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Apresentação

Pátinas do patrimônio mundial: uma metáfora a ser compreendida

“A pátina é um termo denominado por outros de pele ou crosta


que cria aquele genérico tom escuro que o tempo faz aparecer
em pinturas ou em ruínas de ontem e hoje.
Ajuda na conservação e dá sua aura de bem vivido (...)”
(Filippo Baldinucci, 1681)

Para escrever um livro dessa natureza, no cenário em que vive o país desde 2019,
necessita-se doses redobradas de três atributos: ousadia, clareza do papel social e político que a
universidade pública ocupa e, principalmente, crença de que são eventos como os que deram
origem a este livro que ajudam a dar mais força ao caldo de resistência que vivemos nesse
momento. A história desse livro nasce do desejo de realizar um Congresso Internacional que
abordasse a gestão dos patrimônios mundiais, mais especificamente àqueles urbanos, com
ênfase especial naqueles situados no Brasil devido, primeiramente, a existência significativa
destes em nosso país e a necessidade de realizarmos esse debate em um momento no qual
vivenciamos um cenário de desmontes institucionais e silenciamentos culturais que ameaçam a
própria preservação responsável e adequada destes patrimônios.
Além de contarmos com a colaboração de profissionais estrangeiros e de pesquisas sobre
os patrimônios mundiais em outros continentes, objetivamos aclarar o estado da arte da
preservação dos patrimônios mundiais brasileiros chancelados até o presente momento,
buscando responder às demandas que vem se avolumando nos últimos anos, fruto de uma
conscientização mais responsável por parte dos diversos atores preservacionistas, bem como da
necessidade de se compreender melhor as dinâmicas, discursos e práticas de salvaguarda desses
patrimônios, sobretudo diante das ameaças cada vez mais presentes que rondam sua
manutenção, conservação e preservação. Buscamos, sobretudo, potencializar a troca de
experiências sobre a gestão do patrimônio mundial alocado em território brasileiro e experiências
similares em âmbito internacional, enfatizando a compreensão dos processos de sua salvaguarda
e difusão dos patrimônios.
A ampliação da abordagem referente aos patrimônios culturais e aos temas correlatos a
esses que caracterizou o debate e as deliberações internacionais principalmente a partir da
década de 1970, com a formulação e consolidação das noções de patrimônio imaterial, patrimônio
mundial e patrimônio da humanidade rompeu os limites anteriores da preservação do patrimônio
cultural; ampliação esta fruto do desenvolvimento das relações internacionais referentes ao citado
campo de atuação. Em termos bastante genéricos, o conceito de patrimônio mundial ou
ainda patrimônio da humanidade (o primeiro utilizado com mais frequência para chancelar o
patrimônio material e o segundo para distinguir a imaterialidade) tem ganhado relevância, e
enfrentado embates e debates nas últimas décadas.
O patrimônio é o legado que sobrevive e se consolida desde o passado e que é vivenciado
pela nossa e futuras gerações. É nossa pedra de toque, nosso ponto de referência, aquilo que nos
identifica. Desde o início procurou se enfatizar o caráter excepcional do conceito de Patrimônio
Mundial através da universalidade da sua aplicação. Os sítios do Patrimônio Mundial pertencem a
todos os povos do mundo e os países reconhecem que os sítios localizados em seu território
nacional e inscritos na Lista do Patrimônio Mundial, sem prejuízo da soberania ou da propriedade
nacionais, constituem um patrimônio universal "cuja proteção a comunidade internacional inteira
tem o dever de cooperar" (UNESCO, 2020). Para tanto, compreende-se um patrimônio mundial a
partir de uma definição bastante alargada. Pode ser uma região ou área que vem a ser
consideradas de fundamental importância para a humanidade, ou uma única edificação, ou ainda
o conjunto arquitetônico delimitado em uma cidade, vila ou região. Também podem fazer parte
dessa lista, identificadas como Patrimônios da Humanidade, manifestações, rituais e práticas de
algumas comunidades ou povos, reconhecidas pela sua importância e/ou singularidade cultural e
histórica, proporcionando, a tais bens a possibilidade da salvaguarda.
O patrimônio pode ser o elo para a manutenção de um direito inalienável humano: o direito
à herança e à manutenção de sua ancestralidade. A capacidade de acesso, desfrute e cuidado do
patrimônio é essencial para que se crie uma cultura daquilo que o vencedor do prêmio Nobel de
Economia de 1998, Amartya Sen, chamou de “capacidade dos indivíduos de viver e de ser o que
escolherem”. (SEN, 2020, 176) A recepção e conservação da diversidade do patrimônio, um
acesso justo e o seu efetivo compartilhamento reforçam e, mesmo, ampliam a sensação de lugar
e pertença, respeito mútuo pelos outros e um senso de propósito e capacidade de manter um bem
comum, elementos que contribuem para a coesão social de uma comunidade, bem como a
liberdade individual e coletiva de escolha e ação. Mas, além de seu valor inerente para as gerações
presentes e futuras, o patrimônio pode significar também uma contribuição instrumental importante
para o bem viver dessas comunidades. E no processo de construção e consolidação do
patrimônio, a pátina do tempo assume um caráter fundamental não só no que se refere à
constituição do mesmo, mas também, podemos acrescentar, na diferenciação dos patrimônios
entre si.
A pátina, efeito deixado pela ação do tempo nas superfícies exteriores dos elementos
arquitetônicos e, por extensão, nas próprias práticas sociais é um elemento fundamental na
percepção do valor de singularização desse patrimônio. Do ponto de vista genérico é,
frequentemente, associada ao envelhecimento, e não raras vezes ao decaimento. Este livro
apresenta uma dimensão positiva da pátina: a percepção de que o patrimônio mundial que
vivenciou camadas dessa ação do tempo precisa ser pensado como um fruto dessa sobreposição
de vivências. Por isso, pátina como um valor positivo. Em função da capacidade de regeneração
da pátina, é imprescindível que as ações de preservação do patrimônio mundial a considerem,
buscando abarca-la como parte inerente de sua identidade. (ZANCHETTI, et al, 2006, 03)
O conceito de pátina é relativamente novo. O primeiro registro data de 1681, no dicionário
de Filippo Baldinucci: Vocabolario toscano dell'arte del disegno. Do significado original, referente
a uma determinada ação que ocorre em certo objeto, a pátina evoluiu como um conceito físico-
químico para designar a oxidação das tintas pela ação do tempo. (BALDINUCCI, Apud WEIL, 1996)
Desse modo, a pátina passa a expressar duas noções: uma que se refere à ação do tempo sobre
o objeto e outra que diz respeito ao resultado dessa ação no objeto, isto é, a pátina aparece tanto
como a causa, quanto como o efeito. A partir de fins do século XVIII, com a constituição sistemática
de um pensamento preservacionista, a pátina vai assumir lugar de destaque com a valorização,
por Ruskin, daquilo que ele denomina de “pátina do tempo”, elemento fundamental para a sua
própria diferenciação em patrimônio. Elemento que deve ser respeitado e valorizado na
preservação pois afirma a sua antiguidade, originalidade, excepcionalidade próprias. A chave
mestra para se entender a patina é o tempo; ela só existe com a sua passagem. De acordo com
a constatação de que a pátina é um processo dinâmico, pois, ao ser retirada, ela se regenera,
torna-se essencial considerar que o apagamento dos vestígios deixados pela ação do homem e
da natureza ao longo dos anos é a forma mais direta de deterioração do passado. A pátina deve
ser considerada para que os patrimônios mundiais não percam sua historicidade e sua principal
característica: ser o grande depositário das realizações humanas no lastro da história. Portanto,
pensamos as Pátinas do patrimônio mundial: suas ações, alertas e riscos sustentadas por essas
balizas, como uma metáfora a ser compreendida.
Com a apropriação do patrimônio cultural para fins comerciais e políticos dentro das
economias de todas as partes do globo, a conservação do patrimônio agora desempenha um papel
importante na diplomacia cultural, elevando seu status de mera estratégia diplomática de relações
de boa vizinhança a uma elaborada tática de soft power em diferentes países ao redor do globo.
Recentemente, organismos internacionais passaram a enxergar o patrimônio de forma mais
ampla, tomando-os como parte dos discursos e agendas que compõem a governança global
contemporânea. Quer se trate de relacioná-lo à ideia de sustentabilidade, à luta contra o
extremismo, ou políticas em torno do acesso à cidadania e à tradição, o patrimônio cultural passou
a ter visibilidade muito maior e participação relevante, havendo um avanço na presença de
organismos de preservação nas mesas de negociação das políticas internacionais como jamais
visto antes. (CHRISTOFOLETTI, 2017, 19) O patrimônio cultural é um dos elementos cativos
dessa nova agenda internacional, e uma observação atenta ao novo mapa geopolítico mundial, e
mesmo à cartografia dos patrimônios mundiais ajuda a consolidar essa percepção, o que não
impede uma leitura crítica de tal cartografia.
Em 2020, dos atuais 1121 patrimônios mundiais existentes em 167 países1, 21 estão no
Brasil, e desse montante quatro se encontram no estado de Minas Gerais: o Centro Histórico de
Ouro Preto; o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas; o Centro Histórico de
Diamantina e o Conjunto arquitetônico modernista da Pampulha, em Belo Horizonte). Até o
presente, poucos estudos sistematizaram critérios de comparação e cooperação entre os
patrimônios mundiais alocados no estado de Minas Gerais. O grupo de pesquisa Patrimônio e
Relações Internacionais vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico do Brasil - CNPq foi criado com a intenção de compreender o intercambio das
dinâmicas dos diversos atores de preservação do patrimônio, nacional/mundial e apresenta nesse
livro parte de suas mais recentes indagações as quais vão se somar aquelas desenvolvidas pelo
grupo de pesquisa e extensão Laboratório de Patrimônios Culturais (LAPA) acerca das diversas
dimensões e abordagens referentes aos patrimônios e sua preservação.
Após a experiência bem sucedida de visitas técnicas ao Centro de Investigação
Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória» da Faculdade de Letras da Universidade do Porto,
Portugal - CITCEM – FLUP, em finais de 2018, quando parte do grupo de pesquisa Patrimônio e
Relaçoes Internacioanis foi contemplado pelo edital Circula Minas, da Secretaria de Cultura do
Estado de Minas Gerais, a realização do I Congresso Internacional Gestão dos Patrimônios da
Humanidade/ I Simpósio Internacional Patrimônio da Humanidade Mieniros no Contexto
Internacional, (contrapartida do edital), realizada pelos dois grupos em parceria como ICOMOS-
Brasil colocou a cidade de Juiz de Fora no mapa internacional dos eventos acadêmicos dessa
natureza. Parte das apresentações do congresso dão corpo a este livro, alimentado pelas
discussões mais críticas registradas em suas mesas redondas, conferências e debates públicos.
Este encontro buscou potencializar a troca de experiências sobre a gestão do patrimônio mundial,
com enfase naquele alocado em território brasileiro relacionando-o com experiências similares em
âmbito internacional, enfatizando a compreensão dos processos de sua salvaguarda e difusão.

1 Esse quantitativo cresce a cada ano.A 44ª sessão do World Heritage Committee – UNESCO acontecerá em Fuzhou,
China em julho de 2020, se a política de isolamento social da Organização Mundial da Saúde devido à pandemia de
COVID-19 tiver se encerrado até esta data. É nas sessões do comitê que se definem novas diretrizes e se chancelam
os novos patrimônios mundiais.
Difundir e salvaguardar é um binônio partipriss. Por este motivo, compreende-se que o
universo do patrimônio mundial/patrimônio da humanidade tem crescido a cada ano e embora
percebamos a ampliação das discussões sobre o patrimônio cultural, em alguns espaços
acadêmicos, políticas de preservação e da chamada “diplomacia pelo patrimônio” ainda padecem
de pouca profundidade, o que reflete na sensível desproporcionalidade, no que concerne as
relações internacionais geradas e/ou provocadas por estes patrimônios, entre os estudos do
chamado hard power, em detrimento de temas considerados de ‘poder brando’.
(CHRISTOFOLETTI, 2017, 18)
As aproximações entre preservação, diplomacia e patrimônio, ramificaram-se em temas
como a repatriação de obras de arte e bens culturais; a nefasta onda de destruição de patrimônios
patrocinada por grupos étnicos radicais ao redor do mundo; a presença, cada vez mais incisiva,
de pesquisas relacionadas aos chamados patrimônios imateriais; assim como a intensificação dos
estudos comparativos entre Estados nacionais com representação na UNESCO; com foco
relevante para as leituras decolonias e os critérios de seleção, recepção, adesão e salvaguarda e
consequentemente novas formulações de políticas internacionais concernentes aos patrimônios
culturais e aos museus, além de outros temas.
Como já ressaltado anteriormente, apesar da ênfase no patrimônio mundial localizado em
solo brasileiro, este livro abrange também estudos em patrimônios considerados "estrangeiros" e
até mesmo estudos realizados por pesquisadores brasileiros sobre bens culturais de outros
países; potencializando, assim, a correlação entre o local e o global. Diante desta abordagem, a
organização deste livro apresenta um panorama do que existe de mais atual sobre a temática e
aborda questões recentes no âmbito do patrimônio, atentando para suas possíveis relações com
as questões internacionais e o chamado soft power. (NYE, 2004)
Paralelamente a própria divulgação feita pela UNESCO dos diversos patrimônios
chancelados e legitimados pelo órgão, tem crescido de maneira também exponencial uma crítica
sobre aquilo que alguns especialistas chamam de “privilégio setorial” de alguns patrimônios, em
detrimento de outros que , consequentemente, não estão listados. É fato que patrimônios que
podemos considerar como mundiais, que apresentam uma singularidade que os distingue e que
contribuem decisivamente para a humanidade não são apenas os delimitados pelas listas de um
organismo multilateral como a UNESCO. Há de se compreender o tom imperativo dessa
afirmação. Patrimônio é tudo aquilo que seus viventes elegem como significativo. Este livro não é
indiferente à essa setorização das chancelas dos chamados valores universais, que dão
substância aos patrimônios mundiais: somos atentos à essa natureza complexa e contraditória
dos patrimônios e seus gestores. Por este motivo não emula propaganda ingênua sobre a
panaceia representada pela UNESCO. No entanto, se por um lado, somos críticos de uma
abordagem cada vez menos capilarizada e entusiastas de uma expansão da cartografia das
representações no mapa dos patrimônios presentes nas listas de patrimônios mundiais, por outro
lado, compreendemos o papel essencial desempenhado pela entidade, que nas últimas décadas
alargou sua presença em regiões do globo onde antes o acrônimo UNESCO nada representava.
Para se ter a dimensão da abrangência dos patrimônios mundiais/patrimônios da
humanidade chancelados e financiados pela UNESCO há, atualmente cerca de duas dezenas de
diferentes plataformas de projetos e programas de preservação dos patrimônios mundiais sendo
financiadas pela instituição. Uma rápida visita ao seu website evidencia a pluralidade de ações
levadas a cabo. Exemplo significativo da junção entre o setor público e privado é a plataforma
Marketplace, espaço criado para aproximar doadores/patrocinadores e projetos, onde os doadores
do Patrimônio Mundial encontrarão uma ampla variedade de projetos interessantes e inovadores
para financiar. Ao financiar um ou mais projetos nesta plataforma, o doador capacita indivíduos e
comunidades em todo o mundo que trabalham para garantir que os patrimônios mundiais sejam
protegidos. Esta é uma resposta às diretas perdas financeiras ocasionadas pela desistência dos
Estados Unidos e Israel de participarem do comitê da entidade, ocorrida em princípios de 2019. 2
De forma pouco usual em muitas décadas a UNESCO passou a lançar mão de estratégias de
incorporação de receitas, antes realizadas de maneira menos explícita. Neste novo cenário, dentre
diversas ações, destaca-se o estreitamento entre os doadores físicos ou jurídicos da instituição e
as plataformas de projetos de preservação do patrimônio mundial.
Em um cenário de pluralidade de opiniões, de disputas de hegemonias e de sobreposições
de memórias nos perguntamos: como podemos repensar a herança e a tradição? Como a
preservação, conservação, promoção e sobrevivência digna do patrimônio podem conviver com
os desafios do futuro sem desrespeitar a ancestralidade? Urbanização, mudança climática3,

2 A decisão de deixar a instituição foi anunciada em 2017, mas ganha efeito concreto a partir de 1º de janeiro de
2019. Os governos dos dois países justificaram a decisão citando o que alegam ser um viés contrário a Israel e suas
políticas adotado pela organização. Na ocasião do anúncio, o governo dos Estados Unidos divulgou comunicado
mencionando o que chamou de “viés contínuo anti-israelense da UNESCO” e a “necessidade de reformas na
Instituição”. No comunicado, a administração Trump disse que continuaria acompanhando os trabalhos do órgão, mas
na condição de observador não membro. Logo após a notícia, a então diretora-geral da Unesco, Irina Bokova,
lamentou a decisão. “No momento em que a luta contra o extremismo violento exige um renovado investimento na
educação, no diálogo entre as culturas para evitar o ódio, é profundamente lamentável que os Estados Unidos se
retirem da agência das Nações Unidas que lidera essas questões”, disse, em comunicado oficial. A controvérsia entre
as duas nações e a instituição vem desde o início da década. Em 2011, a Unesco reconheceu a Palestina como
Estado independente. Naquele ano, os Estados Unidos pararam de repassar as cotas como Estado-membro. Desde
então, o país está na condição de integrante da UNESCO, mas sem exercício de voto por não contribuir
financeiramente com a instituição.
3 A rede global do Patrimônio Mundial também ajuda a aumentar a conscientização sobre os impactos das mudanças

climáticas nas sociedades humanas e na diversidade cultural, na biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos e no
patrimônio natural e cultural do mundo. Por esses motivos o projeto: Mudança climática e patrimônio mundial, busca
desigualdade global, como coadunar as políticas de transformação do uso de nosso planeta diante
dessa frenética transformação? Alguns dos projetos em desenvolvimento merecem destaque
especial por operarem em diferentes frentes na gramatura da preservação: educação; gestão;
novas tecnologias; sustentabilidade; influência de novos stakeholders; aprimoramento das bases
de criação das listas para o patrimônio mundial; meio ambiente e catástrofes ambientais; conflitos
armados e atuação de atores preservacionistas tanto nas zonas de paz, como em conflito, e
mesmo de perigo iminente; são alguns dos setores de ação da UNESCO, ampliando os espaços
de atuação, bem como os interlocutores diretos de seus programas e projetos. 4 Se por um lado,
a imaterialidade tem cada vez mais sido compreendida, analisada e aprofundada, por meio das
ações de preservação do spiritu loci, a materialidade consubstanciada continua sendo o mote de
maior visibilidade por parte dos programas de preservação patrocinados pela UNESCO. Para
facilitar a implementação, a Conferência Geral recomendou que os Estados Membros adotassem
medidas apropriadas para adaptar esse novo instrumento a seus contextos específicos.

dinamizar a equação da preservação por meio de ações conjuntas focadas na direção das mudanças climáticas que
tanto afetam o planeta. WHC.UNESCO, 2020.
4 Destaca-se os seguintes projetos: a) Kit de Recursos Educacionais 'Patrimônio Mundial em Mãos Jovens'. Com o

mote: “saber, valorizar e agir”, este projeto patrocina a ideia de que a educação é a chave para a realização pessoal,
desenvolvimento, conservação, paz e bem-estar; b) Engajando a Juventude no Patrimônio Mundial: Desenvolvendo
orientações políticas e boas práticas para os Estados Partes e os Stekholders Interessadas do Patrimônio Mundial
reafirma a ideia de que a identidade, o respeito mútuo, o diálogo e a diversidade são os pilares de uma interação
positiva entre as culturas do mundo ; c) Construindo uma rede global sustentável de gerentes de sites do patrimônio
mundial, a partir do qual se estabelece links e canais de comunicação entre os gerentes dos sítios do Patrimônio
Mundial em todo o mundo, fornecendo uma plataforma de mídia social para compartilhar conhecimento no campo do
Patrimônio Mundial; d) Aprimorando a credibilidade da Lista do Patrimônio Mundial: Boas Práticas da Lista Tentativa:
cujo mote essencial é a compreensão de que as Listas provisórias são inventários locais que fazem parte do
patrimônio cultural e natural de um Estado Parte, que têm um forte potencial para serem inscritos na Lista do
Patrimônio Mundial; e) Elevando a percepção da Lista do Patrimônio Mundial em Perigo. A listagem de uma
propriedade como Patrimônio Mundial em Perigo permite que a comunidade de conservação responda às
necessidades específicas de preservação de maneira eficiente; f) A criação de uma Política de Patrimônio Mundial e
Desenvolvimento Sustentável é a concretização de um guia e uma coleção de boas práticas para apoiar o
desenvolvimento de políticas nacionais, programas e gestão sustentável das propriedades do Patrimônio Mundial; g)
Desenvolvimento de aplicativos móveis oficiais do patrimônio mundial da UNESCO, que busca incentivar a
identificação, proteção, preservação e conservação do patrimônio cultural e natural em todo o mundo; h) o mesmo se
dá com o projeto: Desenvolvimento de uma ferramenta on-line para o Compêndio de Políticas do Patrimônio Mundial
(2015-2020). A proposta atual é de atividades adicionais relacionadas ao desenvolvimento de um compêndio de
políticas do patrimônio mundial on-line, que garanta que o compêndio seja uma ferramenta fácil de usar e de fácil
acesso e alcance; i) Série de Cartum de Aventuras do Patrimônio Mundial. A série de desenhos animados Patrimonito,
Aventura do Patrimônio Mundial, é uma atividade emblemática realizada no Programa de Educação para o Patrimônio
Mundial desde 2002. Até o momento, 13 episódios da Patrimonito's World Heritage Adventure foram produzidos; j) As
Avaliações de Impacto do Patrimônio nas propriedades do patrimônio mundial: ferramentas de banco de dados e
orientação fazem parte de mais um projeto de fôlego financiado pela UNESCO; h) Melhorando a eficácia do processo
de monitoramento reativo do patrimônio mundial cujo objetivo é fortalecer a implementação da Convenção do
Patrimônio Mundial, melhorando a eficácia e o entendimento de seu processo de Monitoramento Reativo, incluindo
os benefícios da inscrição de propriedades na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo; i) Orientação Geral sobre
Propriedades de interesse religioso e sua Gestão sustentável; j) Programa do Patrimônio Moderno; k) Patrimônio
Mundial e Povos Indígenas; l) Programa de Patrimônio Mundial e Turismo Sustentável; m) Programa Cidades do
Patrimônio Mundial; n) Programa Florestal do Patrimônio Mundial e o) Mudança climática e patrimônio mundial. Todos
esses projetos/programas buscam dinamizar a equação da preservação por meio de ações conjuntas.
WHC.UNESCO, 2020.
Como se percebe o raio de atuação da UNESCO diante das demandas da preservação
do patrimônio mundial abrange diversificados espaços e mobiliza uma pluralidade de ações que
cresce a cada ano, tornando cada vez mais rizomática suas redes de atuação. Sensível ao abismo
político que muitas vezes impede algumas culturas de serem representadas nas listas de
preservação, não só a UNESCO, mas uma plêiade de outros atores precisa trabalhar cada vez
mais para construir pontes que impeçam o isolacionismo e potencialize a ampliação de suas
ferramentas de preservação, o que na prática significa proteger o patrimônio em lugares onde
ainda não se preserva, sem com isso negligenciar a manutenção das ações já existentes. Os
campos minados das guerras, os muros da segregação, as políticas de apagamento das
memórias/ancestralidades e a ignorância como ferramenta de manutenção do status quo são
alguns dos campos onde as frentes preservacionista devem lutar, sob o estímulo do que
representou sua ação até o presente momento: a união de esforços e a manutenção da
pluralidade.
O desenvolvimento dos conflitos entre posturas políticas e religiosas diferenciadas, não
raramente excludentes; as lutas dos movimentos identitários (étnicos, sexuais, sociais etc.) em
busca de afirmação e de conquista de espaços políticos e sociais de diversas naturezas e matizes
culturais e as crises de diversos níveis lançam o nosso mundo em novos cenários e põem a prova
todo o saber acumulado sobre a gestão e a preservação dos patrimônios culturais, saber este, que
tem a sua produção significativamente concentrada pelo Ocidente. Se, em um primeiro momento
a abordagem de processos culturais marginalizados ou pouco considerados no Ocidente, aliada a
novas percepções vindas de outros cantos do mundo nos legou a construção do campo do
patrimônio imaterial, hoje nos lança a novas perspectivas instrumentalizadas por novas visões de
mundo não-ocidentais e por novos saberes correlatos. A partir disso já se questionam as próprias
fronteiras entre o material e o imaterial, traduzidas internacionalmente, a partir da Convenção para
a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural de 1972 e da Convenção para a Salvaguarda
do Patrimônio Cultural Imaterial, de 2003, ambas no âmbito da UNESCO, no frágil e impreciso
limite conceitual entre patrimônio mundial e/ou patrimônio da humanidade, o primeiro mais
empregado (mas não exclusivamente) para os bens culturais materiais e o segundo para aqueles
imateriais, embora presenciemos a denominação, pela própria UNESCO, de patrimônios da
humanidade para os primeiros. Esta aparente “fragilidade” e ambiguidade nas denominações, alia-
se, desde 1995, ao conceito de Paisagem Cultural para demarcar, portanto, um novo caminho a
ser trilhado no qual a própria desconstrução das fronteiras entre o material e o imaterial aparecem
como contribuição e orientação decisivas na busca por novos parâmetros e perspectivas. Este
processo pode ser percebido, mesmo que, ainda de forma tímida, na eleição dos novos
patrimônios mundiais / da humanidade no inquietante processo de buscas mais justas e inclusivas
de preservação.
Dialogando com essa dimensão pluralista os textos aqui apresentados possuem uma
premissa comum: são todos frutos de ações qualificadas de preservação do patrimônio mundial,
no Brasil e no exterior. Portanto, para dar conta do conjunto de temáticas apresentado neste
compêndio, dividiu-se o livro em cinco partes complementares. As cinco partes dialogam entre si,
ecoando o que há de mais contemporâneo na dinâmica da preservação dos patrimônios mundiais
brasileiros e alguns congêneres estrangeiros até o presente momento. Não dá conta de
representar todos os bens chancelados ou com potencial para tal, mas sumariza de forma
relevante exemplos que fazem dos patrimônios mundiais o universo onde se refletem nossas
demandas, sejam elas do passado, do presente ou do amanhã. Se as pátinas são a crosta do
tempo e ajudam a aura do bem vivido, tal como definiu o seiscentista Filippo Baldinucci, que as
ações, alertas e riscos da preservação possam ser mais bem compreendidas no valoroso
propósito de sua essência: preservar para existir.

Rodrigo Christofoletti e Marcos Olender, outono de 2020.

Referências:
BALDINUCCI, Filippo. (1861) Vocabolario Toscano dell'Arte del Disegno, nel quale si explicano i propri
termini e voci, non solo della Pittura, Scultura, & Architettura; ma ancora di altre Arti a quelle subordinate,
e che abbiano per fondamento il Disegno. Firenze.

CHRISTOFOLETTI, Rodrigo (Org.). (2017) Bens culturais e relações internacionais o patrimônio


como espelho do soft power. Santos: Editora Universitária Leopoldianum.

NYE Jr., Joseph S. (2004) Soft Power: The means to success in world politics, New York, Public
Affairs, 2004. Chapter One: The changing nature of power. pp. 1-32.

RUSKIN, John. A Lâmpada da Memória. São PAULO, Artes & Ofícios, 2008.
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WEIL, Phoebe dent (1996). A Review of the History and Practice of Patination. In: PRICE, N. S.;
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ZANCHETTI, Sílvio Mendes, SILVA Aline de Figueirôa, LIRA, Flaviana Barreto, BRAGA, Anna
Caroline E GARNEIRO, Fabiana Gonçalves. (2006) A Pátina na cidade. Anais do XII Congresso
da Associação Brasileira de Conservadores e Restauradores de Bens Culturais "Preservação do
Patrimônio Cultural - Gestão e Desenvolvimento Sustentável: Perspectivas". Fortaleza – CE,28 de
agosto a 01 setembro de 2006.

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