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cena n.

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Belting Pós Rent:


um estudo sobre a evolução do canto do teatro musical norte-americano

Adrielly Oissa
Universidade Federal da Integração Latino-Americana/UNILA, Foz do Iguaçu, Brasil
E-mail: oissa.adrielly@gmail.com

Resumo Abstract
Observando os relatos sobre a tragé- Looking at reports of the vocal trag-
dia vocal que aconteceu no musical Rent de edy that happened in the musical Rent of
1996, quando grande parte do elenco perdeu 1996, when much of the cast lost its voice,
a voz, e com base nos estudos de Schutte and based on studies by Schutte and Mill-
e Miller (1992), Popeil (1999), Edwin (2007), er (1992), Popeil (1999), Edwin (2007),
Durham-Lozaw (2014) e Silva (2016) sobre Durham-Lozaw (2014) and Silva (2016) on
a voz do belt, a autora propõe uma refle- the voice of the belt, the author proposes
xão a respeito do ensino do canto do teatro a reflection on the teaching of the singing
musical norte-americano e as transforma- of North American musical theater and the
ções sofridas na pedagogia vocal do belt ao transformations undergone in the vocal ped-
longo dos anos. Para tal, foram analisadas agogy of the belt over the years. For that,
duas interpretações de uma mesma canção two interpretations of the same song of the
do musical Rent, executadas pela mesma musical Rent, executed by the same sing-
cantora em um intervalo de 10 anos, uma er in an interval of 10 years, one in 1996
em 1996 e outra em 2006 e, duas interpre- and one in 2006 and, two interpretations of
tações de uma mesma canção do musical a same song of the musical Cabaret, one
Cabaret, uma executada em 1972 e outra executed in 1972 and another in 2015. The
em 2015. Os resultados desse estudo mos- results of this study show that there was a
tram que houve significativa mudança na significant change in the vocal pedagogy
pedagogia vocal do canto de teatro musi- of North American musical theater singing,
cal norte-americano, o que proporciona aos which gives contemporary musical theater
cantores de teatro musical contemporâneo, singers a lower risk of suffering from vocal
menor risco de sofrerem com problemas vo- problems caused by improper voice use. In
cais causados pelo uso inadequado da voz. addition, they show the importance of sing-
Além disso, mostram a importância de que ing teachers and vocal-speaking experts to
professores de canto e especialistas em voz know the vocal physiology in belting produc-
cantada conheçam a fisiologia vocal na pro- tion and to know how to perform and apply
dução do belting e saibam como executar e the technique to their students.
aplicar a técnica aos seus alunos.
Palavras-chave Keywords
Belting. Canto. Teatro Musical. Técnica Vo- Belting. Singing. Musical Theater. Vocal Tech-
cal. Pedagogia Vocal. nique. Vocal Pedagogy.
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Introdução cabeça como cantoras de ópera e, em vez


disso, “cantavam” suas canções de maneira
A junção de teatro e música é uma tra- forte, agressiva e com voz de peito, dando
dição antiga e pode receber diversos nomes origem a uma nova maneira de se cantar na
dependendo de seu contexto, gênero, épo- Broadway (MILLER, 2007). A pesquisado-
ca, país de origem e técnica vocal: ópera, ra e especialista em belting Lisa S. Popeil
opereta, óperas bufas, burlesco, comédia diz que “...a tradição do “bel canto” colocou
musical, teatro musical, dentre outros. Se- em questão a validade artística, a saúde e
gundo Kenrick, o teatro musical da Broa- até mesmo o valor estético desse poderoso
dway como conhecemos hoje teve início uso da voz4” (POPEIL, 1999, p.27). Robert
com as operetas, vindas da ópera cômica Edwin em seu artigo “Belt is Legit” fala sobre
francesa e vienense do século XIX (KEN- o modo com que o belting foi visto na aca-
RICK, 2008). Elizabeth Ann Benson diz que demia e entre os apreciadores da música
“as habilidades técnicas requeridas dentro chamada “erudita”. Ele diz que o belting “era
de um determinado gênero musical são visto como “não culto”, comercial e, de certa
determinadas pelo contexto estético do re- forma, o filho bastardo do canto autêntico5”
pertório alvo” (BENSON, 2018, p.10, tradu- (EDWIN 2007, p.213).
ção nossa1)2. Gerald Bordman em seu livro O belting passou por transformações ao
“American musical theatre: A chronicle” diz longo dos anos e alcançou grande suces-
que os estilos de canto do musical norte-a- so em todo o mundo, hoje ele é conhecido
mericano contemporâneo originaram-se de como “a voz da Broadway” mesmo não sen-
duas fontes distintas: primeiro da tradição do uma técnica exclusiva de teatro musical.
do “bel canto” e, posteriormente, da tradi- Segundo Edwin “...o belting está lentamente
ção folclórica afro-americana, incorporada ganhando credibilidade como uma forma de
nos estilos de música popular do país, como arte vocal viável e legítima, digna de estudo
vaudeville, jazz e blues (BORDMAN, 2001). médico e científico, apoio pedagógico e crí-
O belting apareceu na Broadway na dé- tica artística6” (EDWIN 2007, p.213). Neste
cada de 1940 nas vozes de cantoras como estudo, analisarei as mudanças ocorridas na
Ethel Merman, Celeste Holm e Judy Gar- execução do belting, observando os avan-
land como uma alternativa ao legit3 (WELLS, ços nos estudos científicos sobre a fisiolo-
2006). Na época, o belting era um recurso gia vocal e as mudanças na pedagogia do
timbrístico característico de personagens canto de teatro musical. Para isso, tendo em
cômicos ou caricatos enquanto que as he- consideração o fato de que é preciso partir
roínas, as protagonistas românticas ainda de algum ponto, tomarei como um marco na
utilizavam a voz legit. Segundo Scott Miller, transição da técnica, o musical Rent pois e
Ethel Merman foi a primeira dentre várias chamou a atenção o relato encontrado no
mulheres, cantoras de teatro musical, que
rejeitavam a prática de cantar em voz de
4 “...Bel Canto tradition has brought into question the artistic va-
lidity, healthfulness, and even aesthetic value of this powerful
1 “The technical skills required within a given musical genre are use of the voice.”
determined by the aesthetic context of the target repertoire.”
5 “Belt, on the other hand, was looked on as “low brow,” com-
2 Todas as traduções deste artigo foram feitas pela autora. mercial, and somewhat the bastard child of authentic singing.”

3 Legit vem de “legitimate voice”, ou seja, a “voz legítima” lírica”. 6 “...belt slowly is gaining credibility as a viable and legitimate
É semelhante ao canto lírico tradicional. Nessa época o canto vocal art form worthy of medical and scientific study, pedagogic
lírico era considerado como a “voz legítima”. support, and critical artistic review.”

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livro Strike Up The Band, de Scott Miller, em aprender para ensinar sobre essa técni-
onde diz que grande parte do elenco sofreu ca fez com que muitos cantores sofressem
de problemas vocais durante sua estréia na com problemas vocais enquanto tentavam
Broadway em 1996. se adequar às exigências do teatro musical
que cada vez mais buscava artistas com-
pletos, capazes de cantar para grandes pla-
Belting antes e depois de Rent téias, atuar e dançar.
No dia 29 de abril de 1996, estreou na
O termo belting vem do verbo “to belt Broadway o musical Rent, de Jonathan Lar-
out”, que significa cantar de maneira força- son. Rent tornou-se um divisor de águas na
da ou gritada. Hoje o belting é conhecido história dos musicais, o show tornou-se um
como um canto que utiliza voz mista de pei- fenômeno cultural, além de trazer nova vida
to (chest mix)7 com predominância do sub comercial aos musicais da Broadway, tam-
registro de peito, cantado em “forte” nas re- bém trouxe para o teatro um público mais jo-
giões média e aguda da voz feminina, sendo vem, graças a sua temática e produção ino-
que, na voz masculina é cantado somente vadoras e por colocar fim ao grande divisor
na região aguda da voz. É produzido com a entre a música pop e a música de teatro que
laringe em posição natural, faringe estreita existia desde a chegada do rock and roll na
e com a boca e a mandíbula bem abertas, década de 1950. Ao pesquisar a história do
caracterizando um som mais brilhante, fron- teatro musical, mas especificamente a traje-
tal e metálico. No agudo, a partir do C48, o tória dos cantores de teatro musical, depa-
belting é conhecido como high belt. rei-me com um relato a respeito do elenco
Até o início dos anos 90 havia poucos original de Rent que chamou a minha aten-
estudos sobre belting. Nessa época, o bel- ção e, aguçou o desejo de me aprofundar
ting era considerado por professores de sobre o tema da pedagogia vocal ofertada
canto classicamente treinados, que eram aos cantores de teatro musical. Segundo
absoluta maioria, como prejudicial à saúde Miller, durante uma apresentação, nove dos
da voz. Edwin sugeriu que esta polêmica principais membros do elenco estavam em
em torno do belting se desenvolveu por- repouso vocal (MILLER, 2007).
que os pedagogos de voz classicamente
treinados não tinham informação suficiente De fato, os desafios musicais de Rent
e o estilo rock and roll de performance
sobre a técnica e a fisiologia vocal no bel- fizeram com que dezenas de atores es-
ting (EDWIN, 1998). Essa falta de estudos tivessem se machucando vocalmente
relevantes a respeito do belting e a grande fazendo o show, ficando com fadiga vo-
cal severa, adquirindo nódulos em suas
reticência dos professores de canto lírico pregas vocais, ou apenas ficando do-
entes pelo esforço de fazer o show oito
7 “A voz mista, ou mix pode também ser dividida de acordo com vezes por semana. Alguns comentaris-
qual musculatura esteja mais presente ou “dominante”: se for o tas sugeriram que Rent poderia arruinar
músculo cricotireóideo (CT), será uma voz mista com predomi- toda uma geração de jovens atores de
nância de voz de cabeça, ou seja, um head-mix; se for o múscu- musicais da Broadway (MILLER, 2007,
lo tireoaritenóideo (TA), será uma voz mista com predominância p.191-192)9.
de voz de peito, ou seja, um chest-mix” (SILVA, 2016, p.198)..

8 Neste estudo, consideramos o Dó central como C3 que é a 9 “In fact, Rent’s musical challenges, and the rock and roll style
nomenclatura mais comum no Brasil, diferente da nomenclatura of performance, meant that dozens of actors were hurting them-
tradicional norte-americana que coloca o Dó central como C4. selves vocally performing the show, getting severe vocal fatigue,
Assim sendo, o C4 descrito no texto é o da nomenclatura brasi- getting nodes on their vocal cords, or just getting sick from the
leira e refere-se ao C5 na nomenclatura norte-americana. exertion of the doing the show eight times a week. Some com-

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Infelizmente não encontrei nenhum ou- tudos”11 (DURHAM-LOZAW, 2014, p.15).


tro relato mais profundo sobre o ocorrido Contudo, esses estudos como os de Estill
com o elenco de Rent, nem qualquer in- (1988), Schutte e Miller (1993), entre outros,
formação sobre a existência ou não de um contribuíram significativamente para o apri-
preparador vocal para o elenco. Sabemos, moramento da técnica como a conhecemos
porém, que o que aconteceu em Rent já vi- hoje e levaram a uma maior compreensão
nha acontecendo há algum tempo com os dos mecanismos vocais envolvidos na tran-
cantores de teatro musical, por esse motivo, sição entre os sub-registros de peito e de
decidi tomar, para essa pesquisa, o ano de cabeça, o que é essencial no desempenho
estreia de Rent como um marco na transi- do teatro musical. Além disso, surgiram di-
ção da técnica vocal ensinada aos cantores versas pesquisas relacionadas à produção
de teatro musical no tocante a produção do da voz do belt em termos de seu impacto na
belting. saúde vocal do cantor e a necessidade de o
Segundo Trinquesse, muitas dessas le- professor de canto clássico incluir técnicas
sões vocais que vinham sendo sofridas pe- de belting como parte de seu ensino.
los cantores de teatro musical, na tentativa Em entrevista fornecida à Susan
de produzir o belting, podem ter acontecido Durham-Lozaw, Jeannette LoVetri e Lisa
pelo fato de que “...muitos estariam expe- Popeil, professoras de canto e especialistas
rimentando esse estilo de canto, sozinhos, em canto popular norte-americano do sécu-
por imitação, na maior parte do tempo for- lo XXI, falaram sobre a importância de ter
çando suas vozes sem ser acompanhados conhecimento acerca da técnica que estão
por um profissional da voz”10 (TRINQUES- ensinando a seus alunos. Segundo Popeil, o
SE, 2009, p.2). professor deve ser capaz de explicar a me-
Com relação à pedagogia vocal da épo- cânica por trás do que o aluno está fazendo
ca, considerando que esta acompanha os e, em uma linguagem que ele possa enten-
estudos e pesquisas científicas sobre a voz, der (DURHAM-LOZAW, 2014). Neste con-
devemos ter em mente que a formação dos texto, LoVetri expressou: “...se você não fi-
professores de canto era, em sua maioria, zer isso, você não deve ensiná-lo, e se você
em canto lírico e que estes professores não não sabe as diferenças entre o canto clás-
tinham interesse nem conhecimento para sico e o do teatro musical, você não deve
ensinar outro tipo de técnica vocal que não ensinar as diferenças12” (DURHAM-LOZAW
fosse a da “voz legítima”. Não havia profes- 2014, p.74). Popeil declarou: “Conheço mui-
sores de canto que soubessem como ensi- tos professores que não percebem que a
nar a produzir o belting e, principalmente, imitação é o principal estilo de aprendiza-
como fazê-lo de maneira saudável. Segundo gem para os alunos e, se eles não puderem
a pesquisadora Susan Durham-Lozaw “...os mostrar o que o aluno precisa fazer, é o alu-
primeiros estudos limitaram-se a indivíduos no que sofre com o resultado” (idem)13.
únicos, e os pesquisadores questionaram
a generalização dos resultados de tais es- 11 “...early studies were limited to single subjects, and resear-
chers have questioned the generalizability from the results of
such studies.”
mentators suggested that Rent might just ruin a whole genera-
tion of young Broadway musical actors.” 12 “...if you don’t do it, you shouldn’t teach it, and if you don’t
know the differences between classical and music theater sin-
10 “...nombre d’entre eux expérimentent ce style de chant par ging, you shouldn’t teach the differences” - Jeannette LoVetri.
eux-mêmes, par imitation, la plupart du temps en forçant sur
leurs voix et sans être encadrés par un professionnel de la voix.” 13 “I’ve known too many teachers who don’t realize that imitation

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Graças ao avanço nos estudos e pes- Uma mensagem é clara nesta compa-
quisas sobre belting, também ao fato de que ração da área de contato glotal (fase fe-
chada) do ciclo vibratório, da EMG15das
muitos professores têm se especializado na pregas vocais e da EMG média dos
prática dessa técnica, os cantores de teatro músculos extrínsecos testados: inequi-
musical encontram hoje uma vasta gama de vocamente, essas três qualidades [fala,
belting e canto clássico] representam
profissionais capazes de ensiná-los e auxili- três modos diferentes de produção da
á-los. Deste modo, o belting hoje é praticado voz (ESTILL, 1988, p.40-41)16.
com menos esforço vocal e timbre mais bri-
lhante. Silva diz que: Estill observou que houve aumento na
atividade muscular tanto intrínseca quanto
O belt hoje apresenta mais liberdade na extrínseca da laringe para belting e sugeriu
produção sonora, menos esforço, pou-
co vibrato e som brilhante (frontal), mas que o belting apresenta maior esforço vo-
sem [a] sensação de precariedade ou cal em relação ao canto clássico (ESTILL,
fragilidade encontrada antes. O timbre 1988). O coeficiente de fechamento (CQ17)
é predominantemente definido pela pre-
sença atuante do músculo tiro-aritenói- das pregas vocais é mais elevado no belting
deo (TA) em uma espécie de voz mista do que no canto clássico. Segundo Silva,
(chamada em inglês de mix) dominada isso deixa claro que há “maior tensão fona-
por TA (chest mix) podendo chegar até
G4 (SILVA, 2016, p.2).
tória, pressão subglótica mais alta, níveis de
pressão sonora mais altos, mais tensão na
musculatura extrínseca e maiores níveis de
adução das PPVV” (SILVA, 2016, p.200)18.
Fisiologia vocal na produção
Schutte e Miller observaram uma fase
do Belting glótica fechada mais longa, pressão pulmo-
nar aumentada e uma elevação do primeiro
O teatro musical contemporâneo exige
formante19 em direção à freqüência do se-
uma técnica forte, um amplo alcance vocal,
agilidade na articulação das palavras e su-
15 Sigla utilizada para se referir à “eletromiografia”, um método
avidade na transição entre as regiões gra- de diagnóstico que avalia problemas nervosos ou musculares.
ve, média e aguda do sub registro de peito. Utiliza eletrodos de superfície para avaliar a capacidade das cé-
lulas nervosas de transmitirem sinais elétricos ou, eletrodos em
Além disso, Silva diz que “...no belting, se forma de agulha para avaliar a atividade muscular em repouso
utiliza muito o “straight tone14”, com o vibrato ou durante a contração muscular.
postergado, geralmente no fim da nota sus- 16 “A message is clear in this comparison of the glottal contact
tentada, semelhante à música antiga e ao (closed phase) area of the vibratory cycle, the EMG of the vocal
folds, and the mean EMG of the extrinsic muscles tested: une-
jazz” (SILVA, 2016, p.3). quivocally, these three qualities [speech, belting and classical
Jo Estill foi uma das pioneiras no estudo singing] represent three modes different voice production “.
sobre belting e a primeira a comparar a fala, 17 “closing coefficient” coeficiente de fechamento das pregas
o belting e o canto clássico de maneira cien- vocais (PPVV).
tífica. Ela afirmou: 18 Tenores clássicos tem CQ equivalente ao belting quando
cantam forte na região aguda.

19 Os formantes determinam a qualidade das vogais e con-


is the primary learning style for students and, if they then can’t tribuem muito para o timbre pessoal do cantor (CORDEIRO,
show what the student needs to do, it is the student who suffers PINHO E CAMARGO, 2007). O formante é representado pe-
as a result” - Lisa Popeil. las frequências naturais de ressonância do trato vocal, espe-
cificamente na posição articulatória da vogal falada. As vogais
14 “Straight tone” em português “tom reto”, ou seja, quando se são identificadas pelos seus formantes (BEHLAU, 2001). Os
canta com controle do fluxo de ar fazendo com que a nota sus- formantes são expressos através de seu valor médio em Hertz
tentada soe sem vibratos, lisa, reta. (Hz). O primeiro formante (F1) ocorre na cavidade posterior da

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gundo e afirmaram que a laringe mais alta O principal componente do belt é o ajus-
e a língua levantada, que são característi- te do trato vocal. Este ajuste é conse-
guido de maneira intuitiva através de
cas do canto belt, são consistentes com as um processo chamado formant tuning
freqüências mais altas do primeiro formante (sintonia de formante). Quanto mais
(F1). Observando uma cantora de teatro mu- próximo um formante estiver de um har-
mônico, maior a amplitude (força) deste
sical, afirmaram que o propósito de elevar a harmônico. No limite do registro de pei-
F1 seria para ajustá-la próximo ao segundo to, F1 (o primeiro formante, que define
harmônico20 (H2). Também verificaram que as vogais) segue H2 (o segundo harmô-
nico), resultando em um F1-H2 tracking,
belters usavam o trato vocal, ressonâncias que aumenta a projeção do H2, forman-
e formantes, diferentemente de cantores do o timbre que caracteriza o belting
classicamente treinados. Em particular, ve- (SILVA 2016, p. 2).
rificou-se que o segundo harmônico (H2)
recebia forte reforço pelo primeiro forman- Figura 1 – Ilustração do ajuste do segundo har-
mônico (H2) em relação ao primeiro formante (F1)21.
te (F1) (Fig. 1), muito mais do que no esti-
lo classicamente treinado e afirmaram que
toda a característica de um belt é baseada
em um segundo harmônico (H2) forte, com-
binado com um alto grau de fechamento gló-
tico durante a vibração das pregas vocais.
O som do belting parece mais agudo, pois
valoriza os formantes primários (F1 e F2) e
as altas frequências (SCHUTTE; MILLER,
1993). Silva reforça essa afirmação ao dizer: Fonte: SILVA, 2016, p. 5.

O ajuste do trato vocal na produção do


boca e está em torno de 250 a 700 Hz, o segundo formante (F2)
belting permite uma posição laríngea neu-
fica situado na cavidade oral entre os valores de 700 a 2.500 Hz, tra, ou seja, em posição natural (diferente do
contudo, esses valores aumentam consideravelmente durante canto classicamente treinado onde a laringe
o canto podendo o F1 chegar até 1000Hz (Si4) em vozes de
soprano e contralto. Para Sundberg o primeiro formante é sen- deve estar abaixada). Segundo White essa
sível a abertura da mandíbula, ou seja, quando essa abertura posição neutra da laringe, combinada com a
aumenta, a frequência do F1 se eleva e vice-versa. Já o segun-
do formante, Sundberg afirma que “é sensível à forma do corpo região mais próxima da fala, confere ao bel-
da língua. Quando a língua comprime a parte anterior do trato ting sua característica de um som mais “na-
vocal, na altura do palato duro, a frequência do F2 se eleva e
quando essa comprime o trato vocal na região do véu palatino, a tural” (WHITE, 2011). Popeil observou que
frequência do F2 diminui, especialmente se junto com esse mo- no belting “...o palato mole é mantido um
vimento os lábios também forem arredondados” (SUNDBERG,
2015).
pouco mais baixo (que no canto clássico) e
há um estreitamento de espaço entre a par-
20 O tamanho e a velocidade de vibração das pregas vocais
são determinantes para a formação da frequência fundamental te posterior da língua e a parede posterior
e também por diversas frequências parciais que são múltiplos da faringe22” (POPEIL, 1999, p.28) enquanto
da frequência fundamental, ou seja, se as pregas vocais vibram
100 vezes por segundo, a laringe inclui componentes que são
múltiplos integrais de 100, sendo encontrados componentes de 21 Onde aparece descrito na figura 1 o “Pich Equivalents” de
100, 200, 300 Hz no sinal sonoro. Essas frequências parciais F1-H2 como sendo B4-C5 em nomenclatura norte-americana,
são conhecidas como harmônicos da frequência fundamental e entendemos como sendo B3-C4 na nomenclatura brasileira.
ao chegar às cavidades de ressonância, possuem compatibili-
dade com a frequência do trato vocal. Dessa forma, estes sons 22 “...the soft palate is held slightly lower, and there’s a narrowing
que foram transferidos mais facilmente pelo trato vocal são am- of space between the back of the tongue and rear pharyngeal
plificados e transformados em formantes (ZEMLIN, 2000). wall.”

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que no canto clássico “...a cartilagem larín- Metodologia


gea é bastante baixa, e há bastante espaço
entre a parte posterior da língua e a parede O método escolhido para esse estu-
posterior da faringe23” (ibidem). do foi o da análise comparativa. Selecionei
Com relação a forma da boca na produ- duas canções com duas interpretações fei-
ção do belting, Titze e Worley observaram tas em diferentes períodos. A primeira can-
que essa deve ser mais larga, semelhante à ção analisada foi “Take Me Or Leave Me”
um megafone tipo trompete (Fig. 2) (TITZE; composta por Jonathan Larson para o mu-
WORLEY, 2009). White reforça essa idéia sical Rent. Analisei duas interpretações fei-
ao dizer que “a posição neutra da laringe e tas pela mesma cantora, Idina Menzel26. As
o tubo de ressonância mais curto exige um interpretações foram feitas em 1996 durante
“sino” mais largo para compensar e assim, as exibições de Rent e em 2006 durante um
consequentemente, a forma da abertura da especial de 10 anos do musical. Menzel fez
boca deve ser mais larga24” (WHITE, 2011, parte do elenco original de Rent e, por sua
p.24), além de reforçar o fato de que “geral- atuação, recebeu uma indicação ao Tony na
mente o belting exige modificação das vogais categoria melhor atriz em musical. A segun-
na direção aberta (/ i / pode gravitar em dire- da canção analisada foi “Maybe This Time”
ção à / e /, por exemplo) enquanto a modifica- de John Kander, composta para o musical
ção da vogal do canto clássico se dá em dire- Cabaret. Para essa canção, analisei as in-
ção fechada (como / a / para / o /)25” (ibidem). terpretações de Liza Minnelli27 em 1972
e Kristin Chenoweth28 em 2015. Minnelli é
Figura 2 – Ilustração do ajuste do trato vocal considerada uma das maiores cantoras da
para belting (megafone tipo trompete) e canto clássico
(megafone invertido).
história da Broadway e sofreu com diversos

26 Idina Kim Menzel é uma renomada cantora da Broadway.


Ganhou destaque ao interpretar a personagem Maureen no
elenco original do musical Rent em 1996. Menzel estudou na
New York University Tisch School of the Arts onde recebeu o
título de Bacharel em Belas Artes com Licenciatura em Drama
em 1993. Fez sua estreia na Broadway em 1996 integrando o
elenco original de Rent. Sua atuação dando vida à personagem
Maureen lhe rendeu uma indicação ao Tony Awards na catego-
ria de Melhor Atriz em Musical.

27 Liza May Minnelli é uma famosa atriz e cantora norte-ame-


ricana, filha da também cantora Judy Garland e do diretor de
cinema Vincent Minnelli. Iniciou sua carreira muito cedo. Quan-
do adolescente, desistiu da escola e foi para Nova York para
Fonte: SLIDEPLAYER, 2018. seguir uma carreira no palco. Minnelli atuou no filme “Cabaret”
(1972), uma adaptação para o cinema do musical de mesmo
23 “...the laryngeal cartilage is quite low, and there is quite a nome estreado em 1966. No filme ela interpreta a personagem
bit of spaciousness between the back of the tongue and rear Sally Bowles e recebeu um Oscar por sua atuação.
pharyngeal wall.”
28 Kristin Chenoweth, é atriz e cantora premiada com Emmy e
24 “The neutral position of the larynx will demand a slightly hi- Tony. Depois de se formar no ensino médio, Chenoweth decidiu
gher chin level than would the lowered laryngeal position of clas- seguir uma carreira em performance, eventualmente obtendo
sical singing, for obvious reasons, and the shorter resonating um Bacharelado em Teatro Musical e um Mestrado em Perfor-
tube will demand a wider “bell” to compensate.” mance da Ópera pela Oklahoma City University. Sua carreira
abrange cinema, televisão, locução e palco. É uma das maiores
25 “generally, in belt, and vowels will require modification in the e mais requisitadas cantoras da Broadway e tornou-se mundial-
open direction (/i/ may gravitate towards /e/, for instance ), whe- mente conhecida por sua atuação no musical “Wicked” (2003)
reas in classical singing vowel modification in the closed direc- no qual interpretava a personagem Glinda e recebeu uma indi-
tion ( such as /a/ towards /o/).” cação ao Tony Award de melhor atriz em musical.

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problemas vocais ao longo de sua premia- Em vídeo publicado na plataforma di-


da carreira. Já Chenoweth foi escolhida por gital YouTube® 29vemos Idina Menzel inter-
ser um dos grandes nomes que surgiu na pretando, ao lado da cantora Fredi Walker, a
Broadway depois da estréia de Rent. Sua canção “Take Me or Leave Me” em uma das
interpretação de “Maybe This Time” durante apresentações do musical Rent em 1996. A
a série televisiva GLEE em 2009 e poste- canção inicia no segundo 0:07 com fala da
riormente em seu DVD “Coming Home” em personagem Maureen interpretada por Men-
2015 é uma das mais famosas da atualida- zel. O canto inicia no segundo 0:16 e Menzel
de. apresenta articulação semelhante à da fala,
Para tais análises, foram utilizadas gra- sua voz está rouca e aerada. No segundo
vações audiovisuais disponibilizadas na pla- 0:36 a nota a ser alcançada é A3, nesse
taforma digital online YouTube® e, trechos momento, além da rouquidão, Menzel apre-
das partituras das peças escolhidas. senta uma voz com aspecto sujo, cansada
e muito estridente. A partir do minuto 1:00,
em belting, ela apresenta voz cansada, ape-
Análise sar da boa abertura da boca, seu belting soa
forçado, na garganta, como se estivesse gri-
Observando a partitura de “Take Me tando.
Or Leave Me”, vemos que a melodia, escri- No vídeo publicado no YouTube® 30re-
ta no âmbito vocal, encontra-se entre C3 e ferente à interpretação feita em um especial
E4, com uma única colcheia sobressaindo de 10 anos de Rent, gravada em 2006, ape-
em um único momento e atingindo a nota sar da baixa qualidade da gravação, nota-se
F4 no compasso 62 (Fig. 3). A linha melódi- uma grande mudança na voz de Menzel.
ca da voz se inicia no compasso 9 na nota A canção inicia no segundo 0:13 com a
F3. A primeira frase da linha vocal termina parte falada e já é possível notar uma voz
no compasso 10 na nota C3, essa é a nota mais leve e lisa em relação à gravação an-
mais grave de toda a canção (Fig. 4). terior. No segundo 0:31 ela canta o com-
passo 19 e a nota A3 é emitida com muito
Figura 3 – Trecho da partitura da música “Take mais leveza em relação ao mesmo trecho da
Me or Leave Me” de Jonathan Larson, compassos canção na gravação anterior. A partir do mi-
61-63.
nuto 1:21, Menzel produz um belting claro,
brilhante, metálico, frontal, com muito mais
leveza e menos tensão fonatória do que na
gravação de 1996.
Não encontrei relatos de que Menzel
tenha sido uma das integrantes do elenco
Figura 4 – Trecho da partitura da música “Take original de Rent que perdeu a voz durante
Me or Leave Me” de Jonathan Larson, compassos o primeiro ano de apresentações do musi-
09- 10. cal, porém, ao analisar sua interpretação
de “Take Me or Leave Me” em 1996, ano de

29 Link do vídeo: < https://www.youtube.com/watch?v=ENeV-


zS9mgFc >. Acesso em 30 nov. 2018.

30 0 Link do vídeo: < https://www.youtube.com/watch?v=fNfYs-


5Bn_OM >. Acesso em 30 nov. 2018.

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cena n. 28

estréia de Rent, é nítido o desgaste vocal Foto 1 – Idina Menzel em belting em 1996 (es-
apresentado pela cantora. O desgaste na querda) e em 2014 (direita).
voz de Menzel também pode ser observado
em entrevistas fornecidas por ela na época
da estréia.31 Tal desgaste vocal não é perce-
bido na gravação de 2006.
A foto 1 mostra o ajuste de boca e man-
díbula feito por Menzel em 1996 durante as
apresentações de Rent e, o ajuste feito em
2014 em uma apresentação do Oscar. Nota-
-se que na imagem de 2014, Menzel apre-
senta maior abertura de boca e mandíbula
e a língua mais baixa e encostada nos den-
tes, caracterizando o ajuste do tipo megafo-
ne. Já na imagem de 1996, há uma menor
Foto 2 – Idina Menzel em belting na canção
abertura de boca e mandíbula e o dorso da Take Me Or Leave Me de Jonathan Larson, no filme
língua encontra-se mais elevado. Rent em 2005.
Um terceiro vídeo32, também publica-
do na plataforma digital YouTube®, mostra
Menzel interpretando a canção Take Me Or
Leave Me na versão de Rent para o cinema
em 2005. O vídeo não foi considerado para
esta análise comparativa pois, por se tratar
de uma versão para o cinema, certamente
existe edição na voz. Contudo, na foto 2, ex-
traída do minuto 1:39, podemos ver a dife-
rença no ajuste de boca, mandíbula e língua
durante a projeção da voz em belting e com-
parar com o ajuste feito na mesma frase da Ao observar a partitura de “Maybe This
canção em 1996 (foto 1, esquerda). Nota-se Time” nota-se (Fig. 5) que a canção também
que há maior abertura horizontal da boca de está escrita na região da fala33, a maior parte
Menzel tanto em 2005 quanto em 2014, en- da melodia se concentra entre C3 e B3, ou
quanto que em 1996 a abertura da boca é seja, na região média da voz feminina. Nes-
mais vertical. sa região as cantoras de musical utilizam
“voz mista de peito”. A partir do compasso
31 (Fig. 6), a melodia da voz passa para a
segunda oitava, indo de C4 até E4, sendo
essa a região mais aguda da música.
Essa característica das músicas de te-
atro musical, de serem escritas na região
31 Entrevista fornecida por Idina Menzel na época da estréia de
Rent. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=qA- da fala, foi observada por Schutte e Miller,
qyMmJdbao > e <https://www.youtube.com/watch?v=C5Vn-T- segundo eles, os textos das canções têm
7MUlk> . Acesso em 03 dez. 2018.

32 Link do vídeo: < https://www.youtube.com/watch?v=mAfMZ_ 33 Região natural da fala, nas vozes femininas geralmente fica
vWJDo >. Acesso em 13 jun. 2019. localizada entre A2 e F3.

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uma posição dominante e a naturalidade do média do sub registro de peito, com voz le-
som é altamente valorizada sendo essencial vemente aerada, com boa articulação e se-
que as palavras sejam compreendidas mes- melhante a fala. No segundo 0:34 ocorre a
mo em uma primeira audição (SCHUTE; primeira mudança de sub registro e a canto-
MILLER, 1993). Silva também reforça essa ra canta em voz mista - registro típico do bel-
observação ao dizer que no teatro musical ting - percebe-se nesse momento que existe
“a voz serve ao texto” já que “o belting vem tensão fonatória, uso de vibrato postergado
da necessidade de se cantar para plateias no final da frase e ela inclina a cabeça le-
grandes, sem microfonação, com articula- vemente para trás. No segundo 0:50 a voz
ção próxima à da fala em região próxima a sofre uma ligeira mudança de timbre ficando
do call34 ” (SILVA, 2016, p.2). Ainda segundo com a voz coberta e com timbre anasalado,
Silva é por isso que “quando a música se se- como se estivesse sendo produzida dentro
para um pouco da região da fala, a presença de um cano ou tubo, com pouco espaço de
do belting é tão importante, pois se preserva ressonância, isso parece fazer parte da atu-
a articulação e a emissão mais natural da ação, parte da personagem para dar ênfase
fala” (idem). à frase. No minuto 1:27 na região média da
voz, a cantora apresenta respiração ofegan-
Figura 5 – Trecho da partitura da música “Maybe te e em 1:41 quando a música avança em
This Time” de John Kander, compassos 5 – 8.
direção ao high belting36 (C4), nota-se gran-
de tensão fonatória, respiração ofegante,
distorção vocal e vibrato postergado no final
da frase. No minuto 2:29 chega o ápice da
música, Minnelli inclina novamente a cabe-
ça e o corpo para trás (foto 3) e produz um
belting com grande esforço vocal, timbre es-
tridente e quebra vocal37 como acontece no
Figura 6 – Trecho da partitura da música “Maybe
This Time” de John Kander, compassos 30 - 33 minuto 2:41. Ela termina a música demons-
trando grande cansaço físico e vocal, com
bastante vibrato e, respiração ofegante.

Em vídeo publicado na plataforma digi-


tal YouTube® 35, observa-se a cantora Liza
Minnelli interpretando em 1972 a música
“Maybe This Time” de John Kander compos-
ta para o musical “Cabaret”. A canção inicia 36 Termo utilizado para se referir ao belting produzido na região
aguda da voz de peito (a partir de C4).
no segundo 0:13 sendo cantada na região
37 Quebra vocal é o nome utilizado para se referir ao som emi-
34 “...o chamado forte, quase gritado, o “HEY” (SILVA, 2016, p.2 tido pela voz quando ocorre uma mudança brusca de registro.
A quebra vocal pode ser evitada com treinamentos e técnicas
35 Link do vídeo: < https://www.youtube.com/watch?v=xnY2H- de passagem de sub registro como, por exemplo, técnicas de
JyNgUc >. Acesso em 28 set. 2018. passagem da voz mista de peito para a voz de cabeça.

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Foto 3 – Liza Minnelli em belting na música Foto 4 – Kristin Chenoweth em belting na músi-
“Maybe This Time” de John Kander para o musical ca “Maybe This Time” de John Kander para o musical
Cabaret. Cabaret.

Fonte: YouTube®, 2015.


Fonte: YouTube®, 2017.
Percebe-se que em nenhum momento
Já em outro vídeo também publicado a atuação de Chenoweth atrapalha a inter-
na plataforma digital YouTube® 38, vemos pretação da canção. Nota-se que existe ten-
Kristin Chenoweth interpretando a mesma são fonatória, porém não se percebe cansa-
canção (Maybe This Time) em 2015. Nota- ço físico e vocal quando a música termina.
-se no segundo 0:13, que a cantora inicia Ela apresenta uma voz leve, brilhante e bem
a canção cantando na região média da voz articulada durante toda a sua interpretação.
e sem tensão fonatória, o som é produzido
na região da fala com clareza e boa articu-
lação das palavras. No minuto 1:29 ocorre Conclusão
uma mudança no ajuste do trato vocal para
a projeção da voz em high belt, percebe-se A análise das interpretações de Idina
a laringe elevada, maior abertura horizontal Menzel (1996 e 2006) mostram uma voz
da boca e da mandíbula, e um som mais bri- cansada e desgastada em 1996 e, em con-
lhante, áspero e frontal com uso moderado traposição, em 2006 Menzel apresenta uma
de vibrato no final das frases. Em 1:44 quan- voz leve, ágil e brilhante. Na primeira inter-
do ocorre uma modulação no tom da música, pretação de “Take Me or Leave Me”, Menzel
Chenoweth retorna para a região média da canta com voz rouca, produz beltings força-
voz, com boa articulação e projeção de voz dos e estridentes enquanto que na segunda
mista, caracterizando um timbre brilhante e interpretação seu belting parece ser produ-
metálico. No minuto 2:14, no ápice da músi- zido com mais naturalidade. Em ambas as
ca, ela novamente canta em high belt (foto interpretações sua voz apresenta um timbre
4) e inclina o corpo para frente e é possível nasal.
perceber o ajuste do trato vocal, a boca em A comparação feita entre Chenoweth
forma de megafone, mandíbula bem aberta (2015) e Minnelli (1972) revelou uma voz
e a laringe neutra. Produz uma voz brilhante mais leve e brilhante para Chenoweth em
e chega a usar uma breve distorção vocal contraposição à voz aerada e pesada de
como recurso interpretativo. Minnelli. Talvez Minnelli tenha usado a voz
aerada e mais articulada como um recurso
38 Link do vídeo: < https://www.youtube.com/watch?v=fD1hWjf- timbrístico característico da personagem.
fGeE >. Acesso em 03 out. 2018.

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Gostaria de ressaltar o fato de que Minnelli canto clássico devem ser então adotadas,
havia acabado de interpretar Sally Bowles como por exemplo maior abertura da boca e
(personagem que canta a canção “Maybe mandíbula, posicionamento neutro da larin-
This Time”) no filme Cabaret, por esse moti- ge e palato mole um pouco mais baixo que
vo, creio que seu foco nessa apresentação no canto clássico. Deste modo, apoio os ar-
tenha sido a atuação e a vida da persona- gumentos teóricos apresentados e reforço
gem e não tanto as questões vocais da can- a questão levantada por professores e pes-
ção em si. Chenoweth, por sua vez, nunca quisadores da voz cantada nos últimos 30
interpretou Sally Bowles e em sua apresen- anos de que o belting exige uma pedagogia
tação de “Maybe This Time” ela parece ter baseada em exercícios técnicos diferentes
focado muito mais na qualidade da voz do daqueles das metodologias clássicas.
que na atuação. Sua voz se mantém bem O mercado do teatro musical continua-
colocada na região da máscara desde o iní- rá exigindo maior flexibilidade vocal de seus
cio da canção. cantores e cabe aos professores de canto e
O resultado deste trabalho mostrou que especialistas da voz, buscar meios e técni-
havia uma tentativa de adaptar as técnicas cas mais eficazes para preparar os cantores
do canto lírico para o belting nos anos 70 de teatro musical e CCM para o mercado de
e 80, tais tentativas podem ser percebidas trabalho.
no uso exagerado de vibratos e na abertura
da boca, geralmente em forma de megafone
invertido. Referências
De acordo com a amostragem, antes de
“Rent” o belting era praticado com muito es- BENSON, E. A. Modern Voice Pedagogy:
forço vocal, pouca abertura da boca e man- functional training for all styles. In: American
díbula, a abertura da boca era mais vertical Music Teacher, p. 10-17, Jun/Jul, 2018.
com pouca ou nenhuma abertura horizontal,
pouco controle respiratório, com ressonân- BORDMAN, G. American Musical Theater: A
cia nasal, bastante vibrato e de maneira in- Chronicle. Terceira edição. Oxford Universi-
tuitiva. O belting que conhecemos hoje apre- ty Press on Demand, 2001.
senta um som brilhante e saudável, controle
respiratório, pouco vibrato e consciência dos DURHAM-LOZAW, S. Toward a music the-
ajustes necessários para uma emissão sau- ater vocal pedagogy for emerging adult fe-
dável. Isso se deve ao crescente número de male singers. Boston University. College Of
estudos acerca da técnica e ao maior núme- Fine Arts. ProQuest LLC. 2014.
ro de professores especializados nesse tipo
de voz. EDWIN, R. Belting 101. Journal o f Singing,
Assim como Popeil e LoVetri declararam p. 53-55. 1998.
na entrevista fornecida à Susan Durham-Lo-
zaw (2014), concordo com o fato de que pro- EDWIN, R. Belt is legit. Journal of Singing, v.
fessores de canto devem saber reproduzir 64, n. 2, p. 213-215, 2007.
a técnica que estão ensinando aos alunos
e que é necessário ter conhecimento acer- KENRICK, J. Musical Theatre: a history. Edi-
ca da fisiologia vocal no belting. Estratégias tora Continuum. 2008.
de ressonância diferentes das utilizadas no

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Revista Cena, Porto Alegre, nº 28, p. 27-39 mai./ago. 2019


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39 Oissa // Belting Pós Rent:


um estudo sobre a evolução do canto do teatro musical norte-americano

Revista Cena, Porto Alegre, nº 28, p. 27-39 mai./ago. 2019


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