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Universidade de Brasília – UnB

Instituto de Letras – IL

Departamento de Linguística e Línguas Clássicas – LIP

Disciplina: Morfossintaxe da Língua Brasileira

O modelo de continuum aplicado ao grau do Português Brasileiro: flexão ou derivação?

Andréa Rangel Haddad - 231032669


Felype Lourenço - 222024550
Naiane Nascimento Batista de Souza - 200059785

18 de dezembro de 2023
A língua é moldada por diversas influências e adaptada ao longo do tempo de acordo
com a evolução cultural, social e histórica de uma comunidade linguística. O Português
Brasileiro (PTBR) apresenta particularidades que o distingue de outras variantes da língua
portuguesa. Este trabalho visa realizar uma análise morfossintática do PTBR, utilizando como
referencial teórico o modelo do continuum linguístico, que permite compreender as variações
aplicadas ao grau do português no aumentativo e diminuitivo presentes na língua.

A análise do grau no Português Brasileiro envolve tanto processos flexionais quanto


derivacionais e o estabelecimento de critérios para diferenciar essas duas categorias
morfológicas permite estabelecer uma diferenciação mais plausível dentre a grande variedade
de afixos existentes.

De acordo com Câmara Jr. (1970), existem três critérios que podem ser usados para
diferenciar a flexão da derivação:

(i) regularidade sistemática (regular ou irregular), (ii) exigência pela frase


(concordância ou não concordância) e (iii) vontade do falante (opcionalidade e não
opcionalidade). A flexão é estabelecida pela regularidade, exigência pela frase e não
opcionalidade do falante. A derivação, por sua vez, é irregular, não exigida pela
natureza da frase e opcional. (cf: Magalhães M. N. S, Ferreira D. G. C., 2021).

Para a análise do grau no PTBR, ainda segundo Câmara Jr. (1970), “ no critério da
regularidade, a caracterização de aumentativo e diminutivo em um substantivo é um processo
híbrido, uma vez que para o grau aumentativo ocorreria uma irregularidade (faca – facão, mas
não pedra – *pedrão), portanto um processo derivativo, e, para o diminutivo, regularidade
(faca – faquinha; pedra – pedrinha), caracterizando um processo flexional.”

Existe também a noção de afetividade presente no uso de sufixos de grau do PTBR,


que definem semanticamente os sufixos chamados de aumentativo e diminutivo como
“avaliativos”, devido ao seu uso revelar emotividade, estando a noção de dimensão presente
ou não. Esses morfemas não necessariamente acionam um mecanismo de concordância, que é
característica principal da flexão, assim, o grau dos substantivos e adjetivos em português
pode ser classificado como derivacional. (Rocha, 2008 apud M. N. S, Ferreira D. G. C., 2021)
Ainda assim, existem autores de outras linhas teóricas que preferem outra abordagem,
o modelo de continuum, que avalia as propriedades como um todo, evitando, dessa maneira,
fazer uma escolha arbitrária de critérios específicos.

Bybee (1985) defende a existência de um continuum entre flexão e derivação, e, como


a diferença entre flexão e derivação não é discreta, torna-se necessário buscar parâmetros que
funcionem como medidas de avaliação para o posicionamento dos afixos ao longo do
continuum flexão-derivação, sendo necessário avaliar seu comportamento segundo aspectos
que apontem para diferenças de comportamento entre esses dois tipos de operação
morfológica.

Para poder diferenciar essas duas morfologias é preciso usar critérios que ajudem a
agrupar um afixo como derivacional ou flexional. Usaremos cinco critérios mais relevantes na
tentativa dessa determinação:

● relevância sintática;

● aplicabilidade;

● mudança de classe;

● ordem, relevância do significado e criação de vocabulário novo;

● excludência e recursividade;

Um mesmo afixo pode ser considerado flexional por um critério e derivacional por
outro. Por isso mesmo, o levantamento de critérios objetivos deve ser visto como didático;
não como uma palavra final acerca do estatuto morfológico de afixos.

Dados de uso:

A coleta de dados para esta análise foi conduzida utilizando uma variedade de fontes.
Mensagens de grupos do aplicativo Whatsapp, comentários de vídeos no youtube,
comentários em comunidades do facebook que registram diferentes estilos de uso da língua.
Substantivo – Carta – Cartinha.

Substantivo – Carteira – Carteirinha.

Advérbio – Pouco – Pouquinho.

Substantivo – Petisco – Petisquinho.


Substantivo – grupo - Grupinho.

Adjetivo – Boa – Boazinha.

Substantivo – Carta – Cartão.

Substantivo – Mengo – Mengão.


Substantivo – Manoel – Manoelão.

Elicitação:
Substantivo – Casa – Casarão/Casão.
Substantivo – Carro – Carrão.
Substantivo – Abraço – Abração.
Substantivo – Beijo – Beijinho – Beijão.

Espontâneos:
Adjetivo – Novo – Novinho. YouTube/Podcast – Jovem Nerd.
Substantivo – Bebida – Bebidinha. YouTube/Podcast – Jovem Nerd.
Adjetivo – Bonito – Bonitinho. YouTube/Podcast – Jovem Nerd.
Substantivo – Camarão – Camarãozinho. YouTube/Podcast – Jovem Nerd.

Análise do grau do PTBR e o modelo do continuum

A flexão é requerida pela sintaxe da sentença, isto é, um contexto sintático apropriado


leva à expressão das categorias flexionais, o que não acontece com a derivação, isenta do
requisito "obrigatoriedade sintática". No português brasileiro, nomes podem apresentar-se nas
formas aumentativa ('casão'), diminutiva ('casinha') e neutra ('casa'). A terminação dos
adjetivos, no entanto, não é determinada pela informação contida na representação
morfológica dos núcleos aos quais se subordinam. A informação no diminutivo não é
necessariamente repassada a todos os itens lexicais da sentença. Pelo critério relevância
sintática, o grau deve ser considerado derivacional, uma vez que não constitui informação
acessível à sintaxe ou por ela manipulada.
Exemplo: “Amiga abre uma cerveja e pega um petisquinho na geladeira”
A gradação dimensiva constitui um processo altamente produtivo em PTBR. É
possível adicionar -(z)inho a praticamente todos os nomes da língua. Esse sufixo tem
aplicabilidade tão grande que pode até extrapolar os limites categoriais da base, anexando-se a
pronomes, advérbios, numerais e interjeições. Como praticamente não existem lacunas,
-(z)inho pode ser considerado flexional pelo critério da aplicabilidade.
Exemplo: “...sou fã de carteirinha de vocês”
“... e adoçar um pouquinho suas vidas”
“Pedindo a Deus pra ela acordar bem boazinha pq eu fiz xixi no lugar errado…”

No critério de mudança de classe, a diferença entre flexão e derivação é estabelecida


pela (im)possibilidade de mudança de classe: a flexão não é responsável por mudanças na
categorização lexical da base em relação ao produto. A derivação, ao contrário, pode
promover a mudança de classe. Na flexão, não ocorre a mudança de classe a qual a palavra
pertence.
Exemplos:

Classe da palavra Diminutivo Neutro Aumentativo

substantivo casinha casa casão

substantivo abracinho abraço abração

advérbio pouquinho pouco poucão

adjetivo boazinha boa boazona

A derivação cria vocabulário novo e sempre forma uma nova palavra. A flexão, ao
contrário, representa as diferentes formas de uma mesma palavra, sendo assim, não cria
vocabulário novo. A partir da alegação de que a flexão não cria vocabulário novo por
representar as diferentes formas de uma mesma palavra, a literatura sobre o PTBR confirma
essa afirmação, considerando que a flexão se apresenta como um processo morfológico de
articulação de desinências indicadoras das diferentes categorias gramaticais , sob a forma de
afixos, para adaptar um item lexical a um contexto. Assim, os parâmetros ordem e criação de
vocabulário novo, podem ser questionados a depender do contexto de uso.
Existem afixos que podem aparecer juntos na mesma palavra. Apesar de terem
significados contrários um ao outro, -inho e -ão não poderiam ser usados em uma mesma
palavra, porém, o uso é bastante comum. Por exemplo, a palavra 'cartão' não necessariamente
significa uma “carta grande" e é possível ser modificado por um afixo diminutivo, não
implicando, com isso, qualquer incompatibilidade semântica. Em uma busca no Google pela
palavra ‘cartãozinho’ é possível encontrar uma infinidade de exemplares.
Exemplo:

Conclusão
Em relação ao grau do Português Brasileiro, quando aplicamos os critérios de Payne
(2006), notamos algumas particularidades típicas da derivação, como a não relevância para a
sintaxe, uma vez que não exige a concordância e tende a não ter o mesmo efeito semântico
quando aplicado, dado que pode expressar semântica dimensional ou avaliativa. No entanto, o
fato de não mudar a classe da palavra nem alterar de modo considerável a raiz atribuem
características flexionais a esses morfemas.
Porém, o fato de ocorrer em eixos de seleção paradigmáticos regulares pode ser
atribuída apenas ao sufixo -inho(a), mas não aos demais sufixos de diminutivo e aumentativo
do português, que também apresentam aplicabilidade limitada.
Dessa forma, o sufixo -inho(a) seria classificado como flexional por se encaixar a
maior parte das características prototípicas desse fenômeno, enquanto os demais morfemas de
grau, como o -ão, encaixam-se melhor na classe dos morfemas derivacionais. O modelo de
continuum permite que os processos morfológicos sejam vistos de forma holística e linear, e
não de uma forma engessada que queira estabelecer uma palavra final sobre cada tipo de
morfema.

Fonte: Cadernos de Etnolingüística, v. 9, n. 1, p. 5, 2021.


Substantivo – Abraço – Abração:
No exemplo "Abração", observamos a adição do sufixo -ão, que denota aumentativo. Embora
haja uma mudança semântica indicando um abraço mais intenso, o sufixo mantém a classe
gramatical de substantivo e não interfere significativamente na estrutura sintática. Está mais
próximo da derivação do continuum, mantendo a maleabilidade entre derivação e flexão.

Substantivo – Beijo – Beijinho – Beijão:


A sequência "Beijo" - "Beijinho" - "Beijão" apresenta uma variação de grau, indicando
diminuição e aumento. O sufixo -inho(a) indica diminuição, enquanto -ão indica aumento.
Esses sufixos mantêm a classe gramatical de substantivo e têm impacto semântico na
intensidade do ato, do tempo gasto no ato ou a forma como foi feito. Está mais próxima da
flexão, pois compartilha características que não alteram substancialmente a estrutura sintática
e a classe gramatical.

Substantivo -Petisco - Petisquinho - Petiscão


No exemplo “petisquinho” temos um diminutivo usado não por seu valor de gradação, mas
por ter um teor afetivo que cause tranquilidade, para amenizar a tensão do momento. Já seu
antagônico “petiscão” é muito usado para nomear alimentos (biscoitos) para cachorro,
fazendo um jogo de palavras, usando o aumentativo da palavra petisco não para mostrar o
aumentativo e nem com significado de um biscoito muito grande, mas sim nomeando o
alimento como um petisco para cão (cachorro).
Assim, conclui-se que o cada sufixo para grau, deve ser analisado dentro do contexto
em que foi usado, pois mesmo o sufixo -inho, que é altamente produtivo tem tendências mais
flexionais, a depender de seu uso, apresenta nuances semânticas diferentes, como carinho,
desprezo, tom pejorativo, sem importância, juízo de valor, ou seja, a depender da forma como
foi empregado tem valor semântico diferente, fazendo com que ele flutue entre a derivação e a
flexão.
Referências:

Das diferenças entre flexão e derivação. Em Gonçalves, C.A. Iniciação aos estudos
morfológicos: flexão e derivação em português. São Paulo: Contexto, 2011, pp.11-89.
SLIDES.

MAGALHÃES, Marina Maria Silva; FERREIRA, Dimitria Giovanna Costa. O Continuum entre
flexão e derivação nos sufixos intensificador e atenuativo da língua Guajá. Cadernos de
Etnolingüística, v. 9, n. 1, p. 1-16, 2021.

O continuum aplicado ao português. Em Gonçalves, C.A. Iniciação aos estudos morfológicos:


flexão e derivação em português. São Paulo: Contexto, 2011, pp.91-150. SLIDES.

Vídeos:
YouTube/PodCast: Jovem Nerd
“Um jantar romântico” UM JANTAR ROMÂNTICO 😬❤️‍🔥 e
“Foi tudo uma mentira” FOI TUDO UMA MENTIRA 😐🤔

Dados escritos:
Grupos de Whatsapp; Comunidades no Facebook; Comentários de internautas no YouTube.

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