o mal-estar que sentia não seria fruto de tantos contratempos.

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Logo após deixar o carro para consertar, ela decidiu dar uma volta
pela cidade. Precisava espairecer e mais do que nunca se recuperar de tantos
transtornos. Sentada num banco da praça principal, observou as pessoas ao
seu redor que pareciam muito alegres, e a paisagem exótica do lugar.
Do outro lado da rua uma pequena catedral em estilo gótico chamou-
lhe a atenção. Levantando-se, arriscou a visitá-la e não se arrependeu. O
esplendor e beleza do interior da igreja emprestaram-lhe um pouco da paz e
tranqüilidade que ali reinavam.
Ainda encantada com o que acabara de ver e sentir na catedral, Lucy
caminhou em direção a uma brasserie para tomar um lanche. O pequeno
restaurante tinha seus arredores delineados por canteiros de flores, que
separavam do movimento da rua as mesas colocadas na calçada. A conversa
animada das pessoas presentes, o lanche delicioso e o clima descontraído a
fez usufruir de uma deliciosa sensação de bem-estar e felicidade. Tudo ao
seu redor retratava a França, mas, o mais divertido, era observar os
moradores do lugar, que passeavam com seus cachorros. Primeiro passou
por ali uma senhora muito bem-arrumada, com o nariz tão empinado quanto
o de seu cachorrinho poodle. Depois uma jovem bem magra, com um settle; e
logo a seguir uma senhora baixinha e gordinha com um pequinês. Para
completar o quadro, haviam os pequenos prédios em estilo gótico que
circundavam a praça, invadidos em sua maioria por centenas de pombos que
voavam e pousavam em busca de alimentos oferecidos pelos freqüentadores
do lugar.
— Lucy! Mas que surpresa maravilhosa!
Ela olhou na direção que vinha a voz e encontrou uma figura amiga e
conhecida.
— Jean Louis! Mas o que você está fazendo por aqui?
— Ora, estou a caminho de Grande Ferme, claro. Puxa, que sorte
encontrá-la por aqui! Será que posso me sentar?
Ela sorriu em sinal de consentimento e divertiu-se ao notar que antes
de se sentar, Jean Louis examinou a cadeira com cautela.
As manias do primo continuavam as mesmas da época em que
passavam as férias juntos em La Ferme Cerisier.
— Telefonei para convidá-la a vir para cá. Quando sua mãe me disse
que já estava a caminho, arrumei minhas coisas e parti. Será como nos velhos
tempos, não é? Uma viagem ao passado, aos alegres tempos que passamos
juntos. — Jean Louis lançou-lhe um de seus velhos e encantadores olhares. —
Já faz tanto tempo que não nos vemos! Você está mais bonita do que nunca.
Tia Sandra me contou que ainda não existe ninguém especial na sua vida...
mas eu simplesmente não consigo acreditar nisso!
— Você continua o mesmo galanteador de sempre. — Lucy sorriu. —
Mas, por falar em amores, como vai Manuelle?
Jean gesticulou, insinuando que o assunto não tinha a menor
importância naquele momento.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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— Manuelle? Estamos brigados. Ela esteve, ou está, já nem sei, em


Londres, trabalhando para Jimmy O'Donnell. No começo ela me convenceu
de que iria para lá apenas para melhorar o inglês, e isso já faz um ano! Na
verdade, acho que há alguma coisa a mais nessa história toda.
— Desculpe-me, não devia ter perguntado.
— Ora, deixe para lá! Ainda somos noivos, não rompemos o
compromisso. Mas a situação seria bem diferente se você tivesse aceitado
meu pedido de casamento. Na certa eu e Manuelle não estaríamos juntos
hoje.
— Mentiroso! Você sempre a adorou. Desde quando éramos crianças.
— Isso foi naquela época. Hoje já acho que tudo não passou de um
grande erro.
— Pois eu acho que não houve erro algum. Vocês foram feitos um
para o outro.
— Ainda continua fã das frases feitas, não é, querida?
Lucy se calou e viajou no tempo voltando à infância. Desde que o tio
de Jean Louis, Gilbert DuParc, casara-se com tia Mary, irmã do pai de Lucy,
as crianças passavam as férias na pequena fazenda da costa francesa. Jean
Louis tinha doze anos e Lucy era dois anos mais nova que ele quando se
conheceram. Manuelle, filha de um casal de amigos dos pais de Jean Louis,
também costumava passar as férias na fazenda. A propriedade era linda, em
frente a uma pequena praia deserta, mas Manuelle vivia protestando,
dizendo estar num lugar ermo e triste. Lucy nunca se dera muito bem com
ela e a recíproca, embora triste, era mais do que verdadeira.
Com o passar do tempo, Lucy foi ficando cada vez mais bonita. Dona
de um tom de pele alvo, olhos acinzentados e cabelos dourados, tornou-se
uma jovem muito atraente, enquanto Manuelle conservou sua beleza
comum. A rivalidade existente entre ambas concentrou-se em Jean Louis.
Manuelle agarrou-se ao amigo, não deixando que ninguém se aproximasse
dele, como se tomasse conta de um bichinho de estimação. Lucy, por sua vez,
a fim de evitar problemas, deixou que ela assim procedesse sem protestar.
No último verão que passaram juntos estavam por volta dos dezoito
anos e Jean Louis já tentava conquistar Lucy. Nessa época, Manuelle e os pais
chegaram à fazenda uma semana depois deles, deixando-os à vontade para
passear e divertirem-se sem a presença impertinente de Manuelle. Durante
aquela semana, os dois exploraram toda a costa de motocicleta e saíam todas
as noites com amigos para as cidades vizinhas.
Foi durante aquele verão que Jean Louis a pediu em casamento. Lucy
recusou a proposta, alegando que sempre o tivera como um irmão mais
velho e muito querido. Além disso, Lucy sabia que os pais de Jean Louis
gostariam de vê-lo casado com Manuelle e não queria destruir-lhes o sonho.
Manuelle, porém, ficou tão magoada com a novidade que fez com que Lucy
decidisse passar as férias noutro lugar, a partir do verão seguinte.

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No anos seguintes, Lucy e Jean Louis se encontraram apenas quando


ele vinha para Londres. A amizade, porém, nunca mais foi a mesma. Já não
havia tanta intimidade e compreensão. O noivado de Manuelle a pegara de
surpresa, mas saber que os dois nem pensavam em se casar logo, a deixara
ainda mais perplexa.
Voltando à realidade, Lucy sentiu uma curiosidade enorme em saber
mais detalhes sobre Manuelle. E não poupou o primo das perguntas:
— Quem é Jimmy O'Donnell?
Jean Louis olhou-a com espanto.
— Ora, Lucy, impossível nunca ter ouvido falar nele. É o responsável
pela criação de quase todos os complexos turísticos da Europa. — Jean Louis
desviou o olhar antes de dizer o que tinha em mente. — E tenho certeza de
que agora está interessado em nossas fazendas.
— Não está pensando em vender as fazendas para transformá-las em
ponto turístico, não é mesmo?
— E o que mais poderíamos fazer? Eu moro em Paris, você em
Londres... Não nos resta outra saída. A costa toda mudou muito desde a
última vez em que esteve aqui. Até a fazenda da família Brocart foi
transformada num hotel...
Lucy tomou um gole do vinho que pedira minutos antes lembrando-
se das palavras do pai quando saíra de Londres.
— Pois eu não tenho intenção de vender o que herdei. Quero morar na
velha casa da tia Mary e manter o pomar.
Jean Louis respirou fundo.
— Não acredito! Por que não quer vender? Pensei que você
trabalhasse em Londres!
— Estou cansada de viver em Londres. Além disso, posso trabalhar
em qualquer lugar do planeta. Quero tentar viver aqui por algum tempo
para ver se me acostumo.
— Você só pode ter enlouquecido! Morar aqui, sozinha?
Lucy suspirou. A reação de Jean Louis não a surpreendia. Até mesmo
sua própria família tachara de loucura aquela opção. Mas havia razões de
sobra para tal decisão. Londres a deixava inquieta e nem mesmo o sucesso da
profissão era capaz de fazê-la feliz.
Além disso, sabia que era hora de mudar, de conquistar um novo
espaço, repensar a vida, tecer novos planos. A notícia de que a tia lhe deixara
a fazenda como herança surgira como uma oportunidade esperada para
aplacar a ansiedade que a consumia. Os livros infantis que escrevia vendiam
bem nos Estados Unidos e na Inglaterra, e a independência econômica
alcançada lhe permitia, agora, fazer o que bem entendesse sem ter que dar
satisfações a ninguém.
— Pois eu não acho que estou louca. A idéia de morar naquele paraíso
me veio como um presente dos céus.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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— Mas por quê, Lucy? Não consigo imaginar uma garota linda e
talentosa como você se enterrando ali, vivendo um dia-a-dia monótono e sem
brilho. O que aconteceu em Londres que a abalou tanto? Alguma desilusão?
Lucy tentou ignorar a irritação que crescia dentro dela.
— Por que todos pensam que sofri alguma espécie de desilusão
amorosa? Ainda não encontrei um homem que me fizesse perder o sono. —
Lucy percebeu que Jean não acreditava no que acabara de dizer. — Vou
tentar explicar. Ultimamente todos os homens com quem tenho saído são
muito possessivos e tampouco se interessam pela minha vida profissional.
Sempre me acharam uma loira bonita, concluindo que eu só poderia pensar
em futilidades. Nenhum deles imagina que levo minha profissão a sério;
imaginam que trabalho apenas por passatempo. Esperam, inclusive, que eu
desmarque compromissos importantes com editores, para aceitar seus
convites para jantar, onde fatalmente sonham em levar-me para a cama!
Pode ser que não sejam todos assim, mas eu cansei! Tenho vinte e cinco anos
e quero viver minha vida do jeito que achar melhor. Tenho certeza de que
aqui conseguirei um pouco mais de paz para realizar meu trabalho.
Sem ser interrompida a toda hora com coisas sem sentido. Preciso
entregar um livro e vou me empenhar para que saia bom o suficiente para
me impor cada vez mais no mercado. — Lucy deu um longo suspiro. —
Sempre fui tão feliz aqui, lembra-se?
—É verdade, Lucy, acho que posso entendê-la. Você está precisando
mesmo de um tempo. Mas acho que se esquece de uma coisa: passar as férias
aqui é uma coisa; viver nesse lugar é outra, bem diferente.
— Oh, Jean Louis, por favor, não vamos começar tudo de novo!
— Está bem, querida, não se fala mais nisso. Garanto que, depois de
passar o verão todo na fazenda, você estará se sentindo outra. Aí então
poderemos retomar esse assunto...
— Mas não tenha esperanças de que vou vender a fazenda. Será que é
muito difícil entender que quero me mudar para cá?
Jean pressionou os lábios, sabendo não ter argumentos que a
convenceriam do contrário.
— Olhe, essa não é a melhor hora para continuarmos com esta
conversa. Espere até chegarmos lá. Acho que vai mudar de idéia quando vir
as mudanças na região.
Lucy assentiu. Na verdade, não conseguia resistir ao sorriso carinhoso
de Jean Louis. Ele sempre recorria àquele gesto amoroso quando queria sair-
se bem de uma situação. Engraçado observar como um menino feio e
franzino, como ele fora na infância, pudesse ter se transformado em um
homem elegante e muito charmoso. Jean Louis seria sempre vaidoso como
seu tio Gilbert, e era difícil não achá-lo atraente.
— Ainda joga tênis? — perguntou, interessada em saber como ele
fazia para manter a boa forma.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

— Sim, mas com bem menos freqüência. Ainda mais agora que fico
preso numa cadeira de escritório o dia todo.
— Quanto tempo tirou de férias desta vez?
— Apenas uma semana. Não se importa de ficar em Cherrytree
sozinha?
— Maria ainda trabalha lá, não é?
Jean Louis fez que sim com um sinal de cabeça.
— Bem, então ela cuidará de mim, como sempre fez. Aliás, a essa
altura, mamãe já deve ter dado um jeitinho de falar com ela.
— Vai seguir viagem direto para lá?
— Não, vou passar a noite em Caen. Nunca tive oportunidade de me
hospedar por lá. Dizem que o hotel é lindo.
— É uma pena, mas não vou poder acompanhá-la. Prometi a Pierre
que chegaria esta noite, e acho melhor manter os planos. Ele já está velho e
quer se aposentar, mas ainda toma conta de tudo para nós. Pelo menos até
que eu resolva o que farei da fazenda. Bem, então, até lá.
— Até lá. Foi bom encontrá-lo de novo.

CAPÍTULO II

Lucy saiu muito preocupada do encontro com Jean Louis. O fato de


alguns fazendeiros terem vendido suas terras alertava para a batalha dura
que teria pela frente. As terras não eram produtivas, apenas serviam para
lazer. Gilbert DuParc, porém, administrara as duas propriedades muito bem
depois de ter se casado com tia Mary e elevara o valor do patrimônio. Ela e
Jean receberiam uma boa quantia em dinheiro se quisessem vendê-las, ainda
mais por Cherrytree ser o único acesso à praia.
Mas as razões que Lucy tinha para não vender a fazenda eram
puramente sentimentais. Herdara o dom de desenhar com a tia e seria
eternamente grata a ela por ter-lhe ensinado a arte. Tia Mary a incentivara a
desenhar todos os animais da fazenda e a escrever histórias infantis. O senso
de humor apurado e sutil havia sido herdado do pai advogado, mas fora a
tia que a fizera acreditar que aquele dom poderia se transformar numa
profissão.
Apesar dos livros que escrevia serem dirigidos a crianças, havia
muitos adultos que os liam e apreciavam bastante. Embora admitisse o
talento que possuía, Lucy surpreendia-se ao ver suas histórias venderem
tanto. Vivia sob pressão dos editores para escrever mais e mais, graças à
demanda. Por causa dessa pressão, Lucy resolvera sair de Londres e buscar
novas fontes de inspiração. A fazenda Cherrytree serviria como uma luva
para seus anseios.
Depois de retirar o carro da oficina, Lucy pegou a estrada para Caen.
Durante o trajeto, diminuiu a velocidade e apreciou a paisagem. Ao chegar à
cidade, estacionou o carro para andar um pouco pelo comércio, mas não

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

conseguiu concentrar-se em nada. Jean Louis e seus planos não lhe saíam da
cabeça. Talvez fosse por causa de seu humor que realmente não estava dos
melhores, mas depois de andar por mais algumas quadras, descobriu que
Caen não tinha o charme de Bayneus, mesmo sendo uma das cidades mais
prósperas da Normandia.
A tarde começou a cair e com ela foi-se embora o ar quente, dando
lugar a uma brisa fria. Depois de puxar a capota do carro, Lucy dirigiu-se ao
mais badalado hotel da região. Pelo menos uma vez podia se dar ao luxo de
tal extravagância.
Aproveitaria também para, de lá, ligar para os pais e tranqüilizá-los,
contando que a viagem estava correndo melhor do que o esperado.
No centro da cidade, as ruas estavam cheias e o tráfego intenso.
Vendo aquela agitação toda, Lucy lembrou-se de Londres e em seguida do
que Jean lhe dissera. Se a região estivesse mesmo muito mudada e Grande
Ferme fosse vendida, então os planos de morar ali iriam por água abaixo. De
uma hora para outra toda a animação cedeu lugar à tristeza. Lucy estava tão
distraída que por pouco não passou o prédio do hotel. Dando marcha a ré
para estacionar na frente do hotel, não viu um outro veículo que acabara de
parar também e, numa fração de segundos, colidiu o carro novamente. Que
azar! Duas batidas no mesmo dia!
Mais do que depressa terminou de estacionar e, sentindo-se culpada e
sem jeito, tratou de se desculpar com o motorista.
— Ah, não! Não é possível!
Lucy não acreditou nos próprios olhos, quando viu quem estava à sua
frente: o mesmo homem que batera no seu carro na fila da balsa. O coração
disparou descompassado ao deparar-se, mais uma vez, com aqueles olhos
azuis encantadores.
— Por acaso está querendo se vingar? — Jimmy perguntou,
aborrecido.
Lucy mordeu o lábio, sem graça. Tantos carros naquela cidade e
precisava bater justamente num conversível último tipo?
— Sinto muito — desculpou-se. — Estragou muito?
— Não. Tivemos sorte desta vez. E quanto ao seu carro?
Lucy passou a mão pela lataria.
— Nada. Ainda bem que não aconteceu nada — completou com a voz
trêmula. — Sinto muito, mesmo. Eu realmente não o vi.
— Acho que você deve estar cansada. Foi uma viagem exaustiva, não?
— disse ele, gentilmente, sorrindo.
— Bem... um pouco. — Lucy retribuiu-lhe o sorriso.
— Mas não precisa se preocupar. Não aconteceu nada. — Jimmy
olhou para o pára-choque traseiro do carro de Lucy e acrescentou: — Pelo
que vejo você já consertou o carro. Espero não ter causado nenhum
problema.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

— Como? Ah, é mesmo! Eu quase ia me esquecendo. Tenho um troco


para lhe dar. — Ela abriu a bolsa e juntou as notas que recebera pela manhã.
— Tentei encontrá-lo no barco, mas não tive sorte. Você foi generoso
demais... — estendeu-lhe o dinheiro. — Sobrou bastante.
— Foi para compensar o aborrecimento — Jimmy respondeu. — É
melhor ficar com ele.
O choque inicial da batida já havia passado e Lucy lembrou-se dos
planos originais de mostrar àquele homem que dinheiro não comprava nada
além de coisa materiais. Para tanto, resolveu enfrentá-lo com o queixo
empinado.
— Mas para que vou querer este dinheiro? Meu carro já foi
consertado.
Relutante, Jimmy aceitou as notas que ela lhe entregava.
— Tive uma idéia melhor — ele estudou-lhe a expressão atentamente.
— Por que não usamos este dinheiro para jantarmos juntos? Isto é, se você
não tiver outro compromisso, claro.
Lucy não respondeu, deixando transparecer no olhar a dúvida que a
acometia.
— Acho que é o melhor destino que podemos dar a esse punhado de
notas, não acha? — Jimmy olhou sem jeito as notas na mão, para depois
voltar a encará-la, sorrindo. — Meu nome é Jimmy O'Donnell e posso lhe
assegurar que não represento perigo algum. — Diante da surpresa
estampada no rosto de Lucy, ele complementou: — Pelo que vejo, você já
ouviu falar em mim.
— É verdade, estou surpresa com a coincidência. Hoje mesmo ouvi
falar de você, alguma coisa relacionada a empreendimentos turísticos.
— E você? Qual é o seu nome?
A pergunta pegara Lucy de surpresa, mas a decisão de não dizer o
verdadeiro nome foi imediata.
— Lucy... Smith.
— E então, Lucy, posso ajudá-la com as malas?
Ela sentiu o rosto corar de vergonha. Detestava mentir, ainda mais
quando a outra pessoa agia cinicamente, como se acreditasse no que acabara
de dizer. Sentiu-se ainda mais constrangida quando ele tirou as malas do
carro e as iniciais L. P. sobressaíram bem visíveis, nas etiquetas da bagagem.
Enquanto seguiam até a recepção do hotel, ela procurou uma razão
convincente para explicar por que Lucy Porter transformara-se de repente
em Lucy Smith.
— Bem, eu já me registrei por isso vou deixá-la à vontade. Que tal se
nos encontrarmos no bar do hotel daqui, digamos, uma hora e meia? Tenho
certeza de que vai querer jantar cedo, já que deve estar bem cansada da
viagem.
Diante de tanta cortesia, Lucy viu-se na obrigação de se explicar.
— Eu... sinto muito, mas meu sobrenome não é Smith. — Eu... Bem...

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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— Não precisa explicar nada — Jimmy interrompeu. — Afinal, somos


como as nuvens que correm despreocupadas durante a noite. Lucy, para
mim, já é o suficiente.
Depois de registrar-se, foi direto para o quarto. Parecia ter sido
redecorado recentemente. As cortinas de voal branco balançavam com a
brisa que entrava pela janela; o papel de parede combinava com o carpete e a
colcha da cama, em perfeita harmonia. O ambiente, extremamente bonito e
simples, deu a Lucy uma sensação de total tranqüilidade. O pequeno
banheiro conjugado também tinha as mesmas cores do quarto, e ela não
pensou duas vezes antes de tomar uma longa ducha.
Enquanto se deitava na cama para relaxar, teve a idéia de repetir os
toques daquela decoração do hotel na fazenda que moraria. Mas não
conseguiu deter-se por muito tempo nos planos ou nos desejos. Seus
pensamentos continuavam presos ao homem atraente e misterioso que
conhecera e com quem se encontraria novamente em poucos minutos. Tinha
de admitir que o destino lhe pregara uma peça agradável. Depois de ter
conhecido Jimmy 0'Donnell, não culpava Manuelle por permanecer no
emprego durante tanto tempo.
Manuelle! Era evidente que ela estava por trás da vontade de Jean
Louis de vender as fazendas. E tinha mais um dado: Jimmy O'Donnell estava
ali justamente pela mesma razão. Provavelmente Jean Louis resolvera viajar
até a Normandia depois de saber que ela, Lucy, se encontrava a caminho e,
pelo que conhecia de Manuelle, podia apostar que a amiga não deveria estar
muito longe.
Um pressentimento terrível passou-lhe pela cabeça. Era bem possível
que Manuelle estivesse fazendo um jogo com Jean Louis, visando lucrar
alguma comissão com a venda das propriedades. Se não fosse só isso, ela
também poderia estar planejando trocar de amante. A família de Jean tinha
muito dinheiro, mas nem a metade da fortuna de Jimmy.
Analisando a situação sob esse prisma, Lucy acabou por justificar a
mentira que dissera a Jimmy. Se ele soubesse seu verdadeiro nome,
certamente se lembraria de manipulá-la nas futuras transações de compra
das fazendas.
Enquanto se vestia Lucy decidiu que faria tudo para impedir que
Manuelle magoasse Jean Louis. Além disso, precisava convencê-los de que
não queria vender a fazenda Cherrytree. Jean lucraria o bastante com a
negociação da Grande Ferme, e não precisava de sua ajuda, tampouco de
suas terras.
A bem da verdade, Lucy tinha a impressão de que o pior não seria
convencer Jimmy. Parecia sensato o bastante para não aborrecê-la com
ofertas depois de tomar conhecimento dos planos que ela traçara para a
fazenda. Talvez, quando soubesse da verdade, Jimmy desaparecesse de sua
vida. Afinal, como ele mesmo dissera, "somos como nuvens que correm

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

despreocupadas durante a noite". O encanto, então, terminaria da mesma


forma mágica com que havia começado.
Depois de pronta, Lucy saiu do quarto e entrou confiante no bar do
hotel. Localizou Jimmy sentado no balcão.
— Boa noite — ela cumprimentou.
— Ora, mas você está linda! — ele lançou-lhe um sorriso irresistível.
— Quer se sentar numa mesa?
— Não faço questão. Aqui está ótimo. — Lucy observou o barman que
parará diante dela.
— Mademoiselle!
— Gostaria de tomar uma taça de champanhe, por favor.
— E se pedíssemos uma garrafa? — Jimmy sugeriu. — Afinal, estamos
na França, terra dos melhores champanhes do mundo!
— Acho que seria demais — argumentou ela. — Não consigo tomar
mais que uma taça, ainda mais se bebermos vinho durante o jantar.
— Está bem, quem sabe uma próxima vez, então. Talvez tenhamos
algo importante para comemorar.
Sem saber o que responder, Lucy o observou dirigir-se ao garçom
num francês perfeito. Nem ousou perguntar a que pretensa comemoração ele
se referia, com medo de acabar em maus lençóis.
— O que está fazendo na França? — Jimmy perguntou, oferecendo-lhe
um prato com canapés. — Antecipando as férias?
— Não, minha tia morreu há alguns meses e me deixou como herança
uma pequena fazenda na costa litorânea. Tenho planos de vir morar por
aqui. Estou cansada de Londres.
Jimmy encarou-a, surpreso.
— Nunca pensei que uma garota bonita como você pudesse
simpatizar com a vida rural.
— Pois pensou errado, sr. O'Donnell. Não se pode julgar as pessoas
pelas aparências.
— Ora, por favor, me chame de Jimmy. Pelo que vejo não esqueceu
meu nome.
— Bem, um empresário tão famoso não é um ilustre desconhecido
para ninguém.
— Sem exageros, por favor.
— Está bem, mas deixando as falsas modéstias de lado — Lucy
procurou parecer o mais indiferente possível —, o que está fazendo por estes
lados? Negócios?
— Vim para dar uma olhada em algumas propriedades que pretendo
comprar.
Lucy sentiu-se aliviada ao ouvir aquilo. Se Jimmy estava interessado
em adquirir terras naquela região, então certamente sua pequena fazenda,
alguns quilômetros longe dali, não o interessaria.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

— Eu adoro a Normandia — ela esboçou um largo sorriso.—


Costumava passar minhas férias de verão aqui quando era mais jovem.
Infelizmente, porém, já soube que se operaram várias mudanças no lugar
que costumava freqüentar; construíram muitas casas de veraneio e hotéis.
Mal posso esperar para chegar...
— Essa foi uma indireta para mim?
Lucy o encarou surpresa. Realmente não tivera intenção de dizer
meias-palavras.
— Ora, claro que não. Aliás, não sei muito sobre seus negócios, apenas
que investe em complexos turísticos.
Jimmy procurou interpretar a expressão de surpresa de Lucy, e como
não achasse nada de intrigante, voltou a sorrir.
— Qualquer dia vou levá-la para conhecer um dos meus hotéis. Tenho
certeza de que vai adorar. Procuramos não afetar o meio ambiente,
preservando-o o máximo possível.
— Eu adoraria. Ainda mais agora que vou estar morando por aqui.
— Onde fica sua fazenda?
Apesar da pergunta ter sido feita casualmente, Lucy sabia que a
resposta seria muito importante.
— Seria pretensão demais chamar um sítio de fazenda, mas fica
localizado ao sul de Granville. Mesmo se lhe dissesse o nome do vilarejo,
garanto que não saberia onde fica. É apenas um pontinho perdido no mapa.
— Duvido. Não existe um só lugar desta região maravilhosa que eu
não conheça.
O maítre interrompeu-os trazendo os cardápios e Lucy,
propositalmente, deixou-se entreter na escolha dos pratos. Por que Jimmy
estava tão interessado em saber onde ficava seu sítio? Lucy tinha bastante
experiência na vida para perceber que o interesse dele não era somente por
que a tinha achado atraente, havia alguma coisa de misteriosa naqueles olhos
brilhantes.
— Já ouvi falar que a comida daqui é ótima — comentou, para quebrar
o silêncio. — Confesso que estou morrendo de fome.
— Ótimo, isso quer dizer que apreciaremos bastante o jantar. Eu
também estou faminto! Diga-me uma coisa, Lucy, no que trabalha em
Londres? Modelo fotográfico? Achei que já tinha te visto em algum lugar
antes.
— Acho difícil. Escrevo livros para crianças. Não são grandes obras de
arte, mas têm uma boa aceitação no mercado. Como trabalho como free-
lancer, posso me dar ao luxo de morar onde quero.
Pela primeira vez desde que haviam se conhecido, Lucy percebeu que
Jimmy ficara realmente interessado em saber mais detalhes sobre sua
profissão.
— É mesmo? Mas que interessante... Você não parece com uma
escritora. A meu ver, você tem mais dom para ser uma modelo francesa. No

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

dia que você se cansar de escrever, não vai precisar se preocupar em


encontrar outra atividade.
— Não acho que ser modelo seja uma carreira tão fácil assim; Antes de
me tornar uma escritora, cheguei a fazer alguns bicos como modelo. Posso
lhe assegurar que passei maus bocados.
— Quer dizer que você não pretende posar nunca mais?
Lucy acenou com a cabeça.
— Já estou velha para isso... — Ela percebeu o olhar curioso de Jimmy
e acrescentou: — Antes que você pergunte, já passei dos vinte há algum
tempo.
—Acredite, você é linda de qualquer maneira, não importa a idade
que tenha. — Ele ergueu a taça, brindando-a. — Uma coisa me deixa curioso:
você assina o seu nome ou usa algum pseudônimo?
— Não uso meu nome. Mas, mesmo se lhe contasse meu pseudônimo,
garanto que você não conheceria, já que escrevo só para crianças.
— Pois saiba que tenho sobrinhos. Um casal de gêmeos com quatro
anos de idade. Sempre que vou visitar minha irmã, eles me fazem ler
livrinhos durante quase toda temporada. Leio uma porção de historinhas e
faço isso com prazer já que adoro crianças.
— Eu também adoro os baixinhos. A pureza e ingenuidade que eles
possuem me comovem. Sou filha única, por isso acho que tenho um desejo
frustrado de ter irmãos. Que tipo de livros seus sobrinhos gostam?
— Todos. Mas os favoritos são os Tiger Tiger, de Mary Bear. Acho que
depois de ler tantas vezes já os conheço de cor.
— Acha esses livrinhos divertidos?
— Claro. Mary Bear trata as crianças como gente e não como bobinhos
sem vontade própria.
— Fico contente em ouvir tantos elogios. — Mais uma vez, Lucy
percebeu que havia despertado a atenção de Jimmy.
— Não vá me dizer que você é Mary Bear?!
Lucy sorriu meio sem graça, afirmando.
— Não posso acreditar! É você quem faz as ilustrações também?
— Isso mesmo. Tiger era o nome do gatinho que eu tinha no sítio para
onde estou indo. Foi lá que toda a série começou.
— Imagine só o que os meninos vão dizer quando lhes contar que
estive com Mary Bear! Eles não vão acreditar!
— Não exagere! São muito pequenos ainda!
— Não conte com isso. — Jimmy parou de falar, e admirou o rosto
suave e delicado de Lucy. — Ainda não consigo acreditar que você seja Mary
Bear!
— Ora, e por que não? — Lucy respirou fundo, aborrecida.
Tinha certeza de que os comentários que viriam a seguir seriam
idênticos a tantos outros que já ouvira.
— Bem, você sabe o que estou querendo dizer.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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— Claro, o que todos dizem.


— Sinto muito, mas o protótipo de uma escritora de literatura infantil
para mim é bem diferente do que vejo aqui na minha frente, uma jovem loira
e muito bonita. Há quanto tempo escreve?
— Não faz muito. Foi muito difícil começar. Escrever para criança
parecia impossível, já que o mercado estava, e sempre esteve, saturado. Mas
por sorte encontrei alguém que gostou muito das minhas histórias. Larissa,
minha agente, encarregou-se de achar um editor que resolvesse investir em
minhas obras. Graças a Deus, deu certo.
— Na minha opinião você merece todo sucesso! — Mais uma vez as
taças foram levantadas num brinde. — Então é esse o rumo que vai dar à sua
vida: esconder-se na França para continuar escrevendo?
— Isso mesmo. Já não agüentava mais ficar em Londres, até minha
criatividade estava sendo abalada. Por isso achei que escreveria melhores
livros se voltasse para onde tudo começou.
— Não vai se sentir muito sozinha? Ou pretende manter a casa cheia
de amigos?
Lucy deu de ombros.
— Não me importo em estar sozinha, sempre fui muito sozinha. É
engraçado, mas de certa forma prefiro que seja assim.
— Parece que tem sido difícil fazer com que os outros levem fé no seu
trabalho, não é?
Jimmy apoiou a cabeça numa das mãos e a observou atentamente.
Lucy sorriu sentindo-se bem ao lado dele. Nunca a compreenderam com
tanta facilidade. A maioria de seus amigos considerava seus livros como um
passatempo apenas, não concebendo o trabalho árduo que lhe custava cada
linha.
— Além da minha agente, você é a primeira pessoa que acredita que
não é fácil escrever para crianças. Acho que eles são um público tão ou mais
exigente do que os adultos.
— Bem, as coisas mais simples são as mais difíceis de se realizar. Você
deve ter uma criatividade a toda prova.
Os dois estavam tão entretidos na conversa que nem perceberam a
presença do maítre. À espera do pedido, ele tossiu levemente, procurando
lembrá-los de sua presença.
— Acho melhor escolhermos os pratos — observou Jimmy.
Lucy não teve muita dificuldade para fazer sua opção, já que sabia
que a especialidade da casa eram os Escalopes au Naturel, acompanhados por
champignons.
— Mas que rapidez! — Jimmy fechou o cardápio. — Você parece tão
decidida que vou acompanhá-la no mesmo prato.
— Não me venha com essa. Você deve freqüentar muitos restaurantes
e provavelmente conhece as delícias da cozinha francesa.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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— Não é bem assim. Na verdade, trabalho tanto que mal posso


esperar para chegar em casa e ficar sozinho, e não pensar em nada além do
meu bem-estar.
— Não acredito! Então por que me convidou para jantar?
— E acha que eu perderia uma oportunidade destas?
— Não entendo. Hoje de manhã você resistiu muito bem ao meu
charme quando bateu em meu carro.
— Bem, em primeiro lugar eu não prestei atenção e a batida foi um
descuido. Além disso, não tinha dormido a noite inteira, porque viajei desde
o norte da Inglaterra para pegar aquele barco.
— Você deve estar exausto!
— Nem tanto. Descansei aqui no hotel. Mas você também deve estar
cansada, por isso não vamos nos demorar muito.
Para esconder o embaraço e o quanto ficara desapontada em ter que se
despedir daquele homem tão interessante em poucas horas, Lucy mudou
totalmente de assunto.
— Eu espero não ter estragado muito seu carro. Aliás, entre os carros
esportes, o seu é o que mais me agrada. Faz tempo que você o tem?
— Não, apenas um ano. Não costumo ficar muito tempo com um
carro porque viajo muito. Se você gosta tanto daquele modelo, por que não
compra um?
— Quem sabe um dia... Por enquanto, não dá.
— Você já dirigiu um conversível daqueles?
Lucy fez que não com um sinal de cabeça.
— Então, vamos experimentar o meu...
— Se por acaso nos encontrarmos de novo, vou cobrar a promessa.
— Nós vamos nos encontrar de novo. Pode ter certeza.
O garçom se aproximou com o jantar. Os momentos seguintes foram
inesquecíveis para Lucy. A comida deliciosa e a companhia encantadora de
Jimmy a deixaram radiante!
Ao final da refeição, o cansaço da viagem se apoderou de Lucy.
Vendo-a bocejar, Jimmy chamou a conta.
— É hora de irmos. Vou te acompanhar até seu quarto. Você
realmente parece exausta.
— Ora, obrigada pelo elogio. Mas antes de mais nada quero te
agradecer pelo jantar. Estava ótimo!
— Fico contente que tenha gostado. — Ele a guiou para fora do
restaurante. Depois de pedir as chaves na portaria, Jimmy a conduziu até a
porta do quarto. — Boa noite, Mary Bear... — deslizou as mãos fortes pelos
braços de Lucy, fazendo-a tremer. — Gosto desse nome, sabia?
O contato daquelas mãos transmitiu uma sensação de calor que se
espalhou por todo o corpo de Lucy, fazendo com que não encontrasse forças
para afastar-se quando Jimmy estreitou ainda mais a distância que os

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separava. Percebendo o olhar de rendição que lhe era lançado, ele a abraçou,
cobrindo-lhe os lábios num breve e delicado beijo.
— Você é uma mulher especial. Adorei termos jantado juntos. —
Jimmy sorriu mais uma vez, antes de virar o rosto e colocar a chave na porta.
— É melhor você entrar agora, antes que façamos uma loucura pela qual
podemos nos arrepender depois.
Ainda relutante, Lucy entrou no quarto. O sentimento provocado por
aquele breve contato conseguira derrubar as últimas barreiras que ela
construíra em volta do coração.
— Você tem mesmo de ir?
Lucy surpreendeu-se consigo mesma ao convidá-lo para entrar em seu
quarto. Mas não estava preocupada com convenções e sabia que
possivelmente se arrependeria depois. No entanto, deixá-lo partir sem ao
menos uma tentativa era simplesmente impossível, uma vez que homem
nenhum a deixara naquele estado lânguido com apenas um beijo.
— Acho melhor assim. Esta não é hora nem tampouco o lugar certo.
— Ele deu-lhe mais um beijo rápido. — Até a próxima vez, Mary Bear...
Jimmy fechou a porta sem dizer mais nada. Sozinha no quarto ainda
escuro, Lucy sentiu o rosto corar. Nunca em toda sua vida convidara alguém
para passar a noite em sua companhia.
Para piorar a situação, era a primeira vez que tivera coragem o
suficiente e fora rejeitada.
Ainda pensando no que acontecera durante aquela noite, Lucy trocou
de roupa sentindo-se dividida entre o desejo de ver aquele homem
novamente e, ao mesmo tempo, rezar para que ele não mais lhe cruzasse o
caminho. Depois experimentou a vergonha infantil de que Jimmy imaginasse
que costumava convidar qualquer estranho para entrar em sua intimidade.
Por fim, acabou concluindo que quanto mais cedo esquecesse Jimmy
0'Donnell, melhor seria.
No entanto, a razão não lhe serviu como um argumento eficiente. Por
mais que tentasse, não conseguiu pensar em outra coisa a não ser em Jimmy.
Ele não era uma pessoa fácil de esquecer...
CAPÍTULO III

Apesar de ter resolvido que não pensaria mais em Jimmy O'Donnell,


Lucy ficou desapontada quando, na manhã seguinte, descobriu que o carro
esporte preto não estava mais no estacionamento do hotel. Mais uma vez
tentou concentrar-se nas tarefas que teria dali para frente, mas o esforço foi
em vão. Seus pensamentos durante todo o trajeto para a fazenda não foram
outros senão aquele homem e a sensação que lhe provocara um simples beijo
dele.
A fazenda Cherrytree não sofrerá tantas transformações como Jean
Louis dissera. O pasto continuava oferecendo ao gado o capim mais verde

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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das redondezas. O que tinha diante de si era uma cena que deixaria qualquer
pintor ansioso por reproduzi-la.
As galinhas, seguidas de perto pelos pintinhos, corriam livremente
pelo pátio atrás da casa. Assustaram-se quando Lucy passou por elas,
reduzindo a velocidade. Depois que o carro parou, as aves voltaram
tranqüilas para sua rotina diária de procurar alimento.
Ela saiu do carro e deixou que a suave brisa lhe acariciasse o rosto. A
sensação de paz e tranqüilidade que a invadiu deu-lhe a certeza de ter feito a
escolha certa, voltando para Cherrytree.
A governanta, ao avistá-la, correu em sua direção, cumprimentando-a
com entusiasmo. Em seguida, as duas entraram pela cozinha e Lucy
percebeu o cheirinho de café fresco e de comida feita em fogão à lenha que
tanto lhe recordava os tempos felizes de infância.
No teto da cozinha, viam-se pendurados vários ramos de flores secas e
algumas ervas. Em volta do fogão, situado bem no meio da cozinha, havia
uma prateleira de madeira rústica presa ao teto, sustentando os suportes de
panelas de cobre de todos os tamanhos e formatos. Assim que percebeu o
movimento estranho na casa, o gato, que estava deitado em frente ao fogão,
levantou-se para espreguiçar-se languidamente.
— Tiger! — exclamou Lucy, alegre. — Você ainda está por aqui?
— Claro, querida — respondeu Marie —, mas ele já está ficando velho
e não sai do meu pé. A única coisa que ainda caça são as galinhas que ousam
violar o seu território.
Lucy abaixou-se e acariciou os pêlos do animal, que respondeu ao
afago com rápidas patadas na mão.
— Você deve ser um velho cavalheiro agora...
— Nem tanto. Como a maioria dos homens, a única coisa que lhe
interessa é comida e conforto.
— Mesmo assim, nem imagina como fico feliz em encontrá-lo por aqui
ainda. — Sentando-se no chão, Lucy respirou mais uma vez o aroma gostoso
da natureza e acrescentou: — Oh, Marie, senti tanta falta de tudo isso! É
como estar de volta ao paraíso. Você arrumou meu quarto?
— Claro que não! Você vai dormir no quarto da madame.
Lucy chocou-se com a simples idéia de substituir a tia, mas Marie
interveio, confortando-a:
— Você só estará fazendo a vontade dela. A fazenda é sua agora. Sabe,
ainda posso lembrar o dia em que d. Mary morreu. Ela não queira nenhum
parente por perto. Além de mim, só havia o médico no quarto, que também
ouviu quando ela disse o quanto desejava vê-la de volta à fazenda como nos
velhos tempos.
Lucy suspirou, recordando-se do rosto meigo da tia querida.
— Suas malas estão no carro? — a governanta terminou com o
momento de melancolia.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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— Sim, mas pode deixar que eu mesma me encarrego de trazê-las para


dentro.
— Pensei que Jean Louis fosse estar aqui a uma hora dessas. Ele disse
que viria encontrá-la, mas aposto que não chegou ainda justamente para não
ter que trabalhar um pouco.
Lucy, que já conhecia bem o mau-humor de Marie, não deu atenção ao
comentário, limitando-se a sorrir carinhosamente.
— Não tem importância, não me fará mal nenhum carregar um pouco
de peso.
— Você continua a mesma, não é? Independente demais para permitir
que alguém a ajude.
— Não exagere. Na verdade, acho que a única coisa que não mudou é
que ainda não aprendi a cozinhar.
— Isso é porque você não precisa cozinhar para ninguém. As coisas
seriam bem diferentes se estivesse casada...
— Ainda não encontrei ninguém que fosse tão importante a esse
ponto. Agora, muito me espanta que queira me incentivar para o casamento.
Você sempre foi uma solteira convicta!
— Mas eu mudei muito, sabe? Acho a solidão muito triste! Além
disso, me arrependo de não ter tido filhos.
Lucy comoveu-se ao ver uma lágrima correr por aquele rosto cansado
e tão querido. Por isso, abraçou Marie com carinho.
— Vai continuar morando comigo ou está pensando em se aposentar?
Sei que esta casa é mais sua do que minha, por isso aceitarei fazer o que você
quiser.
— Você vai mesmo ficar por aqui? Sabe, não acreditei quando recebi
sua carta. Ouvi também boatos pela cidade de que Jean Louis pretende
vender tudo...
— Talvez seja verdade, não sei ainda. — Lucy suspirou. — Só posso
afirmar que eu ficarei por aqui, se puder.
— Bem, então ficarei com você. Agora, venha, sente-se e vamos tomar
um cafezinho. Podemos ir buscar suas malas mais tarde. Assei alguns
bolinhos para você. Não estou gostando de ver como está magra, precisa se
alimentar melhor.
Marie tirou os quitutes do forno e sentou-se à mesa de madeira. Lucy,
por sua vez, preparou-se para perder o resto da tarde informando à
governanta tudo sobre a família e ouvindo as fofocas locais.
Depois de algumas horas, Lucy teve que carregar sozinha as malas
para o quarto. O andar superior da casa permanecia igual.
Nada mudara. Os três aposentos, todos com o forro de madeira e papel
de parede, continuavam aconchegantes e a mobília muito bem cuidada.
Sentada numa poltrona perto da janela, Lucy deixou o olhar perder-se
no vale e mais uma vez recordar-se dos momentos felizes da infância. Teria

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

ficado ali até anoitecer, se Marie não tivesse lhe interrompido os


pensamentos, insistindo em desfazer suas malas.
Possuída de uma súbita ansiedade, Lucy desceu as escadas e saiu para
passear um pouco pelo campo. As novidades que Marie lhe contara
perturbaram-lhe bastante. Jean Louis já não fazia segredo de que venderia
Grande Ferme para transformá-la num empreendimento turístico. De acordo
com Marie, a população da cidade estava bem dividida nessa questão: os
mais jovens apoiavam a idéia sem restrições e os mais velhos, temerosos de
ver sua terra natal invadida por centenas de turistas, opunham-se ao projeto.
Os hotéis da costa eram bem familiares e pequenos, mantendo os mesmos
hóspedes durante as férias anos seguidos. Havia também algumas casas de
veraneio, mas a área vizinha à fazenda de Lucy ainda não fora explorada. Ela
bem sabia que poderia lucrar muito desfazendo-se das terras, mas dinheiro
não lhe compraria a lembrança de momentos tão felizes.
O ronco de um motor a assustou por um instante. Provavelmente era
Jean Louis. Não estava com disposição para discutir com ele, mas tinha de
deixar bem claro, de um a vez por todas, que era contra a venda das
propriedades. Ao estreitar os olhos, porém, viu que não se tratava de Jean
Louis. Para sua surpresa, um carro esporte preto estacionara a alguns metros
dali e Jimmy recostara-se nele, apreciando os arredores.
— O que está fazendo aqui? Como me encontrou tão depressa?
Jimmy encarou-a sério, os olhos azuis brilhando, enigmáticos.
Nervosa, Lucy tentou ajeitar os cabelos, sabendo que sua aparência
não era das melhores. Vestia um jeans surrado e uma camiseta branca justa,
revelando as formas perfeitas e sensuais do corpo.
— Depois de olhar o livro de registros do hotel, entendi algumas
coisas. — Jimmy falou, friamente.
Lucy encarou-o surpresa, mas ele imitou-lhe a expressão de espanto.
— Ora, Lucy, o jogo acabou. Você sabia muito bem quem era eu
quando lhe disse meu nome. Foi por isso que me contou aquela longa
história sobre o quanto lhe era precioso este lugar?
— Não! — gritou ela, indignada. — Você mentiu para mim a noite
passada, dizendo que já tinha comprado terras por aqui. Por isso concluí que
não estaria interessado em minha propriedade.
— E por que acha que eu estaria interessado em sua fazenda?
— Por que meu primo mencionou seu nome quando nos encontramos
por acaso em Rouen. Quando lhe disse que não pretendia vender minha
fazenda, ele pareceu bastante desapontado.
— Lógico que ficou — Jimmy respondeu, cinicamente. — Quem me
garante que tudo isso não faz parte de uma estratégia de vocês para obterem
um preço acima do mercado?
— Como ousa pensar numa coisa dessas?
Lucy suspirou, desiludida. Aquele homem cínico diante de si não
podia ser o mesmo com quem jantara e se divertira tanto na noite anterior.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

Com o orgulho ferido, ela intuiu que precisava deixar bem claro que aquelas
horas agradáveis que haviam compartilhado juntos não significavam nada, e
que ele não passava de um estranho.
— Olhe, nunca pensei em vender esta fazenda; por isso o senhor não
tem mais o que fazer aqui. Qualquer problema que tiver com Jean Louis, é
melhor que resolva com ele mesmo. Eu não tenho nada a ver com seus
assuntos.
— Ah, não! Você não vai sair dessa situação assim tão fácil, minha
cara. Já coloquei uma quantia considerável neste projeto e não tenho intenção
nenhuma de perder o que investi.
— Sinto muito, sr. O'Donnell, mas sua experiência deveria tê-lo
alertado para não cometer enganos. Além do mais, não tenho nada a ver com
seus problemas.
— Ah, não? Você já esqueceu aquela carta que me escreveu
concordando em vender a fazenda assim que sua tia morresse?
Lucy sentiu as pernas fraquejarem e o encarou com espanto.
— Nunca escrevi carta alguma ao senhor. Aliás, nem ao menos sabia
da existência dessa carta.
— Não me venha com essa! Não sou tão tolo quanto você imagina.
Meus advogados estudaram muito bem todos os detalhes antes que o
investimento fosse feito.
A essa altura, Lucy perdeu a paciência.
— Então acho que seus advogados cometeram um erro bem caro, não?
Escute o que vou dizer com atenção: jamais, nunca...
— repetiu bem devagar — escrevi uma carta para o senhor ou para
alguém das suas relações. Além disso, não gosto do seu jeito, muito menos
da sua educação. Agora, por favor, queira sair da minha propriedade antes
que eu chame alguém para me ajudar.
Lucy virou-se para voltar para a casa, mas não chegou a dar três
passos. Jimmy a alcançou e, segurando-lhe os braços, a fez encará-lo
novamente.
— Não ficará livre disso nem que eu tenha que processá-la em todas
as cortes da França, Mary Bear! Não gosto de gente que falta com a palavra.
— Os olhos de Jimmy assumiram um azul ainda mais intenso. — Vamos, não
se faça de difícil! Você não terá chances se decidir brigar comigo nos
tribunais. Por que não tornamos as coisas mais fáceis?
O fato de Jimmy pensar que podia convencê-la usando de charme e
também por causa do que acontecera entre eles na noite anterior, foi a gota
d'água para Lucy soltar-se e mais uma vez deixá-lo falando sozinho.
Indignado com tal atitude, ele a ameaçou:
— Vai se arrepender, Mary Bear. O tempo se encarregará de lhe dar a
resposta que merece.
Ainda movida pelo ódio, Lucy virou-se e caminhou em direção a casa.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

— Sujeito arrogante! Ah, como fui tola em pensar que estava atraída
por alguém tão petulante!
Lucy levou ainda alguns minutos para se acalmar e perceber então um
fato muito mais importante do que o encontro com Jimmy e a maneira como
ele a tratara.
Quem escrevera a ele dizendo que a fazenda estava à venda?
De repente percebeu que Jean Louis não tinha vindo a Cherrytree
apenas para lhe desejar boas-vindas. Só existia uma pessoa no mundo capaz
de fazer qualquer coisa para obter o queria, nem que tivesse que prejudicar
os outros.
Manuelle sempre deixara claro o desprezo que sentia por Lucy. Para
começar, jamais a perdoara por Jean Louis tê-la pedido em casamento.
Depois, como Lucy o havia rejeitado e ainda assim Manuelle não conseguira
conquistar o homem desejado, preferiu pensar que Lucy queria jogar com o
amor dos dois, e seu ódio se intensificou. Por essas armadilhas e também por
não concordar com a maneira de agir de Manuelle, Lucy preferiu se afastar
dos dois, pois sabia que qualquer disputa com a outra acabaria por magoar
Jean Louis.
— Mas desta vez vai ser diferente, Manuelle — Lucy murmurou. —
Você vai me pagar!
Já era quase fim de tarde quando Jean Louis apareceu na fazenda e foi
encontrar-se com Lucy na biblioteca. Assim que ouviu os passos na escada,
ela levantou-se pronta a colocar tudo em pratos limpos. No entanto, a
expressão de descontentamento no rosto do primo desarmou-a.
— Oh, Jean, o que aconteceu? Por acaso Jimmy O'Donnell decidiu não
comprar mais sua fazenda?
Jean limitou-se a menear a cabeça e não encará-la de frente.
— Sinto muito, Lucy. Que bela recepção você teve, não? Se eu
soubesse que iria dar tanta confusão...
— Mas... o que aconteceu? Vamos, conte logo!
— Manuelle! Rompi o noivado...
Lucy puxou-o pela mão, fazendo-o sentar-se ao seu lado no sofá perto
da janela.
— Oh, não! Você não devia ter feito isso!
— Como não? Não posso me casar com alguém que falsifica a
assinatura de outra pessoa só para conseguir o que quer. — Jean virou-se
para encará-la. — Eu sei, não precisa me olhar assim. Tenho uma parte de
culpa também. Não devia ter deixado as coisas chegarem a este ponto. Achei
que dando tempo a ela, Manuelle acabaria mudando, mas foi tudo em vão...
Lucy não resistiu e perguntou o que tinha em mente desde o começo
daquela história.
— Você acha que ela está apaixonada por Jimmy O'Donnell?
— Para ser sincero, não sei, mas é uma hipótese. Contudo, isso já não
importa. Ela agiu tão mal com você que me envergonhou. — Jean levantou-

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

se, parou diante da janela, e observou as imensas dunas brancas, levemente


agitadas pelo vento. Para lidar a verdade, estava convicto quanto as tuas
intenções de vender a fazenda. Por isso, quando te encontrei em Rouen,
fiquei tão surpreso. Liguei para Manuelle ontem e marquei um encontro em
Grande Ferme. Foi um choque para mim descobrir até que ponto ela foi
capaz de chegar só para ganhar mais dinheiro. —Jean voltou a olhar para
Lucy, desapontado. — Mesmo depois de conversarmos, ela não admitiu o
erro. Manuelle acha que você é a culpada de tudo.
—Diga-me uma coisa, se essa transação não sair, você vai ficar muito
aborrecido?
Jean Louis deu de ombros.
— Pessoalmente, não. Mas não vou negar que seria muito bom ganhar
tanto dinheiro de uma só vez e tão fácil. Além disso, vamos ser incomodados
constantemente: Jimmy O'Donnell não será o primeiro nem o último a
cobiçar essas terras para um complexo turístico.
— O que acha que vai acontecer a Manuelle quando Jimmy descobrir
o que ela fez?
— Não sei. Ela me disse que se eu não tivesse rompido o noivado, ela
tomaria esta decisão. Depois disso, você acha que ela não tem um caso com
Jimmy? Só se eu fosse muito ingênuo...
Lucy estremeceu. Um turbilhão de emoções tomou conta de todo seu
corpo. Sentia-se mal só em imaginar Jimmy e Manuelle juntos. Tentou em
vão convencer-se de que sentia-se daquela forma apenas por ter pena de Jean
Louis, mas sabia muito bem a verdadeira razão.
— E você, Jean — perguntou, procurando afastar os pensamentos —,
como está se sentindo? Afinal vocês estavam juntos há tanto tempo...
— Quer saber de um coisa? Há males que vêm para bem. Se
tivéssemos nos casado há dois anos, como eram os planos iniciais, a
separação seria bem mais fácil. — Jean tomou as mãos de Lucy. — Você é
muito gentil em se preocupar tanto comigo. Além do mais, acho que tive
sorte nesta história toda. Pelo menos tenho uma excelente desculpa para ficar
por aqui com você
durante algumas semanas. Até papai achou a idéia excelente depois
que lhe contei o que tinha acontecido.
Jean estreitou a distância que os separava, sentando-se bem perto dela.
Lucy, de repente, já não se sentia mais tão à vontade.
A última coisa que desejava era que Jean saísse dos braços de Manuelle
para correr para os seus.
— Bem, isso tudo é muito bonito, mas não esqueça que vim para cá
para trabalhar. — E com receio de ter sido rude demais, acrescentou: — Bem,
mas também não vou trabalhar o tempo todo...
— Sabe, inaugurou um restaurante fantástico em Granville. Dizem
que a comida é ótima... — Jean Louis beijou os dedos da mão da prima num

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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gesto exagerado, mostrando como o programa prometia ser bom. Lucy não
conteve o riso sincero.
— Está bem, como posso resistir a um convite como este? Mas acho
que deveria descer e conversar com Marie. Ela, com certeza, tinha outros
planos para o meu jantar.
— Sem problemas! — Jean levantou-se e consultou o relógio. — Volto
para buscá-la em duas horas. Hoje vamos afogar as nossas mágoas no melhor
vinho francês e esquecer que existem outras pessoas no mundo, ma belle.
Lucy permaneceu ali sentada, observando o sol morrer atrás das
dunas. Mais uma vez seus pensamentos se detiveram na agradável noite que
passara com Jimmy. Tentou em vão convencer-se de que ele era um estranho
e que seria melhor esquecer o impacto daquele encontro. No íntimo se
recusava a acreditar que o acaso lhe pregara uma peça colocando em seu
caminho um homem tão charmoso e sensual como Jimmy O'Donnell.
Embora soubesse que aquele homem que a cativara era o mesmo que queria
comprar sua fazenda, não conseguira esquecer o beijo trocado quase à
surdina.
Jean Louis veio apanhá-la pontualmente, como tinha prometido. Lucy
não se preocupara muito com sua aparência, mas o olhar de aprovação dele a
deixou constrangida. O vestido de lã preto conferia-lhe uma elegância sem
igual, além de lhe marcar bem o físico esbelto e harmonioso.
— Você está ótima, Lucy. Já pegou o gosto dos franceses em se vestir
bem!
— Não me venha com essa, Jean. Só é preciso um pouco de bom gosto
e dinheiro para se vestir bem.
— Você continua com aquela sua falsa modéstia de sempre, não é?
— Nem tanto... — ela deu de ombros.
— Só sei de uma coisa: vou ser o homem mais invejado da noite.
— Pelo que vejo, você também continua o galanteador de sempre.
Manuelle não sabe o que perdeu.
No mesmo instante em que acabou de pronunciar aquele nome, Lucy
arrependeu-se. O sorriso de Jean logo cedeu lugar à seriedade.
— Venha, reservei uma mesa para as oito horas. Se não corrermos,
chegaremos atrasados.
Durante todo o trajeto a Granville os dois trataram de colocar as
novidades da família em dia. Chegaram ao restaurante de braços dados,
como velhos e queridos amigos.
Lucy fez uso de seu charme e elegância ao entrar. Estava precisando
mesmo ser notada pelas pessoas para lembrar que existiam outros homens
no mundo, não só Jimmy O'Donnell. Além
disso, ajudava a elevar o moral de Jean Louis, que àquela altura já era
objeto de comentário em todas as rodas. O rompimento do noivado correra
de boca em boca pela cidade.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

Feliz por estar com Jean Louis, Lucy sentou-se à mesa graciosamente
e, com discrição, observou ao redor. Não demorou muito para notar a
presença perturbadora de Jimmy, que a encarava friamente e, ao lado dele,
lançando-lhe um olhar fulminante, estava Manuelle. Tentando se refazer da
surpresa, voltou-se para encarar Jean Louis.
— Jean, não olhe agora, mas bem atrás de você estão Manuelle e
Jimmy O'Donnell.
Jean surpreendeu-a quando sorriu calmamente, apesar de seus olhos
expressarem exatamente o contrário.
— Eu sei, também os vi quando entramos. Tente ignorá-los, querida, e
concentre toda a atenção em mim. Você está tão deslumbrante que não será
difícil para mim manter minha atenção em você...
Lucy corou, sem jeito. Apesar dos esforços de parecer indiferente,
podia sentir o olhar penetrante de Jimmy queimar-lhe o rosto. Durante todo
o jantar tentou agir naturalmente, mas era cada vez mais difícil manter o
controle da situação. Quando, disfarçadamente, olhou para Jimmy, ele ainda
a encarava. Para seu desespero, levantou-se e veio em sua direção. Tentando
disfarçar o tremor que tomou conta de seu corpo, Lucy começou a falar com
Jean Louis a primeira coisa que lhe veio à cabeça.
— Ainda não lhe contei que vou vender minhas ilustrações para uma
companhia de papel de parede, para decoração de quartos Infantis. Acho que
desta vez vou ficar rica.
Jean não entendeu direito a atitude da prima, mas limitou-se a
responder:
— Você sempre foi muito inteligente, ma belle. Mas devo confessar que
nunca achei que daria certo como escritora.
Lucy tentou prestar atenção no que o primo falava, mas todos os seus
sentidos estavam concentrados na aproximação silenciosa de Jimmy. Quando
parou diante da mesa, respirou fundo.
— Manuelle Rethel acaba de confessar seus pecados. Ao que tudo
indica, devo-lhe minhas desculpas...
— Não se preocupe com isso, sr. O'Donnell. — Lucy interrompeu,
esforçando-se para parecer fria e indiferente. — Enganos acontecem...
— Eu insisto em me desculpar. Posso me sentar com vocês?
Sem esperar uma resposta, Jimmy puxou uma cadeira e sentou-se ao
lado de Lucy. Manuelle, que o seguira, acomodou-se ao lado de Jean Louis.
— Creio que Manuelle pecou por excesso de zelo aos meus negócios...
Jimmy não desviou o olhar de Lucy um segundo sequer. Ainda assim,
ela manteve a postura de total indiferença ao que estava acontecendo. Jean
Louis controlou bem os sentimentos, mas Lucy sabia o ódio que devia estar
sentindo pela petulância de Manuelle em sentar-se à mesma mesa. Ele se
levantara para ajudá-la a sentar-se, mas era evidente a sua indisposição de
ver sua noite estragada por companhia tão indesejada.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

Jimmy ignorou o mal-estar existente no ambiente e falou diretamente


com Lucy.
— Sei que Manuelle não agiu corretamente, tentando preservar meu
investimento. A princípio, pensamos que as duas fazendas seriam deixadas a
um só herdeiro e que poderiam ser vendidas de uma só vez. Além disso,
quando os bens foram divididos, continuamos a acreditar que você não se
oporia à venda. Afinal, fazia seis anos que não vinha para cá, não é? Pelo que
sei, sequer visitou sua tia quando ela adoeceu... Acho que podemos perdoar
Manuelle por imaginar seu interesse em vender a propriedade.
— Você pode até ter razão — Lucy respondeu com frieza —, mas será
que também existe uma explicação para o fato de ela ter falsificado minha
assinatura em um documento?
Jean Louis, que mantivera-se calado, rompeu o silêncio.
— Acho que eu, melhor do que ninguém, posso responder a essa
pergunta com apenas duas palavras: ganância e ciúme. Manuelle sabia muito
bem que vendendo as duas fazendas receberia uma comissão muito maior.
Além disso, é a propriedade de Lucy que dá acesso ao mar. — E percebendo
que os olhos de Manuelle começavam a brilhar, completou: — Ora, querida,
não dramatize agora; salve suas lágrimas para um futuro amor que ainda
não a conheça direito...
A situação ficou ainda mais embaraçosa para todos. Lucy desejou que
Manuelle, ao menos por orgulho, se retirasse o mais depressa possível. Mas
ela continuou ali, chorando em silêncio, como que para despertar compaixão.
Jimmy foi o primeiro a tentar confortá-la, dando-lhe um lenço para enxugar
as lágrimas.
— Ninguém está negando o erro de Manuelle. — Jimmy voltou-se
para Jean Louis. — Você disse que uma das razões que a levaram a fazer isso
foi ciúme. Não acha que é esta a verdadeira chave para todo este dilema?
Manuelle me contou que vocês dois são namorados desde pequenos, bem
antes que Lucy se intrometesse entre vocês... Acho que foi por isso que ela
falsificou sua assinatura, Lucy. Ela temia que essa interferência pudesse
acontecer de novo. E, a julgar pelo seu comportamento esta tarde, acho que o
medo de Manuelle é perfeitamente justificável.
O choque que aquelas palavras causaram em Lucy foi tão grande que
a impossibilitaram de responder. A injustiça, na opinião de Lucy, era a pior
coisa que poderia acontecer a alguém. Mais uma vez Manuelle conseguira
safar-se de uma situação com mentiras e jogos de poder.
— Sinto muito ter interrompido o jantar de vocês — desculpou-se
Jimmy —, mas achei que precisávamos esclarecer esta situação de uma vez
por todas. Já perdi dinheiro com a demora das negociações e não gostaria de
que esta novela durasse muito mais.
A frieza de Jimmy ajudou Lucy a recuperar a calma e pensar numa
resposta à altura.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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— Acho que nada justifica o erro de Manuelle. Para mim o que ela fez
foi crime. No entanto, não estou disposta a denunciá-la ou tampouco
continuar discutindo um assunto que realmente não me diz respeito. Se o
senhor perdeu muito dinheiro com esta transação, devia tomar mais cuidado
ao escolher seus funcionários da próxima vez. Pois de uma coisa o senhor
pode estar certo: não tenho nenhuma intenção de vender a fazenda.
Jimmy quase fuzilou Lucy com o olhar, mas ela não se intimidou,
enfrentando-o da mesma forma. Percebendo a batalha que os dois travavam,
Jean Louis resolveu interferir.
— Sr. O'Donnell, acho melhor conversarmos amanhã em minha casa.
Talvez com mais calma possamos chegar a um acordo sobre este impasse.
Mas preciso esclarecer que não vou tolerar nenhuma outra artimanha para
forçar minha prima a vender suas terras.
Jimmy deu de ombros, tentando demonstrar que não estava muito
preocupado.
— Está bem, se prefere assim, para mim será melhor mesmo. Venha,
Manuelle, já é hora de voltarmos para o hotel.
Jimmy saiu da mesma maneira impetuosa que havia se aproximado.
Manuelle olhou para Jean como que procurando apoio, mas tudo o que
encontrou foi a indiferença de um homem que já sofrerá bastante por sua
causa. Mais uma vez os olhos de Manuelle se encheram de lágrimas e ela
saiu atrás de Jimmy.
— Sinto dizer isto, Jean — Lucy comentou, assim que os dois
deixaram o restaurante, — mas sua ex-noiva não presta.
— Sei disso há tempos. Mas pode deixar por minha conta. Amanhã
resolvo esta história de uma vez por todas com Jimmy O'Donnell.
— Faça como achar melhor! Para mim, quanto maior a distância
daquele homem, melhor. — Lucy reuniu todas as forças para ignorar seu
inconsciente que teimava em desmenti-la. — Como pôde ter a audácia de
imaginar que me convenceria a vender Cherrytree com meia dúzia de
palavras bonitas? E dizem que ele é um dos homens de negócios mais
inteligentes do país...
— Mais uma vez ficou provado que Manuelle consegue fazer com que
todos acreditam no que ela quer.
— Acho que Jimmy está apaixonado por ela; caso contrário não
admitiria que agisse tão impunemente.
— Não creio, Lucy. Aliás, tenho certeza. Só sendo cego para não
perceber que Jimmy não tirara os olhos de você.
— De mim?
— Exatamente! Ele não desviou a atenção de você durante toda a
noite... Tenho de admitir que fiquei um tanto intrigado. Por acaso vocês já
tinham se encontrado antes?
Lucy sentiu o rosto corar enquanto contava como conhecera Jimmy,
sobre as batidas de carro e finalmente o jantar.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

— Ele não sabia quem eu era... — terminou.


Jean Louis ficou em silêncio durante alguns segundos, estudando o
rosto da prima.
— E você? Por acaso está interessada nele?
— Ora, claro que não! Você enlouqueceu? Ele é o sujeito mais
arrogante e insuportável que já conheci em toda minha vida. E se pretende
usar todo aquele falso charme para me convencer a vender Cherrytree
perderá tempo.
— Oh, Ia la. Que braveza, ma belle!
Lucy não gostou da expressão de sarcasmo estampada no rosto de
Jean Louis, por isso apressou-se em fugir da situação, mudando de assunto.
— Sei que já perguntei, mas tem certeza de que não vai se arrepender
se essa transação de terras não der certo?
— Não tenho certeza de que dará certo. Você poderia ser um pouco
mais razoável, não? — Percebendo a súbita mudança de expressão no rosto
de Lucy, Jean levantou uma das mãos em defesa. — Não, por favor, não diga
nada, apenas escute um segundo! Se você vender a fazenda para mim, o
problema estaria resolvido.
— Não quero ter como vizinho um grande e suntuoso hotel.
— Mas não é esta a minha intenção. Você esqueceu que Jimmy
O'Donnell terá que convencer o sr. Plouhec a vender também?
— Bem, então nada feito! Tenho certeza de que ele jamais sairá das
suas terras.
— Talvez você esteja enganada. Marie não lhe contou que a sra.
Plouhec morreu o ano passado? Além disso, ele está ficando velho demais
para morar sozinho; não creio que vá conseguir dirigir aquela propriedade
por muito mais tempo. Tenho certeza de que se oferecerem uma boa quantia,
ele acabará cedendo. Se o sr. Plouhec vender as terras a Jimmy, então o hotel
poderá ser construído ali, bem longe da sua casa. Além disso, se tudo
pertencer a ele, ninguém mais construirá por ali. Dessa forma, as casas de
veraneio que Jimmy pretende erguer nas minhas terras teriam acesso à praia
pelo hotel, bem longe da sua casa. Não é razoável? Ninguém sairia
perdendo.
— Droga! Por que esse homem tinha de aparecer para destruir nosso
pequeno paraíso? Não gostaria de ter centenas de turistas à minha volta!
— Seja razoável, chérie! Se você concordar, Jimmy não terá mais nada a
reclamar.
Lucy esboçou um leve sorriso.
— Sabe de uma coisa? Gostaria de ser uma mosquinha para estar
presente quando Jimmy tentar convencer o sr. Plouhec a vender a fazenda.
— Bem, isso é problema dele. Mas concordo que seria divertido. Uma
batalha de gigantes, não acha?
Lucy ficou em silêncio pensando nas conseqüências que sofreria caso a
idéia de Jean Louis desse certo. A bem da verdade, ela só estava interessada

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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na casa e na manutenção do pomar; o resto das terras, se vendidas, não a


afetariam muito. O que mais a irritava, no entanto, era ter de negociar com
Jimmy O'Donnell.
— Se por acaso eu concordar com sua proposta, não quero que Jimmy
saiba de nada antes de ter fechado negócio com o sr. Plouhec. Isto é, se ele
conseguir. — Lucy sorriu, imaginando mais uma vez a situação. — Aquela
raposa velha vai fazer Jimmy O'Donnell pagar os olhos da cara pela fazenda.
De repente, uma idéia brilhante passou-lhe pela cabeça, mas desta vez
não teve intenção de revelá-la a Jean.
— Por que não vamos embora? — ela sugeriu. — Foi um dia muito
cansativo e pretendo levantar bem cedo amanhã.
Jean estudou-a longamente.
— Lucy, eu a conheço o suficiente para saber que está planejando
alguma coisa. Vamos, chérie, não quer me contar o que é?
Ela desejou não ser tão cristalina a ponto de deixar transparecer o que
estava sentindo ou pensando.
— Quer dizer quanto a virar uma mosquinha para presenciar o
encontro entre Jimmy e o sr. Plouhec? Ora, você tem de admitir que vai ser
muito divertido.
Jean não se convenceu com a desculpa.
— Você só fica com este brilho no olhar quando tem algo diabólico em
mente.
— Ora, pare com isso, Jean! Você esqueceu que não somos mais
crianças? Eu mudei muito, juro!

CAPÍTULO IV

Lucy dormiu profundamente, apesar de achar que o plano de


vingança contra Jimmy O'Donnell a manteria acordada a noite toda. Na
manhã seguinte, depois de espreguiçar-se durante longos minutos, levantou-
se para tomar um relaxante banho de espuma. A neblina encobria os campos,
prometendo um dia radiante, apesar da baixa temperatura matinal.
Vestindo rapidamente um blusão de lã vermelho e uma calça jeans,
Lucy tomou um café apressado e saiu pela praia à procura do sr. Plouhec.
A maré alta lembrou-lhe os tempos de infância. Tirou os sapatos e
deixou que as ondas lhe cobrissem o pé. O vento, ainda frio, revoava seus
cabelos, mas não a incomodava, enquanto corria fugindo das ondas maiores.
O velho Plouhec estava sentado numa cadeira de balanço na varanda
da tão familiar casa de madeira. Assim que a viu, levantou-se com certa
dificuldade para cumprimentá-la.
— Srta. Lucy, que surpresa agradável! Disseram-me que estava de
volta... Por que não entra para tomarmos um cafezinho?
Lucy aceitou o convite, mas não conseguiu disfarçar o nervosismo
enquanto ele repetia tudo o que já ouvira da boca de Marie. Lembrou-se

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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também de lhe prestar sentimentos pela morte da esposa e indagou sobre a


única filha do casal, Lisette.
— Para dizer a verdade, Lisette quer que eu vá morar com ela. — Lucy
prendeu a respiração, antecipando que sua idéia não daria certo. — Você
pretende morar por aqui, como fez sua tia?
— São os meus planos. Sempre fui tão feliz aqui...
— Eu soube que o filho mais moço de Gilbert está pretendendo
vender a fazenda para transformá-la em casas de veraneio. É verdade?
— Bem, tudo depende de muita coisa ainda. O senhor bem sabe que a
transação teria que incluir minhas terras também.
— Desenvolvimento! Destruir nossas terras é o que eles chamam
desenvolvimento? Quando mudei para cá, contava-se nos dedos as poucas
casas da costa. Agora, veja no que isso se transformou!
Lucy fingiu-se surpresa e aproveitou a oportunidade para colocar seu
plano em ação.
— Não me diga que o senhor também está pretendendo vender?!
Soube que o mesmo homem que está interessado em comprar a Grande
Ferme, pretende construir um hotel bem aqui. — Lucy observou com prazer
a aversão estampada no rosto do velho amigo. — Espero que não sejam estas
suas intenções. Eu preferia ter o senhor como vizinho do que um hotel cheio
de turistas.
— Onde você ouviu esta estória maluca? Não vendi nem vou vender
nada. A srta. Manuelle veio me visitar há alguns dias...
— O velho ajeitou-se na cadeira, impaciente, e Lucy se lembrou de que
ele nunca simpatizara muito com Manuelle. — Eu disse a ela que enquanto
tivesse saúde e disposição, nada me faria sair daqui. O único que conseguirá
tal proeza é o Senhor Jesus Cristo.
— Fico contente em ouvir isso. Pensei que aquele empresário inglês
tivesse conseguido comprar suas terras, uma vez que não conseguirá
comprar as minhas.
— Não me diga que ele está espalhando isso por aí?
— Acho que não, mas na verdade ignoro os planos dele. Eu cheguei
ontem, mas o sr. 0'Donnell já esteve em minha casa, tentando me convencer a
fazer negócio...
O ancião olhou para Lucy e sorriu em sinal de aprovação por suas
idéias. Depois de mais um café e mais algumas reforçadas na posição do sr.
Plouhec contra os investidores dispostos a destruir a natureza, Lucy saiu
triunfante. Agora, sim, estava realizada; Jimmy O'Donnell sairia correndo da
casa do sr. Plouhec, tão rápido quanto havia chegado. O velho não tinha um
gênio fácil e era mais teimoso do que ninguém. No entanto, ela caminhou
pela praia com uma pontinha de culpa. Será que o velho não ficaria melhor
se morasse com a filha?
O sentimento de culpa, porém, não demorou a abandoná-la.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

John Plouhec estava velho, mas perfeitamente lúcido para resolver a


própria vida.
Lucy continuou andando calmamente, sentindo o frio da areia nos
pés, até alcançar seu lugar favorito: uma árvore de copa solitária e
gigantesca, à beira da praia. Como antigamente, subiu no primeiro galho e
ajeitou-se ali, como se estivesse nos braços de uma velha amiga.
Um sorriso apareceu-lhe nos lábios ao pensar na trama que armara
contra Jimmy O'Donnell. No íntimo, desejava até que John Plouhec
mencionasse seu nome ao recusar a oferta de venda da propriedade.
— Bom dia, Lucy! Você acorda cedo, hein?
— Jimmy! — Surpresa, Lucy ergueu o corpo.
— O que estava tentando fazer? Por acaso o velho Plouhec concordou
em não vender a fazenda?
No mesmo instante, ela sentiu o rosto pegar fogo.
— E se por acaso eu tivesse mesmo convencido o sr. Plouhec a não
vender sua propriedade, tal coisa o surpreenderia muito?
Depois da maneira rude com que você se portou ontem, eu faria
qualquer coisa para acabar com seu negócio.
— Acho que consegui mesmo pegar no seu ponto fraco, não? Você já
está bem crescidinha para reagir de outra forma quando ouve a verdade.
— Oh, não!
Lucy pulou da árvore e preparou-se para deixá-lo ali, falando sozinho.
— Não vou deixá-la sair assim tão rápido — insistiu ele, segurando-a
pela cintura. — Temos muito o que conversar...
— Deixe-me ir!
— Por acaso Jean Louis é a razão de você ter voltado para morar na
Normandia?
Em meio a sua ira, Lucy esqueceu-se de conter as palavras.
— Se essa fosse a minha intenção, então eu teria ido morar em Paris.
Além disso, o que você tem a ver com minha vida?
— Só estava pensando na felicidade de Manuelle.
— É mesmo?! Ela é tão indefesa, coitadinha! Você deveria agradecer a
Deus o meu eventual interesse por Jean Louis.
— Não entendi a insinuação.
— Pois bem, eu explico melhor. Se Jean Louis e eu ficássemos juntos, o
caminho estaria livre para você, não é?
— Acho que nunca esteve tão errada. Só estou defendendo a
felicidade de uma amiga.
Lucy cruzou os braços e, com ar insolente, estudou-o de cima a baixo.
Jimmy também vestia jeans justo realçando as pernas musculosas. A .camisa
azul folgada tinha quase o mesmo tom daqueles olhos brilhantes. Para
completar o traje displicente, ele tinha um blusão de lã azul-marinho
amarrado ao pescoço.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

— Não me diga que saiu arrumado e perfumado deste jeito apenas


para dar uma volta na praia?! Conheço Manuelle muito bem para saber onde
ela põe o dedinho venenoso.
— Você não sabe o que está dizendo.
— Você é que não sabe com quem está lidando. Detesto tipos como
você, Jimmy O'Donnell. Não se pode dominar as pessoas dessa maneira!
— Está bem, se não está mesmo interessada em roubar o noivo da sua
amiga, então prove o contrário.
— Provar, como?
— Mande Jean Louis de volta a Paris. Tenho certeza de que não vai
conseguir.
— Ora, e por que faria isso? Além do mais, ele já é um homem adulto.
Não precisa de alguém que lhe dê ordens. Tem vida própria!
— Você me disse que estava aqui para trabalhar. Essa é mais uma das
suas mentiras?
— Nunca minto. O que não é o caso da sua amiga tão protegida.
— Se quer que eu acredite em você, então por que não faz o que
sugeri?
Respirando fundo, Lucy procurou controlar a sua irritação.
— Não estou interessada no que você pensa ou deixa de pensar sobre
mim. E quanto a Jean Louis, acho que ele saiu ganhando ao romper o
noivado. Manuelle sempre foi venenosa e traiçoeira, sem falar no que ele
sofreu quando ela resolveu ir trabalhar para você.
— Concordo que foi um erro contratá-la, por isso eu a persuadi a
pedir demissão a noite passada. Ela deve estar a caminho de Paris agora.
— Tentando consertar os erros, sr. O'Donnell?
— Não! Apenas não quero que ela sofra mais por toda essa bagunça
em que acabou se metendo.
— Muito digno da sua parte.
— Ora, Lucy, não seja tão infantil. Só você não percebe que os dois
foram feitos um para o outro.
— Jean Louis é muito bom para passar o resto da sua vida casado com
Manuelle.
— Será que você não percebe que ele precisa de alguém forte para
ajudá-lo?
— Sabe de uma coisa? Não vejo muito sentido em ficar discutindo
sobre meus amigos de infância com você. Não vejo com que direito se
intromete na minha vida desta maneira. Você é arrogante e insolente,
portanto seria um favor se sumisse da minha vida de uma vez por todas.
— Você sabe muito bem que isso não é verdade.
Ela percebeu que todo seu esforço de afastá-lo fora em vão.
Sem desviar o olhar, Jimmy aproximou-se e ao invés de fugir, como
sua razão mandava, Lucy continuou ali, parada, permitindo passivamente
aquela aproximação. De repente, o coração acelerou e um tremor percorreu-

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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lhe o corpo por inteiro. Fechando os olhos, ofereceu seus lábios, ansiosos por
serem tocados.
A partir daquele instante, sentiu-se transportada para outro mundo. A
única coisa que importava naquele momento era estar com aquele homem,
ter seu corpo colado ao dele, como se fossem um só. A princípio, foi apenas
um beijo terno, mas o seguinte foi longo e apaixonado. E, aos poucos, as
carícias se intensificaram, aumentando o desejo que os unia.
Mas, aos poucos, Lucy tomou consciência do que estava acontecendo
e afastou-se, quebrando o clima de paixão.
— Não me toque nunca mais — pediu com a voz ainda trêmula.
— Sinto muito, mas não pude resistir. Você parecia tão frágil...
A fúria que a invadiu foi tamanha que as palavras morreram-lhe na
garganta. Ansiosa por fugir o mais rápido possível dali, Lucy saiu em
disparada pela praia, como se estivesse sendo perseguida por um ladrão,
prestes a roubar-lhe os sentidos.
Como Jimmy podia conhecer Jean Louis e Manuelle tão bem?
De certa forma, aquele homem estava invadindo sua privacidade,
entrando na vida de seus amigos. Ela bem sabia que Jean Louis e Manuelle se
mereciam, mas poderia ouvir aquilo de qualquer um, menos de Jimmy
O'Donnell.
No entanto, não era o ciúme que sentia por Jean e Manuelle que mais
a incomodava naquele momento e sim que o fato de Jimmy estar tão
consciente quanto ela da atração que os unia. Se mal ò conhecia, então como
seu corpo reagia de forma tão incontrolável à presença dele?
A tarde já caía quando Jean Louis encontrou-a deitada na rede da
varanda de sua casa. Lucy desenhava as galinhas que bicavam inquietas o
milho que Marie lhes jogara no chão.
— Lucy, querida, estes desenhos estão incríveis. Eles parecem tão
reais...
Ela divertiu-se ao perceber que o primo não conseguia encontrar as
palavras adequadas para expressar seu entusiasmo.
— Se gostou tanto, pode levá-los.
— Sério?
— Claro! São apenas rascunhos. Estou tentando criar uma nova
história e começar a trabalhar logo.
— Quem diria! Vou mandar colocá-los num quadro e guardar com
todo carinho.
— Ora, não exagere! São apenas rabiscos. Nada de importante.
— Nada disso, essas galinhas são muito divertidas. Obrigado, chérie,
adorei o presente.
— Isso não é nada, Jean Louis. Desenho um pouco para ilustrar
minhas histórias, mas conheço gente que pode fazer um trabalho com
nanquim bem melhor do que o meu.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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— Mas não é só isso, querida. Para mim, galinhas nunca foram mais
do que simples aves que botam ovos. Depois de ver estes desenhos, parece
que ganharam vida, transformando-se em personagens reais.
Lucy riu e pegou os desenhos de volta para reavaliá-los.
— Sabe, não pensei que estivesse criando uma coisa tão fora de série...
Jean abraçou-a num gesto carinhoso.
— Estão prontos, ou precisam de mais algum retoque?
— São seus.
— Bem, então vamos conversar um pouco. Tenho uma porção de
coisas para contar.
Lucy sentiu os músculos tensos, mas predispôs-se a ouvir os planos
do primo mais uma vez. O encontro com Jimmy, naquela manhã, a
aborrecera muito e agora Jean Louis traria à tona a mesma história. Abatida,
deixou escapar um longo suspiro.
— Não tem com que se preocupar, ma belle. Vai dar certo.
Lucy bem sabia que a simples menção do nome de Jimmy O'Donnell
lhe significava preocupação, mas como seria praticamente impossível
explicar a Jean suas razões, preferiu ficar em silêncio.
— Jimmy manteve a proposta! — Jean informou, animado.
O brilho intenso no olhar do primo deu a Lucy a certeza de que havia
sido muito ingênua, subestimando o poder do dinheiro sobre as pessoas. —
Depois de havermos concordado sobre os últimos pontos da transação,
Jimmy e eu fomos à fazenda do velho Plouhec, que concordou em vender a
propriedade.
Lucy ficou boquiaberta com a novidade. O esforço que empreendera
em convencer o sr. Plouhec do contrário fora em vão.
Mas, antes mesmo que pudesse dizer qualquer coisa, Jean riu de sua
expressão de espanto.
— Sei que está assustada, mas precisava ver como Jimmy O'Donnell é
habilidoso para negociar. No princípio, o velho queria nos colocar para fora,
dizendo-se contra qualquer tipo de exploração por aqui. Mas Jimmy levou
alguns desenhos sobre o que pretendia fazer em Grande Ferme e, logo que os
mostrou, o velho ficou empolgado. Em segundos, os dois trocavam idéias
como se fossem amigos há muito tempo, ainda mais depois que Jimmy
explicou que não construiria nenhuma obra suntuosa.
— E o que o sr. O'Donnell está pretendendo construir se não um hotel
enorme?
— Bem, claro que será um hotel, mas não tão faraônico quanto
pensávamos. — Jean abriu a maleta que carregava e espalhou sobre a mesa
algumas plantas e desenhos. — Veja! É isto o que ele pretende fazer em
Grande Ferme. A construção toda não terá mais do que um andar, assim não
afetará a paisagem.
Lucy não estava disposta a continuar ouvindo aquela história, mas,
mesmo contra a vontade, admitiu que o projeto era muito bom.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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— Jimmy pretende fazer o mesmo tipo de construção nas terras do sr.


Plouhec — continuou Jean, entusiasmado. — Será um grande edifício, mas
de um andar apenas, cercado por pequenos chalés.
— Bem, a idéia não é realmente de todo má. No entanto, o que mais
me surpreende é o sr. Plouhec ter concordado com a venda.
— Marie não lhe contou que ele não anda muito bem de saúde? Ele
andou tendo fortes crises de bronquite e o médico aconselhou que não
morasse mais sozinho.
— Engraçado, ele me pareceu muito bem esta manhã.
— Sei disso, ele nos disse que você o havia visitado e que estava tão
preocupada quanto ele com o que Jimmy pretendia fazer por aqui.
Lucy evitou olhar para o primo temendo que o velho Plouhec tivesse
falado mais do que devia. Além disso, estava furiosa por ver que seu
esplêndido plano de vingança fora tão facilmente superado.
— Acho que ele sabe que daqui para frente vai ficar cada vez mais
difícil continuar vivendo sozinho — continuou Jean Louis.
— De certa forma, ele agradeceu por Jimmy ter insistido e o
convencido a mudar-se e morar com a filha.
Aquela afirmação fez com que Lucy se sentisse culpada pelo que
tentara sugerir ao sr. Plouhec. Procurou mudar de assunto para fugir
daquela sensação ruim.
— Bem, quer dizer que ele vai querer comprar as minhas terras, não é?
O rosto de Jean Louis assumiu uma expressão séria.
— O que mais preocupa Jimmy é que você está dificultando as coisas
por não simpatizar muito com ele.
— Pois ele tem toda razão. Eu o odeio.
— Ele me contou que vocês discutiram esta manhã...
— É verdade. Não suporto pessoas que pensam que são os donos da
verdade. Se tivesse visto a maneira como ele falou comigo, talvez não
estivesse tão empolgado com esse projeto.
— Ele admitiu não ter agido corretamente com você.
— Provavelmente contou-lhe tudo para que você tentasse me
convencer a mudar de opinião. E pelo que vejo, conseguiu mais uma vez.
— Lucy, você não está sendo racional. Não entendo por que dificulta
tanto as coisas. Depois da nossa conversa de ontem, senti mais segurança
para continuar com as negociações porque considerei sua propensão em
aceitar a proposta. Mas, se continuar agindo assim só por não simpatizar
com Jimmy, então...
— Sabe o que me deixa mais triste, Jean? — ela interrompeu.
— Você ter se deixado envolver tão facilmente por Jimmy O'Donnell.
Será que não percebe que esse homem é muito esperto e que está usando
você como intermediário?
— Lucy, não exagere. Não é bem assim.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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— Como "não é bem assim"? Sabe de uma coisa? Por que não volta
para Paris e me deixa resolver este assunto sozinha?
Se Jimmy quiser minhas terras, ele que venha falar comigo
pessoalmente.
— Lucy!
Ela ignorou-lhe os protestos e continuou:
— É o que você ouviu. Volte para Paris e trate de reatar seu noivado
com Manuelle. Agora que você fechou negócio com Jimmy não será muito
difícil tê-la de volta. Afinal, é o que você sempre quis, não é?
— Pensei que me quisesse por perto. Por que está me mandando
embora tão de repente?
— Você sabe muito bem que vim para cá para concentrar-me apenas
no meu trabalho. Além disso, se continuar por aqui vai acabar perdendo
Manuelle. Ela é capaz de se casar com o primeiro que aparecer.
Jean Louis baixou a cabeça, e Lucy chegou a sentir pena por ter sido
tão dura, mas sabia que ele precisava ouvir aquelas verdades para finalmente
tomar a atitude certa.
— Nós dois sabemos que você ainda a ama, que nunca deixou de amá-
la. Manuelle, sendo como é, pode cometer uma loucura só para chamar sua
atenção. É melhor não deixá-la sozinha por muito tempo.
Jean Louis deixou-se cair na rede, abatido.
—Você tem razão. Amo Manuelle e sempre serei um apaixonado
incorrigível.
— Vocês serão felizes depois de casados, tenho certeza.
— Fiz tudo errado. Manuelle sempre teve muito ciúme de você e eu
não fiz outra coisa durante estes anos todos senão provocar ainda mais tal
sentimento.
— Não é sempre que a gente acerta, Jean. Bem, só me falta agora pedir
que a perdoe.
— Você me faria muito feliz, ma belle. Manuelle age assim com você
porque morre de medo. — No instante seguinte a expressão
de Jean mudou totalmente. — Quer dizer que minha mocinha vai
complicar a vida de Jimmy O'Donnell?
— Não será mais do que ele merece.
Jean Louis forçou uma expressão séria, mas não demorou muito a
soltar o riso.
— Pelo que vejo, vai ser uma temporada e tanto. Acho que devo voltar
a Paris mesmo. Como o ditado diz: dois é bom, três é demais... — Jean
inclinou-se e beijou-lhe o rosto. — Bem, vou partir esta noite, mas logo
estarei de volta com Manuelle, já que temos de resolver quais as mobílias que
vamos vender e quais as que continuarão conosco.
Lucy acompanhou o primo até o portão, depois ficou pelo jardim,
pensando em tudo que acontecera naqueles últimos dias.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

E imaginar que no final das contas fizera exatamente o que Jimmy


dissera: mandara Jean Louis de volta a Paris, para os braços de Manuelle. O
que ele não sabia era que não tinha feito aquilo só para obedecer as suas
ordens e sim porque achava que casar-se era o melhor para Jean Louis.
No entanto, fora o romance conturbado do primo, o que deixava Lucy
inquieta e insegura era o fato de que Jimmy O'Donnell não demoraria muito
a procurá-la de novo para tentar, mais uma vez, comprar a fazenda
Cherrytree. Mas existia uma vantagem grande a seu favor, que nenhum tipo
de pressão esfacelaria: Jimmy precisava de suas terras para completar o
investimento e alcançar seus objetivos.

CAPÍTULO V

Embora Lucy tivesse certeza de que Jimmy O'Donnell a procuraria,


não conteve a ansiedade durante uma semana inteira sem receber notícias
dele ou mesmo de Jean. Dispersiva demais para escrever ou mesmo ajudar
Marie nas mais simples tarefas de casa, procurou de todas as formas ignorar
o que aquela falta de informações lhe causava. Tentou se convencer de que o
silêncio significava a desistência de Jimmy do projeto, mas o simples fato de
pensar na hipótese de não revê-lo a angustiava.
Durante várias noites surpreendeu-se sonhando com ele, por mais que
se esforçasse em policiar suas emoções e sentimentos.
A vida na fazenda andava calma para seu estado de espírito conflitivo
e, disposta a espairecer um pouco, Lucy decidiu ir até a cidade para arrumar
o cabelo e fazer algumas compras. Dirigir o carro conversível pela estrada à
beira-mar, sentir a brisa do mar no rosto, foi o melhor remédio que poderia
esperar para aliviar as tensões.
O céu aberto e o sol radiante serviram como um antídoto para seus
nervos. Depois do cabeleireiro, fez algumas compras na rua principal, e
resolveu tomar um sorvete.
Ao dobrar a esquina em direção ao café mais badalado do lugar, Lucy
assustou-se ao ver Jimmy e Manuelle sentados numa mesa na calçada,
conversando animadamente. Sem pensar duas vezes, escondeu-se atrás de
um caminhão, de onde os observou sem ser vista. A moça sorria todo o
tempo e Jimmy se redobrava em charme e gentilezas. Lucy sentiu uma
pontada de ciúme quando eles se levantaram, algum tempo depois, e saíram
abraçados como dois namorados.
Perturbada com a cena que acabara de presenciar, voltou desanimada
para o carro. Todo o bem-estar e a alegria que sentira durante o dia haviam
desabado por terra. Nem mesmo as roupas bonitas que adquirira e o corte de
cabelo serviram para reanimá-la. Como pudera ser tão ingênua a ponto de
mandar Jean Louis de volta a Paris? Se Manuelle ainda estava na cidade, era

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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um sinal bem claro de que Jimmy garantira seu romance com ela a despeito
de todas as falcatruas que praticara.
Furiosa, Lucy deu partida no carro e voltou para casa. Sem falar com
Marie, trancou-se no quarto e só saiu de lá no final da tarde, quando decidiu
andar pela praia para repensar no que acontecera.
Tudo parecia-lhe muito claro agora. Jimmy não a procurara durante
todo aquele tempo porque certamente tinha coisas muito mais importantes a
fazer. Comprar Cherrytree não lhe era mais tão fundamental quanto
conquistar um amor praticamente impossível, uma vez que Manuelle ainda
nutria esperanças de reatar o noivado com Jean Louis.
Analisando a situação com frieza, sentiu-se magoada por ter sido
relegada a um plano tão inferior, e decidiu dificultar ainda mais as
negociações para a venda de sua propriedade. Agora não estava em questão
apenas o seu orgulho ferido, mas a felicidade de Jean Louis também.
O sol começava a sumir, a enorme esfera de fogo, mergulhando no
azul-escuro do mar. Molhando os pés no mar, Lucy admirou a paisagem e
suspirou melancólica. Nunca se sentira tão só e abandonada como se
flagrava naquele momento.
Porém, decidida a não deixar-se abater tão facilmente, virou-se
abruptamente para voltar para casa e quase tropeçou num cãozinho que a
seguia em silêncio.
— Olá, bichinho. Quem é você? — ela acariciou-lhe o pêlo. — Está
perdido?
O animalzinho simpático logo retribuiu o carinho pulando no colo de
Lucy. Era branco, com uma mancha preta num dos olhos e o rabo curvado,
lembrando exatamente a alça de um bule de chá.
Lucy estendeu o olhar por toda a praia, à procura do dono do animal,
mas não viu ninguém. Pelas pegadas deixadas na areia, percebeu que o
bichinho a seguia há bastante tempo. Procurou por algum sinal que o
identificasse, mas nada conseguiu; sequer tinha coleira.
— Está bem, amiguinho, você venceu — disse ela, acariciando-o mais
uma vez. — Vamos para casa.
Marie quase morreu de susto e Tiger correu para esconder-se debaixo
do armário, quando Lucy entrou em casa com o cachorrinho no colo, mas
fingiu não perceber a reação da governanta.
— Você conhece este cachorrinho, Marie?
— Imagine! Isso aí é um vira-lata, mademoiselle Lucy. Olhe só para
ele!
— Bem, foi isso o que pensei. Se ninguém vier reclamar, acho que vou
adotá-lo.
— Adotar uma coisinha feia dessas? — questionou Marie,
horrorizada.
— E por que não? Diga-me, sobrou um pouquinho daquele frango que
comemos ontem?

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

— Não me diga que vai dar para ele o prato que fiz com tanto carinho!
Lucy sorriu diante da indignação da velha senhora.
— Claro que vou! Não vê que ele está morrendo de fome? Vou dar o
frango e muito leite. Não posso exagerar muito, não sabemos quando foi a
ultima vez que ele comeu. Vamos, Marie, preciso de um cobertor velho!
Já no chão, o animalzinho procurou aconchegar-se perto do calor do
fogão, as patinhas trêmulas de frio.
— Acho que ele precisa de um banho, mas não hoje. Talvez fosse
melhor colocá-lo para dormir comigo...
— Você tem um coração mole, igualzinho a sua tia.
Mesmo resmungando, Marie ajudou a alimentar o cãozinho, dando-
lhe inclusive leite quente com aveia.
Para Lucy, cuidar do Teapot, como ela o chamou, foi o melhor
remédio para esquecer Jimmy O'Donnell. A cada dia que passava, o
animalzinho engordava e ganhava mais vida.
Já fazia três dias que Teapot se tornara seu amigo inseparável, quando
chegou uma carta de Jimmy convidando-a para jantar dentro de dois dias. A
primeira reação que teve foi recusar o convite, mas depois de refletir um
pouco, achou que não seria a melhor saída. Afinal, tinha de encontrá-lo.
Pretendia dificultar as coisas ao máximo, mas deixaria que Jimmy pensasse
que tinha a situação sobre controle até que ela o surpreendesse recusando
qualquer proposta.
Pelo endereço no envelope, Lucy soube que ele já se instalara em
Grande Ferme e sentiu uma certa emoção de tê-lo tão perto. Respirando
fundo, procurou conter as emoções relembrando a cena no café e apagando,
assim, qualquer esperança que pudesse ter.
Por sorte, a raiva que sentiu por ter se emocionado tanto com o
convite de Jimmy fez com que sua criatividade brotasse a toda carga. Teapot
já estava mais gordo e tinha uma maneira peculiar de andar e agir. Sem
demora, Lucy, com lápis e papel na mão, precipitou-se a desenhá-lo em
diversas posições, deixando que sua imaginação lhe contasse como fora a
vida daquele animalzinho antes de ser encontrado na praia.
Quase sem perceber, tinha na mente toda a série de histórias que
escreveria dali em diante: O cãozinho Teapot e suas aventuras. A fazenda,
Manuelle, Jimmy e todo o resto foram esquecidos quando começou a
trabalhar com afinco no projeto. Seu novo companheiro a cada dia perdia
aquele ar de abandonado, assumindo sua nova condição de mascote. Tiger e
Teapot haviam estabelecido uma espécie de pacto de honra: enquanto um
não invadisse o território do outro, não haveria brigas.
Foi Marie quem entrou no estúdio inesperadamente, para lembrá-la
de que tinha um jantar com Jimmy aquela noite e que deveria largar o
trabalho se quisesse chegar a tempo. Mais relaxada para o encontro do que
poderia imaginar, Lucy entrou no banho. A atividade intensa dos últimos
dois dias e o rascunho pronto para a próxima história, serviram-lhe como

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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válvula de escape para toda a sua tensão. Imaginou que seria até divertido
estar com Jimmy e poder analisá-lo friamente. Mesmo assim, acabou
demorando mais do que o necessário para escolher a roupa apropriada,
embora intimamente acreditasse que nada aconteceria entre ela e Jimmy
O'Donnell. Escapar para o mundo da fantasia fora uma pobre alternativa de
solução para o problema que teria de enfrentar dali a pouco: a sedução
daquele homem.
Maio na França era um dos meses mais adoráveis do ano. As tardes
eram quentes e raros os dias em que não havia sol ou noites que não fossem
estreladas. Por isso, Lucy optou por um vestido simples de algodão creme e
completou a elegância da roupa com uma bela echarpe de seda em tons
vibrantes.
Marie fora instruída para levar Jimmy ao estúdio assim que chegasse.
Lucy estava regando as violetas quando os dois entraram no salão,
acompanhados de perto por Teapot, ansioso por checar o estranho.
Como sempre, Jimmy estava irresistível, o charme presente no simples
cumprimento reverente. Quando sentiu a mão quente apertar a sua, Lucy
desejou esquecer todas as convicções e render-se à incrível atração que sentia
por ele. No entanto, Jimmy demonstrou-se cauteloso, como se não tivesse
tanta certeza de ser bem recebido.
Impassível, esforçando-se ao máximo para não demonstrar o turbilhão
de emoções que a afligiam, Lucy serviu dois cálices de vinho. Embora
procurasse parecer indiferente, não deixou de notar o olhar penetrante de
Jimmy estudando-lhe as formas delicadas do corpo oculto sob o tecido fino
do vestido. Respirou aliviada, quando Teapot chamou a atenção dos dois.
— Ora, ora, quem é este aqui?
— Eu o encontrei perdido na praia outro dia.
Lucy sentiu um ciúme incontrolável quando Teapot aproximou-se
carinhosamente de Jimmy, fazendo-lhe festa e oferecendo-lhe a barriga para
ser acariciada.
— Vejam só! Você é um cãozinho muito simpático, sabia? —
comentou Jimmy, sem notar a aflição de Lucy.
— Teapot! — repreendeu ela, de repente.
Jimmy ergueu-se e lançou-lhe um olhar divertido, antes de aceitar o
cálice de vinho que lhe era oferecido. Levantando o cálice, fez uma saudação
em silêncio.
Teapot, temendo ter magoado a dona, sentou-se a seus pés à procura
de proteção. Lucy permitiu que o cãozinho pulasse no sofá e acariciou-lhe a
cabeça, dando-lhe a certeza de que tudo estava bem.
— Parece ser um animalzinho muito amigável e manso para ser um
vira-lata — comentou Jimmy. — Já averiguou se ele tem dono?
— Marie foi até a delegacia e deixou um aviso. Se você o tivesse visto
na primeira noite em que o encontrei, não teria dúvidas de que ele não tem
dono.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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— Como pode ter tanta certeza?


Lucy não entendeu por que aquele súbito interesse no animal. De
certo, estava ironizando a situação. Lucy resolveu não deixar barato.
— Por que não faz um Boletim de Ocorrência na delegacia quando
estiver voltando para casa esta noite — sugeriu, sarcástica.
— Até que não é uma má idéia...
A bem da verdade, Jimmy tocara num assunto que dá dias a
preocupava. Desde que encontrara Teapot não fizera nenhum esforço por
encontrar seus possíveis donos.
— Pelo que vejo eu a aborreci, não? — perguntou ele, notando a
expressão contrariada de Lucy.
— Não se preocupe, sr. O'Donnell, já estou me acostumando a sua
mania de me dar ordens.
— Por que esta formalidade toda? — Jimmy sorriu na tentativa de
quebrar o mal-estar que se instalava entre eles. — Você já me chamava pelo
primeiro nome em Caen.
— É verdade, mas as circunstâncias mudaram bastante. Além do mais,
já que este é um encontro de negócios, não acha melhor sermos formais?
— Encontro de negócios? Mas do que você está falando?
— Ora, pensei que este jantar fosse para discutirmos a venda das
terras!
— Não tenho intenção nenhuma de discutir negócios com você, pelo
menos não hoje.
— Ah, não? — Lucy surpreendeu-se.
— Claro que não! Fiz o convite porque quero conhecê-la melhor.
Pensei que isto tivesse ficado claro.
— Ora, mas nem sequer falamos por telefone! Como poderia saber?
Além do mais, acho que eu já deixei bem claro que não estou interessada em
conhecê-lo melhor.
— Ora, vamos, Lucy! — Jimmy lançou-lhe outro daqueles irresistíveis
sorrisos. — Nós começamos tudo errado. Quero esquecer o que passou e
tentar tudo de novo. Quando soube que Jean Louis estava voltando para
Paris, entendi como havia sido injusto com você.
— Mas eu não fiz isso porque você mandou! Quem pensa que é para
sair dando ordens por aí? Eu estava pensando única e exclusivamente em
mim. E só aceitei este convite para jantar porque pensei que trataríamos de
negócios.
— Não estou entendendo por que está agindo assim.
— É bom que não entenda mesmo. E já que não vamos tratar de
negócios, é melhor você ir andando, pois não temos mais nada para
conversar.
Jimmy respirou fundo e levantou-se. Foi então que Lucy percebeu que
alcançava seu objetivo: ele estava furioso.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

— Está agindo como uma criança mimada, Lucy Porter! Você não
gosta de admitir que está errada, não é mesmo? Está tão acostumada a ter
todos os homens a seus pés que não pode suportar a idéia de que um deles
seja diferente. Não sou mais um colegial para me deixar envolver por sua
beleza e talento, e nunca permiti que alguém me tratasse de maneira tão
insolente. Deve ter esquecido que é humana como qualquer um de nós, com
todos os defeitos e qualidades.
Lucy ficou tão perplexa com aquele desabafo que foi incapaz de dizer
qualquer coisa.
— Você é uma mulher adorável, Lucy — ele continuou. — Se soubesse
reconhecer os erros, então, seria perfeita! Mas não se preocupe em me
encontrar de novo, pois eu mesmo não estou nem um pouco interessado em
revê-la.
Jimmy saiu batendo a porta, quase que ao mesmo tempo em que uma
taça de vinho estilhaçava-se contra o batente.
— Que raiva! — exclamou ela, sentindo as lágrimas escorrer-lhe pelo
rosto.
Instantes depois, Marie entrou no estúdio, procurando saber a razão
de tanto barulho. Lucy acabou por descontar na governanta toda sua raiva.
— Nunca mais deixe este homem entrar nesta casa, entendeu?
— Mas por quê, mademoiselle Lucy? Ele me pareceu tão simpático...
— Pode ser simpático, mas é também uma cobra venenosa!
Lucy saiu furiosa, deixando Marie e Teapot para trás.
— Oh, Ia la! Que gênio, ma petite! — Marie exclamou, pegando Teapot
no colo e voltando para a cozinha. — Mesmo assim, não mudei de opinião
sobre o monsieur.
Lucy sabia que a melhor terapia para se acalmar era correr, por isso
trocou o vestido por um agasalho confortável e saiu em direção à praia.
Depois de ter corrido bastante, o corpo todo pulsando de cansaço, sentou-se
na areia e analisou as acusações de Jimmy.
O que mais a aborrecia era a petulância dele. Afinal, se não a
convidara para jantar a fim de tratarem de negócios, por que então fizera o
convite? Não estava saindo com Manuelle? Sempre soubera que executivos
de sucesso às vezes lançavam mão de certos artifícios para obterem seus
objetivos, mas Jimmy estava abusando...
Por sorte, não caíra na armadilha. Mas também tinha consciência de
que precisava esforçar-se ao máximo para resistir ao charme dele, à maneira
como a encarava, desnudando-a por inteiro, desvendava-lhe as emoções.
Depois de refletir mais um pouco, percebeu que Jimmy tinha razão ao
acusá-la de não ligar muito para as pessoas que a rodeavam. Mas, também, o
que fazer se os homens que conhecera haviam cedido a todos os seus
caprichos?
Percebendo que não conseguiria chegar a nenhuma conclusão sobre
Jimmy e muito menos por que sentia-se tão atraída por ele, Lucy decidiu

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

voltar para casa. Tinha esperanças de envolver-se mais uma vez com o
trabalho e esquecer aquele homem e tudo o que ele significava.

Lucy escrevia uma nova história quando o telefone tocou. Esticou o


braço e pegou o aparelho.
— Lucy? Olá, sou eu, Jean Louis. Desculpe-me estar ligando tão tarde,
mas tenho ótimas notícias para você.
Lucy experimentou uma certa decepção ao ouvir a voz do primo, uma
vez que, no íntimo, esperava que fosse Jimmy. Mesmo assim procurou ser
cordial.
— Novidades? Quais novidades?
— Escute, não tenho muito tempo para conversar agora. Estou indo
para Grande Ferme. Podemos nos encontrar amanhã?
— Não!
Lucy foi categórica, apesar de não considerar as implicações que sua
negativa poderia trazer. Conhecendo-a bem, Jean riu do outro lado da linha.
Sabia perfeitamente que ela temia encontrar-se com Jimmy.
— Está bem, ma belle, entendo seus motivos. Por que não nos
encontramos perto da sua árvore favorita, na praia?
— Não pode adiantar o assunto, Jean?
— Espere até amanhã à tarde. Bem, tchau, tenho de ir, já estou mais do
que atrasado.
Lucy ouviu o sinal de ocupado antes mesmo que pudesse argumentar
com o primo. Tudo muito estranho, pensou. Jean parecia alegre e
descontraído. Será que Manuelle já lhe contara sobre o romance que
mantinha com Jimmy O'Donnell? Nesse caso, como Jean poderia reagir
daquela forma?
Embora ansiosa pelo encontro com Jean Louis no dia seguinte, Lucy
retomou o trabalho. Se Jean viesse procurar consolo em seus ombros não
hesitaria em ajudá-lo, mas também deixaria bem claro que o relacionamento
deles não passaria de simples amizade, por mais que ele procurasse insistir
no contrário.

Decidida a não dar demasiada importância ao encontro naquela tarde,


Lucy passou o dia ocupada, evitando qualquer tipo de elucubração mental.
Uma dúvida, porém, a perseguia. Não estaria Jimmy O'Donnell por trás das
"novidades" mencionadas por Jean Louis?
Quando finalmente a tarde começou a cair, Lucy e Teapot saíram de
casa. A lua já começava a brilhar gloriosa no céu estrelado quando
aproximou-se do ponto de encontro. Por sorte, a noite estava clara e o luar,
refletindo no mar seu esplendor, iluminou-lhe o caminho. Antes de sair de
casa cogitara a hipótese de telefonar para desmarcar o compromisso
misterioso, más a possibilidade de Jimmy atender a fizera desistir da idéia.
Não entendia por que Jean Louis concordara em ficar em Grande Ferme,

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

sabendo que Jimmy estava lá com Manuelle. Será que ele temia que Jimmy
rompesse o contrato que lhe renderia milhões de dólares?
Assim que chegou à árvore ouviu um assobio familiar e sorriu. Jean
Louis não perdera o hábito de infância. A areia ainda estava quente do sol e
Lucy tirou os sapatos para poder sentir melhor a sensação gostosa contra sua
pele delicada. Quando erguia o corpo, alguém enlaçou-a pela cintura.
— Jean Louis, seu maluco!
Lucy voltou-se sorrindo, mas não teve chance de dizer mais nada, pois
seus lábios foram cobertos por um beijo longo e apaixonado. Foi então que
percebeu que fora enganada. Quem a estava beijando não era Jean Louis,
mas sim Jimmy. A razão lhe mandou afastá-lo, mas seu corpo a surpreendeu
respondendo cada vez mais àquele simples carinho. Percebendo que ela
cedia à pressão de seus lábios, Jimmy aprofundou ainda mais a carícia,
envolvendo-a num êxtase profundo. O último pensamento racional a passar
pela mente de Lucy foi que ninguém jamais a tocara de forma tão sensual e
arrebatadora. Deixou-se aconchegar mais ao corpo viril de Jimmy, sentindo
um a um os botões de sua blusa serem abertos. O contato das mãos fortes
transmitiu-lhe uma sensação de calor que se espalhou por todo o seu corpo,
fazendo-a ansiar por livrar-se da única barreira que a impedia de sentir por
completo o peito másculo de encontro ao seu.
Sem demora, a blusa de Lucy ficou esquecida na areia. Ansiosa por
estreitar aquele contato, Lucy ajudou-o a livrar-se da camiseta. O desejo que
os consumia foi se intensificando, levando-os ao delírio. Enquanto ela gemia
de prazer, alheia a tudo que pudesse quebrar aquele momento mágico,
Jimmy beijou-lhe a pele alva do pescoço, marcando com a língua uma trilha
de fogo e prazer até os seios nus.
De súbito, Jimmy aprisionou-a sob seu corpo, tomando o cuidado de
apoiar-se nos cotovelos para apreciar a escalada alucinante de prazer que se
delineava no rosto de Lucy. Ela ainda o atraiu mais uma vez para um beijo,
na ânsia de explorar cada centímetro daquele corpo másculo pressionando o
seu, Jimmy respondeu ao apelo com um beijo longo e apaixonado, depois
afastou-se, fitando-a com um sorriso.
Lucy tomou aquele atitude como uma agressão e não um carinho. Aos
poucos foi recobrando a consciência, um cruel retorno à realidade. O sorriso
de Jimmy era de triunfo, como se quisesse mostrar o quanto seu fascínio
podia dominá-la.
Lucy caíra numa armadilha, e nada faria mudar essa verdade!

CAPÍTULO VI

Lucy tentou escapar do calor extasiante que unia seu corpo ao de


Jimmy. Mas não obteve sucesso. Ele a prendera de tal forma que só sob suas
ordens obteria o mínimo movimento.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

— Você é ainda mais bela do que eu imaginava! — O comentário


sensual acabou por provocar a ira de Lucy, que começou a se debater, — Não
fuja, querida! Sei que me deseja tanto quanto eu a desejo.
Com a respiração ainda ofegante pelas sensações que acabara de
experimentar e também pela urgência de fugir dali, Lucy se debateu com
toda a força. Quando conseguiu se libertar, rolou para o lado, procurando a
blusa perdida.
— O que aconteceu? Por que todo esse drama? Estávamos indo tão
bem, querida... — a voz de Jimmy soou irônica.
— Não ouse me tocar novamente! — Ela abotoou a blusa às pressas.
— Ei, calma! Se você prefere assim, prometo me comportar. — Lucy
percebeu que sua reação o deixara perplexo. — Mas o que houve? Será que
posso saber?
— Como pode brincar desta forma com as pessoas? — ela esbravejou,
seu corpo ainda tremendo de emoção.
A última coisa que queria naquele momento era chorar, mas foi
exatamente o que aconteceu. Estava tão confusa, tão ofendida e magoada que
não resistiu, e as lágrimas escorreram pelo seu rosto. Agora tinha certeza de
que jamais conseguiria resistir aos carinhos de Jimmy; precisava deles para
ser feliz. A simples presença daquele homem lhe roubava a razão,
transportando-a para um mundo onde só existiam amor, carinho e Jimmy
O'Donnell.
Para reconfortá-la, ainda não sabendo ao certo por que ela chorava,
Jimmy abraçou-a carinhosamente.
— Venha comigo, não podemos conversar no escuro. — Ele a ajudou a
levantar-se e a encostar-se à árvore, onde o luar iluminava-lhe o rosto
delicado. — Agora, por favor, conte-me o que está acontecendo. Por que está
tão magoada comigo? O que fiz de errado?
— Você sabe muito bem.
Lucy tentou esconder o desespero por não conseguir controlar as
lágrimas, fugindo das mãos fortes que a prendiam e sentando-se no chão
mais uma vez.
— Não, não sei do que se trata. Por que não tenta me dizer?
Acabaremos de uma vez com todos os problemas.
Lucy o encarou com firmeza.
— Eu vi você e Manuelle juntos no café, no começo da semana.
— E o que há de errado nisso? Ela quis encontrar-se comigo para
contar as novidades pessoalmente. Manuelle está feliz porque vai se casar
com Jean Louis no próximo mês.
— Casar-se?!
— Claro, sua tola! O que passou por esta sua cabecinha?
— Bem, eu... quer dizer...
— Você achou que estávamos tendo um caso, não é? — completou ele.
— Mas as circunstâncias eram tão claras...

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

— Por acaso Jean Louis não lhe contou nada quando ligou ontem à
noite?
— Não, só disse que tinha boas notícias.
A voz de Lucy tornou-se ainda mais fraca. Jimmy percebeu que o
orgulho abandonara aquele corpo frágil, deixando-o ainda mais
desprotegido. Não resistindo ao encanto de uma figura tão meiga à sua
frente, abraçou-a com ternura.
— Solte-me, por favor. Sinto muito se o julguei mal, mas isso também
não muda nada entre nós.
— O que quer dizer? — Jimmy olhou-a indignado.
— Quero ir para casa, Jimmy, estou cansada.
— Está bem, então vou acompanhá-la.
Lucy deu de ombros.
— Não precisa se incomodar.
Ela começou a andar e Jimmy, ao seu lado, colocou o braço em seu
ombro, amparando-a. Com esforço, Lucy disfarçou o tremor que percorreu-
lhe o corpo assim que ele a tocou.
— Quero saber por que está tão ressentida comigo.
— Pensei que a única coisa que o interessava era ir para a cama
comigo — ela respondeu, na sincera intenção de esclarecer todos os
desencontros.
Jimmy abraçou-a com mais força.
— E se estivesse mesmo, o que importa isso?
— Para mim importa, e muito. Todos os homens que conheci só se
interessavam por sexo, mais nada. Nunca consegui um amigo sincero, ou
mesmo um companheiro que quisesse me acompanhar num programa sem
estar pensando no que ganharia em troca.
— Por acaso você já se entregou a alguém?
— Oh, sim. Eu era muito jovem ainda. Pensei que com isso estaria
resolvendo todos os meus problemas de relacionamento. Como me enganei!
— Já se apaixonou, Lucy? Pelo menos uma vez?
— Julguei que sim, mas ele era imaturo demais. Não conseguíamos
manter uma conversa que não fosse sobre carros, motos, ou coisas assim.
— Lucy... Por que me convidou para entrar em seu quarto aquela
noite, em Caen?
Surpresa com a pergunta, Lucy quis fugir à resposta, mas ponderou
que seria desonesto de sua parte.
— Para ser sincera, nem eu mesma sei por quê. Nunca agi daquela
forma antes... Acho que, no fundo, você me impressionou bastante!
— Foi esse o motivo, então...
Lucy esquivou-se dele rapidamente.
— O que não significa que tenha o direito de recuperar o tempo
perdido.
— Eu sei, Lucy...

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

Pararam em frente ao portão da casa e Jimmy encarou-a seriamente.


Lucy percebeu que se não fizesse alguma coisa terminaria por se render mais
uma vez à atração que ele exercia sobre ela.
— Bem, desta vez quem vai dispensá-lo sou eu — disse, quando ele
fez menção de entrar.
— Não vai me perdoar nunca, não é?
— Pense como quiser. Não tentarei mudar sua opinião.
— Sabe, acho que há outra razão para aquele convite: você tinha
certeza de que eu não aceitaria.
Lucy sorriu.
— Pode ser...
— Mas, voltando ao assunto, acho que você tem todo direito de
impedir que eu entre. Afinal, temos os mesmos direitos, não?
— Não acredito no que estou ouvindo!
— E por que não? Da mesma forma que você não gosta de ser usada,
eu também não gosto. Queria ser seu amigo. Será que isso é possível depois
de tudo que aconteceu?
— Bem, eu...
— Eu também a julguei mal, tomando-a por mais uma loirinha bonita
e convencida. Admito que me enganei! Você é independente e gosta das
coisas à sua maneira. Lucy, qualquer homem se orgulharia de ter ao seu lado
uma mulher com quem se pode conversar de igual para igual, e não apenas
uma figura bonita para exibir aos amigos.
Lucy percebeu uma certa mágoa no tom de voz de Jimmy. Talvez a
resposta para aquele ressentimento estivesse no passado, numa experiência
amorosa fracassada. Pensou em convidá-lo para entrar, ignorando tudo o
que decidira minutos antes, disposta a ouvir apenas a voz do coração. Mas
ele lhe tomou o queixo entre as mãos e roubou-lhe as palavras:
— Tem medo de se apaixonar de novo? Foi por isso que saiu de
Londres, porque todos os homens com quem saía só a viam como objeto
sexual?
Lucy procurou ser o mais honesta possível ao responder:
— Talvez, embora este não tenha sido o motivo principal. Mas você há
de convir que não é nada agradável ser vista apenas com um objeto, e não
como um ser humano normal, que respira e sente.
— A saída, então, foi voltar ao passado, retornando à infância e aos
que sempre a protegeram...
— Gostaria de saber qual é a graça em ficar julgando as pessoas sem
ao menos conhecê-las direito. Faz isso sem querer ou tem mesmo intenção de
me irritar?
— Só digo a verdade e ao que parece essa atitude a irrita bastante, não
é?
— Não acha que está se tornando um tanto repetitivo?
Jimmy soltou uma gargalhada!

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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— Não se zangue comigo, Lucy. Sei que sou agressivo às vezes, mas
não tive intenção de ofendê-la. Você está fugindo de mim, não está?
— Já que está mais afirmando do que perguntando, então é verdade,
mestre — respondeu ela ironicamente.
— Não a culpo por agir assim. Só gostaria de evitar que acabasse
cometendo os mesmos erros que eu.
— E o que sugere que eu faça?
Lucy tentou fingir-se submissa, mas Jimmy não se deixou enganar tão
facilmente.
— Bem, se você tiver um tempinho sobrando neste verão, talvez
pudesse me ajudar. Agora que Manuelle largou o emprego, preciso de uma
assistente que conheça bem a área. Montei um escritório provisório em
Grande Ferme. Quem sabe se, ficando mais tempo juntos, você possa apontar
meus erros. Prometo que tentarei melhorar. Isto, é claro, desde que eu possa
apontar seus
defeitos também.
Lucy não conseguiu evitar o sorriso. Era óbvio que ele estava usando
uma artimanha para ficarem mais tempo juntos.
— Não vai ser tão difícil. Posso enumerar seus defeitos agora mesmo.
Você é autoritário, arrogante e muito prepotente.
— Posso dizer o mesmo de você — Jimmy respondeu, procurando
provocá-la, mas ela limitou-se a suspirar.
— Você é o sujeito mais irritante que já encontrei na vida. Parece que
sente prazer em me provocar! Tenho certeza de que se passarmos mais de
uma hora juntos acabaremos brigando feito cão e gato.
— Pois acho que está enganada. Para brigar é preciso que os dois
estejam com vontade de discutir. Mas, está bem, eu me rendo e prometo não
criticá-la. Então, que tal almoçarmos amanhã?
— Você não devia prometer o que não pode cumprir. Tenho certeza,
pelo que acabo de ver, de que você não vai agüentar muito tempo sem me
dizer o que tenho que fazer. — Jimmy fez menção de responder, mas ela
continuou falando: — Está vendo, já ia quebrar a promessa! Quanto ao
convite, acho que seria uma boa idéia almoçarmos aqui amanhã. E já que me
pediu ajuda, vou cobrar a recíproca. Gostaria de que lesse minhas novas
histórias e desse sua opinião.
— Fechado! — Jimmy sorriu e abaixou-se para acariciar Teapot. — É
uma idéia excelente!
— Ah, quase ia me esquecendo... — Lucy completou. — Fui até o canil
da Prefeitura com Teapot e notifiquei que o tinha achado. O oficial me disse
que há muito ninguém procura por um animal perdido.
— Você tem razão, fui muito grosseiro a noite passada. Sabe, acho que
nunca agi daquela forma em toda minha vida. Daí porque fiz com que
acreditasse que Jean Louis estava à sua espera na praia. Depois do que

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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aconteceu ontem à noite, tinha certeza de que não ia querer nem ouvir meu
nome. Bem, vou embora agora. Até amanhã.
Jimmy virou-se e deixou Lucy ali parada, sem saber ao certo como
agir e muito menos como definir o que estava sentindo.
Depois de vê-lo sumir na escuridão, Lucy entrou, ainda refletindo
sobre aquela oferta de amizade; mesmo depois de ter comprovado os efeitos
mágicos que ele lhe causava. Tinha certeza de que Jimmy também sentira da
mesma forma que a atração que os unia era muito forte. Então, por quê, de
repente, ele acatara a idéia de afastar-se tão rapidamente? Seria maravilhoso
poder acreditar que estava interessado em construir um relacionamento mais
duradouro, mas a idéia era fantástica demais para ser verdadeira... Contudo,
ao menos soubera naquela noite que, apesar de todas as provas em contrário,
Jimmy O'Donnell se preocupava com os outros. A união de Jean Louis e
Manuelle servia como boa prova. Nenhum outro homem na posição de
Jimmy teria admitido o erro da amiga. Ele já perdera dinheiro demais
naquela brincadeira toda.
Lembrando-se disso, Lucy subitamente sentiu um arrepio percorrer-
lhe a espinha. Jimmy não mencionara mais o fato de comprar Cherrytree.
Uma curiosidade imensa tomou conta dela.
Precisava descobrir o que tinha acontecido. Será que ele acreditava que
ela ainda poderia ceder vendendo a casa? Não, claro que não. Àquela altura,
era óbvio para todos que não tinha intenção nenhuma de mudar-se dali. Por
via das dúvidas, antes de adormecer, resolveu que a primeira coisa que
tentaria descobrir, durante o almoço do dia seguinte, seriam os planos de
Jimmy a respeito de Cherrytree. Podia usar como desculpa o desejo de gastar
o dinheiro da venda dos lotes com a redecoração da casa. Ainda não
esquecera a beleza da decoração do quarto do hotel em Caen.

Lucy cometera o erro de recolher-se muito tarde na noite anterior, mas


o silêncio e a paz da madrugada tinham sido aliados indispensáveis da
reflexão. Por isso, além de cansada, não estava disposta a concentrar-se no
trabalho naquela manhã. Para passar o tempo, pediu a Marie que lhe desse
uma aula de culinária.
A governanta não se surpreendeu quando soube quem viria para o
almoço. Na verdade, até o aprovou como um bom partido, o que deixou
Lucy intrigada.
— Pensei que não elogiasse os homens — comentou Lucy, percebendo
o ânimo da outra.
— Não gosto da maioria, mas existem as exceções. Não gosto de
preguiçosos e vadios, mas existem aqueles que ainda se salvam. — Marie
lançou um olhar de suspeita para Lucy. — Não estou entendendo. Você
nunca se interessou por cozinha antes!
Lucy decidiu ignorar o comentário e concentrou-se em partir o frango
em quatro pedaços para que o Poulet à Ia Provençale pudesse ser preparado.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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Teapot não saiu de seu pé um só instante. Vê-la na cozinha era um indício de


que acabaria ganhando alguma coisa. Apesar de já ter engordado bastante,
conservava um apetite insaciável. Ainda bem que, por ser pequeno demais,
era incapaz de alcançar qualquer alimento na cozinha, contanto que a porta
da despensa fosse mantida fechada.
Terminando o preparo do arroz, Lucy saiu para colher algumas ervas
para o tempero. Ao voltar para cozinha, encontrou o cãozinho em cima da
mesa, com um pedaço de frango na boca.
— Teapot! Como pode ser tão mal-educado!
Embora furiosa, Lucy não resistiu ao olhar travesso do animal que,
sempre alerta, procurava uma maneira de sair dali, mas com o frango na
boca. Por sorte, Marie não presenciara a cena, caso contrário, o aventureiro
seria expulso da cozinha para sempre.
De fato, fazer o almoço, colocar a mesa e dar os últimos retoques, para
quem não tinha muita experiência, não foi uma boa idéia. Mal havia acabado
de olhar o frango no forno, Lucy ainda de avental e cabelo preso por um
lenço, Jimmy entrou casualmente pela porta de trás.
— Bom dia, Lucy! Que cheirinho gostoso!
Ela fingiu não se surpreender pela chegada tão repentina.
— Tomara que esteja bom. Marie acabou de me ensinar como se
tempera um frango. Sou péssima cozinheira.
Neste instante, a governanta entrou na cozinha e lançou a Lucy um
olhar de reprovação pelo seu avental todo sujo de molho de tomates.
— Eu bem que avisei, mademoiselle, só aprenderá a cozinhar direito o
dia que se casar.
— Marie! — Lucy protestou e virando-se para Jimmy, continuou: —
Vamos servir em poucos minutos. Há uma garrafa de vinho na geladeira.
Quer, por favor, se servir, enquanto vou me trocar?
— Por que não fica assim? Gosto de short...
Sem jeito, Lucy virou-se para Marie, disfarçando o rubor que lhe
tingia as faces.
— Marie, termine com isso, está bem? Tenho medo de deixar passar
do ponto.
— Está bem, deixem-me em paz na minha cozinha — reclamou Marie,
tirando a garrafa de vinho da geladeira e oferecendo-a a Jimmy. — Tem
muita gente por aqui.
— Obrigada, querida, você é um anjo!
Lucy acompanhou Jimmy até a sala e, em seguida, subiu para o
quarto. Vestiu uma saia jeans justa e uma camiseta estampada. Depois
maquilou-se levemente e passou um de seus melhores perfumes.
Quando desceu, encontrou Jimmy na varanda, já com o cálice de
vinho na mão.
— Demorei muito?

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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— Não — ele entregou-lhe um copo com a bebida. — Tenho uma


notícia. Acho que vai ficar sentida, mas seu primo do coração partiu para
Paris com a noiva.
— Jean Louis! Puxa, eu tinha me esquecido dele!
— Não se preocupe. Ele mandou lembranças e disse que a espera no
casamento. — Jimmy sorriu. — Podemos ir juntos, se você quiser. — O olhar
de Lucy denotava certa desconfiança, mas Jimmy apressou-se em responder
à pergunta subentendida: — Tive de puxar a orelha dele a noite passada!
Jean sugeriu que eu a levasse, embora tivesse medo de me colocar numa
situação constrangedora.
— Se continuar assim, acho que não vou mais querer sua companhia.
Não é nada agradável saber que nossos pensamentos estão sendo
adivinhados.
— Não é muito fácil adivinhar o que está pensando. Mas a idéia de
enganá-la com aquele encontro na praia foi minha e não dele. Portanto, se
estiver arquitetando uma vingança, pode planejá-la contra mim. — Lucy
abriu um sorriso largo. — Você fica ainda mais bonita quando sorri, sabia?
— Ora, por favor! — Ela resolveu retomar o assunto para disfarçar o
constrangimento. — Acho que minha vingança será fazê-lo comer o frango
que preparei com Marie.
— Acho que a vingança será inútil, pois meu nariz não me engana:
deve estar delicioso! Aliás, se você não exagerar no vinho, prometo deixá-la
guiar meu carro esta tarde.
Desta vez, Lucy não se preocupou em esconder o entusiasmo.
— Jura? Não acredito!
— Você tem carteira de motorista, suponho.
— Claro que sim!
— Bem, então não vejo problema algum. — Jimmy ergueu a taça de
vinho num brinde. — Nunca erro no julgamento que faço das pessoas. Sinto
que posso confiar em você ao volante.
Durante o almoço, conversavam sobre assuntos diversos. Lucy
encantava-se com ele a cada instante. Teve certeza de estar apaixonada,
embora lutasse para não deixar transparecer. Cometeu um erro, no entanto:
entusiasmada que estava, mal tocou na comida, o que chamou a atenção de
Jimmy.
— Acho que perdi o apetite depois de ter lidado com comida
praticamente a manhã toda — explicou-se.
— Agora sinto-me na obrigação de cozinhar algo para você também...
Dizem que sou um excelente...
— Aqui vem a modéstia de novo — ela interrompeu.
— Ora, não seja injusta! Por acaso já percebeu que os chefs mais
famosos são homens?
— Pode até ser, mas as mulheres são historicamente melhores.
— Não me venha com essa agora...

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— É verdade! Se bem que esse argumento é típico da minha mãe.


Costuma dizer que as mulheres já nascem sabendo cozinhar. É um dom. Só
que esqueceram de me dar esse dom quando nasci.
Jimmy sorriu.
— Conte-me mais sobre sua família. Sei que é filha única, mas onde
moram seus pais?
Jimmy pareceu estar de fato interessado em seu passado e, durante
alguns instantes, Lucy deixou de lado suas intenções de averiguar se ele
ainda queria comprar suas terras. Esperou que terminassem o café para
finalmente perguntar:
— Por que não insistiu mais na venda dos meus terrenos?
Antes de responder, Jimmy estudou-a criteriosamente.
— Pensei em não tocar mais no assunto, mas já que insiste...
Jean Louis achou melhor fazermos um trato sobre não construir nada
em suas terras. — Jimmy recostou-se na cadeira e acendeu um cigarro. — Em
princípio, eu queria comprar toda a propriedade, mas quando percebi o
quanto a fazenda significava para você, decidi não insistir.
— Ah, entendo... — ela estava pensativa. — E eu tampouco espero
que faça a mesma oferta de antes.
— Admito que não será fácil e talvez seja melhor discutirmos essa
nova proposta depois de mostrar-lhe as plantas dos arquitetos. Talvez... —
Jimmy hesitou um momento. — Quer saber de uma coisa? Não estou nem
um pouco interessado em discutir negócios depois de uma almoço tão
delicioso. Por que não vamos dar nossa volta de carro?
A recusa de Jimmy em não tocar mais no assunto deixou Lucy um
tanto preocupada, mas não insistiu na questão. Decidida a mergulhar rio
lazer, aceitou a oferta de dirigir o conversível. Quando entraram no carro, ele
recostou-se confortavelmente no banco, ao lado do motorista, deixando-a
livre para fazer o que bem entendesse.
— Você costuma deixar que qualquer um dirija seu carro?
— A bem da verdade, você é a primeira para quem abro essa exceção.
Lucy ficou tão surpresa com a afirmação que parou o veículo no
acostamento.
— Já terminou? — perguntou ele. — Você é uma motorista e tanto,
Lucy!
— Sim, mas depois do que me contou não sei se conseguiria ficar tão
segura.
— Ora, deixe disso! Mas se prefere assim, então passe para cá a
direção e deixe-me mostrar como esse bichinho corre a valer.
Lucy não protestou. Adorava velocidade e a estrada vazia era a pista
ideal.
— Você já correu como piloto profissional?
— Já corri como amador, mas quando era jovem. Além disso, não
tinha dinheiro suficiente para investir em corridas naquela época.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

— Não acredito!
— Juro! Não cheguei a competir em Fórmula Ford.
— Mesmo assim, deve ter sido uma experiência emocionante.
— Bem, eu era meio louco naquela época... Hoje, não sei se teria
coragem para tanto.
— E por que não? Se gosta tanto de dirigir, seria uma oportunidade e
tanto!
— Pode ser, mas meus reflexos já não são tão bons. Tentei participar
desse tipo de provas duas vezes e acho que foi o suficiente.
— Pois eu se tivesse uma chance de participar de um rali, por
exemplo, não deixaria a oportunidade escapar de jeito nenhum.
— Por que não tenta, então? Existem muitas mulheres pilotando hoje
em dia e são boas motoristas.
— É uma idéia...
Jimmy estacionou o carro em frente ao portãozinho de madeira da
casa de Lucy.
— Vamos ver seus trabalhos e depois, se sobrar tempo, podemos ir
andar na praia, que tal?
— Para mim está ótimo, mas você não tem nenhum compromisso?
— Não, nada de importante. Além do mais, tirei o dia de folga.
Lucy aguardou em silêncio enquanto ele estudava os desenhos de
Teapot e lia os textos. Depois de quase meia hora, ele abriu um sorriso.
— E então? — perguntou aflita.
Lucy estava sentada numa banqueta alta, com os cotovelos apoiados
na prancheta. A calma e serenidade estampadas naquele rosto de traços tão
marcantes deram a ela a resposta positiva que desejava; esperou que Jimmy
se manifestasse.
— Se dependesse de mim, você ganharia o prêmio Nobel de literatura
infantil.
— Como assim? Não tem nenhuma crítica? Não há nada a ser
melhorado?
O clima no ambiente era tão intenso, que ela sentiu-se como que
envolvida numa onda de ternura. Suas reações fugiam ao seu controle;
estava totalmente à mercê daquele olhar profundo que lhe estudava o rosto
com atenção.
— Quem sou eu para julgar uma mulher tão inteligente e talentosa?
Jimmy cobriu-lhe os lábios num longo beijo apaixonado. Sentindo que
Lucy se entregava totalmente, Jimmy a abraçou com força, unindo os corpos
num só, os corações batendo em uníssono.
Aos poucos as carícias tornaram-se mais exigentes e Lucy não colocou
qualquer resistência, deliciando-se com a incrível sensação de ter seu corpo
entregue aos afagos. Roçando-lhe os lábios na pele macia, Jimmy procurou o
lóbulo da orelha para mordiscá-lo de leve, e, em seguida, tocou os seios
rígidos, sequiosos de mais carinho.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

Àquela altura, Lucy já se entregava ao prazer. Sentir as mãos de


Jimmy envolver-lhe os seios por completo, acariciando-os com movimentos
delicados e ternos, era como renascer para uma vida mais completa e cheia
de êxtase. Nunca passara por experiência semelhante, nada que tivesse
experimentado antes a fizera sentir-se tão completa e tão mulher. Quase sem
forças, sem controle dos próprios movimentos, abraçou-o e ofereceu-lhe mais
uma vez os lábios entreabertos.
No entanto, em vez de beijá-la, Jimmy mergulhou o rosto por entre as
mechas de cabelos dourados.
— Sinto muito — murmurou ele —, sinto muito, não queria deixar
que isto acontecesse.
Afastando-se bruscamente, ele foi até a janela e observou a paisagem.
Lentamente, Lucy foi retornando à realidade, numa triste viagem de
abandono do mundo dos sonhos. Com as mãos trêmulas, abaixou-se para
apanhar os desenhos que haviam caído no chão.
— Eu também sinto muito — disse num murmúrio. — Sabe, acho que
isso não vai funcionar. Não conseguiremos ser amigos simplesmente.
Jimmy bateu com força o punho no beiral da janela e virou-se para
encará-la.
— Claro que vai, não foi assim que decidimos? — explodiu ele.
— Não sei, Jimmy. Para ser sincera nem ao menos sei o que quero.
Lucy procurou esconder as emoções, sem entender por que Jimmy
queria tanto negar a atração que os unia. Há muito ela já admitira que jamais
sentira por qualquer homem o que sentia por Jimmy. Bastava estarem na
mesma sala para que seu coração batesse mais forte e a realidade lhe fugisse
ao controle. A paixão que experimentava era tão intensa que dali para frente
seria impossível tentar escondê-la. Embora lhe doesse muito, Lucy sabia que
só havia uma maneira de evitar que caíssem no abismo dos próprios
sentimentos. Como não suportaria encará-lo para contar-lhe sua decisão,
Lucy virou-se de costas, fingindo arrumar os desenhos sobre a prancheta.
— Olhe, Jimmy, não podemos ignorar o que aconteceu entre nós,
muito menos esquecer uma emoção tão forte. Sei que está tentando afastar-se
para o meu bem... — A voz dela soou insegura e nervosa, por isso teve que
respirar fundo antes de continuar: — Mas estamos diante de um impasse,
será que não percebe? — Os olhos claros encheram-se de lágrimas. — Acho
que não vou conseguir controlar essa situação.
— Então, o que você sugere?
— Vou para Londres para ver meu editor. Eu teria de ir mais cedo ou
mais tarde para discutir o que faremos daqui para frente.
— Bem, se é isso o que você quer... — Jimmy dirigiu-se lentamente
para a porta. — Não vou dizer adeus — disse, visivelmente abalado. — Pode
ficar sossegada: vou tentar não estar aqui quando você voltar.
Assim que Jimmy saiu, Lucy debruçou-se sobre a prancheta e deixou
fluir o choro contido.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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— Não! Não era nada disso! Jimmy, você não entendeu nada...
Conversava com as paredes, enquanto ouvia o ronco do motor do
carro sumindo ao longe.

CAPÍTULO VII

O encontro com o editor foi muito proveitoso e Lucy ficou contente


quando suas novas idéias foram aprovadas. Soube também que recebera
uma quantia considerável como adiantamento pelo lançamento da nova
coleção de livros. Quem sabe se uma nova decoração da casa não ajudaria a
melhorar seu ânimo? Contudo, nem mesmo a notícia de que uma emissora
de televisão se interessara em transformar seus personagens em desenho
animado serviu para desviar-lhe os pensamentos de Jimmy e do último
encontro deles.
Por inúmeras vezes tentara racionalizar a situação. Jimmy lhe
oferecera somente amizade; no entanto, toda vez que se aproximava ansiava
tocá-la, tanto quanto ela também o desejava. Reconhecia que estava
perdidamente apaixonada, possuída por um sentimento tão intenso que mal
podia concebê-lo. E quanto a ele?
O que sentia?
Tentara telefonar para Grande Ferme, mas magoara-se em todas as
investidas: Jimmy nunca estava em casa e tampouco os empregados sabiam
dizer onde encontrá-lo. Em seu escritório em Londres, uma secretária
antipática se recusara a prestar qualquer informação. Passara-se uma semana
desde a última tentativa, e agora Lucy tinha certeza de que Jimmy não queria
atender aos seus telefonemas. Estava disposto a esquecê-la totalmente!
O que tornava sua angústia ainda maior era o fato de não ter ninguém
com quem pudesse desabafar. Os pais, primeira hipótese pensada, não a
entenderiam. Quando contara sobre os planos que estavam sendo
contratados para a região de Cherrytree, tomara o cuidado de sequer
mencionar o nome de Jimmy. Da viagem, relatara apenas as novas idéias
sobre Teapot como um novo personagem e o casamento de Jean Louis.
Enquanto esteve em Londres, não pensou em outra coisa se não retornar o
quanto antes para a nova e pacata vida que criara em Cherrytree. O motivo
mais forte, na verdade, era a hipótese de um encontro com Jimmy.

Infelizmente todas as esperanças de um reencontro foram em vão. O


único a festejar sua volta foi Teapot, que não parava de pular de tanto
contentamento. Além disso, somente uma fria e impessoal carta dos
advogados de Jimmy, fazendo uma oferta generosa por suas terras. Não
tinha ânimo para discutir o assunto que já lhe causara tantos aborrecimentos;
por isso, terminou por concordar com tudo o que foi proposto. Segundo os
planos, perto de Cherrytree haveria apenas um pequeno prédio destinado a
um café. O fato de ter muito movimento tão perto de casa a aborreceu um

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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pouco, mas como todo o projeto teria de ser mudado caso ela recusasse,
acabou por ceder sem colocar mais impedimentos. A única exigência que fez
foi uma distância considerável entre sua casa e a construção. Como não
houve qualquer discordância, Lucy assinou os papéis encerrando, assim, o
assunto.
O segundo compromisso que agendara se referia à nova decoração da
casa. Já que aquele seria mesmo o seu lar dali para frente, trataria de
transformá-lo no cantinho mais aconchegante do mundo. Por sorte,
encontrou uma loja especializada na pequena cidade vizinha que se
encarregou de elaborar o projeto e executar os trabalhos.
Mesmo com tantos planos em mente, Lucy não conseguia conter a
ansiedade. Nem mesmo o começo de um novo livro conseguiu entretê-la
muito tempo. Por fim, acabou ligando para os pais de Jean Louis e combinou
um fim de semana prolongado em companhia deles.
A semana passou voando com a perspectiva de viajar para Paris,
cidade que lhe trazia muitas boas recordações. Quando lá chegou, as ruas
transmitiam o calor humano de sempre com a promessa de um verão quente
e gostoso.
Lucy surpreendeu-se ao receber um convite de Manuelle para jantar
logo na primeira noite de sua permanência em Paris. Tentou imaginar como
a velha amiga a trataria depois de tudo o que acontecera, mas sem querer
magoar o primo aceitou a gentileza.
Depois de uma noite agradável e um jantar delicioso, Lucy percebeu
que se preocupara em vão. Manuelle se comportou muito bem, fingindo não
ter acontecido nada. Jean Louis, porém, questionou-a sobre seu
relacionamento com Jimmy.
— Não sei por que está agindo dessa maneira, Lucy — ele questionou,
depois dos comentários evasivos da prima. — Tenho certeza de que Jimmy a
adora.
Lucy quis desmentir, mas por causa da presença de Manuelle,
resolveu continuar reticente a respeito.
— Jimmy é um homem intrigante...
— Você já me perdoou por tê-lo deixado tomar meu lugar tão
facilmente? — Jean Louis brincou. — Parece que sim... Desde o princípio,
percebi que também se impressionou com ele.
Agora Jean estava indo longe demais! Lucy decidiu que colocaria um
ponto final naquela conversa antes que terminasse por perder a paciência.
— Pelo que sei, Jimmy deve estar muito bem, mas não o vejo há
tempos.
Jean Louis calou-se diante da resposta fria, mas Manuelle deu a última
palavra, recuperando sua ironia.
— Jimmy sempre teve um batalhão de mulheres a seus pés. Ainda
bem que você descobriu que ele se enjoa rápido e teve tempo de safar-se sem
terminar magoada.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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Lucy sentiu o sangue ferver. Manuelle se comportara bem a noite


inteira para arrasar no final!
— Ele poderia até ter se aborrecido com a minha companhia se eu
tivesse permitido uma aproximação maior — respondeu, fingindo não se
importar com o comentário maldoso.
— Não acredito, Lucy! — exclamou Jean Louis. — Eu podia jurar que
vocês dois...
— Eu não queria ser mais uma na coleção de Jimmy. — Lucy
interrompeu, evitando expor-se mais à malícia de Manuelle.
— Sabe de uma coisa? — a outra fitou-a atentamente. — Jamais
conseguirei entendê-la.
Lucy sorriu.
— Bem, querida, isso não fará muita diferença, não é mesmo?
— Pode ser, mas como foi perder uma chance daquelas? Você sabia
que ele é uma das maiores fortunas do país?
— E quem disse que estou atrás de dinheiro? Eu só queria amar e ser
amada...
Desta vez Lucy foi incapaz de esconder a tristeza que a assolava. Jean
Louis percebeu a súbita mudança de atitude da prima e comentou triunfante:
— Eu sabia! Tinha de haver uma razão para você ter voltado à
Normandia. Você de apaixonou, não foi Lucy? E deu tudo errado...
— Pode ser, mas chega de falar de mim. Quero que me contem tudo
sobre os preparativos do casamento.
No mesmo instante, Manuelle precipitou-se a falar sobre o vestido, a
festa e o quanto andavam ocupados com os últimos arranjos.
— Lucy — Jean Louis interrompeu a noiva —, Manuelle e eu
gostaríamos de um presente especial. Você não quer pintar uma aquarela de
Grande Ferme e sua pequena casa? Queríamos guardar essa recordação das
várias férias felizes que passamos juntos.
Lucy sorriu para os dois, mas dirigiu-se especificamente a Manuelle.
— Puxa, que bom! Vocês tem certeza de que é esse o presente que
querem?
— Ora, mas é claro. Se você pintar, prometo que colocarei na sala —
Manuelle respondeu sinceramente.
No dia seguinte, antes de voltar para Cherrytree, Lucy saiu para fazer
algumas compras. Não podia deixar Paris sem adquirir algumas roupas.
Nunca fora muito vaidosa, mas não havia como resistir ao clima elegante e
perfumado que envolvia toda a Cidade das Luzes. Por fim, terminou numa
loja de artigos para cães, onde comprou uma bela coleira para Teapot. Afinal,
ele ainda lhe renderia bastante dinheiro e merecia estar tão alinhado quanto
a maioria dos poodles franceses.
Durante toda a viagem de volta, não pensou em outra coisa se não em
Jimmy. Por mais que houvesse se esforçado para esquecê-lo, conseguira
apenas adiar o problema.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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Para distrair-se, decidiu começar a pintar as casas, ocupando-se das


telas o quanto podia para aprontá-las a tempo do casamento de Jean Louis.
Voltar a Grande Ferme sem ter certeza da presença de Jimmy,
incomodou-a bastante, mas Marie a informou que já havia gente trabalhando
nas terras; por isso, decidiu que não teria importância se entrasse na
propriedade. Tentara mostrar a Jean Louis, Manueile e a si mesma que
Jimmy não a preocupava, mas a saudade que sentia dele lhe doía cada vez
mais. Por que as coisas se tornavam tão difíceis? Por que haviam insistido
tanto em negar o que sentiam um pelo outro, optando por uma simples
amizade?
Pela primeira vez na vida, estava aprendendo o que era sofrer por
amor.
Lucy escolheu a sombra de uma das enormes figueiras que
circundavam a casa para espalhar o material de pintura e armar o cavalete.
Mas em vez de começar logo o desenho, deixou-se ficar ali, sentada,
lembrando dos momentos felizes que tivera com Jimmy. Desde o primeiro
momento em que o viu em Caen soube que amaria aquele homem pelo resto
de sua vida. No entanto, lutara com todas as forças contra aquele sentimento
tão bonito!
Apavorara-se pelo simples fato de saber que alguém poderia dominá-
la com tanta facilidade, com a simplicidade de um sorriso maroto.
De repente, mesmo estando distante e distraída, Lucy notou um certo
movimento na casa. Mas não se preocupou, atribuindo a agitação aos
engenheiros de obra, que na certa usavam a sede para reuniões. Depois de
apontar os lápis, começou a fazer um rascunho.
— Jimmy, querido! Venha ver! Tem alguém desenhando a casa!
A voz alta e aguda chamou-lhe a atenção imediatamente. Foi então
que notou, em uma das janelas, uma ruiva atraente, vestindo o que lhe
pareceu, ao longe, ser uma simples camisola. Atrás dela estava o vulto de
Jimmy.
Completamente sem jeito, a primeira reação que teve foi de começar a
arrumar tudo.
— Sinto ter incomodado vocês — gritou. — Não sabia que estavam aí.
Lucy odiou o próprio corpo que tremia por completo, impedindo-a de
continuar com movimentos seguros.
— Lucy, espere!
Minutos depois, Jimmy apareceu na varanda da casa, de jeans e uma
camisa pólo azul-escuro. Quanto mais ele se aproximava, mais aumentava o
desespero de Lucy, cujo coração parecia saltar-lhe à boca. Apesar de estar
irresistível como nunca, era visível o cansaço de quem estivera trabalhando
durante dias a fio.
— Sinto muito, Lucy. Não era essa a recepção que esperava lhe dar.
Espere um pouco, Vicky já vai descer...

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— Acho melhor eu ir andando — respondeu Lucy, ignorando a festa


que Teapot fazia a Jimmy.
— Por quê? Vicky vai ficar desapontada, ela queria tanto conhecê-la.
— Pelo olhar de espanto que Lucy lhe dirigiu, Jimmy não precisou muito
para entender o que ela estava imaginando, por isso apressou-se em
acrescentar:
— Vicky é minha irmã. Quer te conhecer pessoalmente. Lembra-se? É
a mãe dos gêmeos...
Lucy corou de vergonha. Então, para disfarçar o embaraço, começou a
explicar o que estava fazendo ali.
— Manuelle e Jean Louis pediram que eu pintasse a casa para eles,
como presente de casamento. Mas, sinto muito, não sabia que vocês estavam
aí.
— Não tem importância, estávamos dormindo ainda porque
chegamos de madrugada. Eu encontrei Manuelle e Jean Louis em Paris e eles
me falaram a seu respeito. — Lucy teve a impressão passageira de que
algumas tristes lembranças passaram pela mente de Jimmy, a julgar por sua
expressão. — Quer dizer que seu editor gostou da nova história...
— Oh, sim! — ela sorriu. — Logo, logo, Teapot vai ser um cãozinho
famoso.
Apesar da distância que os separava, Lucy podia sentir o calor
daquele corpo másculo e lutava com todas as forças para não se atirar nos
braços dele. Jimmy por sua vez também não desviava o olhar de seu rosto
delicado como se fosse beijá-la a qualquer momento.
— Sinto se a assustei; minha voz é tão alta às vezes! — interrompeu
Vicky chegando de surpresa. — Talvez seja porque grito o dia inteiro com
meus filhos. — Percebendo o mal-estar que se instalara entre ela e Jimmy,
continuou: — Pelo que vejo, meu irmão ainda não aprendeu boas maneiras,
por que não entra e nos faz companhia no café?
Vicky virou-se e saiu, deixando-os a sós.
— Então, Lucy, não fuja, por favor. Quero lhe perguntar algumas
coisas.
Lucy não teve como recusar o convite. Momentos depois estava na
cozinha da fazenda, fazendo companhia aos irmãos num café da manhã
tardio. Durante as poucas horas que passou ali, soube mais a respeito de
Jimmy do que as diversas vezes em que haviam se encontrado. Para sua
sorte, Vicky falava bastante, livrando-a da pena de ter de falar dela mesma.
— Por mim, eu visitaria todos os lugares onde Jimmy faz seus
empreendimentos — Vicky anunciou animada —, mas não é fácil deixar para
trás um marido e dois filhos. Mas, desta vez, mamãe concordou em tomar
conta deles durante uma semana inteira! Talvez estivesse querendo um
pouco de companhia; mamãe se sente muito só depois que papai morreu...
Bem, mas de qualquer forma, foi sorte minha.
— Quantos anos têm os meninos? — perguntou Lucy.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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— Quase cinco. Não vejo a hora dos dois estarem na escola por
período integral. Oh, não se preocupe, não sou a mãe cruel que pareço. Mas
se você os conhecesse, saberia por que tenho cabelos brancos tão cedo. Acho
que eles herdaram toda a energia do tio: só ficam quietos na hora de dormir e
ainda assim preciso contar pelo menos três histórias para se acalmarem. —
Vicky alcançou a mão de Lucy, apertando-a carinhosamente. — Eu sei que
você é Mary Bear, e tenho todos os motivos do mundo para lhe agradecer. Só
as suas histórias são capazes de acalmar meus meninos na hora de dormir.
Além disso, eu também leio todos os seus livros, sabia?
Lucy sorriu.
— Fico contente que gostem do meu trabalho. Espero que os meninos
se divirtam com a nova série que estou criando.
Enquanto colocava a mesa e servia a todos, Vicky não parava de falar.
Lucy imaginou se ela costumava ter sempre aquela energia. Pelo menos uma
coisa ficara clara: Jimmy na certa falara muito bem a seu respeito; caso
contrário, a outra não se esforçaria tanto para agradar.
— Ainda bem que seu primo decidiu vender a fazenda mobiliada —
continuou Vicky —, senão estaríamos sentados no chão.
Jimmy nunca se preocupou com estes detalhes, e confesso que me
imaginei passando férias numa casa onde não teriam mesas, cadeiras e nem
mesmo camas...
Jimmy sorriu, mas Lucy percebeu o quanto ele estava distante.
—Já percebeu que Vicky não para de falar nem para tomar fôlego? —
brincou ele.
— Ora, mas que malcriado! Lucy, você não acha que é um dom fazer
amizades e deixar que elas se sintam à vontade na sua presença?
— Não tenho tanta certeza...
— Está bem, está bem, Jimmy. Prometo que ficarei calada pelo resto
da refeição.
— Esse seria um milagre que gostaria de presenciar. Como é que
Tommy agüenta?
— Fique sabendo que ele gosta. Sabia que Tommy se preocupa
quando estou muito quieta?
— Claro, na certa acha que está doente...
Apesar de estarem discutindo, Lucy percebeu o carinho que existia
entre os irmãos e sorriu com ternura.
— Vocês têm mais irmãos, ou são apenas os dois? — quis saber.
— Você quer me matar, Lucy! Uma irmã já é mais do que suficiente!
— Isto sem falar nos irmãos — Vicky respondeu quase que no mesmo
instante.
— Não se esqueça de que me deve um enorme favor...
— Sabe por que ele diz isso, Lucy? Porque foi ele que me apresentou
ao meu marido.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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Enquanto os dois continuavam a conversa, Lucy limitou-se a olhar de


um para outro e sorrir, enquanto tomava café. Invejava-os de certa forma;
gostaria de ter tido um irmão ou irmã com quem pudesse manter uma
amizade tão próxima, alguém com quem pudesse dividir as alegrias e
tristezas.
— Sabe o que eu acho? — Vicky continuou. — Lucy já deve estar
cansada desta nossa conversa.
— Não é assim. — Lucy interpôs.
— Ora, vamos, Lucy! Bem sei que gosta de uma fofoca!
— O quê? — Lucy corou.
— Muito bem. — Vicky bateu palmas. — Você é uma das únicas que
não cai aos pés de Jimmy apaixonada. Você sabe que...
— Vicky, agora chega, você está indo longe demais.
— Ora, eu só queria que Lucy soubesse...
— Lucy já deve estar cansada de tanta conversa. Por que não vai se
aprontar para irmos a Mont St. Michel? Quer conhecer o lugar, não quer?
— Oh, é verdade! Além disso Lucy deve estar ansiosa para retomar o
trabalho.
Antes de sair, Jimmy insistiu mais uma vez para que Lucy o
acompanhasse, mas ela respondeu que preferia continuar desenhando.
Enquanto Vicky corria para trancar a casa, Jimmy acompanhou Lucy até o
jardim.
— Então, estou perdoado? — perguntou ele, timidamente.
— Não há o que perdoar. Lamento que não tenha entendido direito o
que eu quis dizer...
— Foi o que percebi quando li seu recado a noite passada. — Jimmy
contou que recebera o recado da sua secretária de Londres com atraso. —
Bem que eu a avisei que não adiantaria fugir, não foi?
Lucy teve vontade de esclarecer todas as dúvidas e terminar de vez
com o mal-entendido, mas quando encarou aquele rosto sério e tão sensual,
as palavras fugiram-lhe da mente. Por sorte, ou azar, talvez, Vicky
reapareceu, não deixando mais a menor chance de dizerem qualquer outra
coisa.
Lucy levou algumas horas para conseguir concentrar-se de novo no
desenho que se propusera a fazer. Vicky parecia um tanto inconseqüente,
mas Lucy tinha certeza de que ela era tão encantadora quanto o irmão.
Percebera também que a outra a estudara atentamente durante todo o tempo
em que haviam estado juntas. O que será que Jimmy falara a seu respeito?
O breve encontro, porém, só ajudara a aumentar sua insegurança.
Jimmy deixara algumas frases sem dizer, outras pela metade... Tinha certeza
de que ficara contente em vê-la, mas por outro lado, na presença da irmã,
fizera questão de parecer o mais formal possível.
Bem, pelo menos daquela vez, teria tempo para descobrir algumas
coisas. Jimmy não parecia disposto a sair tão depressa da região e Vicky

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deixara claro que passaria ali pelo menos uma semana. Se os convidasse para
jantar, talvez tivesse uma boa chance de esclarecer mais alguns pontos, sem
falar que seu ato seria interpretado apenas como uma cortesia de boa
vizinhança.
Entretanto, apesar de todos os planos para encontrar-se de novo com
Jimmy, sabia que precisava preparar-se melhor, para não expor demais o
coração. Afinal, Jimmy nunca lhe falara de amor, apesar de saber e sentir que
a atração que os unia era mais forte do que qualquer sentimento que pudesse
existir.

CAPÍTULO VIII

Durante a semana que se seguiu, Lucy encontrou com Jimmy diversas


vezes, mas nunca ficaram a sós. Vicky estava sempre ao lado do irmão.
Apesar de ser gentil e amigável durante os breves encontros, Lucy percebeu
que ele estava tratando-a como se estivesse desconfiado de alguma coisa.
Aquele comportamento lhe doía tanto, que começou evitá-lo.
No decorrer daquela semana, Lucy aprendeu uma série de coisas a
respeito do trabalho de Jimmy. Ficou intrigada ao saber que ele jamais se
demorava no local em que pretendia investir, uma vez que os escritórios
centrais ficavam em Londres. Vicky lhe contou também que a secretária do
irmão, Isabella Lamb, estava a caminho da fazenda, acompanhada de alguns
funcionários.
— Você não imagina que tipo estranho é Isabella — comentou Vicky.
— Ela protege e cuida da vida de Jimmy como um cão de fila, e eu tenho a
impressão de que ela pretende se tornar a sra. O'Donnell um dia. — Vicky
olhou de soslaio para Lucy, estudando-lhe as reações. — Jimmy até que gosta
dela, por ser eficiente e trabalhar muito bem, mas aposto que nem percebe o
esforço que ela faz para fisgá-lo. Eles costumam sair juntos em Londres.
Sabe, esta será a primeira vez que ela viajará para fora do país a serviço.
Jimmy pretendia que Manuelle fosse sua secretária em Paris, mas os planos
mudaram quando ela decidiu se casar com seu primo. Posso imaginar como
Isabella está ansiosa por esta oportunidade. Fará de tudo para não perder a
chance.
Lucy limitou-se a sorrir. O que Vicky acabara de lhe contar já era o
suficiente para tirar-lhe uma noite de sono. No entanto, fez o possível para
não demonstrar sua insegurança e procurou desviar o assunto:
— Até quando pretende ficar por aqui?
— Apenas até amanhã! Jimmy prometeu me levar até a estação, assim
que seus funcionários estiverem todos instalados.
Nos dias seguintes, Grande Ferme tornou-se um centro de grandes
negócios, tal era o movimento de vendedores, executivos e investidores.
Como Jimmy não lhe telefonara mais, Lucy decidiu fazer uma reserva em um
pequeno hotel em Left Bank e comparecer sozinha ao casamento de Jean

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Louis e Manuelle. Um dia antes de partir, porém, recebeu um telefonema de


Jimmy.
— Sinto muito se deixei para o último minuto, Lucy, mas, estou
ligando para lhe dizer que não esqueci do casamento de Jean Louis.
Ouvir a voz de Jimmy, mesmo ao telefone, fazia com que todo o corpo
de Lucy enfraquecesse e o coração batesse descompassado.
— Fiz reservas no Hotel Bristol — ele continuou. — O único problema
é que não tive outra opção senão reservar a suíte presidencial. Eles não têm
vagas. — A voz de Jimmy assumira um tom sarcástico. — Mas, não se
preocupe: você estará segura se mantiver a porta de interligação trancada.
Lucy sentiu aquelas palavras machucarem-na como um punhal
afiado.
— Vou aceitar a carona, Jimmy, mas pode cancelar a reserva para
mim. Eu mesma já tomei esta providência.
— Então cancele a sua reserva. A suíte é dupla; não há por que manter
um quarto que não vai ser usado.
— Está bem, então. Depois acertaremos as contas.
— Esqueça, você será minha convidada e não se fala mais nisso. Estou
pensando em sairmos logo depois do almoço, está bem para você?
Ela concordou e se despediram, como se terminassem mais um dos
contatos de Jimmy. Contudo, com a perspectiva de viajarem juntos, Lucy
pôs-se a pensar se teriam a oportunidade de passar juntos mais que um dia.
Por via das dúvidas, resolveu levar mais um vestido de noite, caso fosse
preciso.
No dia seguinte, Jimmy obedeceu rigorosamente o combinado. Mas
não estava sozinho: uma mulher loira e atraente encontrava-se sentada no
banco da frente, muito à vontade, com um caderninho de anotações e uma
caneta nas mãos.
— Tudo pronto? — Jimmy desceu do carro e foi ao encontro de Lucy,
na varanda. — Ah, creio que ainda não conhece Isabella.
A mulher desceu do carro e, com um sorriso falso nos lábios,
estendeu-lhe a mão.
— Ainda não nos encontramos pessoalmente, mas já nos falamos por
telefone, não?
Lucy sentiu como se o mundo desmoronasse diante de si. Desejou
imensamente ter uma boa desculpa para não precisar mais acompanhá-los.
Mas não havia mais tempo. Isabella era sofisticada e confiante, e parecia
saber lidar muito bem com qualquer coisa que interferisse em seus objetivos.
— Oh, é verdade... — Lucy estendeu a mão, embora não estivesse
muito atenta ao gesto.
— Sinto, Lucy, mas Isabella e eu teremos de trabalhar um pouco
durante a viagem. Espero que não se importe.
Lucy fez um sinal negativo com a cabeça. Não tinha vontade de falar.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

— Sei que o carro não é muito espaçoso — observou, colocando a


bagagem de Lucy no porta-malas —, mas foi idéia de Isabella adiantarmos o
trabalho. Ainda bem que a viagem não é longa.
— Não se preocupe, estarei muito bem.
Jimmy procurou tirar os livros e algumas coisas que estavam no banco
de trás para proporcionar um pouco mais de conforto a Lucy.
— Não se preocupe, Jimmy, estarei bem.
— Não tenho tanta certeza. Esse carro só é confortável para duas
pessoas. Mas não se preocupe, eu a recompensarei pelo desconforto levando-
a para jantar fora, hoje à noite.
— Para mim está ótimo.
Jimmy e Isabella trabalharam durante quase todo o percurso,
enquanto Lucy observava atentamente cada gesto dele, sua vontade era de
entrelaçar os dedos por entre os fios negros, sentir o calor daquela pele
quente... Vez por outra, ele parecia ler seus pensamentos e seus olhares se
cruzavam no espelho retrovisor.
Quando chegaram a Paris, Lucy estava exausta, não pela falta de
conforto, mas por ter suportado a distância de Jimmy por toda a viagem.
Apesar de não terem trocado uma palavra sequer, seus corpos pareciam
comunicar-se em perfeita harmonia, como se possuíssem uma linguagem
própria.
Depois de enfrentarem o trânsito do final da tarde, Jimmy finalmente
conseguiu chegar ao hotel, onde um baggagiste já os aguardava para
descarregar as malas.
— É melhor ficar aqui e descansar um pouco, Lucy — sugeriu Jimmy,
quando todos desceram do carro. — Vou levar Isabella até a casa de
Manuelle, onde ela passará a noite: depois vou resolver alguns negócios
pendentes, mas não devo demorar.
Isabella, que até então permanecera calada, encarou Lucy como se
quisesse vê-la bem longe dali. Jimmy, no entanto, nada percebeu e, tomando
Lucy pelo braço, conduziu-a até a porta do hotel.
— Entre no carro, Isabella, não vou demorar.
Ao perceber que Jimmy voltara-se para ela, Isabella reassumiu a
postura e estendeu a mão para Lucy:
— Sinto muito pela viagem tão desconfortável — disse, fingindo-se
preocupada —, mas Jimmy tinha muitos assuntos pendentes para serem
tratados. Era o único meio de colocarmos tudo em dia. Mas estamos
acostumados a trabalhar nos lugares mais estranhos e nas horas mais
loucas...
Isabella fez questão de reforçar bem a última frase antes de encarar
Jimmy, que nem a notou, seguindo para a porta do hotel.
Na recepção, ele pegou as chaves do apartamento e entregou-as a
Lucy.
Bem, vejo-a mais tarde.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

— Certo. Até lá.


Sozinha na enorme suíte, Lucy deixou-se cair numa poltrona perto da
janela e, observando a tarde cair na cidade esplendorosa, começou a pensar
na vida. Espreguiçando-se, decidiu que seria melhor acomodar-se no quarto
menor e tomar uma ducha quente bem demorada. Depois de livrar-se dos
jeans, deixou-se envolver pela água quente que, aos poucos, aliviou-lhe todas
as tensões, deixando-a relaxada o suficiente para que adormecesse de
imediato. Algumas horas mais tarde, acordou assustada, o quarto tomado
pela escuridão. A silhueta de Jimmy, parado à porta, fez com que lembrasse
as circunstâncias: estava a sós com ele na suíte de um hotel e dessa vez não
reprimiria seus instintos mais primitivos. Estendeu os braços para ele, num
apelo.
Sem poder resistir, ele se aproximou, beijando com paixão os lábios
macios. Lucy correspondeu com o mesmo ardor, acariciando o pescoço, os
cabelos, e apertando-se mais de encontro a ele.
Em poucos instantes, o robe foi jogado displicentemente no chão e
Jimmy deslizou os dedos pelas costas nuas de Lucy, enquanto ele também se
livrava de suas roupas.
Não demorou muito para estarem entregues à paixão que os
consumia, esquecendo-se de tudo, preocupados apenas em saciar o desejo
que os afastava da razão, transportando-os para um mundo povoado apenas
pelos dois amantes.
Lucy sentiu o fogo da paixão queimar-lhe as veias. Aquele êxtase
único acabaria por enlouquecê-la de desejo. Ansiosa, ela o atraiu para mais
um beijo. Queria sentir aquele corpo másculo pressionar o seu... Jimmy
respondeu deslizando os lábios pelo pescoço de Lucy, até beijar-lhe os seios.
Depois, afastou-se um pouco e a fitou.
— Nunca desejei tanto uma mulher como você!
Lucy delineou-lhe a boca com a ponta dos dedos, que ele mordiscou
com carinho.
— Eu também, querido... eu também...
Jimmy sorriu, enquanto brincava com as longas mechas loiras
estendidas sobre o travesseiro. Lucy sentiu o corpo doer de prazer por aquele
homem que apenas com um gesto era capaz de transportá-la ao paraíso.
— Por que veio ao meu quarto? — murmurou ele. — Já sei, você
queria que eu me sentisse culpado por tê-la feito passar por uma viagem tão
desagradável.
— Seu quarto? Pensei que este fosse o meu!
— Recomendei na recepção que a acomodassem no quarto maior.
Lucy mordeu o lábio de leve, sentindo-se envergonhada. Na verdade,
foi isso mesmo que eles fizeram, mas pensei que tinham cometido um
engano e mudei minhas coisas.
Jimmy lançou-lhe um olhar carinhoso e sorriu mais uma vez.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

— Bem, não pense que estou reclamando... — E, delicadamente,


deslizou o dedo pelo corpo nu de Lucy. — Ainda quer jantar fora ou devo
pedir que nos sirvam alguma coisa aqui mesmo?
O brilho intenso dos olhos de Jimmy, que a admiravam como se
adivinhassem tudo o que estava sentindo, fez com que Lucy corasse e
cobrisse o corpo nu.
— Oh, não faça isso! — protestou ele, descobrindo-a de novo. —
Adoro vê-la assim.
Esquecendo-se então do pudor e também de toda a razão, Lucy fechou
os olhos, oferecendo os lábios para serem novamente beijados. "Paixão", foi o
último pensamento coerente que teve antes de deixar-se envolver na viagem
alucinante do clímax que se aproximava.
Muito mais tarde, Jimmy pediu jantar para os dois, sem esquecer do
champanhe. Depois, mudaram-se para a cama maior, onde amaram-se sem
reservas.
Lucy desistiu de esperar por uma declaração de amor. No entanto,
palavras já não eram mais tão importantes quanto o fato de estar ali,
aninhada naqueles braços fortes, sentindo-se protegida de qualquer perigo.

No dia seguinte, Lucy acordou com o sol batendo-lhe no rosto.


A paixão que os envolvera fora tanta que tinham esquecido de fechar
as cortinas. Com cuidado para não acordar Jimmy, saiu da cama e sentou-se
na poltrona para admirar melhor o corpo do amado. Deitado ali, dormindo
profundamente, Jimmy parecia ainda mais atraente. Foi então que ela sentiu
o quanto fora tola por ter negado durante tanto tempo sentimentos tão puros
e bonitos... Amar Jimmy era uma experiência fascinante. Jamais pudera
imaginar que um dia experimentaria tal sensação de felicidade...
Na ponta dos pés, voltou para o pequeno quarto onde estavam suas
roupas. Terminava de se maquilar quando ouviu o telefone tocar. Tirou o
fone do gancho e, antes que dissesse qualquer coisa, a voz impaciente de
Isabella soou do outro lado da linha:
— Bom dia, dom Juan. Sinto perturbar seu final de noite de amor, mas
é melhor se apressar, pois temos problemas. O ministro se recusa a recebê-lo.
Ah, além disso, o que faço com o bracelete que está na minha bolsa? Por
acaso é algum presente de despedida? Não pense que vai se livrar de mim
assim tão fácil.
Estou esperando no restaurante e espero que não demore.
Lucy continuou com o fone na mão mesmo depois da ligação ser
interrompida. Nesse instante, Jimmy acordou:
— Bom dia, querida, está pedindo café para nós? Estou com uma fome
louca.
Com um esforço tremendo, Lucy se recompôs.
— Não, era Isabella ao telefone. Ela o espera lá embaixo. Parece que
surgiram alguns problemas...

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

Lucy ficou sentada na beirada da cama, enquanto ele tomava banho.


Tentava refazer as idéias e para saber como iria reagir depois daquele
telefonema tão inoportuno.
— Droga! — reclamou Jimmy, voltando para o quarto com a toalha
amarrada na cintura e os cabelos ainda molhados. — Isto quer dizer que não
podemos passar a manhã juntos como eu havia planejado. Sinto muito
querida. — Ele sentou-se na cama também, e tomou-a nos braços. —
Comprei um presente para você: não é nada de extraordinário, mas acho que
vai gostar.
Lucy levantou-se de repente.
— Não quero seus presentes! — Gritou, perdendo a calma. — Isabella
acabou de falar sobre esse... presente de despedida. Julgou que fosse para ela.
Mas agora vejo suas intenções, não é só um presente de despedida mas sim
um "tchau, obrigado e passe bem", não é? Pode ficar com ele e economizar
dinheiro quando sair com a próxima garota. Isabella pode estar acostumada
com isso, mas eu não, sr. O'Donnell! Fique sabendo...
— Ei, amor! — interrompeu ele.
Lucy, porém, não o deixou terminar:
— Não me venha com palavras melosas. Guarde-as, e o presente
também, para quem o quiser! — Ela começou a chorar. — Oh, como você
pôde fazer isso comigo?
Jimmy ficara em silêncio, ouvindo todas as acusações sem se quer
esboçar qualquer defesa. Mas, atônito com a reação de Lucy, perdeu a
paciência:
— Você tem o incrível talento de distorcer as coisas, sabia? Não sei o
que essa sua cabecinha confusa está pensando agora, mas pelo que posso
perceber amor e confiança são palavras que não constam em seu dicionário.
Acho que nunca se relacionou com ninguém, por isso não sabe quando há
sinceridade ou não. Bem, querida, não vou sentir culpa pelo que aconteceu
entre nós. Eu não teria tocado em você caso não quisesse. Não tenho culpa se
seus relacionamentos anteriores não deixaram boas recordações. Acho que
devia...
— Lá vem você de novo, querendo me dizer o que devo fazer ou não.
Você pode ser muito inteligente para dirigir seus negócios, mas não tem a
menor idéia do que se passa na minha cabeça. Não está acostumado com
pessoas que se recusam a agir conforme suas regras, não é? Pois fique
sabendo que não vou me deixar comprar com uma simples pulseira...
— Oh, não! Não é possível! Você não pode estar pensando que... Lucy,
será que não percebe que não é nada disso?
Ela deu de ombros e começou a recolher as coisas espalhadas pelo
chão.
— Não tem mais importância. Agora entendi toda a verdade. Você é
igual a todos os outros homens que conheci. A única coisa que interessa é
sexo, e mais nada. Oh, como pude ser tão tola?

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

— Lucy...
— Não! Não diga mais nada. Vou sair deste lugar; já chega de
falsidades.
— Está bem, fique com a suíte. Vou providenciar para que tenhamos
chaves separadas.
— Será que não entendeu ainda? Não quero mais ficar aqui!
— Está bem, Lucy. Calma! Pense um pouco. Já imaginou que poderá
se atrasar para o casamento se sair agora atrás de outro hotel?
Lucy o encarou, sem saber ao certo que atitude tomar.
— Está bem, como sempre, você tem razão!
— Vou fingir que não ouvi esta última provocação. — Jimmy
aproximou-se, segurando-a pelos ombros. — Agora, escute: vou sair, e
prometo não me aproximar mais antes que tenha tempo de refletir e ver
como está distorcendo as coisas. Aí, sim, poderemos discutir a situação. Ah,
não se esqueça de pedir o café. Já pensou que vexame se acabar desmaiando
em plena cerimônia?
Lucy limitou-se a sorrir timidamente, enquanto o observava recolher
as roupas pelo quarto e sair, fechando a porta atrás de si.
Durante o resto da manhã, apesar de estar se preparando para o
casamento, Lucy refletiu muito sobre a conversa que tivera com Jimmy.
Frases como "amor e confiança não constam em seu dicionário", ou "você é
incapaz de ter um relacionamento normal com um homem" faziam seu
sangue ferver. Mesmo assim, considerou o fato de nem sequer ter dado a ele
a chance de defender-se. Talvez não soubesse mesmo confiar, mas só agia
daquela forma por estar com muito medo. Medo de se entregar totalmente
sem antes saber se ele também a amava.
A atração física que sentiam um pelo outro era muito forte; então, por
que não considerar aquilo como uma forma de amor? Por que teimava tanto
em se retrair ao invés de se entregar de corpo e alma à paixão que a
consumia?
Ainda não chegara a conclusão alguma quando, por fim colocou o
vestido de seda, que delineava as curvas perfeitas do corpo escultural. Com
muita prática, enrolou os longos cabelos no alto da cabeça e ajeitou o chapéu
de aba larga do mesmo tom do vestido. Depois de acertar a maquilagem,
olhou-se no espelho demoradamente e concluiu estar pronta para ir ao
casamento.
Na igreja, não foi muito difícil localizar Jimmy. Ele era o mais atraente
de todos os convidados. Enquanto Lucy se posicionou do lado da família de
Jean Louis no altar, ele ficou do lado oposto, como padrinho da noiva.
Durante toda a cerimônia, procurou não encará-lo, mas curiosamente todas
as vezes que lançava-lhe um olhar, ele, também, a estava observando.
Por sorte, havia muitos conhecidos na festa, amigos de infância. Seria
fácil não ficar sozinha e com isso até divertir-se um pouco. No entanto, o que
mais a perturbava era o fato de Isabella estar o tempo todo ao lado de Jimmy.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

A festa já não estava tão agradável para Lucy, e ficou ainda pior
quando decidiu cumprimentar os noivos. Manuelle abraçou-a:
— Lucy, querida, você precisava ver como Isabella ficou chateada de
tê-la incomodado tão cedo esta manhã.
— É mesmo? — Lucy fingiu surpresa. — Sabe que eu nem sequer ouvi
o telefone?
Manuelle ficou sem jeito por alguns instantes, mas não demorou
muito a recuperar a arrogância de sempre.
— Não imagina como é divertido brincar de princesa, nem que seja
apenas por um dia. Você devia experimentar, Lucy.
— Um dia, talvez, mas acho que ainda não estou preparada para o
casamento.
Por sorte a conversa terminou ali mesmo, pois Jean Louis se
aproximou, abraçando Lucy efusivamente.
— Minha prima querida! Pelo menos hoje vou poder beijá-la sem que
minha mulher fique com ciúme.
— Ora, deixe disso! — respondeu Manuelle.
— Sabe de uma coisa, querida? Acho que teremos que casar Lucy para
torná-la feliz de verdade.
— Ah, mas Lucy sabe que não é tão fácil achar um marido —
provocou Manuelle.
— Oh, não certamente — Lucy retrucou com cinismo. — Mas não se
preocupe, Manuelle: quando chegar a hora, virei pedir seus conselhos.
Lucy ocupou um lugar junto aos pais de Jean Louis, perto o suficiente
para notar Isabella que, ao lado de Jimmy, se esforçava para monopolizar a
sua atenção.
Mais tarde, quando todos estavam no jardim, Jimmy aproximou-se de
Lucy. Ela sentiu as pernas fraquejarem, já que as lembranças da noite
anterior ainda estavam muito vivas em sua memória. Pela maneira como ele
a encarou e sorriu, parecia evidente que também não esquecera um instante
sequer daquela noite de loucuras e prazer.
— Você está linda!
— Você também não está nada mal.
— Por acaso notou a pulseira que Isabella está usando?
Lucy procurou a outra com o olhar e notou a linda pulseira de ouro no
braço delicado. No mesmo instante, sentiu o sangue ferver, mas não teve
tempo de fugir ou dizer qualquer coisa.
Jimmy roubou-lhe as palavras.
— Aquilo era realmente um presente de "obrigado", mas só isso. Além
disso, foi a maneira que encontrei para agradecer todo o trabalho que ela
teve durante os últimos meses com o novo empreendimento em Grande
Ferme.
— Eu...

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— Não, não diga nada, por enquanto. Mais tarde, vou bater na porta
do seu quarto e convidá-la para sair. Temos muito o que conversar. Claro
que você tem o direito de recusar, mas acho que não deveria.
Lucy temeu que ele percebesse o domínio que exercia sobre ela e sobre
todas as suas atitudes.
— Prometo que vou pensar — respondeu antes de sorrir para Jean
Louis e seguir naquela direção.
Jimmy observou-a afastar-se conduzida pelo primo, mas o sorriso
ainda brincava em seus lábios. Ergueu, então, a taça de champanhe num
brinde silencioso e recebeu uma piscadela em resposta.
Uma hora mais tarde, Lucy pegou carona com um dos primos de Jean
Louis para voltar ao hotel. Na recepção, contudo, recebeu um recado de
Marie que a deixou transtornada.
— Será que alguém pode me levar de volta para casa, na Normandia?
— Claro, mademoiselle. É alguma coisa urgente?
— Sim, quero partir o quanto antes.
— Não há problema. Chame o baggagiste assim que suas malas
estiverem prontas. — O recepcionista checava o computador enquanto falava
com ela. — Sua conta já está paga pelo sr. O'Donnell...
Sem perder mais tempo, Lucy correu para o quarto para se trocar.
Chegar o quanto antes em casa era a única coisa que importava naquele
momento.

CAPÍTULO IX

Lucy se arrumou e deixou o hotel em vinte minutos. A única coisa em


que pensava naquele momento era Teapot, que fugira de casa e que fora
encontrado mais tarde por Marie atropelado.
— Oh, Deus, não o deixe morrer, por favor! — suplicava em voz alta.
Somente depois de uma hora de estrada Lucy se lembrou de Jimmy.
Na pressa de sair do hotel, esquecera de deixar qualquer recado para ele.
— Motorista, por favor, será que podemos parar em algum telefone de
estrada?
— Claro, mademoiselle.
Não demorou muito para que achassem um telefone público.
Lucy discou aflita o número do hotel. No quarto, foi Isabella quem
atendeu.
— Quero falar com Jimmy, por favor.
— Ele não pode atender no momento — respondeu a outra. — Posso
transmitir o recado?
— Claro. Diga-lhe que Teapot foi atropelado e que por isso voltei para
casa. Não vou poder comparecer ao compromisso desta noite.
— Está bem. Não tem problema.

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Lucy desligou o aparelho intrigada. Será que Isabella daria o recado?


E mais do que isso: o que estava fazendo na suíte de Jimmy? Se estavam
trabalhando, por que não passara a ligação para ele? Não foi difícil concluir
que Isabella não a deixara falar com Jimmy por ciúme. Bem, trataria daquilo
mais tarde. Agora, o que mais a preocupava era a vida de Teapot.
Lucy encontrou Marie na porta do veterinário, com os olhos cheios de
lágrimas.
— Ele vai ficar bom, mademoiselle. Olhe, está ali, em observação.
Lucy acariciou o animal. Ainda sonolento, ele abriu os olhinhos e
tentou movimentar a cauda, mostrando que estava feliz com sua presença.
— O danado teve muita sorte — contou Marie. — Não houve
nenhuma fratura, somente este corte na cabeça e alguns arranhões pelo
corpo. Devia ter visto como o encontrei. Oh, lá lã, pensei que estivesse morto.
— Oh, Marie, ainda bem que não aconteceu nada de mais grave! O
veterinário disse que ele vai ficar em observação por alguns dias.
Depois de se certificar de que Teapot não corria mais risco de vida,
Marie e Lucy voltaram para casa. Durante o trajeto, Jimmy ocupou-lhe de
novo os pensamentos. Teria entendido sua viagem tão repentina? Ora, claro
que sim, Jimmy gostava de Teapot tanto quanto ela. De qualquer forma,
poderia esclarecer tudo no dia seguinte, quando estivesse de volta a Grande
Ferme.
Mal podia conter o desejo de revê-lo! Agora percebia que fora tola por
pensar que a pulseira se destinava a ela e não a Isabella!
E pior, ainda, por tê-los acusado de manter um relacionamento que
não o profissional! Oh, como se precipitara naquela manhã!
Naquela manhã! Difícil acreditar que fazia tão pouco tempo que
estivera nos braços de Jimmy! A lembrança da noite juntos, tão maravilhosa e
perfeita, fez com Lucy se sentisse ainda mais tola por duvidar daquele
amor... Agora não tinha mais receios de admitir que o amava com todas as
forças e que daria a vida se fosse preciso para estar novamente com ele...
Durante aquela noite, não conseguiu pensar em outra coisa.
Amava Jimmy por inteiro: seu senso de humor, o sorriso maroto, o
charme irresistível, a voz grave... Embora nunca tivessem falado em amor,
compreendia o forte sentimento que os unia quando estava em seus braços.

Na manhã seguinte, Lucy despertou cedo. Depois de saber por Marie


que Teapot estava bem, foi buscar o animalzinho no veterinário.
Pensou em telefonar para Jimmy assim que chegou ao veterinário,
mas lembrou-se de que não adiantaria nada, pois ele na certa só chegaria à
tarde em Grande Ferme. De posse de Teapot, voltou para casa. Contou os
minutos até o fim da tarde, e finalmente trocou de roupa para ir à Grande
Ferme.
Durante o percurso, notou que os tratores haviam trabalhado rápido.
O progresso era possível em tão pouco tempo: a obra priorizada — converter

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o celeiro e outras instalações e um grande prédio para acomodar o pessoal


residente — estava bastante adiantada.
Lucy encontrou Jimmy sentado no terraço, sozinho, com um copo na
mão. Observava o trabalho de Lucy em silêncio. Incapaz de conter a alegria,
Lucy correu ao seu encontro.
— Olá — cumprimentou quase sem fôlego —, sinto muito sobre
ontem à noite, mas...
A recepção que recebeu não foi exatamente a que esperava.
Jimmy a estudava da mesma forma fria e impessoal da primeira vez
que haviam se encontrado na fila da balsa. Lucy ficou sem ação.
— O que você está fazendo aqui? — ele perguntou, secamente.
— Bem, eu... Pensei que gostaria de saber que...
— Pensou que eu ainda estaria interessado em saber por que você me
deixou ontem à noite?
— Não, quer dizer... sim! Mas você sabe porque...
— Ora, claro que sei. O que não lhe dá o direito de invadir minha
propriedade desta maneira.
— Mas... Jimmy! Pensei que você fosse entender!
— É mesmo? Pois pensou errado. Nosso affair está terminado, querida.
E agora, se me der licença, tenho muito trabalho a fazer. Não vejo a hora de
acabar logo com essa obra e voltar para Londres.

Dois meses mais tarde, Lucy recebeu um convite, impresso com letras
douradas. Jimmy estava oferecendo uma recepção para os vizinhos e amigos
na Grande Ferme, para que todos pudessem constatar, antes da inauguração
oficial, os progressos que fizera na região.
Durante aquele período, Lucy não mais o procurara. Na verdade,
poderia ter tentado marcar um encontro em Londres, mas tivera receio de
não ser recebida. Aquele convite, no entanto, era a oportunidade que
esperava para o reencontro. E tinha um forte motivo para desejá-lo
ardentemente: precisava contar-lhe que estava grávida. Sabia que a notícia o
abalaria, mas deixaria bem claro que não queria nada; estava disposta a criar
o filho sozinha, dentro de suas posses e com todo carinho.
A única coisa de que precisava assegurar-se era o sigilo. Não queria
que ninguém soubesse a verdade. Até mesmo seus pais, que haviam passado
uma semana em Cherrytree, haviam partido sem saber. Por sorte, não estava
sentindo nenhum dos sintomas típicos de gravidez, o que a ajudava a
enfrentar a situação com mais calma. Passado o pânico que tivera ao ler o
resultado, sabia que sua decisão estava tomada. Aquela criança representaria
um elo distante de uma época feliz de sua vida.
Jimmy, no entanto, precisava saber que seria pai. Pensou se teria
coragem de dizer depois da maneira como fora tratada no último encontro.
Nunca conseguira entender por que Jimmy a recebera de forma tão fria e
impessoal. Durante aqueles longos dias, Teapot fora seu companheiro

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inseparável, o que a ajudara bastante, pois tê-lo por perto, além de distrair-
lhe um pouco, estimulava a criatividade e ajudava a esquecer as mágoas,
afogando-as no trabalho. Agora o encontro quebraria o silêncio... Talvez
fosse aquela a última oportunidade de ver Jimmy O'Donnell.
Jean Louis e Manuelle chegaram à tarde para a festa. A notícia de que
Manuelle estava grávida beliscou a ironia de Lucy, embora não lhe contasse
sobre seu estado.
Naquela noite, enquanto se trocava para a recepção, Lucy sentiu-se
mais sozinha e abandonada do que nunca. Apesar de estar com um vestido
magnífico, não conseguia disfarçar o coração machucado. O único
sentimento que lhe apaziguava a dor era o orgulho e a determinação de
parecer, principalmente naquela noite, a mulher mais bonita e elegante do
mundo.
Para fazer uma chegada ainda mais triunfal, Lucy tomou o cuidado de
chegar atrasada. E seus planos deram certo, pois quando entrou na sala
repleta de convidados, não houve quem não olhasse para a porta. Foi Jean
Louis quem veio recebê-la:
— Lucy, você está magnífica!
— Obrigada. Você é um eterno galanteador, primo. Jean Louis a
conduziu para o grupo de amigos com quem ele e Manuelle estavam
conversando. Jimmy não demorou muito a aparecer e assim que a viu foi
tirá-la para dançar.
— Você está linda, Lucy.
—Obrigada, Jimmy. Quero que saiba que não vim somente para
cumprimentá-lo pela obra que acabou de concluir, mas sim para contar-lhe
uma novidade, sem rodeios: você vai ser pai.
Jimmy parou de dançar e afastou-se um pouco para pode fitá-la
melhor.
— Não é preciso pânico; não quero nada. Pretendo criar esta criança
sozinha. Apenas achei que você tinha o direito de saber.
A dor que lhe apertava o coração era tanta, que Lucy duvidou que
teria forças para chegar até o carro sem antes cair em lágrimas. Por isso, antes
mesmo que ele pudesse dizer qualquer coisa, respirou fundo e deu-lhe as
costas.
— Lucy!
Ela ouviu os protestos, mas, ignorando-os, atravessou a sala
rapidamente.
— Oh, minha querida, você está linda!
Lucy virou-se para encontrar Vicky de braços abertos para abraçá-la.
Os olhos azuis que a estudavam eram tão parecidos com os do irmão...
— Tom! Tom! — chamou Vicky. — Venha até aqui, quero que conheça
Lucy.
Um homem alto, loiro e bem atraente, desculpou-se perante os amigos
e aproximou-se das duas.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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— Ora, ora... Agora entendo por que seu irmão decidiu passar o verão
aqui.
Lucy corou diante do comentário.
— Querido! Onde estão seus modos? Lucy, quero que conheça meu
marido.
Ela sorriu, cumprimentando-o, no mesmo instante em que Jimmy
parou logo atrás dela. Sentiu o sangue ferver, mas não viu outra saída a não
ser ficar ali, caso contrário, acabaria por chamar a atenção de Vicky e do
marido. Foi Tom quem a socorreu.
— Vá embora, Jimmy. Quero ter o prazer de conhecer melhor esta
jovem.
E, antes de pedir a permissão de Lucy, pegou-a pela mão conduzindo-
a até o terraço, onde todos dançavam.
— Espero que perdoe meus modos — desculpou-se Tom, enquanto a
embalava ao ritmo da música suave —, mas agora entendo por que meu
cunhado a escondeu por tanto tempo.
Lucy procurou responder às perguntas tentando ser o mais delicada
possível, mas sua atenção estava voltada para Jimmy, que dançava perto dali
com Vicky. Tudo indicava que ele não queria perdê-la de vista. As coisas
haviam se tornado mais difíceis do que imaginara. Fora ingênua demais ao
imaginar que poderia ficar na mesma casa que Jimmy e não sentir nada. A
estranha magia que a prendia àquele homem estava mais forte do que nunca.
Quando finalmente percebeu que Jimmy se ocupara com o prefeito da
cidade, aproveitou a chance para escapar sem ser notada. Jimmy estaria
preso àquela conversa por um longo tempo e não conseguiria livrar-se
facilmente.
Lucy sorriu carinhosamente para Tom.
— Queira me desculpar um instante, Tom. Preciso da minha bolsa e
acabo de lembrar que a esqueci no carro.
— Oh, sim, mas prometa-me que vai voltar ou que nos encontraremos
em breve. Sabe, esta foi a primeira vez que Vicky acertou no julgamento de
alguém. Será ótimo tê-la na família. — Tom percebeu a mágoa estampada no
rosto de Lucy. — Desculpe-me, Lucy, não queria me intrometer onde não
sou chamado.
Esforçando-se ao máximo, ela conseguiu dar outro sorriso tímido.
— Não se preocupe. Foi um prazer enorme conhecê-lo. Vicky falou
muito bem a seu respeito e sobre os meninos.
Tom acompanhou-a até a porta.
— Vicky fala demais, mas garanto que às vezes consegue ser uma boa
ouvinte.
— Tenho certeza de que sim. E agora, se me dá licença...
Tom continuou ali parado, vendo-a sumir na escuridão do pátio, sem
entender por que ela partira com tanta pressa.

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Lucy deixava o carro estacionado bem à mão e não precisou manobrar


muito para sair. Por um instante, sentiu-se como a Cinderela dos contos de
fada. A única diferença era que o príncipe encantado jamais partilharia do
resto de sua vida.
Trocou de roupa ao chegar em casa e deixou-se cair na poltrona,
observando tristemente o vestido que usara. Era como se estivesse diante de
um sonho bonito que chegara ao fim.
Deitada, no escuro, tirando proveito da solidão para acalmar-se das
emoções tumultuadas daquela noite, Lucy pensou que, na manhã seguinte,
assim que Jean Louis e Manuelle partissem, tomaria algumas providências.
Havia muito o que resolver, ainda mais que teria de responder por duas
pessoas e não por mais por uma só. Pelo menos de uma coisa já tinha certeza:
o bebê nasceria na Inglaterra, o que significava deixar Cherrytree para voltar
a viver em Londres, longe inclusive do amigo inseparável: Teapot. Além
disso, teria de enfrentar os pais e contar-lhes toda a verdade.
Como não conseguia dormir, atormentada com tantas preocupações,
decidiu levantar-se e tomar um copo de leite quente.
Estava sentada à mesa da cozinha, brincando distraidamente com o
copo, quando Jimmy surgiu à sua frente.
— O que está fazendo aqui? — ela perguntou, incrédula. — Como
conseguiu entrar?
Teapot correu e acariciou-lhe os pés.
— Jimmy, saia daqui, por favor. Preciso ficar sozinha. O que fez com
os convidados?
— Vicky encarregou-se de desculpar-se por mim. Mas, na verdade, eu
gostaria de que voltasse comigo para a festa. Quero anunciar nosso noivado
ainda hoje.
— Ora, você só pode estar ficando louco. Como ousa entrar na minha
casa e querer resolver tudo num passe de mágica? Ainda não esqueci como
fui tratada da última vez que nos encontramos em Grande Ferme. Você
deixou bem claro que nosso... affair estava terminando. Não foi isso o que
disse?
— Está certo, me enganei. Só hoje soube que Teapot foi atropelado
alguns meses atrás. Será que é muito difícil entender que eu estava louco de
ciúme àquela noite? Pensei que a sua volta repentina significasse o fim do
nosso caso. Não recebi recado algum... Lucy, querida, eu te amo. Se não
tivesse sido tão teimoso, teria admitido esse amor há meses! Quando a vi esta
noite, decidi que teria de confessar o que sentia por você. Quando me contou
sobre o bebê, não tive mais dúvidas. Agora teremos de nos casar de qualquer
maneira.
As últimas palavras despertaram em Lucy uma raiva tão grande que
duvidou poder falar sem agredi-lo primeiro.
— Você é o sujeito mais arrogante e impertinente que já conheci. Não
me diga que espera que eu acredite nesta história de amor e casamento, não

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum

é? Pois deixe-me dizer uma coisa, sr. O'Donnell, não estou mais interessada
no senhor! Eu apenas lhe contei sobre o bebê porque achei correto, mas não
significa que permitirei que minha vida seja guiada e muito menos que me
diga o que fazer. Não preciso da sua proteção! Sou capaz de cuidar de mim
mesma sozinha. Por isso, pode voltar para sua festa e para sua vida
atribulada e me deixe em paz!
Lucy percebeu o quanto suas palavras o haviam afetado. Em parte,
sentiu-se vitoriosa. Afinal, por que era sempre a única a sofrer?
— Lucy, sei que não agi corretamente. Será que não pode me perdoar?
Não pensei que a tivesse magoado tanto...
Em vez de responder, Lucy deu-lhe as costas e subiu correndo para o
quarto. Quando teve a certeza de que ele não voltaria mais, caiu na cama e
chorou até sentir-se um pouco aliviada da dor que lhe ardia no coração.
Lucy foi a última a levantar-se na manhã seguinte. Na verdade, só
saiu da cama quando ouviu Manuelle e Jean Louis se preparando para partir.
Fazia muito calor e aquela foi uma das únicas vezes em que não se
preocupou em parecer bem-disposta e animada. Ao entrar na cozinha,
desejando ficar sozinha com sua dor, encontrou Jean Louis, terminando o
café.
— Você saiu cedo ontem da festa. Aconteceu alguma coisa?
— Não estava me sentindo bem.
— Ao que parece, ainda não melhorou, não é?
— Sei disso, não precisa me lembrar.
— Ei, o que houve? Que bicho te mordeu?
— Por favor, Jean Louis, realmente não me sinto muito bem.
Como Jean Louis estivesse curioso demais sobre a origem de seu mau
humor, Lucy decidiu verificar se Manuelle não precisava de ajuda com a
bagagem. Estava ansiosa por ficar sozinha com seus próprios pensamentos.
Não demorou muito e estava tudo pronto. Marie ajudou Manuelle
colocar as últimas malas no carro e aproveitou a carona até a cidade para
fazer compras da semana.
Sozinha, decidiu dar uma volta na praia com Teapot. A brisa e o
perfume do mar naquela manhã quente só poderiam lhe fazer bem. Estava
diante de um novo dilema: estaria mesmo disposta a se isolar em Cherrytree
se Jimmy estivesse tão próximo, em Grande Ferme?
Sentada no galho de sua árvore favorita, no alto das pedras, de onde
podia observar o horizonte, Lucy fechou os olhos, mas a tentativa de
descansar foi em vão. A imagem de Jimmy insistia em voltar-lhe à mente.
Será que conseguiria esquecer tamanha paixão? Ora, claro que não, Lucy
sabia que jamais amaria outro homem.
Mais uma vez lembrou-se do que haviam conversado na noite
anterior. Será que ele realmente a amava ou a teria pedido em casamento
apenas por causa do bebê? A única maneira de saber seria enfrentá-lo
novamente, mas tinha de controlar-se para não chorar ou implorar o seu

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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amor. Não! Embora estivesse magoada e ferida, ainda lhe restava o orgulho.
Se Jimmy a amasse, teria de provar seu sentimento.
De repente Teapot começou a latir, trazendo-a de volta à realidade.
Foi então que viu Jimmy se aproximando e não teve outra reação se não
esperar e ouvir o que ele tinha a dizer.
— Bom dia — cumprimentou ele, com sua voz grave habitual.
Lucy endireitou o corpo, ciente de que sua aparência não era das
melhores.
— Bom dia, Jimmy. Sinto muito sobre ontem à noite, mas você me fez
perder a calma.
Quando ele se aproximou mais, sentando-se ao seu lado, Lucy
percebeu que também não parecia disposto. Os olhos, sempre brilhantes,
estavam agora fundos e sem expressão. Estava visivelmente abalado e Lucy
comoveu-se. Sem pensar muito, tomou-lhe a mão.
— Sou uma tola mesmo... — disse, os olhos claros expressando toda a
mágoa. — Cometi tantos erros nestes últimos meses...
Quando Jimmy a abraçou, fazendo-a repousar a cabeça em seu peito,
Lucy não conteve mais as lágrimas. Tomando rapidamente o lenço que ele
lhe oferecera, escondeu o rosto e deixou-se chorar copiosamente, até que aos
poucos foi recobrando o controle.
— Estou parecendo uma criança chorona...
— Não fale assim, querida. Você está linda... A menininha mais linda
que já conheci em toda a minha vida. — A voz de Jimmy trouxe o carinho tão
esperado. — Lucy, eu te amo! Talvez, por não saber lidar com este
sentimento tão novo, tenha feito coisas que não queria. Não consigo pensar
racionalmente quando estou perto de você, e quando estamos longe mal
consigo dormir... Naquela tarde, quando a tratei tão mal em Grande Ferme,
quase fiquei maluco ao vê-la partir, mas, entenda, eu estava tão machucado...
Não conseguia entender por que você havia fugido depois de tudo o que
houve entre nós. Estava morrendo de medo de lhe confessar meu amor e ser
desprezado. Você é uma mulher tão independente que achei que não
precisasse de ninguém ao seu lado.
— Oh, engano seu, querido. Preciso de você tanto quanto do ar que
respiro. Será que não percebe que toda esta independência cai por terra
quando estou ao seu lado?
Jimmy tomou-lhe o queixo com uma das mãos e beijou-lhe os lábios
delicadamente. Lucy amoldou-se a ele, deixando-se envolver por aquela
carícia. Teapot pulou no meio dos dois com ciúme da dona, mas Jimmy
afastou-o carinhosamente.
— Sinto muito amiguinho, mas desta vez você não é bem vindo. Lucy
agora será minha para sempre.
Teapot afastou-se, e sentou-se perto de Jimmy abanando o rabo.

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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— Pensa que é brincadeira, não é? — continuou Jimmy. — Pois fique


sabendo que este é um assunto muito sério. Fique contente por ser o primeiro
a saber que Lucy será minha esposa.
Dizendo isto, Jimmy virou-se para ela, ansioso por uma resposta.
— Lucy, querida, quer se casar comigo?
— Tem certeza de que ainda me quer? — brincou ela.
— E você ainda tem dúvidas? — Jimmy curvou-se e cobriu os lábios
de Lucy com mais um longo e apaixonado beijo. — Juro que vou te amar
para o resto da vida.
— Não entendo como pude pensar que você não me perdoaria por ter
sido tão tola. Eu te amo tanto...
— Você também tem por que me perdoar, Lucy. — De repente, a
expressão de Jimmy tornou-se mais séria. — Querida, você realmente teria
coragem de assumir a criança sozinha?
— Ora, mas é claro! Já que não podia ter você, pelo menos teria a
criança, uma imagem viva do nosso amor.
— Oh, Lucy, Lucy...
Os dois entregaram-se àquele intenso sentimento que os unia, mais
forte do que todos os medos. Um amor que excedia até o calor dos corpos,
agora unidos num só, transformando-se em energia, no começo de uma nova
vida feliz que construiriam daquele momento para sempre!

Uma história
de paixão e amor!

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Bianca Duplo 457 – O coração não se engana – Kristy McCallum
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Edição 458
Amor na Grécia
Brittany Young

"Você não deveria ter retornado justamente agora em minha vida, Melina."
As palavras de Aristo ainda martelavam-lhe a cabeça enquanto observava as
luzes da ilha Kortina, a bordo do Calypsa. Por que fora apaixonar-se por
aquele grego misterioso? Qual o motivo de ele não poder entregar-se ao
amor? Tinha quase certeza que existia outra mulher em sua vida...

Uma história
de paixão e amor!

Edição 458
Núpcias de mentira
Lucy Gordon

"Você deve estar feliz por saber que nosso casamento não durará para
sempre", disse Steven sorrindo, ao erguer a taça de champanhe. Gail
controlou-se para não revelar seu desaponto. Aquela declaração em plena
noite de núpcias lhe dava a noção exata do que a esperava nos próximos
meses. Apesar de amá-lo com desespero, ela seria capaz de fazer o amor
renascer no coração amargurado do marido?

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