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Aspectos Processuais Penais |

Teoria Geral da Prova

DISCIPLINA
ASPECTOS PROCESSUAIS PENAIS

CONTEÚDO

Provas - Parte I

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Teoria Geral da Prova

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Teoria Geral da Prova

Sumário
Sumário------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 3
1 Teoria Geral da Prova ------------------------------------------------------------------------------------ 5
1.1 A Construção da Verdade ---------------------------------------------------------------------------------------------- 6
2 Princípios Norteadores da Teoria Geral da Prova ------------------------------------------------ 8
2.1 Princípio da identidade física do juiz ------------------------------------------------------------------------------- 8
2.1.1 Exceções ao princípio da identidade física do juiz -------------------------------------------------------------------------- 9
2.2 Princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos------------------------------------ 10
2.2.1 Provas ilícitas ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 12
2.2.2 Provas ilegítimas ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 13
2.2.3 Consequências da distinção entre prova ilícita e ilegítima ------------------------------------------------------------- 15
2.2.4 Exceções ao Desentranhamento e Destruição de Provas -------------------------------------------------------------- 16
2.3 Prova ilícita por derivação (fruto da árvore envenenada) -------------------------------------------------- 18
2.3.1 Entendimento do STJ quanto às autorizações expressas de entrada ----------------------------------------------- 20
2.4 Limitações da prova ilícita por derivação ----------------------------------------------------------------------- 20
2.9 Princípio da Comunhão da Prova ---------------------------------------------------------------------------------- 25
2.10 Princípio da Liberdade Probatória--------------------------------------------------------------------------------- 26
2.10.1 Restrições quanto ao momento da prova ------------------------------------------------------------------------------ 26
2.10.2 Restrições no Julgamento em Plenário do Tribunal do Júri -------------------------------------------------------- 27
2.10.3 Restrições quanto aos meios de prova ---------------------------------------------------------------------------------- 28

3 Ônus da Prova --------------------------------------------------------------------------------------------- 28


3.1 Distribuição do Ônus da Prova ------------------------------------------------------------------------------------- 30
3.2 Ônus da Acusação (Ministério Público + Querelante) ------------------------------------------------------- 31
3.3 Ônus da Defesa --------------------------------------------------------------------------------------------------------- 32
4 Sistema de Apreciação/ Valoração da Prova ----------------------------------------------------- 34
4.1 Sistema da íntima convicção do julgador (ou da certeza moral) ------------------------------------------ 34
4.2 Sistema da Prova Tarifada ------------------------------------------------------------------------------------------- 35
4.3 Sistema da persuasão racional do juiz (livre convencimento motivado) ------------------------------- 37

5 Atuação Probatória do Juiz ---------------------------------------------------------------------------- 39


5.1 Standards Probatórios ou Modelos de Constatação Probatórios----------------------------------------- 41
5.1.1 Recebimento da denúncia ------------------------------------------------------------------------------------------------------ 41
5.1.2 Diligências investigativas sujeitas a cláusula de reserva de jurisdição ---------------------------------------------- 42
5.1.3 Prisão Preventiva ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 42
5.1.4 Sentença de mérito --------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 42

6 Terminologia da Prova ---------------------------------------------------------------------------------- 43


6.1 Fonte de prova---------------------------------------------------------------------------------------------------------- 43
6.2 Meio de prova ---------------------------------------------------------------------------------------------------------- 43

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6.3 Meio de obtenção de prova ----------------------------------------------------------------------------------------- 44


6.4 Prova direta e prova indireta --------------------------------------------------------------------------------------- 45
6.5 Indícios -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 46
6.6 Condenação com base em indícios -------------------------------------------------------------------------------- 47
6.7 Outras classificações de provas ------------------------------------------------------------------------------------ 48
6.8 Objeto da prova -------------------------------------------------------------------------------------------------------- 49
6.8.1 Fatos que dependem de prova ------------------------------------------------------------------------------------------------ 49
6.8.2 Fatos que independem de prova ---------------------------------------------------------------------------------------------- 50

7 Prova emprestada de um processo penal para o outro ---------------------------------------- 52


7.1 Quanto à forma--------------------------------------------------------------------------------------------------------- 52
7.2 Quanto ao valor probatório ----------------------------------------------------------------------------------------- 53
7.3 Requisitos ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 53
7.4 Prova produzida em processo penal e emprestada para outros processos ---------------------------- 54
8 Referências Bibliográficas ------------------------------------------------------------------------------ 56

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Teoria Geral da Prova

1 Teoria Geral da Prova


A teoria geral da prova propõe-se ao exame integral do conteúdo relacionado à
matéria probatória, não se limitando apenas ao estudo das particularidades de cada
meio de prova, mas também focando nos inúmeros dispositivos que tratam da
matéria.

Conforme explica Renato Brasileiro (2021), “provar significa demonstrar a veracidade


de um enunciado sobre o fato tido por ocorrido no mundo real”, e Nucci (2020),
apoiado nos estudos de Bentham, explica que por “prova”, em amplo sentido,
entende-se um fato “supostamente verdadeiro que se presume deva servir de motivo
de credibilidade sobre a existência de outro fato” (BENTHAM apud NUCCI 2020, p.
657).

Segundo Renato Brasileiro, a palavra prova possui três concepções distintas: a) a de


atividade probatória, que se caracteriza como um “conjunto de atividades de
verificação e demonstração, mediante os quais se procura chegar à verdade dos fatos
relevantes ao julgamento”; b) a de resultado, designando a “formação da convicção
do órgão julgado no curso do processo quanto à existência (ou não) de determinada
situação fática”; e c) a de meio, como “instrumentos idôneos à formação da convicção
do órgão julgador acerca da existência (ou não) de determinada situação fática”.

Figura 1 - Concepções distintas da prova.


Fonte: Adaptado de Nucci (2020)

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Seguindo a mesma linha de raciocínio, Eugenio Pacelli, em seu Curso de Processo


Penal, conceitua prova judiciária da seguinte forma:

A prova judiciária tem um objetivo claramente definido: a reconstrução dos fatos investigados
no processo, buscando a maior coincidência possível com a realidade histórica, isto é, com a
verdade dos fatos, tal como efetivamente ocorridos no espaço e no tempo. A tarefa, portanto,
é das mais difíceis, quando não impossível: a reconstrução da verdade (PACELLI, 2019).

À luz dessa explicação, vemos que a prova existe para possibilitar a reconstrução dos
fatos investigados, buscando sempre se aproximar ao máximo da realidade histórica,
embora esta não seja uma tarefa muito fácil. Neste sentido, corrobora Nucci (2020) ao
dizer que, “quando se busca provar um fato juridicamente relevante, na investigação
ou no processo, deve-se ter a noção de que a busca findará em torno de algo
supostamente verdadeiro (que tenha ocorrido na realidade), levando à presunção de
credibilidade em outro fato, juridicamente importante para o feito”.

1.1 A Construção da Verdade

Durante muito tempo, a busca pela verdade, a necessidade de reconstrução histórica


dos fatos, foi utilizada como justificativa para a existência de um processo penal com
características inquisitórias, o qual permitia um poder ilimitado ao juízo na produção
probatória e na condução das investigações. Como explica Pacelli (2020), “ao longo
de toda a sua história, o Direito defrontou-se com o tema da construção da verdade,
experimentando diversos métodos e formas jurídicas de obtenção da verdade, [...] até
a introdução da racionalidade nos meios de prova”.

A lógica que se perseguia então era que, se o objeto do processo penal era a busca
pela verdade real, isto é, chegar ao fato que ocorreu, à forma e ao locam em que
realmente ocorreu, não deveriam ser medidos os esforços para alcançar este objetivo.
E, nesse contexto, ao verificar alguma deficiência probatória no processo, o juiz podia
intervir para determinar medidas de ofício, caracterizando-se como um dos agentes
que efetivamente saia em busca dessa verdade e que investigava os fatos; daí a
presença do traço inquisitório e centralizador na figura do juiz no nosso Código de
Processo Penal, que vem sendo superado pouco a pouco.

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Teoria Geral da Prova

Atualmente, a busca pela verdade ainda persiste, mas a ideia de que, no processo
penal, essa busca é pela “verdade real” já foi desconstruída, tendo em vista que a
verdade produzida no processo, como afirma Nucci (2020), é fruto de uma tarefa
quase impossível, que, se fosse perseguida a todo custo, poderia ser utilizada como
justificativa para diversas práticas reprováveis, tais como a tortura, a escuta ilegal, a
violação de domicílio, entre outras.

Essa busca pela verdade real, que um dia foi perseguida no processo penal, precisou
ser esquecida em nome do processo penal acusatório adotado pela Constituição
Federal e pelo Código de Processo Penal e da produção probatória, observada toda a
legalidade e personalidade.

Assim, no sistema constitucional atual, a busca pela verdade sofre limitações


processuais e constitucionais, em especial pelos direitos e garantias fundamentais que
geram clausulas de reserva de jurisdição e pelas normas processuais. Isso faz com que
uma prova ou um processo penal conduzido sob o manto de um devido processo
penal condicional tenha o anseio de reconstrução histórica dos fatos, de uma verdade
que será, contudo, sempre judicial, isto é, uma verdade processual.

A verdade processual prevê a necessidade de garantir um juízo mínimo de certeza,


respeitando as normas constitucionais, os direitos e garantias fundamentais dos
procedimentos estabelecidos na legislação. Essa certeza é que vai ser entendida como
verdade, portanto nesse processo estabelece-se uma ficção jurídicas de que
determinado fato aconteceu, ainda que não tenha sido exatamente condizente com a
realidade, a fim de que possamos alcançar uma segurança jurídica (por isso, uma
verdade judicial). Conforme explica Pacelli,
[...] Por mais difícil que seja e por mais improvável que também seja a hipótese de reconstrução
da realidade histórica (ou seja, do fato delituoso), esse é um compromisso irrenunciável da
atividade estatal jurisdicional [...].
Assim, ainda que prévia e sabidamente imperfeita, o processo penal deve construir uma
verdade judicial, sobre a qual, uma vez passada em julgado a decisão final, incidirão os efeitos
da coisa julgada, com todas as suas consequências, legais e constitucionais. O processo,
portanto, produzirá uma certeza do tipo jurídica, que pode ou não corresponder à verdade da
realidade histórica (da qual, aliás, em regra, jamais se saberá), mas cuja pretensão é a de
estabilização das situações eventualmente conflituosas que vêm a ser o objeto da jurisdição

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Princípios Norteadores da Teoria Geral da Prova

penal (PACELLI, 2020).

Assim, considerando que as provas são os recursos utilizados para se chegar e


produzir uma verdade processual, sua idoneidade deve ser averiguada observando-
se determinadas regras e princípios a elas aplicáveis. É sobre estes princípios que
falaremos a seguir.

2 Princípios Norteadores da Teoria Geral da Prova


Neste tópico abordaremos alguns dos princípios norteadores da teoria geral da prova
de maior relevância para nosso estudo, desenvolvendo um pouco a ideia principal de
cada um deles.

2.1 Princípio da identidade física do juiz

No Código de Processo Civil de 1973, revogado pelo novo Código de Processo Civil
de 2015, existia a previsão, no art. 132, do princípio da identidade física do juiz. Esse
princípio estabelece como obrigação que o julgamento de determinada causa seja
feito pelo juiz que procedeu a instrução, pois entende que o juiz que está em melhor
condição de proceder ao julgamento de determinada causa é o juiz que teve contato
com a produção probatória durante todo o processo penal. Embora este princípio não
esteja presente no Código de Processo Civil de 2015, foi incluído, em 2008, no Código
de Processo Penal

CPP. art. 399, § 2º. O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença .

Antes da positivação desse princípio no Código de Processo Penal, não era raro que
um processo passasse por diversos juízes após a instrução, que os interrogatórios
fossem concedidos por mais de um juiz, que fosse removido de um local para o outro
e julgado por um juiz substituto. Contudo, agora o juiz que instrui o processo é o
mesmo que ouve as testemunhas, procede o interrogatório do réu, analisa o processo
para poder conduzir a audiência de instrução e julgamento e profere a sentença.

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Princípios Norteadores da Teoria Geral da Prova

2.1.1 Exceções ao princípio da identidade física do juiz

É importante ressaltar, todavia, que o Código de Processo Penal não trouxe nenhuma
exceção à aplicação do princípio da identidade física do juiz, o que fez com que alguns
autores levantassem diversas questões relacionadas, por exemplo, à situação do
processo em caso de férias, aposentadoria ou remoção do juiz. Estes ficariam parados
durante as férias esperando o retorno do juiz? Deveriam ser todos concluídos antes
do juiz se aposentar? E, em caso de remoção, deveriam ser encaminhados ao seu novo
gabinete? Todas essas questões não possuem muito fundamento, assim passaram a
ser consideradas algumas exceções, não previstas no CPP, ao princípio da identidade
física do juiz. São elas:

a) Afastamentos em geral: afastamentos tais como licenças, férias, aposentadoria


e remoção não violam o princípio da identidade física do juiz, em especial no
caso de réus presos, cujo processo tem vigência e prazos pré-determinados no
CPP que devem ser observados sob pena de ilegalidade do juiz.

b) Expedição de cartas precatórias: atualmente, em razão da pandemia do


coronavírus, que ampliou em muito a utilização de videoconferências, existe
uma tendência da redução drástica de expedição de cartas precatórias para a
instrução do processo. Contudo, caso continuem existindo, não violam o
princípio da identidade física do juiz, pois o juiz pode ouvir ou ler o depoimento,
caso seja reduzido a termo, e julgar da mesma forma.

Explicando a carta precatória de instrução.


Quando o juiz precisa realizar um ato, mas a pessoa está longe da sua comarca, ele
expede uma carta precatória para o juiz da outra comarca realizar esse ato para ele,
já que estará mais próximo das testemunhas. Ouvida a testemunha que é o sujeito
da carta precatória, o juiz encaminha o depoimento de volta para ser juntado ao
processo.

Atualmente, em razão da pandemia, a carta precatória é expedida para que a


testemunha seja intimada a entrar na sala virtual de videoconferência do juiz do
processo, e ele mesmo faz a oitiva.

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Princípios Norteadores da Teoria Geral da Prova

2.2 Princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos

A nossa Constituição Federal estabelece, no art. 5º, inciso LVI, que são inadmissíveis
as provas obtidas por meios ilícitos, embora não defina o que é uma prova ilícita. Essa
disposição está prevista na Constituição, em primeiro lugar, porque ela não adota a
premissa de que os fins justificam os meios, logo não admite que se tenha contato
com uma prova sem que seja observada a forma adequada para se chegar a ela.

Em segundo lugar, porque vivemos em um Estado Democrático de Direito e


observamos um rol extenso de direitos e garantias fundamentais (dentre eles, o
devido processo legal), e o processo serve justamente para que se tenha um
regramento adequado para a formação das provas. Além disso, um Estado
Democrático de Direito não pode fomentar, por parte dos seus agentes, condutas
ilícitas. Ora, a formação da grande maioria dos direitos e garantias fundamentais,
historicamente, origina-se da busca pela limitação do poder estatal.

Isso não significa que não temos a possibilidade de aplicar os direito e garantias
fundamentais nas relações entre particulares. Mas, especialmente em se tratando de
matéria de Processo Penal, ainda que levado a efeito por um particular, o processo
penal é centralizado pelo Estado, pois o poder de punir é do Estado. Assim, sempre
que uma tutela penal precisar ser implementada, ela o será por meio do Estado. Neste
caso, especificamente em relação às provas obtidas por meios ilícitos, o fato de o
destinatário ser o Estado ganha especial relevância, dada a possibilidade de utilização
da prova ilícita a favor do réu.

Com isso é oportuno apontar que, embora a Constituição não faça qualquer ressalva
ao contexto em que o destinatário da vedação à utilização de provas ilícitas é
essencialmente o Estado, é possível inferir que existe a possibilidade da utilização da
prova ilícita caso ela seja favorável ao réu.

Isso não significa, por óbvio, que o particular possa usar qualquer prova ilícita, uma
vez que o interesse do Estado de efetivar uma tutela penal está sempre presente,
mesmo que a produção de prova seja do particular. Mas, neste caso, o
posicionamento da doutrina (já adotado pela jurisprudência) é de que o princípio da

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Princípios Norteadores da Teoria Geral da Prova

proporcionalidade permite a utilização da prova ilícita em favor do réu desde que


venha a demonstrar sua inocência.

Ora, justifica-se a aplicação do princípio da proporcionalidade em razão do direito


individual do réu de não ver contra ele ser produzida prova ilícita em face do Estado,
e do direito de não ser condenado inocentemente. No sopesamento desses dois
direitos, prevalece o direito de o indivíduo não ser condenado injustamente, ainda
que se utilize, para isso, de uma prova ilícita.

Por exemplo, uma gravação que foi feita sem autorização judicial deixa claro que não
foi aquele réu que praticou o crime, mas sim outra pessoa. Essa prova pode ser
utilizada para absolver o réu que está sendo acusado, mas não pode ser utilizada para
justificar a condenação da outra pessoa, ou mesmo para ser juntada ao processo
contra a outra pessoa. Quando o princípio da proporcionalidade entra em choque
entre dois direitos individuas, deve sempre prevalecer o que melhor protege o
indivíduo.

Por fim, é impossível utilizar a prova ilícita em favor da sociedade. Isto é, não podemos
ter o Estado comentando práticas ilícitas para qualquer finalidade, ainda que seja para
condenar o culpado. Entende-se que é melhor absolver o culpado do que condenar o
inocente, e quando ocorrer a condenação do culpado, que ocorra com a observância
do devido processo legal e da obtenção das provas por meios unicamente lícitos.

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Princípios Norteadores da Teoria Geral da Prova

Exemplo: o caso da Lava jato...

No caso da lava jato, existe uma tendência à decisão do Supremo Tribunal Federal
pelo reconhecimento da parcialidade do Juiz Sérgio Moro, por conta de conversas
interceptadas entre ele e os integrantes do Ministério Público da operação lava jato
no aplicativo Telegram. É fato incontroverso que essas conversas foram obtidas por
meio criminoso, mas, diante da situação concreta do processo em análise, também
não temos uma prova cabal da inocência do ex-presidente Lula, pelo contrário, em
relação a ele, temos a condenação do juiz, que seria parcial, a confirmação por uma
turma do TRF da 4ª Região, composta por três desembargadores, e a confirmação
pelo STJ, composta por vários ministros.

A pergunta que vem sendo feita é a seguinte: seria possível utilizar a extração de
conversas obtidas por meio criminoso para reconhecer a parcialidade do juiz e, com
isso, anular o processo e fazê-lo recomeçar? Para essa questão ainda não temos
resposta, mas o caminho que o Supremo está trilhando parece indicar ser possível
sim, uma vez que a turma já julgou com base no conhecimento dessas conversas
obtidas por meio criminoso.

2.2.1 Provas ilícitas

São provas ilícitas aquelas produzidas a partir da violação de normas de direito


material, em especial as de direitos e garantias fundamentais da pessoa humana,
como a inviolabilidade do domicílio (CF, art. 5º, XI); a vedação ao emprego da tortura
(CF, art. 5, III); a inviolabilidade do sigilo das comunicações (CF, art. 5º, XII) etc. De igual
modo, todas as violações às cláusulas de reserva jurisdicional são necessariamente
violações às normas de direito material, pois elas têm por objetivo último a proteção
a direitos ou garantias fundamentais.

Segundo Renato Brasileiro, outra característica da prova ilícita é que ela normalmente
pressupõe que a violação ocorra no momento da colheita da prova e seja externa ao
processo, independentemente de ocorrer em momento anterior ou concomitante a
ele. Além disso, pontua, quanto à possibilidade da produção de prova ilícita em juízo,
o seguinte:
Apesar de, em regra, a prova ilícita ser produzida externamente ao processo, nada impede que
sua produção ocorra em juízo. Basta imaginar, v.g., que o magistrado obtenha a confissão do
acusado em seu interrogatório judicial, sem prévia e formal advertência quanto ao seu direito

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ao silêncio (CF, art. 5º, LXIII). Nesse caso, é possível concluir-se pela presença de prova ilícita
produzida no curso do próprio processo (LIMA, 2020).

2.2.2 Provas ilegítimas

São provas consideradas ilegítimas aquelas produzidas a partir da violação a normas


de direito processual (stricto sensu), isto é, da inobservância a formalidades previstas
na lei. Conforme explica Renato Brasileiro (2020), as provas ilegítimas têm por
característica serem produzidas no curso do processo (são intraprocessuais). Ocorrem,
por exemplo, quando o juiz deixa de compromissar a testemunha antes de ouvir o seu
depoimento (embora a testemunha não tenha a opção de não se comprometer a dizer
a verdade, quando não formaliza esse compromisso, descumpre a norma que prevê a
formalidade). Em um caso como este, não ocorre prejuízo ao processo de forma
automática, mas, se demonstrado, essa prova poderá sofrer consequências, as quais
serão distintas das consequências à violação de norma de direito material.

Outro exemplo de produção de prova ilegítima pode ser constatado em um


julgamento do Supremo Tribunal Federal, apresentado no informativo 1012/2021,
quanto à atuação do juiz na inquirição de testemunha.

Para contextualizar esse exemplo, é importante entender que, antes da reforma trazida
pela Lei n. 11.690 de 2008, a inquirição das testemunhas ocorria da seguinte maneira:
primeiramente o juiz fazia as perguntas, e então abria para as partes fazerem
perguntas, sendo que tudo o que era dito por elas passava pelo filtro do juiz, ou seja,
a parte perguntava para o juiz, que perguntava para a testemunha, que respondia ao
juiz, e assim por diante. Após a reforma, o juiz inicia a inquirição abrindo diretamente
para as partes fazerem perguntas (a parte arrolada pergunta primeiro), e caso restem
esclarecimentos a serem tomados pelo magistrado, então ele fará perguntas, mas
somente de forma residual.

No informativo 1012/2021 consta um caso de uma juíza que ainda adotava o método
antigo na inquirição de testemunhas, entendendo que não havia problema nisso. O
Supremo reconheceu que este caso consistia em uma causa de nulidade e que a prova

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era uma espécie de prova ilegítima, pois violava uma noma de direito processual ao
não observar a formalidade prevista em lei. Observe o julgamento a seguir.

Informativo 1012/2021
1.2 PRIMEIRA TURMA
DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROVAS

Atuação do juiz e ordem de inquirição de testemunhas – HC 187035/SP

RESUMO:
Não cabe ao juiz, na audiência de instrução e julgamento de processo penal, iniciar a
inquirição de testemunha, cabendo-lhe, apenas, complementar a inquirição sobre os
pontos não esclarecidos.

Assim dispõe o art. 212 do Código de Processo Penal (CPP) (1) o qual prevê a possibilidade
de o próprio juiz veicular perguntas apenas se verificados, ante o questionamento das
partes, pontos não esclarecidos (2).

A alteração promovida pela Lei 11.690/2008 modificou substancialmente a sistemática


procedimental da inquirição de testemunhas. As partes, em modelo mais consentâneo com
o sistema acusatório, têm o protagonismo na audiência. Cabe-lhes a formulação de
perguntas diretamente às testemunhas. Ao juiz, como presidente da audiência, cabe o
controle do ato processual para que a prova seja produzida nos moldes legais e pertinentes
ao caso. Ele não atua como mero espectador, mas exerce, no tocante à produção da prova
testemunhal, especificamente quanto à formulação de perguntas às testemunhas, papel
subsidiário, secundário, de modo que somente é legítima sua atividade instrutória após o
prévio exercício do direito à prova pelas partes e para saneamento de dúvida quanto a
aspectos não esclarecidos e relevantes.

Não pode o magistrado, em substituição à atuação das partes, ser o protagonista do ato
de inquirição e tomar para si o papel de primeiro questionador das testemunhas, mesmo
porque compete às partes a comprovação do quanto alegado (3).

Com base nesse entendimento, a Primeira Turma, por maioria, deferiu a ordem de habeas
corpus, para reconhecer a nulidade do processo-crime a partir da audiência de instrução,
com a necessária renovação do ato. Vencidos os ministros Alexandre de Moraes e Luís
Roberto Barroso.

(1) CPP: “Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha,
não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a

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causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único. Sobre os pontos


não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.”

(2) Precedente: HC 111.815/SP, redator do acórdão Min. Luiz Fux (DJe de 14.2.2018).

(3) CPP: “Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado
ao juiz de ofício:”

HC 187035/SP, relator Min. Marco Aurélio, julgamento em 6.4.2021

2.2.3 Consequências da distinção entre prova ilícita e ilegítima

A principal razão para se fazer a distinção entre provas ilícitas e provas ilegítimas é
compreender a consequência que cada uma apresenta dentro do processo. No caso
da prova ilícita, por exemplo, o resultado é o desentranhamento imediato da prova
dos autos, ou seja, a sua retirada do processo. Em um processo físico, por exemplo, a
prova é fisicamente retirada do processo e guardada para ser posteriormente
destruída, nos conformes do art. 157, § 3º do Código de Processo Penal (Preclusa a
decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada
por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente).

Já no caso da prova ilegítima, a consequência é a aplicação da teoria das unidades do


processo penal. Com isso, verifica-se a prova (e, a depender da situação, a ocorrência
ou não de prejuízo), e então declara-se o ato nulo. Feito isso, o ato ocorrerá
novamente, observando-se todas as formalidades.

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Figura 2 - Consequências das provas ilícitas e das provas ilegítimas


Fonte: Núcleo Editorial Focus.

Por fim, acerca da possibilidade de existência de provas obtidas por meios ilícitos e
ilegítimos, simultaneamente, Renato Brasileiro explica:
Há doutrinadores que apontam, ainda, a existência da prova obtida por meios ilícitos e
ilegítimos, simultaneamente. Nessa hipótese, a prova é obtida mediante violação simultânea à
norma de direito material e processual. É o que ocorre, a título de exemplo, com uma busca e
apreensão domiciliar cumprida por uma autoridade policial, independentemente de prévia
autorização judicial, nem tampouco situação de flagrante delito. Em tal situação, haverá
violação de norma legal, na medida em que a conduta é prevista como crime de abuso de
autoridade (Lei nº 13.869/19, art. 22, caput), assim como de norma processual que prevê os
requisitos para a realização de busca e apreensão domiciliares (CPP, art. 240 a 250, c/c art. 5º,
XI, da Constituição Federal)

2.2.4 Exceções ao Desentranhamento e Destruição de Provas

Como vimos anteriormente, o desentranhamento de provas está previso no Código


de Processo Penal (art. 157, § 3º), e significa a retirada da prova ilícita do processo.

Art. 157, § 3º. Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível,

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esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.
(Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

Mas existem dois casos que, mesmo sem previsão no Código de Processo Penal, são
apontados pela doutrina como exceções à possibilidade de destruição da prova ilícita.
São eles:

a) prova ilícita pertencente a terceiro de boa-fé

Suponha que a polícia invada a casa de uma pessoa durante uma busca e apreensão
e lá efetue a apreensão de uma arma de fogo, e depois se reconheça a ilicitude dessa
prova, porém fica constatado que aquela arma de fogo era, na verdade, propriedade
de um terceiro de boa-fé, que demonstrou que morava na mesma casa. A arma estava
devidamente registrada em nome da pessoa, e não apresentava nenhuma ilegalidade.
Nesse caso, não há necessidade de destruir a prova, pois é um objeto que pertence a
um terceiro de boa-fé. O mesmo ocorre com o telefone celular que pertence a um
terceiro e é apreendido na residência sem a ordem judicial competente, não há motivo
para destrui-lo. Ou seja, casos em que a prova obtida de forma ilícita pertence a um
terceiro de boa-fé são uma exceção à destruição da prova.

b) prova ilícita que serve de corpo de delito de outra infração penal

Caso o material que tenha sido ilicitamente produzido sirva de corpo de delito para
um outro crime, também não deve ser destruído. Por exemplo, em um interrogatório
realizado na polícia os policiais começam a proceder à tortura do investigado, o que
resulta na confissão do investigado, a qual é juntada ao processo. Posteriormente,
descobre-se que a gravação sofreu uma edição e, ao chegar à mídia original, a tortura
também é descoberta; o juiz então reconhece a ilicitude dessa prova e determina o
seu desentranhamento. Para aquele processo, essa gravação não pode mais ser
utilizada como prova, porque ficou demonstrado que a confissão foi obtida por meio
ilícito. Mas essa mídia contém a agressão dos policiais ao particular e as cenas de
tortura, assim vai servir de corpo de delito para apuração do crime de abuso de
autoridade, de tortura e de qualquer outro crime que possa ser imputado aos policiais
que foram gravados naquela determinada situação.

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2.3 Prova ilícita por derivação (fruto da árvore envenenada)

Toda teoria que envolve as limitações das provas ilícitas foi desenvolvida no direito
norte-americano e, dentre elas, uma das mais difundidas é a chamada teoria da prova
ilícita por derivação, ou teoria dos frutos da árvore envenenada (em inglês, Fruit of the
poisonous tree).

Essa teoria se utiliza da metáfora dos frutos para explicar que os frutos de uma árvore
envenenada, por mais que pareçam sadios, lindos e suculentos, também seguem o
mesmo destino da árvore, ou seja, também estão envenenados e contaminados.

Para melhor compreender essa condição, é importante perceber que embora os


exemplos mais citados em relação às provas ilícitas sejam situações em que
supostamente teria sido juntado ao processo uma busca e apreensão sem ordem
judicial ou uma interceptação telefônica ilícita, na prática essas situações não
acontecem. O que pode acontecer, na verdade, são algumas situações que causam
certo estranhamento no processo, tais como as chamadas “denúncias anônimas”, das
quais não se sabe a origem, ou as “autorizações expressas de entrada em residência”.
Essas são situações que não vão para o processo caso tenha ocorrido alguma
ilegalidade anterior.

Imagine, por exemplo, que alguém coloque um grampo ilegal em uma pessoa de
quem desconfia e por meio disso fique sabendo que será efetuado um transporte de
drogas. A polícia se posiciona estrategicamente, aborda o veículo que está
transportando os entorpecentes e efetua a prisão dos suspeitos, mas ao prestar o
depoimento, diz que havia recebido uma denúncia anônima. Se posteriormente for
descoberto que aquela informação foi obtida através de uma escuta ilegal, a prova
será considerada ilícita, e a prisão que foi realizada num contexto de criminalidade
evidente, que tem flagrante, que tem drogas, que foi confirmada, que aparentemente
seria lícita, por decorrer diretamente de uma informação obtida de maneira ilícita,
também será igualmente ilícita. Daí a metáfora: se a árvore estiver envenenada, o fruto
também estará.

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Essa ilicitude pode ocorrer também quando a polícia decide invadir uma residência,
apreender vários objetos, e dizer no depoimento que houve autorização expressa do
indivíduo para a entrada. Se ficar demonstrado que os policiais entraram sem
autorização, essa prova é ilícita e tudo o que foi apreendido lá dentro (mesmo que
seja um corpo) será também considerado ilícito. Isso ocorre porque se verifica nexo
causal entre as provas obtidas mediante essa prova ilícita.

A teoria do fruto da árvore envenenada se consagra no § 1º do art. 157 do CPP:


§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não
evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas
puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Incluído pela Lei nº
11.690, de 2008)

Segundo Aury Lopes Junior (2021), “O princípio da contaminação (fruit of the


poisonous tree) constituiu um grande avanço no tratamento da prova ilícita, mas que
foi, infelizmente, atenuado, a ponto de a matéria tornar-se perigosamente casuística.
O tal raciocínio hipotético, a ser desenvolvido para aferir se uma fonte é independente
ou não, conduz ao esvaziamento do princípio da contaminação”. A esse respeito,
vamos analisar o entendimento do STJ, tomando como ponto de referência as
autorizações expressas de entrada.

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2.3.1 Entendimento do STJ quanto às autorizações expressas de entrada

O STJ unificou o entendimento das suas duas turmas de direito penal e processual
penal dizendo que a autorização expressa de entrada à polícia tem que ser feita por
escrito e deve ser gravada.

Na prática, parecem ocorrer demasiadas autorização expressas de entrada, logo é de


supor que o STJ tenha desconfiado dessa situação, pois, pela lógica, uma pessoa que
está cometendo um crime e que tem provas dentro da própria casa, não autorizaria
expressamente a entrada da polícia. Neste sentido, o STJ decidiu que, em havendo
dúvida entre a alegação do policial e a alegação do réu, deve prevalecer a versão do
réu, em virtude da priorização dos direitos e garantias fundamentais e dado o fato de
que o policial, ao proceder essa restrição ao direito e garantia individual, tem o ônus
de acolher a autorização por escrito e gravar a entrada. Do contrário, prevalecerá a
versão do réu. É importante destacar, contudo, que o STJ deu o prazo de um ano para
as polícias se equiparem para poder viabilizar essa medida.

Com isso, tem-se a priorização da versão do réu, que não tem a obrigação de falar a
verdade, que está na posição de defendido no processo, e afasta, com base nela, a
versão dos policiais, que são servidores públicos e têm presunção de veracidade no
que dizem. Não é que descartemos a possibilidade dos policiais se valerem da sua
condição para violar direitos e garantias fundamentais, mas, de modo geral, essa
ordem acaba causando uma inversão no processo.

Quando tudo isso é feito de maneira casuística, dificilmente consegue-se manter esse
padrão em outros casos, e não será sempre possível priorizar a palavra do réu em
detrimento da palavra dos policiais. Nesse sentido, esse processo pode acabar sendo
uma armadilha que o julgador cria para si mesmo.

2.4 Limitações da prova ilícita por derivação

Conforme vimos anteriormente, a teoria do fruto da árvore envenenada se consagra


no § 1º do art. 157 do CPP:

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§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não
evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas
puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Incluído pela Lei nº
11.690, de 2008)

Embora pareça óbvio que uma prova derivada de outra estabeleça, necessariamente,
um nexo de causalidade em relação àquela, o legislador prevê uma exceção para a
inadmissibilidade da prova derivada da ilícita quando esta não apresentar nexo de
causalidade ou quando puder ser obtida por fonte independente das provas ilícitas.
Na sequência vamos falar sobre essas limitações.

2.5 Limitação da fonte independente

Conforme explica Aury Lopes Junior, a Teoria da fonte independente “é quando se


demonstra que não há nexo causal entre as demais provas e aquela considerada ilícita.
A fonte de uma prova independente é geneticamente desvinculada da ilícita, sendo,
portanto, válida. Não se estabelece um nexo de causa e efeito”.

Ainda, segundo Renato Brasileiro, de acordo com esta teoria “se o órgão da
persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de
informação a partir de uma fonte autônoma de prova, que não guarde qualquer
relação de dependência, nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não
mantendo vínculo causal, tais dados probatórios são admissíveis, porque não
contaminados pela mácula da ilicitude originária” (LIMA, 2020).

Por exemplo, suponha que duas testemunhas estão sendo ouvidas em sede policial.
Cada uma das testemunhas está em uma sala sendo interrogada por uma equipe
diferente. Durante o interrogatório, a testemunha A é torturada e, em razão da tortura,
indica prontamente o local do crime onde também se encontra o corpo da vítima. Essa
equipe se dirige rapidamente até o local e apreende o corpo. Do outro lado, a
testemunha B estava sendo ouvida regularmente e, ao final, também indica o local do
corpo, mas quando essa equipe chega até o local, o corpo já havia sido apreendido
com base em uma prova ilícita.

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Tendo sido constatado que o depoimento da testemunha A foi obtido de maneira


ilícita, a prova é retirada do processo, juntamente com todos os seus reflexos, o que
inclui o corpo da vítima, por ser considerado uma prova ilícita por derivação. Contudo,
como existia também outra fonte (a testemunha B), uma fonte independente daquela,
que deu a mesma informação, livre de ilicitudes, o corpo pode voltar a ser apreendido.

A limitação da fonte independente possibilita que seja preservada a prova, que


inicialmente foi obtida a partir de uma prova ilícita, quando a mesma informação se
apresentar por uma fonte independente, que não possua nexo causal com a prova
ilícita. O § 2º do art. 157 conceitua fonte independente da seguinte forma:

§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos
e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao
fato objeto da prova. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

Conforme aponta Renato Brasileiro (2020), parece ter havido um equívoco por parte
do legislador na redação deste artigo, pois, “ao empregar o verbo no condicional, o
conceito aí fornecido (seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova) refere-se ao
da limitação da descoberta inevitável”, e não da fonte independente, uma vez que esta
se refere a uma fonte paralela, diferente da ilícita, e não à uma fonte que por si só
conduziria ao fato objeto da prova.

2.6 Limitação da descoberta inevitável

No entendimento da doutrina, a descoberta inevitável é aquela que, em conformidade


com o descrito no § 2º do art. 157, “por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe,
próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto
da prova”. Podemos citar como exemplo o caso norte-americano que originou essa
teoria, conforme descrito por Renato Brasileiro

[...] a teoria da descoberta inevitável também tem origem no direito norte-americano –


inevitable discovery limitation. Sua aplicação ocorreu no caso Nix v. Williams-Williams II¸em
1984: com base em declaração obtida ilegalmente do acusado, a polícia conseguiu localizar o

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paradeiro do corpo da vítima de homicídio escondido em uma vala à beira de uma estrada.
No entanto, apesar de a localização do cadáver só ter sido possível a partir de uma declaração
obtida de maneira ilegal, demonstrou-se que, no caso concreto, um grupo de duzentos
voluntários já estava procurando pelo cadáver conforme um plano que, inevitavelmente, teria
levado à descoberta do local em que o corpo foi encontrado.
A Suprema Corte americana entendeu que a teoria dos frutos da árvore envenenada não
impediria a admissão de prova derivada de uma violação constitucional, se tal prova teria sido
descoberta “inevitavelmente” por meio de atividades investigatórias lícitas sem qualquer
relação com a violação, bem como que a “descoberta inevitável” não envolve elementos
especulativos, mas concentra-se em fatos históricos demonstrados capazes de pronta
verificação (LIMA, 2020).

2.7 Descontaminação do Julgado

A descontaminação do julgado é uma outra limitação que foi imposta pelo Código
Processual Penal atual. Esse dispositivo estava inicialmente previsto na Lei n. 11.690,
de 2008, mas foi vetado pelo Presidente da República. A redação consiste no seguinte:

Art. 157, § 5º O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não
poderá proferir a sentença ou acórdão.

A título de exemplo, imagine que uma interceptação telefônica, obtida de maneira


ilícita, com descrição e riqueza de detalhes da prática de determinado crime é juntada
ao processo. Por mais que o juiz determine o desentranhamento e a destruição dessa
prova, ele teve contato com ela e, consequentemente, o seu convencimento também
foi atingido. Caso deva proferir a sentença, esse fato influenciará o resultado do seu
julgamento, mesmo que de forma inconsciente. Assim, o juiz acabará buscando
confirmações nas provas que permaneceram no processo para proceder à
condenação nos termos da prova ilícita que ele teve contato.

O argumento que fundamentou o veto deste dispositivo é o seguinte: uma vez que o
juiz seria afastado do processo ao ter contato com prova ilícita, surgiria a
oportunidade de serem implantadas provas ilícitas nos processos com a intenção de
causar o afastamento do juiz. Nisso haveria uma violação ao princípio do juiz natural,
pois permitiria a manipulação do juiz da causa.

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Contudo, esse dispositivo, denominado descontaminação do julgado, foi positivado,


e enquanto não for reconhecida a sua inconstitucionalidade, permanece valendo.

2.8 Encontro fortuito de provas (serendipidade)

O encontro fortuito de provas, também chamado de serendipidade, ocorre quando


dentro de uma investigação lícita descobre-se a prática de outro crime, que será
chamado de crime achado (expressão utilizada pelo Ministro Alexandre Moraes). O
teor da discussão é saber se essa prova obtida em relação a este outro crime pode ser
utilizada e se é considerada uma prova lícita ou não.

A doutrina entende que quando um elemento relacionado a outro crime é descoberto


nessa situação, se for conexo, ele pode prosseguir no mesmo processo e, se não for
conexo, pode dar início a uma nova investigação, podendo ser utilizado para prova de
outro delito. Nesse sentido, reproduzimos parte do julgado da terceira turma do STJ
– RESP 1780715 / SP 2018/0233406-0

STJ - RESP 1780715 / SP 2018/0233406-0

2. Nos termos da pacífica jurisprudência das Turmas de Direito Penal do Superior Tribunal
de Justiça, a interceptação telefônica vale não apenas para o crime ou para o indiciado,
objetos do pedido, mas também para outros delitos ou pessoas, até então não
identificados, que vierem a se relacionar com as práticas ilícitas. É que a autoridade policial,
ao formular o pedido de representação pela quebra do sigilo telefônico, não pode
antecipar ou adivinhar tudo o que está por vir. Desse modo, se a escuta foi autorizada
judicialmente, ela é lícita e, como tal, captará licitamente toda a conversa.

2.2. Na hipótese, embora a interceptação telefônica tenha sido efetivada para identificar a
autoria de crime de homicídio, descobriu-se fortuitamente a prática do crime de injúria
racial, em razão das diversas palavras ofensivas de conotação racista proferidas pelo
recorrente quando se referia ao Delegado de Polícia responsável pela investigação, ora
recorrido.

2.3. Tais fatos ensejaram o ajuizamento de queixa-crime em desfavor do recorrente, o qual


chegou a ser condenado à pena privativa de liberdade, substituída por medidas restritivas
de direito, sendo, posteriormente, extinta a sua punibilidade pelo Tribunal de Justiça, em
virtude do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva.

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(RESP 1780715/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em
23/03/2021, DJe 30/03/2021)

É oportuno explicar que, nos termos da lei, a interceptação telefônica só pode ser
deferida no caso de crimes punidos com reclusão, vide o julgado do STJ citado
anteriormente como exemplo, trata-se de um crime de homicídio punido com
reclusão. Contudo, o elemento produzido na interceptação telefônica pode ser
utilizado para apurar, e eventualmente punir, crimes apenados com detenção. O
importante é apenas que a medida inicial seja deferida de forma correta para apuração
de crime punido com reclusão.

Em relação ao mandado de busca e apreensão, é o objeto do mandado que vai definir


se a prova amealhada de forma achada é lícita ou não. Assim, se o mandado tiver
finalidade específica, qualquer outra prova apreendida no local que não tenha relação
com a finalidade específica do mandado é considera ilícita; ao passo que, se o
mandado for genérico e permitir vasculhar todos os documento e objetos presentes
no local, e outro crime que não era objeto de investigação for localizado, a prova é
considerada lícita.

2.9 Princípio da Comunhão da Prova

O princípio da comunhão da prova diz respeito à possibilidade de utilização das


provas produzidas em um processo por qualquer uma das partes desse mesmo
processo, de modo que a prova produzida pela defesa poderá ser utilizada também
pela acusação e vice-versa. Conforme explica Guilherme Nucci,
Realmente, não há titular de uma prova, mas mero proponente. As testemunhas de acusação,
por exemplo, não são arroladas pelo promotor unicamente para prejudicar o réu; do mesmo
modo, as testemunhas de defesa não estão obrigadas a prestar declarações integralmente
favoráveis ao acusado. Inserida no processo, a prova tem a finalidade de evidenciar a verdade
real, não mais servindo ao interesse de uma ou de outra parte (NUCCI, 2020).

Vale pontuar que o destinatário de todas as provas amealhadas em um processo é o


juiz, sendo que estas servem para apurar e esclarecer a verdade dos fatos.

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2.10 Princípio da Liberdade Probatória

A liberdade probatória é um princípio observado no processo penal que prevê a ampla


possibilidade de produção de provas na fase da instrução processual, em especial da
prova documental, conforme constata-se no art. 155 do CPP:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos
elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não
repetíveis e antecipadas. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

Em regra, a liberdade probatória é ampla, tanto em relação ao momento da produção


de provas quanto aos meios de prova utilizados, uma vez que, além dos meios
expressamente previstos na legislação (meios nominados), admite a utilização de
outros meios para os quais inexistente designação legal (meios inominados). Segundo
Renato Brasileiro (2020), em razão dos princípios da busca da verdade e da liberdade
probatória, “há, no processo penal, uma liberdade probatória bem maior que no
processo civil”.

2.10.1 Restrições quanto ao momento da prova

De modo geral, a liberdade probatória no processo penal possibilita que a prova seja
produzida a qualquer momento no processo, com exceção dos casos expressamente
previstos em lei (art. 231 do CPP). Uma das exceções a essa regra diz respeito à
apresentação das testemunhas, cujo momento é determinado pelo próprio Código de
Processo Penal nos arts. 41 e 396-A. De acordo com o dispositivo, a acusação deverá
apresentar o rol de testemunhas na peça acusatória, e a defesa deverá fazê-lo na
apresentação da defesa preliminar em resposta à acusação.

É oportuno mencionar, contudo, que as testemunhas de ambas as partes poderão


eventualmente ser substituídas, desde que verificadas as hipóteses estabelecidas no
Código de Processo Civil (art. 451. Incisos I ao III), que são: a) falecimento; b)
incapacidade de depor em razão de enfermidade; e c) impossibilidade de encontrar a
testemunha.

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Ainda, o advogado da defesa poderá substituir o depoimento prestado pela


testemunha em audiência de instrução e julgamento por uma declaração escrita,
fazendo com que a prova testemunhal se torne uma prova documental. Esse
procedimento retira o caráter de prova testemunhal do depoimento e o transforma
em prova documental, possibilitando a juntada ao processo a qualquer momento,
conforme previsão no art. 231.

Neste sentido, mesmo após o arrolamento das testemunhas e da audiência de


instrução e julgamento, a defesa pode juntar ao processo quantas declarações desejar,
ainda que não sejam das testemunhas arroladas, uma vez que essas declarações são
todas consideradas provas documentais.

2.10.2 Restrições no Julgamento em Plenário do Tribunal do Júri

O julgamento em plenário do Tribunal do Júri também possui uma restrição à


apresentação de documentos que não tenham sido juntados ao processo com
antecedência. Note:

Art. 479. Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição
de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antec edência mínima de 3 (três)
dias úteis, dando-se ciência à outra parte. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

Parágrafo único. Compreende-se na proibição deste artigo a leitura de jornais ou


qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravaç ões, fotografias, laudos,
quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a
matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados. (Incluído pela Lei nº
11.689, de 2008)

Ou seja, em plenário do Tribunal do Júri não se admite que a outra parte seja
surpreendida com a apresentação de uma prova nova, sem que tenha sido juntada ao
processo com antecedência mínima de três dias, a fim de se garantir o conhecimento
e a apreciação pela parte contrária. Neste sentido, a regra quanto à possibilidade de
juntada de documentos a qualquer momento do processo penal não se aplica ao
julgamento em plenário do Tribunal do Júri.

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Ônus da Prova

2.10.3 Restrições quanto aos meios de prova

Quanto aos meios de prova, a regra da amplitude probatória não se aplica a provas
obtidas por meios ilícitos, isto é, provas obtidas da violação de regra de direito
material ou de direito processual ou por meios imorais e antiéticos.

Além disso, embora exista uma ampla liberdade de produção probatória, o parágrafo
único do art. 155 cita que, em algumas poucas hipóteses, a lei estabelece formas
adequadas para a realização das provas. Uma dessas exceções é a comprovação do
“estado das pessoas”, que exige, para tanto, a lei civil. Isto é, só é possível provar o
nascimento, idade, casamento ou óbito de uma pessoa, por exemplo, mediante os
registros civis (certidão de nascimento, documento de identidade válido, certidão de
casamento, certidão de óbito etc.), a exemplo do art. 62 do Código de Processo Penal,
segundo o qual, no caso de morte do acusado, somente à vista da certidão de óbito
o juiz declarará extinta a punibilidade

Isto posto, passemos ao próximo tópico no qual falaremos sobre o ônus da prova,
tema este muito importante para a compreensão do processo penal.

3 Ônus da Prova
Uma parte da teoria do ônus da prova é importada do Direito Civil, para o qual, o
termo “ônus” é utilizado para determinar a quem compete provar determinada
situação em determinado processo. O termo ônus (do latim onus) significa carga ou
peso, e é utilizado também para tratar daquilo que é incumbência, dever ou encargo
de alguém, dessa forma, o ônus da prova remete incumbência de provar. Assim, no
processo civil, aquele que alega (o autor da petição) tem o ônus de provar os fatos
constitutivos do seu direito; e o réu tem o ônus de provar os fatos impeditivos,
modificativos e extintivos desses mesmos direitos.

Conforme explica Renato Brasileiro (2020), “Os ônus representam um imperativo do


próprio interesse, estando situados no campo da liberdade. Ainda que haja seu
descumprimento, não haverá qualquer ilicitude, pois o cumprimento do ônus
interessa ao próprio sujeito onerado”. Ou seja, por não constituir uma obrigação, seu

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Ônus da Prova

descumprimento não acarreta sanção, porém, se a parte estiver interessada em


demonstrar a veracidade de sua alegação ao juiz, é dever processual seu apresentar
as provas. Esse é o aspecto subjetivo do ônus da prova segundo o autor:
Em seu aspecto subjetivo, o ônus da prova deve ser compreendido como o encargo que recai
sobre as partes de buscar as fontes de prova capazes de comprovar as afirmações por elas
feitas ao longo do processo, introduzindo-as no processo através dos meios de prova
legalmente admissíveis. (LIMA, 2020, p. 676).

A determinação do ônus da prova, assim como outras predeterminações processuais


para resolução dos casos, são fundamentais no processo, tendo em vista que recai
sobre o juiz a obrigação de julgar as causas a ele submetidas, ainda que tenha dúvidas
ou que esteja diante de uma área de conhecimento que não é a sua.

Essa é a premissa do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (ou da


proibição do non liquet) que estabelece que o juiz não pode deixar de julgar a causa
que lhe foi submetida alegando lacuna ou obscuridade da lei (CPC art. 140). Com base
nesse princípio, em não havendo normas legais, o juiz deverá recorrer à analogia, aos
costumes e aos princípios de direito para julgar determinada causa. E para cumprir
essa obrigação, solucionando os problemas quando a instrução probatória for ruim,
existem as predeterminações processuais, e o ônus da prova é uma dessas
predeterminações.

Neste sentido, o ônus da prova é uma regra de julgamento dada para facilitar e
orientar a decisão do juiz diante da produção probatória no processo, a despeito de
existir provas ou não, assim, mesmo diante do descumprimento do ônus da prova, o
juiz não pode alegar non liquet e descumprir sua tarefa de julgar. Conforme explica
Renato Brasileiro:
No aspecto objetivo, o ônus da prova funciona como uma regra de julgamento a ser aplicada
pelo juiz quando permanecer em dúvida no momento do julgamento. Como o juiz não está
autorizado a pronunciar um non liquet, se ao final do processo resultar um estado de incerteza
acerca de determinada afirmação feita por uma das partes, há necessidade de regras
disciplinando em que sentido deverá ser proferida a decisão (LIMA, 2020, p. 676).

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Ônus da Prova

Assim, é importantíssimo saber a quem compete e o que precisa ser provado no


processo. Por exemplo, no processo civil, é na própria regra do ônus da prova que se
tem a solução para um processo que não tem provas: é dado como improcedente; e,
no processo penal, a regra de julgamento decorrente do ônus da prova é o in dubio
pro reo, de acordo com o qual, se as informações feitas na acusação não forem
provadas, por mais que a denúncia tenha lógica e ainda que tenha confissão, se ao
final do processo o juiz não construir um juízo de certeza em cima de tudo o que foi
apresentado no processo, acima de qualquer dúvida razoável, ele deve abraçar a regra
do in dubio pro reo, e absolver o réu.

3.1 Distribuição do Ônus da Prova

Ao estudar a distribuição do ônus da prova, analisamos quais fatos precisam ser


provados pela acusação, quais precisam ser provados pela defesa, e quais fatos
dispensam a produção probatória.

Dessa forma, observamos que existem duas posições doutrinárias acerca da


distribuição do ônus da prova. A posição minoritária atribui a existência do ônus de
qualquer prova à acusação, que em regra é o Ministério Público e o querelante,
entendendo que tudo o que precisa constar no processo deveria ser provado pelo
Ministério Público e, em não havendo a prova, o acusado deveria ser absolvido. Para
essa corrente, a prova do crime deve envolver todos os elementos do crime (fato
típico, antijurídico e culpável). Ou seja, o Ministério Público precisaria comprovar todos
esses elementos, provar a tipicidade com todos os elementos da ilicitude, da
antijuricidade e da culpabilidade.

Já a posição majoritária defende uma divisão de ônus entre a acusação e a defesa,


buscando uma similitude com o Código de Processo Civil, em que o subscritor da
petição inicial tem o dever de comprovar os fatos constitutivos do seu direito. Ao
passo que à defesa (o réu) compete comprovar os fatos impeditivos, modificativos e
instintivos do direito.

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Ônus da Prova

3.2 Ônus da Acusação (Ministério Público + Querelante)

Nesse sentido, dentro da similitude com o processo civil, compete à acusação a


comprovação dos fatos constitutivos de direito consistentes no fato típico, estando
no âmbito da tipicidade: a) a conduta finalística, que pode ser dolosa ou culposa, b) o
nexo de causalidade, c) o resultado, que pode ser jurídico ou naturalístico e d) a
tipicidade em sentido estrito, que é a adequação do fato à norma.

Dolosa
Conduta
Culposa
Nexo de
causalidade
Tipicidade Naturalístico
Resultado
Jurídico
Tipicidade

É importante destacar que a conduta dolosa e culposa devem ser provas


independentemente de parte da doutrina entender que o dolo e a culpa são
presumidos. Lembrando que a forma como se prova cada uma dessas condutas é
distintas, podendo, inclusive, afetar a competência, como no caso de ir para o Tribunal
do Júri.

A prova do dolo e da culpa é feita pelo Ministério Público através das circunstâncias
objetivas verificadas no caso concreto, contrapondo-se aos elementos subjetivos, que
não podem ser comprovados. Por exemplo, em um caso em que o indivíduo compra
um aparelho por um preço muito abaixo daquele praticado no mercado, em um
ambiente que se popularizou a venda de produtos roubados, é possível, por meio das
circunstâncias objetivas, verificar que aquela pessoa sabia que estava comprando um
aparelho roubado, por mais que alegue desconhecimento. Nesse caso, fica
demonstrado que o indivíduo agiu com dolo. Não conseguimos averiguar os
elementos subjetivos (se o sujeito praticou o crime por dolo ou culpa), mas podemos,

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Ônus da Prova

por meio das circunstâncias objetivas, verificar a situação e inferir por meio dela a
conduta.

Outro exemplo que podemos citar é o do indivíduo que dispara vários tiros contra o
outro e alega que não tinha a intenção de matar. As circunstâncias objetivas mostram
que ninguém dispara tantos tiros mirando outra pessoa se não for com o ânimo de
matar, assim, afirmamos que as circunstâncias objetivas do caso concreto deixam claro
que ele agiu com dolo.

Em contrapartida, a culpa é o descumprimento de um dever objetivo de cuidado que


ocasiona um resultado lesivo que, embora não querido, era objetivamente previsível.
Isso significa que a pessoa, por imprudência, imperícia ou negligência, causa um
resultado ilícito que não queria causar, mas que era muito provável que causasse,
como em causos de embriaguez no volante, de utilização de celular e outras causas
que resultam em homicídios culposos. Neste caso, as circunstâncias objetivas do caso
são analisadas para dizer que o sujeito agiu em violação a um dever objetivo de
cuidado, e o ônus dessa prova é de competência do Ministério Público.

Além do dolo e culpa, o Ministério Público e o querelante tem que comprovar no


processo a ocorrência do resultado, seja ele jurídico ou naturalístico, e o nexo de
causalidade que mostra que o resultado derivou diretamente da conduta. Quanto à
adequação do fato à norma (tipicidade), esta vem na descrição da própria denúncia.

3.3 Ônus da Defesa

No processo civil, o ônus da defesa é provar os fatos impeditivos, modificativos ou


instintivos do seu direito, o que se traduz no processo penal como as causas
excludentes de ilicitude, culpabilidade e punibilidade.

Ora, falamos anteriormente sobre a comprovação, por parte do Ministério Público, da


tipicidade, e vinculado a esse tema está a teoria da ratio cognoscendi, que nos diz que
comprovada a tipicidade, tem-se a presunção da conduta ilícita. Em relação à
culpabilidade, temos algumas presunções legais também, como a de que a pessoa

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Ônus da Prova

tem potencial consciência da ilicitude (porque ninguém pode se escusar de cumprir a


lei alegando o seu desconhecimento), temos também a presunção de que o maior é
capaz, e de que há conduta diversa. Ou seja, se existem presunções legais para a
culpabilidade, essas presunções são relativas e podem ser afastadas. Dessa forma, uma
vez provada a tipicidade pelo Ministério Público, presume-se a ilicitude e, presumida
a ilicitude, se houver alguma excludente de ilicitude, ela deve ser provada pela defesa.

As causas excludentes de culpabilidade também precisam ser provadas pela defesa,


pois a ocorrência da culpabilidade também é presumida por lei. No direito penal, a
culpabilidade é dividida em: a) imputabilidade (presumida em relação ao maior de 18
anos); b) potencial consciência de ilicitude (presumida em relação a todo o
ordenamento jurídico); e c) em exigibilidade de conduta diversa. E como essas
situações são presumidas, compete à defesa a sua comprovação, bem como a
comprovação de eventuais causas excludentes da punibilidade.

É válido destacar que se o Ministério Público consegue comprovar a tipicidade e a


defesa não consegue comprovar as suas causas excludentes, impõe-se a condenação;
se o Ministério Público não comprova a tipicidade, com todas as características
necessárias, impõe-se a absolvição, ainda que a defesa não prove nada.

Existe, ainda, um outro elemento que, segundo a doutrina, precisa ser provado pela
defesa, o álibi, que é uma prova indireta do não cometimento da infração (por não
estar o réu no contexto criminoso). Ele não dá certeza ou nenhuma demonstração
diferente em relação aos fatos ocorridos, mas mostra que o acusado não estava no
contexto desses fatos, e o ônus da prova do álibi é da defesa também.

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Sistema de Apreciação/ Valoração da Prova

4 Sistema de Apreciação/ Valoração da Prova


A depender do sistema de apreciação ou de valoração da prova utilizada, o julgador
precisará ter uma postura diferente em relação à forma que será feita a análise da
prova e entregue o resultado do processo. Assim, na sequência veremos quais são os
sistemas possíveis.

4.1 Sistema da íntima convicção do julgador (ou da certeza moral)

No sistema da íntima convicção do julgador (ou da certeza moral), o juiz aprecia


livremente a prova, ou seja, ele não tem pesos pré-definidos para as provas (art. 155
do CPP). Por exemplo, o juiz pode ouvir três testemunhas falando a mesma coisa, mas

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Sistema de Apreciação/ Valoração da Prova

se convencer de um determinado fato com base no depoimento de uma única


testemunha que diga o contrário das outras três, em virtude de seu depoimento ser
mais bem fundamentado ou possuir uma riqueza maior de detalhes. Neste sentido, a
livre apreciação e o livre convencimento em relação à valoração das provas é algo
muito importante e é contraditório à existência de pesos das provas (fosse esse o caso,
três testemunhas juntas teriam muito mais peso do que uma só).

No entanto, o juiz não precisa justificar ou fundamentar sua decisão. Estando ele
convencido, basta dar a sentença. Ele não precisa explicar como seu convencimento
foi sendo construído até ele proferir a sentença, e isso gera algumas implicações, tais
como se valer de elementos de fora do processo, por exemplo, pois se ele não precisa
dizer como ele chegou a determinado resultado, ele não precisa garantir para as
partes e para a sociedade que todos os elementos que influenciaram na sua decisão
estão contidos e foram produzidos naquele processo, podendo, inclusive, se valer de
uma prova ilícita. Outra implicação é um problema de legitimidade da decisão, por
não permitir que as pessoas possam combater o resultado, caracterizando o
cerceamento de defesa, uma vez que fica impedido o manejo e a utilização dos
recursos de maneira adequada. Dessa forma, como regra, esse sistema não é utilizado
no Brasil, exceto no julgamento proferido pelos jurados no Tribunal do Júri (porque
estes não precisam fundamentar a sua convicção).

4.2 Sistema da Prova Tarifada

Nesse sistema, a prova produzida tem um peso pré-definido; afirma-se, inclusive, que
a confissão é a rainha das provas. Por exemplo, no Direito Previdenciário existe um

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Sistema de Apreciação/ Valoração da Prova

método matemático (método lógico fuzzy) para dizer se determinada pessoa é ou não
deficiente para que possa receber aposentadoria específica. Esse método afere a
existência ou não de deficiência com base critérios objetivos respondidos por dois
tipos de perícia: a perícia médica e a perícia social. É feito um balanceamento
qualitativo entre as graduações e pontuações das atividades constatadas pelo médico
e o assistente social para determinar a existência da deficiência, seu início, grau e
eventuais mudanças. Essa é uma espécie de prova tarifada.

No julgamento, seria como se houvesse uma média a ser atingida para a condenação,
e a confissão valesse 100 pontos, não sendo necessário complementá-la com qualquer
outra prova. Nesse sistema, o juiz apenas faz cálculos com base na pontuação daquilo
que está sendo produzido no processo.

Vale enfatizar que não temos adotamos o sistema de prova tarifada no nosso sistema
processual penal atual, mas existem alguns dispositivos que, segundo a doutrina,
representam resquícios de prova tarifada no processo penal.

CPP. Art. 155, Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão
observadas as restrições estabelecidas na lei civil. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

CPP. Art. 158. Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame
de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri -lo a confissão do acusado.
CPP. Art. 62. No caso de morte do acusado, o juiz somente à vista da certidão de óbito,
e depois de ouvido o Ministério Público, declarará extinta a punibilidade.

O art. 155, parágrafo único, embora não estabeleça uma pontuação para as provas,
determina uma exigência pré-definida para que a prova de determinados fatos seja
produzida de forma específica. Isso impede que o julgador aprecie livremente a prova.
Por exemplo, o juiz não poderá se convencer da morte de uma pessoa por outros
meios que não sejam a certidão de óbito, ainda que seja apresentada uma foto do
cadáver. O mesmo consta no art. 62 do CPP. Logo, vemos que a apreciação da prova
não é livre em alguns casos determinados no nosso Código de Processo Penal,
apresentando resquício da prova tarifada.

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Sistema de Apreciação/ Valoração da Prova

Outro exemplo é o art. 158 do CPP, que estabelece a exigência do exame de corpo de
delito quando a infração penal deixar vestígios, não podendo ser suprido nem pela
confissão do acusado.

4.3 Sistema da persuasão racional do juiz (livre convencimento motivado)

Esse sistema tem influência do sistema da íntima convicção, à medida que o juiz pode
apreciar livremente a prova para formar seu convencimento, mas aqui ele precisa
construir, na decisão judicial, o caminho que ele seguiu para chegar à determinada
conclusão, conforme disposto no art. 155 do CPP.

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos
elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não
repetíveis e antecipadas. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

É com base na convicção pela livre apreciação da prova, por exemplo, que o juiz pode
afastar a conclusão de um laudo pericial; mas, para refutar as conclusões de um laudo
redigido por um expert, o juiz precisa, de uma maneira fundamentada e com ônus
argumentativo muito maior, afastar aquilo de maneira justificada. Em todo causo, o
juiz não fica vinculado às conclusões do laudo pericial, uma vez que ele forma a sua
convicção pela livre apreciação da prova.

O art. 93, inciso IX, da Constituição Federal estabelece a exigência de que todas as
decisões do Poder Judiciário sejam fundamentadas, e o art. 315, §2º do Código de

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Sistema de Apreciação/ Valoração da Prova

Processo Penal, que é basicamente uma cópia do art. 489 do Código de Processo Civil,
explica o que é uma decisão não fundamentada.

CPP. Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será
sempre motivada e fundamentada. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

[...]

§ 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória,


sentença ou acórdão, que: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua


relação com a causa ou a questão decidida; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua


incidência no caso; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; (Incluído pela Lei
nº 13.964, de 2019)

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese,


infirmar a conclusão adotada pelo julgador; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus


fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles
fundamentos; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela


parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do
entendimento. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

O processo penal brasileiro adota precisamente o sistema da persuasão racional do


juiz (ou do livre convencimento motivado), segundo o qual ele não fica amarrado a
nenhuma prova cabal, de modo que, mesmo que ocorra a confissão, ele pode absolver
o acusado desde que fundamente e explique todos os detalhes sobre como chegou
àquela conclusão, permitindo uma legitimidade da sua decisão, permitindo o ataque
a sua decisão por meio de recursos, e garantindo a defesa com base nos elementos
que formaram a sua convicção.

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Atuação Probatória do Juiz

5 Atuação Probatória do Juiz


O tema da atuação probatória do Juiz, embora seja bastante simples, é muito discutido
pela doutrina, primeiramente porque tem previsão expressa em lei e, em segundo
lugar, porque envolve a verificação da observância do sistema acusatório. Assim, neste
tópico exploraremos alguns dos pontos mais relevantes quanto ao tema.

Sabemos que a busca pela verdade real, que predominava nos sistemas inquisitórios
antigos, já foi superada e, com isso, o juiz pôde assumir sua devida posição dentro do
processo, uma posição de imparcialidade, que não se compromete com a busca e
investigação do que é alegado pela acusação ou pela defesa.

Em regra, essa posição imparcial do juiz impede que ele tenha uma atuação efetiva na
produção da prova, porém isso não significa que ele não terá nenhuma atuação
probatória, apenas que esta será somente subsidiária, competindo às partes a
produção das provas (o ônus da prova) e, ao juiz, a eventual determinação de alguma
prova necessária para o esclarecimento das provas produzidas pelas partes, conforme
dispõe o art. 156 do Código de Processo Penal.

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao
juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

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Atuação Probatória do Juiz

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas


consideradas urgentes e relevantes, obs ervando a necessidade, adequação e
proporcionalidade da medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de


diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (Incluído p ela Lei nº 11.690, de
2008)

É importante notar que o inciso I do art. 156 estabelece que será facultado ao juiz
ordenar a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes,
observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida, mesmo antes
de iniciada a ação penal. Contudo, a doutrina aponta este inciso como sendo
tacitamente revogado pela alteração promovida pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964 de
2019), que veda ao juiz qualquer tipo de atuação na fase preliminar (fase de
investigação processual) que precede a ação penal.

Quanto à possibilidade de atuação probatória do juiz, decorre diretamente do inciso


II do art. 156, segundo o qual é facultado ao juiz determinar de ofício, a realização de
diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante, no curso da instrução ou antes
de proferir sentença.

Como exemplo da atuação subsidiária do juiz na produção de provas, podemos citar


o momento da inquirição de testemunhas, conforme previsão do art. 212 e parágrafo
único do Código de Processo Penal, segundo os quais “As perguntas serão formuladas
pelas partes diretamente à testemunha [...]. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz
poderá complementar a inquirição”. Nesse processo, a parte que arrolou as
testemunhas faz perguntas diretamente, na sequência o juiz passa a palavra para a
parte contrária e, somente então, se ficar algum ponto a ser esclarecido, o próprio juiz
fará perguntas à testemunha de maneira complementar.

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Aspectos Processuais Penais |

Atuação Probatória do Juiz

5.1 Standards Probatórios ou Modelos de Constatação Probatórios

Os standards probatórios, também chamados de modelos de constatação


probatórios, remetem à variação do grau de convencimento mínimo exigido a
depender do momento processual e da decisão a ser proferida. Por exemplo, estando
em uma fase de investigação preliminar, em que se quer a determinação de uma
interceptação telefônica, o grau de convencimento diz respeito à demonstração da
real necessidade daquela situação perante o juiz, para que a medida possa ser
deferida. Resta saber se é necessário, para que fique demonstrada a essencialidade da
medida, dar certeza ou se basta a probabilidade, se são necessárias provas ou se
bastam os indícios. Neste sentido, apontam Nestor Távora e Rosmar Rodrigues
Alencar:
Os modelos de constatação probatórios consistem em ‘padrões mínimos para aferir a
suficiência da motivação de fato nas decisões judiciais’, cuja função, além de servir de regra de
julgamento ou de resolução de questão processual, é também a de ‘permitir o controle da
motivação judicial das decisões’ (NESTOR; ROSMAR, 2021).

Quando se tem uma predefinição, uma verificação de qual é efetivamente o grau de


convencimento que determinada situação exige, automaticamente criam-se regras de
julgamento.

Na sequência veremos alguns exemplos que nos elucidarão a diferença entre o grau
de convencimento exigido para cada situação.

5.1.1 Recebimento da denúncia

No recebimento da denúncia, o juiz apenas analisa se há indícios suficientes de


autoria e materialidade (se há presença de justa causa), não buscando grau de
certeza, uma vez que, para que uma ação penal possa ser iniciada, basta a presença
de indícios suficientes de autoria e materialidade, como prova semiplena.

Outro padrão de constatação probatória neste momento é a presença do in dubio


pro societate. Assim, verificados indícios mínimos de autoria e materialidade, se o juiz
estiver na dúvida, ele inicia a ação penal e dá à defesa a oportunidade de provar que

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Atuação Probatória do Juiz

aquela denúncia é improcedente e, ao final, profere seu julgamento. Caso a dúvida


ainda persista até o final do processo, a regra de julgamento é outra, logo o standard
probatório na sentença de mérito também será outro.

5.1.2 Diligências investigativas sujeitas a cláusula de reserva de jurisdição

As formas de diligências investigativas sujeitas a cláusula de reserva de jurisdição, tais


como a busca e apreensão, a interceptação telefônica e a quebra de sigilo, exigem a
prova de existência do crime e indício de autoria. Não há necessidade de ser
apresentada prova efetiva e irrefutável de autoria, pois, se a diligência ainda é
investigativa, não há como exigir esse grau de certeza uma vez que é exatamente isso
que a autoridade policial e o Ministério público estão buscando elucidar.

5.1.3 Prisão Preventiva

Os standards probatórios para a prisão preventiva também são a prova do crime e o


indício de autoria. Além disso, existem alguns requisitos que devem ser preenchidos
para a comprovação do periculum libertatis (perigo que decorre do estado de
liberdade do agente).

5.1.4 Sentença de mérito

Na sentença de mérito já não há mais lugar para indícios, dúvidas ou para a verificação
da dúvida pró sociedade. Assim, o standard probatório da sentença condenatória é
um juízo de certeza acima de qualquer dúvida razoável. Pois, havendo dúvida
razoável, o caminho é a absolvição e o que vigora é o princípio do in dubio pro reo.

Tabela 1- Standards probatórios conforme o momento do processo penal.

Momento do Processo Penal Standard Probatório


▪ Indícios suficientes de autoria e materialidade (justa
Recebimento da denúncia causa)
▪ In dubio pro societate
▪ Prova do crime
Diligências investigativas
▪ Indício de autoria
Prisão preventiva ▪ Prova do crime

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Terminologia da Prova

▪ Indício de autoria
▪ Requisitos para comprovação de periculum libertatis
▪ Condenatória: juízo de certeza acima de qualquer
Sentença de mérito dúvida razoável
▪ Absolvição: princípio do in dubio pro reo
Fonte: Núcleo Editorial Focus.

6 Terminologia da Prova
Neste tópico, abordaremos alguns conceitos de termos recorrentes na teoria geral da
prova.

6.1 Fonte de prova

A fonte de prova é a origem efetiva da prova. Conforme explica Renato Brasileiro, “A


expressão fonte de prova é utilizada para designar as pessoas ou coisas das quais se
consegue a prova, daí resultando a classificação em fontes pessoais (ofendido, peritos,
acusado, testemunhas) e fontes reais (documentos, em sentido amplo). Cometido o
fato delituoso, tudo aquilo que possa servir para esclarecer alguém acerca da
existência desse fato pode ser conceituada como fonte de prova (LIMA, 2020).

Um dos objetivos da investigação preliminar é a identificação das fontes de prova, é


buscar saber onde é possível obter uma prova para colocar dentro do processo
judicial. Assim, todas as diligências previstas no Código de Processo Penal são feitas
pelo delegado no intuito de identificar fontes de prova (ex.: documentação de todo o
local do crime para que seja possível a realização da perícia; identificação das pessoas
que estavam próximo ao local do crime, que em si não constituem as provas, mas sim
potenciais testemunhas que prestarão um depoimento, entre outras.

6.2 Meio de prova

Renato Brasileiro explica, ainda, que os “meios de prova são os instrumentos através
dos quais as fontes de prova são introduzidas no processo. Dizem respeito, portanto,
a uma atividade endoprocessual que se desenvolve perante o juiz, com o
conhecimento e a participação das partes, cujo objetivo precípuo é a fixação de dados

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Aspectos Processuais Penais |

Terminologia da Prova

probatórios no processo. Enquanto as fontes de prova são anteriores ao processo e


extraprocessuais, os meios de prova somente existem no processo” (LIMA, 2020).

6.3 Meio de obtenção de prova

Os meios de obtenção de prova são instrumentos específicos por intermédio dos


quais é possível chegar às fontes de prova (Ex.: busca e apreensão; interceptação
telefônica; técnicas especiais de investigação). Por exemplo, a busca e apreensão não
configura uma fonte de prova, porque não é identificada como algo que permita a
extração de uma prova de si, tampouco é um meio de prova, uma vez que por si só
nem sempre conduz a algum resultado, mas é evidentemente um meio de obtenção
de prova, porque possibilita chegar a documentos, mídias, celulares, conversas etc.
relacionadas a determinada infração penal, permitindo identificar fontes de provas das
quais serão extraídas as provas para dentro do processo.

A seguir, observe o quadro comparativo elaborado por Renato Brasileiro Lima, em seu
Manual de Processo Penal (2020), que apresenta a distinção entre os meios de
obtenção de prova e os meios de prova.

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Terminologia da Prova
Tabela 2 - Quadro comparativo entre os meios de obtenção de prova e os meios de prova

Meios de obtenção de prova Meios de prova


– Em regra, são executados na fase – Em regra, são realizados na fase processual
preliminar de investigações, o que não da persecução penal; excepcionalmente, na
afasta a possibilidade de execução durante fase investigatória, observado o
o curso do processo, de modo a permitir a contraditório, ainda que diferido (ex: provas
descoberta de fontes de prova diversas das antecipadas);
que serviram para a formação da opinio
delicti;
– são atividades extraprocessuais; – são atividades endoprocessuais;
– são executados, em regra, por policiais aos – consistem em atividades desenvolvidas
quais seja outorgada a atribuição de perante o juiz competente, valendo lembrar
investigação de infrações penais, que o juiz que presidir a instrução deverá,
geralmente com prévia autorização e pelo menos em regra, julgar o feito (CPP, art.
concomitante fiscalização judiciais; 399, § 2º);

– são praticados com fundamento na – são produzidos sob o crivo do


surpresa, com contraditório, com prévio conhecimento e
desconhecimento do(s) investigado(s); participação das partes;
– se praticados em desconformidade com o – se praticados em desconformidade com o
modelo típico, há de ser reconhecida sua modelo típico, são sancionados, em regra,
ilicitude, com o consequente com a nulidade absoluta ou relativa.
desentranhamento dos autos do processo.
Fonte: LIMA, 2020

6.4 Prova direta e prova indireta

A prova direta é aquela que teve um contato imediato com a situação que se
pretende provar ou, nas palavras de Renato Brasileiro, “é aquela que permite conhecer
o fato por meio de uma única operação inferencial”. Por exemplo, se um crime de
homicídio é cometido na presença de testemunhas oculares, essas testemunhas serão
consideradas provas diretas daquele determinado crime, porque tiveram uma
cognição imediata em relação à situação que se pretende provar. Não há
intermediários ou elementos de dedução.

Já a prova indireta é aquela que não teve contato imediato com a situação, mas que,
por meio de dedução veio a servir de prova.

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Terminologia da Prova

A prova é considerada indireta quando, para alcançar uma conclusão acerca do fato a provar,
o juiz se vê obrigado a realizar pelo menos duas operações inferenciais. Em um primeiro
momento, a partir da prova indireta produzida, chega à conclusão sobre a ocorrência de um
fato, que ainda não é o fato a ser provado. Conhecido esse fato, por meio de um segundo
procedimento inferencial, chega ao fato a ser provado (LIMA, 2020).

Por exemplo, frente a um crime de homicídio cometido dentro de uma sala fechada,
sem testemunhas no local, em que pessoas na redondeza apenas ouviram os disparos
e viram o homem sair da sala com as mãos ensanguentadas, por meio de uma
operação de dedução a partir daquilo que viram, essas pessoas podem vir a servir de
prova. Em outros termos, a prova indireta se caracteriza pela necessidade de mais de
uma operação cognitiva para se chegar ao resultado. Não obstante, essas provas
podem ser usadas para condenação e eventual punição.

6.5 Indícios

A doutrina aponta uma dupla acepção para a palavra “indícios” no Código de Processo
Penal, que pode ser utilizada ora como sinônimo de prova indireta (art. 239) ora como
sinônimo de prova semiplena (arts. 126 e 312), caracterizando um juízo de
probabilidade.

Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada,


que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a
Prova indireta
existência de outra ou outras circunstâncias.

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Aspectos Processuais Penais |

Terminologia da Prova

Art. 126. Para a decretação do sequestro, bastará a existência de


indícios veementes da proveniência ilícita dos bens.

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da


Prova semiplena ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução
criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver
prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo
gerado pelo estado de liberdade do imputado. (Redação dada pela Lei
nº 13.964, de 2019)

Conforme explica Renato Brasileiro (2020), como sinônimo de prova indireta, “a


palavra indício deve ser compreendida como uma das espécies do gênero prova, ao
lado da prova direta, funcionando como um dado objetivo que serve para confirmar
ou negar uma asserção a respeito de um fato que interessa à decisão judicial [...]
Partindo-se de um fato base comprovado, chega-se, por meio de um raciocínio
dedutivo, a um fato consequência que se quer provar”.

Já no sentido de prova semiplena, representa um “elemento de prova mais tênue, com


menor valor persuasivo”. O autor afirma, ainda, que nesta acepção, a expressão refere-
se a “uma cognição vertical (quanto à profundidade) não exauriente, ou seja, uma
cognição sumária, não profunda, em sentido oposto à necessária completude da
cognição, no plano vertical, para a prolação de uma sentença condenatória”.

6.6 Condenação com base em indícios

A condenação com base em indícios poderá ocorrer quando a o termo for utilizado
no sentido de prova indireta, uma vez que caracteriza, neste caso, uma certeza a
respeito de uma circunstância que permite concluir a existência de outra.

Ora, se isso não fosse possível seria inviável a condenação da pessoa que comete um
fato criminoso, como um crime sexual contra vulnerável, por exemplo, sem que haja
testemunhas oculares ou a presença de elementos que caracterizem uma prova direta
da infração. É claro que um decreto condenatório não poderá ser fundamentado em
um único indício isolado e frágil, conforme explica Renato Brasileiro, devendo a prova
indiciária estar sujeita, para tanto, às seguintes condições:

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Terminologia da Prova

a) os indícios devem ser plurais (somente excepcionalmente um único indício será suficiente,
desde que esteja revestido de um potencial incriminador singular);
b) devem estar estreitamente relacionados entre si;
c) devem ser concomitantes, ou seja, univocamente incriminadores – não valem as meras
conjecturas ou suspeitas, pois não é possível construir certezas sobre simples probabilidades;
d) existência de razões dedutivas – entre os indícios provados e os fatos que se inferem destes
deve existir um enlace preciso, direto, coerente, lógico e racional segundo as regras do critério
humano (LIMA, 2020).

Já no sentido de prova semiplena, os indícios não podem servir de base para a


condenação, pois é incompatível com o standard probatório exigido para a prolação
de uma sentença condenatória, que é o juízo de certeza acima de qualquer dúvida
razoável. Como vimos, na acepção de prova semiplena, o Código de Processo Penal
menciona a palavra indícios nos arts. 312 (da prisão preventiva) e 413, caput. (da
pronúncia do acusado), a esse respeito, explica Renato Brasileiro:
[...] para fins de prisão preventiva ou de pronúncia, ainda que não seja exigido um juízo de
certeza quanto à autoria, é necessária a presença de, no mínimo, algum elemento de prova,
ainda que indireto ou de menor aptidão persuasiva, que possa autorizar pelo menos um juízo
de probabilidade acerca da autoria ou da participação do agente no fato delituoso. Apesar de
não se exigir certeza, exige-se certa probabilidade, não se contentando a lei com a mera
possibilidade LIMA, 2020).

6.7 Outras classificações de provas

Existem diversas outras classificações de provas além daquelas já apresentadas no


decorrer deste módulo, dentre elas destacamos as seguintes:

▪ Prova nominada: são as provas expressamente estabelecidas na lei (ex.: prova de


reconhecimento de pessoas ou coisas; reconstituição do fato; prova testemunhal;
prova pericial).
▪ Prova inominada: são as provas diversas das expressamente previstas na lei.
▪ Prova típica: são aquelas que, além de estarem previstas na lei, têm seu
procedimento pré-estabelecido pela lei.
▪ Prova atípica: são aquelas que não contam com previsão do procedimento a ser
seguido.

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A título de exemplo, podemos citar o “reconhecimento de pessoas ou coisas” como


sendo uma prova nominada e típica, pois, além de ser expressamente prevista em
lei, tem um procedimento específico a ser seguido. Em contrapartida, a “reconstituição
do fato” é uma prova que tem previsão expressa na lei, porém não tem o
procedimento descrito, logo caracteriza uma prova nominada e atípica.

6.8 Objeto da prova

O objeto da prova são “os fatos que as partes pretendem demonstrar (NUCCI, 2020),
isto é, aquilo que deverá ser provado no processo. Assim, a análise do objeto da prova,
por sua vez, consiste na verificação da veracidade de determinada afirmação que seja
relevante para o deslinde do processo penal.

6.8.1 Fatos que dependem de prova

Devem ser objetos de prova no processo penal os seguintes fatos:

a) Fatos narrados na denúncia: o Ministério Público narra fatos que dependem da


prova de autoria e de materialidade, as quais constituem a prova da ocorrência do
crime (ex.: um exame cadavérico).

b) Costumes: os costumes abordados no processo penal (em regra costumes locais


ou regionais) precisam ser provados, sendo aplicado, neste caso, o princípio da
liberdade probatória (ex.: o conceito de descanso noturno exigido para o crime de
furto pode variar a depender da localidade, por isso precisa ser provado, seja por
testemunhas, por mídias que comprovem o fato ou outros meios).

c) Regulamentos e portarias: caso seja invocado perante o juízo, esse tipo de direito
também precisa ser provado, pois nem sempre será conhecido pelo juiz. Salvo quando
se tratar de complemento de norma penal em branco, situação em que a própria Lei
Penal remete ao regulamento ou à portaria a definição de elementos constitutivos do
tipo, por exemplo, a Lei de Drogas tem como complemento para a fixação das
substâncias que causam dependência física ou psíquica e que são consideradas

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drogas a portaria n. 344/98 MS, logo essa portaria complementa a norma penal em
branco (a Lei 11.343/06), não precisando ser provada.

d) Direito estrangeiro, estadual e municipal: quando for invocado perante o juízo,


o teor e vigência das normas estaduais e municipais também precisam ser provados.
A doutrina afirma, contudo, que não é necessário provar em relação à norma do
estado e município do juiz, uma vez que o juiz teria a obrigação de conhecê-las.

e) Fatos não contestados ou incontroversos: primeiramente, é oportuno destacar a


diferença essencial, quanto a este tema, entre o direito processual civil e o direito
processual penal. No processo civil, quando a pessoa entra com uma ação cível que
diz respeito a direito disponível da outra parte, e esta não contesta, presumem-se
verdadeiros os fatos alegados na inicial e a ação é julgada procedente, se nada mais
for produzido no processo. Já no processo penal, mesmo que determinado fato seja
incontroverso, ele deve ser provado, até mesmo a confissão precisa ser provada.

Outro exemplo retirado do processo civil é a “revelia”, cujo efeito mais conhecido é a
presunção de que são verdadeiros os fatos alegados na inicial. No processo penal,
entretanto, à revelia simplesmente permite o prosseguimento do feito sem a presença
do acusado, conforme dispõe o art. 367 do CPP, “O processo seguirá sem a presença
do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de
comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não
comunicar o novo endereço ao juízo”. Ou seja, o não comparecimento do acusado ao
processo não presumirá que são verdadeiros os fatos narrados na inicial.

6.8.2 Fatos que independem de prova

São situações que não precisam ser provadas:

a) Fatos notórios: são fatos e situações tão óbvias que dispensam a ocorrência de
provas (ex.: não é necessário provar a morte do cadáver, pois é notória; não é
necessário provar que o Natal é feriado nacional ou que o fogo queima ou a chuva
molha).

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Terminologia da Prova

b) Fatos axiomáticos ou intuitivos: parte da doutrina define o fato axiomático como


sendo um fato notório e cita os mesmos exemplos. Já o fato intuitivo é aquele que
decorre da experiência e da lógica (ex.: a pessoa que bebe bebida alcóolica fica
bêbada).

c) Fatos inúteis ou irrelevantes: deve-se afastar a produção probatória sobre coisas


que não trazem nenhum tipo de benefício para o processo. Ora, ao se discutir um
crime de homicídio, um porte ilegal de arma de fogo ou um crime de tráfico de drogas,
por exemplo, existe uma delimitação do que se está querendo esclarecer com aquele
processo, e tudo o que foge dessa delimitação feita pela petição inicial e pelas
alegações da defesa são fatos inúteis ou irrelevantes. O juiz tem o poder e dever de
fiscalizar e indeferir diligências meramente protelatórias, que são diligências que têm
por objetivo único atrasar o andamento do processo, e que às vezes são usadas
somente como uma estratégia de defesa.

O juiz não é obrigado a deferir diligências meramente protelatórias, e, na prática, ele


acaba deixando a defesa esticar o processo ao máximo para tentar preservar o direito
de defesa e proteger o processo de eventual nulidade, uma vez que é muito comum
que se alegue o cerceamento de defesa com base no indeferimento das provas.

d) Presunções legais: são situações que a própria lei presume verdadeiras. As


presunções podem ser relativas ou absoluta.

▪ A presunção legal relativa, segundo parte da doutrina, produz como efeito a


inversão do ônus da prova, ou seja, presume-se que a situação é verdadeira até
que se prove o contrário; inclusive, essa é a presunção do estado de inocência,
segundo o qual a pessoa é inocente e deve ser absolvida até que os fatos
contrários narrados na denúncia sejam provados e se tenha uma sentença
criminal condenatória transitada em julgado. Ora, essa presunção de inocência
é uma presunção legal que admite uma prova em contrário, assim, provada a
culpa em juízo por uma sentença criminal transitada em julgado, ela deixa de
existir.
▪ A presunção absoluta não admite prova em contrário. Por exemplo, se no
momento de fazer a dosimetria da prova para aplicar a pena ficar constatado
que a pessoa é reincidente, não importa que alegue o contrário, sua pena será

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Prova emprestada de um processo penal para o outro

agravada, uma vez que a lei presume a reincidência como um agravante na


segunda fase da dosimetria da pena.

7 Prova emprestada de um processo penal para o outro


Por prova emprestada entendemos aquela que, produzida em determinado processo,
é transportada (ou trasladada) para outro por demonstrar relevância para a elucidação
dos fatos nele alegados, mesmo que estes não possuam qualquer conexão. A prova
emprestada é juntada ao processo criminal pendente de decisão através da
reprodução documental (NUCCI, 2020).

7.1 Quanto à forma

Conforme aponta a doutrina, a prova emprestada sempre ocorrerá na forma


documentada, uma vez que o “transporte da prova é feito por meio de certidão
extraída” do outro processo (LIMA, 2020). Lembrando que o termo “documento” é
utilizado não somente para documentos escritos, mas também para meios digitais,
mídias, gravações, fotos etc. Neste sentido, é válido ressaltar que não se confunde o
fato de aprova ter forma documental com a prova documental em si.

Os dois principais exemplos de prova emprestada encontrados na prática são: a) a


utilização do depoimento de testemunha produzido em outro processo; e b)
diligências feitas na fase de investigação de um processo, em especial a interceptação
telefônica, utilizadas em outro.

No caso do depoimento oral prestado em audiência de instrução e julgamento, por


exemplo, após juntado ou processo, ele será reduzido a um documento (ex.: a
gravação do depoimento), o qual poderá ser transportado para o processo B.

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Prova emprestada de um processo penal para o outro

7.2 Quanto ao valor probatório

Para que a prova documentada tenha todas as características de uma prova


emprestada, ela precisa ter, no processo em que foi juntada, o mesmo valor probatório
de onde foi produzida.

Para melhor compreender essa questão, é importante distinguirmos as provas


testemunhais das meras provas documentais. Conforme explica Lopes Junior (2021),
“Em relação à prova documental, em que a parte se limita a fazer cópia de documento
juntado em processo diverso, para trasladá-lo ao processo atual, não vemos maiores
problemas”. Quanto à prova testemunhal, embora seja trasladada na forma
documentada, seu valor probatório continuará sendo o mesmo de origem, isto é, o
da sua essência, de prova testemunhal. Dessa forma, a doutrina aponta que é preciso
assegurar a ampla defesa e o contraditório da pessoa contra quem a prova for
utilizada, permitindo que as partes participem da formação dessa prova emprestada
no novo processo.

7.3 Requisitos

A doutrina aponta como requisito da prova emprestada a observância ao


contraditório e à ampla defesa, tanto no processo de origem quanto no processo de
destino. A respeito desse tema, explica Renato Brasileiro:
De acordo com a doutrina majoritária, a utilização da prova emprestada só é possível se aquele
contra quem ela for utilizada tiver participado do processo onde essa prova foi produzida,
observando-se, assim, os princípios do contraditório e da ampla defesa. Só se pode considerar
como prova emprestada, portanto, aquela que foi produzida, no primeiro processo, perante
aquele que terá que se sujeitar a seus efeitos no segundo, com a possibilidade de ter contado,
naquele, com todos os meios possíveis de contrariá-la (LIMA, 2020).

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Prova emprestada de um processo penal para o outro

Além disso, grande parte dos autores apontam também como requisito que sejam
constatadas no outro processo as mesmas partes que estavam envolvidas no processo
em que a prova foi originalmente produzida. No entanto, é importante destacar que
a jurisprudência têm afastado esse posicionamento, conforme podemos constatar no
julgado apresentado a seguir.

(...)

3. O entendimento esposado pelo acórdão de origem está em sintonia com a


jurisprudência consolidada deste Tribunal Superior, de que “a prova emprestada não
pode se restringir a processos em que figurem partes idênticas, sob pena de se reduzir
excessivamente sua aplicabilidade, sem justificativa razoável para tanto.
Independentemente de haver identidade de partes, o contraditório é o requisito
primordial para o aproveitamento da prova emprestada, de maneira que, assegurado
às partes o contraditório sobre a prova, isto é, o direito de se insurgir contra a prova
e de refutá-la adequadamente, afigura-se válido o empréstimo” (EREsp n. 617.428/SP,
Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe 17/6/2014).

4. Diante da devida autorização do compartilhamento das escutas telefônicas e


respectivos relatórios, franqueados nos autos do Processo n. 0036868-
10.2015.8.06.001, em trâmite na 2ª Vara de Delitos de Tráfico de Drogas – Fortaleza,
não há que se falar na pretensa rejeição da denúncia, e consequentemente
trancamento do processo.

(...)

(RHC 131.406/CR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em
09/02/2021, DJe 18/02/2021).

7.4 Prova produzida em processo penal e emprestada para outros


processos

A prova emprestada a partir de um processo penal poderá, inclusive, ser utilizada em


outros tipos de processos, tais como o processo administrativo, por exemplo,
conforme dispõe a Súmula n. 591 do STJ: “É permitida a “prova emprestada” no

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Prova emprestada de um processo penal para o outro

processo administrativo disciplinar, desde que devidamente autorizada pelo juízo


competente e respeitados o contraditório e a ampla defesa.” Segundo Lima (2020),
Nesse contexto, consoante disposto no art. 372 do novo CPC, admite-se a utilização de prova
produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o
contraditório. O dispositivo deixa entrever que o contraditório deverá ser observado em ambos
os processos em relação à mesma pessoa para que se possa atribuir o título de prova
emprestada.

Por exemplo, o mesmo fato que originou um processo penal pelo crime de corrupção
passiva, pode originar uma ação de improbidade administrativa, um processo
administrativo disciplinar, e uma ação cível ao erário. Digamos que na investigação
que antecedeu a ação penal foi decretada uma interceptação telefônica com o
preenchimento de todos os requisitos da Lei n. 9296/96. Como prova lícita, essa
interceptação telefônica poderá ser utilizada como prova emprestada para todos os
outros processos citados.

A figura a seguir resume os elementos da prova emprestada:

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Referências Bibliográficas

8 Referências Bibliográficas
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 8. ed.
Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.
LOPES-JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 18 ed. São Paulo: Saraiva Educação,
20201.
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Processual Penal. 17. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2020.
PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 25. Ed. São Paulo: Atlas, 2021.

TÁVORA, N.; ALENCAR, R. R. Curso de processo penal e execução penal. 16 ed.


Salvador: Ed. JusPodivim, 2021.

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Referências Bibliográficas

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