Você está na página 1de 11

Formação em Teologia

Volume 15

1
Conteúdo licenciado para Jose Jales de Figueiredo Junior -
Formação em Teologia

O Livro de Jó (parte 2)

VIII Questão teológica

Precisamos conversar sobre a ideia da teologia retributiva, ou, a lei da


semeadura, isto é, a relação plantar-colher. A primeira confusão vem do fato de
várias religiões falarem sobre o tema, com uma abordagem, ora muito diferente,
ora muito sutil. Entre essas definições religiosas, a que mais confunde e se infiltra
entre os cristãos é o conceito do karma. E o objetivo é usar o conhecimento que o
Livro de Jó nos revela a fim de esclarecer essa confusão.
Grosso modo, o karma é um conceito que ajusta o efeito a sua causa, isto é,
todas as ações, boas e más, terão consequências, boas e más, nesta e nas outras
vidas. Por isto a palavra “karma” significa “ato deliberado”, dependendo daquilo
que você lança no universo, ele pode te retribuir de acordo. O karma pode ser
descrito como a "lei moral de causa e efeito", e está presente nas religiões orientais
como o Budismo, Hinduísmo e Jainismo, nesse tipo de pensamento nada é
aleatório, e tudo está interligado numa relação de causa e efeito, ações positivas
trazem um karma positivo enquanto ações negativas trazem um karma negativo,
tanto na vida presente quanto nas futuras.
O conceito do karma não tem nenhuma relação com o cristianismo, e crer
nele implica na aceitação da reencarnação, o que é obviamente contrário ao
pensamento cristão. E ainda de acordo com essa definição, não sabemos o quanto
devemos nem quanto tempo se leva para pagar, criando as seguintes perguntas:

• O que fizemos de errado?

• Como vamos pagar pelos nossos erros?

• Por quanto tempo vamos pagar?

2
Conteúdo licenciado para Jose Jales de Figueiredo Junior -
Formação em Teologia

Perceba que essas questões nos fazem reféns de um subjetivismo moral, no


cristianismo nós temos respostas claras e objetivas para o que existe de errado e
para o que fazemos de errado.
A Bíblia não falha em trazer a resposta: o pecado. E sobre como pagar pelos
erros, entendemos que o ser humano não tem condições de pagar e que os nossos
pecados foram pagos por Cristo na cruz do calvário com sua própria vida, e nada
diferente disso é capaz de pagar ou reparar os nossos erros. O ensino do karma
pressupõe dívida e crédito, dívida pelos nossos erros e crédito pelos nossos acertos.
No cristianismo, nossa dívida já foi completamente paga (Colossenses 2:14) e o
único crédito que temos não está relacionado com algo que fizermos, mas a justiça
de Cristo é creditada em nossa vida (Romanos 4:5). Veja que são raciocínios
completamente diferentes, Cristianismo e karma são incompatíveis.
A segunda distinção entre o Karma e o ensinamento bíblico é que a lei da
semeadura tem uma relação orgânica. A relação é biológica e não matemática, a
qual nos ensina que iremos colher a essência daquilo que plantamos. Se usamos
sementes para plantar maçãs, não devemos esperar que nasça algo diferente disso.
Um raciocínio matemático destruiria essa relação. Imagine que as suas boas ou
más ações pudessem ser quantificadas, acreditar no karma seria acreditar em algo
como: Se você faz “2 kg de bondade”, você recebe “2 kg de bondade”; ou, se você
faz “2 kg de maldade”, você recebe “2 kg de maldade”. Mas não se resolve os
problemas depositando “créditos kármicos” no universo. Infelizmente, muitos
cristãos bons e sinceros acreditam na doutrina do karma sem notar.
Conforme estudamos a vida de Jó, vemos a prova definitiva de que todo o
nosso esforço em viver uma vida íntegra e irrepreensível diante de Deus não nos
dá garantias de uma vida sem sofrimentos, e a própria vida comum desmascara a
doutrina pagã, pois muitas vezes fazemos coisas boas e recebemos de volta coisas
ruins, ou, ainda, fazemos coisas ruins e recebemos coisas boas.

3
Conteúdo licenciado para Jose Jales de Figueiredo Junior -
Formação em Teologia

O que recebemos da vida não faz parte de uma equação matemática de causa e
efeito, de fato, a realidade é muito mais complexa, portanto, acreditar em
retribuição dessa forma é antibíblico.
Seja por uma percepção errada da lei da semeadura ou por influência da
filosofia do karma, o Livro de Jó ensina o oposto, que merecimento pode rimar com
sofrimento, mas também ensina que tudo está à mercê da vontade de Deus.
Vejamos uma passagem da Bíblia:

“Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que


o homem semear, isso também ceifará.” (Gálatas 6:7)

Nunca veremos a Bíblia ensinando semeadura e retribuição da forma pagã,


que diz: O que você faz de bom retorna pra você; de outra via, o que você faz de
mal, volta para você. Definitivamente não é isso! A relação estabelecida, como já
mencionado, é sobre semente e ceifa: se você planta feijão, não vai colher
uvas. Entendemos que a lei da semeadura é advertência à:

• Falta de consciência sobre a semeadura dos nossos atos.

• Ilusão na hora da colheita. (Fique atento ao que você planta!)

“Porque o que semeia na sua carne, da carne ceifará a


corrupção; mas o que semeia no Espírito, do Espírito ceifará
a vida eterna.” (Gálatas 6:8)

Logo, temos a seguinte oposição: semear na carne é totalmente diferente


de semear no Espírito, pois plantar na carne é: adultério, fornicação, impureza,
lascívia, idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas,
dissensões, heresias, invejas, homicídios, bebedices, glutonarias (Gálatas 5:19-21).

4
Conteúdo licenciado para Jose Jales de Figueiredo Junior -
Formação em Teologia

A colheita será: ruína, corrupção e afastamento de Deus. Semear no Espírito é:


amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança
(Gálatas 5:22), e nesse caso a colheita é vida eterna e intimidade com Deus.
É fundamental notar a diferença, então vamos analisar alguns exemplos
práticos vistos no cotidiano, para trazer clareza ao conceito da semeadura: Um
homem em adultério pode se tornar ainda mais atencioso com sua mulher e filhos,
sendo capaz de grandes realizações para mascarar sua culpa (nesse contexto é que
devemos entender que Deus não se deixa escarnecer). Esse homem infiel está
semeando na carne. O conceito de que “o que ele fez de bom vai voltar em coisas
boas” não se aplica, o que esse homem irá colher está relacionado ao que ele está
semeando, independentemente de centenas de coisas boas que possa fazer.
Por outro lado, um cristão fiel e temente a Deus, atravessando um momento
difícil que demanda perseverança, se desespera, perde a paciência e comete
alguns erros, mas por ser morada do Espírito Santo, se arrepende e atravessa o
restante de sua adversidade com paciência. Nesse caso, “o que ele fez de mal
retorna em mal” não se aplica! Esse cristão está semeando longanimidade e fé, e
apesar dos erros cometidos irá colher vida eterna.
A terceira questão é que muitos tentam encaixar “toda a vida cristã” na lei
da semeadura, como se a vida fosse apenas uma relação de causa e efeito. Reflita:

• Muito do que você está colhendo hoje foi seus pais que plantaram em sua
vida.

• Muito do que você está colhendo hoje foi amigos que plantaram em sua vida.

• Muita coisa que faz parte de sua vida, e que você está colhendo hoje, foi
políticos, ou até mesmo civilizações antigas, que plantaram.

• Você ainda não colheu muito do que semeia, e algumas coisas não irá colher,
sendo que outras pessoas é que irão se beneficiar do que você está
plantando hoje, assim como hoje você se beneficia de coisas que gente no
passado plantou.

5
Conteúdo licenciado para Jose Jales de Figueiredo Junior -
Formação em Teologia

Atenção: Resumindo, nem tudo que colhemos hoje, fomos nós a plantar. Muitas
vezes você chega para pastorear uma igreja, já se beneficiando pelo que os outros
pastores plantaram antes de você. Às vezes você chega ao emprego e é beneficiado
por aquilo que seu chefe e outros companheiros de trabalho plantaram antes de
você. Da mesma forma, muito do que nós estamos investindo e plantando hoje
serão os nossos filhos que irão colher; talvez uma casa ou investimento em
educação. Precisamos entender essa dimensão de não tentar reduzir a vida numa
equação de retribuição, sem enxergar que ela é muito mais ampla que isso.
Podemos afirmar ainda que, se o salário do pecado é a morte, porque nós
ainda não a colhemos? De forma mais precisa, como pecadores podem colher a
vida eterna, se mesmo depois de convertidos ainda são pecadores? O Livro de Jó
nos permite compreender que existe mais do que esse tipo de relação na vida,
entendendo que parte é semeadura, parte é graça e parte é mistério. Se quisermos
ser bíblicos precisamos ter em mente as seguintes perspectivas:

• Parte eu explico porque eu plantei.

• Parte eu explico porque alguém plantou.

• Parte eu explico porque é graça.

• Parte eu não explico porque é mistério.

IX Questão filosófica
O Livro de Jó levanta um questionamento entre a relação da moralidade e o
sofrimento. Reflita: o que um ateu tem contra Deus? Um ateu geralmente
argumenta que não acredita na existência de Deus porque a existência do mal e do
sofrimento são provas de que não existe um ser bondoso e todo poderoso.

6
Conteúdo licenciado para Jose Jales de Figueiredo Junior -
Formação em Teologia

A conclusão apressada é que bondade e onipotência são incompatíveis com


o sofrimento do ser humano, logo o próprio sofrimento é imoral. Mas, se os ateus
não acreditam na existência de Deus, para que preocuparem-se com a moralidade?
Sabemos que a moralidade desafia o conceito de relatividade: a moral indica que
existe uma conduta aceitável e outra inaceitável. Quem não acredita na
espiritualidade tem necessidade de moralidade?
Dostoiévski, em um de seus livros, chamado Irmãos Karamazov, escreveu:
“se Deus não existe, tudo é permitido.” Essa afirmação fez com que vários autores
e filósofos, como Sartre, reagissem transformando a liberdade do homem num
pretexto para a não-existência de Deus. Por trás da descrença do ateu existe uma
premissa de moralidade: a morte de uma criança, ou o sofrimento de alguém
próximo que é muito amado, por exemplo. Tais coisas causam tanto desconforto no
ateu quanto a percepção de um padrão de moral mais desenvolvido pelo Deus
apresentado nas religiões, em outras palavras, o ateu não consegue crer,
pois confia com todas as suas forças que têm um padrão ético e moral superior ao
de Deus, assim, Deus se torna inútil para o ateu.
Inconscientemente, há na mente do ateu um grandioso dilema moral: por
um lado ele percebe a exigência de “absolutos morais”, por outro, confere a si
mesmo o título de árbitro, que julga esses absolutos; por um lado, não consegue
abrir mão de tais padrões absolutos morais, por outro, se ressente contra Deus por
não corresponder a suas exigências morais. Em última análise, se existe uma moral,
sempre vai existir um juiz da moral.

Para refletir: O Livro de Jó ensina que sofrimento não é exclusividade de gente


ruim, verdade é que pessoas honestas, boas e leais também sofrem, pois a Bíblia
não diz que o cristão sofrerá:

7
Conteúdo licenciado para Jose Jales de Figueiredo Junior -
Formação em Teologia

"Sofre, pois, comigo, as aflições, como bom soldado de Jesus


Cristo.” (2 Timóteo 2:3-4)

“Tenho-vos dito isto, para que, em mim, tenhais paz; no


mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o
mundo.” (João 16:33)

“Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da


justiça, porque deles é o reino dos céus; bem-aventurados
sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo,
disserem todo o mal contra vós por minha causa.” (Mt 5:10,11)

Sempre buscamos relacionamentos e caminhos que não nos façam sofrer.


A grande questão é que não existe nenhum caminho na vida que nos isente da dor,
porém, guiados pela Palavra, podemos enfrentar qualquer circunstância, levando
duas convicções:

• A presença dEle - “e eis que eu estou convosco todos os dias, até a


consumação dos séculos. Amém.” (Mt 28:20)

• A vitória nEle - “Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a


angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada?
Como está escrito: por amor de ti, somos entregues à morte todo o dia;
somos reputados como ovelhas para o matadouro. Mas em todas estas
coisas somos mais do que vencedores, por aquele que nos amou. Porque
estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os
principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura,
nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do
amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor.” (Rm 8:35-39)

8
Conteúdo licenciado para Jose Jales de Figueiredo Junior -
Formação em Teologia

O sofrimento continua sendo uma realidade na vida porque ele faz parte do
ambiente em que vivemos, uma consequência do pecado e um fato universal, todos
experimentam a dor porque é o senso-comum, e todas as religiões tentam explicar
porque sofremos ou como devemos enfrentar isso, repare que grande parte das
conversões religiosas é explicada pela descoberta e aceitação da resposta para o
sofrimento e angústia humanas, ou seja, as pessoas se aproximam de uma crença
ou de outra, porque se agradam mais com a resposta oferecida por determinado
dogma. Em sua maioria, as religiões explicam que o sofrimento é sempre, ou quase
sempre, punitivo; no cristianismo o sofrimento nasce como resultado da separação
com Deus, não é uma mera consequência de um ato errado, antes é um “estado”,
assim, tanto ateus quanto adeptos de outras religiões se debatem insistindo que
dor e o sofrimento são imorais, mas quem decidiu que sofrer é uma imoralidade?
Não se torne refém de filosofias humanas, saiba que, apesar de termos que lidar
com o sofrimento, a grande boa-nova é que, na cruz, Jesus Cristo levou o nosso
sofrimento permanentemente, significa que para o cristão qualquer sofrimento, por
mais difícil que seja, é provisório e passageiro. Vai passar!

9
Conteúdo licenciado para Jose Jales de Figueiredo Junior -
Formação em Teologia

Notas:
1: cit. Blomberg e Hubbard Jr.
2: cit. Samuel Terrien
3: cit. Dillard e Longman II
4, 5, 6, 7, 8 e 9: cit. Samuel Terrien

Bibliografia sugerida:
Site: https://bibleproject.com/

PRICE, Randall. Manual de arqueologia bíblica (Thomas Nelson/ RandallPrice e H Wayne


House. Tradução de Wilson Ferraz de Almeida- Rio de Janeiro: Thomas Nelson. 2020)

KLEIN, William W. HUBBARD JR., Robert L. CRAIG, L. Blomberg (Tradução Maurício


Bezerra Santos Silva. 1 ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2017)

Manual bíblico vida nova (Editor geral: David S. Dockery. Tradução: Lucy Yamakami.
Hans Udo Fuchs, Robinson Malkomes. - São Paulo: Edições Vida Nova,2001)

DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento (Raymond B. Dillard, Tremper


Longman III. Tradução Sueli da Silva Saraiva. São Paulo: Vida Nova, 2006)

TERRIEN, Samuel. Jó (Tradução: Benôni Lemos- São Paulo: Paulus 1994)

KELLER, Timothy. Gálatas para você (São Paulo. Vida Nova. 2017)

LOPES. Hernandes Dias. As teses de satanás. (United Press)

10
Conteúdo licenciado para Jose Jales de Figueiredo Junior -
Formação em Teologia

11
Conteúdo licenciado para Jose Jales de Figueiredo Junior -

Você também pode gostar