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[exemplo de jogo]
Portanto, o ponto inicial para jogar Infærnum não poderia ser diferente de um
questionamento: que tipo de jogo você deseja jogar?
“O último baluarte ruiu. Esse local que representava o maior poderio da humanidade caiu
por terra devido ao ataque de um exército de caídos – seres outrora angelicais que hoje não
passam de bestas monstruosas.”
Logo de cara, é isso que o fastplay me diz sobre o cenário. Tenho duas perguntas para
responder a partir dessa descrição:
Perceba que responder essas duas perguntas, querendo ou não, acabará determinando o
tipo de cenário em que estou situando o “meu apocalipse”. Eu posso dizer o que quiser.
Posso imaginar que essa localidade é uma “megalópole extremamente tecnológica e que
os caídos são máquinas bizarras que destruíram o local com força bélica inimaginável”;
Posso imaginar que a localidade é “o Vaticano e que os caídos são humanoides pálidos
com asas rubras e sanguinolentas que começaram sua destruição a partir da basílica de
São Pedro”;
Neste exemplo, vou para um cenário mais semelhante aos mundos de fantasia medieval,
contudo, gostaria que ele fosse mais sombrio, em que a magia fosse algo mais
ritualista… enfim, vou por aí. Ah, vou usar uma bíblia para gerar nomes de locais ou
personagens. É sempre uma boa opção, basta abrir numa página qualquer e lá estão
nomes e mais nomes.
O último baluarte, o bastião da humanidade era Midiã: uma cidade cercada por uma
muralha erigida nos tempos em que os seres divinos ainda caminhavam pela terra. Midiã
era conhecida como o Grande Templo do Conhecimento. No centro, a cidade ostentava a
história de todas eras, guardada numa torre denominada “Sacra Verdade” – a maior
biblioteca do mundo.
Pesquisadores dos quatro cantos do continente buscavam refúgio para suas mentes
inquietas em Midiã. Até que algo deu errado. Sabe-se lá se por causa de algum ritual que
não saiu conforme o esperado, mas monstruosidades tomaram a cidade de dentro pra fora.
Mais especificamente da Sacra Verdade se espalhando para os arredores de dentro da
muralha, fazendo de Midiã um caldeirão de caos. O sol tornou-se preto. O dia tornou-se
noite. As florestas nos arredores da enorme cidade – provável rota de fuga – tornaram-se
mais escuras do que nunca.
As bestas eram esqueletos negros portando espadas flamejantes. O cheiro que vinha deles
era ferroso, era de sangue, era do sangue que passaram a derramar por toda a cidade.
Malditos caídos, brotando do nada como um exército do inferno.
Pronto, acho que situei o cenário inicial ao responder essas duas perguntas. Mas e
agora? O que devo fazer? Vamos à sequência de conteúdo do fastplay.
“Se a profecia for verdadeira, restam 6 dias para o fim de todas as coisas.
Encontrar a Terra Prometida é a única maneira de sobreviver.”
Opa, então a minha “aventura” diz respeito a esse apocalipse, à sobrevivência do meu
personagem a partir desse evento caótico. Mas o que é a Terra Prometida? Já sei que
preciso encontrá-la, pelo visto o jogo gira em torno disso. Aliás, quem é o meu
personagem?
Sou Urias. Sempre ouvi o que os outros não ouvem. Sempre vi o que os outros não veem.
Mas agora não sou mais tão diferente do resto. Os desgraçados romperam o véu e vazaram
para a superfície da terra em quase carne e osso, não fosse o fato de que são
completamente esqueléticos…
Em todo caso, o Cinzento ainda está comigo. Mesmo com toda essa merda acontecendo, a
entidade no corpo do lobo me segue a cada passo. Não vou mentir, sou grato por estar
acompanhado no fim de todas as coisas.
Depois de definir meu personagem, o fastplay já traz alguns eventos que acontecem na
ficção.
Ok, então o começo do jogo gira em torno disso. Por mais que não precise me preocupar
com isso agora, vou dar uma olhada nos próximos eventos para ter uma noção de como
posso imaginar o decorrer da narrativa:
Dia III: Há uma guerra entre dois povos. Quem são eles?
Sabe-se lá se o Urias vai sobreviver até o terceiro dia… se sim, posso relacionar esse
conflito com o local em que ele estiver. Num mundo à beira do cataclismo, fica fácil
imaginar uma guerra assim.
Dia VI: Comandados pelo Dragão, caídos tentam invadir a Terra Prometida.
Opa, opa, opa… aqui a coisa termina, não é? No sexto dia rola o raio do conflito final! “Se
a profecia for verdadeira, restam 6 dias para o fim de todas as coisas. Encontrar a Terra
Prometida é a única maneira de sobreviver.”. Ou seja, é importante que o Urias descubra
o paradeiro da Terra Prometida antes desse confronto aqui. Aliás, quem seria o “Dragão
que comanda esse exército de caídos”? É um dragão mesmo? Ou é uma metáfora?
Dia VII: Os sobreviventes reinarão por mil anos na Terra Prometida. Você está entre
eles?
Ah, então o sétimo dia é só pra ver se o Urias está entre os que adentraram e tomaram
posse do território da Terra Prometida. Saquei. Mas o jogo pode continuar? Acredito que
sim. Vai que a profecia é apenas parcialmente verdadeira, né?
Mas vamos limitar este exemplo de jogo ao primeiro dia. Vamos deixar para cada dia o
seu mal. :)
Eu não estava em Midiã à toa. O Cinzento havia me trazido até ali há alguns meses.
Ludibriei alguns membros do pelotão da muralha e me infiltrei facilmente na cidade. Não
demorou para que eu tivesse acesso às pesquisas de um grupo seleto da Sacra Verdade.
Aliás, eu era um deles. Ao menos era isso que eles pensavam.
Os desgraçados se davam o título de “Mantos Rubros”. Não poderia ser menos literal. Um
bando de velhotes ostentando capas, mexendo com ritos antigos e dando passos além do
véu muito maiores do que as próprias pernas.
É claro que uma hora ou outra daria merda. E deu. Merda das grandes. Daquelas que
invocam o prenúncio do fim. Vou confessar algo: eu que cheguei até aqui na base da
enganação tenho quase certeza de que sou o maior enganado. A entidade nesse lobo não
é trouxa. Ela me guiou até aqui porque queria ver de perto, porque queria estar presente
quando a profecia tivesse início. Bem, aqui estou eu, no meio desse caos, fugindo como um
demônio da cruz… ops, isso não fez muito sentido. Até porque sou eu quem está prestes a
ser crucificado por esses demônios esqueléticos. A não ser que eu consiga escapar desse
caos.
Vamos lá. Imagino Urias em meio à situação caótica que está rolando em Midiã. Pessoas
fogem para todo lado, enquanto os caídos esqueléticos brotam da torre no centro da
cidade e espalham a morte com suas espadas flamejantes. O dia virou noite. As luzes
daquelas lâminas e os urros das almas expelidas dos corpos da população é o que mais
chama atenção em meio ao horror. É hora de tentar fugir.
Ok, acho que o Urias pretende evitar embates físicos e ouvir algo além dos gritos de
morte e das lâminas perfurando geral. A ideia é que ele se concentre para que possa
se guiar pelas “vozes que ele sempre escutou”, já que ele sempre foi capaz de tagarelar
com caídos.
As regras dizem algo sobre ações que tem a ver com a minha sorte ou azar, acho que
nesse caso o que o Urias está tentando fazer não tem a ver com nenhum dos dois. Aliás,
tomara que algo de ruim não aconteça… isso poderia significar um embate físico e nisso
sim o Urias é um zero à esquerda. Deixa de papo. Vou rolar os 3 dados.
Ah, ao menos consegui uma façanha! Isso indica que o Urias, de alguma maneira,
consegue escutar algo que o guie em meio ao caos. O acontecimento neutro é algo novo
na cena, algo que por ora não é nem bom nem ruim. O que ferra é a desgraça: graças a
ela, vai dar alguma merda.
Um detalhe importante sobre Infærnum: perceba que, ao rolar dados, muitas coisas
podem acontecer. Uma simples rolagem pode desenrolar bastante coisa na ficção. É mais
que um “rolar dados para acertar ou errar”, é um lance mais voltado a “rolar dados para
ver o que acontece”; e os acontecimentos vão além da ação pretendida pelo personagem.
Ela é o gatilho, mas os resultados de uma rolagem impactam a cena além dessa ação.
Se o dia se tornou noite, e a única luz que eu vejo é a que está trazendo a morte, devo fugir
pela escuridão. Procuro Cinzento com o olhar, mas percebo que é inútil. Fecho os olhos.
Escuto a voz da entidade. Espero que ela me diga algo que me ajude. Ela suspira, ouço
daquele jeito, só na minha cabeça, em alto e bom som: “É, Urias… deu merda”. E o
desgraçado riu. Gargalhou. Pode ter sido coincidência, mas senti um cheiro forte de bosta.
O esgoto era o escape perfeito. Havia uma entrada para as galerias subterrâneas por perto,
tinha de ter, porque tava fedendo muito ali.
Deixei o olfato me guiar e tateei até achar as grades e a tampa metálica entreaberta. Mover
aquilo seria duro pra mim. Forcei e consegui com uma puta dificuldade. Antes de pular,
pude ver um dos velhotes ser trespassado por uma daquelas lâminas em chamas. O manto
rubro foi tingido mais uma vez de rubro. Eu que não queria outra demão nas minhas vestes,
já eram de um vermelho bem… vermelho.
Pulei. Durante a queda, alívio. Na hora do baque, dor. Caí nos paralelepípedos que
contornam a água fétida que corre ao lado. Torci o pé de um jeito que, mesmo sem
enxergar, deve ter sido bem bizarro. O som do caos na superfície foi abafado por um
instante e pude ouvir meu próprio grito com uma clareza sem igual. Que voz estridente a
minha, ainda mais num berro desses, torto de dor, gemendo no chão melado da sujeira do
esgoto.
Deixa eu explicar uma coisinha: usei cada um dos resultados em um dos parágrafos
acima. No primeiro parágrafo, usei a façanha. Imagina aí o Urias procurando o lobo e não
encontrando, fechando os olhos, ignorando todo o caos e ouvindo a voz da entidade que
possuiu o seu companheiro animalesco… imaginou? Foi nisso que usei a façanha.
Perceba que as regras dizem o seguinte:
Você precisa de ao menos um milagre para que a sua bênção “funcione” conforme
o esperado.
Um milagre seria um resultado 6, então foi por isso que eu não “usei” diretamente o lobo
na cena. Eu tinha uma façanha, precisava fazer algo que tivesse a ver com a ação
pretendida pelo Urias, por isso a coincidência com o que ele ouviu e o que aconteceu.
Enfim, usei as primeiras ideias, sem me limitar muito e deixei o jogo andar.
No segundo parágrafo, usei o acontecimento neutro. Achei que seria interessante o Urias
ver um membro dos Mantos Rubros cair. Não era algo nem bom nem ruim pra cena no
momento, mas talvez isso tenha um significado maior mais além.
Preciso colocar esse pé no lugar… droga. Eu nem sabia que tinha como isso sair do lugar
assim. Isso vai doer…
Imagino o Urias ajeitando o manto rubro enquanto senta escorando as costas numa
parede próxima. A ideia é dar uma golada no cantil de aguardente e forçar o pé do jeito
que dá pra voltar no lugar. Essa é a intenção. Vamos rolar pra ver o que acontece:
Opa, dois acontecimentos neutros e um milagre! Isso é um bom resultado. Acho que já
tenho uma ideia.
Ora, ora, achei que tinha me trazido até aqui para abandonar meu cadáver – o lobo cinzento
se aproximou de Urias e começou a lamber o pé descalço do companheiro.
Filho da mãe. Se eu não soubesse que você é uma entidade, com certeza acharia que você
tem pacto com uma – a dor havia sumido, o pé estava melhor que nunca; o lobo começou a
se afastar, como se estivesse indicando o caminho.
Eu sabia que poderia acrescentar um fato positivo na cena, então usei os acontecimentos
neutros para situar esse fato positivo. Ou seja, primeiro os olhos do lobo em meio à
escuridão, depois o lobo lambendo o pé machucado de Urias.
O milagre eu usei para representar o poder da entidade curando o pé do personagem.
Um detalhe importante: nem todo milagre precisa ser assim. Nem todo milagre precisa
ser inexplicável. Mas todo milagre pode ser algo não diretamente relacionado à ação
pretendida pelo personagem. Ou seja, é só algo bom que acontece na cena, inexplicável
ou não.
Usando as primeiras ideias, interpretei assim. Mas daria pra pirar. Urias poderia ter usado
o canivete e feito um ritual para invocar o lobo, por exemplo. É um milagre: é a hora
perfeita de fazer o que quiser.
Acho que para um exemplo, já deu. Só pra tirar algumas possíveis dúvidas:
Por hoje é só. Se rolar alguma dúvida, entre em contato com a gente e vamos ajudar no
que for possível. No mais, conto com você quando lançarmos o financiamento coletivo
das regras completas. Por enquanto, espero que curta o fastplay. Até breve.