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Internações Psiquiátricas

1. Fundamento Legal

A Lei 10.216/2001 dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas


portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em
saúde mental.

A lei estabelece três tipos de internação: voluntária (com o


consentimento do usuário), involuntária (sem o consentimento do usuário e
a pedido de terceiros) e compulsória (determinada pelo Poder Judiciário).

A internação tem indicação em casos de fracasso de todas as tentativas


de utilização das demais possibilidades terapêuticas, assim como quando os
recursos extra-hospitalares disponíveis na rede assistencial forem
insuficientes ao tratamento, de acordo com a Lei 10.216, artigo 4º,
parágrafos 1º, 2º e 3º.

A internação – assim como a alta – é ato médico, inclusive dentro do


previsto na Lei n. 12.842/13 (que dispõe sobre o exercício da medicina): "Art.

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4o São atividades privativas do médico: XI - indicação de internação e alta
médica nos serviços de atenção à saúde".

Nesse sentido, a internação psiquiátrica, seja ela voluntária ou


involuntária ou compulsória, apenas pode ser autorizada por intermédio de
um laudo médico circunstanciado, que aponte detalhadamente seus
motivos e circunstâncias, nos termos da Lei nº 10.216, em seus artigos 8º,
caput e 6º, caput.

A lei, por outro lado, veda que a internação tenha natureza asilar
(artigo 4º, parágrafos 1º e 3º da Lei n. 10.216/01).

2. Comunicação ao Ministério Público das Internações


Involuntárias

A Portaria nº 2391/GM/2002 regulamenta o controle das internações


psiquiátricas involuntárias e voluntárias e os procedimentos de notificação da
comunicação dessas internações ao Ministério Público pelos estabelecimentos
de saúde, integrantes ou não do SUS.

A internação involuntária deve ser comunicada no prazo de 72 (setenta


e duas) horas ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do
estabelecimento responsável pela internação, observado o sigilo das
informações (conforme a Lei nº 10.216, artigo 8º, parágrafo 1º e a Portaria
nº 2391/GM/2002, artigo 5º, caput).

A alta também deve ser comunicada ao Ministério Público e pode


ocorrer por solicitação escrita do familiar, ou responsável legal, ou quando

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estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento (Lei 10.216, artigo
8º, § parágrafo 2º).

3. Desinternação

Para garantir o tratamento individualizado e o sucesso de futura


desinternação, é importante exigir desde a internação o projeto terapeutico
singular, previsto no artigo 2º, XII da Portaria-MS 3088/11 e no artigo 5º
da Lei n. 10.216/01. Esse documento, de caráter multidisciplinar, deve traçar
as regras para a internação e, principalmente, deve visar ao tratamento do
paciente na Rede de Atendimento em regime ambulatorial.

Dizem os respectivos artigos:

Art. 2º Constituem-se diretrizes para o funcionamento da Rede de


Atenção Psicossocial:
(...)
XII - desenvolvimento da lógica do cuidado para pessoas com transtornos
mentais e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras
drogas, tendo como eixo central a construção do projeto terapêutico
singular.

Art. 5o O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se


caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de
seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política
específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob
responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de
instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade
do tratamento, quando necessário.

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O atendimento também deve abranger aspectos de assistência social,
dentro das regras do SUAS (que constitui importante fator para o sucesso da
desinternação porque prevê equipamentos não hospitalares para residência
do usuário do serviço).

4. Rede de Atenção Psicossocial

A Portaria nº 3.088/GM/2011 instituiu a Rede de Atenção Psicossocial


para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades
decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do SUS.

Os objetivos gerais da Rede de Atenção Psicossocial são a ampliação


do acesso à atenção psicossocial da população em geral; a promoção da
vinculação das pessoas com transtornos mentais e como necessidades
decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas e suas famílias aos pontos
de atenção; bem como garantir a articulação e integração dos pontos de
atenção das redes de saúde no território, qualificando o cuidado por meio do
acolhimento, acompanhamento contínuo e da atenção às urgências, nos
termos da Portaria nº 3.088/2011, artigo 3º, incisos I, II e III.

A Rede de Atenção Psicossocial depende de atuação integrada dos


entes da federação e comporta pactuação entre as esferas de poder para
sua efetiva implantação. No Estado de São Paulo, vige a deliberação n. 87 da
Comissão de Intergestores Bipartite (CIB), a qual expressa estratégias e
compromissos do Estado de São Paulo para a implantação da Rede de Atenção
Psicossocial. Com vistas a acompanhar essas pactuações, foi firmado termo
de cooperação técnica entre o Ministério Público do Estado de São Paulo e

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a Secretaria Estadual de Saúde para que os Promotores de Justiça possam
acompanhar as negociações entre os entes públicos.

A articulação da Rede de Atenção Psicossocial é constituída pelos


seguintes componentes: I - atenção primária; II - urgência e emergência; III
- atenção psicossocial; IV- atenção ambulatorial, especializada e hospitalar;
e V - vigilância em saúde.

4.1. Atenção Básica

Destaca-se a importância da atenção primária, por meio das Unidades


Básicas de Saúde (UBS) e Estratégia da Saúde da Família (ESF) para a
estruturação do sistema único de saúde.

Para a população específica em situação de rua, o equipamento


“Consultório de Rua” tem a finalidade de atuar de maneira itinerante como

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forma de favorecer a construção de vínculos entre o usuário do serviço e a
equipe.

4.2. Atenção Psicossocial Estratégica (Centros de Atenção


Psicossocial)

De acordo com as Portarias MS/GM nº 336/2002 e 3088/2011, que


definem os parâmetros populacionais e as modalidades de instalação da
unidade de CAPS, apoiadas sob as fundamentações da Lei federal nº 10.216,
de 2001, da Norma Operacional de Assistência à Saúde – NOAS-SUS
01/2001 (aprovada pela Portaria GM/MS nº. 95 de 2001) e da Portaria do
MS/SAS nº. 224 de 1992, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)
constituem rede extra-hospitalar.

As modalidades de CAPS existentes diferenciam pelo tamanho do


equipamento, estrutura física, profissionais, diversidades nas atividades e
abrangência populacional, bem como, quanto à especificidade da demanda
(criança e adolescente, usuários de álcool e outras drogas e transtornos
psicóticos e neuróticos graves).

A propósito, dispõe a Portaria 3088:

“Art. 7º O ponto de atenção da Rede de Atenção Psicossocial


na atenção psicossocial especializada é o Centro de Atenção
Psicossocial.
§ 1º O Centro de Atenção Psicossocial de que trata o caput
deste artigo é constituído por equipe multiprofissional que
atua sob a ótica interdisciplinar e realiza atendimento às
pessoas com transtornos mentais graves e persistentes e às
pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool

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e outras drogas, em sua área territorial, em regime de
tratamento intensivo, semi-intensivo, e não intensivo.
§ 2º As atividades no Centro de Atenção Psicossocial são
realizadas prioritariamente em espaços coletivos (grupos,
assembleias de usuários, reunião diária de equipe), de forma
articulada com os outros pontos de atenção da rede de saúde
e das demais redes.
§ 3º O cuidado, no âmbito do Centro de Atenção Psicossocial,é
desenvolvido por intermédio de Projeto Terapêutico
Individual, envolvendo em sua construção a equipe, o usuário
e sua família, e a ordenação do cuidado estará sob a
responsabilidade do Centro de Atenção Psicossocial ou da
Atenção Básica, garantindo permanente processo de cogestão
e acompanhamento longitudinal do caso.
§ 4º Os Centros de Atenção Psicossocial estão organizados
nas seguintes modalidades:
I - CAPS I: atende pessoas com transtornos mentais graves
e persistentes e também com necessidades decorrentes do
uso de crack, álcool e outras drogas de todas as faixas etárias;
indicado para Municípios com população acima de vinte mil
habitantes;
II - CAPS II: atende pessoas com transtornos mentais graves
e persistentes, podendo também atender pessoas com
necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras
drogas, conforme a organização da rede de saúde local,
indicado para Municípios com população acima de setenta mil
habitantes;
III - CAPS III: atende pessoas com transtornos mentais
graves e persistentes. Proporciona serviços de atenção
contínua, com funcionamento vinte e quatro horas, incluindo

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feriados e finais de semana, ofertando retaguarda clínica e
acolhimento noturno a outros serviços de saúde mental,
inclusive CAPS Ad, indicado para Municípios ou regiões com
população acima de duzentos mil habitantes;
IV - CAPS AD: atende adultos ou crianças e adolescentes,
considerando as normativas do Estatuto da Criança e do
Adolescente, com necessidades decorrentes do uso de crack,
álcool e outras drogas. Serviço de saúde mental aberto e de
caráter comunitário, indicado para Municípios ou regiões com
população acima de setenta mil habitantes;
V - CAPS AD III: atende adultos ou crianças e adolescentes,
considerando as normativas do Estatuto da Criança e do
Adolescente, com necessidades de cuidados clínicos
contínuos. Serviço com no máximo doze leitos leitos para
observação e monitoramento, de funcionamento 24 horas,
incluindo feriados e finais de semana; indicado para
Municípios ou regiões com população acima de duzentos mil
habitantes; e
VI - CAPS i: atende crianças e adolescentes com transtornos
mentais graves e persistentes e os que fazem uso de crack,
álcool e outras drogas. Serviço aberto e de caráter
comunitário indicado para municípios ou regiões com
população acima de cento e cinquenta mil habitantes.”

4.3. Atenção Residencial de Caráter Transitório

Destinam-se ao acolhimento de pacientes em unidades de


atendimento, as quais destinam-se a tratamento de público adulto e infanto-

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juvenil1.

O acolhimento é feito de maneira articulada com o CAPS e pode durar


até seis meses, de modo que a existência deste equipamento pode diminuir
o número de internações desnecessárias.

5. Sugestões do Centro de Apoio Operacional

5.1. A partir das declarações de familiares ou do próprio usuário do serviço


de saúde, diligenciar junto a Secretaria Municipal de Saúde buscando
informações sobre atendimento médico anterior do paciente e buscando
avaliação atual do caso, indagando-se sobre as tentativas extra-hospitalares
adotadas.

5.2. A legitimação do Ministério Público para requerer a internação


compulsória é extraordinária e deve-se buscar a identificação do terceiro
legitimado (artigo 6º, inciso II, da Lei Federal 10.216/2001) dentre os
sujeitos arrolados no artigo 1.768 do Código Civil de 2002.

5.3. Sendo caso de internação, sugere-se buscar a internação involuntária,


sem necessidade de intervenção judicial, através da ação dos órgãos do SUS
(Secretaria Municipal de Saúde, Central de Regulação de Leitos e/ou o próprio
Estabelecimento Hospitalar). No caso de internação involuntária, zelar pelo
cumprimento do prazo de 72 horas para comunicação ao Ministério Público
do ato.

1
Tratando-se de serviço de saúde para crianças e adolescentes, aplica-se o artigo 12 do ECA, o qual
prevê a estrutura para acompanhamento do tratamento pelos genitores ou responsáveis legais do
paciente.
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5.4. No caso de recusa do paciente ao comparecimento em avaliação médica,
é possível solicitar a sua busca ativa, mediante diligência do serviço de saúde
mental (Portarias do Ministério da Saúde n. 854/GM - 2012 e 336/GM –
2002). No insucesso da diligência e sendo imprescindível a sua avaliação, o
caminho é o ajuizamento de ação judicial com pedido cautelar de busca e
apreensão de pessoa.

5.5. Na efetivação da internação, não é conveniente a fixação de prazo de


duração da medida, haja vista se tratar de espaço médico exclusivo,
conforme o artigo 8º, § parágrafo 2º da Lei 10.216/2001.

5.6. A internação involuntária em casos de drogadição deve


preferencialmente ocorrer em hospital geral nos casos de intoxicação e
síndrome de abstinência, tendo em vista a política antimanicomial vigente
que evita a institucionalização de pacientes em hospitais psiquiátricos.

5.7. As comunidades terapêuticas, regulamentadas pela RDC 29/2011


(ANVISA), destinam-se a tratamento voluntário e não comportam tratamento
compulsório. Ainda, de acordo com as regras sanitárias, não são locais
adequados para tratamento de crianças e adolescentes.

5.8. O Promotor de Justiça deve observar que a busca insistente pela


internação psiquiátrica tem origem em vazios assistenciais da Rede de
Atenção Psicossocial e, assim, a tutela ministerial deverá voltar-se,
notadamente, para uma atuação coletiva do problema, primando pelo
acolhimento das demandas por tratamento de usuários/dependentes
químicos em toda a rede municipal de serviços de saúde e, não apenas no
âmbito da assistência hospitalar, que cumpre apenas o enfrentamento da
crise (surto), a qual constitui parte do processo global de tratamento e

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reinserção social.

5.9. Buscar a aliança do sistema de saúde (SUS) com o sistema de assistência


social (SUAS) para suporte do tratamento ambulatorial.

5.10. Zelar para que a internação seja acompanhada de projeto terapêutico


singular (artigo 2º, XII da Portaria-MS 3088/11 e artigo 5º da Lei n.
10.216/01).

5.11. Lembrar que a internação independe de interdição civil e que há


possibilidade de interdição parcial, limitada a alguns atos da vida civil (CC,
artigo 1772).

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