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Belo Horizonte
2018
Copyright ©2018 Thais Lopes
Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento ou a reprodução de qualquer parte desta obra
– física ou eletrônica -, sem a autorização prévia do autor.
Para todo mundo que queria um livro do Drek – e que me fizeram rir demais achando que não ia rolar.
SUMÁRIO
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
Onze
Doze
Treze
Quatorze
Quinze
Dezesseis
Dezessete
Dezoito
Dezenove
Vinte
Vinte e Um
Vinte e Dois
Vinte e Três
Vinte e Quatro
Vinte e Cinco
Vinte e Seis
Vinte e Sete
Vinte e Oito
Vinte e Nove
Trinta
Trinta e Um
Trinta e Dois
Trinta e Três
Trinta e Quatro
Próximo Livro: Arcen
Agradecimentos
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UM
Encaro o tablet pela milésima vez e suspiro. Nada de novo, e não adianta eu sair daqui e ir ver se
alguém tem notícias do que está acontecendo na tal reunião do Conselho. Ninguém vai saber de nada até
terminarem.
— Alguma coisa? — Sara pergunta, deitada na cama de cima do beliche.
— Não.
E não sei por que ela ainda pergunta. Ela também está com o tablet na mão, esperando. Assim que
chegarem a alguma decisão nessa tal reunião, todas as terráqueas que estão ligadas à força-tarefa vão ser
avisadas imediatamente. Esse foi o combinado, desde o começo. Então só podemos esperar.
Olho ao redor, reparando nas paredes cinza-claro da cabine, com algumas manchas mais escuras que
servem para abrir os armários embutidos. Um monitor pregado na parede de frente para o beliche,
parecendo uma TV comum, com um painel cheio de controles abaixo dele e uma mesa com duas cadeiras
para o lado. Se eu ignorar os controles do monitor e as manchas na parede, até parece que estou em um
quarto comum. E, depois de mais de dois anos terráqueos aqui, ele já se tornou comum para mim. Mas,
em horas assim, quando não tem como deixar de pensar no que aconteceu, é estranho perceber que já
considero tudo isso como algo normal.
Quase quatro anos atrás, eu fui abduzida. Estava em casa, morta depois de um dia infernal no
estágio, indo dormir xingando porque tinha que acordar cedo no outro dia. Mas, quando acordei, estava
dentro de um pesadelo: presa e com aliens ao meu redor. Porque desde o começo, não tinha como eu
pensar que eles eram outra coisa. As criaturas pequenas, de pele colorida e quatro dedos só podiam ser
aliens. Fui levada para uma cela com mais mulheres e de tempo em tempo tiravam uma de nós de lá para
fazer alguma coisa. Eu nunca soube o que estavam tentando fazer, pelo menos. Nós sempre éramos
sedadas. E então alguém me comprou – um alien diferente, com pele laranja e cinco olhos, mesmo que
fosse humanoide.
Tentei fugir quando me tiraram de onde estava, mas não adiantou nada. Nem essa, nem as outras
vezes que tentei fugir. Até que me mandaram para outro lugar. Uma das bases que usavam para treinar e
fazer experimentos com a “mercadoria viva”, como me falaram depois. Éramos muitas terráqueas ali, a
maioria que já tinha sido vendida e revendida várias vezes, algumas com tanto medo dos aliens depois de
tudo o que tinha acontecido que não conseguiam nem olhar para um deles. Foi lá que conheci Sara. Todas
nós tínhamos certeza de que íamos morrer ali, até que outra terráquea apareceu, com um plano louco
para nos tirar de lá.
Foi essa terráquea – Suelen – que nos explicou melhor sobre o que estava acontecendo e onde
estávamos. Ainda é surreal pensar que existem várias espécies alienígenas por aí, organizadas em um
governo central que chamam de Acordo, e nós não fazemos a menor ideia de nada. Aquelas teorias de
conspiração de que governos da Terra sabem dos alienígenas e só estão escondendo as informações do
público? São só teorias mesmo, porque eles não sabem sobre os aliens de verdade.
E também foi Suelen quem nos explicou que, pelas leis do Acordo, ninguém estava fazendo nada
errado ao abduzir mulheres da Terra, porque nós não éramos parte do Acordo, então não estávamos
protegidas pelas leis deles. Existia um grupo tentando mudar isso, as mesmas pessoas que a mandaram
para a base onde estávamos, mas ninguém sabia quanto tempo ia demorar para conseguirem mudar as
leis. Enquanto isso, faziam o que podiam para atrapalhar o comércio de seres sencientes – porque não
eram só terráqueas sendo abduzidas.
Às vezes ainda acho que foi loucura ter escolhido não voltar para a Terra quando nos deram essa
opção. A maioria das mulheres que estava presa preferiu ir, mas para mim... Para quê? Eu não ia
conseguir esquecer. Nem os dispositivos que os aliens têm para alterar memória iam fazer efeito em mim.
Ia passar o resto da vida imaginando o que poderia acontecer e se os ETs iam me achar de novo. Não,
melhor ficar aqui de uma vez e tentar fazer alguma coisa útil. Fui uma de cinco terráqueas eu preferiram
ficar no Acordo e trabalhar para a força-tarefa.
E agora, depois de mais de dois anos, uma das mulheres da força-tarefa conseguiu provas concretas
contra os esquemas de abdução. Carol passou um bom tempo aqui na nave e eu a ajudei. Quando ela nos
mandou as informações roubadas do mercado de Nassi, foi Sara quem conseguiu achar uma forma de
descriptografar os dados. E depois disso... Nada.
— E se o que Carol conseguiu não for o suficiente? — Pergunto.
Escuto Sara se mexendo na cama de cima e tenho certeza que ela só não está olhando para baixo
porque isso seria contra todos os protocolos de segurança básica da nave.
— Você também viu a reação dela e de Ei'ri — Sara fala.
É, eu vi. Nenhuma de nós teve acesso aos dados depois que foram descriptografados. Eles foram
direto para Carol e Ei'ri, o drilliano que estava trabalhando com ela, e depois foram enviados para Gabi, a
fundadora da força-tarefa. Não vou questionar isso, entendo perfeitamente o raciocínio deles. São dados
comprometedores que com certeza envolvem nomes grandes. Eles não podem só deixar que qualquer um
veja isso, e querendo ou não nós somos só “qualquer uma”. Além do mais, ouvi um comentário de Carol
falando sobre chantagem. Nesse caso, é óbvio que ninguém mais ia poder saber o que encontraram.
Minha preocupação é porque eles não tiveram tempo de se preparar. Assim que a força-tarefa entrou
em contato com o Conselho do Acordo – que eu não consigo parar de imaginar como se fosse o Senado em
Star Wars – recebemos ordens para ir direto para lá. Já faz umas duas horas desde que eles saíram da
nave. Sara ainda estava na engenharia e ouviu comentários sobre estarmos nos afastando do espaçoporto,
por via das dúvidas. Caso algo desse errado, daríamos cobertura para o restante do pessoal da força-
tarefa.
Eu não devia estar tão ansiosa assim. Sei muito bem que uma reunião dessas, que vai decidir algo
que faz uma diferença enorme para o Acordo, não é algo rapidinho. Não me surpreenderia se demorasse
umas seis horas enquanto discutem detalhes e sabe-se lá mais o que. Acho que me acostumei demais com
o ritmo das coisas na nave, onde tudo é feito e resolvido depressa. E ainda tem o detalhe de que o que for
decidido vai afetar todas as terráqueas que ficaram aqui, de uma forma ou outra. Gabi conseguiu
cidadania do Acordo para nós, mas não faço ideia do que pode acontecer, dependendo do resultado dessa
reunião.
— Eu odeio esperar — Sara resmunga.
Ela, eu e acho que todo mundo. Suspiro. Ela até podia voltar para a engenharia, tenho certeza de que
arrumariam alguma coisa para ela fazer, lá. Não sei o que Sara fazia da vida antes de ser abduzida –
sempre evitamos tocar nesse assunto – mas ela é boa com equipamento eletrônico e tudo mais e
aparentemente é a rainha das gambiarras. Desde o primeiro dia que entrou na área de engenharia da
nave, virou o amor da vida do pessoal que trabalha lá, porque consegue resolver todos os problemas que
eles ficam dias quebrando a cabeça. Mas duvido que ela conseguiria se concentrar para trabalhar. Eu sei
que não consigo, por isso voltei para o quarto, ao invés de ficar no meu posto na ponte de comando. E
ninguém da tripulação vai nos julgar por isso.
— As alterações têm que passar — falo.
Sara não responde.
Nos dias que Carol ficou na nave, eu pesquisei o suficiente para entender o que está acontecendo.
Não é só a força-tarefa tentando parar as abduções. Mesmo antes que ela fosse criada, já havia um
projeto de alteração nas leis do Acordo que daria proteção para as espécies que ainda não têm contato
com os aliens. O projeto se arrastou por anos e tenho a impressão que só foi aprovado porque o Conselho
tinha certeza que conseguiria derrubá-lo de vez na etapa seguinte, quando fossem estudar a implantação.
Mas eles não esperavam por Carol.
E, agora, só precisavam aceitar de uma vez que iam ter que implantar as alterações. Só isso. Então
por que estavam demorando tanto?
Escuto um apito vindo da porta e levanto a cabeça. Só sei de uma pessoa que viria aqui agora.
— Entra — falo.
A porta se abre. O alien que está parado do lado está vestindo o que eu chamo de uniforme da
tripulação: roupas pretas e de algo que me lembra couro mas tenho certeza que não é e que poderiam
muito bem ter saído de um filme de ficção científica. Especialmente se o filme tivesse caçadores de
recompensas ou anti-heróis de algum tipo. Ele tem a pele verde, com algumas escamas visíveis no seu
pescoço, corpo de alguém que passou a vida toda lutando e cabelo grosso e azul que vai quase até sua
cintura. Um krijkare, mas não qualquer krijkare: Drekkor, o capitão da nave. Meu pesadelo particular. Se
bem que é injusto dizer isso. Não é culpa dele que ele seja quase um ímã para mim, por causa de alguma
das coisas que fizeram comigo enquanto estava presa. Não é exatamente a compatibilidade – a atração
insana e quase impossível de ignorar – mas é algo da mesma família. E para piorar Drek é interessante,
além de ser louco o bastante para ter aceitado duas terráqueas que não faziam a menor ideia de como
qualquer coisa funcionava no Acordo na sua tripulação.
O problema é quando ele me olha do jeito que está olhando agora: como se estivesse conferindo se eu
estou bem e então relaxando depois que tem certeza disso. Sempre assim, mesmo antes de eu começar a
fazer parte das equipes de incursões e ir em missões com a sua tripulação. E eu não posso nem pensar
que isso é porque eu sou terráquea, porque ele não olha para Sara do mesmo jeito.
— Vocês estão bem?
Assinto.
— Estamos — Sara fala.
— Tão bem quanto possível — resmungo.
Porque sim, somos duas pilhas de nervos esperando alguma notícia da reunião.
Drek olha de relance para Sara e então para, me encarando. Tento não encarar de volta. Se bem
que... Talvez isso seja uma boa forma de me distrair. Mas não. Agora, fazer isso só vai me irritar mais,
porque não importa o tanto que Drek olhe, ele sempre faz questão de manter uma certa distância. Então,
sem encarar.
— Fomos avisados que o espaçoporto está seguro — Drek conta, ainda olhando para mim. — Se o
Conselho está planejando fazer alguma coisa, não vai ser um ataque aberto.
Solto o ar de uma vez e escuto Sara se mexendo na cama de cima. Se sentando, provavelmente.
— Então não é uma emboscada — ela fala.
Porque esse tinha sido nosso primeiro pensamento – de toda a tripulação – quando chegou a ordem
de ir direto para a reunião.
Drek assente.
— Não. E isso quer dizer que tem uma chance de não termos mais problemas...
Ele para de falar assim que meu tablet e o de Sara apitam, juntos. Olho para a tela e encaro a
mensagem que está piscando. É de Gabi e só tem uma palavra: conseguimos.
Sara pula para o chão e me abraça. Conseguimos. Isso quer dizer que agora é ilegal abduzir pessoas
de qualquer planeta, mesmo os que não são parte do Acordo. Isso vai mudar tudo, daqui para a frente.
Olho para Drek. Ele ainda está me encarando, sorrindo daquele jeito dos krijkare, sem mostrar os
dentes, mas tem algo estranho na sua expressão.
— O que...? — Começo.
Ele balança a cabeça e sai do quarto. O que foi isso?
— Talita? — Sara chama.
Balanço a cabeça. Não importa. Provavelmente eu estava vendo coisas.
— Eu quero detalhes — falo, pegando o tablet de novo e digitando uma mensagem para Carol.
DOIS
Dois dias depois
Me sento na cama de uma vez e respiro fundo, tentando me acalmar. Foi só um pesadelo. O quarto
está escuro e não consigo ouvir se Sara está na cama de cima ou não, porque meus ouvidos estão
zumbindo.
Já passou. Já passou, isso foi anos atrás, a base foi destruída e esses aliens estão todos mortos. Não
que isso sirva para coisa.
Faz meses desde a última vez que tive esse pesadelo. Ou melhor, desde a última vez que me lembrei
disso. Pensei que tinha ficado livre disso de uma vez por todas, mas... Engulo em seco. Não é difícil
entender porque voltei a ter o pesadelo. Com tudo o que está acontecendo, não faz diferença se sei que a
tripulação não aceitaria que Sara e eu fôssemos vendidas ou coisa pior. Nem faz diferença se todo mundo
da engenharia garantir para Sara que nós não estamos correndo risco. A questão é que estamos por conta
própria. E da última vez que fiquei por conta própria no Acordo...
Não vou continuar me lembrando disso. Não vou. Já passou, eu nunca mais vou voltar para a mesa de
experimentos.
E também não vou conseguir voltar a dormir.
Respiro fundo de novo e solto o ar lentamente. Se prestar atenção, consigo ouvir a respiração pesada
de Sara. Ótimo, isso quer dizer que pelo menos não gritei enquanto estava sonhando. No começo, eu
sempre acordava Sara. Mas ela também tinha seus pesadelos, então não falava nada.
Me levanto e estendo a mão para o sensor ao lado da minha cama. As luzes são programadas para se
acenderem ao detectar um certo nível de movimento no quarto, e não quero acordar Sara. Se ela está
conseguindo dormir normalmente, melhor para ela. Mas eu preciso arranjar alguma coisa para me
distrair. Até ajudar a fazer inventário seria uma boa coisa, agora. Se bem que acho que vai ter mais o que
fazer na enfermaria.
Saio do quarto em silêncio e vou direto para o elevador. Os corredores também estão vazios, o que
não é nenhuma surpresa. Estamos no meio do ciclo de sono da nave, o horário em que só quem está
trabalhando está acordado. Dormi mais do que esperava, no fim das contas, mesmo que sinta como se não
tivesse dormido nada. Todo o meu corpo está dolorido, e também não preciso de ninguém para me contar
o motivo disso: tensão. Era sempre assim no começo, nos meus primeiros dias com a força-tarefa. E a
única coisa que podem fazer é me dar algum tipo de relaxante muscular sempre que isso acontece – e eu
sempre preferi deixar isso para quando a dor está insuportável. De novo, faz muito tempo que isso não
acontece.
Quando chego no corredor da enfermaria, parece que o silêncio está ainda mais pesado. Não tenho
mais tanta certeza de que vir aqui é uma boa ideia... Não me esqueci dos berros que ouvi mais cedo e não
quero nem pensar na possibilidade de alguém da tripulação não ter sobrevivido àquela incursão. Em mais
de dois anos desde que estou aqui, não perdemos ninguém.
Mas não saber é pior. E voltar para o quarto, para continuar me lembrando da mesa de
experimentos...
Respiro fundo e continuo pelo corredor. Todas as portas estão fechadas, o que já é estranho, mas pelo
menos consigo ver que as luzes estão acesas dentro do laboratório principal. Ótimo. É para lá que tenho
que ir, de qualquer jeito, mesmo que isso também não seja uma boa ideia. Devia ter pensado melhor.
Entrar em um laboratório depois desse pesadelo... Um arrepio me atravessa. Mesmo assim, ficar sem
fazer nada ainda é pior.
Paro na porta do laboratório e coloco a mão no painel ao lado da porta.
— Gheri? — Chamo.
Não escuto nada, mas isso não é uma surpresa. O laboratório tem isolamento sonoro, porque às vezes
Gheri precisa trabalhar em coisas mais delicadas, que não podem ser interrompidas por qualquer barulho
do lado de fora. Essa também é a única sala que tem a opção de silenciar o painel da porta – coisa que eu
sempre morri de inveja.
O comunicador embutido no painel estala de leve.
— De que você precisa? — Gheri pergunta.
Suspiro. Ótimo, pelo menos ele não estava ignorando tudo aqui fora.
— Só queria saber se você está precisando de ajuda com alguma coisa aqui — falo.
Ele não responde na hora. Cruzo os braços, esperando a porta se abrir.
— Desculpe, você não tem permissão para estar aqui.
Encaro o painel, sem ter certeza de que ouvi direito, antes de engolir em seco. Desde quando?
Algumas horas atrás eu tinha vindo na enfermaria e conversado com Rivna, e agora...
— Drek me mandou ajudar vocês no inventário — aviso.
— Já terminamos.
Impossível. Eu trabalhei aqui tempo o suficiente para saber que "fazer inventário" é coisa de uma
semana de trabalho E não quero pensar no que isso pode significar. Ter permissão para vir na enfermaria
é uma das coisas que estava me ajudando a não ficar paranoica demais. Isso queria dizer que não tinham
nada a esconder, não é? Mas se agora Gheri não quer nem abrir a porta para mim...
— Os que se feriram na incursão... — começo.
— Os que ainda não se recuperaram só precisam de descanso. Não tem nada para você fazer aqui,
Talita.
— Droga, Gheri, só me dá alguma coisa para fazer.
Escuto o suspiro dele mesmo através do comunicador.
— Sinto muito, Talita. Aqui não é seguro para você.
Não é seguro para mim.
Dou um passo para trás, e depois outro. Não. Estou exagerando, estou projetando meu medo, porque
a tripulação de Drek nunca faria uma coisa assim. Ele não faria algo assim. Não importa o quanto eu
esteja com raiva e desconfiada, não consigo acreditar nisso.
Quase corro no caminho de volta para a cabine, e dessa vez o fato de não ter ninguém nos corredores
não parece mais ser algo normal. Estou ficando mais paranoica, estou interpretando as coisas errado, só
pode ser. Não quero acreditar nisso.
"Não ser seguro para mim" é bem diferente de "não ter permissão".
Entro no quarto e dessa vez deixo as luzes se acenderem na configuração mais baixa. Não quero ficar
no escuro. Dou mais alguns passos para dentro do quarto e paro, sentindo algo estranho no chão. Ah, não.
Ninguém faria uma armadilha nem nada do tipo. Me recuso a acreditar nisso.
Olho para baixo. É só um dos biscoitos que caíram no chão, ontem. Nem me lembrava mais deles. E
acho que estou ficando paranoica demais. Não. Não tem como ficar paranoica demais nessa situação.
Suspiro e pego o prato vazio que ainda está em cima da mesa. Se não vou dormir, mesmo, posso pelo
menos aproveitar e catar esses biscoitos. Me abaixo, sem conseguir parar de pensar nas palavras de Gheri
e na forma como ele nem abriu a porta do laboratório. Não teve coragem nem de falar aquilo olhando na
minha cara...
A verdade é que eu não sei o que é pior. Se é não saber, ou se é a forma como todo mundo está
agindo até agora. Eu pensei que tinha amigos aqui. Estava começando a pensar nessa nave como minha
casa, de verdade. Mas se ninguém vai nem falar nada sobre o que está acontecendo, será que realmente
foram meus amigos em algum momento? Paro e respiro fundo. Não queria pensar nisso, também, mas é a
verdade. No fim das contas, estamos sozinhas aqui.
ONZE
— Faz quanto tempo que você está acordada?
Olho para o alto da bicama. Sara está sentada, me encarando, e nem ouvi quando ela se moveu.
— Não faço a menor ideia — respondo.
Só sei que terminei de pegar os biscoitos que tinham caído no chão e depois disso me sentei e fiquei
mexendo no meu tablet, tentando pensar em alguma coisa para conseguirmos sair daqui. Não quero
esperar. Pensei seriamente em já descer no refeitório e buscar comida, aproveitando que tínhamos
combinado de fazer um revezamento para não precisarmos ficar indo lá, mas... Não. A ideia de ir até o
refeitório, com todos os corredores vazios como estavam, depois de ter sido mandada embora da
enfermaria também... Não consegui deixar de pensar que se fizesse isso, alguma coisa ia dar muito
errado. Paranoia? Com certeza. É sempre assim depois que tenho um desses pesadelos. Se bem que desta
vez está um pouco pior.
Sara suspira e não fala nada enquanto desce da cama e vai para o banheiro. Melhor assim. Tenho
certeza que ela já entendeu que eu tive um pesadelo, mas já faz tempo que chegamos à conclusão de que
falar alguma coisa não adianta nada.
E, mesmo que eu tenha passado horas pensando em possibilidades, não consegui achar nada que
podemos fazer. O único jeito é esperar e torcer para Sara conseguir contornar o tal bloqueio de
comunicações. Droga.
— Você vai descer para o refeitório? — Sara pergunta, da porta do banheiro.
Balanço a cabeça.
— Não sozinha.
Ela assente e abre um dos armários embutidos na parede, procurando uma muda de roupas.
— Vamos pegar comida para o resto do dia, então. Preciso de um tempo para analisar algumas coisas
que posso fazer, de qualquer forma.
Quase solto um suspiro aliviado. Essa minha vontade de não ficar sozinha chega a ser ridícula, mas
nem me importo mais. Faz todo sentido do mundo imaginar o pior.
E isso me lembra que Sara não sabe da última.
— Gheri disse que a enfermaria não é um lugar seguro para mim.
Ela se vira para mim de uma vez.
— Como assim? Mas você não foi lá...
— Logo depois da incursão. É. E voltei lá durante a noite, mas... — Dou de ombros.
Sara me encara por mais um instante antes de voltar a pegar suas roupas. Não estava esperando uma
resposta, de qualquer forma. Não tem nada que alguma de nós possa falar sobre isso. E, no fim das
contas, de nós duas Sara é a mais extrovertida. É ela quem sempre é chamada para todo tipo de
comemoração que tem na nave, ela que sempre teve tanta facilidade para fazer amizade com os aliens
que sempre me surpreendo com isso. Não duvido nada que esteja pensando na mesma coisa que eu
percebi esta noite: não importa se pensamos que eram nossos amigos, continuamos sendo as forasteiras.
Continuamos sozinhas.
Sara continua sem falar nada enquanto saímos do quarto e descemos para o refeitório. Os corredores
estão um pouco mais movimentados, agora, mas ainda estão mais vazios que o normal. E eu não consigo
deixar de olhar para os lados o tempo todo, tentando achar alguma coisa que possa ser útil para nós. Não
que exista alguma chance de sairmos da nave enquanto estamos em território pirata. Isso seria suicídio.
Mesmo assim...
— Droga — Sara murmura.
Paro e olho para ela, que balança a cabeça e continua a andar na direção da entrada do refeitório. De
onde estamos, já dá para ouvir o barulho das conversas e...
Droga. Não lembramos de conferir as horas. Teria sido melhor esperarmos até o refeitório estar mais
vazio, porque esse é o horário em que quase todo mundo está aqui. Merda.
Sara para logo antes da porta e olha para mim. Assinto. Entramos andando depressa, indo direto para
o buffet no meio do refeitório. Tenho a impressão de que o volume das conversas diminuiu, mas estou
fazendo um esforço para não prestar atenção nisso. Já deu por um dia – e olha que o dia mal começou.
— Sanduíches? — Pergunto.
Sara assente.
Sanduíches, então. Deve ter alguma coisa aqui que não vai perder se ficar umas cinco horas lá no
quarto. Qualquer coisa que não seja mais biscoitos.
Empilho alguns sanduíches em um prato e me viro para a saída. Não vou ficar aqui mais tempo do
que preciso. Mesmo que o volume das conversas tenha voltado ao normal, dá para sentir que tem bastante
gente nos encarando. Não sou obrigada.
Estou a meio caminho da porta quando alguém segura meu braço. Me viro de uma vez e por pouco
não derrubo os sanduíches.
— Nada de voltar para a sua cabine — Kren fala.
Estreito os olhos e não respondo. Ele pode até não ter falado nada sobre eu estar na ponte de
comando ontem, mas isso foi só porque ele não ia conseguir se virar sozinho.
— Para a mesa, aí você resmunga, anda. Vhorr já falou com Sara.
Olho para a porta de novo. Sara estava um pouco na minha frente e agora está indo para uma das
mesas com Vhorr. Que seja, então. Vamos ver o que é isso.
Kren me solta e o sigo até uma das mesas mais perto da parede. Puxo uma cadeira ao lado de Sara,
que dá de ombros e pega um sanduíche. Não. Melhor esperar até saber o que Kren e Vhorr querem antes
de começar a comer.
— Eles falaram que já estavam chegando — Vhorr fala.
— Eles quem? — Pergunto.
Kren indica a porta. Dsara e Rhi acabaram de entrar. Os três oficiais superiores da nave, mais o
piloto. Tá. Boa coisa isso não é. E é estranho eu estar pensando justamente isso, quando antes dessa
confusão toda estar em uma mesa com eles seria algo normal. Acho que é a primeira vez que penso neles
como os oficiais superiores. O escalão mais alto na hierarquia da nave. Foram eles que nos treinaram,
desde o começo, e eu pensava que podia chamar Dsara e Rhi de amigos.
Não desvio o olhar enquanto eles se aproximam. Não me esqueci do corte que vi no rosto de Rhi,
ontem, mas agora não tem nem sinal de que isso aconteceu. E eu tenho certeza de que Dsara foi ferida,
também, mas pela forma como ela está se movendo não tem mais nenhum problema. Sempre achei que
isso era algo bom, mas agora... Eles se enfiaram em uma incursão suicida, lutando contra pessoas com
espadas, pelo amor de Deus, e vão fazer isso de novo. Tenho certeza de que não fariam isso se não
tivessem reconstrutores de tecido e restorativos que garantem que a maioria dos ferimentos desaparece
em questão de minutos.
E, aliás... Olho ao redor. Tudo está normal. É como se aquela incursão não tivesse acontecido. Não
estou vendo nenhum ferimento, nenhum curativo, nada. Nunca percebi o tanto que isso é estranho, antes.
Mas uma coisa dessas deveria deixar algum sinal visível.
Rhi puxa a cadeira do meu lado, e Dsara a que está na frente dele.
— Ótimo, vocês já estão aqui — Dsara fala.
Cruzo os braços e me inclino para trás na cadeira. Sara coloca o que sobrou do sanduíche de volta no
prato e apoia os cotovelos na mesa.
— Vhorr disse que vocês nos deviam explicações — ela fala. — Estou esperando.
Ah, mas eles nos devem explicações mesmo. Muitas explicações. Só não tenho muita esperança de
que falem algo útil. E Sara está com mais raiva do que parece, porque normalmente ela é mais delicada.
Rhi suspira.
— Nós não podemos contar o que está acontecendo. É um assunto interno krijkare, e somos proibidos
de mencionar isso para forasteiros.
Nenhuma surpresa nisso. Essa é uma das coisas mais conhecidas sobre os krijkare: eles têm leis que
controlam o que pessoas de outras espécies podem saber a respeito deles e punições pesadas caso elas
não sejam cumpridas. Nunca dei muita atenção para isso, mas agora... Talvez vir para uma nave krijkare
não tenha sido uma boa ideia. Ninguém cria leis assim à toa.
— A questão são as ordens que recebemos sobre vocês — Vhorr fala.
É claro que é.
— A coisa toda de agir como se fôssemos inúteis ou pior? — Pergunto.
Ele desvia os olhos. Kren está encarando o tampo da mesa e Dsara cruzou os braços – o que para os
krijkare é o auge dos movimentos defensivos. Oi, consciência pesada.
— Ninguém concordou com as ordens, mas... — Kren começa.
— Mas? — Insisto.
— Mas concordamos que ia ser mais fácil se nos afastássemos. Mais seguro para vocês, porque
sabíamos o tipo de situação que iríamos enfrentar — Dsara termina.
Solto o ar com força e vejo quando Sara revira os olhos.
— Vocês não precisavam ter se arriscado nem tentado ajudar — Vhorr completa.
— Aham. Como se eu fosse ficar parada vendo que era uma armadilha — Sara resmunga.
— Eu, pelo menos, não largo meus amigos pensando que não valem nem um mínimo de esforço, sabe
— falo.
Dsara sorri, mostrando os dentes pontiagudos, antes de assentir.
— Notamos. E não vamos fazer isso de novo, não importa quais ordens sejam dadas.
Os outros também assentem. Olho para Sara, que ainda está de braços cruzados.
— Vocês não tinham motivo nenhum para ajudar, depois de como todos nós agimos — Rhi fala. —
Então decidimos que não temos motivos para obedecer a essas ordens, também.
Levanto as sobrancelhas. Eles estão dizendo que vão desafiar as ordens diretas de Drek. Certo. Eu
não esperava por isso. Não mesmo.
— Isso quer dizer que eu posso voltar para a engenharia? — Sara pergunta.
— Depende — Vhorr fala, lentamente. — Se formos lidar com qualquer coisa ligada à situação atual,
você não pode ficar lá.
Por causa das tais leis obrigando eles a manterem o segredo, tá.
Pego um sanduíche e começo a comer. Sei que Rhi e Dsara estão me encarando, esperando que eu
fale alguma coisa, mas não sei como responder. Se isso tivesse sido ontem, eu provavelmente estaria mais
tranquila. Mas hoje, depois de ter aquele pesadelo pela primeira vez em meses, não tenho certeza de que
isso é o suficiente para me fazer parar de preocupar. Sempre considerei Dsara e Rhi como amigos, mesmo
que também fossem meus superiores. E Kren também, mesmo que não fosse tão próxima dele e de Vhorr.
Eles estarem agindo assim deveria ser o suficiente, uma garantia de que realmente não era nada ligado ao
comércio de seres sencientes, mas...
Não sei. Só não sei.
DOZE
Tá, talvez a "conversa" no refeitório tenha servido para me acalmar mais do que pensei, porque
quando entro na minha cabine de novo estou me sentindo até mais leve. Continuo achando tudo isso
estranho demais – e estou me achando uma idiota por não ter pensado em como é bizarro que uma
espécie tenha leis proibindo que pessoas de fora fiquem sabendo de muitas coisas. É justamente por isso
que não tem quase nenhuma informação disponível sobre os krijkare e eu sempre soube disso. Só não
parecia importante. Idiota.
Sara entra e para na frente do monitor desligado.
— Eu continuo não gostando disso — ela fala, sem se virar para mim. — Pode até ser um segredo da
espécie deles...
— Mas nós estamos enfiadas no meio sem saber de quê estamos sendo cúmplices — completo.
— Isso.
Me sento na cama e pego meu tablet por puro hábito. Ainda sem nenhum sinal de conexão a
nenhuma rede.
— Isso quer dizer que você vai continuar tentando achar um jeito de mandar uma mensagem? —
Pergunto.
Sara puxa uma das cadeiras e se senta antes de se virar para mim.
— Se você ainda achar que é melhor, porque não vou fazer isso sozinha. E agora estou com a
impressão de que fazer isso vai ser trair a confiança de Vhorr, já que vou poder voltar para a engenharia,
mas... — Ela dá de ombros.
É, eu sei como isso funciona. Vhorr foi quem a treinou desde o começo, quando viemos para cá.
— Você quer confiar nele — falo. — Do mesmo jeito que eu quero confiar que Drek, apesar de tudo, e
estou puta porque não consigo.
A essa altura, não consigo confiar nem na palavra de Dsara.
— Eu odeio isso — Sara resmunga.
Bem-vinda ao clube.
Me deixo cair para trás na cama. Pelo menos sei que vou ter parte das minhas permissões de acesso
restauradas, o que quer dizer que o simulador de voo vai estar liberado. Sara pode voltar para a
engenharia, mas eu não posso voltar para a ponte, que é onde sempre passei a maior parte do tempo.
Então vou ficar no simulador e fazer alguma coisa útil. Se é certeza que vai ter outra incursão como
aquela, é melhor eu já estar preparada para pilotar, de novo.
Tá, isso é um ponto bem positivo nessa confusão toda, porque não acho que ia ter permissão para
pilotar uma nave desse tamanho tão cedo se não fosse assim.
Sara se levanta e empurra a cadeira de volta para o lugar.
— Estou descendo — ela avisa.
— Cuidado — falo.
Ela não responde e escuto a porta se abrindo e se fechando. Não que Sara precise desse aviso. De
nós duas, quem tem mais chances de fazer uma cagada sou eu.
E eu também devia sair daqui e ir fazer alguma coisa, mas não quero nem sair da cama. Agora que
uma parte daquela tensão toda desapareceu, o cansaço está batendo com força. Com direito, já que não
dormi quase nada durante a "noite". Posso aproveitar agora.
Já estou quase apagando quando a porta apita. Solto o ar com força e me sento. Só consigo pensar
em uma pessoa que viria aqui justamente agora, pouco depois de Sara sair.
— O que foi, Drek?
Droga. Era para eu fingir que estava tudo bem, não era? Tarde demais. Se bem que isso era antes.
Agora...
— Te devo um agradecimento.
Essa é nova.
— Entra — falo, ao mesmo tempo em que me levanto e me apoio na escada da bicama. Não vou ficar
sentadinha esperando por ele.
A porta se abre e Drek fica parado ali por um instante. Não falo nada nem me saio do lugar enquanto
ele me encara daquele jeito dele e depois olha ao redor. Conferindo se Sara não está escondida em algum
lugar? Vai saber.
— Rivna mandou você vir aqui? — Pergunto.
Porque isso foi uma das coisas que Vhorr comentou, mais cedo. Rivna contou para eles que fui eu
quem foi atrás de Drek e resmungou que no mínimo eu merecia um agradecimento por ter feito isso
depois de como tinha sido literalmente jogada para fora da ponte.
Drek ri daquela forma meio sibilante e entra na cabine. A porta se fecha e ele puxa uma cadeira. Até
parece que ele está em casa. Se bem que... Tá, é a nave dele. De certa forma ele está em casa. Mas não
queria Drek na minha cabine assim, sentado em uma das nossas cadeiras, relaxado, à vontade. Vou ficar
me lembrando disso o tempo todo agora. É tudo o que eu não preciso, ainda mais depois de tudo isso. Não
quero ficar pensando em Drek. Agora sou eu quem quer distância.
— Como se ela fosse admitir que deu ordens que sabe que eu discordaria.
Como se o quê? Ah. Rivna. Droga. E eu contei que ela fez exatamente isso assim que entrei na
antessala de Drek, ontem. Se bem que não é culpa minha. Eu não fazia ideia disso. Para mim era até
esperado que alguém da equipe médica tivesse autoridade acima da de Drek numa situação daquelas.
— Mesmo se você não tivesse falado nada, eu ia saber que foi atrás de mim por ordens de Rivna ou
de Gheri — ele continua. — E é por isso que tenho que agradecer.
Essa é nova e muito boa. Cruzo os braços e levanto as sobrancelhas.
— Você não tinha nenhuma obrigação de obedecer Rivna. E eu ouvi o que você disse. Foi exatamente
isso que eu fiz: tratei vocês como se fossem descartáveis. Então não, você não tinha nenhum motivo para
se preocupar o suficiente para ir atrás de mim.
Pisco, sem ter certeza do que ouvi. Drek realmente falou isso?
— Que bom que você admite — resmungo, mas sei que não tem nem força na minha voz. Eu não
esperava isso. Dsara e os outros? Okay. Agora Drek voltando atrás assim...
Ele balança a cabeça e se levanta. De alguma forma, isso é pior. Enquanto ele estava sentado, o
problema estava em um lugar só. Agora é como se a presença dele estivesse tomando a cabine toda. E eu
não consigo nem desviar os olhos enquanto Drek vem na minha direção e para na minha frente, tão perto
que preciso levantar a cabeça para encará-lo.
— Especialmente com você, que estava treinando como uma de nós. Eu deveria ter pensado melhor
antes de agir. Mesmo assim, você foi para a ponte, sem a menor obrigação, contra minhas ordens, e
garantiu que conseguíssemos escapar. E depois disso, ainda foi atrás de mim. Então sim, eu te devo um
agradecimento. E desculpas, também.
Drek levanta uma mão e quase toca meu rosto. Preciso respirar fundo para não me aproximar mais.
Não. Isso não sou eu, é essa coisa que fizeram comigo, nem é o que importa agora. O que importa é que
ele admitiu que errou – e isso eu não esperava de jeito nenhum, pelo menos não sobre essas ordens.
— Não preciso de um pedido de desculpas — falo. — Só queria entender o que está acontecendo.
Ele abaixa a mão e balança a cabeça.
— São assuntos internos krijkare. Nisso, você ainda é uma forasteira.
E sempre vou ser. Suspiro.
— Entendo.
Drek solta o ar de uma vez.
— Eu não posso te contar o que está acontecendo, mas posso te garantir que existe um bom motivo
para o que estamos fazendo. Isso é, se minha palavra ainda valer alguma coisa para você. E vou tentar
fazer melhor daqui para a frente.
Engulo em seco e assinto, mal prestando atenção no que ele está falando. Drek está perto demais.
Tudo bem que ontem eu estava com as mãos nele, mas é diferente. Era por necessidade. Agora... Eu não
sei por que ele se aproximou assim e não consigo nem tentar imaginar um motivo, sendo que é Drek quem
sempre repete que é melhor eu não esperar nada.
A porta se abre. Desvio o olhar e encaro Sara, que está olhando para nós dois com as sobrancelhas
levantadas.
— Ceeeeeeeerto. Eu volto depois — ela fala.
Não sei se quero agradecer ou esganá-la agora. Juro que não sei.
Drek se afasta e balança a cabeça, ainda olhando para mim.
— Não precisa. É melhor eu ir.
E ele dizer isso não deveria me surpreender nem um pouco, mas acho que estava esperando algo
diferente. Não. Não adianta eu esperar nada, verdade. E isso não tem nada a ver com alguma
incompatibilidade biológica.
Não falo nada enquanto Drek sai da cabine. Sara o acompanha com o olhar até que a porta se fecha,
e só depois olha para mim.
— Se você tentar negar mais uma vez que vocês têm alguma coisa, eu vou dar um jeito de puxar as
gravações de segurança dos últimos minutos.
Reviro os olhos.
— Eu nunca neguei nada. Quem vive em negação aqui não sou eu.
É Drek.
— Ele contou alguma coisa útil? — Ela pergunta.
Balanço a cabeça.
— Nada que o pessoal não tivesse contado mais cedo. E você? Pensei que ia passar horas lá embaixo.
Sara sorri.
— E você ia gostar disso, não é? Não quero nem pensar no que ia ter acontecido...
Estreito os olhos. Nessas horas eu queria que ainda tivesse biscoitos espalhados pelo chão, porque eu
precisava de alguma coisa para jogar em Sara.
Ela fica séria de repente.
— Consegui dar uma olhada nas configurações das placas enquanto estavam trocando os turnos. Isso
vai dar mais trabalho do que pensei.
Ah, não.
— "Mais trabalho" como?
Sara suspira.
— Posso demorar meses para conseguir achar um jeito de contornar o bloqueio.
TREZE
Saio da sala de simulação e rolo os ombros para trás. Estou sentindo todos os meus músculos tensos
e travados. Simulação de combate é um saco. Não adianta ficar repetindo para mim mesma que é só uma
simulação, não realidade. Eu sempre fico tensa como se estivesse em uma situação de vida ou morte.
Dsara já tentou me convencer a passar menos tempo aqui – nos dois dias desde aquela conversa no
refeitório e desde que Drek que foi atrás de mim, já tenho uma contagem de vinte e oito horas no
simulador. Não que seja muito difícil conseguir um número desses quando ainda estou tendo pesadelos.
Por um lado, vir para a sala de simulação quando ainda estou com aquilo na cabeça não é exatamente
uma boa ideia. Ao invés de relaxar, eu só jogo mais tensão em cima de tudo. Mas, pelo menos, é uma
tensão diferente e eu estou gastando aquele medo que sempre fica para trás depois do pesadelo. Estourar
naves inimigas é uma boa terapia.
Nesses dois dias, tanto Drek quando o restante do pessoal cumpriram a sua palavra. Sara está
passando a maior parte do tempo na engenharia, de novo. E aposto que se estivesse contando quantas
horas ela está passando lá, seria mais que minhas vinte e oito horas de simulador.
Eu realmente pensei que depois do que nos contaram – sobre isso tudo ser algo dos krijkare – eu ia
relaxar um pouco e parar de ter o mesmo pesadelo toda noite. A mesa de experimentos, não conseguir me
mover, sentindo a dor enquanto injetavam sabe-se lá o que em mim. Até hoje não tive coragem de pedir
para a força-tarefa fazer um teste completo para descobrir exatamente o que fizeram comigo. E, já que
até agora o único "efeito colateral" que notei foi essa coisa que me faz não conseguir ignorar Drek, não
acho que preciso saber o que fizeram. Não está me atrapalhando, de qualquer forma.
Mas até eu sei que preciso de uma pausa depois de quatro horas direto em uma simulação de
combate. Para piorar, uma simulação perto de um campo de asteroides. Não sei o que eu estava pensando
quando aceitei esta configuração. Pelo menos sei que, quando Drek vier com a loucura da próxima
incursão suicida, não vou pirar se precisar pilotar.
Rolo os ombros para trás de novo e sigo pelo corredor. Quando dou por mim, já estou na porta da
ponte de comando, por puro piloto automático. Ainda não me acostumei com o fato de que não vou voltar
a trabalhar aqui até isso tudo terminar. Suspiro e me viro para pegar o corredor que vai me levar para o
refeitório. Preciso de comida. É a melhor distração agora.
Me encosto na parede quando escuto passos pesados e rápidos vindo da ponte. Quatro pessoas
passam por mim, praticamente correndo, e só consigo reconhecer Zima, que está por último. Certo.
Problemas.
— Zima! — Chamo.
Ela olha para trás. Definitivamente problemas. Nem mesmo o pessoal do corpo de ataque da nave
costuma estar armado o tempo todo e ela está com duas pistolas híbridas, pelo menos.
— O que foi? — Pergunto.
— Alarme de intruso — Zima fala e volta a correr.
Alarme de...
— Alguém invadiu a nave?
Ninguém me responde. Que seja, então. Volto para a entrada da ponte. Se algum alarme disparou, já
o desligaram, mas Rhi e Nahm estão conversando de forma agitada, com Dsara parada de braços
cruzados ao lado deles. É, eu entendi certo. Alguém invadiu a nave. É a única explicação para isso.
Quem é louco de invadir uma nave de piratas krijkare? A menos que estejam pensando que seja uma
nave do Corpo Militar, e mesmo assim seria loucura. Já ouvi histórias o suficiente sobre a segurança nas
naves deles. Mesmo que os equipamentos de defesa e as armas não tenham o padrão que Drek gosta, o
Corpo Militar em si tem protocolos de segurança que fazem com que até os melhores piratas e
mercenários evitem pegar trabalhos que envolvam invadir naves e instalações deles.
— Talita?
Olho para trás. Drek está vindo pelo mesmo corredor onde eu estava. Não deveria ser uma surpresa
ver ele aqui – estamos na nave dele e um alarme de intrusos disparou – mas ele fez questão de não
aparecer nos últimos dois dias. Isso até poderia ser coincidência um caso de horários desencontrados,
agora que não estou mais trabalhando na ponte, mas duvido que seja. Especialmente depois daquela cena
no meu quarto. Ainda não sei o que teria acontecido se Sara não tivesse chegado naquela hora, mas sei
que aquilo foi muito além do ponto em que Drek normalmente recua.
— Posso fazer alguma coisa? — Pergunto.
Ele assente e indica um dos corredores laterais menores com a cabeça. O acompanho sem falar nada.
Só vim aqui umas poucas vezes antes, e a última foi quando estávamos ajudando Carol. Para ser exata,
quando ela e os dois enviados do Conselho estavam em terra, no planeta natal dos drillianos, e uma nave
disparou bombas onde eles deveriam estar. É nesse corredor que estão as "salas de guerra", como Sara as
chama: os lugares onde a parte mais delicada das operações é discutida e controlada.
Drek abre uma das primeiras portas no corredor e gesticula para eu entrar. Quase paro na porta: a
sala está completamente vazia. Tenho uma boa ideia de para quê usam esta sala. Mas, pelo visto, ainda
estou andando devagar demais, porque Drek coloca uma mão nas minhas costas e me empurra de leve.
— Faz quanto tempo que não usa o simulador de tiro? — Ele pergunta.
Paro no meio da sala e me viro para Drek. Ele está segurando uma pistola híbrida – que usa tanto
lasers em potências variadas quanto projéteis.
— Um mês e meio. Dentro da margem de segurança.
Porque isso é uma daquelas coisas que pode não ser uma regra da nave, mas que eu nunca deixo
passar. Todos na tripulação que têm treinamento de tiro precisam manter a prática e fazer avaliações de
tempos em tempos. A margem de segurança é de três meses, o tempo máximo que alguém pode ficar sem
treinar ou ser avaliado. Um mês e meio já é muito, para mim.
Drek me passa a arma e para ao meu lado, olhando para a porta. Certo, então. Agora só falta me
explicar o motivo disso.
— O alarme disparou em uma das entradas superiores. A forma de entrada é uma que é especialidade
de Suelen — ele fala.
— E como as comunicações estão bloqueadas, você não tem como saber se é ela ou outra pessoa
usando a mesma técnica.
Ele assente.
Então o grupo que eu vi se afastando, com Zima, está indo apreender o intruso. Ou não fazer nada, se
for Suelen. E se for eu vou rir muito depois de toda a fala de Drek sobre a força-tarefa não conseguir nos
localizar. Só tem uma coisa que não faz sentido.
— Por que eu estou aqui, e armada?
— Porque os sensores internos estão reconhecendo o intruso como terráqueo.
E pelo visto Drek acha que isso é explicação suficiente, porque se cala. Ah, não. Começou, agora
explica.
— Estão reconhecendo como terráqueo, e...?
Drek suspira e olha para mim.
— Olhe o que vocês já fizeram no Acordo nos últimos anos. Se for um intruso e não Suelen, quero
você aqui porque é a pessoa na minha tripulação que tem mais chance de reconhecer uma armadilha.
Você pensa como eles. Nós, não. E eu sei que você não nos trairia.
Respiro fundo. Certo. Se estou entendendo direito... Ele está falando que o que vai acontecer aqui é
minha decisão.
— E se eu achar que é uma armadilha...
Drek indica a arma na minha mão, sem falar mais nada. Não que precise. Ele está me dando carta
branca. E está colocando a segurança da nave e da tripulação das minhas mãos.
Respiro fundo de novo e assinto. Isso pode não mudar o que ele fez antes, como me expulsou da
ponte e fez todo mundo agir como se eu fosse um nada. Mas definitivamente começa a pesar a balança
para o outro lado.
QUATORZE
Não demora muito para eu ouvir os passos pesados da equipe de combate. Nunca entendi se isso é
algo proposital, para ter certeza de que o restante da tripulação vai saber quando estão por perto e abrir
espaço, ou se é culpa do equipamento deles. Um dia ainda me lembro de perguntar. Mas não agora,
porque se toda a equipe está vindo para cá é porque quem entrou na nave não foi Suelen. Maravilha.
Dou um passo para trás. Se tenho carta branca, é assim que eu quero. É melhor que quem quer que
seja foque em Drek. Parada um pouco atrás dele, eu sou só mais uma subalterna qualquer, mesmo que não
tenha uma forma decente de esconder minha pistola. Até poderia colocar as mãos para trás, mas é mais
fácil isso servir para deixar alguém na defensiva do que funcionar de uma forma útil para mim.
A porta se abre e um dos krijkare da equipe de combate entra primeiro. Ele ou ela está usando um
capacete de combate, então não tenho nem como tentar adivinhar quem é. E isso também quer dizer que
eles não fazem a menor ideia de quem o invasor é, ou não estariam de capacete. Outra pessoa da equipe
de combate entra logo depois e então uma mulher terráquea vestida de cinza. Estreito os olhos. Estou na
nave de Drek há tempo o suficiente para reconhecer os tipos de roupas preferidos por mercenários e
caçadores de recompensas, e é algo assim que ela está usando: calça e blusa justas e cheias de bolsos e
botas pesadas que com certeza têm todos os dispositivos possíveis para facilitar no seu trabalho, como
ímãs. Ela está de luvas e um pedaço de tecido também cinza está enrolado no seu pescoço. Provavelmente
estava enrolado no seu rosto antes da equipe de combate a achar. É a mesma coisa que umas tantas
terráqueas fazem para passar despercebidas.
A equipe de combate forma uma linha logo atrás da mulher, que dá mais alguns passos na direção de
Drek antes de parar. E ela mal olhou para mim. Tá... Não vou reclamar. É isso que eu quero, mesmo.
— Caçadora — Drek fala.
Então eu estava certa. Caçadora de recompensas. Não sabia que tinha terráqueas trabalhando assim.
Se bem que eu não conheço nenhuma das terráqueas que não trabalha para a força-tarefa.
A mulher assente.
— Capitão. Agradeço por não ter dado ordens para atirarem à primeira vista.
— Minhas ordens ainda podem mudar. O que você quer na minha nave?
Ela sorri.
— Fui contratada para localizar uma nave desaparecida e entrar em contato com o capitão. Então
digamos que já consegui o que queria aqui.
Não vou rir. Não vou. Mas não me esqueci de Drek falando que a força-tarefa não ia nos achar –
porque não tem como pensar que foi outra pessoa que mandou essa mulher aqui, especialmente
considerando que ela é uma terráquea.
Drek não fala nada. Típico: tentar forçar a pessoa a falar usando o silêncio. Isso é uma coisa que eu
percebi que funciona muito bem com todas as espécies de aliens. Ainda estou para conhecer alguém que
fique confortável em silêncio, e pelo visto a caçadora não é a exceção, porque suspira.
— Minha cliente disse que existia a possibilidade de estarem lidando com assuntos internos e terem
desaparecido do mapa por isso. E que estes assuntos internos envolveriam uma boa chance de saques
interessantes.
A mulher enfia a mão em um dos bolsos da sua blusa, se movendo devagar, e tira um anel de lá. É
minha vez de suspirar e só não guardo a pistola porque não tenho onde guardar. Conheço esse anel. É um
dos que Drek usa para reconhecer seus aliados – algo tradicional dos krijkare, pelo que entendi – e que
tem um mecanismo de segurança que o destrói se for roubado. Se a mulher está segurando um desses
anéis, é porque foi mandada por alguém em quem Drek confia. Provavelmente por Suelen – a terráquea
que já foi parte da sua tripulação antes.
— Meu contrato foi para oferecer ajuda, caso estivessem enfrentando algum problema externo, e
oferecer meus serviços, caso estivessem cuidando desse problema interno — a caçadora de recompensas
continua. — Fui avisada de que não conseguiria sair daqui até resolverem o que quer que esteja
acontecendo.
E, aparentemente, aquela história toda sobre ser um segredo krijkare e ninguém de fora poder saber
era pura enrolação. É a única explicação para essa mulher chegar aqui já com uma boa noção do que está
acontecendo: Suelen sabe. Por que é que ainda me surpreendo?
Eu realmente preciso ir embora daqui. Essa coisa de ficar esperando o melhor vindo de Drek, mesmo
depois de todas as provas do contrário, não é nem um pouco boa.
— Quem é você? — Drek pergunta.
A mulher sorri.
— Renata.
Suspiro. Claro. Só tem uma Renata que se apresentaria assim, como se um nome fosse o suficiente. E
é, na verdade, porque até eu já ouvi falar dela. Renata é para os caçadores de recompensa o que Suelen é
para os mercenários: alguém que consegue fazer os trabalhos que a maioria dos outros se recusa a
aceitar.
Drek estende uma mão. Renata joga o anel para ele, que o pega no ar. Continuo parada no lugar
enquanto Drek encara o anel. Todos eles têm marcas que dizem exatamente para quem foram entregues e
eu sei que, normalmente, Drek entraria em contato com o dono do anel primeiro, antes de aceitar a
palavra de Renata. Mas, agora...
— Suelen — ele fala.
Nenhuma surpresa. E ele com certeza não vai entrar em contato com ela, porque mesmo que Suelen
não seja oficialmente parte da força-tarefa, também trabalha para eles.
Renata assente, sem relaxar. Esperta. Não que faça muita diferença, agora. Ela chegou com um dos
anéis de Drek, contratada por Suelen. Ninguém vai fazer nada com ela. E, conhecendo sua reputação, ela
seria útil... Não. Drek não colocaria uma humana em uma daquelas incursões, colocaria? Porque foi esse o
motivo para ele ter me tirado dos grupos.
— Consegue guardar segredos? — Drek pergunta.
Por que é que eu ainda me surpreendo?
O sorriso de Renata se alarga.
— Quando sou paga para isso, sim.
Drek fecha a mão que está segurando o anel, sem desviar o olhar da caçadora.
— A questão não é se vai ser paga ou não. A questão é se você vai continuar comprada, ou se vai falar
tudo para a primeira pessoa que aparecer lhe oferecendo mais.
Renata fica séria no mesmo instante.
— Eu não teria a minha reputação se quebrasse contratos por mixaria. Um contrato justo é um
contrato justo, não importa se depois eu receba uma oferta melhor.
Drek a encara por mais alguns segundos antes de assentir.
— Você pode ser útil para nós, então. Qual a sua experiência com incursões?
Ah, não. Ele vai fazer isso. Ele realmente vai fazer isso. Filho da mãe.
E para mim já deu. Renata foi enviada por Suelen, etecetera e etecetera, então é de confiança. Certo.
— Você não precisa de mim aqui — falo.
Drek olha para mim. Balanço a cabeça e entrego a pistola de volta para ele. Não quero saber o que
ele vai dizer agora. E ele continua em silêncio enquanto saio da sala, mesmo que consiga sentir o seu
olhar em mim.
QUINZE
Da próxima vez que passar pela nave que funciona como base da força-tarefa, preciso perguntar para
as outras terráqueas lá se alguém já está contrabandeando seriados ou filmes. Já devia ter feito isso muito
tempo atrás, na verdade, mas nunca precisei mesmo de arrumar alguma coisa para fazer. Sempre estava
ou treinando ou trabalhando, desde que vim para a nave de Drek, mas agora... Argh.
Quando saí da sala para onde levaram a caçadora de recompensas, minha intenção era comer alguma
coisa e depois voltar para o simulador. Ia ficar com as costas doendo por causa da tensão? Com certeza.
Mas pelo menos ia gastar um pouco de raiva atirando em naves inimigas, porque ainda estou muito puta
com essa coisa toda de Drek. Eu não posso saber de nada, mas Suelen sabe o suficiente para mandar
Renata atrás da nave, com instruções claras. Eu não posso saber nada sobre as incursões, muito menos
fazer parte delas, mas Renata está sendo contratada para isso. Argh. Seria melhor só terem falado que
não queriam me contar nada, que não confiavam em mim para ajudar, do que inventar essa coisa toda de
que era um segredo krijkare.
E, para melhorar, quando cheguei na sala do simulador meu acesso foi negado – por ter excedido o
máximo de horas diárias de simulação. Dsara. Aposto qualquer coisa que isso foi obra dela, porque nem
fiquei tanto tempo assim no simulador hoje. Se existisse mesmo um bloqueio por tempo de uso, eu teria
descoberto há mais tempo. E sei que não adianta tentar falar com Dsara, porque ela não vai liberar o
sistema para mim, ainda mais considerando que ela está o tempo todo para eu diminuir meu ritmo.
Ou seja, estou sentada em uma das salas de entretenimento, uma das que costuma ficar vazia porque
está perto demais dos propulsores, assistindo um campeonato um esporte que eu não faço ideia de como
funciona. Envolve uma bola pesada sendo arremessada de um lado para o outro – pelo visto não são só
terráqueos que têm uma coisa com esportes com bolas – em uma arena, com três times de espécies
mistas. Sei que o narrador está falando alguma coisa sobre a "pegada" ou algo assim, só que continuo não
entendendo nada, mesmo que meu tradutor esteja fazendo seu trabalho. Mas não tenho nada melhor para
fazer, então continuo assistindo essa coisa.
Escuto a porta se abrindo e me viro. Ah, ótimo. Drek está parado na entrada, e me encara daquele
jeito dele: dos pés à cabeça, como se estivesse catalogando como estou ou algo assim. Suspiro. Claro que
eu não ia dar a sorte de ficar livre dele. Olho ao redor e paro. Não, minha culpa, dessa vez. Devia ter me
lembrado que essa é a sala de entretenimento mais perto da cabine dele.
— Você está irritada — ele fala.
Reviro os olhos antes de voltar a encarar o monitor na parede.
— Gênio.
Drek suspira e entra na sala. Continuo encarando a tela e fingindo que estou prestando atenção no
jogo enquanto ele entra e se senta na outra ponta do sofá onde estou.
— Você pelo menos está entendendo o jogo? — Ele pergunta.
Não respondo. Isso está me lembrando de como era antes, logo quando Sara e eu viemos para a nave.
Na época, eu sempre tentava achar um lugar vazio depois das sessões de treinamento. Era minha forma
de tentar absorver as coisas – que eu realmente estava em uma nave, no espaço, e por vontade própria.
Depois de algum tempo Drek começou a ir atrás de mim, até que isso virou quase uma rotina, as horas
sentados conversando ou assistindo alguma coisa, enquanto ele me explicava sobre o Acordo e tudo o que
estava acontecendo, ou então eu contava casos da Terra, as coisas que para mim sempre foram normais,
mas que aqui são absurdamente estranhas. Não demorou muito para eu começar a procurar as salas
vazias só para poder passar esse tempo com Drek. Até o dia que ele começou com aquela conversa de
"não esperar nada" e se afastou de uma vez. No meio de tudo o que aconteceu depois disso, com Carol
vindo para a nave e os problemas para conseguir aprovar as alterações nas leis do Acordo, eu quase me
esqueci do tanto que isso me incomodou.
— O que eu fiz agora? — Drek pergunta.
Respiro fundo e fecho os olhos por um instante. Minha vontade é responder um "nada", mas isso não
vai levar a lugar nenhum. A verdade, então.
— Mentiu para mim.
— Quando?
— Você falou que essa confusão toda era um segredo krijkare, que ninguém de fora podia saber, mas
aparentemente Suelen sabe o suficiente para mandar Renata para cá.
Drek suspira.
— E agora você já está imaginando o pior para qualquer situação.
Me viro para ele. Não vou negar que estou, mas também não acho que é sem razão. Drek balança a
cabeça, sem desviar o olhar.
— Isso é minha culpa, eu sei — ele suspira de novo e puxa o cabelo para trás. — Suelen sabe que
tenho uma nave com tripulação totalmente krijkare... Quase totalmente, agora. Mas ela sabe que isso não
é por acaso e que em algum momento teríamos que cuidar da nossa missão, também. Mais nada.
Olho para a tela de novo. Pela empolgação do comentarista, parece que o jogo está terminando, mas
agora estou entendendo menos ainda do que está acontecendo. E não vou pedir desculpas para Drek. Não
vou. Pensei o pior, sim, mas não foi sem motivo. Antes dessa confusão toda começar algo assim nem teria
passado pela minha cabeça, porque eu confiava nele.
— O que eu fiz... — Drek dá de ombros. — Eu devia ter pensado melhor. Explicado antes, talvez.
É, isso já teria ajudado. Tarde demais, agora.
— Quando as ordens chegaram, eu entrei em pânico. E... Droga. Eu não posso te contar.
Suspiro e dou de ombros. Eu sei que não pode me contar. Estou ouvindo a mesma coisa faz quanto
tempo mesmo? E isso não deveria me incomodar tanto assim. Não mesmo. Não é como se ele tivesse que
me dar qualquer justificativa além do que daria para outra pessoa da tripulação...
Esse é o problema. Por mais que Drek insista em falar o "não espere nada", não é assim que ele age.
Então eu espero mais, porque ele sempre age como se houvesse mais. E eu já estou cansada desse vai e
vem.
Me levanto e olho para Drek.
— Me faz um favor? — Espero ele assentir e respiro fundo. — Se decida, okay? Porque não dá para
continuar assim.
Ele balança a cabeça. Como é que ele ainda consegue não entender o que quero dizer?
— Decide o que quer. Se quer distância ou se quer alguma coisa, porque você age como se eu
estivesse insistindo o tempo todo, mesmo sem eu ter falado nem feito nada, e depois vem atrás de mim. Se
decida.
Me viro sem esperar uma resposta. No instante seguinte, Drek está parado na minha frente. Paro a
um fio dele e levanto a cabeça. Ele segura meu queixo, me forçando a sustentar seu olhar. Não que eu
fosse desviar o olhar, agora. Se ele não gostou do que ouviu...
— Eu sei o que eu quero. Mas também sei o que não posso ter.
Ah, não. Eu...
Drek abaixa a cabeça. Fico parada, sem saber como reagir, até que sinto os lábios dele nos meus. Ele
fez isso.
É rápido, só lábios, mas...
Passo um braço ao redor do seu pescoço e seguro sua cintura com o outro, sentindo seus músculos se
contraindo com o meu toque. Drek solta meu rosto e segura minha nuca com cuidado, antes de abaixar a
cabeça de novo. Fecho os olhos, deixando minhas mãos passearem pelas suas costas, sentindo seus lábios
nos meus. Não pensei que isso fosse acontecer. Já tinha desistido de qualquer coisa há muito tempo,
mas...
Isso é diferente. Ele sobe uma mão pelas minhas costas e sinto as pontas das suas garras. É loucura.
Já cansei de ouvir falar que nossas espécies não são compatíveis – coisa que não duvido nem um pouco.
Mas ele está tomando cuidado e a sensação das garras dele na minha pele, esse aviso de perigo... Eu
quero mais. Muito mais.
Mordo seu lábio inferior, tentando me aproximar ainda mais mesmo que nossos corpos já estejam
colados. Drek ri contra a minha boca.
— Não é justo — ele murmura.
É minha vez de rir. Isso é uma coisa que ele não vai poder fazer comigo, porque os krijkare têm os
dentes afiados. Mas quem se importa com justiça mesmo? Enfio uma mão por baixo da sua blusa enquanto
ele toma minha boca de novo. Isso é o que eu estava perdendo esse tempo todo, isso...
É loucura.
Insanidade temporária. É isso.
Me afasto, tentando ignorar como estou ofegante. Me odeio por estar me afastando justo agora que
ele decidiu fazer alguma coisa, mas... Nada mudou. Nada.
— Eu não vou ser um brinquedo para você ficar falando isso, agindo assim, e depois se afastando
como se a culpa fosse minha —falo.
Drek respira fundo e balança a cabeça antes de me encarar.
— Não vai ser. Eu...
Atenção, tripulação. Iniciando aproximação do alvo.
Alvo. Estou olhando para Drek, e a expressão dele já me conta tudo o que preciso: outra incursão.
Que seja, então.
— Vai me dar ordens para ficar longe da ponte? — Pergunto.
Drek suspira e passa uma mão pelo rosto, e acho que nunca vi ele parecer tão humano quanto agora.
— Não tenho o menor direito de te dar ordens sobre isso, agora. A escolha é sua.
Certo, então.
E tem muitas coisas que eu queria falar, começando por um "é melhor você voltar inteiro", mas fico
em silêncio enquanto Drek sai da sala.
DEZESSEIS
Encaro os controles na minha frente e solto o ar com força. Não faz a menor diferença que eu tenha
passado sabe-se lá quantas horas no simulador, isso continua sendo tão assustador quanto da outra vez.
Pelo menos dessa vez as equipes de incursão tiveram o cuidado de desativar os geradores da outra nave
primeiro, então não chegaram a atirar em nós. Mesmo assim, eu assumi como piloto e Kren estava de
prontidão caso alguma coisa desse errado. E não estou reclamando – eu quero pilotar. Depois dessas
incursões malditas, acho que consigo pegar uma nave em praticamente qualquer situação sem entrar em
pânico.
— Hangares fechados — Kren fala. — Estou te enviando as coordenadas de destino.
A localização aparece no monitor na minha frente. Ligo o aviso de ativação dos novos propulsores
enquanto configuro nossa direção, e espero o impulso da aceleração. Tão simples, pelo menos
aparentemente. E tão complicado, na verdade. Encaro o monitor, conferindo nossa posição até poder
desligar o propulsor. As luzes do alarme param de brilhar e me inclino para trás na cadeira. Acabou.
— Precisa de mais alguma coisa? — Pergunto, olhando para trás.
Kren se vira para mim e balança a cabeça.
— Estamos em uma área estável. Pode ir.
Ótimo, porque eu tenho mais trabalho a fazer. Não me esqueci da explicação de Rivna sobre porque
Drek não tinha descido para a enfermaria da outra vez. O que quer dizer que ele não vai descer agora
também.
E eu não faço a menor ideia do que vai acontecer quando eu entrar na cabine dele de novo. Passo um
dedo pelos lábios enquanto sigo pelo corredor que dá no elevador. Ainda não acredito no que aconteceu
antes da incursão, a forma como ele me beijou... E não sei qual vai ser minha reação se Drek olhar para
mim como se nada tivesse acontecido. O que é bem provável que ele faça, aliás.
Eu não deveria me importar. Não mesmo. Isso é culpa do que quer que fizeram comigo e mais nada.
Aham. E não vou ser hipócrita e ficar mentindo para mim mesma quando vivo resmungando por Drek
fazer exatamente isso.
O corredor da enfermaria está cheio, de novo, e isso não me surpreende nem um pouco. Lutar com
espadas não é como lutar usando pistolas e outras armas de longo alcance. É só por isso que não reclamei
mais sobre a decisão de Drek de me manter fora dos grupos de incursão, mesmo que Renata tenha ido
com eles. Fui treinada para lutar como é normal no Acordo – longa distância, alta tecnologia. O que
aprendi de combate corpo-a-corpo nunca seria o suficiente numa situação dessas.
Nem olho para os lados enquanto vou até a sala de triagem. Já sei os ferimentos que vou ver, e é um
alívio não estar ouvindo ninguém gritando. Mesmo assim... É loucura.
Dsara está na porta da sala de triagem, de novo, e coloca uma mão no meu ombro quando estico a
mão para o painel.
— É melhor você não entrar aí.
Respiro fundo e me viro para ela. Apesar de todas as restrições que foram retiradas, eu continuo sem
ter acesso à enfermaria, e pelo visto isso não vai mudar.
— Preciso... — começo.
Dsara balança a cabeça e coloca a mão no painel.
— Rivna? Talita está aqui.
— Um minuto — Rivna responde.
Certo, então. Sem nem entrar na sala de triagem. Okay. Só queria entender o motivo.
E Dsara continua me encarando com uma expressão estranha. Tenho a impressão de que ela está me
analisando, mas não consigo imaginar por quê.
— Drek estava distraído demais quando desceu para nos encontrar — ela fala.
Dou de ombros e desvio o olhar. Não quero voltar a pensar nisso – não que evitar vá adiantar alguma
coisa, se estou indo atrás dele de novo. Mas é bom saber que Drek estava distraído. Não sou a única que
não conseguiu tirar aquele beijo da cabeça. Se bem que... Não sei se quero isso. Não mesmo. Depois desse
tempo todo com Drek falando que quer distância e tudo mais, se afastando e depois se aproximando de
novo. Não quero uma complicação dessas para mim.
— E por que você está falando isso comigo? — Pergunto.
Dsara revira os olhos.
— Eu só sei de uma pessoa que consegue deixar ele distraído assim. E se não imaginasse que
aconteceu alguma coisa mais cedo, sua reação agora teria sido o suficiente para me contar isso.
Fato. Pelo visto preciso aprender a me controlar melhor, se quiser evitar discutir esse tipo de coisa
nos corredores. Argh.
Ela suspira.
— Eu sou sua amiga... E sou amiga dele. Só por isso que vou dizer isso. Mas você precisa insistir. Não
deixe ele continuar levantando as paredes.
É a minha vez de revirar os olhos.
— Virou uma velha casamenteira agora, é?
— Eu não faço ideia do que isso quer dizer.
Provavelmente não faz mesmo. Suspiro.
— Insistir só vai me fazer passar mais raiva, especialmente agora que não faço a menor ideia do que
está acontecendo e não sei e posso confiar em nenhum de vocês.
Dsara assente.
— É disso que estou falando. Insista para saber.
Balanço a cabeça.
— Não vou insistir se é um segredo da sua espécie. Gostando ou não, eu entendo. Eu também não
falaria nada se fosse algo vital sobre os terráqueos.
— E esse é um dos motivos para eu estar dizendo isso. Você vai saber guardar o segredo. Mas insista,
Talita. Se é o que você quer, insista.
Respiro fundo. Muito fácil falar.
A porta da sala de triagem se abre antes de eu conseguir pensar em uma resposta. Rivna me passa
uma caixa retangular transparente, com três aplicadores. Dois reconstrutores de tecido e um restorativo.
Levanto a cabeça para dizer que ela está me passando coisas demais, mas a porta já se fechou.
— Eu acho que você vai precisar de tudo isso — Dsara fala.
Drek está ferido a ponto de precisar de dois reconstrutores e ela estava parada conversando comigo?
Corro na direção do elevador mais próximo, voltando para o andar da ponte. Eles são loucos. Todos eles.
Insanos.
A porta que dá para a antessala de Drek se abre assim que coloco a mão no painel. Nem me
surpreendo quando percebo a luz mais fraca, de novo, e vou direto para a cadeira onde consigo ver a
silhueta de Drek.
— Luz? — Peço.
Ele se mexe, devagar, e a luz fica um pouco mais clara. Ótimo. E é melhor assim, sem Drek falar
nada.
O encaro, procurando qualquer sinal de ferimento. Consigo ver uma mancha de sangue no seu braço
direito e outra na sua perna. Nada muito pior que da outra vez, aparentemente. Dsara e Rivna estavam
me deixando em pânico à toa. Coloco a caixa no chão ao lado da cadeira onde ele está e me viro para
pegar a mesma faca que usei da outra vez, que fica escondida em um compartimento especial na mesa
baixa. Me levanto e seguro a gola da blusa de Drek, colocando a faca no lugar para começar a cortar. Só
então ele se mexe.
— Esse aqui primeiro — ele fala, soando muito mais sibilante que o normal.
Olho para onde a mão dele está. Tem uma mancha de sangue enorme no seu torso, do lado direito, e
ela ainda está crescendo. De longe, tinha parecido só uma sombra, mas agora...
— Puta que pariu.
Enfio a faca na sua blusa e desço cortando pela parte da frente, sem nem me preocupar em ser
delicada. Puxo o tecido da blusa para os lados e engulo em seco quando vejo o corte. Esse foi fundo
demais. Eu não sei o suficiente nem sobre anatomia humana, mas tenho certeza de que algo assim não
tem como ser bom. E se tiver acertado algum órgão? E se ele estiver com hemorragia interna? Eu não...
— Só use o reconstrutor — ele fala, ainda com a voz fraca e mais sibilante que o normal.
Certo. Só usar o reconstrutor. Louco.
Abro a caixa depressa e pego um dos aplicadores. Eu realmente espero que isso seja o suficiente.
Loucura. Não quero nem saber de nada sobre a tripulação não poder ver os ferimentos dele ou outra
bobagem, um ferimento desses com certeza é motivo para ele ter engolido essa justificativa e ido para a
enfermaria. Gheri ou Rivna deveriam estar cuidando disso, não eu, que não sei nada além do básico de
primeiros socorros.
Pego um dos rolos de curativos que Rivna colocou na caixa e uso um pedaço para limpar o sangue ao
redor do corte, só o suficiente para eu conseguir ver o que estou fazendo. Nem é surpresa que Drek mal
esteja se mexendo e não tenha falado nada além do necessário. Louco. Ele podia ter morrido por causa
disso.
E acho que essa minha reação quer dizer que não preciso pensar muito no que Dsara falou. No fim
das contas, eu quero isso, sim. Quero Drek, e não adianta querer colocar a culpa no que quer que fizeram
de experimentos comigo. Tem um pouco disso, mas não é tudo. Na verdade, agora isso já é a menor parte
de qualquer coisa entre nós.
Continuo aplicando o reconstrutor, vendo o corte se fechando lentamente, de dentro para fora. Eu
espero muito que isso não cause nenhuma complicação. Já sei que vai ser um inferno fazer Drek ir na
enfermaria depois, mas ele precisa que algum profissional confira isso aqui. Louco.
Uma luz azul se acende na ponta do aplicador. Está sem carga. É a primeira vez que vejo isso
acontecer. Pego o outro depressa e continuo. O corte já está quase todo fechado, mas não quero nem
pensar em parar. Vai que isso aqui abre de novo?
Não demora muito para eu terminar e Drek suspira. Claro que está suspirando. Muito fácil. Ao invés
de descer para a enfermaria... Argh!
Me levanto e termino de cortar sua blusa. O corte no braço pelo menos não parece ser nada sério.
— Eu poderia estar ajudando, sabe? — Resmungo.
— Você está.
Suspiro. Sou louca por estar ouvindo o conselho de Dsara, mas eu quero saber o que está
acontecendo. E realmente acho que posso ajudar, de alguma forma. Preciso fazer alguma coisa para
ajudar, porque ver o resultado das incursões depois, sem entender o que está acontecendo e sem poder
fazer nada...
— Se você me contasse o que estão procurando... — começo.
— Não posso. Eu já te expliquei isso.
Eu vou para o inferno por estar insistindo assim, ainda mais quando Drek mal consegue me
responder. Mas vou aproveitar qualquer vantagem que tiver, porque senão nada vai mudar.
— Eu preciso fazer a lista das mudanças que aconteceram no Acordo nos últimos anos por causa de
umas poucas mulheres terráqueas? Às vezes é bom ter alguém com uma visão externa do que está
acontecendo, sabe?
Termino com o corte no seu braço e me abaixo para cortar a calça. Drek ainda está praticamente
imóvel, mas sinto seu músculo saltar quando coloco uma mão na sua coxa. E ele não me respondeu. Certo.
Começo a cortar a calça, sem falar mais nada. Às vezes o silêncio é a melhor forma de arrancar uma
resposta de alguém.
DEZESSETE
— Estamos buscando informações.
O aplicador quase cai da minha mão. Levanto a cabeça e Drek está me encarando. Ele suspira e
segura meu queixo de novo, do mesmo jeito que fez mais cedo. Não falo nada enquanto ele passa um dedo
pela minha bochecha, o tempo todo sem desviar os olhos dos meus.
— Termine. Eu vou te mostrar.
Assinto, sem conseguir falar nada, e ele me solta. Estou tremendo quando ligo o aplicador de novo e
começo a fechar o corte na sua perna, que é mais fundo que o corte do braço. Apesar de tudo, eu não
esperava que ele fosse ceder assim. Estava esperando uma discussão que ia terminar comigo saindo daqui
furiosa, de novo, e sem saber de nada. Eu pesquisei o suficiente sobre os krijkare para saber que as
punições quando alguém quebra uma das leis de silêncio são pesadas, nunca pensei que ele fosse
arriscar... Mas não por causa das punições, e sim porque estou falando de Drek. Ele pode ter sido um
pirata por anos antes de aceitar um contrato com a força-tarefa, mas ele sempre teve o seu conjunto de
regras. Estas, ele nunca quebra.
E agora... Termino com o corte e guardo o aplicador quase vazio na caixa, antes de pegar o
restorativo. Não olho para o rosto de Drek enquanto me levanto e o aplico perto de onde estava o corte no
seu torso. O restorativo vai se espalhar por todo o seu organismo, mas essa é a área que mais precisa
dele, agora.
Pego um dos rolos de curativos, mas Drek segura meu pulso assim que me aproximo, de novo.
— Eu faço isso.
— Certo.
Entrego os curativos para ele e olho ao redor. Pelo menos a voz de Drek está mais forte, menos
sibilante. Quase de volta ao normal, mesmo que ele ainda esteja se movendo o mínimo necessário. E não
quero ficar pensando no que poderia ter acontecido nessa incursão e no que pode acontecer nas
próximas. Se ele ainda está se movendo tão pouco...
Drek encara os curativos.
— Suelen me contou um pouco sobre os terráqueos, como são as famílias de vocês — ele começa. —
Não é muito diferente de como funciona para a maioria das espécies do Acordo. Mas para nós...
Ele se levanta e vai até a parede onde um monitor duas vezes maior que o do meu quarto está. Fico
parada no lugar, me concentrando em não falar nada, porque Drek ainda está mancando e eu sei que não
vai adiantar nada mandar ele ficar sentado ou coisa assim. Ele mexe nos controles e uma imagem aparece
na tela: um salão enorme, com paredes brancas, cheio de pessoas vestidas de forma igual.
Dou um passo atrás. É o lugar onde fiquei presa. O salão onde mantinham a mercadoria viva – as
terráqueas – e só éramos tiradas de lá para ir para as mesas de experimentos. Por que...
— Talita, respire.
Eu estou respirando. Fecho os olhos e balanço a cabeça. O que quer que isso seja, não quero ver. Já
bastam os pesadelos. Se essa confusão toda tem a ver com os experimentos, não preciso saber o que está
acontecendo.
Drek coloca a mão na minha nuca, enfiando os dedos entre meu cabelo.
— Não é o que você está pensando. Respire, Talita.
E ele não me faria rever o lugar onde fiquei presa, de qualquer forma.
Respiro fundo e abro os olhos. A imagem no monitor continua sendo um salão branco, mas agora
consigo ver que ele tem móveis de verdade. Mesas e cadeiras, quase como uma sala de aula enorme. E as
pessoas que estão na sala... Crianças. Crianças krijkare. Pelo menos, tenho quase certeza que são
krijkare, porque o cabelo grosso e azul delas é o mesmo que estou acostumada a ver na nave, e os tons de
verde da pele delas também é o mesmo, mesmo que estejam completamente cobertas por escamas. Todas
as crianças estão usando roupas iguais, algum tipo de uniforme ou...
Não, não é um uniforme. Isso parece mais uma daquelas roupas de hospital. E agora que estou
prestando mais atenção...
— É uma câmara de monitoramento — murmuro.
Isso é parecido com o que aconteceu comigo. Mas não preciso da resposta de Drek para saber que
estou certa, porque dependendo do ângulo do vídeo consigo ver as janelas enormes, algumas delas com
vidro simples, outra com material espelhado. Sempre achei melhor o vidro: é melhor saber que estou
sendo observada do que ver os espelhos e ficar sem saber se tem alguém do outro lado.
— Isso não é uma nave. É um complexo em terra... Em casa. Vocês têm um conceito parecido, eu acho
— Drek fala. — Creche. Mas para vocês, é algo voluntário. Para nós...
Ele pausa o vídeo e se afasta. Respiro fundo e me viro para ele. Não sei o que eu estava esperando,
mas com certeza não era nada assim. Crianças... Eu nunca teria imaginado que essas incursões fossem
envolver crianças, de alguma forma. E continuo sem fazer ideia de o que elas têm a ver com tudo isso.
Drek continua encarando o monitor por alguns instantes, antes de olhar para mim.
— Todas as nossas crianças são mantidas em lugares como este, com monitoramento constante.
Somos uma espécie frágil, que já deveria ter sido extinta. Nossas crianças não são capazes de sobreviver
além do que você chamaria de puberdade. Nosso organismo entra em colapso com os hormônios. Não sou
um médico para saber explicar os detalhes, mas...
— Vocês precisam de uma modificação genética para sobreviver — falo.
Porque é a única coisa que explica por que essa sala é tão parecida com o lugar onde mantinham as
terráqueas. Os experimentos não começaram conosco, isso eu sempre soube. Mas nunca parei para
pensar sobre onde começaram.
Drek assente e volta a encarar o monitor e a imagem pausada.
— E antes disso, não podemos ter contato com as crianças. Elas são isoladas, porque o sistema
imunológico delas é tão frágil que qualquer doença simples poderia se tornar uma epidemia, e então... —
Ele dá de ombros. — Nós não temos acesso às fórmulas da modificação genética. Faz décadas que
tentamos conseguir essas informações, mesmo que só agora tenhamos a tecnologia para o que precisa ser
feito. Tínhamos acordos para garantir que nossas crianças sempre tivessem o que precisam, garantias de
que sempre nos venderiam o que precisamos, mas com as alterações nas leis isso não vale nada...
Ai meu Deus. Não.
— Porque o que vocês precisam vem justamente das pessoas por trás dos experimentos e do comércio
de seres sencientes. E o Corpo Militar e a força-tarefa podem começar uma caçada em peso a partir de
agora.
Drek continua encarando o monitor, mas assente.
— Existe um lado desse comércio que sempre foi focado em experimentos. Desde melhorias genéticas
até produtos bélicos. É um ramo secreto, de certa forma, e os produtos deles não são baratos. Este
sempre foi o trabalho dos piratas krijkare: garantir que sempre vamos ter fundos para comprar o que
precisamos.
Ele olha para mim, e nunca vi Drek parecer tão distante assim, mesmo que ele ainda esteja a um
passo de distância.
— Eles nos deram um ultimato. Ajudar a impedir que as mudanças nas leis fossem aprovadas, ou
perder nossos suprimentos.
Ai não.
— Mas vocês... — começo.
— Nos aliar à força-tarefa foi uma decisão conjunta. Era o certo a fazer, mesmo com o risco para nós.
E agora temos que conseguir as fórmulas antes que seja tarde demais para as crianças e antes que a
força-tarefa descubra sobre essas naves, porque eles vão destruí-las.
Engulo em seco. Quero dizer que não, que poderiam ter falado com a força-tarefa e eles entenderiam
e ajudariam. Mas não conheço o suficiente sobre a força-tarefa para ter certeza sobre isso. E...
Drek aponta para o monitor. Me viro. O vídeo ainda está pausado na mesma imagem: três crianças,
que eu diria que têm uns dez anos, ao redor de uma mesa. Dois deles estão de costas, mas um está
olhando diretamente para a câmera.
— Esse é o meu filho. É um dos mais velhos entre os que ainda não receberam as modificações.
E se eu entendi certo, um dos primeiros que vai morrer se não encontrarem o que estão procurando.
Agora as incursões suicidas fazem sentido.
DEZOITO
Me sento em um dos sofás, sem conseguir desviar os olhos do monitor. Filho de Drek. E eu consigo
ver as semelhanças. O formato do seu rosto, aquela base que parece humana, mas com ângulos fortes
demais para se passar por terráqueo, o mesmo formato dos olhos... Só... Não teria imaginado isso. Nunca
na minha vida que teria imaginado isso.
— Foi por isso que bloqueamos seu acesso à enfermaria — Drek continua. — Gheri está fazendo
experiências com as informações que conseguimos na primeira incursão, tentando identificar o que ainda
precisamos e se pelo menos estamos no caminho certo. Não me esqueci dos seus pesadelos, quando veio
para cá.
Fecho os olhos e abaixo a cabeça. Desde o começo, eu pensei que a nave estranha que atacamos da
primeira vez tinha alguma coisa a ver com o comércio de seres sencientes, mas isso é muito pior do que
eu tinha imaginado. Não é "só" uma questão de acabar com mais um lado desse esquema todo... Mas os
krijkare como espécie dependem deles.
E não vou pensar nas implicações do pequeno detalhe que é Drek ter um filho. Não vou. Uma coisa
de cada vez.
— Então os experimentos com terráqueas...
Paro, balançando a cabeça. Não. Isso é recente demais. Não é possível que as experiências com os
krijkare tenham começado junto com as experiências com terráqueas. Além disso...
— Você disse que são uma espécie frágil — falo e levanto a cabeça. Drek está parado no mesmo lugar,
me encarando. — Que já deveriam ter sido extintos. Então como vocês surgiram?
Porque mesmo que uma espécie frágil assim evoluísse naturalmente, não iam viver por tempo o
suficiente para desenvolver uma cura por conta própria. E muito menos para encontrar uma civilização
que pudesse fazer isso.
Drek suspira e volta para o sofá onde estava sentado antes. Ótimo, porque ele ainda está mancando,
mesmo que pouco.
— Nós não sabemos qual foi a espécie original. Ao que tudo indica, eles não existem mais.
— Experimentos.
Ele assente.
Uma espécie criada artificialmente, através de experimentos... E que serviram de base para os
experimentos que vieram depois? Não duvido nem um pouco dessa possibilidade, porque os krijkare não
são uma espécie nova.
— O que sabemos é que era uma espécie com alta capacidade de adaptação e que as pessoas
responsáveis pelos experimentos queriam ver até onde essa adaptação ia. Foram feitas várias tentativas,
inserindo DNA de outras espécies ou só manipulando o que já estava ali. A maioria dos testes falhou
completamente, mas duas experiências geraram resultados viáveis. Eles abandonaram as outras
tentativas, e focaram nos dois sucessos.
Dois. Duas espécies criadas artificialmente, sem nenhuma informação disponível sobre isso até hoje?
— Depois de um tempo, as duas variações da espécie se provaram instáveis — Drek continua. — Os
que se tornaram os krijkare eram instáveis a curto prazo, mas com um problema que não era impossível
ser resolvido, mesmo que precisassem de isolamento, por causa do sistema imunológico frágil. Na outra
variação a instabilidade se mostrava anos depois, também quando as crianças atingiam a maturidade, que
vinha um pouco mais tarde, e então eles dependiam de uma fonte de energia externa para sobreviver.
Nada do que tentaram deu resultados para reduzir essa necessidade.
Ai não. Eu acho que sei onde isso vai chegar.
— Eles foram deixados em um planeta selvagem, porque se não seriam úteis para pesquisas em
laboratório mais, seria interessante estudar a adaptação deles em um ambiente hostil. E eles se
adaptaram. Fizeram contato com outras civilizações e desenvolveram sua tecnologia, o tempo todo
escondendo isso dos que os estudavam. E por fim atacaram as bases de pesquisa, onde nós ainda éramos
mantidos.
— Os drillianos — murmuro.
Drek assente.
Faz sentido, de uma forma estranha. Nunca entendi como uma espécie que se alimenta da energia de
outras pessoas, no melhor estilo vampiro, podia ter surgido naturalmente. E eu vi o planeta natal deles,
quando fomos até lá com Carol. As áreas de preservação são o tipo de selva fechada onde eu nunca ia nem
sonhar em colocar o pé. Não tem nenhum motivo lógico para terem desenvolvido isso naturalmente – se é
que é possível existir um motivo para algo assim.
Além disso, os drillianos odeiam contato com forasteiros e evitam até mesmo fazer negócios com
pessoas de fora, a menos que não tenham outra opção. Outra coisa que é bem parecida com os krijkare.
Mas, para compensar, qualquer krijkare é bem-vindo em espaço aéreo drilliano. Nós aproveitamos isso
quando levamos Carol lá: ninguém questionou nossa aproximação nem nossa presença ali, e Drek ainda
conseguiu fazer alguns negócios. Quando pesquisei sobre isso, depois, descobri menções ao fato de que as
duas espécies têm uma origem comum, e só. O que, sozinho, não seria um motivo para os drillianos serem
tão próximos dos krijkare.
E os drillianos – especialmente um drilliano – estão envolvidos no comércio de seres sencientes até o
último fio de cabelo.
— Um espécie de alta capacidade de adaptação... Como os terráqueos? — Pergunto.
Drek assente.
— Arcen — falo.
Porque mesmo que eu ainda estivesse naquela base quando ele foi preso, ouvi as histórias vezes
demais. Te'vi Arcen, da alta sociedade drilliana, a primeira pessoa ligada ao comércio de seres sencientes
a ser condenada por isso. Ele tinha várias instalações de pesquisa, financiava mercados clandestinos e
sabe-se lá o que mais. Ou melhor, acho que agora eu sei o que mais.
— Ele estava usando terráqueas para pesquisar o antídoto ou o que quer que seja para vocês, não é?
E não sei como estou falando isso de forma tão calma. Não sei mesmo. Mas... O que mais eu posso
fazer?
Drek volta a encarar o monitor.
— No começo, os drillianos nos ajudaram a aprimorar os tratamentos que nos mantinham vivos
depois da infância. Depois, descobriram que eles mesmos precisavam disso, também, porque uma parcela
dos drillianos é instável, e pelo que sei a instabilidade só tem aumentado com o passar do tempo. Até
então, as pesquisas não envolviam ninguém de fora. Nós não sabemos quando os drillianos fizeram
contato com os mercados clandestinos, mas quando descobrimos já era tarde demais.
E os krijkare não podiam simplesmente se recusar a comprar o "antídoto" dos drillianos.
— Com o tempo, isso se tornou um braço de pesquisa específico dentro dos mercados clandestinos.
Hoje em dia são quase um culto... Uma seita, acho que essa é a palavra que você usaria.
— Por isso as espadas.
Ele assente, ainda sem olhar para mim.
— Por isso as espadas, porque suas naves são lugares sagrados que devem ser respeitados, e
nenhuma arma que não coloque quem a está usando no mesmo nível de risco que sua vítima é permitida.
E isso continua não fazendo sentido.
— O que seria uma regra bem fácil de ignorar, não?
Drek se vira para mim e dá uma risada seca.
— Seria, se as naves não tivessem sistemas de defesas preparados para detonar se detectarem armas
tecnológicas por perto.
Tá. Agora as espadas fazem sentido.
Cruzo as pernas e coloco as mãos no rosto. Que confusão. Meu Deus, onde foi que eu vim me enfiar.
— Talita? — Drek chama.
— O quê?
— Estou esperando você explodir...
Explodir? Mas...
Respiro fundo. Explodir, porque as abduções de terráqueas começaram por causa dos krijkare. Ou,
mesmo que não tenham começado, se tornaram comuns por causa deles. De certa forma, o que aconteceu
comigo é culpa deles.
Balanço a cabeça. Eu quero ficar com raiva, mas não consigo. Não sei se é o choque dessa história
toda, mas...
— Eu acho que consigo entender o desespero — falo. — Nunca que vou falar que "fizeram o que
precisavam fazer" ou qualquer merda do tipo, mas... Eu não vou culpar todo mundo pela estupidez de
alguns.
DEZENOVE
Continuo encarando a imagem pausada no monitor. Drek não falou mais nada por alguns minutos
depois da minha resposta, e então resmungou alguma coisa sobre se livrar do cheiro de sangue antes de
sair da antessala e ir para a sua cabine propriamente dita. Pelo menos ele já parou de mancar.
Espécies criadas artificialmente, dependentes da tecnologia para sobreviver. Isso muda tudo. E nem é
difícil entender porque existem leis proibindo que eles contem isso para forasteiros. Isso não é só um
segredo, é uma bomba em vários níveis. Tenho certeza de que as pessoas por trás do comércio de seres
sencientes hoje em dia não conhecem essa história, ou os experimentos que fizeram comigo e com as
outras terráqueas teriam sido bem diferentes.
E a imagem das crianças krijkare continua ali, na minha frente. Eu nunca teria imaginado que Drek
tem um filho. É outra coisa que muda tudo o que eu estava pensando até agora. Respiro fundo, sem
conseguir desviar os olhos. Não quero pensar o pior dele mas, esse tempo todo...
Escuto a porta do quarto de Drek se abrindo, em algum lugar atrás de mim, e então os passos dele.
— É por isso que você sempre fica repetindo que não é para eu esperar nada? — Pergunto sem me
virar. — Porque você tem uma família no seu planeta?
— Não. Não.
Engulo um suspiro aliviado. Isso é outra coisa que não deveria importar, mas não adianta tentar
negar que tudo que envolve Drek importa.
Drek para ao meu lado, encarando o monitor antes de balançar a cabeça e olhar para mim.
— A mãe dele e eu não estamos mais juntos há anos. Ela tem uma família, outros filhos mais novos
que também estão na mesma unidade de monitoramento.
— Então por quê? — Pergunto.
Ele se abaixa ao meu lado e pega minha mão. Espero, enquanto ele coloca minha palma contra a dele.
E isso é sua resposta, de certa forma. Não tem como não notar o contraste – sua pele verde musgo, com
uma textura diferente mesmo onde não tem escamas, contra minha pele escura e humana.
— Nós começamos como uma espécie não tão diferente da sua, mas isso mudou há tempo demais.
Quando falamos que os krijkare não são compatíveis com outras espécies, não é uma brincadeira.
Levanto as sobrancelhas. Ele vai ter que ser mais claro que isso.
Drek suspira.
— Biologicamente, somos construídos de forma diferente. Não somos como os machos da sua
espécie.
Entrelaço nossos dedos. Drek hesita, olhando para nossas mãos, mas fecha os dedos. Eu sei que esse
tipo de gesto não é comum entre os krijkare. É uma demonstração de confiança, de certa forma, porque
eles têm glândulas de veneno sob as garras. E, apesar de tudo... Isso foi uma coisa que eu nunca
questionei, mesmo quando estava realmente pensando o pior sobre Drek. Nunca tive a menor dúvida de
que ele não ia me ferir – não diretamente. Isso nunca nem passou pela minha cabeça.
— E daí? — Pergunto.
Drek olha para mim e engulo em seco. Tarde demais. Qualquer que seja a resposta dele, depois desse
olhar, não vai valer nada, porque o que eu estou vendo é alguém que está fazendo de tudo para se
segurar.
— Talita... — ele começa.
— Já ouvi piadas o suficiente de que "as coisas não encaixam" — falo, sem desviar os olhos. — Que eu
saiba, você ainda tem uma língua e dez dedos. As garras até poderiam ser um problema, mas você sempre
é cuidadoso com elas. E tenho certeza de que eu conseguiria pensar em alguma coisa para fazer, também,
se pelo menos soubesse com o que estou lidando.
Drek continua me encarando, sem falar nada, e então se move. Quando vejo, ele está parado na
minha frente, com uma mão de cada lado da minha cabeça, apoiadas no encosto do sofá, e se inclinando
na minha direção. E meu Deus, se um olhar conseguisse queimar...
— Você sabe o que está oferecendo — ele fala.
— Eu sei o que eu quero, desde o começo. A questão é se você sabe o que quer.
Eu estou brincando com fogo. Sei que estou. Mas ainda me surpreendo quando Drek se abaixa de
uma vez e me beija.
É como se essa fosse ser sua única chance. Como se não houvesse amanhã, não houvesse a próxima
hora, porque toda a concentração dele está nos meus lábios, e eu só consigo me segurar nos seus ombros
enquanto ele literalmente me devora. Não tenho como usar outra palavra. E eu quero muito mais do que
só um beijo.
Seguro sua cintura, puxando Drek para mais perto e sentindo seus músculos se contraindo, sem
nenhum sinal do corte de mais cedo...
Afasto minha cabeça de uma vez e coloco uma mão no seu peito. Drek dá uma risada seca. Ele
também está ofegante e não tenho coragem de desviar os olhos do seu rosto, porque ele está sem camisa
e se eu ficar encarando seu corpo agora...
— Você devia ir na enfermaria — falo.
Drek estreita os olhos e eu aperto de leve perto do lugar onde aquele corte enorme estava. Não vou
correr esse risco. Não mesmo. Ele acabou de voltar de uma incursão, com um ferimento fundo o bastante
para usar uma carga inteira do reconstrutor de tecidos.
— Você está preocupada.
Óbvio que estou. Quem viu aquela mancha de sangue se espalhando fui eu. Empurro seu peito e Drek
se endireita. Me levanto. O que posso fazer? Arrastar ele para a enfermaria? Porque vai ter que ser
arrastado, tenho certeza. E não vou fazer nada sem ter uma confirmação de que ele realmente está bem e
que não corre o risco de abrir os ferimentos de novo ou coisa assim. Não importa que minha vontade seja
pular em cima de Drek, agora que ele decidiu fazer alguma coisa, não vou arriscar.
Drek passa um braço ao redor dos meus ombros e me puxa até que minhas costas estão coladas no
seu corpo. E eu consigo sentir sua ereção. Mordo o lábio, segurando um gemido. Ele é grande. Grande o
suficiente para isso ser preocupante, mas não acho que era isso que as outras terráqueas queriam dizer
quando me falaram a coisa toda sobre não sermos de espécies compatíveis.
— Espécie artificial, lembra? — Ele fala perto demais da minha orelha. — Fomos feitos para sermos
resistentes e nos recuperarmos depressa. Com os reconstrutores de tecido e um restorativo bem
calibrado, isso quer dizer recuperação quase instantânea.
Me viro para encarar Drek, sem nem tentar me afastar. Ainda estou sentindo sua ereção contra a
minha barriga, e retiro o que falei. Ele é enorme. E grosso. E quero muito saber o que tem de tão
diferente assim.
— Não sei se posso confiar na sua palavra sobre isso, sabe? Pode ser que só esteja falando isso
porque não quer...
Paro quando ele segura meu rosto de novo, passando um dedo pela minha bochecha.
— Eu não arriscaria.
Respiro fundo. Não consigo duvidar quando ele está falando nesse tom e me encarando como se eu
fosse algo importante.
— Tem certeza? — Ele pergunta.
Precisa mesmo perguntar?
Passo os braços ao redor do pescoço de Drek e me estico para beijá-lo.
VINTE
Isso é loucura. Tenho certeza disso, mas não vou voltar atrás. Passei tempo demais imaginando essa
possibilidade e pensando em como seria. Porque se tem uma coisa que eu nunca duvidei, foi que se Drek
parasse com a conversa do "não esperar nada", daríamos um jeito. Não tinha como duvidar, vendo a forma
como ele olhava para mim.
Não falo nada quando Drek se afasta, mas dessa vez ele só segura minha mão e me puxa na direção
da porta do seu quarto. Eu passei tempo o suficiente aqui para saber que isso não é normal para os
krijkare – os toques, ele segurando minha mão agora... Eles não são uma espécie que usa o contato físico
de forma casual. Isso é meu.
Drek fecha a porta atrás de nós e eu olho ao redor. A cabine dele não é muito diferente da minha:
uma cama padrão contra a parede, uma mesa do outro lado com um monitor acima dela e duas cadeiras.
Pensei que, por ser o capitão, ele teria direito a uma cabine maior ou algo assim, mas acho que o único
"privilégio de capitão" é a antessala.
E eu estou no quarto de Drek. Um arrepio me atravessa. Sem mais fugir, agora – ainda não estou
acreditando que realmente estou aqui e que Drek ainda está segurando minha mão.
Ele me puxa, até que estou com o corpo colado no dele, de novo, e solta minha mão. Me viro para
olhar para ele e Drek me segura pela cintura.
— Você vai ter que me ensinar o que gosta.
Sorrio. Como se isso fosse ser algo ruim.
Desço as mãos pelo seus braços, sentindo os músculos definidos e os pontos onde as escamas
aparecem. Pensei que elas seriam ásperas, mas são lisas, como vidro.
— Não é difícil. Mas você vai ter que me ensinar, também.
Porque eu ainda estou sentindo sua ereção – e continuo sem fazer a menor ideia do que os krijkare
têm de tão diferente assim.
Drek respira fundo e puxa minha blusa para cima. Um arrepio me atravessa assim que sinto seus
dedos na minha pele, um toque firme mas hesitante ao mesmo tempo. Não, não hesitante. Cuidadoso.
Sinto suas garras enquanto ele sobe as mãos por debaixo da minha blusa, até parar logo debaixo dos
meus seios.
— Depois — ele murmura.
Depois o quê? Enfio as unhas nas suas costas quando Drek passa um dedo pelos meus mamilos.
Depois... O que quer que seja, pode ser depois, desde que ele não pare agora. Ele ri em voz baixa e faz a
mesma coisa de novo, agora me deixando sentir um pouco das suas garras. Apoio a cabeça no seu peito e
nem tento segurar meu gemido.
— Faz muito tempo que eu queria fazer isso — Drek fala. — Só te tocar, descobrir se o que eu
imaginava sempre que te via era real.
Levanto a cabeça, ainda me segurando nele. Drek está me encarando de um jeito que só serve para
me fazer pensar "sim, por favor", para o que quer que esteja passando pela cabeça dele.
— Então por que não fez? — Pergunto.
Ele me solta e puxa minha blusa. Levanto os braços e ele joga minha blusa para o lado. Bendito dia
que fiquei com preguiça de colocar sutiã – o plano era passar o dia todo no simulador, mas isso aqui é
muito melhor.
Drek para, me encarando, antes de segurar meu rosto com uma mão e me puxar para um beijo. Me
aperto contra ele, sentindo sua pele na minha. Ele é quente, e com a textura diferente da sua pele... Meu
Deus. Passo os braços ao redor da sua cintura ao mesmo tempo em que mordo seu lábio inferior. Os
músculos de Drek saltam e ele me aperta com força, me beijando como se não houvesse amanhã antes de
afastar a cabeça, ofegante.
— Por que não fez isso antes? — Repito, rouca.
Drek respira fundo e balança a cabeça.
— Por vários motivos estúpidos.
Bem estúpidos.
Ele se inclina de uma vez e passa um braço por baixo da minha bunda. Dou um grito quando ele se
endireita, me carregando como se eu não pesasse nada, mas Drek só ri e vai na direção da cama.
E então eu estou deitada na cama, com Drek me encarando com aquela expressão faminta. Seu olhar
desce do meu rosto e para nos meus seios, antes de continuar descendo, e eu quase sinto como se ele
estivesse me tocando.
Que se foda.
Levanto a bunda e puxo minha calça e minha calcinha para baixo, as jogando no chão. Drek para,
completamente imóvel, me encarando como se estivesse hipnotizado. Sim, por favor, o que quer que você
esteja pensando, porque eu não quero esperar. Já esperei tempo demais.
— Drek... — começo.
Ele balança a cabeça e vem na minha direção, ainda com aquela expressão. Abro as pernas, dando
espaço para ele subir na cama, também, mas Drek para, me encarando. Não falo nada, só espero.
— Não tão diferente, então — ele murmura e se inclina para a frente. — Posso?
Assinto.
E eu devia fica preocupada quando ele se abaixa e puxa minhas pernas para cima dos seus ombros,
porque já cansei de ver como os dentes dos krijkare são afiados. Ao invés disso, um arrepio me atravessa.
Dentes afiados ou não, eu quero isso.
— Me diga o que fazer, Talita.
Engulo em seco. A voz dele está rouca e mais sibilante que o normal.
Sibilante. Eu nunca parei para pensar nisso, mas... Pelo que me lembro de biologia, os seres que
fazem esse som sibilante são os que têm aquelas línguas mais compridas e flexíveis. Ai meu Deus.
Desço uma mão pelo meu corpo. Mais fácil mostrar que falar, e eu quero que isso dê certo. Passo dois
dedos na minha entrada, aproveitando que já estou molhada, e subo para circular meu clitóris. Drek só me
acompanha com o olhar, sem nem piscar, enquanto continuo usando os dedos, devagar.
Quase pulo quando sinto seu dedo na minha entrada. Ele para e me encara, antes de repetir o mesmo
movimento que fiz antes. Puta merda. Eu não sei se é por causa da textura diferente da sua pele, um
pouco áspera, mas eu consigo sentir cada milímetro do movimento, enquanto ele vai sem pressa. Agarro
os lençóis assim que ele para com o dedo bem em cima do meu clitóris.
— Aqui?
Engulo em seco e assinto. Eu vou morrer aqui e não vou achar ruim.
Fecho os olhos quando Drek começa a mover o dedo. Não é a mesma coisa. Definitivamente não é a
mesma coisa de quando eu estava fazendo isso, e não faço a menor ideia do motivo. Só quero que ele
continue o que está fazendo. Não precisa nem querer "aprender" mais nada, é só não parar.
Ele continua movendo o dedo, mais depressa e então mais devagar. Testando ritmos. E cada vez mais
devagar, até que ele se mantém num ritmo lento que é um tipo especial de tortura.
Abro os olhos. Drek está me encarando, enquanto continua movendo o dedo devagar, no lugar exato,
mas tão devagar que... Inclino o quadril, tentando fazer ele ir mais depressa. Drek ri e coloca uma mão na
minha barriga, me segurando no lugar. E continua no mesmo ritmo lento, o tempo todo me encarando
enquanto me agarro nos lençóis, gemendo.
É tortura, e eu não sei o que é pior, a forma como ele me encara, me devorando com os olhos, ou o
ritmo lento do seu dedo. Estou pegando fogo e não consigo me mover.
— Drek... — começo, mas minha voz está quebrando.
Ele acelera. Meu Deus, eu vou morrer aqui. Enfio os pés com força nas suas costas, querendo mais e
mais, sentindo o orgasmo chegando. Levanto o quadril, tentando me aproximar mais dele, mais, só mais...
Até que me sinto explodir, meu corpo todo tremendo e eu acho que gritei.
Caio de volta na cama com a respiração falhando. Puta. Merda. Um dos melhores orgasmos da minha
vida.
Tento respirar fundo. Meu Deus, o que foi isso?
— Eu tenho que te ensinar, é? — E não sei nem se Drek vai conseguir entender o que falei, porque
estou ofegante demais.
Ele ri e se estica na cama ao meu lado.
— Não é difícil. Eu passei tempo demais te observando. — Ele passa um dedo entre meus lábios de
novo e nem tento segurar meu gemido. Puta merda. — É só ver as suas reações.
Só ver minhas reações. Claro. Muito simples. Ensina isso para os homens terráqueos. Não que eu
tenha a menor intenção de me preocupar com homens terráqueos tão cedo. Se é que vou me preocupar
com isso algum dia de novo. Porque puta merda, o que foi isso, e ainda mais levando em conta que Drek
não sabia o que estava fazendo.
Me viro de lado na cama, jogando uma perna por cima de Drek enquanto passo uma mão pelo seu
abdome, sentindo os músculos ali. Meu. E não estou nem aí se estou sendo possessiva. Pelo menos agora,
enquanto estamos aqui, posso pensar assim.
— Minha vez.
E eu vou ser honesta e admitir que estou com medo do que vou ver, mas mantenho o que falei antes.
Tenho certeza de que dá para dar um jeito. Não é como se ele fosse ter espinhos... E eu não vou nem
pensar nisso. Droga. Não achei que fosse ficar nervosa assim.
Drek não discute, só puxa sua calça para baixo. Será que ele estava nervoso assim, também? Se
estava, não pareceu. E não vou deixar parecer que estou nervosa, também.
Empurro seu ombro, até que Drek está deitado de costas na cama, e me sento. Ele chuta sua calça
para longe e encaro sua ereção. Ele é grande. Muito grande. E grosso, de um tom verde mais escuro que o
restante do seu corpo. Não sei se chegaria ao ponto de ser humanamente impossível, mas... E okay, não
deve ser só isso de "diferente".
Tento fechar minha mão ao redor dele. Grosso demais, e eu nem tenho a mão tão pequena. Drek
respira fundo quando aperto um pouco e fecha os olhos. Certo, então. Mesma coisa que se fosse humano...
Eu acho. Desço a mão pelo seu comprimento. Sua pele tem uma textura mais delicada mais para baixo, e
até parece que na sua cabeça tem uma proteção ou algo assim. Subo a mão de novo, sentindo essa pele
mais grossa pulsando contra a minha mão ao mesmo tempo em que Drek geme. Bem como se fosse
humano mesmo.
Ou não.
A cabeça do pênis de Drek se abre como um guarda-chuva feito de pele. Isso explica a pele mais
grossa. Paro e encaro por um instante antes de passar um dedo pela pele esticada. Drek abre os olhos e
sua respiração acelera. É, não seria uma boa ideia se isso acontecesse dentro de mim, porque as pontas
são duras... Não quero nem imaginar como é a biologia das mulheres krijkare.
Drek levanta uma sobrancelha. Não vou mentir.
— Esquisito — falo.
Ele sorri, mostrando os dentes afiados. Isso, faça a lista das coisas estranhas.
— Como se você pudesse falar alguma coisa sobre "esquisito".
Passo o dedo pela pele esticada de novo. Dessa vez Drek fecha os olhos e respira fundo. Hmm.
Interessante.
— Sou perfeitamente normal — respondo.
— Claro, não é como se...
Fecho as duas mãos ao redor da cabeça do seu pênis e as forço para baixo, fechando o "guarda-
chuvas". A voz de Drek quebra e ele puxa o ar com força antes de soltar um gemido.
— Só prestar atenção nas reações, não é? — Pergunto.
Ele grunhe alguma coisa que não consigo entender. Nem preciso. Sabia que isso – nós – ia dar certo,
de algum jeito.
Continuo fazendo a mesma coisa, observando suas reações. Acho que entendi porque ele estava indo
tão devagar, me encarando o tempo todo. É uma coisa diferente saber que você está causando aquilo em
uma pessoa. Que ele está se revirando na cama, tão sem controle quanto eu estava, por minha culpa.
E quando ele goza, não é tão diferente de um terráqueo, de qualquer forma.
VINTE E UM
Me sento de uma vez na cama. Um braço forte me segura e preciso de um instante para me localizar.
Drek. Estou na cabine de Drek, com ele aqui. Foi tudo só um pesadelo, de novo. Respiro fundo e solto o ar
devagar. Não pensei nem que fosse conseguir dormir, por causa do ruído do propulsor, mas tenho a
impressão de que apaguei completamente. Pena que o pesadelo não me deixou em paz nem agora que já
sei o que está acontecendo. Quase consigo sentir a mesa gelada debaixo de mim de novo.
— Acho que entendi porque você está acumulando horas no simulador — Drek murmura.
Me deito de novo e nem penso em resistir quando ele me puxa para mais perto, até que estou deitada
de lado, com as costas coladas no peito de Drek e a cabeça no seu braço. O calor do corpo dele é uma
forma de me lembrar que foi só um pesadelo, também. E é bom acordar com alguém do meu lado, se
preocupando comigo.
— Pensei que seus pesadelos tinham parado — ele fala.
— Tinham.
Mas voltaram logo depois da primeira incursão. Depois que fui jogada para fora da ponte de comando
e não fazia ideia do que estava acontecendo nem do que isso ia significar para mim.
Drek suspira e me aperta.
— Me desculpe. Eu devia ter pensado melhor.
Balanço a cabeça e me viro para ele. Eu estava furiosa por causa disso tudo, fato, mas agora... É a
vida do filho dele em jogo. Se fosse eu, na mesma situação, teria entrado em pânico e agido sem pensar,
também.
— Não importa — falo.
Ele me encara, sério, antes de enfiar uma mão no meu cabelo, me segurando no lugar.
— Importa. Eu poderia ter evitado os pesadelos.
Dou de ombros e passo um braço ao redor da sua cintura, também. Não é só uma questão de ser bom
acordar com alguém do meu lado. Eu estou confortável aqui – bem mais confortável do que imaginei que
estaria.
— Quem garante? O que garante que eles não iam voltar do mesmo jeito, mesmo se tivesse me
contado antes? Então não importa.
E ele me contou tudo. Depois dessas explicações, eu não tenho a menor dúvida de que isso é uma dos
maiores segredos krijkare, senão o maior. A punição para contar isso não vai ser pequena, e mesmo assim
Drek correu o risco e me falou tudo... Droga, agora estou de consciência pesada por ter insistido. Tá. Só
um pouco, mas...
— Por quê? — Pergunto.
Drek suspira e começa a massagear minha nuca. Fecho os olhos e me acomodo melhor no seu braço.
Definitivamente estou gostando disso. E conheço esse suspiro. É o mesmo que ele dá sempre que faço
alguma pergunta complicada e que ele preferia não ter que responder. Mas também sei que quer dizer
que está pensando na resposta. Não falo mais nada, só continuo onde estou, ouvindo sua respiração e
sentindo sua mão na minha nuca.
— Não fui justo com você e Sara. Deveria ter avisado que essa possibilidade existia antes de aceitar
vocês na tripulação, ou então ter deixado vocês com a força-tarefa quando Carol desembarcou.
Abro os olhos quando Drek para de falar. Ele está me encarando, e isso não é nenhuma surpresa.
— Por isso que Suelen sabia o suficiente para enviar Renata. Quando ela se tornou parte da
tripulação, eu avisei que algo assim poderia acontecer e que nesse caso ela seria excluída de todas as
operações da nave — ele continua.
Uma boa explicação, e pode até ser parte da verdade... Mas não é a resposta que eu quero.
— E se esse fosse o seu motivo, também ia ter explicado tudo para Sara. Você não fez isso e tenho
certeza de que não vai querer que eu conte.
— Não.
Levanto as sobrancelhas, esperando o resto da resposta. Drek solta o ar de uma vez e sorri.
— Não sei por que eu ainda tento...
Se fazer de desentendido? Eu também não sei. Ele já me conhece há tempo o suficiente para saber
que não vai adiantar.
— Estou esperando — falo.
Drek me puxa para mais perto, até que estou realmente colada no seu corpo. Não vou reclamar, mas
tenho certeza de que ele fez isso para não ter que me olhar nos olhos. Interessante. E não adianta ele
tentar me distrair passando uma mão nas minhas costas, não vai adiantar.
— É complicado — ele murmura. — Tem uma justificativa que eu posso usar se questionarem eu ter
te contado isso. E eu vou te dizer qual é essa justificativa, só... Agora não.
Suspiro. Por que é que eu ainda espero respostas diretas? Mas tudo o que ele escondeu até agora,
não foi à toa. E eu desconfiei do pior o tempo todo. Então não vou insistir dessa vez, ainda mais que ele já
disse que vai me contar. Posso esperar. Eu acho.
— Vou cobrar.
Drek se afasta e me encara.
— Eu acho que o pesadelo teve algum efeito colateral.
Estreito os olhos.
— Posso começar a te infernizar querendo saber agora, se preferir — aviso.
Drek ri e rola na cama, me puxando até que estou em cima dele.
E esse é um lado dele que eu não conhecia. Não. Dizer isso é forçar. Eu já vi Drek relaxado e rindo,
antes. Mas sempre com a tripulação. Quando eu estava por perto, sempre havia uma tensão estranha ao
redor dele. Foi um dos motivos para eu não ter questionado a primeira vez que ele soltou o "não espere
nada" e se afastou. Achei que era algum problema comigo, algo que ele estava tentando evitar... E não
estava exatamente errada. Ele estava tentando evitar alguma coisa: o que aconteceu mais cedo.
Ele passa os braços ao meu redor e fecha os olhos, sem falar nada. Olho para o painel ao lado da
cama. Ainda temos quase duas horas até o horário do próximo turno de Drek. Dá para fazer bom proveito
desse tempo, mas... Certo, estou confortável demais usando Drek de colchão. Duas horas. Não preciso ter
pressa para fazer nada.
Até porque, depois eu não vou ter nada para fazer e meu tempo no simulador agora está limitado.
Argh.
— Eu quero ajudar — falo.
Drek olha para mim e levanta uma sobrancelha.
— Você disse que Gheri está fazendo experimentos. Posso não ser uma cientista, mas sei trabalhar
com dados. Imagino que vocês tenham uma amostra do que precisam, ou coisa assim, e estão usando para
comparação. Se Gheri puder parar e me explicar o básico do que está procurando, posso cuidar dessa
parte.
E eu nem tinha percebido que estava pensando nessa possibilidade, mas é alguma coisa. Trabalhar
com dados é simples. Eu não preciso saber toda a teoria da coisa, especialmente se eles estiverem
fazendo comparações mesmo. Nunca sugeriria fazer uma coisa dessas por contra própria, mas com Gheri
por perto para conferir, e aposto que mais pessoas da parte médica da tripulação também, isso não vai ser
um problema.
— Tem certeza? — Drek pergunta.
Reviro os olhos. Por que não teria?
Ele olha de relance para o relógio no painel. Certo. Entendi. Era para estarmos dormindo, ainda, mas
eu acordei por causa do pesadelo. E estou me oferecendo para trabalhar em um ambiente que
provavelmente vai me lembrar justamente dele.
Mas é melhor que ficar sem fazer nada, e é por um bom motivo.
— Tenho.
— Vou falar com Gheri, então, mas...
— Eu não posso nem sonhar em comentar nada com Sara — completo.
Ele assente.
VINTE E DOIS
— Eu não vou nem perguntar onde foi que você passou a noite — Sara fala, colocando um prato cheio
na mesa e se sentando na minha frente.
Olho para o teto do refeitório e dou mais uma mordida no meu sanduíche. Não, ela não precisa
perguntar. A essa altura todo mundo na nave sabe que eu passei a noite com Drek, porque aparentemente
Rivna perguntou se alguém tinha me visto e comentou que eu tinha ido "conversar" com Drek. Como
ninguém me viu depois disso... É.
Não que eu faça questão de esconder ou qualquer coisa do tipo. Se fosse em uma das outras naves da
força-tarefa, isso até seria um problema, porque eles têm regras sobre fraternização com superiores. Tem
toda uma frescura sobre que tipo de relacionamento pode ter entre pessoas de posições diferentes na
hierarquia e que trabalham no mesmo setor. Na nave de Drek não tem nada disso, e tenho quase certeza
que é justamente por serem uma tripulação totalmente krijkare. Então não é um problema se Drek e eu
tivermos alguma coisa – porque mesmo que eu queira pensar que isso não foi coisa de uma noite, não vou
nem criar esperanças. Já me acostumei com Drek se aproximando e depois se afastando.
— Não se faça de desentendida — Sara continua.
Levanto as sobrancelhas. Não fiz nada. Estou comendo. Olha só. Nada demais.
— Eu juro que se eu ouvir você falando mais uma vez que vocês não têm nada...
— Não vai — falo.
Sara me encara, de boca aberta. Rio e dou mais uma mordida no meu sanduíche. Ela está certa, não
posso nem sonhar em falar isso mesmo.
Dsara coloca um prato cheio na mesa e se senta ao meu lado. Passo uma mão no rosto e respiro
fundo. Certo. Paciência. Lá vamos nós.
— Eu falei.
Sabia que ela ia falar isso. Continuo a mastigar meu sanduíche, fingindo que nem vi Dsara ali.
— Ele te contou, não é?
E é óbvio que ela ia perguntar isso na frente de Sara. Que maravilha.
— Contou o quê? — Sara pergunta.
Dsara faz uma careta. Isso mesmo, você falou o que não devia. Minha sorte é que Sara é mais calma
que eu, senão ela ia apelar feio agora, porque não adianta nem tentar disfarçar.
— O que está acontecendo — falo. — E não, não posso te contar.
Ela revira os olhos.
— Mas é claro. Eu devia ter pensado nisso antes. Sexo em troca de informações, unindo o útil ao
agradável.
Estreito os olhos e aponto para ela com meu sanduíche.
— Você mede o que vai falar senão vou começar a comentar sobre você e Vhorr.
Sara se endireita na mesma hora e abre a boca para responder, mas não sai nada. Sorrio. Era mais
um chute que qualquer outra coisa, mas pelo visto acertei em cheio.
— Vhorr, é? — Dsara pergunta.
— O que tem eu?
Sara abaixa a cabeça e se concentra na comida. Tento não rir – ela já está vermelha que nem um
pimentão e eu não preciso zoar tanto assim.
— O quê? Acho que você está ouvindo coisas — Dsara fala e aponta para o espaço na frente dela, do
outro lado da mesa.
Ele olha para nós antes de se sentar, resmungando. Pelo menos ele é um que eu sei que não vai falar
nada sobre eu ter passado a noite na cabine de Drek. Não temos tanta intimidade assim... Eu acho.
— Entãããão — Sara começa.
Respiro fundo e olho para ela, que está sorrindo de um jeito que significa problemas. Talvez ter feito
o comentário sobre Vhorr não tenha sido uma boa ideia.
— Conta logo de uma vez. É verdade aquela história de não encaixar?
Um, dois, três, quatro...
Não, contar mentalmente não vai adiantar quando Sara está me encarando com essa expressão
inocente. Filha da mãe. Vhorr cruza os braços e me encara. Dsara abaixa a cabeça, sem nem tentar
segurar o riso.
— Por favor, eu sempre quis saber isso.
Me viro em tempo de ver Renata se sentando ao meu lado. Eu nem sabia que ela ainda estava na
nave. Pensei que ia embora depois de ajudar na incursão.
Ela dá de ombros.
— Essa é a mesa onde as terráqueas estão, então é para cá que vou vir. — Renata olha para mim e
depois para Sara. — Talita, não é? E Sara.
Assinto e Sara faz a mesma coisa.
— E você é...? — Sara pergunta.
Esqueci que ela não estava por perto quando Renata entrou na nave. Se ninguém comentou sobre ela
na engenharia, Sara com certeza não ficou sabendo que tinha outra terráquea na nave.
— Renata. Caçadora de recompensas. Suelen me mandou atrás de Drek.
Sara dá uma gargalhada e olha para mim.
— Mas Drek não tinha certeza de que não iam conseguir nos achar?
— Não sei por que ele ainda tinha essa ilusão...
Porque o que as mulheres terráqueas mais fizeram nos últimos anos foi provar para o Acordo que um
monte de coisa que eles diziam que não podiam ser feitas eram possíveis, sim. E eu não estou falando nem
só da força-tarefa e das mudanças nas leis. Suelen construiu a reputação dela como mercenária aceitando
trabalhos que nenhum dos aliens tinha coragem de pegar, e os completando. Renata fez a mesma coisa,
mas como caçadora de recompensas. Não sei o que ela usa para localizar seus alvos – não duvido nada
que tenha algum tipo de acesso à rede do Acordo e faça algo parecido com o que Gabi faz quando precisa
rastrear alguém – mas é eficiente.
Renata se vira para mim.
— E então?
Reviro os olhos. Mais uma curiosa. Eu mereço.
— É mesmo. — Sara assente. — Nada de tentar fugir do assunto. É verdade ou não é?
Eu não vou ter sossego até dar algum tipo de resposta.
Aponto para Dsara e Vhorr, que estão só assistindo a coisa toda.
— Por que estão perguntando para mim e não para eles?
— Porque a diversão deles é não responder — Sara fala.
Renata assente.
— Nunca vi uma espécie gostar tanto de se divertir às custas da curiosidade alheia como os krijkare.
Dsara dá uma gargalhada alta o suficiente para as pessoas nas mesas mais próximas olharem para
nós. Vhorr só continua de braços cruzados, sorrindo de orelha a orelha.
— Entãããão... — Sara insiste.
Dou de ombros.
— Se querem mesmo saber, arrumem um krijkare para experimentar.
— Ui — Renata fala.
Dsara dá um tapa no meu ombro.
— Eu sabia que tinha um bom motivo para gostar de você.
Sara resmunga alguma coisa em voz baixa demais para eu entender. Espero muito que ela não esteja
planejando se vingar disso, porque agora tenho munição contra ela. Devia ter feito o comentário sobre
Vhorr muito antes, quando ela começou a pegar no meu pé por causa de como Drek me encara.
E ainda vou ter que explicar a questão sobre Drek ter me contado o que está acontecendo e eu não
poder falar nada para ela. Tenho certeza de que Sara não se esqueceu disso. Ela só entendeu que não é a
melhor hora e lugar para tocar nesse assunto, mas quando estivermos no quarto ela vai perguntar.
E isso me lembra...
Me viro para Renata.
— Pensei que você ia embora depois da incursão.
Ela balança a cabeça.
— Acha mesmo que seu capitão vai deixar alguém sair da nave no meio disso tudo?
— Mas se vocês estavam negociando para você guardar segredo...
Renata bufa.
— Quem me dera. Ou não. O que negociamos foi o pagamento pelo meu trabalho nas incursões. Não
é o tipo de missão que gosto de pegar, mas não é impossível e ele está pagando bem. — Ela dá de ombros.
— Já que vou ter que ficar aqui, posso pelo menos aproveitar o pagamento duplo.
Sara suspira.
— Isso quer dizer que vamos ter mais incursões, então?
Assinto e ela se vira para Dsara.
— Quantas, você sabe?
— Quantas forem preciso — falo.
Sara olha para mim, de boca aberta. Balanço a cabeça. É, eu mudei de ideia, por assim dizer. Não vou
mais ficar resmungando sobre as incursões. Nem tenho como fazer isso.
VINTE E TRÊS
Paro na porta da sala de pesquisa da enfermaria. Eu estava terminando de comer quando Drek
mandou uma mensagem no meu comunicador, dizendo que já tinha falado com Gheri e eu podia ir para lá.
Bem na hora, porque eu já estava imaginando que delícia ia ser quando eu voltasse para o quarto e tivesse
que explicar para Sara que sim, sabia o que estava acontecendo, não ia contar para ela e nem queria mais
sair daqui. Só estou adiando o inevitável, mas... Não estou nem um pouco ansiosa para essa conversa.
E também não tenho mais tanta certeza de que me oferecer para ajudar aqui foi uma boa ideia.
Nunca entrei no laboratório antes, só na sala de triagem e nas áreas de armazenamento, justamente
porque sabia que isso ia me lembrar dos experimentos, de acordar em uma mesa gelada sem conseguir
me mover. Mas ainda é melhor vir para cá do que ficar sem fazer nada.
Coloco a mão no painel ao lado da porta.
— Gheri?
— Um minuto.
Continuo parada na porta, olhando para os lados. Não tem mais ninguém no corredor, mas aqui isso é
normal. Consigo ouvir alguém mexendo nos equipamentos em uma das áreas de armazenamento,
provavelmente Rivna, pelo horário, e só. A nave de Drek até tem uma equipe médica completa, mas são
especializações secundárias do pessoal. Na maior parte do tempo, Gheri e Rivna são o suficiente para
cuidar de tudo. Só em casos extremos, como depois das incursões, que o resto da equipe deixa as funções
primárias para vir para cá. Isso faz sentido se eu pensar que a nave que eles usavam antes era bem menor
que esta, então não podiam aumentar demais a tripulação. Mas Drek já teve tempo mais que suficiente
para reorganizar seu pessoal. Se não fez isso até hoje, é porque não quer.
Gheri abre a porta. Paro, encarando as máquinas espalhadas pela sala. Não consigo nem dizer se são
parecidas com o que consegui ver, nas vezes que acordei naquela mesa. Se é que o que eu me lembro está
certo, porque sempre estava sob efeito de alguma coisa. Mas... O branco das paredes e de parte do
equipamento, junto com os tons metálicos e azuis... É a mesma coisa.
Por que é que eu tive essa ideia mesmo? Ah é, melhor que ficar parada sem fazer nada, agora que
Dsara restringiu meu acesso ao simulador.
— Se acha que não... — Gheri começa.
Balanço a cabeça depressa e respiro fundo. Ajudar aqui continua sendo melhor que não fazer nada.
Espero.
— Só preciso me acostumar.
Gheri continua me encarando por mais um instante antes de sair do caminho e me deixar entrar. Olho
para os equipamentos de novo antes de respirar fundo e me virar para ele.
— Onde posso ficar?
Gheri aponta para uma das laterais da sala, onde tem uma área relativamente vazia ao redor de um
terminal. Agora que estou prestando atenção, tem mais duas áreas mais vazias assim nas outras paredes
da sala. As áreas de análise, então, enquanto a maior parte do espaço é ocupada por equipamentos que eu
não faço a menor ideia de para que servem ou como usar.
— Que eu me lembre, você não tem nenhuma especialização em pesquisa, não é? — Gheri pergunta.
Assinto enquanto vou na direção do terminal que ele apontou. Pesquisa nunca foi minha área. Estava
estudando Direito antes de ser abduzida, e falar isso aqui não vai querer dizer nada, de qualquer forma.
Mas isso quer dizer que eu estou acostumada a trabalhar com dados.
— Vocês estão trabalhando com comparação, não é? Se me ensinar a ler os relatórios, posso fazer
isso e liberar você, Rivna e quem mais estiver nisso para se preocuparem com os testes e experiências —
falo.
Gheri não responde. Olho para ele, que está parado alguns passos para trás, me encarando. Dou de
ombros.
— Eu sei que a equipe fixa da enfermaria é só vocês dois, esqueceu? Isso pode ao menos adiantar a
vida de vocês.
E eu estou falando qualquer coisa só para ele não me colocar para fora, porque não quero nem
pensar em ficar sem nada para fazer.
— O que quero saber é como chegou à conclusão que estamos usando comparações — Gheri fala.
Balanço a cabeça devagar. Mas é óbvio, não?
— Vocês não iam tentar desenvolver uma cura ou o que quer que seja do zero dentro de uma nave.
Quer dizer, até poderiam, mas não em uma nave que não tivesse muito mais equipamento do que tem
aqui. A única coisa que faz sentido é vocês estarem usando uma amostra dessa cura como base de
comparação para tentar reconstruí-la.
Porque eu posso não saber para que as máquinas pela sala servem, mas ainda acho que tudo aqui é
simples demais para o tipo de tratamento que estamos falando, depois do que Drek me contou.
Gheri continua me encarando por mais um instante antes de balançar a cabeça.
— Terráqueas — ele resmunga.
Dou de ombros. Não posso fazer nada se o "raciocínio lógico" deles é uma coisa que para mim não faz
o menor sentido.
Gheri para ao meu lado, de frente para o terminal, e configura minhas permissões de acesso. Não falo
nada enquanto ele carrega uma lista de dados na tela. É uma mistura de letras e símbolos estranhos que
nem meu tradutor consegue me fazer entender. Provavelmente termos técnicos. Não preciso saber a
tradução deles, de qualquer forma.
— Essa é a base da amostra original — Gheri fala e aperta uma tecla. A maior parte dos dados
desaparece, deixando só três linhas na tela. — Esses são os reagentes que faltam. Não conseguimos ter
certeza de como eles são feitos. Ou melhor, dois deles nós não sabemos. O terceiro é um gás retirado de
alguns planetas que não estão na nossa rota, mas que já enviamos mensagens para que outras naves o
recolham. Mesmo assim, seria bom conseguirmos algo que possa substituí-lo. Dos outros dois reagentes,
um é o que estamos trabalhando em testes agora e mais próximos de descobrir como é produzido.
Ele seleciona uma das linhas que ainda está na tela. Outro arquivo se abre, com mais uma coleção de
símbolos estranhos, desta vez organizados de forma diferente. Um detalhamento do tal reagente, então.
— Nós estamos fazendo vários testes simultâneos e gerando os relatórios para serem analisados
depois. Seu trabalho vai ser fazer essas análises assim que eles saírem e apontar as semelhanças e
aproximações da fórmula original. Imagino que não entenda nada da nossa notação, não é?
Balanço a cabeça.
— Nada. Mas a menos que os símbolos tenham significados diferentes de acordo com posicionamento
ou algo assim...
— O posicionamento é importante, mas o significado não muda.
Encaro a tela de novo.
— Certo.
E eu espero que isso realmente funcione.
Gheri carrega outro arquivo para a tela.
— Compare esse relatório primeiro — ele fala.
— Vocês já o analisaram, não é?
Ele assente.
Um teste, então. Ótimo. Quero ver se isso vai dar certo na prática ou se foi só uma ideia louca
demais.
Gheri se afasta e eu abro o arquivo original ao lado do relatório do teste. Vamos ver...
VINTE E QUATRO
De alguma forma, deu certo. Estou vendo símbolos passeando pelo ar quando entro no refeitório, de
tanto tempo que passei encarando a tela do terminal. Devia estar indo direto para a minha cabine para
tentar dormir um pouco antes de ir para o simulador... Não, nem adianta tentar mentir. Eu não vou para o
simulador hoje. Minha cabeça está dando um nó de tantos relatórios que eu vi. E mesmo assim não quero
ir direto para minha cabine, porque tenho quase certeza de que Sara vai estar lá e preciso pensar em
como vou falar com ela que desisti da coisa toda de dar o fora daqui na primeira chance, que Drek me
explicou o que está acontecendo e que eu não posso contar nada.
Entro no refeitório sem nem olhar para os lados e vou direto para o balcão com as comidas. Para falar
a verdade, nem estou com fome, mas levando em conta que não sei quantas horas fazem desde a última
vez que comi... É. Pego um sanduíche e um copo de suco – azul, feito de alguma planta que eu prefiro nem
saber de onde vem – e paro, procurando uma mesa.
— Eu realmente espero que essa cara não seja porque você passou as últimas não sei quantas horas
no simulador — Dsara fala.
Me viro para ela. Estou tão distraída que nem vi que ela também estava pegando comida.
— Não. Estava na enfermaria.
Vendo linhas de símbolos estranhos e tentando me concentrar o suficiente para não me confundir.
Dsara estreita os olhos e me encara por um instante antes de indicar uma das mesas com a cabeça. A
acompanho sem nem pensar em discutir. Sentar, comer, ir dormir. Essa é minha lista de prioridades agora.
Nem me surpreendo quando olho para a frente e vejo que Renata e Vhorr estão sentados na mesa que
Dsara apontou. É uma daquelas coisas que passou pela minha cabeça enquanto eu estava tentando ficar
concentrada no trabalho, mais cedo: claro que Renata ia acabar passando mais tempo com as mesmas
pessoas que eu e Sara – o alto escalão da nave, por assim dizer. Se ela foi enfiada nisso tudo como uma
especialista contratada, é com eles que vai conseguir mais informações. Isso sem mencionar que, por bem
ou por mal, são eles que estão mais acostumados a lidar com terráqueas, desde a época de Suelen.
— Então Drek te contou — Dsara fala, sem nem esperar eu me sentar.
Vhorr para com uma caneca de alguma bebida a meio caminho da boca e me encara, antes de olhar
para Dsara.
— Ela realmente estava trabalhando na área de pesquisa?
Dsara assente.
— Eu estou bem aqui, sabe — resmungo e me sento na frente de Renata, que continua comendo como
se nada estivesse acontecendo. Aposto que está prestando atenção em cada palavra. É o que eu faria.
E pelo comentário de Vhorr, já tem comentários por aí sobre onde eu estava. O que é estranho, se
parar para pensar...
Não. Não é nem um pouco estranho. Argh. Eu não tinha parado para pensar nisso antes, mas o fato
de ter ido trabalhar na sala de pesquisa é a mesma coisa que sair gritando pela nave que Drek me contou
o que estão fazendo. A essa altura, a tripulação toda já percebeu isso e...
Olho ao redor. Umas tantas pessoas olham de volta para a sua comida. Se estão tentando fingir que
não estavam me encarando, não funcionou. É mais que óbvio. Primeiro, eu passei a noite na cabine de
Drek. Depois, fui trabalhar na sala de pesquisa. Não tem como chegarem a outra conclusão.
E isso quer dizer que a tal justificativa que Drek mencionou, o que ele poderia usar se o governo
krijkare descobrir que ele me contou a verdade, deve ser muito boa. Eu não tinha pensando no risco que
ele estava correndo... Se qualquer um da tripulação se descuidar um pouco que seja, pode acabar
soltando que ele contou os segredos para uma forasteira. E isso partindo de uma ideia bem otimista de
que ninguém da tripulação vai ficar ofendido ou coisa do tipo por isso e considerar seu dever alertar as
autoridades. De qualquer forma, nós dois estaríamos fodidos.
— Foi mais rápido que eu esperava — Vhorr fala.
— Já estava passando da hora — Dsara responde.
Reviro os olhos e dou mais uma mordida no meu sanduíche. Se eles querem ficar falando como se eu
não estivesse aqui, problema deles. Não vou perder meu tempo resmungando. A comida é prioridade.
Olho ao redor de novo, por puro hábito. Mais pessoas se viram depressa para a sua comida.
— Tem alguma coisa pregada na minha roupa? — Pergunto.
Dsara e Vhorr olham para mim e balançam a cabeça, mas tenho a impressão de que isso é mais eles
dizendo que não entenderam do que me respondendo.
— Não — Renata fala. — Eles estão te encarando mesmo.
Mas que ótimo. Solto o ar com força e volto a comer.
Eu até poderia perguntar para Dsara o que é isso tudo. Já entendi que tem a ver com Drek ter me
contado, porque de manhã não estavam me encarando assim. O que seria o mesmo que perguntar qual é a
justificativa de Drek para ter me explicado sobre as incursões. Então... Não. Deve ter um bom motivo para
ele não ter me falado isso. Acho que ele mais que merece o voto de confiança, porque mesmo quando
estava agindo de forma meio irracional, tinha um bom motivo. Certo. Então vou esperar e perguntar
direto para Drek. Se ele não responder, aí sim penso em ir atrás de Dsara. Até porque, isso tudo é culpa
dela por ter falado para eu insistir.
O que quer dizer que eu devo um agradecimento para ela, de certa forma.
Estreito os olhos e encaro Dsara, que pelo menos parou de falar de mim como se eu não estivesse ali.
Eu não teria insistido se não fosse por ela, verdade. Mas não vou admitir isso tão cedo.
— Sara estava procurando por você mais cedo — Vhorr fala. — E parecia irritada.
É claro que estava procurando e é claro que estava irritada. Fui eu quem surtou desde o começo e
falou que precisávamos dar um jeito de sair daqui o mais depressa possível, porque não podíamos confiar
nos krijkare depois de tudo o que estava acontecendo... E depois disso tudo tinha transado com Drek e ido
trabalhar na área de pesquisa como se não fosse nada demais. A essa altura, Sara deve estar querendo me
matar.
— Vou falar com ela assim que terminar de comer — aviso.
Ele assente.
E agora estou me sentindo meio idiota por não ter pensado que podia existir alguma coisa entre Sara
e Vhorr. Os dois sempre foram muito próximos, desde que ele começou a treinar Sara. Mas ela nunca
falou nada, nem deu indicação nenhuma... Se bem que pode ser que ela só não tenha sido tão óbvia
quanto eu com Drek.
Suspiro e encaro o último pedaço de sanduíche. Vou repetir, sim. E começar a pensar em o que vou
falar para Sara não me matar.
VINTE E CINCO
Encaro o painel ao lado da porta da sala de entretenimento. Sara não estava na nossa cabine e eu
com certeza não vou descer na engenharia para ir atrás dela, não quando ela está irritada assim comigo.
Não que seja sem direito, mas dou valor à vida. Não. Melhor esperar até ela estar longe de sabe-se lá
quantas pessoas que vão ficar do lado dela não importa o que aconteça.
Então sim, estou fugindo. É mais fácil que tentar achar um jeito de não contar o que está
acontecendo sem deixar Sara puta de raiva. Não que isso vá adiantar por muito tempo.
E ficar parada aqui na porta não vai servir de nada, também. Vim para essa sala de entretenimento –
a que fica vazia porque é perto demais dos propulsores – por pura força do hábito. Agora estou me
sentindo uma adolescente indecisa, porque sei que Drek não está em horário de trabalho e não quero que
fique parecendo que estou correndo atrás dele...
Eu estou sendo ridícula. Estou nessa nave faz mais de dois anos e nunca escondi meu interesse, mas
também nunca corri atrás de Drek. Se ele resolver pensar isso agora, problema dele... Mesmo que possa
até ter um fundo de verdade nisso. Eu quero companhia. A companhia dele, para ser bem específica, e é
justamente por isso que acabei vindo para cá.
Abro a porta e paro, encarando Drek, que está sentado em um dos sofás. Pelo ruído do monitor
ligado, estava assistindo alguma coisa. Ele me olha daquele jeito dele, dos pés à cabeça, antes de sorrir.
Balanço a cabeça e entro na sala, deixando a porta se fechar atrás de mim. Conheço essa expressão.
— Que cara de surpresa é essa? — Pergunto.
Drek dá de ombros.
— Gheri comentou que você colocou os relatórios todos em dia. Depois disso, imaginei que fosse
dormir.
É, eu também pensei nisso. Mas tenho a leve impressão de que, se tentar dormir na minha cabine,
vou ser acordada assim que Sara voltar.
Olho para o monitor. Olha só, mais um campeonato esportivo de alguma coisa que eu não entendo e
que envolve uns veículos estranhos que parecem aranhas. Já assisti uma dessas competições pelo menos
uma vez antes, e com Drek, mas ele disse algo sobre nem valer a pena tentar explicar, porque ele também
só assistia por falta de alguma coisa melhor para fazer. Bom, eu com certeza consigo pensar em alguma
coisa melhor.
Balanço a cabeça e me sento ao lado dele. Um pouco de foco faz bem.
— Estou evitando Sara — falo.
Drek ri.
— Te coloquei numa situação complicada.
Dou de ombros. É verdade, mas não me arrependo de nada. Pelo menos agora sei o que está
acontecendo e posso tentar ajudar. Sara já está ajudando, de qualquer forma, porque continua
trabalhando na engenharia. Eu não. E ela já tinha aceitado a palavra de Vhorr e do restante do pessoal de
que não precisava se preocupar. Não vou dizer que ela está com raiva sem razão, porque no lugar dela eu
também estaria furiosa. Mas não posso nem sonhar em contar tudo o que Drek me explicou.
Drek não fala nada, e nem eu. E se vou ficar aqui....
Chego mais perto, até estar apoiada em Drek. Sinto seus músculos enrijecerem por um instante, e
então ele relaxa e passa um braço ao redor dos meus ombros. Bem melhor assim. E é assustador como
isso parece natural. Como se esse fosse o meu lugar. Eu deveria estar me preocupando com isso, mas...
Foda-se.
— Eu teria ido atrás de você ou no mínimo mandado mensagem para subir, se achasse que fosse estar
acordada — Drek murmura.
Olho para ele. Drek ainda está encarando o monitor, mas olha de relance para mim e levanta a outra
mão para acariciar meu rosto.
Tá. Eu não esperava isso. Não mesmo. Esse é um lado de Drek que eu realmente não conhecia. Nem
imaginava que existia, para ser honesta. E isso deveria me preocupar, sim, porque é fácil demais eu me
acostumar com Drek agindo assim, para depois decidir se afastar de novo. É fácil imaginar que ele agindo
assim quer dizer alguma coisa, sendo que não faço a menor ideia se o que aconteceu ontem realmente
significou alguma coisa diferente.
Mesmo assim... Não falo nada, só continuo sentada na mesma posição, apoiada em Drek. Vou
aproveitar enquanto isso durar.
Continuamos em silêncio até a competição terminar. Drek suspira e o silêncio começa a pesar
enquanto encaramos os avisos que estão passando no monitor agora: alertas padrões de segurança do
Acordo, que são repetidos com uma certa frequência em todas as transmissões.
— Rivna passou um bom tempo na sala de pesquisa hoje — comento.
Drek me solta e se vira para mim. Quase me arrependo de ter falado alguma coisa, mas não. Não
posso me acostumar com isso.
— Ela está trabalhando nos experimentos também — ele fala.
Assinto. É óbvio que está, porque ela é a única outra pessoa que fica fixa na enfermaria. Mas não era
isso que eu queria dizer.
— E ela passou um bom tempo me encarando, sabe? Sem nem tentar disfarçar.
Drek cruza os braços.
— É mesmo?
É, eu estava certa. Os olhares têm alguma coisa a ver com ele ter me contado a verdade sobre as
incursões, ou ele não estaria na defensiva.
Sorrio e me levanto. Drek me acompanha com o olhar enquanto paro na sua frente e me sento no seu
colo, com um joelho de cada lado das suas pernas, e puxo seus braços até que ele os solta.
— Vai me explicar por que ela estava assim, e por que todo mundo no refeitório estava me
encarando? Tem alguma coisa a ver com a tal justificativa que você falou que tinha, não é?
Drek suspira e desvia o olhar. Continuo na mesma posição, segurando seus pulsos. Sinto suas garras
passando de leve pela minha pele quando ele abre e fecha as mãos. Acho que nunca vi Drek tão incerto
assim... Não, retiro o "acho". Eu nunca vi ele assim antes.
— Se não quiser contar, não vou insistir — murmuro. — Só acho que já tivemos problemas demais por
causa de segredos, não é?
Ele assente e olha para mim de novo. Solto suas mãos.
— Não queria falar isso assim.
Espero, enquanto Drek suspira de novo e segura meu rosto.
— Se eu disser que é minha companheira, você passa a ser considerada uma de nós — ele fala.
Se ele disser que... Engulo em seco. Não estava esperando por isso. De qualquer teoria que tivesse
passado pela minha cabeça...
Companheira. Essa palavra tem um peso no Acordo que é diferente do que tem na Terra. É um
compromisso que...
Respiro fundo e balanço a cabeça, encarando Drek.
— É isso que eu sou?
E não sei como vou reagir se ele disser que sim, de alguma forma.
Ele me encara, e não tenho certeza do que estou vendo na sua expressão.
— É o que eu gostaria que fosse. Mas...
— A menos que o seu "mas" seja algum argumento que não tenha como ser contestado, pode ficar
calado — interrompo.
Drek sorri antes de balançar a cabeça e me puxar para um beijo. Me deixo cair contra o corpo dele,
sentindo seu calor e seus lábios nos meus.
— Você não estava planejando voltar para a sua cabine, estava? — Ele pergunta.
Balanço a cabeça.
— Ótimo.
E eu não vou pensar no que ele falou, no que isso significa. Esse tempo todo... Não. Não. Não vou
pensar nisso.
Respiro fundo e passo os braços ao redor do seu pescoço, enquanto Drek enfia as mãos por baixo da
minha blusa e sinto o toque leve das suas garras na minha pele. Isso é certo, de uma forma que eu nunca
teria imaginado antes. E não quero que acabe.
VINTE E SEIS
Balanço a cabeça e encaro o monitor na minha frente de novo. Preciso me concentrar, mas está
difícil. O problema não são os dados em si, é que eu acho que os efeitos da falta de sono estão começando
a dar as caras. Não consegui dormir direito de novo. Pelo menos dessa vez não acordei Drek, mas nem o
fato de ele estar me segurando foi o suficiente para eu me acalmar e voltar a dormir. Ao invés disso, só
continuei deitada, sentindo o ritmo da respiração dele, até que Drek acordasse.
Ainda não tenho certeza de que consigo acreditar no que aconteceu ontem, naquela fala de que o que
ele queria era que eu fosse sua companheira. Depois de dois anos nesse vai e vem de se aproximar e
então se afastar de uma vez... Respiro fundo e balanço a cabeça. Não quero ficar pensando assim, mas
não consigo evitar. O fato é que... Dois dias. Faz dois dias desde que Drek me explicou o que está
acontecendo e por que sempre se afastava. E a forma como as coisas entre nós mudaram nesses dois
dias... Eu não quero perder isso. Esse lado fofo de Drek, aquele momento confortável só sentados juntos,
ontem... Quero mais disso.
— Talita? Você chegou a falar com Sara?
Pisco e encaro o monitor. Droga, estava viajando de novo. E... Balanço a cabeça e olho para trás.
Rivna está parada ao lado de uma das máquinas de análise, a mesma que ela estava usando o tempo todo
ontem.
— O quê?
— Perguntei se você falou com Sara. Ela estava te procurando ontem.
Reviro os olhos. É óbvio que todo mundo já sabe que ela estava me procurando, também.
Provavelmente a tripulação toda está esperando para saber o que vou falar para ela. Argh. Okay, agora dá
até uma certa vontade de matar Drek por ter me colocado nessa situação.
— Ela não estava na nossa cabine quando fui lá — falo. — E não ia descer na engenharia atrás dela.
Rivna ri.
— Se ela estivesse com raiva de mim, eu também não iria lá.
Solto o ar de uma vez e olho para o monitor do meu terminal de novo. Ficar evitando Sara não vai
adiantar nada, mas... Eu não estou evitando, estou? Até fui atrás dela ontem, não é minha culpa se ela não
estava na cabine.
E trabalhar com dados estando com sono é uma péssima ideia. Estreito os olhos. Eu já tinha
conferido esse relatório, não tinha? Se conferi, já esqueci completamente. Droga. O pior de tudo é que não
tem nada que eu possa fazer, porque não vou conseguir dormir. Odeio isso. O único jeito agora é aguentar
até eu apagar – e torcer para estar cansada o suficiente para nem sonhar. Enquanto isso, o jeito é analisar
o relatório de novo, só para ter certeza de que não estou fazendo nenhuma confusão.
Gheri entra na sala resmungando alguma coisa que nem tento entender. Continuo encarando o
monitor, comparando as sequências de símbolos estranhos. Seria mais fácil se eu soubesse o que eles
querem dizer, mas demoraria demais para eu conseguir aprender isso.
— Rivna, ótimo — Gheri fala. — Estava precisando de você. E Talita...
Levanto a mão e estreito os olhos, ainda encarando o monitor. Ou eu estou com muito sono, ou esses
dois arquivos estão iguais.
— Você pode conferir uma coisa aqui? — Pergunto.
Gheri não fala nada, só vem na minha direção. Me afasto e ele para na frente do terminal. Rivna
também se aproxima, sem falar nada.
Não demora muito para Gheri se inclinar e mexer nos controles do terminal. Uma luz azulada brilha
em uma das unidades de armazenamento no centro da sala.
— Rivna, envie uma amostra desse teste para as equipes em terra, junto com as informações de
produção.
Ela assente e se afasta depressa. Não falo nada enquanto Rivna pega a amostra a unidade de
armazenamento e sai da sala.
Gheri olha para mim e sorri.
— Um reagente a menos. Bem em tempo.
O que quer dizer que posso parar de comparar esse arquivo. São só dois, agora, e um deles é o que
eles já sabem o que é, só estão tentando conseguir um substituto que seja mais fácil de conseguir. Mas...
— Como assim, "bem em tempo"? — Pergunto.
Gheri olha ao redor e suspira.
— O prazo está correndo para os mais velhos. Se demorarmos demais...
Engulo em seco e assinto. Não tinha pensado por esse lado. Lerdeza – culpa da falta de sono. Não é
um caso de descobrirem o mais rápido possível para evitar possíveis complicações. É literalmente uma
corrida contra o tempo, ou vai ser tarde demais.
— Preciso avisar a equipe de rastreamento — ele fala antes de sair da sala.
Porque eles precisam refinar sua busca, então. Não sei como estão localizando as outras naves, mas
Drek me contou que elas são rastreadas de acordo com o que eles estão procurando. Se um dos novos
reagentes deu certo, pelo menos inicialmente, eles precisam mudar os parâmetros de busca para focar
nos reagentes que ainda não conseguimos.
É tanta coisa acontecendo, tantos detalhes... De certa forma, era mais simples quando eu achava que
Drek estava escondendo alguma coisa da força-tarefa e só. Quando não tinha vidas em jogo.
Encaro a máquina que Rivna estava usando. Pensei que os pesadelos fossem parar agora que eu já sei
o que está acontecendo e que não tem o menor risco daquilo tudo acontecer de novo, mas eles continuam.
Então talvez... Já vi Rivna operar essa máquina em específico vezes o suficiente para saber como funciona.
Não é complicado, o sistema é todo automatizado. Complicado é entender o resultado da análise. E talvez
seja justamente disso que eu precise: entender o que fizeram comigo. Posso revirar a rede depois, tentar
achar manuais que expliquem como ler essas análises e ir conferindo tudo aos poucos.
Olho ao redor. Estou sozinha na sala. Certo. Posso fazer isso – porque não quero que ninguém saiba a
respeito. Demorei meses para fazer Drek e Rhi pararem de questionar se eu não queria saber exatamente
o que aqueles aliens tinham feito comigo. Não quero que ninguém comece com isso de novo. Negação?
Com certeza. Se ninguém souber, posso fingir que nada aconteceu se não gostar do resultado.
A questão agora é, o que analisar? Não sei o que fizeram comigo, uma mudança poderia aparecer em
qualquer lugar... Mas acho que seria mais provável no sangue. Pego uma das caixinhas transparentes que
usam para colocar as amostras a serem analisadas. Deve ter alguma coisa cortante aqui... Não preciso de
uma amostra cem por cento correta nem nada do tipo. Só quero ter uma noção do que fizeram, nem sei se
isso vai funcionar, então...
Acho uma faca pequena perdida em uma das gavetas. Perfeito. Faço um corte na palma da mão e
deixo o sangue pingar dentro da caixinha. E eu espero muito que essa faca não tenha nada de estranho
que vai causar uma infecção ou coisa do tipo... Certo. Chega. Limpo a faca como já vi Gheri e Rivna
limparem os equipamentos e a coloco de volta no lugar, antes de colocar a caixinha com as gotas de
sangue na máquina de análise. Agora é só esperar.
Volto para o meu terminal, mas não consigo me concentrar nos relatórios. Espero que ninguém volte
para cá antes da análise terminar. Não que eu achei que Gheri vai reclamar demais sobre eu estar fazendo
isso. Provavelmente só vai questionar o fato de eu não querer mostrar nada para ninguém. Mesmo assim...
Dou um pulo quando a máquina apita. Análise terminada. Certo. Copio os dados direto para o meu
tablet, depressa, antes de limpar os registros da máquina e voltar para o meu terminal. Pronto. Tudo aqui,
agora só preciso de tempo para descobrir como entender isso.
Encaro o relatório na tela do tablet. Nada de diferente. É exatamente como os relatórios que estou
comparando nos últimos dias, com linhas e mais linhas de símbolos estranhos.
Não. Não exatamente igual.
Levanto a cabeça e encaro o relatório que está aberto no terminal. Merda. Merda. Isso não é nada
bom.
VINTE E SETE
— Mantenham ela consciente. Quero um teste de resistência.
Não. Não, tudo menos isso. Forço as amarras que estão me prendendo na mesa gelada, mas é a
mesma coisa que não fazer nada. Teste de resistência. Foi o que disseram antes de tirarem Luana da sala,
alguns dias atrás. E ela não voltou.
— Tudo pronto.
Sinto o metal gelado encostando no alto dos meus braços e nas minhas pernas. Não consigo abrir os
olhos. Não sei se...
— Agora.
— Não não não não NÃO!
— Talita!
Abro os olhos. Estou na cabine de Drek. Não estou naquela sala, na mesa gelada, enquanto... Não. Foi
só um pesadelo. Só isso. Mesmo que eu pudesse jurar que era real.
Drek me puxa para baixo, até que estou deitada ao seu lado de novo. Minha garganta está ardendo...
Eu estava gritando. Droga. Pensei que isso já tivesse acabado. Me viro na cama e me acomodo contra
Drek, escondendo o rosto. Não estou sozinha, não estou naquele lugar. Acabou.
— Quer falar sobre isso? — Ele pergunta.
Balanço a cabeça. Não. Só quero esquecer, não falar a respeito.
Respiro fundo e solto o ar devagar. Não vou chorar. Não vou. Já acabou, todos que estavam
envolvidos com o que aconteceu naquele lugar estão mortos – e eu estou na nave que ajudou a matá-los.
Os pesadelos deviam estar diminuindo, não piorando. Mas... Eu sei o motivo disso.
— Talita... — Drek começa.
Balanço a cabeça de novo. Não vou falar sobre isso.
— Volte a dormir — murmuro.
Porque ele vai precisar estar descansado, de qualquer forma. Eu sei que eles estão indo atrás de
outra das naves estranhas, para mais uma incursão atrás de qualquer coisa que possa ajudar nos testes de
Gheri. E eu... Acho que já estou ficando acostumada a não dormir.
Drek suspira e enfia uma mão no meu cabelo, me segurando no lugar sem falar nada. Respiro fundo
de novo, tentando me concentrar no ritmo da respiração de Drek e nas batidas do seu coração, qualquer
coisa para me distrair e talvez me fazer apagar de novo. Não que eu tenha ilusões de que vá conseguir
dormir.
Ter feito aquele teste ontem foi um erro. Era melhor continuar sem saber. Agora...
Não. Não vou ficar pensando nisso, também.
E eu sei que Drek ainda está acordado, mas ele não fala nada.
Eu queria poder falar a respeito, mas... Isso só vai servir para piorar as coisas. Vai ser uma
confirmação, de certa forma. Então não.
A respiração de Drek fica mais pesada. Ótimo. Me acomodo melhor contra ele, sem nem pensar em
me afastar.
Ainda estou pensando no pesadelo horas depois, na sala de pesquisa. Não voltei a dormir depois dele,
obviamente, e pelo menos Drek não falou nada quando deu seu horário e eu ainda estava acordada, na
mesma posição.
E eu preciso me concentrar no trabalho, porque parece que....
— Gheri? — Chamo.
Ele vem na mesma hora. Aponto para o relatório na tela. Não é idêntico ao original, mas está
parecido demais. E, como este é o arquivo do reagente que estão tentando encontrar um substituto,
qualquer coisa que produzirem não vai ser idêntica.
— Um substituto viável — ele fala.
Sorrio. Só falta um reagente, então, e isso tudo vai ter acabado. Vai dar tempo.
Gheri vai na direção do painel de comunicação em uma das paredes. Continuo conferindo os
arquivos, mas agora não estou mais sendo tão cuidadosa. Já achamos um substituto, então eu sei o nível
de semelhança que seria ideal. Agora só estou conferindo os outros relatórios para garantir que não tem
algo mais próximo do reagente original.
— Talita?
Me viro para Gheri, que ainda está parado na frente do painel de comunicação.
— Drek não está respondendo pelo comunicador. Você pode avisá-lo enquanto faço os últimos testes
nesse reagente?
Assinto. Não é nem um pouco normal me usarem como garota de recados – nunca foi, nem quando
cheguei na nave – mas não vou reclamar de ter alguma coisa para fazer que seja fora dessa sala. Por mais
que seja bom saber que conseguimos mais um reagente, ainda estou meio fora do ar por causa do
pesadelo dessa noite. Sair daqui vai ser bom.
— Sem problemas.
— Se ele falar alguma coisa sobre produção, já avise que não temos como produzir isso em grande
escala na nave, mas o pessoal em terra tem equipamentos que conseguiriam fazer isso facilmente.
— Certo.
Saio da sala de pesquisa e vou direto para o elevador. Nesse horário, Drek deveria estar na ponte. Se
ele não está respondendo pelo comunicador, provavelmente estão em reunião. Não gosto nem um pouco
da ideia de interromper uma reunião do pessoal da ponte, eu sempre ficava irritada quando alguém fazia
isso enquanto eu ainda estava trabalhando lá, mas não preciso interromper. Sempre posso esperar um
pouco até eles terminarem.
Paro na porta da ponte de comando e olho para dentro. Está todo mundo nos seus terminais, sem
nem sinal de uma reunião. E nem sinal de Drek, também. Estranho. Ele não costuma sair daqui quando
está no seu turno.
Olho ao redor de novo. Se tem uma coisa que qualquer um em uma nave aprende a evitar, é a distrair
o pessoal trabalhando na ponte. Então não vou sair entrando e atrapalhando todo mundo, mas agora estou
preocupada.
E, para minha sorte, uma das pessoas que está mais perto da porta é Kren. Perfeito.
— Kren? Drek não está por aí?
Ele olha para mim e balança a cabeça.
— Ele saiu já faz algum tempo.
Olho para um dos monitores, conferindo as horas. Estranho. É o turno de Drek, eu não estou
confundindo horários. Então como assim ele não está na ponte?
Kren balança a cabeça de novo, e agora que estou prestando atenção... Ele está tenso. Suspiro. Era
só o que me faltava. Qual é o problema dessa vez?
— Obrigada.
Me afasto da porta da ponte e paro no corredor. Se Drek não está aqui, onde estaria? Se tivesse sido
chamado em algum outro setor da nave, Kren saberia. Então não é isso. Não adianta sair procurando por
ele de área em área. Mas...
Viro no primeiro corredor à frente e vou para a sala de entretenimento. Nós dois sempre acabamos
lá, de uma forma ou de outra. Só é estranho que Drek tenha ido para a sala de entretenimento durante o
seu turno na ponte. Todo mundo da tripulação perde um ou outro turno, às vezes, mas não ele.
Abro a porta da sala e por pouco não paro no lugar. Drek está ali, mas só consigo ver sua silhueta,
porque as luzes estão fracas demais. Como nas vezes que fui atrás dele depois das incursões. Isso não é
bom.
Drek nem levanta a cabeça quando entro e vou na sua direção. O que quer que seja, é mal. Muito
mal.
Me abaixo na frente dele.
— O que houve?
Drek respira fundo e olha para mim. Engulo em seco. Seus olhos estão completamente vazios.
— Recebi uma mensagem da equipe médica.
Ah não. Ah não. O filho dele.
Seguro sua mão. Não sei o que estou fazendo aqui, mas não vou sair. Com certeza não vou.
— Drek... — começo.
Ele balança a cabeça.
— Temos quatro dias. É o máximo que vão conseguir manter os mais velhos estáveis.
Quatro dias para achar uma cura e repassar as informações para as equipes no planeta dele, ou então
as crianças vão começar a morrer... E o filho de Drek vai ser uma das primeiras.
Respiro fundo.
— Qual é o nome do seu filho? Você nunca me falou.
— Nós não damos nomes para as nossas crianças até depois...
Até depois que saem dos complexos médicos. Ele não precisa terminar de falar. Isso é cruel, mas
também faz sentido. Acho que seria uma forma de tentar não deixar que os pais se apeguem tanto aos
filhos que podem não sobreviver.
— Se ele sobrevivesse, eu o chamaria de Kerik.
Engulo em seco. Não vou chorar. Não vou.
— Gheri pediu para avisar que encontrou um substituto para o gás. Só precisamos de um reagente,
agora.
— O mesmo reagente que estamos procurando há anos.
Talvez. Mas como é que era a história do começo da força-tarefa mesmo? Que Kernos re'Dyraiv
estava há anos atrás de Arcen, até que Gabi chegou e conseguiu achar uma forma de prendê-lo? Não vou
me esquecer disso.
Seguro o rosto de Drek, da mesma forma que ele gosta de fazer comigo. Ele me encara e engulo em
seco de novo. Se tem uma expressão que eu espero nunca mais ver, são esses olhos vazios. Não. Drek não
é assim.
Beijo Drek de leve antes de me levantar. Ele não fala nada, só me acompanha com o olhar. Certo. Não
tem outro jeito, então.
— Você ainda vai chamar seu filho pelo nome, Drek.
Eu vou garantir isso, de alguma forma.
Saio da sala e espero a porta se fechar atrás de mim antes de respirar fundo e soltar o ar lentamente.
Eu não tenho como ficar parada, não quando tem vidas em jogo. Desço de volta para a enfermaria. No fim
das contas, não faz diferença se é a vida do filho de Drek em jogo ou não. Ou melhor, não é só isso. Mesmo
que fossem crianças que não significassem nada para ninguém que eu conheça, eu não conseguiria ficar
parada.
Quando entro na enfermaria, Gheri está debruçado sobre uma das mesas centrais.
— Gheri? Pode vir aqui um minuto? — Falo, indo na direção do meu terminal.
— Conseguiu falar com Drek? Acabei de ficar sabendo...
Assinto, ao mesmo tempo em que carrego os resultados do teste no monitor. Gheri para ao meu lado
e encara os dados por um instante antes de se inclinar para abrir os arquivos originais.
— Esse não é o resultado de uma das nossas experiências... — ele começa e olha para mim de novo.
Balanço a cabeça.
— Não. Isso é uma análise do meu sangue.
VINTE E OITO
Não é perfeito, isso eu já tinha notado. Mas é melhor que os testes que Gheri tinha feito, e quando ele
refaz a análise, dessa vez tirando uma amostra de sangue do jeito certo... Eu continuo sem saber o que
fizeram comigo, mas o que quer que tenha sido criou algo em meu sangue que é muito próximo do
reagente que precisam. Não é o suficiente para fazerem o tratamento definitivo, mas é o suficiente para
ganharem tempo.
— Você tem certeza? — Gheri me pergunta pela milésima vez.
Assinto. Não tem outra opção. Eu nunca me perdoaria se ficasse parada numa situação dessas...
Mesmo que fazer alguma coisa seja ir para a mesa de experimentos por livre e espontânea vontade.
Rivna abre a porta da sala.
— Drek está descendo.
Respiro fundo. Hora de decidir como vamos fazer isso.
Gheri olha para mim. Assinto de novo e vou na direção de Rivna, que se afasta para me deixar sair.
Por mais que por um lado fosse prático fazer uma reunião ali, na sala de testes, Gheri tem certeza de que
não vamos ser só nós e Drek, então estamos indo para a sala de triagem.
O problema maior é o prazo que temos – dias – para ter uma opção viável pronta e entregue. Não é
como se Gheri pudesse mandar uma fórmula dessa coisa no meu sangue. Precisamos ir até o planeta
deles. E, depois desse tempo em território pirata, estamos bem longe de lá.
Entro na sala de triagem e me encosto em uma das macas. Isso é loucura, mas não tem outro jeito. E,
no fim das contas, nem é surpresa que eu tenha acordado gritando, hoje. O pesadelo não foi por causa do
que aconteceu, não exatamente. Foi por causa do que eu vou fazer.
Drek entra na sala junto com Gheri, e Rivna fecha a porta atrás deles. É a minha vez de encarar Drek
dos pés à cabeça. Ele está tentando disfarçar, não está tão abalado quanto quando entrei na sala de
entretenimento, mas a expressão vazia nos seus olhos não mudou.
— Nós descobrimos uma alternativa para o reagente que falta. Não é o suficiente para as
modificações definitivas, mas é o bastante para uma cura temporária — Gheri fala.
— Ganhar tempo — Drek murmura e olha para mim.
Assinto.
— Uma cura temporária parte do princípio de que vão conseguir produzir a cura definitiva — Drek
fala, se virando de volta para Gheri.
Gheri carrega os dados do reagente que falta em um dos monitores.
— Vai nos dar tempo para tentar conseguir o que precisamos, sim. Mas, primeiro, precisamos
conseguir mais gás, para conseguirmos chegar em casa a tempo e com tudo pronto.
Drek estreita os olhos.
— Você quer uma incursão especificamente para roubar o estoque deles.
Gheri assente.
— De uma das naves maiores, se possível.
Drek passa uma mão pelo rosto e suspira.
— São três dias de voo daqui até em casa. Temos que achar uma nave no caminho, e então você vai
ter o restante do trajeto para produzir...
— Exato — Gheri interrompe. — Já fizemos os cálculos. Preciso de dois dias para produzir o que
vamos precisar. Se conseguirem o gás, vai ser o tempo exato até chegarmos.
Ele já tinha me explicado aquilo. Essa "cura" funciona quase como uma terapia genética – pelo menos
foi como eu entendi a explicação dele. Não é só uma questão de misturar os reagentes e pronto. Ele
precisa extrair a coisa que vai fazer efeito dessa mistura e preparar para aplicação. Não temos tempo
para fazer tudo isso depois de chegar no planeta.
— Chame Vhorr — Drek fala e olha para mim. — Ou melhor... Chame Vhorr, Sara e Renata. Vamos
precisar delas.
Vamos? Ele tem certeza do que está falando?
— Não tenho tanta certeza de que Sara vai estar disposta a ajudar sem saber... — começo.
Ele balança a cabeça.
— Tem formas e formas de se contar alguma coisa. É um risco que vou ter que correr, se vamos
atacar uma das naves maiores.
Uma das naves maiores. Isso quer dizer que as que estávamos atacando até agora eram pequenas? E
eles estavam voltando daquele jeito? Ai meu Deus.
Ninguém fala mais nada enquanto Rivna chama os três pelo comunicador. Cruzo os braços e encaro o
chão. Isso é loucura, mas é o único jeito.
Não demora muito para Sara e Vhorr chegarem, com Renata logo depois. E, pela expressão de Vhorr,
a notícia sobre o nosso prazo já se espalhou entre a tripulação. Não sei nem se acho isso bom ou ruim.
Mas sei que se Sara pudesse matar com um olhar, eu estaria morta agora. Espero que Drek dê uma boa
explicação para ela, senão ela não vai ajudar mesmo. E eu estou ferrada, de qualquer forma.
— Ótimo, todos aqui — Drek começa. — Vhorr, precisamos de uma das naves maiores que esteja no
nosso caminho para casa. Me lembro de termos passado por uma assim, alguns dias atrás...
— Que decidimos não atacar porque o risco seria grande demais — Vhorr interrompe.
Drek assente.
— É por isso que chamei Sara e Renata.
— Eu me recuso a fazer qualquer coisa sem saber o que está acontecendo — Sara fala.
Todo mundo olha para ela, que cruzou os braços e está encarando Drek. Eu avisei. E, no lugar dela,
eu teria feito a mesma coisa.
— Estamos tentando achar uma cura para nossas crianças. As pessoas nessas naves produziam o
antídoto para uma doença letal e comum no nosso planeta, mas estão se recusando a vender para nós
depois que apoiamos a força-tarefa — Drek conta.
E agora estou me sentindo uma idiota. Tão simples. Ele contou a verdade para elas, mas não o que é
o ponto principal do segredo – que não é uma doença, é algo da espécie deles.
— E desde quando isso é motivo para todo o segredo? — Ela insiste e olha de relance para mim.
Abro a boca para responder.
— É um segredo porque deixa os krijkare vulneráveis — Renata fala. — É o tipo de coisa que uma
força invasora poderia usar contra eles, tanto para um ataque direto quanto para fazer chantagem.
Que, na verdade, foi o que fizeram.
Sara respira fundo.
— Isso não quer dizer que estou concordando com essa história toda. O que quer que eu faça?
Ela ainda está com raiva, mas não acho mais que vai me matar assim que ficarmos sozinhas. E eu
também quero saber em que Drek está pensando.
— Vhorr tem os modelos das medidas de segurança das naves e dos sensores que nos impedem de
entrar com qualquer arma de tecnologia avançada dentro delas. Quero que você confira os planos e veja
se consegue achar uma forma de contornar as defesas deles. Se não, quero que veja se consegue
direcionar mais poder para o escudo da nave.
O que quer dizer que vai ser um combate pesado, de uma forma ou outra. Certo. Podemos fazer isso.
Não vai ser a primeira incursão. Mesmo se Sara não conseguir fazer alguma gambiarra, eles vão dar um
jeito. Têm que dar um jeito.
Sara assente.
— Tudo bem.
— E imagino que eu esteja aqui para ajudar na retirada de material — Renata fala.
Drek assente, ao mesmo tempo em que Gheri balança a cabeça.
— Ela pode ajudar em mais uma coisa, Drek. Não agora, mas...
E agora eu não faço ideia do que Gheri está falando, mas pela forma como está hesitante não é boa
coisa.
Drek se vira para ele.
— Eu entendi por que não conseguimos desenvolver o último reagente, e não creio que vamos ser
capazes de fazer isso no futuro. Não por nossa conta e sem mais informações — Gheri conta.
Ah. Isso.
— Com tempo... — Drek começa.
Gheri balança a cabeça.
— O último reagente não é algo que vamos encontrar disponível em algum lugar ou que vamos
encontrar as matérias primas para produzir. Ele é de origem biológica. Isso quer dizer que é parte dos
dados sigilosos, os que nunca foram armazenados de forma pública...
Os dados das experiências. Ele está falando das experiências com terráqueas. E da mesma forma
como eles têm leis para que ninguém de fora descubra a "fraqueza" dos krijkare, as pessoas por trás das
experiências também não teriam armazenado qualquer coisa ligada a isso em algum lugar onde pudesse
ser encontrada depois...
Os drillianos. Arcen.
Ai meu Deus, eu não quero estar entendendo isso certo.
E Drek está me encarando.
— Onde conseguiram o último reagente?
— No meu sangue — falo.
Ele respira fundo e assente. Solto o ar de uma vez. Qualquer coisa que ele queira falar sobre isso, não
vai falar aqui, pelo menos.
— Só existe uma forma de conseguir esses dados agora — Gheri completa e olha para Renata.
Eu estou entendendo isso certo. Puta merda.
Drek também olha para Renata, que arregala os olhos.
— Ah, não. Você não está falando o que penso que está — ela resmunga e cruza os braços.
Drek assente.
— Não. Não mesmo.
— Você seria bem paga...
— O que você está me pedindo...
— Você vai ter todos os krijkare ao seu lado, se alguma coisa der errado. E isso inclui se ele não
seguir as regras que vamos definir.
Renata respira fundo.
— Regras?
Drek assente.
— Regras. Nós não vamos desfazer o trabalho da força-tarefa, mas isso é uma questão de vida ou
morte.
Ela estreita os olhos.
— Que seja, então. Mas esse contrato é um que vou fazer questão de ter por escrito.
— Terá. — Drek se vira para Vhorr. — A nave...?
— Te darei uma resposta sobre o rastreamento nas próximas horas. Temos sensores na região por
onde passamos, então é melhor voltarmos pelo mesmo caminho.
— Certo. Vou dar as ordens para mudarem nosso curso, então.
Um a um, eles saem da sala. Eu continuo parada no mesmo lugar. Não quero acreditar no que ouvi
aqui, mas...
Estamos indo para mais uma incursão, a maior de todas até agora. E, depois disso... Não. Eu não
quero nem pensar nisso.
VINTE E NOVE
Saio do simulador e rolo os ombros para trás. Ai. Péssima ideia. Estou completamente travada e já
doeu só de fazer isso. Tensão demais. Não que isso seja uma surpresa, considerando a configuração que
eu usei. Se entendi certo – e tenho certeza de que isso eu entendi – vamos atacar uma nave maior e mais
bem defendida que as outras duas das primeiras incursões. Ou seja, eu preciso estar pronta para o que
quer que possa acontecer. Estar toda dolorida depois das horas de simulação não é problema. Até
amanhã, que é quando provavelmente vamos alcançar a tal nave, a dor já vai ter passado. E depois disso
vou estar dopada, de qualquer forma.
Respiro fundo e balanço a cabeça antes de começar a seguir pelo corredor. Não preciso ficar
pensando nisso. Na verdade, quanto menos pensar nisso, melhor. Já decidi que vou me oferecer de
"cobaia" para Gheri. Pronto. Não vou voltar atrás. Então não tenho porque ficar me lembrando disso. Uma
coisa de cada vez.
Nem me surpreendo quando todos os corredores até a minha cabine estão vazios. Não faço a menor
ideia do que aconteceu enquanto eu estava na simulação de voo, mas aposto que Drek está fazendo uma
simulação de combate ou algo do tipo com a maior parte da tripulação. Preparação para amanhã, para o
caso de Sara não conseguir contornar os sistemas de defesas das naves-laboratório. Eu só espero que ela
consiga e que tudo dê certo, porque se das outras vezes já foi um caso de quase toda a tripulação precisar
passar na enfermaria...
Abro a porta da cabine e paro. Minha sorte acabou, porque Sara está sentada na mesa e se vira na
mesma hora. Lá vamos nós.
— Por que você não falou nada? — Ela pergunta.
— Falar como? Como se não bastasse Drek ter me pedido segredo, eu não te vi desde que ele me
contou o que estava acontecendo. E aquela hora no refeitório não conta, porque se eu fosse falar alguma
coisa não ia ser em público.
Sara me encara de boca aberta enquanto atravesso a cabine e me deixo cair na minha cama. Morta.
Estou completamente morta.
— Você sabia que eu estava na engenharia. Podia ter ido atrás de mim lá.
Eu posso estar começando a pensar que estou louca, mas não cheguei nesse ponto. Não mesmo.
Reviro os olhos.
— Claro, como se eu fosse chegar lá gritando para todo mundo que ia te contar coisa que não devia.
Ou como se eu fosse ser louca de descer na engenharia e correr o risco de todo mundo que trabalha lá se
juntar para fazer picadinho de mim por ter deixado você com raiva.
— Eles não fariam isso.
Suspiro e me sento na cama. Às vezes eu não tenho certeza se Sara realmente não notou como o
pessoal da engenharia é com ela, ou se só finge.
— Ah, fariam sim.
— Exagero.
— Nem vem. E de qualquer forma eu não ia falar nada.
Ela estreita os olhos. Dou de ombros.
— Drek me pediu segredo — repito.
— Tem mais além do que ele falou mais cedo, não tem?
E é por isso que eu estava fugindo de Sara. Ela percebe as coisas bem demais. Ia ser quase
impossível falar com ela e não deixar nada escapar.
— Tem. E eu também não vou te contar. Mas ele tem um bom motivo para ter agido como agiu.
Sara bufa.
— Claro que tem. Claro, ou você não ia ter aceitado essa história toda de boa assim.
Dou de ombros de novo.
— Não preciso nem perguntar se aquela história toda de sair daqui na primeira oportunidade ainda
está de pé, não é? — Sara continua. — Ainda mais agora que você e Drek...
Cruzo os braços. Estava demorando.
— Não vou sair daqui, e isso não tem nada a ver com estarmos juntos ou não. Mesmo se isso não
tivesse dado em nada, eu ia ficar.
— Ceeeeeerto...
E agora eu realmente acho que ela está querendo mesmo me irritar. Argh. Me jogo para trás na cama
de novo, sem querer ouvir mais nada. Já bastam meus músculos todos doloridos.
A porta apita.
— Acho que alguém veio atrás de você — Sara fala. — Entra!
Escuto a porta se abrindo, mas não me mexo.
— Sara, pensei que Talita... — Drek começa.
É, ele veio mesmo atrás de mim. Eu definitivamente estou ficando mal-acostumada com isso, e não
me importo mais.
Me sento na cama. Drek está me encarando, ainda parado na porta.
— Tempo demais no simulador? — Ele pergunta.
Assinto. Drek balança a cabeça.
— Devia ter imaginado. Não quer subir?
Subir para a cabine dele? Com certeza. Me levanto de uma vez e paro quando Drek me encara dos
pés à cabeça. Estou começando a achar que ele nunca vai perder esse hábito. E isso me lembra...
— Eu provavelmente vou te acordar essa noite.
Porque não importa o quanto eu estou tentando evitar pensar nisso. O fato é que me ofereci para
voltar para a mesa de experimentos. Se tem um dia que tenho certeza que vou acordar gritando por causa
dos pesadelos, é hoje.
— Eu sei — Drek fala.
Tudo bem, então. Eu avisei...
Saio do quarto depressa, resmungando um "boa noite" para Sara. Drek ri mas não fala nada enquanto
atravessamos os corredores e pegamos o elevador para o andar da cabine dele. E eu vou parar de achar
estranho como estou confortável até com o silêncio. É Drek, ponto. Eu devia ter imaginado que se ele
parasse de fugir algum dia, seria assim.
Assim que entramos na antessala dele, Drek segura meu braço. Me viro para ele, que coloca uma
mão no meu rosto.
— Você não precisa fazer isso.
Não é nem um pouco difícil entender de que ele está falando.
Balanço a cabeça.
— Preciso.
— Talita...
Balanço a cabeça de novo, com mais força, e dou um passo atrás antes de virar de costas e cruzar os
braços. Não quero falar nisso. Não quero pensar mais a respeito, porque já me decidi e não importa o
custo. Eu não vou voltar atrás.
Sinto quando Drek para atrás de mim, sem falar nada. Continuo no mesmo lugar. Não sei o que dizer
agora, porque... De alguma forma, é como se tudo tivesse mudado. Não. Se tornado mais.
Drek joga minha trança por cima do meu ombro esquerdo. Achei melhor prender o cabelo antes de ir
para o simulador, porque ele sempre acaba me atrapalhando. E agora... Um arrepio me atravessa quando
Drek passa os dedos pelo meu pescoço, ainda sem falar nada. Isso é diferente. É... Não sei.
Solto o ar de uma vez e inclino a cabeça para trás, me apoiando em Drek. Sua mão para por um
instante antes de voltar a passear pelo meu pescoço, com um toque tão delicado que mal consigo sentir as
suas garras. Toda a minha atenção está nesse lugar, no toque dele, esperando não sei nem pelo quê.
— Drek... — começo.
Ele passa as garras pelo meu pescoço e não consigo segurar um gemido. Nunca pensei que fosse
gostar dessa sensação de perigo, mas agora não sei mais se ficaria sem isso.
Drek desce a mão pelo meu braço, até entrelaçar nossos dedos e dobrar meu braço, até que nossas
mãos juntas estão entre meus seios. Minha respiração falha quando sinto seus lábios no meu pescoço,
explorando o mesmo caminho que sua mão tinha feito antes.
— Só me deixe... — ele murmura, tão perto do meu pescoço que sinto sua respiração. — Dessa vez,
só...
Engulo em seco. Eu estava certa. Isso é diferente. E não quero parar para pensar em como ou por
quê. Só quero.
Assinto, sem conseguir falar nada.
TRINTA
Normalmente alguém sempre está conversando na ponte, mesmo que seja em voz baixa. É um ruído
de fundo, encobrindo os apitos baixos e sons de alerta dos sistemas da nave. Mas, agora, o silêncio é
completo. Se fizer um esforço, consigo ouvir até o zumbido dos propulsores, e isso é algo que nunca
consegui escutar enquanto estava trabalhando na ponte. Pelo visto eu não sou a única que está tensa.
Olho de relance para Drek. Ele está em pé na frente do monitor principal, acompanhando os dados
que a equipe de rastreamento está enviando. Respiro fundo, tentando não pensar demais em ontem e no
que aconteceu na cabine dele. Até porque, não tenho certeza do que aconteceu ali. Só sei que nunca vou
esquecer essa noite, ou a forma como Drek explorou todo o meu corpo. Não foi algo possessivo, mas
mesmo assim ele me marcou, porque qualquer sensação, agora, me faz lembrar das mãos dele em mim.
Balanço a cabeça. Não. Foco. Não posso ficar pensando nisso agora.
Encaro o monitor ao meu lado, que está mostrando nossa localização. Pelo que entendi, quando
passamos por aqui alguns dias atrás, Vhorr detectou uma das naves-laboratório maiores. Agora estão
usando os sensores que deixaram para trás, por segurança, para tentar localizar a nave de novo. Ninguém
nem mencionou a possibilidade de ela não estar mais na região – de acordo com Drek, essas naves têm
territórios bem definidos – porque não podemos perder tempo procurando por ela. Temos que chegar no
planeta dos krijkare antes do prazo, o que quer dizer que temos pouco mais de dois dias. Vai ser apertado,
mesmo se usarmos o propulsor novo.
E uma parte de mim quer que não achem essa nave. Se não a encontrarem, eu não vou ter que virar
uma cobaia de Gheri. É óbvio que acordei gritando essa noite de novo – já sabia que isso ia acontecer.
Mesmo que tenha sido minha escolha, não consigo evitar querer que aconteça alguma coisa para me
livrar disso. Não é só um caso de Gheri tirar meu sangue e o usar para o que precisa fazer. Ele vai
precisar me dopar e injetar a mistura dos outros reagentes no meu corpo, para o meu organismo terminar
de processar a fórmula... E eu parei de prestar atenção depois que ele falou isso. Tem coisas que é melhor
não saber. A questão é que vou passar sabe-se lá quanto tempo apagada enquanto eles fazem o que
precisam.
— Encontramos — Drek fala.
Se o silêncio já era completo, agora ele é completo e pesado. Respiro fundo e encaro o monitor na
minha frente. As coordenadas de para onde precisamos ir já estão na tela e programadas no sistema do
propulsor. Não quero correr o risco de demorar nem um segundo procurando os dados quando as equipes
de incursão voltarem para a nave. E desta vez também coloquei os sistemas de aviso dos hangares, para
saber quando as portas estiverem se abrindo ou fechando.
Por enquanto, todos os meus indicadores estão parados, e não quero colocar mais nada no monitor.
Giro minha cadeira e olho para os outros monitores espalhados pela ponte. Na maioria deles, os dados
que a equipe de Vhorr está enviando estão subindo pela tela. Na época que vim para cá, eu estudei as
especificações da nave, então entendo um pouco dos termos que aparecem na lista. E o que estou vendo
não é nada bom. O poder de fogo deles é bem maior que o nosso, se tiverem a chance de atirar.
— Temos que dar um jeito nas armas externas deles primeiro — murmuro.
Ninguém responde em voz alta, mas Kren assente. Mais fácil falar que fazer, de qualquer forma.
Estamos ferrados e isso tem que dar certo, de alguma forma.
— Atenção, tripulação. Iniciando aproximação do alvo — Rhi fala no sistema de comunicação interno.
Então é isso. Quinze minutos até a abordagem. Respiro fundo e olho de relance para o meu monitor.
Estou fazendo um esforço para não falar mais nada, mas... Essa não é uma nave militar, no fim das contas.
Eu não deveria estar me preocupando com isso.
Me viro para Drek.
— E você me faça o favor de tomar mais cuidado — falo. — Não vou poder ir atrás de você dessa vez.
Ele sorri e me mostra uma pistola híbrida. Não que isso faça muita diferença, com o sistema de
segurança deles...
Não. Espera.
— Sara conseguiu? — Pergunto.
Drek assente e escuto umas tantas risadas abafadas ao redor da ponte.
— Como se alguém já tivesse achado alguma coisa que ela não consegue fazer — Zima fala.
É, ela não está mentindo. Não é à toa que o pessoal da engenharia é louco com Sara.
— Não vai ser uma das incursões mais simples — Drek fala. — Mas também não vai ser uma das
impossíveis.
Ótimo. Excelente.
— E você pode aproveitar a última vez que vai pilotar — ele continua.
Estreito os olhos e ignoro a risada que veio de algum lugar à minha esquerda.
— Depois disso tudo é melhor começarem a me deixar pilotar para valer. É melhor mesmo, viu?
Drek ri. Ah, mas eu vou matar um se não me derem um turno como piloto, por menor que seja, depois
disso tudo.
Alguém liga o alarme de incursão. As luzes amarelas brilham e o pessoal da ponte começa a se
levantar e sair. Só vamos ficar Kren e eu, de novo. Drek nos perguntou se queríamos mais alguém aqui,
mas recusamos. Eu, pelo menos, não quero tirar ninguém das equipes de incursão. Vamos dar um jeito,
aqui.
Drek para na minha frente. Engulo em seco. Vai dar tudo certo. Se tudo deu certo das outras vezes,
quando estavam sem armas, vai dar certo dessa vez. Mas não consigo não me preocupar.
— Tome cuidado — repito.
Ele assente.
— Vou tomar. Eu vou voltar.
E eu não quero nem pensar em outra opção.
Não falo mais nada enquanto Drek também sai da sala, e então me viro de volta para o meu monitor.
Certo. Hora de trabalhar.
A ponte fica em silêncio por alguns minutos. O alarme ainda está tocando e a essa altura toda a
tripulação já está reunida no hangar. Vai dar tudo certo. Tem que dar. Carrego as imagens da câmera
externa no meu monitor, com os dados dos sensores ao lado. Ainda não consigo ver a outra nave – ela só
vai ficar visível quando estivermos praticamente em cima dela – mas está perto demais. E tem pelo menos
o dobro do tamanho da nossa nave.
Não é a primeira vez que fazemos uma incursão em uma nave muito maior. Eu fui parte das equipes
de abordagem em duas situações desse tipo, na verdade. Mas em todas as outras vezes, nós tínhamos o
poder de fogo superior. Agora...
— Iniciando aproximação final — Kren fala.
E ele já está com os controles das armas ativos. Não vamos ter muito tempo. A essa altura, a outra
nave já deve ter nos detectado...
Ali.
— Armas externas sendo ativadas — aviso, ao mesmo tempo em que carrego nosso escudo,
direcionando todo o poder para a lateral da nave.
Kren fala alguma coisa que não entendo e atira. Quatro tiros, dois em cada alvo: os pontos onde
provavelmente estão os geradores que alimentam os sistemas principais. Não podemos correr o risco de
atirar nas armas deles, porque isso pode causar uma explosão. O jeito é incapacitar a nave, então, e torcer
para eles não terem sistemas de backup secundários que consigam aguentar os controles principais.
Um aviso brilha na minha tela. As portas dos hangares estão se abrindo.
— Vamos lá... — Kren murmura.
Os indicadores das armas da outra nave se apagam. Isso!
— Abordagem em cinco, quatro...
Ignoro a contagem de Kren e encaro o monitor. A nave-laboratório se torna visível de uma vez,
ocupando toda a tela. Do ângulo que estamos, não consigo ver as áreas onde vão abrir caminho à força,
mas os avisos dos sensores me contam quando duas explosões perfuram o casco da outra nave.
Tanta coisa que pode dar errado. Eles estão entrando com armas pesadas dentro de um lugar que
está programado para explodir caso isso aconteça. E se Sara tiver errado? E se a nave-laboratório tiver
mais poder de fogo do que esperamos? E se...
A nave começa a manobrar. Ah, não. Não vão fugir de nós.
— Estão dentro — Kren avisa.
Ou melhor, não vão fugir com a nossa tripulação. Manobro a nave, nos colocando mais perto deles e
no ângulo certo.
— Kren, um tiro do canhão principal.
— Não tenho alvo.
— Eu sei. Atira.
Ele atira. O raio do canhão passa exatamente na frente da outra nave. Eles param de manobrar.
— Boa! — Kren fala.
Assinto, mesmo que ele não esteja olhando para mim. Não temos muito tempo. Nenhuma nave desse
tamanho funciona sem planos e mais planos de contingência para o caso de problemas com os geradores.
Eles vão recuperar o controle dos sistemas a qualquer minuto.
— Vamos lá... — murmuro.
Queria poder entrar em contato com as equipes de incursão. Chegamos a discutir a possibilidade de
manter a comunicação aberta, mas no fim das contas achamos melhor não. Nenhum de nós precisa de
distrações.
— Armas sendo carregadas — Kren avisa.
Agarro os controles de voo com força. Foi para isso que passei tanto tempo no simulador.
O dois primeiros tiros são fracos. Estão conferindo seu alvo. Giro a nave, tirando a porta do hangar
do alcance dos tiros. Não preciso sobrecarregar o escudo naquela área.
— Impacto em três, dois...
Deixo a nave se afastar com o impacto, antes de puxá-la de volta para perto da nave-laboratório. É só
mais uma simulação. Só isso.
Mais um tiro, e um setor do escudo fica amarelo no meu painel. Era com isto que eu estava
preocupada. O poder de fogo deles é alto demais para o nosso escudo. É tecnologia que não deveria estar
disponível, como Drek comentou.
— Talita...
— Eu sei!
Não posso deixar eles nos acertarem duas vezes no mesmo lugar. Se isso acontecer, o escudo vai
desabar, com toda certeza.
— Talita, Kren? — Sara chama no comunicador. — Posso ativar a camuflagem da nave.
— Vai! — Nós dois respondemos praticamente juntos.
O tiro seguinte passa de raspão.
E é por isso que o pessoal da engenharia ama Sara. Nenhum tipo de camuflagem funciona em
combate ativo, por sorte. Não quero nem imaginar como seria se nenhuma nave conseguisse detectar a
aproximação de outras. Mas Sara deu um jeito de ativar a nossa camuflagem.
— Me avisem quando eles estiverem voltando — Sara fala.
Continuo vigiando os sensores. Eles ainda estão atirando, mas agora é relativamente simples desviar.
Só preciso me preocupar em nos manter em uma posição onde podemos parar a nave-laboratório se
começarem a manobrar para escapar, de novo. Vai dar certo.
— Estão voltando! — Kren avisa.
— Desativando a camuflagem em três, dois, um...
Deixo a nave cair por uma fração de segundo, o suficiente para um tiro passar por cima de nós.
— Sara! Redirecione todo o poder que conseguir para o escudo!
Ela não responde. Coloco a nave em posição, encarando os dados dos sensores. Os transportes já
estão chegando, e agora não posso fazer nada a não ser nos manter no lugar e redirecionar o poder do
escudo para tentar conter os tiros.
— Primeiro transporte já no hangar.
Ótimo.
Um tiro nos acerta e as luzes piscam. Merda.
— Foi! — Sara grita no comunicador.
Encaro o painel do escudo. Todos os setores estão verdes, de novo. Solto o ar com força e carrego os
dados do propulsor. Preciso ajustar nossa direção...
— Segundo transporte no hangar, portas fechando.
Viro a nave de forma brusca e bato a mão no alarme do propulsor novo, ainda encarando os sensores.
Não falta muito, mas não posso ativar o propulsor com o hangar aberto...
Pronto.
Ativo o propulsor, e dessa vez já estou tão tensa que mal sinto a aceleração dele.
— Kren? — Chamo.
— Pode ir.
Já estou correndo para fora da sala antes que ele termine de falar. É loucura. Eu estou basicamente
me oferecendo de cobaia, depois de tudo que fizeram comigo... Mas é por um bom motivo. Eu só espero
que o tempo seja o suficiente.
Ainda não tem quase ninguém no corredor da enfermaria quando chego. Gheri já está me esperando
na porta da sala de pesquisa e indica outra porta assim que entro. Engulo em seco e o acompanho. A outra
sala tem as mesmas paredes claras de tudo na enfermaria, mas só tem duas macas, separadas por uma
máquina enorme.
Certo. Eu vou fazer isso.
— Se não tiver certeza... — Gheri começa.
Balanço a cabeça e me deito em uma das macas. Se pensar demais, vou sair correndo. E não posso
nem sonhar em fazer isso agora. Nem posso ficar pensando no resultado da incursão, se todos
conseguiram voltar e se conseguiram o que precisavam. Se algo tivesse dado errado, Gheri não estaria
com tudo aqui pronto, não é?
— Vamos logo — falo.
Ele assente e aplica algo no meu braço. Só espero que isso me apague depressa e me mantenha
apagada de verdade o tempo todo que ele precisar.
TRINTA E UM
Tem alguma coisa zumbindo perto do meu ouvido. Argh. Puxo o travesseiro para cima da cabeça, mas
não faz a menor diferença. O barulho irritante continua. Que saco, não posso nem dormir em paz mais.
Escuto uma risada baixa e sibilante e abro os olhos. Tem uma parede cinza na minha frente e...
O barulho do propulsor. Estou no quarto de Drek.
Jogo o travesseiro para o lado e me viro na cama. A última coisa que me lembro é de estar na
enfermaria e Gheri injetar alguma coisa em mim. A menos que isso tudo tenha sido outro pesadelo...
Não. Drek está sentado ao lado da cama, me encarando.
— Deu tempo? Deu certo?
Ele balança a cabeça. Me sento de uma vez. Como assim? Mas Gheri tinha tanta certeza...
Drek me segura quando tento me levantar.
— Calma, Talita. Ainda não sabemos.
Solto o ar de uma vez. O que ele está tentando fazer? Me matar, é?
— Então explica as coisas direito.
Ele balança a cabeça de novo, o tempo todo me encarando. Cruzo os braços e espero.
— Gheri está em terra — Drek conta. — Devem ter começado as aplicações alguns minutos atrás. Vai
demorar algumas horas para sabermos se deu certo ou não.
O prazo para saber se o organismo das crianças vai aceitar o tratamento a tempo. Engulo em seco e
assinto. Esperar, então.
Eu odeio esperar.
Drek suspira.
— Como você está?
Honestamente? Não faço ideia. Rolo os ombros para trás e inclino a cabeça para um lado e depois
para o outro. Nada de diferente. Ou melhor, tem algo de diferente, e é o fato de que não estou dolorida de
tensão.
Me levanto devagar e dessa vez Drek não me para. Tudo normal, também, mesmo que eu esteja me
sentindo um pouco zonza. O que não é uma surpresa, considerando...
— Quanto tempo fiquei apagada?
— Dois dias e algumas horas.
Dois dias. Respiro fundo. Pelo menos o que quer que Gheri tenha usado realmente me manteve
apagada o tempo todo. Ou seja, os aliens que tinham me comprado, antes, eram incompetentes mesmo e
não sabiam como dopar uma terráquea. Ou então me deixavam acordar naquela mesa gelada de
propósito. Engulo em seco. Tenho uma vaga lembrança...
Não.
Certo. Não preciso ficar pensando nisso.
— Vamos ficar na nave até saber? — Pergunto.
Drek assente.
— É melhor. Não vão dar permissão para Sara e Renata desembarcarem, e achei melhor não falar
nada enquanto você ainda estava inconsciente.
Porque ele podia ter usado aquela justificativa de que eu sou sua companheira para conseguir
permissão para mim.
E agora que ele falou isso...
Drek ainda está sentado ao lado da cama, me acompanhando com o olhar mas sem fazer nenhum
movimento na minha direção, mesmo que suas mãos estejam fechadas com força.
Nós nunca conversamos realmente sobre isso. Ele mencionou essa possibilidade, falou que era o que
queria que eu fosse... E deixamos por isso. Enquanto ainda estávamos na nave, não fazia diferença. Era
alto só nosso, uma possibilidade, talvez. Mas agora, aqui... Se ele realmente falar isso para o seu governo,
vai deixar de ser um comentário inocente, por assim dizer.
— Já entrei em contato com a força-tarefa...
Sei. Não interessa, agora, porque eu não vou aguentar isso por muito tempo. É como se Drek
estivesse se forçando a fazer uma lista do que aconteceu e dos pontos mais importantes para evitar falar
sobre o que realmente o está incomodando – porque está incomodando, ou ele não estaria sentado desse
jeito, tão tenso que tenho a impressão de que consigo ver seus músculos vibrando.
— Drek.
— Usei a mesma história que...
— Drek, para.
Ele para de falar, mas continua me encarando do mesmo jeito. Que seja, então. Paro na frente dele e
puxo seus braços antes de me sentar no seu colo. Ele está tenso, e eu só consigo pensar em um motivo
para isso.
— Só fala de uma vez. Sem ficar dando voltas, sem ficar evitando o assunto, que isso não vai adiantar
nada. Anda.
Ele suspira e me segura pela cintura.
— Eu posso tentar manter o segredo — Drek fala. — Depois do que você fez, se pedir ninguém da
tripulação vai dar a entender que você sabia do que estava acontecendo de verdade. Posso dizer que sabia
do mesmo que contei para Sara e Renata.
E eu não tinha pensado nisso. Desde o começo, quando ele decidiu me explicar o motivo das
incursões, ele podia ter usado a mesma história. Não precisava ter explicado sobre serem uma espécie
criada em laboratório, sobre o que esse tratamento realmente significa para eles. Teria sido bem mais
simples para ele, se tivesse feito isso. Mas não. Drek me contou tudo.
— Se você desembarcar comigo, se falarmos isso, não vai ter como voltar atrás. Por você ser uma
forasteira, não é tão simples quanto se fosse uma de nós.
E é impressão minha, ou isso tudo é falação por causa de nervos? Nunca imaginei que ia ver Drek
assim. É fofo.
— Drek...
Ele suspira de novo e aperta minha cintura.
— Eu não vou te prender à minha nave, se quiser voltar para a base da força-tarefa.
Reviro os olhos. Posso até ter falado que queria voltar, mas isso foi quando eu não fazia ideia do que
estava acontecendo e achava que era dispensável. Se não era parte da tripulação para valer, por que ia
continuar na nave? Mas agora...
— Só me diz o que você quer. Sem dar voltas — repito.
— Eu já falei. Quero que fique. Quero que seja minha companheira.
— Então está resolvido.
Porque no fundo, eu nunca quis ir embora. Essa nave já é minha casa, também. Mas não ia ficar em
um lugar onde não era bem-vinda. Se esse não é o caso, não tenho nenhum motivo para sair daqui. E não
teria mesmo sem a fala de Drek sobre querer que eu seja sua companheira.
Ele me encara como se não tivesse certeza do que ouviu. Suspiro. Qual é a dificuldade?
— Você... — Drek começa.
Reviro os olhos de novo.
— Que parte você não entendeu? — Pergunto.
Drek passa os braços ao redor de mim e me aperta com força. Acho que agora ele entendeu, então.
Rio contra o seu pescoço e solto um gritinho quando ele se levanta de uma vez, ainda me segurando com
força. Passo as pernas ao redor da sua cintura, mas ele só vai na direção da cama. Ótimo.
Jogo todo o meu peso para trás, puxando Drek comigo quando caio na cama. Ele ri e apoia uma mão
de cada lado da minha cabeça.
— Então é assim? — Ele pergunta.
Sorrio e levanto as sobrancelhas, ainda sem soltar minhas pernas.
— Não sei do que você está falando.
Ele ri de novo e segura meus pulsos acima da cabeça. Arqueio o corpo, me apertando contra ele. Por
que eu ia querer ir embora quando tenho isso?
A risada de Drek para de uma vez quando me aperto mais contra ele, sentindo sua ereção enorme.
Aliás...
— Você sabe se alguma das outras terráqueas está trazendo coisas da Terra para o Acordo? —
Pergunto.
Ele estreita os olhos, sem me soltar.
— Sei que às vezes trazem algumas bebidas.
Claro que alguém ia trazer bebidas. Claro. É um absurdo não ter café aqui. Mas não é isso que me
interessa agora.
— O que você está planejando? — Drek pergunta.
Sorrio.
— Quero ver se alguém consegue trazer uns brinquedinhos para mim. Tive algumas ideias
interessantes...
Drek me encara, sem falar nada, e continuo sorrindo. Sim, estou falando de brinquedinhos de sex
shop mesmo. Vamos ver quanto tempo até ele entender – porque é óbvio que deve ter alguma coisa do
tipo no Acordo também, mesmo que eu nunca tenha visto. Okay, nem procurei, na verdade.
Ele me solta.
— Você...
Desço uma mão pelo seu corpo e aperto sua ereção. Drek solta o ar de uma vez e se deixa cair em
cima de mim.
— Vai me dizer que não é uma boa ideia? — Pergunto.
Ele faz um ruído sibilante que eu acho que é uma tentativa de risada, mas sua respiração está
ofegante demais e consigo sentir seu coração disparado.
— Sua noção de “boa ideia” é perigosa — ele murmura.
Entrelaço os dedos da minha mão livre com a mão dele. Ele fecha os dedos, me deixando sentir suas
garras. Sorrio.
— Mas é assim que é bom.
TRINTA E DOIS
Nesse tempo todo que estou na nave de Drek, só subi para o deck de observação uma vez, quando
Dsara me levou para conhecer a nave toda. Considerando que é raridade estarmos parados em órbita, faz
todo sentido eu não ter voltado aqui. Seria só um espaço praticamente vazio com paredes cinzentas mais
escuras que o restante da nave. Nada demais. Agora, as janelas de observação estão abertas e parece que
o espaço inteiro é cercado por vidro.
Drek não fala nada enquanto vou na direção de uma das janelas enormes e me apoio na “parede”
baixa que é feita de uma imitação de madeira. Acho que consigo entender o que uma das terráqueas da
base móvel tinha comentado – acho que foi Tatiana – sobre como é estranho ver um planeta do alto. Ainda
bem que não tenho medo de altura. Se bem que... Acho que isso aqui é um caso à parte mesmo para quem
não tem medo de altura.
Abaixo de nós, o planeta nativo dos krijkare – se é que posso chamar assim – é a única coisa que eu
consigo ver. Estamos em órbita baixa, mas não tão baixa assim, e as nuvens cobrem uma boa parte da...
Paisagem? Não sei nem como chamar isso. O planeta é verde e azul, com umas poucas áreas mais
amareladas. Terra dois ponto zero, quase, mas com bem mais verde que qualquer imagem da Terra que eu
já vi.
— É bonito — falo.
Drek para ao meu lado, também se apoiando no parapeito.
— É casa.
E os últimos dias estão sendo uma coleção de descobertas, pelo visto. Olho para ele.
— Você sente falta daqui.
Drek assente.
— De certa forma. Mas não acho que volto para cá tão cedo.
— Você vai receber ordens para continuar atrás do último reagente, não vai? Até conseguirem
produzir um tratamento definitivo por conta própria...
Ele balança a cabeça, ainda olhando para o planeta.
— Já recebi. Mas mesmo sem elas, não voltaria. Estar no espaço é uma liberdade que você não tem
em terra.
Ah, isso. Assinto.
— É viciante.
Porque eu também não me vejo voltando para casa, mesmo se tirasse todos os motivos que me
fizeram decidir ficar no Acordo, no começo. Depois que você se acostuma a estar no meio do nada,
podendo ir para onde quiser, a ideia de estar “presa” em um planeta chega a ser ridícula. E, de qualquer
forma, agora é tarde demais para mudar de ideia e voltar. Foi parte do meu acordo com a força-tarefa,
desde o começo: se eu ficasse, seria definitivo. Eles não teriam como criar histórias para nos dar
cobertura se decidíssemos voltar para a Terra depois.
Drek suspira.
— Eu realmente entrei em contato com a força-tarefa. Disse a mesma coisa sobre ser uma doença
comum no nosso planeta e que eu não tinha permissão do governo para falar a respeito disso com eles.
E eu quase queria ter visto essa cena. Não sei o que pensaram enquanto a nave de Drek estava
desaparecida, mas posso imaginar. Sei que meu tablet está lotado de mensagens, todas de pessoas da
força-tarefa que tentaram entrar em contato enquanto o bloqueio de comunicações estava ativo.
— E qual foi a reação deles? — Pergunto.
Drek solta o ar com força.
— Gabi entrou em contato com o governo para conferir se era verdade.
Sorrio. Claro que entrou. Ela pode até dizer que não é parte do alto-escalão do Acordo nem nada do
tipo, mas considerando que é a companheira de Kernos re’Dyraiv, o comandante do Corpo Militar, e que
ela fundou a força-tarefa... Entrar em contato com governos deve ser algo simples, a essa altura.
— Eles confirmaram, é claro — Drek completa.
Óbvio. Krijkare e seus segredos... Drek poderia ter inventado praticamente qualquer coisa para não
colocar a força-tarefa atrás dele sem ter que contar a verdade, e o governo confirmaria.
O que por algum motivo me lembra de outra coisa...
— E o pessoal que tinha ficado em Nassi? — Pergunto.
— Dravos os levou para a base móvel alguns dias atrás.
Solto um suspiro aliviado. Ótimo. Pryinala deu um jeito, então. E imagino que isso não tenha gerado
mais problemas, ou ele teria mencionado.
Mas tem uma coisa que vai gerar problemas.
— Você sabe que mais cedo ou mais tarde vai ter que contar sobre as naves-laboratório, não é? As
camufladas.
Drek olha para mim.
— E se eu não contar, você vai fazer isso.
Dou de ombros. Nem vou tentar negar – a força-tarefa precisa saber que essas naves existem,
também. Se estão caçando tudo ligado às experiências, abduções e ao comércio de seres sencientes, não
saber sobre as naves e a tecnologia que têm disponível pode destruir tudo que eles estão fazendo. Então,
se ele não falar nada, eu vou contar. E ver se Sara consegue passar informações sobre as placas de
camuflagem também.
Drek me puxa para perto e se vira de volta para o planeta abaixo de nós.
— Eu vou contar. Isso já foi decidido. Mas primeiro queremos ter certeza de que não precisamos de
nada que está nessas naves. Depois disso...
Solto o ar de uma vez. Não me esqueci do que ele queria fazer para conseguir a cura definitiva, mas
estava evitando pensar nisso.
— Renata? — Pergunto.
Ele assente.
— Um dos contatos dela a buscou ontem. Sua primeira ordem é justamente descobrir se precisamos
das naves-laboratório, ou se posso entregar a existência delas para a força-tarefa.
Assinto. Quando ele fala assim, tudo faz sentido, mas eu continuo não gostando dessa ideia. Não que
eu ache que qualquer terráquea vá gostar dela – na verdade fiquei surpresa por Renata ter aceitado o
contrato, especialmente sem saber toda a verdade sobre por que essa cura é tão necessária.
— Se fizer questão, posso deixar a responsabilidade de informar a força-tarefa para você... — Drek
começa.
Estreito os olhos e me viro para encará-lo. Ele levanta as sobrancelhas, sorrindo.
— Está tentando escapar da discussão, é?
Porque eu sei muito bem que quando ele contar que sabia dessas naves, isso vai virar uma discussão
daquelas dentro da força-tarefa.
— De forma alguma. Só...
O comunicador de Drek apita. Ele olha para a tela e então para mim.
— É Gheri.
Respiro fundo e seguro sua mão. Respostas, finalmente.
— Na escuta — Drek fala e deixa a função de som ativa.
— Finalizamos a aplicação nas crianças que estavam mais perto do limiar — Gheri avisa.
Drek aperta minha mão. É mal da espécie, só pode. Por que não falar logo o que importa de uma vez?
Mas não, tem que dar voltas.
Me inclino na direção do comunicador.
— E...?
— Até agora, os resultados são como esperado. O tratamento está funcionando, mesmo que já seja
visível que não é uma solução definitiva.
Solto o ar de uma vez, ao mesmo tempo em que o aperto de Drek na minha mão relaxa.
— Vamos deixá-los em observação por mais um dia para ter certeza de que estão estáveis antes de
darmos alta. Não tenho como calcular por quanto tempo isso vai ser o suficiente, então... — Gheri
continua.
— Entendido — Drek fala. — Me avise assim que eles forem liberados.
— Avisarei.
Gheri encerra a comunicação.
Me viro de costas para o parapeito e cruzo os braços, encarando Drek. Ele ainda está olhando para o
planeta, mas com uma expressão leve que eu só vi umas poucas vezes nesse tempo todo.
— Eu disse que você ainda ia chamar seu filho pelo nome.
TRINTA E TRÊS
Dois dias depois
As crianças continuam dançando no centro da arena. Não tenho outro nome para esse lugar – é isso
ou chamar de Coliseu. Da mesma forma que só posso chamar o que estão fazendo de dança, mesmo que
os movimentos deles não pareçam nada com nenhuma dança que já vi antes. São gestos bruscos,
sincronizados, mas que ainda estão no ritmo dos tambores que estão tocando, então... Dança. Certo.
E a arena... Olho ao redor de novo. É uma construção circular, com arquibancadas que sobem ao
redor. O espaço no centro é vazio, de terra batida, com alguns pontos onde uma grama verde escura e
espessa ainda insiste em crescer. E é enorme. Quando chegamos aqui, a primeira coisa que pensei foi que
parecia um estádio, mas não é bem isso. “Estádio” soa civilizado demais para esse lugar, então... Arena.
Drek me empurra de leve com o ombro e se inclina na minha direção.
— Vocês não têm nada assim na Terra?
Balanço a cabeça e olho ao redor de novo. As arquibancadas estão lotadas, mas mesmo assim é fácil
ouvir o que ele está falando. As poucas pessoas que estão conversando estão falando em voz baixa, como
ele. E uns tantos estão me encarando – não que isso seja uma surpresa. Sou a única não-krijkare aqui, no
fim das contas.
— Não desse tamanho. E não exatamente assim.
E muito menos organizado assim, sem virar bagunça por causa da quantidade de pessoas.
Drek balança a cabeça e volta a olhar para as crianças dançando. Sim, somos estranhos, comparados
com você. Mas isso vale para qualquer espécie do Acordo. Isso foi uma coisa que Suelen sempre repetiu
para nós, e que as outras terráqueas da força-tarefa sempre concordaram: por mais que pareça que os
aliens não são tão diferentes assim, sempre chega o momento em que rola algum choque de cultura.
Olho para as crianças, também. Elas parecem tão pequenas, sozinhas no meio da arena, divididas em
oito linhas que se movem com sincronia perfeita. São mais de duzentas crianças ali, todos entre dez e
onze anos. Os primeiros que receberam o tratamento provisório que Gheri desenvolveu. E, mesmo daqui
do alto, dá para ouvir claramente os gritos deles, também acompanhando o ritmo dos tambores. Não
consigo entender o que estão falando – Drek disse que usam uma versão arcaica da língua krijkare em
qualquer tipo de cerimônia – mas todos estão tão concentrados na dança que não tive coragem de pedir
uma tradução. Ainda.
Ontem, Gheri confirmou que o tratamento realmente estava funcionando. Pensei que fosse ser só isso
e pronto, as crianças iam ser liberadas, mas os krijkare têm toda uma cerimônia ao redor disso. É um rito
de passagem, de certa forma. Não chega a ser uma entrada na vida adulta, mas sim uma entrada na vida
do restante da comunidade. E as famílias só teriam contato com as crianças depois da cerimônia.
Então estamos aqui, assistindo à dança antes de Drek poder ir atrás do seu filho. E é estranho pensar
que eu também estou aqui, porque esse é um evento fechado para as famílias das crianças sendo
liberadas. Mas a partir do momento em que ele me reconheceu como sua companheira, é assim que as
autoridades krijkare passaram a me ver, mesmo que eu seja uma terráquea.
Respiro fundo e solto o ar devagar, ainda encarando as crianças. É estranho pensar nisso. Sem volta.
Não que eu esteja me arrependendo. Estou onde quero, com quem eu quero. Só é... Inesperado. Isso.
— Você tem um nome para ele?
Me viro de uma vez quando escuto a voz de uma mulher. Ela se sentou do outro lado de Drek, no
espaço que por algum milagre estava vazio até agora... Não. Pela sua pergunta... O espaço estava
reservado, isso sim.
Drek não desvia o olhar do centro da arena.
— Kerik.
A mulher assente.
— Assim será, então.
Drek estreita os olhos e se vira para ela.
— Pensei que fosse ter que brigar com você pelo direito de lhe dar um nome, Risa.
Risa. Então esse é o nome dela. Me inclino para frente, tentando ver melhor. Ela me lembra Dsara, de
certa forma. Não é bem uma questão de aparência, mas de postura. Risa tem aquela mesma coisa
intimidadora de Dsara, além de também estar vestida como uma mercenária. Não é o tipo de roupa mais
comum aqui, pelo que eu vi. E é fácil demais imaginar ela e Drek trabalhando juntos, na mesma nave.
Respiro fundo. Não vou ficar com ciúmes. Não tenho motivos para isso.
Risa balança a cabeça.
— Se não fosse sua tripulação, ele não estaria ali e eu estaria me preparando para perder três filhos...
— Ela solta o ar com força. — Os gêmeos estão entre as próximas crianças a receberem o tratamento.
Então acho que você tem todo o direito de dar o nome do seu filho.
Certo. Eu não esperava que a ex de Drek fosse reagir assim. Nem que fosse estar agindo de forma tão
normal depois que ele me oficializou como sua companheira.
Drek assente e se vira para mim. Levanto as sobrancelhas e ele sorri.
— Eu disse que Risa tinha a sua família.
É, mas isso é bem diferente de dizer um... Okay, eu não sei o que ele poderia ter falado para me fazer
esperar esse tipo de reação.
Drek ri e se inclina para trás.
— Risa, esta é Talita, minha companheira.
E ele fala isso com orgulho. É, não tenho nem como pensar em sentir ciúmes.
Ela assente e sorri, sem mostrar os dentes.
— Pelo que entendi, te devo um agradecimento também.
Balanço a cabeça. Não sabia que tinham contado os detalhes sobre como Gheri conseguiu produzir o
tratamento, mas mesmo assim...
— Só fiz o que qualquer um faria, no meu lugar.
Risa balança a cabeça.
— Não qualquer um.
Dou de ombros. Que seja, então. Não faço a menor ideia de como responder.
— Risa concordou em cuidar de Kerik — Drek fala.
Abro a boca para questionar e paro. Eu devia ter pensado nisso antes. A nave de Drek não é segura
para uma criança, especialmente se vamos continuar indo atrás dos laboratórios. E ele não pode ignorar
as ordens para continuar atrás de um tratamento definitivo para as crianças krijkare: Drek é quem tem
mais chances de conseguir algum resultado e a única pessoa que conseguiria justificar aquele plano
maluco para a força-tarefa.
— Enquanto você ainda está nessa missão para conseguir o tratamento definitivo — ela avisa. —
Depois, é melhor aparecer.
Drek ri, ao mesmo tempo em que a batida dos tambores fica mais rápida, antes de parar.
— Depois, ele pode vir conosco, se quiser. E se não quiser, vamos combinar alguma coisa.
Risa assente e olha para baixo. As fileiras de crianças estão começando a se dissolver, indo na direção
das saídas da arena. Acabou, então. Olho ao redor, mas só as pessoas nos níveis mais baixos da
arquibancada estão se levantando. Organização até nisso... Se bem que seria loucura se todo mundo
descesse de uma vez atrás das crianças.
— Os lugares são definidos de acordo com a posição das crianças nas fileiras — Drek fala.
Faz sentido.
Ninguém fala mais nada enquanto esperamos. Drek passa um braço ao redor dos meus ombros e me
apoio nele. É estranho como isso parece certo. Sempre coloquei a culpa dessa coisa que me atraía para
Drek nos experimentos que fizeram comigo, mas no fim das contas nunca teve nada a ver. Gheri analisou
melhor meu sangue enquanto eu estava apagada. Não tem nenhum traço de nada parecido com a
compatibilidade no meu organismo. Desde o começo, sempre foi algo natural. E eu não consigo nem dizer
que estou surpresa mesmo com isso.
A fileira na nossa frente se levanta e eu vejo Risa segurar o pulso de Drek. Certo. Sem ciúmes. Isso é
normal para os krijkare – e ela é a mãe do filho dele. Não preciso ficar com ciúmes. E eu vou ficar
repetindo isso mentalmente até conseguir parar de ficar incomodada para valer, mas não vou falar nada.
Ela não me deu nem meio motivo para pensar assim, bem pelo contrário.
— Vamos — Drek fala.
Me levanto junto com eles. Algumas pessoas ao nosso redor ainda estão me encarando, mas não
chega a ser algo incômodo. Não é hostil, é só curiosidade. E eu nem vou julgar. Encarei aliens demais
nesse tempo que estou no Acordo.
Quando chegamos no salão ao lado da arena, ele já está praticamente vazio. As famílias que estavam
no mesmo nível que nós ainda estão descendo e as que vieram antes já saíram. Olho para a porta que dá
para a arena em tempo de ver uma fileira de crianças entrar. Encaro uma por uma, tentando reconhecer o
filho de Drek. Não que eu ache que vá conseguir: só vi uma imagem dele, aquele vídeo que Drek me
mostrou quando explicou tudo.
Drek e Risa param em um dos lados do salão, junto com as outras famílias que estão entrando. Paro
ao lado de Drek, um passo para trás. Odeio essa impressão de que estou me intrometendo em um
momento particular, porque é justamente o que isso aqui é. São famílias se reencontrando, e eu sou uma
pessoa de fora se enfiando no meio de tudo.
Uma mulher mais à frente dá um grito abafado e uma criança que acabou de entrar corre na sua
direção. Mais quatro krijkare que estavam perto da mulher se reúnem ao redor da criança, e uma das
mulheres está chorando. Respiro fundo. Isso. Foi por isso que fui para aquela mesa por vontade própria.
Não importa quantos pesadelos eu tenha depois. Valeu a pena.
Drek murmura alguma coisa e dá um passo à frente, encarando a linha de crianças. Risa segura seu
braço de novo. Cruzo os braços e encaro a linha das crianças. Um deles está nas pontas dos pés, quase
pulando no lugar, e então corre na nossa direção.
Drek se abaixa e o garoto pula nele. Sorrio enquanto Drek se levanta, carregando o filho, e Risa os
abraça. Os krijkare podem até ser uma das espécies mais diferentes dos terráqueos, mas isso aqui, a
reação de Drek, dos outros que estou vendo ao nosso redor, é a coisa mais humana que já vi deles.
TRINTA E QUATRO
— Drek, você tem duas mensagens prioritárias aguardando.
Olho para o alto. Mal entramos na nave, e Rhi está usando o sistema de comunicação central para
avisar sobre mensagens. Certo. Acho que posso até imaginar o que seja.
Drek olha para mim e sorri. Reviro os olhos e o acompanho pelo corredor, até a primeira sala com um
terminal que podemos usar para acessar o sistema de comunicação. Tudo bem que Rhi disse que as
mensagens são para Drek, mas tenho uma boa ideia do que são, de qualquer forma. E se ele não quiser
que eu veja, vai falar.
E, pelo menos, elas são uma boa distração. Passamos a maior parte do dia em terra, com Kerik, antes
de Risa voltar para buscá-lo. Drek não falou nada no caminho todo até a nave, e não preciso ser um gênio
para entender o motivo. Ele não quer deixar o filho para trás, mas não tem outra opção.
Paro de braços cruzados enquanto Drek liga o terminal e acessa o sistema. Vou para o lado dele
assim que abre a primeira mensagem e o texto aparece na tela, mas não consigo ler nada.
— Código — ele fala, mas não “traduz” o código para mim.
Certo, então. Tenho quase certeza de que sei o que é essa mensagem.
Ele termina de ler em silêncio e seleciona outra mensagem. Essa é em vídeo, e a imagem de Gabi
aparece no monitor. Nas vezes que a vi, ela estava séria, mas não tão séria assim.
Eu falei que era loucura...
— Sei que você pediu alguns dias para cuidar da sua família, agora que conseguiram o que
precisavam, mas temos más notícias — Gabi fala.
Olho de relance para Drek. Ele está de braços cruzados, mas não parece surpreso com a mensagem.
É, o plano maluco deu certo, pelo menos até agora.
— Acabei de ser informada que Te’vi Arcen escapou. Ainda estou conferindo os dados do sistema de
segurança, mas ao que tudo indica ele teve ajuda. Quero que estejam alerta. Ele é um alvo prioritário da
força-tarefa. Suas ordens são para capturar, se possível, e matar se esta for a única opção.
Levanto as sobrancelhas, mas Drek não está olhando para mim. Não falo nada enquanto ele responde
à mensagem com um “entendido”. Entendido. Certo. Uma ótima resposta, que não o compromete a nada.
Ele fecha as janelas do sistema de comunicação e olha para mim.
— Renata garantiu que não deixou nada que Gabi conseguiria usar para rastreá-los.
Exatamente o que eu pensei. A primeira mensagem era um relatório de Renata. E é óbvio que ela não
deixou. Se não conseguisse fazer isso, seria inútil para o plano maluco de Drek. Gabi os encontraria em
questão de horas – e isso se não estivesse com pressa.
Não que isso faça diferença a longo prazo. Sorrio, ainda encarando Drek, e ele desvia o olhar.
— Sabe, você vai ter que explicar isso para a força-tarefa, depois... — começo.
Porque no fim das contas, ele vai ter que entregar Arcen para ser preso de novo. E vai ser quase
impossível criar uma história convincente que não envolva o fato de que Drek contratou Renata para
libertar Arcen.
Drek assente, ainda sem olhar para mim.
— Para Gabi — continuo.
Ele assente de novo e me encara, estreitando os olhos.
— Me avise antes, porque eu preciso ver isso — aviso.
Não quero nem imaginar. Pelo que sei, Gabi veio parar no Acordo depois que Arcen a “encomendou”
em um dos mercados menores e mais exclusivos. Ela foi a responsável por conseguir as provas que
garantiram que ele fosse preso. E agora Drek ia ter que explicar isso tudo... Definitivamente quero assistir
a cena. De preferência atrás de algum tipo de parede de proteção, mas quero.
— Sempre posso pegar a nave e fugir — ele comenta e se vira de volta para o terminal. — Já temos as
placas de camuflagem, não vai ser difícil.
Reviro os olhos.
— Aham. Até outro caçador de recompensas nos achar.
Drek desliga o terminal e olha para mim.
— Difícil. Renata me contou como nos rastreou.
Estreito os olhos. Achei que ele tinha falado isso de brincadeira, mas agora...
— O que isso tudo quer dizer é que temos tempo aqui, sem ninguém procurar por nós. — Drek fala.
Porque não precisamos caçar Arcen. Nós sabemos como localizá-lo: é só entrar em contato com
Renata.
E por mais que eu ainda ache esse plano uma loucura...
Sorrio.
— E você tem algum plano para esse “tempo” que nós temos? — Pergunto.
Drek vem na minha direção, andando devagar, até estar parado tão perto que nossos corpos quase se
tocam, antes de segurar meu rosto.
— Tenho algumas ideias.
E se sua expressão serve de indicação, eu vou gostar dessas ideias.
Sorrio, ao mesmo tempo em que Drek aperta um dos controles do terminal e escuto a porta da sala se
trancar.
PRÓXIMO LIVRO: ARCEN
Eu sei que vai ter gente querendo me matar por ainda não ter essa sinopse pronta, e muito menos a
capa. Infelizmente, não consegui organizar isso aqui a tempo.
A previsão de lançamento para Arcen é no final de janeiro. Para ficar sabendo em primeira mão assim
que eu tiver alguma coisa sobre ele, é só assinar a lista de emails aqui. Ela é enviada mensalmente e
prometo não fazer spam ;)
AGRADECIMENTOS
Esse livro... Que novela. Ele é um que eu estava ansiosa para escrever desde que Drek apareceu pela
primeira vez, e que achei que ia ser simples. Iludida...
Teve gente demais que me salvou a pele dessa vez. Para começar, as betas sofredoras dessa rodada:
Hithiara Ferreira, Renata Barbosa, Gabriele Diniz. Muitíssimo obrigada pela paciência e pelos puxões de
orelha. Vocês foram umas santas, sem brincadeira.
Pessoal que aguentou meus resmungos e o drama todo enquanto estava escrevendo esse livro, no
meio da correria de procurar casa nova e mudança, muito obrigada. Sei que aluguei ouvido de gente
demais, e não vou nem citar nomes para não correr o risco de esquecer de alguém.
Como sempre, pessoal doido do whatsapp e pessoal um pouquinho mais normal do wattpad. Muito
obrigada pelos comentários e cobranças, vocês me deram o gás que eu precisava na reta final aqui.
E, claro, todo mundo que leu, avaliou, comentou, indicou e tudo mais. Se essa série rendeu o tanto
que rendeu, foi por causa de vocês. Muitíssimo obrigada!
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