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Mauricio Ernica
06 de março de 2018
As políticas de ampliação de acesso e de permanência no ensino superior público são fundamentais para o
desenvolvimento do ensino e da pesquisa no Brasil
O novo reitor da Universidade de São Paulo, Vahan Agopyan, em entrevista ao UOL Educação , apresentou o que pensa sobre políticas de
acesso e permanência na universidade. Segundo ele, as políticas de ampliação do acesso, como cotas e bonificações, levariam à
universidade estudantes com deficiências escolares. As políticas de permanência, por sua vez, seriam assistencialistas e escapariam do
escopo e da vocação da universidade, motivo pelo qual deveriam ser financiadas e geridas pelo Estado. Entende-se melhor essas
afirmações ao se considerar o que, para o reitor, a universidade deve valorizar. Em entrevista à Associação dos Docentes da USP , ele
afirmou que a universidade deve atrair os melhores talentos para o seu corpo discente e deve buscar incessantemente a excelência
acadêmica.
Agopyan não recusa essas políticas cuja finalidade é aumentar as chances de indivíduos de grupos tradicionalmente distantes da
universidade pública diplomarem-se. Por isso, o que está em discussão é um modo de conceber a coexistência de dois objetivos que a
sociedade projeta sobre suas universidades: a inclusão social e a busca da excelência acadêmica.
Muitas pessoas na universidade e fora dela entendem que esses objetivos se opõem e se negam. Afinal, como se pode deduzir das
declarações do reitor, cotas e bonificações forçariam a universidade a selecionar, em vez dos melhores talentos, alunos com deficiências
na escolarização básica e que, ademais, demandam políticas de permanência. Sendo assim, aos que defendemos a possibilidade da
coexistência desses objetivos, cabe-nos problematizar essa suposta contradição.
Comecemos com uma pergunta: as políticas de ampliação do acesso à universidade pública levam à queda da qualidade acadêmica do
corpo discente? Os estudos que demonstram resultados acadêmicos positivos de cotistas já deveriam ter sido assumidos como uma
resposta suficiente: não! Podemos ir além, entretanto, e argumentar que a própria pergunta induz a um mau entendimento dos caminhos
complexos que produzem a distância cultural entre estudantes e universidade.
É um grande equívoco, portanto, reduzir às cotas e bonificações a produção da distância cultural dos estudantes em relação à
universidade. Esse é um problema anterior à introdução das políticas de inclusão e muito mais amplo do que elas. Nossas universidades,
entretanto, não têm dedicado a devida atenção a ele. Quando o fazem, tendem a localizar sua causa nas “deficiências” dos estudantes,
raramente colocando em questão a pertinência de seus currículos e de suas práticas pedagógicas.
Passemos a outra pergunta: as políticas de permanência são assistencialistas, fugindo do escopo e da vocação da universidade?
Novamente, a resposta é não. Na universidade, políticas como moradia estudantil, alimentação, transporte, bolsas auxílio, serviços
médicos, psicológicos e psiquiátricos só podem ser políticas acadêmicas. O objetivo delas deve ser um só: criar condições (não só
materiais) para que os estudantes dediquem tempo e energia às atividades fim da universidade (ensino, pesquisa e extensão), obtendo
êxito.
Em um momento como o atual, de restrição orçamentária e de demanda por ampliação dessas medidas, é justo que as universidades
reivindiquem aportes adicionais de recurso para financiar políticas de permanência. Entretanto, é a universidade que deve geri-las, por
mais complexas e desafiadoras que elas sejam. Como as necessidades dos estudantes são multidimensionais e variáveis, um desafio
central para a gestão das políticas de permanência é produzir arranjos adequados de serviços diferentes, mobilizando equipes
multiprofissionais. É preciso esforço de coordenação para que essas políticas estejam orientadas para a produção de resultados
acadêmicos. Sem essa coordenação, ela podem se autonomizar e cada serviço provido pode ser tratado como um fim em si. Quem, se não a
universidade, pode assegurar esse sentido para elas?
Em um país excludente como o Brasil, conceber a incompatibilidade entre inclusão e busca de excelência paralisa a universidade em
enganos. A universidade ganha com a inclusão, pois a excelência acadêmica se desenvolve com a diversificação de experiências e de
percepções do que são nossas necessidades. A sociedade ganha com a inclusão, pois pode ter profissionais de alto nível mais diversificados
socialmente, em vez de apenas ver reproduzidas elites autorreferenciadas.
Mauricio Ernica é professor da Faculdade de Educação da Unicamp. Enquanto cursou ciências sociais na USP, morou, como hóspede, no
Crusp (Conjunto Residencial da USP) e se alimentou no bandejão. É mestre em antropologia social pela Unicamp e doutor em linguística
aplicada e estudos da linguagem pela PUC-SP. Coordenou o Programa de Moradia Estudantil da Unicamp.
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