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Trindade para monitorar o desenvolvimento sustentável

A proposta da Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi (Cmepsp), Setembro 2009

José Eli da Veiga 1

Domingo, 4 de Outubro de 2009

1. Introdução

Já tem 30 anos a noção de desenvolvimento sustentável (DS), se a referência for


o primeiro registro de seu uso no âmbito de reuniões internacionais. Há 22 anos
ela foi apresentada à Assembléia Geral da ONU de 1987 como um “conceito
político”, e “conceito amplo para o progresso econômico e social”. Por Gro
Harlem Brundtland, presidente da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente, que
redigiu o relatório “Nosso Futuro Comum”. Consagrou-se há 17 anos, com a
realização da Conferência “Rio-92”. E as bases para seu acompanhamento
começaram a ser formuladas há quase 13 anos, com a adoção dos “Princípios de
Bellagio”, em novembro de 1996 (IISD 1997, Hák 2007, Veiga 2007).

Seria de se esperar, então, que já tivesse emergido alguma forma de mensuração


suficientemente legitimada, capaz de permitir razoável grau de monitoramento.
Mas tal necessidade tem se mostrado bem mais árdua do que podem ter
imaginado os pioneiros desse condicionamento do progresso às imposições
ecológicas, que é o cerne da noção de “DS”. E na qual se entrelaçam fatores
biofísicos, psicológicos, econômicos e socioculturais.

Nenhuma sociedade poderá achar algum caminho para o desenvolvimento


sustentável se não cumprir o seguinte requisito: melhorar a qualidade de vida de
cada cidadão – tanto no presente quanto no futuro – com um nível de uso dos

1
JOSÉ ELI DA VEIGA, professor titular da Faculdade de Economia (FEA) e orientador do Programa de Pós-Graduação
do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo. Página web: www.zeeli.pro.br
2

ecossistemas que não exceda duas de suas capacidades fundamentais: a


regenerativa e a assimiladora de rejeitos. Quando tal requisito estiver sendo
cumprido, essa formação social certamente estará contribuindo para a
manutenção dos processos evolutivos da biosfera.

O problema é justamente que tão ampla definição não será traduzida em


indicadores operacionais se não for submetida a um sério processo de
afunilamento. E não existe receita para que se alcance essa precisão. Ao
contrário, o que mostra a excelente coletânea editada Philip Lawn (2006) é a
uma verdadeira corrida de obstáculos teóricos, motivados principalmente pelas
ambigüidades que sempre caracterizaram as noções de renda, de riqueza, e de
bem-estar. Esse livro demonstrou que não pode haver um indicador que consiga
revelar simultaneamente grau de sustentabilidade do processo socioeconômico e
grau de qualidade de vida que dele decorre. Talvez sejam dois lados de uma
mesma moeda, mas nenhum método contábil ou estatístico permitirá que ambos
sejam expressos por uma única fórmula sintética. Isto significa que a utilização
de tais indicadores na orientação de políticas requer necessariamente algum tipo
de consorciação estatística.

Essa avaliação foi confirmada pelo relatório final da Comissão Stiglitz-Sen-


Fitoussi, ou Cmepsp. 2 Uma forte razão para que sejam imediatamente
conhecidas e comentadas suas principais contribuições. Afinal, esse documento
provavelmente passará a ser a principal referência para o debate internacional
sobre indicadores de desenvolvimento sustentável (DS). 3

2
Report by the Commission on the Measurement of Economic Performance and Social Progress,
September, 2009, 291 p. (www.stiglitz-sen-fitoussi.fr).

3
O “DS” é tratado no terceiro capítulo, depois de esmiuçadas as “clássicas questões do PIB” (capítulo 1) e
as abordagens para a mensuração da “qualidade de vida” (capítulo 2). É claro que seria muito mais coerente
abordar essas duas questões como partes do tema muito mais amplo que é o “DS”. No entanto, nada
impede que a leitura seja feita em ordem inversa, pois os capítulos são independentes e foram elaborados
por três subgrupos que trabalharam separadamente.
3

2. Síntese

A apresentação mais sintética do relatório final da Cmepsp do que a lista de suas


três “mensagens” e suas quinze “recomendações”.

Mensagem 1. Medir sustentabilidade difere da prática estatística standard em


uma questão fundamental: para que seja adequada, são necessárias projeções e
não apenas observações.

Mensagem 2. Medir sustentabilidade também exige necessariamente algumas


respostas prévias a questões normativas. Também nesse aspecto há forte
diferença com a atividade estatística standard.

Mensagem 3. Medir sustentabilidade também envolve outra dificuldade no


contexto internacional. Pois não se trata apenas de avaliar sustentabilidades de
cada país em separado. Como o problema é global, sobretudo em sua dimensão
ambiental, o que realmente mais interessa é a contribuição que cada país pode
estar dando para a insustentabilidade global.

Cinco recomendações sobre desenvolvimento sustentável:

a) A avaliação da sustentabilidade requer um pequeno conjunto bem


escolhido de indicadores, diferente dos que podem avaliar qualidade de
vida e desempenho econômico.
b) Característica fundamental dos componentes desse conjunto deve ser a
possibilidade de interpretá-los como variações de estoques e não de
fluxos.
c) Um índice monetário de sustentabilidade até pode fazer parte, mas deve
permanecer exclusivamente focado na dimensão estritamente econômica
da sustentabilidade.
4

d) Os aspectos ambientais da sustentabilidade exigem acompanhamento


específico por indicadores físicos. E é particularmente necessário um
claro indicador da aproximação de níveis perigosos de danos ambientais
(como os que estão associados à mudança climática, p.ex.).

Cinco recomendações sobre qualidade de vida:

a) Medidas subjetivas de bem-estar fornecem informações-chave sobre a


qualidade de vida das pessoas. Por isso, a instituições de estatística
devem pesquisar as avaliações que as pessoas fazem de suas vidas, suas
experiências hedônicas e as suas prioridades.
b) Qualidade de vida também depende, é claro, das condições objetivas e
das oportunidades. Precisam melhorar as mensurações de oito dimensões
cruciais: saúde, educação, atividades pessoais, voz política, conexões
sociais, condições ambientais e insegurança (pessoal e econômica).
c) As desigualdades devem ser avaliadas de forma bem abrangente para
todas as oito dimensões.
d) Levantamentos devem ser concebidos de forma a avaliar ligações entre
várias dimensões da qualidade de vida de cada pessoa, sobretudo para
elaboração de políticas em cada área.
e) As instituições de estatística devem prover as informações necessárias
para que das dimensões da qualidade de vida possam ser agregadas,
permitindo a construção de diferentes índices compostos ou sintéticos.

Cinco recomendações sobre os clássicos problemas do PIB:

a) Olhar para renda e consumo em vez de olhar para a produção.


b) Considerar renda e consumo em conjunção com a riqueza.
c) Enfatizar a perspectiva domiciliar.
d) Dar mais proeminência à distribuição de renda, consumo e riqueza.
e) Ampliar as medidas de renda para atividades não-mercantis.
5

Feita assim, essa síntese pode sugerir que o relatório “chove no molhado”,
como disseram alguns jornalistas apressados depois de parcas entrevistas com
“céticos” 4 sobre os resultados dos trabalhos da Comissão coordenada por
Stiglitz, Sen e Fitoussi. Mas esse é um julgamento muito superficial sobre o
conteúdo de um relatório que provavelmente terá mais influência que
qualquer iniciativa anterior que tenha pretendido sugerir mudanças das
maneiras convencionais de se medir sustentabilidade, qualidade de vida e
desempenho econômico.

Claro, foi criada uma falsa expectativa sobre o trabalho comissão, como se
ela já fazer uma proposta concreta de radical substituição do PIB por algum
outro indicador sintético que pudesse medir simultaneamente o
desenvolvimento e sua sustentabilidade, tendo a qualidade de vida e o
desempenho econômico como partes integrantes do desenvolvimento. E não
há dúvida que o relatório está muito longe disso. Ele até evita qualquer
discussão sobre as noções de desenvolvimento ou de progresso social, a
primeira utilizada no título do terceiro capítulo e a segunda no título da
própria Comissão.

Mas o que mais interessa não é saber se realmente surgiu algo de novo para os
infindáveis debates conceituais sobre o desenvolvimento e o progresso. O que
importa é avaliar se as recomendações do relatório poderão iluminar o
intricado processo que levará - em futuro certamente distante – a uma
maneira consensual de se medir avanços e recuos no rumo do
desenvolvimento sustentável (ou do ecodesenvolvimento). Neste sentido, a
contribuição da Comissão é muito positiva. Mesmo que não tenha construído
novos indicadores, seu relatório final esclarece quais são os principais
obstáculos e mostra o que precisará ser feito para que possam ser superados.

4
Talvez mais por ciúmes ou ressentimentos do que por divergências racionais.
6

3. Ser bem pragmático sobre a sustentabilidade

A Comissão optou por tratar a sustentabilidade de forma muito mais ampla do


que costuma sugerir o adjetivo “sustentável” quando aposto a qualquer outro
termo. Por exemplo, quando diz que os já difíceis pressupostos e escolhas
normativas ficam ainda mais complicados pela existência de “interações entre
modelos sócio-econômicos e ambientais seguidos por diferentes países” (§192, p.
77). Ou quando se refere a um “componente ‘econômico’ da sustentabilidade”
relativo ao “sobreconsumo de riqueza” (§198, p.78).

É preciso lembrar que, na origem - em 1979 - a idéia expressa pelo adjetivo


sustentável se referia à necessidade de que o processo sócio-econômico
conservasse suas bases naturais, ou sua biocapacidade. Foi no progressivo
abandono do qualificativo em favor do substantivo que surgiu essa idéia de
“componentes” não-biofísicos da sustentabilidade. E isto tem várias implicações,
principalmente quando a biocapacidade passa a ser entendida como um capital
(natural) ao lado de capitais humanos/sociais e físicos/construídos. Ou seja, em
vez de se enfatizar a imprescindível sustentabilidade ambiental do processo que
se costuma chamar de desenvolvimento ou de progresso social, passa-se a tratá-
la ao lado de várias outras. Cuja lista pode ser bem longa, contribuindo para uma
séria diluição da idéia original.

Um bom exemplo está justamente na abordagem de um grupo de trabalho


tripartite - UNECE/OECD/Eurostat (2008) - enfaticamente elogiada pelo relatório.
Os indicadores são separados em dois exclusivos “domínios”: um chamado de
“bem-estar de fundo” (Foundational well-being) e outro chamado de “bem-estar
econômico”. E indicadores normalmente considerados ambientais estão
distribuídos por esses dois domínios. No primeiro, surgem desvios de
temperatura, concentrações de ozônio e particulados, disponibilidade de água, e
fragmentação dos habitats naturais junto com indicadores de educação e de
expectativa de vida ajustada pela saúde. No segundo, indicadores de recursos
7

energéticos, minerais, madeireiros e marinhos, junto com indicadores de capitais


(produzido, humano e natural) e de investimentos externos. Ou seja, o conjunto
de indicadores de desenvolvimento sustentável proposto por esse grupo de
trabalho consorcia dois grupos: um socioambiental com seis, e outro econômico-
ecológico com oito (Box 3, p.80-1).

Ao dar destaque a essa abordagem, o terceiro subgrupo da Comissão (que ficou


encarregado do tema “Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente”) acabou
mostrando - talvez sem querer - certa discordância com os temas dos outros dois
subgrupos: desempenho econômico (clássicos problemas do PIB), e qualidade de
vida (inteiramente centrada na idéia de bem-estar).

Todavia, essas ambigüidades temático-classificatórias não impediram que o


terceiro subgrupo fizesse oportunas recomendações. E a mais importante foi
enfatizar que qualquer indicador monetário de sustentabilidade deve permanecer
focado apenas em seus aspectos estritamente econômicos. Não apenas porque
grande parte dos elementos que interessam não tem preços definidos por
mercados. Também porque mesmo para os tenham, não há qualquer garantia que
os preços revelem a sua importância para o bem-estar futuro. (§ 197, p.78)

Ou seja, contrariamente ao que parecia sugerir o rascunho do relatório lançado


no início de junho de 2009, em seu relatório final a Cmepsp acabou por tomar
distância da abordagem que vem sendo promovida pelo Banco Mundial sob o
rótulo de “poupança genuína”, ou “poupança líquida ajustada” (adjusted net
savings). A grande concordância é que o conjunto de indicadores que poderá
mensurar a sustentabilidade deve informar sobre as variações de estoques que
escoram o bem-estar humano. Mas a maior ênfase da Comissão está na absoluta
necessidade de que os aspectos propriamente ambientais da sustentabilidade
sejam acompanhados pelo uso de indicadores físicos bem escolhidos. E é o
“princípio da precaução” que a Comissão evoca para justificar essa ênfase, “dado
nosso estado de ignorância”. (§ 199, p. 79)
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A rigor, isso poderia ser interpretado como uma adesão à abordagem da Pegada
Ecológica. Porém, o relatório sintetiza muito bem as várias críticas já feitas à
metodologia da pegada, destacando cinco problemas: os que se referem a terras
utilizadas pela agropecuária, a terrenos destinados à construção, a recursos
pesqueiros e florestais, e à maneira de calcular a pegada carbono, que já
constitui mais de 50% da pegada ecológica. 5 (p. 245-247) E são ainda mais
incisivas e meticulosas as críticas aos demais indicadores de sustentabilidade já
propostos, como as várias tentativas de corrigir os cálculos de PIB ou o ESI
(Environmental Sustainability Index) (p.248-262).

Resumindo, o recado é claro: buscar bons indicadores não-monetários da


aproximação de níveis perigosos de danos ambientais, como, por exemplo, os que
estão associados à mudança climática. É possível deduzir, então, que se as
intensidades-carbono das economias viessem a ser bem calculadas, poderiam ser
os indicadores das contribuições nacionais à insustentabilidade global. Melhor
ainda se surgissem medidas parecidas para o comprometimento dos recursos
hídricos e para a erosão de biodiversidade. Talvez bastasse essa trinca para
mostrar a que distância se está do caminho da sustentabilidade.

Por último, mas não menos importante, uma definição de sustentabilidade


perdida na página 250:

¾ a questão é sobre o que nós deixamos para as futuras gerações e se


lhes deixamos suficientes recursos de todos os tipos para que
possam desfrutar de oportunidades ao menos equivalentes às que
tivemos. 6

5
As mais recentes dessas críticas são francesas: Le Clezio (2009) e CGDD (2009).
6
“… the sustainability issue is about what we leave to future generations and whether we leave enough
resources of all kinds to provide them with opportunity sets at least as large as the ones we have had
ourselves.” (p. 250)
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4. Abrir o leque da qualidade de vida

Pegam outra direção as cinco recomendações sobre qualidade de vida. Neste


caso, não se trata de propor algo simples e bem prático depois de mostrar todas
as precariedades das demais tentativas de se atingir o mesmo objetivo. Ao
contrário, o relatório propõe que as instituições de estatísticas passem a fazer
coisas tão complexas que será muito difícil convencê-las. E as que se
convencerem terão ainda mais dificuldade para executá-las.

Para começar, a Comissão quer que todo o acúmulo já existente sobre avaliações
subjetivas de bem-estar seja incorporado em avaliações de qualidade de vida. E
isso, mesmo depois de apontar quais são as questões ainda não resolvidas pelas
pesquisas voltadas à aferição de satisfação com a vida e de experiências
hedônicas. A conclusão é que as agências oficiais de estatística devem começar a
levar a sério e incluir em suas pesquisas o tipo de questões que já se mostraram
válidas em levantamentos menos abrangentes e não-oficiais. (p 145-151)

O relatório também dá razoável destaque à abordagem das capacitações, cuja


principal referência é Amartya Sen (1987,1992). Quase três páginas sobre o tema
(151-153) foram incluídas a partir de um texto preparado para a Cmepsp por
Sabina Alkire (2008). Mas não se percebe qual pode ter sido a influência dessas
idéias nos resultados em termos de recomendações. Tudo indica que as outras
quatro 7 decorrem da mais tradicional economia do bem-estar, sem que tenha
sido necessário sequer mencionar a abordagem das capacitações. As detalhadas
justificativas sobre o leque de 8 dimensões proposto no relatório estão nas 60
páginas seguintes (156-215), onde são raríssimas as menções às capacitações. A
única outra referência significativa à abordagem proposta por Amartya Sen surge
na seção dedicada à dimensão “voz política e governança (p. 177-181).

7
Isto é, sobre: 1) as oito dimensões das condições objetivas e oportunidades (saúde, educação, atividades
pessoais, voz política, conexões sociais, condições ambientais e insegurança pessoal e econômica); 2) as
desigualdades; 3) as ligações entre dimensões; e 4) o problema da agregação.
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5. Superar a contabilidade produtivista

As cinco recomendações relativas aos clássicos problemas do PIB são as mais


diretas e incisivas: 1) olhar para renda e consumo em vez de olhar para a
produção; 2) considerar renda e consumo em conjunção com a riqueza; 3)
enfatizar a perspectiva domiciliar; 4) dar mais proeminência à distribuição de
renda, consumo e riqueza; 5) ampliar as medidas de renda para atividades não-
mercantis.

Trata-se de um claro reconhecimento de que está inteiramente obsoleto o viés


produtivista que orientou a montagem do atual sistema de contabilidades
nacionais. No contexto de meados do século passado, a maior preocupação dos
técnicos que se envolveram só poderia ser mesmo o aumento da produção, como
mostrou André Vanoli (2005). Porém, passados uns sessenta anos, chega a ser
assustador que o desempenho econômico das nações continue a ser medido quase
que exclusivamente por aumentos da produção mercantil interna e bruta.

A produção pode aumentar enquanto a renda diminui e vice versa, desde que se
leve em consideração a depreciação, os fluxos de renda para dentro e para fora
do país, e as diferenças entre os preços de produção e de consumo. Além disso,
mesmo a renda e o consumo não serão bons indicadores de desempenho se não
estiverem cotejados à riqueza. Para que se tenha um verdadeiro balanço da
economia nacional, é preciso imitar a contabilidade das empresas, pois nestas
são cruciais as contas de patrimônio e as do endividamento. Não é possível
continuar fechando os olhos para o que acontece com os ativos de uma nação
(capital físico/construído; capital humano/social e capital natural/ecológico).

Segundo a Cmepsp, a melhor maneira de superar as limitações da vetusta


contabilidade expressa no PIB é adotar o que chama de “perspectiva domiciliar”.
Em países da OCDE que já fazem esses cálculos ficou claro que a renda
domiciliar real aumenta menos que o PIB. É preciso levar em conta os
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pagamentos de tributos que vão para o governo, os benefícios sociais alocados


pelo governo, e os pagamentos de juros que os domicílios fazem às corporações
financeiras. Também é crucial levar em conta serviços não-monetários prestados
pelo governo às famílias, principalmente pelos sistemas de saúde e de educação.
Além disso, também é preciso dar mais atenção à estrutura distributiva da renda,
do consumo e da riqueza.

Finalmente, a Comissão preconiza mais audácia no sentido de que a mensuração


do desempenho econômico venha a incluir atividades não-mercantis,
principalmente as de serviços pessoais decorrentes de relações de parentesco.
Segundo o relatório, isso não teria ocorrido até agora em razão das incertezas
sobre os dados, e não por séria divergência conceitual. Sugere, então, que o
melhor ponto de partida poderá ser a realização de estimativas sobre o uso do
tempo pelas pessoas. Amplas e periódicas contas das atividades domiciliares
como satélites das contas nacionais serviriam para completar o panorama.

6. Conclusão

A inércia cultural e institucional da comunidade dos estatísticos será a principal


resistência às recomendações da Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi. Mas se seu
relatório chegar a influenciar as principais instâncias da ONU, o FMI, o Banco
Mundial, a OCDE e a União Européia, no futuro o desenvolvimento sustentável
poderá ser monitorado pelo uso de uma trindade que hoje não passa de sonho:
um indicador físico da contribuição de cada país para a insustentabilidade global;
um indicador de qualidade de vida muito mais sofisticado que o IDH; e um
indicador de desempenho econômico que reflita o real progresso material da
população, e não apenas a capacidade produtiva do país em que vive.

Não se pode prever quanto tempo será necessário para que tal trindade surja e
se torne consensual. Mas as diretrizes já estão disponíveis.
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Referências

ALKIRE, Sabina (2008) «The capability approach to the quality of life»,


background report prepared for the Commission on the Measurement of
Economic Performance and Social Progress, Paris.

CGDD – Comissariat General au Développement Durable (2009) Une expertise de


l’empreinte écologique – version provisoire, Études e Documents, nº 4.

CMEPSP - COMMISSION on the Measurement of Economic Performance and Social


Progress – Draft Summary (Provisional and Incomplete), June 2, 2009.

HÁK, Tomás, Bedrich Moldan & Arthur Lyon Dahl (eds.) (2007) Sustainability
Indicators; A Scientific Assessment. Washington D.C.: Island Press.

IISD (1997) – International Institute for Sustainable Development - Assessing


Sustainable Development: Principles in Practice, (Printed in Canada),
disponível em:
http://www.iisd.org/measure/principles/progress/bellagio.asp

LAWN, Philip (ed.) (2006) Sustainable Development Indicators in Ecological


Economics, Edward Elgar.

LE CLÉZIO, P. (2009) “L’empreinte écologique et les indicateurs du


développement durable ». Avis du Conseil Économique, Social et
Environnnemental.

SEN, Amartya (1987) Commodities and Capabilities, Oxford University Press.

SEN, Amartya (1992) Inequality Re-examined, Clarendon Press, Oxford.

UNECE/OECD/Eurostat (2008) “Report on measuring sustainable development:


statistics for sustainable development, commonalities between current
practice and theory”, Working Paper ECE/CES2008/29.

VANOLI, André (2005) A History of National Accounting, IOS Press.


(Originalmente em francês, editora La Découverte, Paris: 2002).

VEIGA, José Eli (2007) “Indicadores socioambientais: evolução e perspectivas”, Revista


de Economia Política (no prelo).

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