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01/DRDH-SC/DPU – NUCIDH/DPE-SC
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art. 23-A, §3º, II, da Lei n. 11.343: internação voluntária: aquela que se dá, sem o consentimento do
dependente, a pedido de familiar ou do responsável legal ou, na absoluta falta deste, de servidor
público da área de saúde, da assistência social ou dos órgãos públicos integrantes do Sisnad, com
exceção de servidores da área de segurança pública, que constate a existência de motivos que
justifiquem a medida.
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II - será indicada depois da avaliação sobre o tipo de droga utilizada, o
padrão de uso e na hipótese comprovada da impossibilidade de utilização
de outras alternativas terapêuticas previstas na rede de atenção à saúde;
§ 6º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada
quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
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Art. 4º da Lei n. 10.216/01 e o art. 23-A da Lei n. 11.343.
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Art. 2º. [...] Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;
IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.
meios extra-hospitalares e sem possibilitar ao interessado tratamento integral e
ambulatorial em meio aberto, terapêutico, multidisciplinar e menos invasivo.
Além disso, a legislação federal é clara ao determinar que a internação
involuntária somente poderá ser indicada “depois da avaliação sobre o tipo de droga
utilizada, o padrão de uso e na hipótese comprovada da impossibilidade de
utilização de outras alternativas terapêuticas previstas na rede de atenção à saúde”
(art. 23-A, § 5º, II, da Lei 11.343/06).
Desta forma, embora permitida pela legislação brasileira, a internação
deve ser aplicada de forma excepcional, como ultima ratio, aplicável apenas
em caso onde todas as modalidades de recursos extra-hospitalares se
mostrarem insuficientes, situação a ser comprovada quando da apresentação
de laudo médico circunstanciado (art. 6º, 8º, da Lei n. 10.216 e 23-A, §5º, da Lei
n. 11.343)5, o qual indicará, de forma pormenorizada, todos os tratamentos e
alternativas utilizadas para recuperação da saúde mental do cidadão até a
formação da decisão médica quanto à ausência de outras medidas em meio
aberto possíveis para o caso.
Nesse sentido, a Resolução n. 08/2019 do Conselho Nacional de Direitos
Humanos esclarece:
Art. 12. [...]
§ 1º A internação psiquiátrica deve ser considerada um recurso
terapêutico com forte potencial iatrogênico, que induz à
recorrência (reinternações), com pior prognóstico a longo
prazo para os quadros de transtornos mentais, aumento
desproporcional para o custo do sistema e da assistência,
além de promoção de estigma, isolamento e fragilização das
relações sociais.
§ 2º Problemas associados ao uso de álcool e outras drogas
não devem ser considerados por si só indicativo de internação,
sem que sejam avaliados seu contexto clínico, recursos
disponíveis e vínculos sociais.
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Diante da obrigação legal de priorizar o tratamento ambulatorial para pessoas
com sofrimento mental ou usuários de drogas, surge a preocupação em fortalecer e
estruturar os serviços do SUS e do SUAS no Município, especialmente a Rede de
Atenção Psicossocial (RAPS), a qual deve atingir a finalidade perseguida pelo
Município de Florianópolis de promover atenção humanizada à saúde mental da
população de rua.
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Regulamentada pelo Anexo V da Portaria de Consolidação n.03/2017 do Ministério da Saúde.
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Art. 113 da Resolução n. 40 do Conselho Nacional de Direitos Humanos.
se caracteriza por promover serviços de saúde de caráter aberto e comunitário,
provendo atenção diária para o acompanhamento do tratamento, oferecendo
atendimentos medicamentoso, psicoterápico e de suporte social.
Embora o Município disponibilize Centros de Atenção Psicossocial, cabem
alguns apontamentos que podem elucidar o motivo pelo qual os equipamentos não
atingem seu intento.
O serviço deve ser disponibilizado no âmbito municipal de acordo com a
demanda da população e ser oferecido em locais de fácil acesso às pessoas em
situação de rua, com atendimento especializado nas características complexas e
heterogêneas do coletivo.
Atualmente, não é esse o cenário que encontramos em Florianópolis. Isso
porque a cidade possui apenas dois CAPS AD, que já enfrentam grandes
dificuldades para atender às demandas regulares da população em geral pela falta
de estrutura e de pessoal, além de estarem situados em locais de difícil acesso à
população em situação de rua (bairros Estreito e Pantanal), não havendo qualquer
dispositivo na área central, onde se concentra a maior parte do coletivo, o que
configura obstáculo ao tratamento.
Também não há equipamento especializado no atendimento nas regiões sul e
norte da Ilha, sendo de notório conhecimento o número significativo de pessoas em
situação de rua que se concentram especialmente nos bairros de Canasvieiras e
Ingleses.
Considerando o empenho do Município para atender a população em
comento, são necessários, ainda, esforços para garantir um atendimento 24 horas
por meio da ampliação dos atendimentos dos CAPS para atender aos finais de
semana, feriados e à noite, o que não ocorre até o presente momento.
Quanto à atenção em urgência e emergência, a RAPS utiliza-se da rede
específica: o SAMU 192, Sala de Estabilização, UPA 24 horas, as portas
hospitalares de atenção à urgência/pronto socorro, Unidades Básicas de Saúde,
entre outros. Aqui os CAPS também devem realizar o acolhimento e o cuidado das
pessoas em fase aguda do transtorno mental, bem como a articulação e
coordenação do cuidado nas situações que demandem internação, conforme prevê
a regulamentação do Ministério da Saúde.
É reiterada a reclamação dos serviços socioassistenciais municipais e dos
usuários quanto à negligência do atendimento do SAMU relativamente às pessoas
em situação de rua em Florianópolis, que, segundos massivos relatos, deixa de
atender inúmeras situações de urgência e emergência referentes a esse público
quando se refere que o atendimento deve se dar a este coletivo.
Ademais, Florianópolis não dispõe de Unidades de Acolhimento (UAs), que
seriam fundamentais no atendimento à população em vulnerabilidade social, já que
se referem a serviços gratuitos de acolhimento voluntário e cuidados contínuos para
pacientes com transtornos decorrentes do abuso de substâncias, e devem ser
implementadas em cidades com mais de 200 mil habitantes.
Os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) também são aliados no
tratamento da saúde mental ao disporem de moradias, com caráter de saúde
pública, voltadas ao acolhimento de pacientes egressos de hospitais psiquiátricos
ou regimes de internação psiquiátrica prolongadas.
Florianópolis já foi obrigada a dispor do serviço (SRTs) por meio de ação civil
pública proposta pela Defensoria Pública do Estado (autos n.
03085281320158240023), porém ainda não cumpriu a decisão judicial.
Neste cenário, a busca ativa nas ruas das pessoas que precisam de
atendimento, a conscientização sobre a prevenção do uso de drogas e sobre as
alternativas de tratamento, bem como os encaminhamentos desde o encontro na
rua até as unidades básicas de atendimento podem e devem ser realizadas pelo
Consultório na Rua, o qual tem um papel fundamental no atendimento da
população em situação de rua que necessita de cuidado à saúde.
As equipes do Consultório na Rua são constituídas por profissionais
multidisciplinares que atuam de forma itinerante e realizam abordagens diretas a
grupos populacionais vulneráveis, oferecendo ações e cuidados de saúde, com foco
especial a pessoas com transtornos mentais e usuários de álcool e outras drogas,
garantindo a busca ativa especialmente daqueles que não acessam os
equipamentos municipais e permitindo o acompanhamento do tratamento de saúde
dessas pessoas.
Embora a cidade ostente uma equipe do Consultório na Rua, é imperioso
promover condições adequadas de atendimento itinerante e efetivo no território, por
meio de equipes multidisciplinares, completas e com estruturas de trabalho aptas a
atingir a finalidade do serviço e dialogar com os demais equipamentos no município.
Ou seja, equipes que tenham condições efetivas de estar e atender nas ruas.
Para tanto, é imprescindível a disponibilização de veículo próprio e adequado
ao atendimento multidisciplinar e itinerante pela equipe do Consultório na Rua, que
atualmente se desloca uma única vez por semana, durante um único turno, por
ausência de unidade móvel disponível, o que evidentemente impede o alcance da
finalidade do serviço, prejudicando o usuário, acarretando os contornos hoje
indesejados pelo Município.
Além disso, é indispensável a ampliação de mais uma equipe do Consultório
na Rua, considerando que o Ministério da Saúde disponibilizou edital para
credenciamento de mais uma equipe que poderia ser implementada no Município.
Importante papel ainda ostenta o Centro de Referência Especializado à
População em Situação de Rua (Centro Pop) do Município, o qual funciona em
estrutura inadequada e não atende os objetivos propostos pela legislação, que seria
de promover um espaço de ressocialização e superação da situação de rua.
Ocorre que o equipamento em Florianópolis não permite a permanência da
população durante o dia e não desenvolve qualquer tipo de oficina, espaço coletivo
de reflexão ou atividades de convívio e socialização, além de apresentar uma
equipe há muito defasada que não tem condições de absorver a demanda para
encaminhamentos sociais imprescindíveis para superação da situação de rua.
Importante mencionar que o fortalecimento do Centro Pop em Florianópolis,
para promover um serviço especializado e efetivo à população de rua, se faz ainda
mais necessário, considerando que a cidade está entre as capitais com o menor
número de CREAS no país (somente possui duas unidades)8, o que demonstra que
8
https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/populacao-em-situacao-de-rua/publicacoes/relat_po
p_rua_digital.pdf
estas unidades não possuem condições de absorver a complexidade da demanda
exigida por este coletivo.
Dessa forma, atualmente Florianópolis não dispõe de nenhum
espaço de convivência e ressocialização para população em situação de rua
com atividades durante o dia, já que todos os seus equipamentos especializados
impedem a permanência do coletivo em seus espaços, impondo a permanência das
pessoas nas ruas sem qualquer tipo de promoção social, o que, sem dúvidas,
contribui para o agravamento do uso de entorpecentes e sofrimento mental.
Tratando-se de uma população bastante vulnerável, a atenção à saúde das
pessoas em situação de rua deve ser articulada com os serviços de
assistência social, para garantir o cuidado compartilhado entre as equipes, de
modo que dividam informações e atuem conjuntamente de forma sinérgica, como
dispõem os artigos 109, VII e 111 da Resolução n. 40 do Conselho Nacional de
Direitos Humanos e art. 7º, X, do Decreto Federal n. 7.053/09.
Entretanto, o que se percebe em Florianópolis é uma total ausência de
diálogo e interação entre o Sistema Único de Assistência Social e o Sistema Único
de Saúde, o que prejudica o oferecimento de um serviço integral à população de
rua.
Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal determinou aos Municípios, em
sede de medida cautelar na ADPF 976, a formulação de um protocolo intersetorial
de atendimento na rede pública de saúde para a população de rua, entendendo
existir um “estado de coisas inconstitucional” diante da massiva violação de direitos
humanos da população de rua.
Florianópolis permaneceu inerte e segue sem cumprir a determinação
judicial, fragilizando a política municipal da população de rua no Município, que
necessita, para atingir seus objetivos, de um protocolo intersetorial de atendimento à
população de rua.
Além da estruturação dos serviços de atenção à saúde e de assistência
social, a capacitação dos profissionais para atendimento especializado da
população de rua, de modo que compreendam suas peculiaridades e dificuldades e
atendam com humanidade e respeito, é imprescindível para acolher um coletivo
muito vulnerabilizado e que necessita de suporte e cuidados atinentes às suas
características.
Ainda, medidas outras devem ser asseguradas pelo Município como
alternativas à ressocialização da população de rua.
Dentre as diretrizes da Lei n. 14.821, a qual institui a Política Nacional de
Trabalho Digno e Cidadania para a População em Situação de Rua, aponta-se “o
trabalho como possível ferramenta para a redução de danos, inclusive os
associados ao uso problemático de álcool e outras drogas, desde que respeitada a
autodeterminação das pessoas em situação de rua” (art. 3º, inciso VIII). Entretanto
não se verifica nenhuma política municipal que oferte condições de autonomia
financeira e de enfrentamento da pobreza por meio de inserção laboral.
O Programa Moradia Primeiro9, capitaneado pelo Governo Federal, é voltado
especialmente para pessoas em situação crônica de rua, por uso abusivo de álcool
e outras drogas e com transtorno mental, para garantir o acesso imediato a uma
moradia segura, individual, acompanhada por equipe interdisciplinar. Porém,
Florianópolis ainda não aderiu à política e não dispõe de nenhum programa
habitacional de inclusão às pessoas de rua em situação crônica, política
imprescindível para garantir a abstinência por pessoas em reabilitação.
Neste sentido, a ausência e a precariedade dos mencionados serviços
colaboram com o contexto social em que está inserida a população em situação de
rua em sofrimento mental ou abuso de drogas no Município, que é o verdadeiro
responsável pela gravidade da situação que tanto expõe.
https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/populacao-em-situacao-de-rua/acoes-e-programas/
moradia-primeiro.
usufruir do direito à saúde, se assim desejarem, sendo que a obrigação pública se
restringe à criação e fomento destes meios.
Tal interpretação encontra guarida no direito fundamental à liberdade e à
proibição da privação da liberdade sem o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF),
assentando-se no Estado Democrático de Direito que tem em seu cerne a dignidade
humana (art. 1º, da CF).
Assim, ninguém pode ser privado de sua liberdade para, forçadamente,
submeter-se a qualquer espécie de tratamento, sem o livre consentimento
esclarecido.
A partir disso, conclui-se que a estrutura do Sistema Único de Saúde é uma
política de promoção social que não inclui estratégias que atentem contra as
liberdades individuais, motivo pelo qual práticas segregadoras, como a
internação psiquiátrica, somente podem ser aplicadas excepcionalmente e
não adotadas como política pública massiva e de caráter global com medidas
de cunho higienista.
Neste sentido dispõe a Resolução n. 40/2020/CNDH em seu art. 44, §1º: “É
vedado usar qualquer oferta do SUAS como instrumento de limpeza social, com a
remoção de pessoas em situação de rua por conta de populares e comerciantes
incomodados com a sua presença.”
Também preocupa, nesse cenário, a forma com que será implementada a
internação e o local onde os indivíduos serão internados, visto que o Projeto de Lei
apresentado não esclarece tais circunstâncias, abrindo margem para situações
vexatórias e desumanas. A atual falta de estrutura do Município para atender a
demanda regular de saúde mental (já descrita acima) sem qualquer previsão
concreta de ampliação da RAPS corrobora a preocupação.
A Lei n. 10.216/2001 determina que é absolutamente vedada a internação
de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com
características asilares (art. 4º, § 3º).
A Lei de Drogas, por sua vez, estabelece, em seu art. 23-A, caput e §2º, que
a internação, se realizada, deve se dar em unidades de saúde e hospitais gerais.
Nesta seara, cumpre destacar a impossibilidade de internação em
comunidades terapêuticas, mesmo na modalidade voluntária, pois possuem
caráter residencial e não integram o Sistema Único de Saúde (SUS) ou o Sistema
Único de Assistência Social (SUAS), o que dificulta o combate a irregularidades e
prejudica o tratamento à saúde.
Aliás, nesse sentido, a própria possibilidade de internação involuntária sem
consentimento da pessoa internada (prevista no PL ora comentado) se apresenta
contra o caráter voluntário das comunidades terapêuticas, nos termos do que dispõe
o art. 19, inciso III da Resolução - RDC nº 29/2011 da ANVISA.
Além disso, cabe destacar a medida cautelar proferida pelo Supremo Tribunal
Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 976, Ademais
proibiu o “ o recolhimento forçado de bens e pertences, assim como a remoção e o
transporte compulsório de pessoas em situação de rua.” (ADPF 976 MC-Ref,
Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 22-08-2023).
Nesse cenário, lançar mão da internação como política pública massiva
corrobora com o estado de coisas inconstitucional contra os direitos da população
de rua, viola a legislação federal atinente à matéria, e à própria legislação municipal
( Lei n. 8.751/2011) que dispõe como princípios da política municipal o respeito e a
garantia à dignidade da população de rua, a autonomia dos seus direitos, bem como
o direito à convivência comunitária, a garantia da supressão de todo e qualquer ato
violento, a não-discriminação no acesso a qualquer serviço e a proibição de
tratamento degradante ou humilhante.
5. RECOMENDAÇÕES
ANA PAULA
Assinado de forma digital por ANA
PAULA BERLATTO FAO
FISCHER:01757477098
BERLATTO FAO DN: c=BR, o=ICP-Brasil, ou=presencial,
ou=83043745000165, ou=Secretaria da
FISCHER:017574
Receita Federal do Brasil - RFB,
ou=ARCIASC, ou=RFB e-CPF A3, cn=ANA
PAULA BERLATTO FAO
77098 FISCHER:01757477098
Dados: 2024.02.06 15:33:53 -03'00'
PEDROLLO:01010616170
ou=Secretaria da Receita Federal do Brasil - RFB, ou=ARCIASC,
ou=RFB e-CPF A3, cn=JULIA GIMENES PEDROLLO:01010616170
Dados: 2024.02.06 15:31:26 -03'00'