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Madalena Silva, Nº158707

Estudos Comparatistas
Análise do Espetáculo

MDLSX

Silvia Calderoni, está além do extraordinário e inabalavelmente emocionante


durante toda a apresentação artística. A produção teatral é uma mescla de multimédia,
som, dança e fala abundantemente, conduzindo a plateia numa jornada onde é
impossível sentir o tempo a passar, tentando seguir as transformações rápidas
alcançadas por esta notável artista em MDLSX.
Não é que Calderoni esteja constantemente a personificar diferentes papéis,
como vários espetáculos com só um ator. Ela permanece, singular, durante o espetáculo,
apesar de este não ser o melhor termo para alguém que consegue captar a atenção de
multidões durante 80 minutos.
Enquanto, ela desliza e contorce durante a peça visualmente arrebatadora,
Calderoni impossibilita identificá-la com os adjetivos que usamos automaticamente para
a avaliação de estranhos. Ela é bonita, feia ou simples? Jovem ou velha? Passivo ou
agressivo?
E, o mais importante para o diálogo que esta produção espera desencadear na
mente da sua audiência, Silvia Calderoni é homem ou mulher? O facto de as respostas
às perguntas anteriores serem todas ou nenhuma das opções é o objetivo da MDLSX,
que foi concebido por Daniela Nicòlo e Enrico Casagrande, que fundaram juntos a
Motus em 1991.
Esta companhia de teatro iconoclasta desenvolveu uma reputação internacional
por confundir as fronteiras de forma e de conteúdo no teatro. Trabalhos anteriores como
Alexis. A Greek Tragedy (inspirado na Antígona de Sófocles), e Nella Tempesta que foi
baseado n’A Tempestade de Shakespeare, lançaram textos clássicos para que novas
texturas os velhos padrões poderiam assumir, combinando dispositivos tão antigos
quanto o próprio teatros com tecnologias modernas e uma linguagem secular,
Calderoni aparece de uma forma memorável em ambas das obras mencionadas.
Ela já foi uma Antígona impetuosa e inflamatória em Alexis, e representou na perfeição
a fada em Nella Tempesta. Independentemente do papel que desempenha, o público sai
sempre com a mesma pergunta: afinal, ela é o quê? MLDSX aparenta ser a resposta de
Motus e de Silvia Calderoni a essa dúvida.
Ao longo do espetáculo, ela atua como DJ, operador de câmara, figurinista, além
de protagonizar um trabalho que mistura autobiografia, discurso académico, uma
jukebox de músicas de rock, e descrições da vida como hermafrodita do romance
Middlesex de Jeffrey Eugenides. Além destes elementos, a mise-en-scène é constituída
por filmes caseiros e uma gravação de uma entrevista com o teórico de género Paul B.
Preciado.
Uma tela circular está pendurada na parte traseira do palco, onde são projetadas
diversas imagens de flores desabrochando através de um timelapse fotográfico,
dissolvendo paisagens, e, mais importante, Calderoni. O público pode vê-la como uma
adolescente bem-cuidada (sendo que um dos momentos ela é questionada pela sua mãe
sobre o que ela quer da vida), tal como um ser de cabelo platinado e punk que ela é hoje,
enquanto aponta uma câmara pequena para si mesma.
Um monólogo – em italiano com legendas em inglês – mostra Calderoni a fazer
declarações líricas sobre a inadequação do vocabulário com o qual temos que trabalhar
atualmente. Estas afirmações tornam-se mais do que ensaísticas sempre que Calderoni
se move, ao som de músicas dos The Smith, R.E.M, Vampire Weekend, entre outros. O
seu corpo esguio, vai se despindo ao longo da peça como se estivesse a mudar de penas.
Mesmo nua, como uma câmara vai fazendo um inventário médico do seu corpo,
fazendo parecer que ela não pertence a nenhum género.
Chega a um momento, onde o público percebe que a narrativa em primeira
pessoa deixa de ser sobre Calderoni, mas sim do Cal, o protagonista do romance de
Eugenides. Essa mudança de perspectiva, parece um exemplo do objetivo de Motus de
puxar o tapeto debaixo do seu público. Ela dá vida a alguns dos cenários de Eugenides,
como uma sequência climática de um freak show.
Quando Calderoni deita-se no chão, levanta a pélvis e deixa o seu corpo ser
dividido ao meio por um laser de luz verde, fundido o símbolo e a substância de uma
forma que dá uma nova ressonância à fluidez de género, e a forma andrógena que
desafia a divisão.

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