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A dinâmica intra-urbana do Município de Santos

vista sob o prisma dos Censos Demográficos de


1991 e 2000*

Alberto Augusto Eichman Jakob**

O artigo tem dois objetivos principais. O primeiro é mostrar os principais


avanços e limitações do Censo Demográfico de 2000 para quem trabalha com
análises intra-urbanas ou intramunicipais, especialmente no tocante ao acesso
a informações mais desagregadas que as municipais, e indicar um método de
análise de dados que possibilite superar, ou ao menos minimizar, tais limitações.
Para isto, foi feito um estudo de caso para o Município de Santos, no litoral
paulista, em que se empregou uma técnica de interpolação de dados censitários
conhecida como Krigagem. Surge, então, o segundo objetivo do trabalho: analisar
a dinâmica intra-urbana de Santos, uma possível aplicação para o método proposto.

Palavras-chave: Dinâmica intra-urbana. Mobilidade residencial. Mobilidade


populacional.

Introdução urbana de Santos, uma possível aplicação


para o método proposto.
Este artigo tem dois objetivos principais. Santos é o município-sede da Região
O primeiro é mostrar os principais avanços Metropolitana da Baixada Santista (RMBS),
e limitações do Censo Demográfico de criada pela Lei Complementar Estadual
2000, quando comparado ao Censo de nº 815, de 30 de julho de 1996, que
1991, para quem trabalha com análises intra- compreende também os municípios de
urbanas ou intramunicipais, especialmente Bertioga, Cubatão, Guarujá, Itanhaém,
no tocante ao acesso a informações mais Mongaguá, Peruíbe, Praia Grande, Santos
desagregadas que as municipais, bem e São Vicente. É a terceira Região
como indicar um método de análise de Metropolitana do Estado de São Paulo em
dados que possibilite superar ou, ao menos, termos de população residente, com perto
minimizar tais limitações. Para tanto foi feito de 1,5 milhão de pessoas, segundo o
um estudo de caso para o Município de Censo Demográfico de 2000. Deste total,
Santos, no litoral paulista, em que se Santos respondia por perto de 418 mil
empregou uma técnica de interpolação de pessoas em 2000, sendo que 99,5% destas
dados censitários conhecida como residiam na Ilha de São Vicente, que
Krigagem. Surge, então, o segundo objetivo contém parte dos municípios de Santos e
do trabalho: analisar a dinâmica intra- de São Vicente1. A parte insular de Santos

*
Este artigo é baseado, em parte, na tese de doutorado defendida pelo autor, em fevereiro de 2003, no Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para a realização de sua pesquisa o autor contou com
apoio financeiro do CNPq.
**
Demógrafo, pós-doutorando do CNPq no Núcleo de Estudos de População (NEPO) da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp).
1
São Vicente foi o primeiro município do Estado de São Paulo, instituído em 1532. O Município de Santos foi fundado logo
a seguir, em 1545 (Fundação Seade e Governo de São Paulo, 2000).

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tem quase 40 km2, divididos entre o espaço desagregadas que o município, apenas
ocupado pela população, diversos morros com dados censitários.
e canais de drenagem, e o porto de Santos, A principal inovação dos microdados
um dos maiores da América Latina em do questionário da amostra do Censo de
termos de volume de toneladas movi- 2000, em relação ao censo anterior, de
mentadas, mais de 48 milhões em 2001 1991, é trazer a variável “área de ponde-
(Codesp, 2002). ração”. Esta variável foi definida como “uma
Atualmente, o Município de Santos unidade geográfica formada por um
encontra-se consolidado no que tange à agrupamento mutuamente exclusivo de
concentração populacional. Se no período setores censitários, para a aplicação dos
1980-1991 sua taxa de crescimento procedimentos de calibração das es-
populacional era de 0,11% ao ano e seu timativas com as informações conhecidas
saldo migratório foi de -45.290 pessoas, já para a população como um todo” (IBGE,
na década seguinte aquela taxa chegou a 2002, p. 12). O número de domicílios
0,01% ao ano, praticamente nula, e o saldo presentes em cada área de ponderação
migratório municipal foi reduzido para pode variar de 400 até o total de domicílios
-19.782 pessoas (Jakob, 2003a). Com isto, particulares ocupados do município.
a dinâmica intra-urbana do município torna- Segundo o IBGE, 484 municípios
se cada vez mais importante. Em trabalho brasileiros foram classificados como pos-
anterior (Jakob, 2003a) foi observado que suindo mais de uma área de ponderação,
as tendências verificadas para a RMBS, de mas apenas 42 deles possuíam 20 ou mais
desconcentração espacial da população, áreas de ponderação em 2000. Os
periferização e modificação nas formas de municípios de São Paulo e Rio de Janeiro
ocupação do espaço, possuem uma são os que reúnem um número maior destas
expressão intramunicipal. Sendo assim, áreas, 456 e 170, respectivamente. O
optou-se, neste artigo, por analisar estes Município de Santos foi classificado como
processos na sede da região em questão. tendo 27 áreas de ponderação, que seriam,
grosso modo, subdivisões ou reclassifi-
Aspectos metodológicos cações de seus bairros. Estas áreas podem
ser visualizadas no Mapa 1, que mostra a
O termo “intra-urbano” é utilizado aqui parte insular – e urbana – do Município de
conforme definição de Villaça (1998, p. 20): Santos.
Este é um bom começo para quem
A estrutura do espaço regional é dominada
pelo deslocamento das informações, da
deseja ter uma diferenciação interna no
energia, do capital constante e das município estudado, mas para conseguir
mercadorias em geral. O espaço intra- um detalhamento maior torna-se necessário
urbano, ao contrário, é estruturado pelas um estudo dos setores censitários em que
condições de deslocamento do ser humano, este se divide. O Mapa 2 denota as taxas
seja enquanto portador da mercadoria força
de trabalho – como no deslocamento casa-
de crescimento médio geométrico anual da
trabalho –, seja enquanto consumidor – população e dos domicílios de Santos no
reprodução da força de trabalho, decorrer do período 1991-2000 por bairros.
deslocamento casa-compras, casa-lazer, Sabe-se, porém, que este crescimento não
casa-escola etc. é homogêneo em todo o bairro; existem
Portanto, o espaço intra-urbano não focos de maior ou menor crescimento
está necessariamente restrito a limites dentro de cada bairro, conforme pode ser
rígidos como divisões administrativas, observado no Mapa 3, que utiliza dados
municipais ou estaduais, podendo envolver dos setores censitários de 1991 e 2000.
um escopo maior ou menor que o município. Até o Censo Demogáfico de 1991,
O presente trabalho envolveu análises era possível obter os microdados do
intramunicipais de Santos, em uma tentativa questionário da não-amostra ou universo,
de mostrar que é possível obter resultados que continha a variável “setor censitário”,
muito interessantes de análises mais podendo-se fazer tabulações neste nível de

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MAPA 1
Comparação entre as Áreas de Ponderação e os Bairros – Santos, 2000

Fontes: IBGE, Malha digitalizada dos Setores Censitários de 2000; IBGE, Documentação dos Microdados de Amostra do Censo
Demográfico de 2000.

MAPA 2
Taxas médias geométricas de crescimento anual da população e dos domicílios – Santos, 1991-2000

Fontes: IBGE, Malha digitalizada dos Setores Censitários de 2000; IBGE, Censo Demográfico de 1991.

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MAPA 3
Taxas médias geométricas de crescimento anual da população e dos domicílios – Santos, 1991-2000

Fontes: IBGE, Malha digitalizada dos Setores Censitários de 2000; IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000.

escala. Porém, a partir do Censo de 2000 o censitários geralmente aparenta. Percebe-


IBGE não disponibiliza mais tais micro- se claramente o maior detalhamento de
dados, mas apenas resultados agregados dados ao se comparar este mapa com o
por setor censitário. Estas informações, anterior (Mapa 2). Pode-se verificar, então,
contudo, já podem vir acompanhadas da que apenas alguns setores dos bairros são
malha digitalizada de setores em 2000, a responsáveis pelo crescimento verificado:
qual, acompanhada de uma tabela de basicamente, os situados junto à orla
compatibilização de setores para os censos marítima dos bairros de José Menino e
passados, pode dar origem à malha de Embaré.
setores em diversos anos, como 1996, 1991 Uma vez esclarecida a maior
e 1980. capacidade de detalhamento deste tipo de
A partir das malhas dos setores pode- análise, em comparação com as realizadas
se criar malhas de pontos, que represen- considerando apenas os bairros ou áreas
tariam os setores, para fazer interpolações de ponderação, torna-se necessário um
de dados. Tais interpolações, embora maior esclarecimento a respeito da
representem suavizações dos dados, krigagem de dados.
permitem que as maiores concentrações
espaciais de certo fenômeno se tornem mais A interpolação de dados por meio da
expressivas, minimizando pequenas dife- krigagem
renciações de dados contíguos. O Mapa 3
foi elaborado a partir de tal técnica, Os métodos “convencionais” de análise
utilizando a krigagem de dados para eliminar de dados georreferenciados utilizam dados
o efeito “mosaico” que um mapa de setores no formato vetorial, valendo-se de pontos,

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linhas e polígonos para tentar representar Geografia de Tobler, que diz que unidades
as características físicas/geográficas da de análise mais próximas entre si são mais
área de estudos. Desse modo, toda a parecidas do que unidades mais afastadas,
unidade de análise assume o mesmo valor a krigagem utiliza funções matemáticas
quando representada. Um melhor método para acrescentar pesos maiores nas
de análise de dados se baseia na inter- posições mais próximas aos pontos
polação destes dados. Assim, os valores amostrais e pesos menores nas posições
intermediários dos dados são preservados, mais distantes e criar, assim, os novos
e o resultado final é uma superfície contínua pontos interpolados com base nessas
de dados mais suavizados, minimizando os combinações lineares de dados. Pode ser
contrastes entre os polígonos e enfatizando usada também para determinar se existe
as maiores concentrações espaciais de autocorrelação espacial entre dados de
alguma variável. pontos. Para isso, a função mais utilizada é
A krigagem é considerada uma boa o (semi)variograma.
metodologia de interpolação de dados. Ela O variograma é a descrição matemática
utiliza o dado tabular e sua posição geo- do relacionamento entre a variância de pares
gráfica para calcular as interpolações. de observações (pontos) e a distância
Utilizando o princípio da Primeira Lei de separando estas observações (h). A autocor-

FIGURA 1
Componentes e modelos do variograma

Fonte: Jakob (2003a).

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relação espacial pode então ser usada para Outros fatores a serem estudados são
fazer melhores estimativas para pontos não a anisotropia e a linha de tendência. A
amostrados (inferência = krigagem). anisotropia acontece quando existe uma
A krigagem se baseia na idéia de que autocorrelação espacial mais acentuada
se pode fazer inferências a partir de uma em certa direção, e a tendência, quando
função aleatória Z(x), originando os pontos alguns atributos (como a média dos dados)
Z(x1 ), Z(x2 ), ..., Z(xn ). se modificam de maneira sistemática.
A função Z(x) = m(x) + Y(h) + ε apre- Existem funções específicas para o
senta a média constante, a correlação tratamento destes fatores.
espacial e o erro residual. A correlação Pode-se dizer que a krigagem produz
espacial é dada pelo variograma: a melhor estimativa linear não-viciada dos
Y(h) = ½ var [Z(x)–Z(x+h)] = ½ E[{Z(x)–Z(x+h)}2] dados de um atributo em um local não
enumerado/observado, com a modelagem
Na prática:
do variograma.
Y(h) = ½ N(h) ∑i[Z(xi) – Z(xi+h)]2,
A krigagem ordinária é geralmente asso-
onde N(h) é o número total de pares de ciada como B.L.U.E. (Best Linear Unbiased
observações separados pela distância h. A Estimator, melhor estimador linear não-
curva ajustada minimiza a variância dos viciado). A krigagem ordinária é “linear”
erros. porque suas estimativas são combinações
A Figura 1 mostra os componentes do lineares ponderadas dos dados disponíveis;
é “não-viciada” porque busca o valor de
variograma e seus principais modelos. erro ou resíduo médio igual a “0”; e é
Dentre estes, os mais comuns são o esférico “melhor” porque minimiza a variância dos
e o exponencial. O efeito pepita (nugget) é erros. (Isaaks e Srivastava, 1989, p. 278)
o ponto inicial da curva, onde ela toca o
eixo Y, quando h = 0. O patamar (sill) é o Existem diversos outros tipos de
valor de Y máximo da curva, o ponto em krigagem, com suas especificidades, como
que não existe mais nenhuma correlação a universal, a pontual, a de blocos e a co-
entre as variáveis, sendo assim a variância krigagem. Neste artigo, foi utilizada apenas
do conjunto de dados. O alcance (range) é a krigagem ordinária, por se adequar
o ponto máximo onde existe autocorrelação melhor aos dados. Dependendo dos dados
espacial das variáveis. analisados – se apresentam tendência ou
É importante definir o patamar da curva não, se são isotrópicos ou anisotrópicos,
para analisar seu alcance. O alcance é uma se são pontuais ou em bloco, se apre-
medida importante de se obter, pois propor- sentam distâncias regulares (grid regular)
ciona a autocorrelação espacial da variável ou não –, pode-se optar por outro método
em unidades conhecidas de distância, de krigagem como melhor forma de
como metros. E se pode fazer um proxy desta interpolá-los. Em geral, a krigagem ordinária
autocorrelação espacial como sendo é a mais indicada quando os dados são
entendida por segregação espacial. Com pontuais e não apresentam tendências. Este
isto, torna-se possível encontrar um valor procedimento pode incorporar também
aproximado (e mensurável) da segregação análises de anisotropia2.
espacial de determinada variável de Por fim, deve-se observar que o méto-
estudo. Já o efeito pepita traduz o quanto do da krigagem, embora traga resultados
pequenas distâncias são parecidas ou muito bons (para mais de 100 pontos ou
diferentes. Um valor alto deste índice indica observações), requer de seus usuários
que se encontram grandes variações em maior especialização, dedicação e treina-
curtas distâncias. mento, de forma a se obter resultados

2
Para maiores detalhes sobre a krigagem, consultar Matheron (1963), Journel e Huijbregts (1978), Braga (1990), Burrough (1986),
Cressie (1993), Isaaks e Srivastava (1989), Ormsby et al . (2001), Jakob (2003a e 2003b), entre outros.

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melhores, mais significativos e, sobretudo, disponíveis, estas variáveis devem ser


precisos e confiáveis. tratadas de forma independente neste ano.
Um estudo de caso é demonstrado a Por isso foram criados mapas com dados
seguir, de forma a exemplificar o potencial interpolados de cada uma destas variáveis
da técnica da krigagem descrita nesta seção. para o Município de Santos em 1991 e
Utilizando dados dos setores censitários do 2000, em uma tentativa de se captar o
Município de Santos, para os anos de 1991 deslocamento de suas concentrações
e 2000, o estudo tem como objetivo analisar espaciais nos anos 90.
a dinâmica intra-urbana deste município. Jakob (2003a) apontou algumas ten-
dências de desconcentração espacial da
A dinâmica intra-urbana de Santos população, de periferização, e de modifi-
cação nas formas de ocupação dos es-
Por meio dos mapas interpolados é paços na Região Metropolitana da Baixada
possível analisar a mobilidade de grupos Santista. O objetivo principal do presente
sociais, pessoas e domicílios, assim como estudo de caso é tentar mostrar que estas
sua concentração espacial, dentro do tendências possuem uma expressão
Município de Santos. intramunicipal no município-sede da região
Relacionando a mobilidade populacio- e, com relação à segregação espacial de
nal com a expansão da Região Metropoli- grupos sociais, verificar se as características
tana de São Paulo (RMSP), Cunha (1994) dos espaços estão sendo modificadas ao
constatou que 90% dos migrantes na RMSP longo do tempo em conseqüência do
pertenciam a famílias nucleares, e relacio- surgimento de novas formas de ocupação
nou algumas características principais que atuantes nestes espaços, que poderiam
levariam a família a migrar, a saber: o ciclo estar ocorrendo devido a processos de
de vida familiar, sua condição socioeconô- renovação urbana, com a valorização da
mica, o tamanho da família e seu nível área e a conseqüente expulsão das famílias
socioocupacional. Resultado parecido foi menos abastadas, ou em função do ciclo
constatado por Smolka (1994, 1992a, 1992b vital familiar.
e 1992c) em estudos sobre a estruturação Com a confirmação da modificação dos
intra-urbana do Rio de Janeiro a partir da espaços, famílias nos estágios iniciais de
mobilidade residencial, que apontaram seu ciclo de vida poderiam estar em busca
como os principais fatores responsáveis de novos espaços de ocupação, enquanto
pela mobilidade intra-urbana os demo- aquelas em fase de fragmentação tende-
gráficos (associados ao ciclo de vida das riam a permanecer nos locais mais antigos
famílias), os socioeconômicos (associados e consolidados. Portanto, estas formas de
à inserção no mercado de trabalho) e os ocupação poderiam implicar o envelhe-
ambientais e culturais (associados à cimento ou rejuvenescimento de alguns
adequação ou não das vizinhanças e à locais, dependendo do tipo de ocupação
introdução de “novos modos de vida”, como, envolvido neste processo.
por exemplo, os condomínios fechados). Uma vez apontado este objetivo,
Como se sabe, o IBGE impõe limitações passemos à análise das características
à análise dos dados de setores censitários, populacionais e domiciliares dos setores
só permitindo a obtenção de informações censitários do Município de Santos.
referentes à idade, escolaridade e renda
do responsável pelo domicílio, assim como As características populacionais dos
ao domicílio propriamente dito, como seu setores censitários
tipo, localização, condição de ocupação,
número de moradores, forma de abaste- Nesta seção analiso algumas ca-
cimento de água, tipo de instalação sanitária racterísticas dos moradores dos setores
e destino do lixo. Uma vez que não se pode censitários do Município de Santos, como
fazer tabulações de dados de setores em o número de pessoas que não sabem ler
2000, posto que os microdados não estão ou escrever, a idade do responsável pelo

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domicílio e sua renda média mensal, em restringem o espaço disponível para a


salários mínimos da época. Mas antes de população. Como se confirmará mais
entrar nas análises propriamente ditas, é adiante, os bairros ao norte e oeste da zona
importante apresentar ao leitor que não dos morros são habitados por famílias com
conhece a cidade em questão algumas de menor poder aquisitivo. Os bairros Paquetá,
suas características físicas e sociode- Vila Nova e Centro são os mais antigos da
mográficas. ilha, abrigando cortiços e antigos casarões.
A partir do Mapa 3, pode-se verificar Estes bairros encontram-se agora em fase
que a orla marítima de Santos abrange os de deterioração. Os bairros situados junto à
bairros de José Menino, Gonzaga, orla marítima são habitados por famílias mais
Boqueirão, Embaré, Aparecida e Ponta da abastadas, e aqueles localizados entre as
Praia. Estes bairros fazem divisa com os áreas citadas são habitados pela classe
demais (acompanhando a linha da costa) média de Santos. Assim, são claramente
por meio das avenidas General Francisco delimitadas as áreas mais populares, as
Glicério (mais a noroeste) e Afonso Pena (a áreas mais nobres, as mais antigas e
nordeste). Os limites perpendiculares à linha aquelas intermediárias.
costeira destes bairros são os canais de Observando-se, inicialmente, a par-
drenagem de água. Também é interessante ticipação de habitantes de mais de 5 anos
destacar que a divisa de Alemoa com São de idade que não sabem ler ou escrever
Manuel e Chico de Paula corresponde à nos setores censitários de Santos, o
Via Anchieta, que termina no Saboó. Mapa 4 mostra que estes se concentravam
Percebe-se também, neste mapa, o espacialmente mais na região do bairro
espaço ocupado pelos morros da ilha, que Chico de Paula, nas encostas dos morros,

MAPA 4
Porcentagem de habitantes que não sabem ler ou escrever – Santos, 1991-2000

Fontes: IBGE, Malha digitalizada dos Setores Censitários de 2000; IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000.

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em Paquetá, Centro, Valongo e Saboó, espacialmente em setores censitários


assim como em uma faixa próxima à zona próximos aos limites municipais de São
portuária. Nota-se também a redução Vicente e Cubatão, considerados mais
gradual do analfabetismo entre 1991 e 2000. periféricos, assim como nas áreas mais
Portanto, pode-se verificar que as antigas. E que o importante peso relativo
maiores participações de analfabetos eram de analfabetos em bairros como Paquetá e
observadas em setores censitários da área Vila Nova, tidos como tradicionais, poderia
residencial mais antiga, onde são freqüen- significar uma mescla de moradores com
tes os cômodos, habitados, em geral, por melhores e piores situações financeiras,
apenas uma pessoa, como se verá mais trazendo à tona as discussões sobre a
adiante. Também eram significativas estas crescente dificuldade de se separar o centro
participações em setores próximos à zona da periferia presentes nas obras de Ribeiro
portuária, habitados principalmente por e Lago (1994), Bógus e Wanderley (1992),
antigos trabalhadores do porto, mais Rolnik, Somekh e Kowarick (1990), entre
facilmente visualizados nos bairros Estuário outros.
e Macuco no ano de 2000, assim como nos Ao se analisar, em seguida, a idade do
setores localizados na zona de morros e responsável pelo domicílio, tomou-se a
nas áreas mais populares, como era de se classificação sugerida por Cunha (1994),
esperar, destacando-se o bairro Chico de segundo a qual a idade média do casal de
Paula, considerado de expansão urbana 34 anos marcaria o final do período de
mais recente. “formação” da família; dos 35 aos 45 anos
Este mapa mostra que uma proporção teríamos a fase de “consolidação” e, a partir
significativa de analfabetos se concentrava desta idade, a fase de “fragmentação” da

MAPA 5
Porcentagem de chefes com idade até 30 anos – Santos, 1991-2000

Fontes: IBGE, Malha digitalizada dos Setores Censitários de 2000; IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000.

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família. Mas como a idade do chefe foi mostra que as famílias em início de ciclo vital
disponibilizada em grupos decenais para estavam se concentrando nas áreas mais
os setores censitários de 2000, decidiu-se periféricas do município. A queda da
desagregar um pouco mais a divisão fecundidade foi em parte responsável por
anterior. Assim, foi adotada nesta seção a essa redução, assim como uma possível
seguinte classificação dos chefes: com migração destas famílias para municípios
menos de 30 anos de idade, de 30 anos vizinhos a Santos, onde a moradia era mais
completos a 39 anos, de 40 a 69 anos, e de acessível, caracterizando uma periferização
70 anos ou mais de idade. Esta nova divisão ainda maior, no sentido de mais distante de
credita uma importância maior aos chefes sua área de origem. Esta redução da
mais jovens e aos mais idosos, os extremos participação de chefes jovens poderia
da distribuição etária da população, de que representar também uma migração para a
trataremos a seguir. área continental de Santos e para Bertioga,
O Mapa 5 localiza onde estavam mais mas, conforme apontado anteriormente, o
concentrados os chefes de domicílio com volume de população nesta zona rural de
idades entre 10 e 29 anos. Verifica-se que Santos não era representativo em termos
estes se concentravam, praticamente, nas relativos (apenas 0,5% de sua população
mesmas áreas citadas no mapa anterior, total).
referente ao analfabetismo. Nota-se, O Mapa 6 mostra que ocorreu um
também, que a participação dos chefes com envelhecimento generalizado na parte
até 30 anos de idade estava caindo insular (urbana) de Santos. As famílias em
gradualmente em todo o município. Isto fase de fragmentação, assim como as

MAPA 6
Porcentagem de chefes com idade de 70 anos ou mais – Santos, 1991-2000

Fontes: IBGE, Malha digitalizada dos Setores Censitários de 2000; IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000.

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consolidadas, aumentaram sua partici- em locais próximos ao conjunto da Cohab


pação com o correr dos anos. santista, no bairro Castelo, e mais recen-
Com relação aos chefes mais idosos, temente em locais próximos ao bairro Areia
era cada vez mais importante sua con- Branca. Na área mais nobre, a proporção
centração nos setores da orla marítima, destes chefes era mais significativa após a
especialmente no Gonzaga, Boqueirão, linha de prédios da orla marítima.
Embaré e José Menino. Assim, pode-se Enfatizando-se agora a renda média
dizer que os idosos estavam ocupando, mensal do chefe do domicílio, verifica-se,
cada vez mais, os espaços deixados pela inicialmente, que os chefes sem renda
população flutuante3 junto à orla marítima. (Mapa 7) apresentaram somente alguns
Segundo Jakob (2003a), estes turistas setores pontuais com significativa par-
estavam trocando seus imóveis de uso ticipação em 1991. Entretanto, em 2000
ocasional em Santos por outros em locais estes chefes mostraram importante
menos consolidados e, portanto, menos participação nas áreas populares, em
populosos. especial nos bairros Chico de Paula e Areia
Na área mais popular, era significativa Branca, e também próximo a Paquetá, Vila
(e crescente) a participação de chefes com Nova e o Monte Serrat, refletindo a redução
idades entre 40 e 69 anos, especialmente da participação relativa da População

MAPA 7
Porcentagem de chefes sem renda – Santos, 1991-2000

Fontes: IBGE, Malha digitalizada dos Setores Censitários de 2000; IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000.

3
Neste artigo, entende-se por população flutuante aquela formada por turistas, de veraneio, temporada ou final de semana, e que,
neste caso, possuía domicílio em Santos.

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Economicamente Ativa (PEA) ocupada na condomínio de moradias de padrão mais


indústria e no setor de construção civil elevado.
verificada por Jakob (2003a), assim como Observa-se, também, que o estrato
o aumento do número de pessoas mais abastado de Santos se localizava logo
procurando trabalho em Santos, de 2.900 após a linha de prédios da orla marítima,
em 1980 para 12 mil em 1991. Este mapa local de moradia da população flutuante, e
mostra que este número deve ter crescido que sua concentração estava crescendo
significativamente em 2000. nos anos 90. Este aumento da área de
Tratando-se agora do outro extremo da concentração da elite santista junto à orla
renda, dos chefes com renda média mensal pode representar tanto um direcionamento
de dez ou mais salários mínimos, o Mapa 8 maior de chefes com renda acima de dez
mostra onde se concentravam as elites salários para o local, quanto a “expulsão”
santistas até o ano de 2000. Verifica-se que das famílias menos abastadas da área.
na década de 1990 houve uma concen- Analisando mais especificamente a
tração maior dos chefes que ganham mais relação população/domicílios, o Mapa 9
de dez salários mínimos na área mais nobre traz a espacialização do índice de
da cidade, na orla, no Gonzaga, Boqueirão densidade domiciliar por setor censitário4.
e Ponta da Praia, mas também no morro de Este mapa mostra, nitidamente, as
Santa Terezinha, próximo ao bairro de José diferentes formas de ocupação das áreas.
Menino, onde deve ter sido construído um Nestes anos abordados, existiam mais

MAPA 8
Pocentagem de chefes com renda de 10 ou mais salários mínimos – Santos, 1991-2000

Fontes: IBGE, Malha digitalizada dos Setores Censitários de 2000; IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000.

4
Este índice se refere à população residente dividida pelo número de domicílios, resultando em um número médio de habitantes
por domicílio.

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Jakob, A.A.E. A dinâmica intra-urbana do Município de Santos vista sob o prisma dos censos demográficos...

pessoas nos domicílios nas áreas mais como o aumento do número de domicílios
populares e menos na faixa da orla. Esta fechados (de 730 para 1.090), resultando
densidade menor era ainda mais evidente em um aumento de seu peso relativo
na orla de Embaré em 1991, e de Gonzaga conjunto (de 8,8% para 10,6% do total de
e Boqueirão mais recentemente, áreas que domicílios do município), poderiam ter
concentravam as maiores proporções de originado este menor índice de densidade
idosos, como se verificou com o Mapa 6. domiciliar para o ano de 2000 na faixa da
Assim, pode-se deduzir que estes locais orla marítima.
concentravam um maior peso relativo de Este crescimento dos domicílios vagos
idosos morando sozinhos. e fechados poderia significar um maior
Outra possível explicação para esta “abandono” dos domicílios por parte da
menor densidade domiciliar na faixa da orla, população flutuante, que estaria se dirigindo
além do ciclo vital familiar, ou seja, da maior para novos espaços de veraneio, conforme
proporção de famílias já fragmentadas, seria comentado anteriormente. O mais provável
uma participação maior de domicílios de é que isto estivesse acontecendo de forma
uso ocasional. Mas, segundo os Censos conjunta com o aumento de idosos nestas
Demográficos de 1991 e 2000, o número áreas, confirmando a hipótese de que os
destes domicílios caiu no período (de 21.600 idosos e aposentados estariam ocupando
para 20.816). Uma possibilidade mais os espaços deixados pela população
concreta seria a de que o aumento do flutuante.
número de domicílios vagos (de quase 13 A próxima seção analisa mais es-
mil para perto de 17 mil no período), assim pecificamente as características dos

MAPA 9
Densidade domiciliar – Santos, 1991-2000

Fontes: IBGE, Malha digitalizada dos Setores Censitários de 2000; IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000.

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Jakob, A.A.E. A dinâminca intra-urbana do Município de Santos vista sob o prisma dos censos demográficos...

domicílios da população residente nos alguns pontos isolados. Com relação aos
setores censitários urbanos de Santos em domicílios do tipo cômodo e casa, Jakob
1991 e 2000. (2003a) aponta a concentração de
cômodos na área do Paquetá, Vila Nova e
As características domiciliares dos do antigo Centro da cidade, a área mais
setores censitários antiga da ilha, e a presença mais marcante
de casas nos morros, na porção oeste da
O objetivo desta seção é verificar a ilha e em faixas próximas à zona portuária.
evolução das condições de moradia da Estas diferentes concentrações espa-
população residente nos diferentes setores ciais dos tipos de domicílio não se
censitários de Santos e mostrar, visual- modificaram de forma significativa no
mente, que as piores condições estão decorrer da década de 1990, assim como
situadas nos morros e na periferia do se manteve a delimitação das áreas
município, confirmando claramente vetores populares, nobres e antigas. A condição de
que extrapolam os limites municipais. ocupação dos domicílios também condizia
O Mapa 10 é o resultado da espacia- com a classificação apontada anterior-
lização da variável “domicílio do tipo mente, como pode ser observado a partir
apartamento”. Ele mostra nitidamente a do Mapa 11.
existência de uma concentração espacial Uma vez que a concentração maior de
diferenciada quanto a esta característica, domicílios próprios está situada na parte
mais significativa na faixa da orla marítima mais clara do Mapa 11, nota-se que sua
e na sua parte mais contígua, além de localização é mais expressiva na área mais

MAPA 10
Porcentagem de domicílios do tipo apartamento – Santos, 1991-2000

Fontes: IBGE, Malha digitalizada dos Setores Censitários de 2000; IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000.

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popular, mas também é significativa na área parte mais nobre, o maior poder aquisitivo
mais nobre. A participação dos domicílios de seus moradores permitia que com-
alugados manteve-se concentrada no prassem seus imóveis.
Paquetá, Vila Nova e Centro (Mapa 11). Jakob (2003a) denota que os domicílios
A condição de ocupação do imóvel na condição de ocupação “cedida” se
remete a uma reflexão sobre suas formas concentravam cada vez mais no Centro e
de ocupação. Na área popular, ou periférica, nas encostas dos morros, nos bairros São
o imóvel próprio é mais acessível aos Jorge e Caneleira. No ano de 1991 havia
estratos de renda mais baixa da população uma participação deste tipo de ocupação
e a autoconstrução é mais significativa. também na orla marítima, reduzida signi-
Cabe notar que, nestes locais, a pessoa por ficativamente em 2000, em prol de áreas
vezes se julga proprietária do terreno mas mais próximas à zona portuária, como o
pode não sê-lo, ou seja, pode haver aí uma Estuário e o Macuco. Estes dados, aliados
sobreestimação dos domicílios próprios. à queda significativa das taxas de
O imóvel alugado é geralmente crescimento dos domicílios vagos e de uso
ocupado por pessoas com uma situação ocasional em Santos no período 1991-
financeira um pouco melhor, que podem 2000, demonstram a maior procura por
arcar com o custo do aluguel – em geral, domicílios no município, em especial pelos
dos cômodos da área mais antiga, como situados perto da orla.
visto no Mapa 11. Estes domicílios da área Com relação ao número de moradores
mais antiga eram, freqüentemente, cômodos no domicílio, que pode ser obtido a partir
alugados por apenas uma pessoa. Já na do Mapa 9, a concentração de domicílios

MAPA 11
Porcentagem de domicílios alugados – Santos, 1991-2000

Fontes: IBGE, Malha digitalizada dos Setores Censitários de 2000; IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000.

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Jakob, A.A.E. A dinâminca intra-urbana do Município de Santos vista sob o prisma dos censos demográficos...

unipessoais era mais evidenciada na orla participação dos domicílios com um número
marítima, assim como em áreas próximas a maior de moradores estivesse se reduzindo
Paquetá, mais recentemente. Houve um nestes setores, fazendo com que o peso
aumento desta concentração espacial relativo dos domicílios unipessoais aumen-
durante a década de 1990. tasse de forma significativa.
A maior concentração de domicílios Com relação ao tipo de instalação
unipessoais na orla marítima em 2000 sanitária, que pode ajudar a detectar áreas
representava o maior peso relativo dos de ocupação mais recente (áreas de
idosos e aposentados nestas áreas, em expansão), verifica-se, a partir do Mapa 12,
geral morando sozinhos, conforme o que a participação dos domicílios sem rede
verificado anteriormente. Poderia também geral de esgoto ou fossa séptica, no ano
significar uma maior participação dos 2000, era mais concentrada no bairro Chico
domicílios de uso ocasional, sendo que os de Paula, assim como em uma área entre o
proprietários destes domicílios poderiam rio Casqueiro e a Vila Industrial, na saída
estar deixando algum empregado para para a Via Anchieta, nos limites de Santos
residir e tomar conta de seus imóveis de com Cubatão, áreas consideradas como de
temporada. Contudo, esta hipótese parece expansão neste ano.
pouco provável, tendo em vista que estas Tratando-se agora do abastecimento de
residências de uso ocasional reduziram seu água e do destino do lixo, os dados para o
número nos anos 90, apresentando, ao final ano de 2000 mostraram um abastecimento
do período, uma taxa de crescimento anual de perto de 100% para todas as áreas, assim
negativa. Talvez o mais provável é que a como a quase universalidade da coleta de

MAPA 12
Porcentagem de domicílios sem rede geral de esgoto ou fossa séptica – Santos, 1991-2000

Fontes: IBGE, Malha digitalizada dos Setores Censitários de 2000; IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000.

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Jakob, A.A.E. A dinâmica intra-urbana do Município de Santos vista sob o prisma dos censos demográficos...

lixo. As áreas sem estes serviços em 1991 maior participação de apartamentos, so-
situavam-se nos morros e em suas bretudo próprios. Era também importante a
encostas. participação dos domicílios unipessoais,
Portanto, com relação aos domicílios, principalmente na praia do Boqueirão e do
os mapas descritos confirmaram a divisão Embaré, e de famílias nucleares, com até
das áreas nobres, populares e antigas, quatro pessoas, nos demais pontos da orla.
segundo o detalhamento realizado ante- A faixa costeira no bairro Embaré se
riormente. As áreas nobres possuíam uma destacava do resto da área mais nobre por
concentração maior de apartamentos, em ter chefes idosos e grande participação de
geral próprios, com até quatro moradores, domicílios unipessoais, mas com renda em
sendo que, quanto mais perto da orla, maior geral menor, e menor participação de
o peso relativo de famílias menores, domicílios próprios. Assim, sua forma de
indicando que na orla se localizavam ocupação deve ter sido diferenciada dos
famílias em fragmentação, com grande demais bairros da orla.
participação de idosos. Os setores situados a oeste da linha
Nas áreas mais populares foi obser- dos morros, a uma distância de até três ou
vada uma concentração maior de casas, quatro quilômetros destes, e também os
próprias, e de famílias nucleares. Nos locais situados a uma distância de cerca de um
de expansão mais recente, identificados a quilômetro da zona portuária, a faixa
partir dos mapas de adequação da insta- costeira ao norte, nordeste e leste da ilha,
lação sanitária, existia, em geral, uma eram as áreas mais populares, com maior
proporção maior de casas próprias com um participação de casas próprias, com mais
número maior de pessoas no domicílio. moradores, maior índice de analfabetismo,
Nestas áreas mais populares detectou-se com chefes em geral mais jovens (com
um importante peso relativo de famílias em menos de 50 anos), menor poder aquisitivo,
fase de consolidação, ou já consolidadas. e piores índices de serviços de infra-
Já nos bairros mais antigos verificou-se um estrutura pública, embora estes últimos
maior peso relativo de cômodos servindo tenham apresentado melhorias signifi-
como moradia para apenas um morador e, cativas em 2000.
em geral, alugados. Esta característica pode Já os setores próximos ao Centro de
ser observada também em outras cidades, Santos, no nordeste da ilha, área de ocupa-
não se tratando, portanto, de uma especi- ção mais antiga, apresentaram as maiores
ficidade do Município de Santos. concentrações de cômodos, domicílios
Também a partir dos mapas apresen- cedidos, alugados e unipessoais (embora
tados, pode-se observar que ocorria uma tenham apresentado, em 1991, famílias
movimentação das concentrações espa- maiores), significativos índices de analfabe-
ciais destas variáveis que fazem parte das tismo e chefes com idades até 40 ou 50
condições de moradia da população, anos, sem renda ou ganhando até um
porém na mesma direção em que se vinham salário mínimo.
movimentando, o que indica a configuração Portanto, verificou-se a existência des-
de um vetor de expansão, que transpõe os tes três tipos de áreas na cidade de Santos,
limites do município. uma nobre e duas populares, com limites
precisos. Entre elas, um espaço de classe
Considerações finais média, habitado por chefes com renda entre
5 e 10 salários mínimos, com idades entre
Em suma, pode-se dizer que os mapas 40 e 69 anos (famílias já consolidadas e em
apresentados neste trabalho confirmaram fase de fragmentação), famílias nucleares, e
a tendência de segregação socioespacial em geral com apartamentos próprios.
da população. As áreas situadas a até dois Dentre outros aspectos, observou-se
quilômetros da orla marítima em geral eram também, neste artigo, a relação centro-peri-
as mais nobres, ocupadas por chefes com feria, sendo a periferia de Santos definida
maior poder aquisitivo, mais idosos, e com como a área mais popular; a “decadência”

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Jakob, A.A.E. A dinâminca intra-urbana do Município de Santos vista sob o prisma dos censos demográficos...

e deterioração do Centro antigo e o surgi- importante quanto a análise da dinâmica


mento de “centros” alternativos, como o intra-urbana do Município de Santos foi a
localizado no Gonzaga; a verticalização das apresentação desta nova metodologia de
moradias; o deslocamento espacial dos análise, baseada na concentração espacial
grupos sociais; a segregação espacial, no de certos atributos da população e de seus
sentido de concentração espacial de grupos domicílios. A técnica de krigagem dos dados
sociais. Todos estes processos socioespa- mostrou-se bem adequada aos objetivos
ciais fazem parte das análises intra-urbanas propostos, haja vista que no período 1991-
de Villaça (1998). 2000, de apenas nove anos, importantes
Assim, se o município-sede da região deslocamentos de concentrações espaciais
se consolida, na forma de uma cidade mais foram visualizados em praticamente todos
evoluída, mais desenvolvida, com funções os mapas elaborados.
urbanas mais complexas que seus vizinhos, Dada a limitação de espaço de um
os processos socioespaciais que ocorriam artigo científico, optou-se por não entrar em
neste município antes de ele se consolidar detalhes mais específicos sobre a criação
são gradualmente deslocados para seus destes mapas, como, por exemplo, a
vizinhos mais próximos, e assim por diante, apresentação dos variogramas que deram
ocasionando a expansão urbana da região. origem às interpolações, o modo como
A análise aqui apresentada mostra foram tratadas as informações censitárias,
como os processos são complexos e têm a detecção de anisotropias, cálculos de
suas expressões localizadas, que acabam parâmetros do modelo etc. Mas estes
sendo esclarecidas por meio da análise passos podem ser mais estudados e
municipal. Portanto, para se entender melhor entendidos mediante uma busca mais
os processos envolvidos em uma análise detalhada na literatura. Preferiu-se, aqui,
regional, muitas vezes é necessário uma enfatizar as análises que podem ser feitas
análise intra-urbana que permita detectar o com o emprego destas técnicas de
que tem ocasionado estes processos mais estatística espacial, por meio de um estudo
amplos e ajude a simplificá-los. de caso.
O trabalho procurou mostrar, também, Por fim, espera-se que este trabalho
que importantes análises intra-urbanas possa servir como inspiração para que
podem ser realizadas sem nenhuma tabela outros autores utilizem os dados de seus
sendo apresentada, somente a partir de locais de estudo e descubram novas
mapas de variáveis interpoladas. Tão aplicações para as técnicas apresentadas.

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Jakob, A.A.E. A dinâminca intra-urbana do Município de Santos vista sob o prisma dos censos demográficos...

Abstract

The intra-urban dynamic of the municipality of Santos from the viewpoint of the demographic
censuses of 1991 and 2000

This article has two main goals. The first is to show the most important advances and
limitations of the Demographic Census of 2000 for persons working with intra-urban analysis,
especially those concerned with access to information at the local and intra-municipal levels,
and to promote a method of data analysis that minimizes these limitations. For this purpose, a
case study was carried out on the Municipality of Santos, located on the Atlantic coast of the
State of São Paulo, using a data interpolation procedure known as kriging. The second goal is
to analyze the intra-urban dynamic of Santos in the 1990s, as a possible application of the
procedures discussed.

Key words: Intra-urban dynamics. Residential mobility. Population mobility.

Recebido para publicação em 17/9/2003.


Aceito para publicação em 1/2/2004.

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