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Sobre o Espaço Amarelo
O Espaço Amarelo se dedica à capacitação de profissionais de saúde,
educação e afins em relação à Prevenção e Posvenção do Suicídio. O propósito
é o de possibilitar que pessoas em profundo sofrimento possam ter um
tratamento adequado, por meio do exercício de uma Psicologia mais
humanizada e tecnicamente preparada para atender casos graves.
Por exemplo, se forem adolescentes, é importante que você cite séries, filmes,
músicas; traga exemplos do cotidiano. Se o público se tratar de pessoas mais
velhas, é interessante que você também traga referências, mas relacionando
com a vivência e experiência daquele público. Isso não é uma lei, mas é algo
que, com certeza, vai facilitar o entendimento - e, considerando que o suicídio
é um tema muito difícil, quanto mais você conseguir aproximar seu discurso da
vivência do público, melhor.
P E R G U N T A S - C H A V E
Não hesite em perguntar! Você precisa conhecer o público para
quem estará falando e, para isso, precisa coletar dados e
informações. Quando eu sou chamada para falar de suicídio em
alguma escola, por exemplo, eu sempre pergunto: “como é a
escola?”, “como é o público?”, “como é que a temática de suicídio
aparece?”, “como os professores vêem essa temática?”, “vou falar
com os professores ou com os estudantes?”, “vai ser mais de um
público?”.
Público alvo
R E L A T O D E E X P E R I Ê N C I A
Certa vez, fui chamada para falar para o ensino médio de uma escola pública, e
os estudantes dessa escola ficavam lá em período semi-interno - manhã e
tarde sem poder sair. Questões relacionadas ao suicídio já existiam ali; já havia
tido tentativas e alguns estudantes praticavam autolesão.
Sim. Foi isso que ela disse - sem tirar nem por. E eu respondi: “Obrigada por
compartilhar o que está acontecendo. E eu queria ter a possibilidade de falar
com os professores primeiro e só depois com os estudantes.” Eu fiz isso porque
percebi que os profissionais daquela escola, incluindo a gestão, tinham vários
pensamentos carregados de preconceito em relação ao suicídio e a práticas
autolesivas. Falar com os dois públicos juntos, provavelmente, iria ser
problemático - então eu tentei adotar a estratégia de trazer os professores para
o meu lado.
Público alvo
Perceba que essa minha fala demandou, antes, uma preparação; saber onde
eu estava pisando, saber o que tinha acontecido e saber que, naquele
momento, não era hora de eu discordar da coordenadora e/ou dizer a ela que
eu não iria convencê-los a serem fortes; isso exigia uma fala mais preparada,
mais contextualizada. Eu busquei, na minha fala, trazer elementos que eram
importantes para os professores e outros para os alunos. Foi aí que, aos poucos,
consegui construir a possibilidade de sensibilizar tais professores, desconstruir
alguns preconceitos, explicar metaforicamente e, também, acolher os
estudantes que estavam em sofrimento - abrindo, inclusive, a necessidade de
que esses professores fossem treinados.
Essa deve ser a estrutura ideal de uma apresentação de cerca de, em média, 1
(uma) hora de duração.
S E A P R E S E N T E .
Primeiramente, se apresente, fale quem é você, de onde você vem, qual a sua
história, como foi seu contato com a temática do suicídio. Traga essa
explicação de modo a preparar o terreno para gerar conexão com as pessoas
que vão te ouvir.
I N T R O D U Ç Ã O E C O N E X Ã O
Aqui é o momento em que você fala com o seu grupo. Você precisa entender o
que esse grupo está passando, quais são as dificuldades. Comece introduzindo
sentimentos e situações que eles, provavelmente, passam, para justificar a
importância desse momento, e o porquê de você estar ali. Essa introdução é
muito importante e ela só acontece quando a gente sabe quem é o grupo para
o qual vamos falar. Não se trata de fazer, somente, uma apresentação padrão
sobre suicídio, mas buscar essa conexão com o público que te escuta. Por
exemplo, se forem estudantes, você pode falar “Nossa, a adolescência é um
momento confuso, né gente? A gente era criança um dia desses e agora a
gente quer ser adulto; a gente tem mais dever do que liberdade - às vezes
temos o dever de um adulto, mas a liberdade de uma criança e isso é tudo
muito confuso. A gente tem que descobrir o que a gente gosta, o que a gente
é. A gente tem que lidar com diferenças em relação a nossa família…” Perceba,
então, que eu trouxe o contexto do adolescente - isso gera conexão com o
público e demonstra que você se importa e que você conhece a realidade
dele.
Estrutura
S A Ú D E M E N T A L
Antes de falar de suicídio, fale de saúde mental. Fale sobre como temos a
tendência de ignorar a nossa saúde mental: quando estamos com dor de dente,
a gente procura um dentista, quando estamos doentes, procuramos um
médico, mas quando estamos com algum sofrimento psicológico, falam pra
gente ser forte, porque vai passar. E é por isso que vemos tanta gente
sofrendo, por isso que os índices de suicídio são tão altos. Muita gente ainda
acha que terapia e psiquiatra são "coisa de louco". Ainda há muitos preconceitos
que permeiam a temática da saúde mental. Nesse sentido, você pode falar que
você faz terapia, que seus professores fazem terapia, que na psicologia isso é
uma coisa que a gente precisa fazer para se cuidar - isso ajuda a naturalizar a
questão da saúde mental.
S U I C Í D I O E T A B U
E P I D E M I O L O G I A
M I T O S E V E R D A D E S
Uma forma interessante de ilustrá-los é trazer falas das redes sociais (sem
indeitificação dos perfis que postaram, é claro), a fim de explicar o que é mito e
o que é verdade. Use metáforas e traga exemplos. Contextualizar é a chave!
S I N A I S
Traga os sinais de que uma pessoas está em risco de suicídio. Aqui também é
interessante colocar os fatores de risco e os de proteção (clique para saber
mais). Uma coisa importante: quando falarmos sobre os sinais: muitas vezes, na
plateia, pode ter uma pessoa que perdeu alguém para o suicídio. Você precisa
deixar claro que nem todo mundo deixa sinais.
Estrutura
Há casos em que a pessoa deixa sinais, mas só vemos depois, porque somos
próximos ou estamos conectados a essa pessoa e a vemos de um jeito
diferente - ou porque não queremos, inconscientemente, enxergar aquela
possibilidade. Mas, depois que essa pessoa morre, você percebe os sinais; e
você se culpa. É como um gol perdido: depois de perdido, é mais "fácil" dizer
que conseguiria fazê-lo - que teria visto os sinais. E a pessoa se culpa. O
Setembro Amarelo é um período em que as pessoas sofrem, em que
sobrevivente é quem fica. Há sobrevivente de si e sobrevivente do outro: o
sobrevivente do outro é aquele familiar, amigo, todo mundo que foi de alguma
forma impactado pelo suicidio. Ele é chamado de sobrevivente porque
entende-se que a morte por suicidio de alguém próximo ou a visão da cena em
si é um trauma tão grande que viver após ele é sobreviver a ele. A pessoa torna
um sobrevivente. Isso, inclusive, é um fator de risco para o suicídio: ser
sobrevivente do suicídio de outro.
Quando falar dos sinais, deixe claro que prevenir não é prever; que muitos dos
sinais a gente não vai conseguir enxergar, só depois. Isso contribui para evitar a
estigmatização do sujeito sobrevivente, porque depois de um suicídio, há toda
uma pressão social em cima da família, por exemplo. Há uma tendência culpá-
los; então, temos que tomar cuidado com isso.
Em uma palestra dada por mim, ao final dela, uma senhora veio falar comigo,
dizendo que estava muito nervosa para assistir a palestra, relatando que até
chegou a tomar um calmante. Ela estava com medo de se sentir muito mal,
porque ela havia perdido a irmã. Ela disse que, quando me escutou
compartilhando uma história pessoal com a conclusão de que as pessoas não
devem se culpar por não terem visto os sinais, eu tirei um peso das costas
dela. Um peso de anos - “pela primeira vez, alguma coisa conseguiu tirar a
culpa que eu estava sentindo”. Perceba o impacto dessa fala. Por isso que
devemos tomar muito cuidado e, também, nos atentarmos a alguns pontos que
não podem deixar de ser ditos, pois não temos nem noção do efeito em cadeia
que pode ser causado quando trabalhado um tema tão sensível.
Estrutura
C O M O A J U D A R ?
M E I O S D E A J U D A
Aqui, você deve falar sobre quais são os caminhos que a pessoa pode ter. Fale
sobre o CVV como possibilidade, mas deixe claro que são voluntários, que
trata-se de um atendimento anônimo e de um acolhimento pontual, para que
não gere a fantasia de que CVV é terapia. Também há o Mapa da Saúde,
criado pelo Instituto Vita Alere, e tem uma lista de profissionais do Brasil que
estão atendendo online e gratuitamente. Você pode indicar também as
clínicas-escolas das Universidades da cidade de vocês.
C O N T A T O
Por fim, deixe sempre possibilidades de meios de ajuda e, também, deixe o seu
próprio contato, pois a partir do momento em que você fala sobre essa temática
em determinado lugar, você se torna responsável, de certa forma, por tal lugar.
Não que você vá ser culpado se algo acontecer, mas você é responsável pelas
consequências da sua própria fala. Normalmente, sempre tem alguém que vai
te procurar. É como se você virasse referência sobre o assunto para aquelas
pessoas, então sempre que eles precisarem de orientação, tirar dúvidas, eles
vão procurar você.
Cuidados
O Q U E N Ã O F A Z E R
A gente não pode ficar falando de causas, como, por exemplo, depressão e
violência sexual. A partir do momento em que você atribui uma causa única, as
pessoas tenderão a associar que, se alguém passou por isso, ela vai se suicidar.
Suicídio não tem causa única! Não é “porque". Existe o gatilho, a gota d’água,
mas não uma só causa.
Não se deve mostrar cartas para o público geral, para não gerar identificação.
Não generalizar/rotular.
Não trazer, por exemplo, discursos que reforcem que todas as famílias que
passaram por isso fossem famílias desestruturadas. Não existe “todos”; no
suicídio, cada caso é um caso. Outro exemplo: não traga que “toda pessoa que
tenta suicídio não quer acabar com a vida, quer acabar com a dor”; tem
pacientes que dizem “não, eu quero é acabar com a vida, não é com a dor”. É
fato que, na maioria dos casos, há um sofrimento, uma angústia - mas devemos
tomar cuidado para não generalizar. Eu sempre digo que cada caso é inédito.
Não há problema em dizer “gente, eu não tenho acesso a essa informação, mas
é uma boa pergunta. Irei pesquisar e, depois, e envio a resposta”. É muito mais
ético e evita a disseminação de informações que podem ser prejudiciais.
Cuidados
Tente não culpar ninguém - nem o sujeito, nem a família, nem ninguém!
Você deve sempre utilizar uma linguagem adequada ao seu público. Se você
for usar algum termo técnico, busque explicá-lo. Lembre-se: é importante que
as pessoas entendam o que está sendo dito - do contrário, toda a apresentação
perde o propósito.
O Q U E F A Z E R
Usar uma linguagem que aquele público entenda, falar com calma,
pausadamente - e não utilizar exemplos que fujam da experiência daquele
público.
Desmitificar o tema.
Sempre trazer como algo natural. Fale que é normal pensar nisso, que pode
acontecer com qualquer um, que todos tem o direito de serem ajudados e
ouvidos; que não é problema algum falar sobre suicídio
Cuidados
Conscientizar o público.
Fornecer materiais.
É muito importante fazer isso; eu, por exemplo, sempre mando meus slides
depois da palestra,
Sempre tomar muito cuidado ao falar para não parecer que é possível previnir
todo suicídio, pois isso pode gerar um monte de “e se…”. "E se eu tivesse feito ital
ou tal coisa?”. Muito cuidado aos sobreviventes; se coloque no lugar de quem
está te ouvindo: como você ficaria ao ouvir o que está falando?
C A T A R S E E D E S E S T R U T U R A Ç Ã O
I M P A C T O E I D E N T I F I C A Ç Ã O
Q U E S T I O N A M E N T O S C R Í T I C O S
Pode ser que alguém se revolte com o que você está falando e te questione
criticamente. Pode ser que pessoas em risco de suicídio estejam ali e se sintam
revoltadas com a sua fala - e a questione. Então, você precisa estar
advertido(a) e escutar essas pessoas; e não tentar rebater. Se ela traz, por
exemplo, que “é só tentativa de chamar atenção mesmo”, você pode dizer “é?
me conta mais o que você acha sobre isso, compartilha com a gente o que te
faz pensar assim”. E então, depois de ouvir a pessoa, você vai poder ir
pontuando e trazendo exemplos - não para tentar convencê-la do contrário,
mas para ilustrar, para que ela possa entender melhor do que aquilo, de fato, se
trata. Saiba que as críticas, questionamentos e ataques que você pode receber
não são direcionados a você, mas à toda uma representação associada ao
estigma, aos discursos que falam sobre suicídio de maneira agressiva ou
simplista - que machuca. Você está ali representando uma série de coisas que
vieram antes de você, inclusive possíveis profissionais (e o atendimento pode
não ter sido dos melhores). Então, tente lidar com naturalidade (para isso, você
vai ter que estar bem trabalhado(a) terapeuticamente).
D E M A N D A S D E A J U D A
Cada dia por si só é uma vida - não significa que a gente tenha que, então,
colocar pro sujeito uma angústia pessoal de que ele tem que viver; de que ele
deve buscar prolongar a vida. O nosso objetivo deve ser o clássico "um dia de
cada vez". Vivemos um dia de cada vez - e podemos nos esforçar para fazer
com que essa vida/esse dia seja bem vivido. Saiba que cada pequeno dia é
uma conquista; não vamos colocar uma pressão, nas pessoas, maior do que
aquela que elas podem suportar. Se essa pessoa suporta mais um dia, vamos
trabalhar para que esse dia seja o melhor possível - com menos sofrimento,
com menos angústia e com mais possibilidades. Respeite o sofrimento de
cada um! E se responsabilize por cada pequena fala: cuide para que essa fala
tenha o efeito que você, de fato, gostaria que ela tivesse.
Muito obrigada.
Espero que, agora, você se sinta mais preparado(a) para falar sobre suicídio no
Setembro Amarelo. Que planetemos a semente, rasguemos as cortinas,
rompamos com os estigmas e lutemos para que possamos falar sobre esse
tema, tão sensível e importante, com mais naturalidade - e, é claro, de maneira
responsável.