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Olhares Sobre o Património Cultural

Article · November 2011

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Vitor Ferreira
University of Coimbra
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Olhares Sobre o Património Cultural
Vítor Ferreira1

Ferreira, V. (2011). Olhares sobre o património cultural. Idearte - Revista de Teorias e Ciências
da Arte 7, 7: 61 - 72. ISSN 1647-998X

Resumo

O conceito de Património Cultural tem ao longo das últimas décadas sofrido uma
evolução constante, facto que lhe confere uma centralidade constante no domínio das
ciências sociais. Se num dado momento a centralidade da discussão se situava no
domínio da preservação e conservação do Património, hoje a discussão, fruto do que
alguns autores denominam de tripla extensão do conceito, ou seja, tipológica, cronológica
e geográfica, alargou-se a âmbito até então inexistentes. Esta extensão é acompanhada
por um alargamento das funções que a sociedade contemporânea reserva para o conceito.
Nesse sentido pretende-se com o presente artigo explorar esta evolução e traçar as
acostagens que as diferentes áreas científicas têm efectuado com o conceito.
Preliminarmente é possível chegar à conclusão que o Património Cultural, esta mais
dependente das diferentes políticas e posicionamentos que existem perante ele, e a sua
capacidade para identificar e activar os valores e as funções proporcionados por este são
desiguais, conforme os lugares, as sociedades e as estratégias.

1
Vítor Ferreira nasceu em Heidelberg na Alemanha, em 1975. É Licenciado em Línguas Modernas Alemão
pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Mestre em Política Cultural Autárquica,
especializou-se igualmente em Gestão e Programação do Património Cultural na Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra.
Presentemente é Investigador Auxiliar Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território
(CEGOT) das Universidades de Coimbra, Porto e Minho, realizando investigação no domínio do
Património Cultural, nomeadamente das Políticas, Intervenções e Representações deste em contexto urbano
europeu. É doutorando em Turismo Lazer e Cultura na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Palavras-chave - Património Cultural; Políticas; Identidade; Funções; Desenvolvimento;

Introdução

A sociedade pós-moderna caracteriza-se por um conjunto de olhares que vai para


além da visão unívoca existente no paradigma fordista anterior. A época pós-moderna
transformou o relevo, o sentido, a face social e económica da cultura (Lipovetsky &
Serroy, 2010).
A globalização trouxe consigo atenções redobradas para com os bens que permitem
a afirmação dos lugares no contexto em que impera uma cultura global. A diversificação
das experiências consumistas permite que a cultura e os bens patrimoniais tenham um
lugar central nesta luta desenfreada de afirmação. Esta afirmação processa-se, por norma,
com o esboço de estratégias de desenvolvimento local e/ou regional ancoradas na
Cultura. Estas estratégias passam, no seu essencial, pelo estímulo ao desenvolvimento de
produtos turísticos capazes de atrair fluxos de visitantes e propiciar o desenvolvimento
almejado. No entanto, é preciso ter presente que o turismo cultural não é, em rigor, uma
inovação recente, nem tão pouco um produto específico das sociedades contemporâneas
(Henriques, 1996).
O desenvolvimento local e as estratégias delineadas podem explicar, em parte, a
evolução que o conceito Património sofreu. Mas é igualmente enquanto elemento de
afirmação identitária que podemos compreender a sua nuclearidade nas diferentes
políticas culturais esboçadas. É preciso ter presente, como refere Eduardo Henriques
(1996), que o interesse pela História e pela Cultura nos é dado pela forma como as
questões de conservação, requalificação, refuncionalização e salvaguarda do património
se tornam num objecto corrente da atenção da opinião pública e dos agentes públicos.
Na actualidade predominam os turismos alternativos que se traduzem, como refere
Carminada Cavaco (1996), no respeito pelos territórios e populações visitadas
(patrimónios, culturas, sistema de valores) e que se apresentam com a intenção de
defender e promover evoluções harmoniosas e equilibradas entre a comunidade visitada e
visitante. Os impactos que o Património hoje sofre são o fruto de uma compressão
espaço-tempo acelerada que, segundo Carminda Cavaco, deriva de uma maior
racionalização dos valores civilizacionais, das próprias viagens, mas essencialmente da
redução das distâncias dos espaços de recreio e turismo e da sua maior dispersão regional.
É do conhecimento empírico que o território é hoje mais valorizado se o mesmo
integrar bens culturais e patrimoniais, sejam os mesmos de índole natural e/ou ambiental.
No âmbito do presente trabalho, exploraram-se essencialmente as questões ligadas ao
Património Cultural. O Património Cultural, devido à referida segmentação do Turismo e
ao consequente aumento da procura pelo Turismo Cultural, faz com que se assista, cada
vez mais, a uma refuncionalização do passado que Paulo Peixoto (2003) considera
adquirir formas muito diversas na medida em que oscila entre a reactivação, a reinvenção
e a idealização.
É objectivo do presente trabalho reflectir sobre a forma como evolui o conceito de
Património Cultural, que relações, decorrente das suas formas e funções, se estabelecem
entre património, lazer e turismo, e por último se, e em que medida, o mesmo está ao
serviço das comunidades locais e dos diferentes actores sociais.
É assim essencial compreender a forma como o Património é conceptualizado, mas
igualmente como se processou a abertura semântica do conceito. Pretende-se com este
ensaio compreender como evoluiu o conceito e a forma como o mesmo, nas suas funções,
tem sido instrumentalizado pelos diversos agentes em função das suas necessidades.

1- Património(s): Evolução do Conceito

No contexto actual, o conceito de Património está substancialmente alargado e de


um conceito que apenas abrangia os monumentos históricos encontramo-nos hoje
confrontados com uma realidade mais vasta que abarca o património natural, cultural e
mais recentemente o património imaterial.
O conceito de Património e as preocupações subjacentes a esta temática evoluíram
nos últimos 150 anos de forma considerável e, segundo Gregory J. Ashworth (citado por
Henriques, 2003), é possível identificar três etapas evolutivas na sua abordagem. Assim,
a partir de 1850 temos uma primeira etapa que está essencialmente centrada na
preservação dos artefactos e edifícios do passado. Esta cingia-se a uma preservação da
monumentalidade onde os traços que predominavam são a idade e beleza.
A partir da década de 60 do século XX é possível identificar uma progressiva
mudança no paradigma, sendo que as preocupações deixam de se centrar na preservação
para se focar na reutilização/conservação do Património. As atenções deixam de se focar
nas partes para se centrar no todo, ou seja, o contexto em que o elemento patrimonial está
integrado é agora considerado fundamental.
Com o fim da década de 80 e início da década de 90, dá-se uma nova mudança na
concepção dos bens patrimoniais e estes passam a ser alvo de uma concepção activa, de
bens em devir, por oposição à concepção passiva predominante anteriormente. Uma
concepção dinâmica que, como defende Cláudia Henriques (2003), entende o património
e a sua valorização com fins múltiplos, desde os pedagógicos, a utilitários e económicos,
entre outros.
Da leitura dos principais textos normativos internacionais que abordam o
Património Cultural, o destaque vai, desde logo, para a Carta de Atenas de 1931, sendo
que a primeira definição conceptual, no entanto, só nos surge na Carta Internacional sobre
a Conservação e o Restauro de Monumentos e Sítios, também conhecida como a Carta
Internacional de Veneza em 1964, onde se reconhece o valor dos monumentos históricos
mas se acrescenta, como aponta Marilena Vecco (2010), ser uma responsabilidade
comum a sua protecção para as gerações vindouras, sendo nosso dever efectuar esta
transmissão no respeito pela da autenticidade em que foi encontrado.
Desconstruindo um pouco o conceito, podemos verificar que aquilo que hoje se
designa por Património, e ao qual estão subjacentes as principais políticas, surge de duas
cargas semânticas distintas. Por um lado, temos o conceito inglês heritage e, por outro, o
francês patrimoine que podem constituir-se como outro tópico de discussão. É preciso ter
em mente que o conceito anglófono, na sua origem, caracteriza essencialmente o que se
transmite entre gerações, numa organização vertical, sendo que o termo gaulês é
essencialmente horizontal, pois carrega semanticamente mais do que a transmissão,
denotando-se a noção de preservação e conservação com o intuito de transmissão, uma
operacionalização que se impôs deste domínio.
É de destacar igualmente a abertura sofrida pelo conceito no que concerne à sua
utilização pelos agentes públicos políticos e administrativos, ou ainda privados, na
medida em que até aí o termo Património Cultural estava virado para uso quase exclusivo
das instituições internacionais, o que se veio a alterar com a publicação do Decreto 59-
889 de 24 de Setembro de 1959, pelo então Ministro dos Assuntos Culturais francês,
André Malraux.
Se atentarmos ao conjunto de convenções que de alguma forma dizem respeito ao
Património Cultural e à sua evolução durante os últimos cinquenta anos, verificamos que
este se constitui como uma preocupação crescente ao nível das principais orientações
internacionais, desde a Convenção de Haia em 1954, a Convenção Cultural Europeia de
1954, até à Convenção de Paris de 1970. O grande marco constituiu-se pela Convenção
para a Protecção do Património Mundial Cultural e Natural de 1972, passando pela
Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitectónico da Europa de 1985, a
Convenção de Londres de 1969, revista pela Convenção de La Vallette em 1992, a
Convenção Unidroit de 1995, a Convenção sobre a Protecção do Património Cultural
Subaquático de 2001 e, por último, a Convenção Relativa ao Valor do Património
Cultural para a Sociedade de 2005.
Estas convenções são o resultado da acção de um conjunto de organismos
internacionais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura (UNESCO), a Organização Mundial de Turismo (OMT), o Conselho
Internacional dos Monumentos e Lugares (ICOMOS), o Conselho Internacional dos
Museus (ICOM) e, por último, a União Europeia e Conselho da Europa.
As preocupações com o Património têm vindo progressivamente, como referido, a
incorporar as preocupações com os seus usos que permitam e viabilizem uma
salvaguarda. Esta preocupação com o uso faz com que haja a necessidade de concertar
esforços no sentido de estabelecer políticas que promovam a interligação com áreas tidas,
na actualidade, como essenciais nesta acção de preservação. Assim, podemos entender o
facto de um conjunto de organizações ter vindo a reforçar o estabelecimento de parcerias
entre si no sentido de influir nas políticas e projectos relacionados com o Turismo,
através de actividades de investigação, formação, sensibilização, criação de redes,
execução de projectos-piloto (Henriques, 2003) com o intuito de facilitar a tomada de
decisões, mas igualmente de sensibilizar o público para a Cultura e para as questões
patrimoniais.
A concepção contemporânea de Património Cultural faz com que o mesmo seja um
assunto de todos, sendo que a envolvência dos cidadãos deve ser cativada por políticas de
descentralização e desconcentração por parte da administração central. É consentâneo que
a protecção do Património Cultural não é, nem pode ser, um domínio que seja da
exclusiva responsabilidade do Estado. Esta é uma concepção que é desde logo defendida
pela UNESCO na sequência da Declaração de Budapeste da conservação do Património
Mundial, suportada pelos objectivos de credibilidade, conservação, capacidade e
comunicação, aos quais acrescentou o Comité do Património Mundial um quinto que são
as comunidades, em 2007.
Mas afinal o que é o Património Cultural? É um conjunto de marcas ou vestígios
considerados essenciais para a identidade de uma determinada comunidade e que os
pretende transmitir às gerações vindouras? Ou serão todos os bens materiais e imateriais
que pelo seu valor são considerados de interesse cultural relevante para a permanência e
identidade da cultura de um determinado país, região ou lugar? E o que se salvaguarda do
património das comunidades em minoria, se tivermos em atenção que os critérios são
sempre uma imposição da maioria? Ou ainda os bens que, por motivos religiosos ou
profanos, possuem um importante valor seja qual for o seu sector cultural? É preciso ter
presente que a memória que possuímos, logo a identidade, tanto ao nível individual como
colectivo, como refere Vítor Oliveira Jorge (2005) é sempre uma construção do presente,
de um presente em permanente fuga para o passado e para o futuro.
A concepção existente de Património Cultural, e proveniente de Pierre Laurent
Frier (citado por Nabais, 2004), assim como da Lei do Património Cultural Português e
da Convenção da Unidroit, é considerada como demasiado restritiva pois somente
considera a civilização e a cultura em detrimento do natural. É necessário ter em conta
que, ao nível das políticas e legislação, Portugal se caracteriza, em termos jurídicos, pela
existência de dois ramos do direito, nomeadamente o direito do património cultural e
direito do ambiente, concepção que se opõe ao quadro jurídico internacional onde, por
norma, o Património Cultural e Natural são encarados como uma disciplina única, sendo
disso exemplo a Convenção para a Salvaguarda do Património Mundial Cultural e
Natural da UNESCO.
Como se organiza, em termos formais, a política do Património Cultural no nosso
país? A preservação e valorização do Património Cultural estão, em Portugal,
consagradas desde o nível constitucional, passando pelo direito e orientações
comunitárias, mas igualmente pelo direito internacional e de direito administrativo que
estabelecem um regime de salvaguarda para os bens culturais e para a categoria jurídica
unitária e autónoma que os mesmos constituem por via dos seus traços estruturantes de
imaterialidade, sociabilidade e publicidade.
O Património Cultural, enquanto categoria unitária, está, no entanto, marcado em si
por uma relativa diversidade e complexidade que é vertical pois está sujeito a diferentes
tipos de normas, desde as de nível constitucional, passando pelas de nível europeu ou
nível legislativo, até às normas de nível regional ou regulamentar.
A complexidade horizontal marca o Património Cultural. Este constitui-se pela
diversidade de suportes em que este pode existir, desde os bens culturais tangíveis
infungíveis ou fungíveis, chegando aos bens culturais intangíveis. Mas ao nível da
diversidade horizontal é de destacar ainda as diferentes tutelas públicas do património
que podem ir desde a tutela internacional até a tutela municipal, como é o caso da
legislação portuguesa. Este tipo de organização tutelar permite uma gradabilidade no
património e, como defende Casalta Nabais (2004), faz com que nos seja possível um
posicionamento perante um elemento patrimonial, sem cair na banalização, por um lado,
ou no fundamentalismo, por outro, da salvaguarda patrimonial.
O Património Cultural estabelece estreitas relações com outras áreas que são
determinantes numa política de património. O ambiente e o urbanismo são duas áreas
com as quais mantém uma relação de proximidade, seja pela necessidade de planificação
e ordenamento do território, seja porque as políticas de preservação e valorização do
Património Cultural têm, na sua génese, as políticas ligadas à preservação e valorização
dos recursos naturais, enquanto elementos patrimoniais.
A necessidade de salvaguardar, por exemplo, a qualidade ambiental e paisagística
dos conjuntos monumentos ou sítios classificados como património cultural é exemplo,
em minha opinião, desta relação. Mas também são passíveis de evocar aqui os Planos de
Pormenor e Zonas de Protecção que um processo de salvaguarda e valorização despoleta.
Ao nível da evolução legislativa, e referindo-nos concretamente ao período pós 25
de Abril, a mesma está marcada por dois diplomas legais estruturantes: o Decreto-lei
59/80 de 2 de Agosto que cria o Instituto do Património Cultural, e a Lei 13/85 de 6 de
Julho, também conhecida como Lei do Património Cultural Português. É com estes
diplomas que se desperta, no nosso contexto, a noção da importância de proteger e
salvaguardar o Património a todos os níveis e em diversos graus, consoante o interesse
concelhio, o interesse público e o interesse nacional.
A Lei 107/2001 de 8 de Setembro veio preencher as lacunas deixadas em aberto
pela falta de legislação de desenvolvimento da anterior Lei do Património Cultural
Português e traz consigo um novo espírito perante o património. Este novo espírito é
desde logo revelado pela designação, pois ao adoptar o nome de Lei de Bases da Política
e do Regime de Protecção e Valorização do Património Cultural deixa desde logo aberto
o espectro à necessidade de valorização do Património. Abre igualmente o caminho à
participação plena dos cidadãos na gestão da protecção e valorização do Património,
abrindo pela primeira vez, por exemplo, o espectro à contratualização de serviços por
parte da administração do Património Cultural. Na presente Lei estamos perante quatro
conceitos fundamentais que são a Protecção, enquanto noção ampla utilizada para
qualificar a responsabilidade do Estado perante o Património, mas também em sentido
estrito o conceito de Preservação, o conjunto de acções ou omissões que todos devemos
ter na defesa dos bens que integram o Património Cultural; a Valorização, ou seja, o
conjunto de actividades que devem ser desenvolvidas tendo em vista a divulgação e
fruição do Património Cultural e esta valorização é um dever dos proprietários, deve ser
tanto económica, acrescentando sustentação económica ao bem, como cultural,
acrescentando-lhe valor cultural; por último, a Conservação que se prende com a adopção
de comportamentos por parte daqueles sobre quem recai especificamente a
responsabilidade do Património Cultural.
No âmbito da presente Lei, integram o Património Cultural todos os bens que,
sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura, sejam portadores de interesse
cultural relevante, mas também tudo o que se constitua como herança nacional cuja
continuidade e enriquecimento unificará as gerações num percurso civilizacional singular
tendo, no entanto, de reflectir valores de memória, antiguidade, autenticidade,
originalidade, raridade, singularidade e exemplaridade.
No que concerne a legislação internacional, temos a destacar as diversas
convenções sobre o Património num sentido amplo, dando particular destaque às
Convenções elaboradas no seio do Conselho da Europa e, como tal, de carácter mais
regional, ou as da Organização das Nações Unidas para a Educação (UNESCO) bem
como do Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT), de
carácter mais universal. Estas convenções são as que regulam desde o trânsito dos bens
culturais à restituição dos bens culturais em caso de furto, roubo ou guerra, e aquelas que
visam assegurar, como já referimos, o desenvolvimento social e económico através dos
bens culturais e da sua fruição universal.
Podemos dizer que a normativa internacional sobre o Património Cultural é hoje
balizada em quatro grandes domínios (Carvalho,2008; Vecco, 2010), a saber: as
convenções, as recomendações, as resoluções, e outros actos como cartas e orientações.
Estas quatro balizas, sendo definidoras de princípios e conceitos, permitem aos agentes
orientar a sua acção.
A evolução legislativa e normativa, seja ela de cariz internacional ou nacional, é um
reflexo das sociedades contemporâneas e da abertura semântica do conceito, sendo que o
mesmo é hoje considerado como fruto de uma tripla extensão (Vecco, 2010). A referir
uma extensão tipológica-temática, na medida em que são incorporados no conceito
objectos que não faziam parte do conceito tradicional, e uma extensão cronológica e
geográfica na medida em que tem sido dado estatuto ao património, acrescentando que os
bens patrimoniais e monumentos não são encarados de forma isolada, mas sim em
relação com o contexto, o que implica a adopção de uma abordagem integral nas suas
questões.
A recente centralidade que o património imaterial (Vecco, 2010) adquiriu é um
exemplo desta extensão tipológico-temática, que para além de ser o reconhecimento da
importância que a imaterialidade e a oralidade têm nas comunidades, é igualmente a
aceitação da diversidade cultural como forma de enriquecimento da humanidade.
Todas estas transformações de índole conceptual têm reflexos na forma como a
sociedade considera estes bens patrimoniais e a forma como as suas funções são
encaradas. São estas funções que permitem compreender o destaque que é dado ao
Património Cultural e as diferentes instrumentalizações que tem sofrido.

2- Funções do(s) Património(s)

A centralidade que o tema Património adquiriu nas últimas décadas é o reflexo das
novas funções que lhe têm sido atribuídas pela sociedade contemporânea. De um mero
registo ou vestígio do passado de um determinado território ou espaço geográfico, de uma
valorização essencialmente local, singrou uma valorização universal que lhe consagra
importantes funções. O Património passa a ser considerado não como uma essência, ou
um valor atemporal, sendo considerado uma invenção da sociedade contemporânea
(Jorge, 2005). O antropólogo Maurice Godelier (citado por Heinich, 2010) refere que
todas as sociedades distinguem entre três tipos de bens: “those to be sold, those to be
given, and those to be kept”. Aponta-nos, assim, o caminho que as diferentes escolhas,
culturais, económicas e sociopolíticas fazem em relação ao Património. Os bens
patrimoniais constituíram-se, na sua génese, como substitutos da religião e dos tesouros
religiosos, naquilo que é designado como processo de desencantamento, mas assumem
hoje outras funções.
O Património Cultural é entendido actualmente como possuindo três tipos de
funções, a referir: as de índole cultural, de índole económica e por último de índole
sociopolítica. (Graham, B., Ashworth, G. J. & Tunbridge, J.E., 2000). O património,
enquanto selecção do passado para uso na contemporaneidade, tem esses traços
claramente vincados.
Como crítica a estas funções e à emergência da indústria do património, surge Greg
Richards e Julie Wilson (2006) quando referem que a commodification of history
[mercantilização da história] se deve mais às necessidade políticas e económicas do que
às necessidades culturais.
No entanto, é preciso ter presente, como defendeu Pierre Bordieu, que o consumo
cultural, em geral, já era considerado um factor de distinção e de diferenciação social, e
que o mesmo fenómeno é visível no que concerne ao Património. A sua mercantilização,
na forma de Turismo Cultural, corresponde à satisfação de motivações diferentes dos
visitantes (Richards, 1996), por um lado, a busca de novas experiências, mas igualmente
a distinção pelo assumir de um estilo de vida. Os lugares anseiam hoje conseguir a sua
afirmação pelo fortalecimento dos factores de diferenciação, pelo inimitável (Gonçalves,
2008).
Se no final do século XIX, o Património foi instrumentalizado em função da
implementação do Estado-Nação, hoje esta instrumentalização processa-se em função de
um vasto conjunto de objectivos. Por exemplo, nos processos de formação identitária, a
consciência patrimonial das comunidades não é tida como o factor mais relevante
(Peixoto, 2003) sendo que o factor mais significativo hoje é a assimilação colectiva da
mudança e que a consciência patrimonial ajuda a promover.
As políticas que têm centrado a sua atenção na preservação, conservação e
promoção do Património Cultural são observáveis nos mais diferentes contextos, sejam
no domínio da sua materialidade, sejam no domínio do intangível. Esta preservação do
Património Cultural permite a valorização da identidade, em que o lugar não só
estabelece uma conexão com a dinâmica global através da actividade turística, mas, ao
mesmo tempo, fortalece os seus laços locais pelo fortalecimento da sua idiossincrasia,
como atitude contrária e complementar à ordem padronizadora da globalização (Rocha &
Monastirsky, 2008).
As questões de identidade são indissociáveis do Património Cultural, na medida em
que a memória e a identidade dos lugares dependem das escolhas patrimoniais
efectuadas. Para além da formação de uma identidade cultural, o património é hoje
essencial à construção das imagens dos territórios, em especial das cidades. Da mesma
opinião partilha Paulo Peixoto (2000) quando afirma que este é importante na formação
de novas economias urbanas, nomeadamente através do papel que ele assume no contexto
da indústria turística e na promoção das imagens das cidades.
As três funções desempenhadas pelo Património Cultural são de tal forma
indissociáveis que as mesmas se entrecruzam de forma recorrente. Tendo-se uma noção
de património alargado (Vecco, 2010), para além do tradicionalmente considerado como
edificado, existe hoje um conjunto de patrimónios como os socioculturais, artísticos, os
linguísticos e humanos, com diversas expressões nos lugares (Fortuna, 2006). São estes
patrimónios e a sua variedade, dos tangíveis aos intangíveis, que conferem aos lugares
um espírito próprio (Fortuna, 2006), uma atmosfera do lugar (Richards & Wilson, 2007).
A identidade dos lugares e das suas comunidades são assim um elemento cada vez mais
central nas políticas patrimoniais devido à sua índole económica. Assim, percebemos que
para além destas atenderem aos interesses ideológicos, logo sociopolíticos, relacionados
com a conservação da memória e identidade local (Rocha & Monastirsky, 2008) o
património tem igualmente de atender aos interesses económicos por via da sua
instrumentalização em favor da actividade turística.
A utilização do Património Cultural, com o predomínio da sua função económica,
tem, como verificamos, e em parte devido à evolução legislativa e normativa, o propósito
último de contribuir para a conservação, requalificação e valorização do mesmo. O
desenvolvimento de estratégias criativas de regeneração dos tecidos económicos e
sociais, tendo por base a Cultura e o Turismo, é um indicador desta tendência
(Gonçalves,2008). O contexto em que os estados têm uma diminuta capacidade de
intervenção, facto aliado ao predomínio das políticas liberais, tem contribuído para que a
cultura e os bens patrimoniais, aliados à economia, se transformem em factores de
diferenciação e afirmação. Da mesma opinião partilha Paulo Peixoto (2000) quando
afirma que o património é extremamente importante na formação, entre outras, das novas
economias urbanas, nomeadamente pelo papel que ele assume no contexto da indústria
turística e da promoção das imagens das cidades. É consensualmente aceite que existe
hoje um fenómeno desenfreado de patrimonialização, seja ela de cariz local, regional,
nacional e até mundial. Esta corrida só pode ser explicada à luz de estratégias
sociopolíticas e económicas que têm em vista o reforço da competitividade e
atractividade dos territórios.
A revalorização da Cultura como recurso turístico levou ao desenvolvimento do
Turismo Cultural, mas igualmente de Turismos de Nicho (Cavaco & Simões, 2009)
Buscam-se lugares, acontecimentos e experiências culturais (Ferradás Carrasco, 2011)
onde se descobrem identidades, integridades ou diferenças, onde a procura se recentra,
passando-se das componentes étnicas ou de tipo folclórico, para os estilos de vida, a
gastronomia, a linguagem, a literatura, a música e a arte, conjunto de patrimónios
alavancados pelos discursos políticos, sendo que, cada vez mais, impera a procura de
experiência, uma participação activa, por oposição a uma cultura passiva (Richards &
Wilson, 2006; Richards & Wilson 2007; Florida, 2008).
O Turismo e a Cultura são assim elementos essenciais à construção da imagem de
cidade. A esteticização das paisagens, e a adequação do ambiente, é um fenómeno que
grassa na época que vivemos. Só uma cultura viva confere aos locais uma atmosfera
especial e apelativa em termos de turismo. A efervescência patrimonial (Peixoto, 2003)
que se manifesta no contexto actual é, em si, uma reacção cultural à atomização social e
ao desenraizamento causado pela aceleração da vida moderna, quando foi precisamente
esta vida moderna que induziu mudanças na forma de ver os diferentes patrimónios. Nos
bens em que se alicerçava a identidade cultural, impõe-se hoje uma visão economicista,
traduzida na promoção da oferta turística e na busca de mais do que um olhar passivo, na
procura pela experimentação dos cheiros, dos sabores, dos sons, do toque de uma cultura
(Gonçalves,2008).
O Património poderá ser visualizado como uma dualidade, como recurso
económico mas igualmente cultural. Um recurso que é na contemporaneidade vendido de
formas múltiplas, nos diferentes mercados segmentados. Predominando nas estratégias
culturais e políticas, a ideia de que as relíquias e eventos do passado são a matéria-prima
(Graham, B., Aschworth, G. J. & Tunbridge, J.E., 2000) nas mãos da procura
contemporânea que asseguraram o desenvolvimento futuro.
A promoção do inimitável, do diferenciador, proporcionado pelos bens patrimoniais
está assente numa lógica de empresarialização patrimonial que não é apenas o reflexo da
actuação dos agentes políticos. Tem igualmente a participação activa dos agentes
privados nomeadamente das grandes empresas de lazer e entretenimento. São eles que
exploram o valor emblemático das cidades para as estratégias dos produtos e serviços que
prestam (Peixoto, 2003) reinventando-os, construindo novas narrativas, na frenética
medida com que se modificam as procuras.
Dadas a novas procuras e motivações, não podemos concordar com Elísio Estanque
(2005), quando afirma, que a acção de regulação dirigida ao campo do lazer se inscreve
no fenómeno mais geral de reestruturação e massificação da cultura. Se bem que o
carácter de fruição universal dos bens culturais, esteja presente nas políticas de lazer,
cremos, no entanto, que estas, devido às alterações na sociedade contemporânea, estão a
entrar num ciclo onde o cerne das mesmas é desenhado pelas diferentes motivações da
procura turística.
Os olhares que se podem lançar sobre os diferentes patrimónios são
necessariamente entrelaçados, pois tendo-se afirmado estes como um recurso económico,
na medida em que são explorados pelas estratégias de desenvolvimento económico e
turísticas, é preciso ter presente que são esses mesmos patrimónios que nos auxiliam na
construção dos significados de cultura e de poder, na medida em que são igualmente um
recurso político (Graham, B., Aschworth, G. J. & Tunbridge, J.E., 2000).
As diferentes funções que o Património abarca hoje levantam, no entanto, um
conjunto de questões no que concerne à sua preservação, à capacidade de carga dos
territórios e às comunidades locais que pretendemos explorar de forma sumária.

3- Questões

A Cultura e o Património Cultural, por via da sua utilização como recurso turístico
são hoje vítimas de uma valorização redobrada, quase fetichista das especificidades locais
e dos elementos da memória e da tradição (Henriques, 1996). A esta valorização
redobrada acresce a abertura do conceito de património que de circunscrito aos
monumentos foi entretanto alargado a todos os tipos de cultura e património (Richards,
2004).
No entanto, esta abertura coloca, desde logo, algumas questões como a procura
desenfreada por elementos distintivos que podem levar a fenómenos de “mineração” do
património (Richards & Wilson, 2006), ou seja, a busca desenfreada por qualquer factor
de afirmação do território, sem olhar à sua autenticidade, singularidade ou até mesmo
exemplaridade. Mais, as estratégias de afirmação do território, no que concerne à
promoção da Cultura, por terem sido efectuadas com base em estruturas icónicas, em
mega eventos e na tematização (Richards & Wilson, 2006), não têm os resultados
desejados.
A concorrência entre territórios fez com que esta estratégia de mesmificação
(Mateus, 2010) não singre ou não produza os resultados desejados. Os lugares têm optado
mais por uma lógica de importação das estratégias exógenas do que pelo esboçar de
políticas de promoção cultural e patrimonial assentes nos recursos endógenos. As
mesmas soluções são recorrentemente utilizadas na valorização do património em
qualquer ponto do globo. Aponte-se, a título de exemplo, o caso da valorização do
património pelo recurso à indústria hoteleira geradora, logo à partida, de reais privações
de fruição generalizada do mesmo.
A mercantilização do Património constitui-se igualmente como um problema, na
medida em que o património, transformado em produto de consumo, só será acessível por
via dos novos usos ou das novas funções, e privilegiará o acesso e desfrute dos sectores
da população com maior disponibilidade de recursos. Desta forma poderemos estar a
assistir a um fenómeno de subtracção dos bens culturais ao seu contexto sociocultural
(Carvalho, 2003). Esta subtracção pode constituir-se como um fenómeno de
desterritorialização, pois quebram-se os elementos de identificação na medida em que a
comunidade perde poder, controle e acesso ao respectivo território (Fernandes, 2007).
Em relação a esta ausência de políticas públicas Paulo Peixoto (2003) refere que a
histeria patrimonial representa igualmente um trunfo retórico que acaba por funcionar
como um perfeito álibi para autarcas que, mostrando estar noutro lugar, provam não estar
nos locais onde o caos urbanístico se expande e a responsabilidade política não tem
paternidade. A acção política tende igualmente, e não necessariamente como forma de
desviar a atenção das políticas urbanísticas, a descurar a boa gestão da ideia de
autenticidade que permite a capitalização de identidades, distinguindo-as das
desvalorizantes encenações turísticas (Silva, 2004) e atingindo com isto a promoção dos
territórios, embora pareça paradoxal, a autênticos lugares de valor turístico.
Um fenómeno actual é a inversão da procura turística cultural (Richards & Wilson,
2006; Gonçalves, 2008; Florida, 2008) e, essencialmente, a aposta na promoção do
território pela criatividade que tem ganho a aposta com o aumento dos fluxos turísticos.
Não querendo entrar em profundidade nos pressupostos em que assenta este novo
Turismo Criativo, está na sua génese a partilha de experiências entre visitados e
visitantes, não sendo de descurar que esta partilha de experiência e o enriquecimento dos
visitantes e visitados só é possível com as particularidades do local. As experiências
deixariam de ser experiências autênticas quando realizadas em territórios exógenos à
realidade que lhes deu origem, quando não assentes nessa Cultura e Património.
A criatividade e o turismo criativo podem, estimulando as diferentes culturas e
patrimónios que proliferam no território, promovendo inclusive uma luta contra aquilo
que Gilles Lipovestky (2010) denomina de “neofestas”, locais onde se cruzam o cultural
e o lúdico, o histórico e o turístico, o tradicional e o comercial, permitir o regresso às
origens onde estes eventos se organizavam em torno dos princípios tradicionais,
religiosos ou políticos e não em função da ordem comercial e o marketing da imagem
urbana que vigora hoje em dia.
Outra questão que se levanta é o facto de o Património, um dos paradoxos da
modernidade (Jorge, 2005) onde se quebrou com a ordem antiga mas se recuperou esta
mesma para usufruto de todos, pode ser olhado como forma de opressão ou de libertação.
Sendo que em cada momento deve ser realizada a ponderação dos discursos que vamos
construir, com base na conservação, que documentos vamos deixar para que o futuro
possa ajuizar da maior ou menor justeza, do maior ou menor rigor, desses discursos
(Jorge, 2005).
Os processos referidos denunciam uma transformação dos lugares e dos bens
patrimoniais onde os mesmos adquirem o estatuto de mercadoria e se colocam ao serviço
do marketing turístico, onde, como refere Maria Caldeira da Silva (2004), os bens
patrimoniais são suportados por uma parafernália de difusão simbólica, transformados
numa retórica privilegiada para a exibição identitária, às vezes de cristalização de
discursos regionalistas, e para a produção de paisagens.
Por último, referir que todo o objecto submetido à museografia (Guillaume, 2003)
e, atrevemo-nos a dizer, submetido a um processo de patrimonialização, muda de estatuto
pois é desinserido de uma estrutura simbólica onde desempenhava um papel activo, sendo
que perde o essencial das suas significações anteriores para passar a integrar um aparelho
onde se limita a cumprir determinadas funções. Mais, onde é colocado ao serviço de
apenas algumas das suas funções.

4- Conclusões

O Património Cultural é uma realidade complexa, ninguém melhor o define do que


Michel Foucault (citado por Graham, B., Aschworth, GJ & Tunbridge, JE, 2000) quando
afirma que este é uma herança, um legado, constituído por um conjunto instável de
falhas, fissuras e camadas heterogéneas que ameaçam o seu frágil herdeiro de dentro e
por baixo. Camadas heterógenas que se têm, ao longo dos anos, ampliado
substancialmente, como verificamos, e que incorporam em todo o momento o jogo entre
as suas funções culturais, económicas e sociopolíticas.
Um conjunto de funções que transforma o patrimonial em conhecimento, quando
encarado como produto e recurso político. São estas funções diferenciadas que colocam o
Património num constante conflito com o território e com as comunidades cuja identidade
ajudou a formar. Embora assistamos a uma cada vez maior encenação turística e
folclorização dos bens patrimoniais, em todas as suas tipologias, e até na sua
imaterialidade, este ainda é fulcral na fabricação das identidades, na medida em que
vivifica e unifica as comunidades locais, regionais e nacionais. A sua valorização
económica, fruto do valor da cultura na promoção do desenvolvimento, tem vindo a
alterar a forma como as comunidades vivenciam o seu património e levantam, como
vimos, um sem número de questões.
As novas formas de Turismo, assentes na procura da experiência, de novos olhares
activos, não podem descurar, no entanto, o facto de assentarem no domínio cultural e nos
seus bens, ou em políticas de regeneração das quais estes são elementos nucleares.
Uma questão central ao Património são os benefícios que o mesmo traz em termos
culturais, educacionais, sendo que, no entanto, a tónica assenta essencialmente nos
benefícios económicos que advêm do Turismo Cultural para os territórios. Estes são
considerados como essenciais à própria preservação e valorização desse mesmo
património, na medida em que sustentam um sector cultural e os bens patrimoniais, numa
conjuntura económica nem sempre propícia, onde a disponibilização de receitas, por parte
dos agentes políticos públicos, tem tido uma tendência de regressão.
Para terminar, podemos em síntese dizer que é necessário ter presente o Património
como invenção da sociedade contemporânea, estando fortemente dependente das
diferentes políticas que de forma directa e indirecta intervém junto dele, mas igualmente
dos arranjos institucionais específicos a cada território, dos actores em campo, das
diferenças económico-sociais que determinam que existam riscos e oportunidades de
valorização diferenciadas.
Na actualidade, o Património Cultural constitui-se, no seu sentido mais lato, como o
valor mais genuíno de um lugar, uma região e de um país, e é encarado como um recurso
essencial no desenvolvimento local, na captação de fluxos de visitantes, quando existe
uma eficiente estratégia de promoção dos produtos disponíveis e que nessa estratégia
estejam envolvidos, entre outros, os agentes sociais e políticos.
Os diferentes autores permitem-nos chegar à conclusão de que as diferentes
políticas e posicionamentos perante o Património Cultural têm demonstrado que a
capacidade para identificar e activar os valores e as funções proporcionados por este são
desiguais, conforme os lugares, as sociedades e as estratégias. O Património deve, assim,
constituir-se como uma área de estudo onde imperem os olhares multifacetados, plurais e
transectoriais, pois só assim será possível compreender o mesmo em todas as suas
funções e valências.
Não podemos, do exposto, compreender o fenómeno da patrimonialização existente
na sociedade contemporânea, só à luz de um dever de memória, como o entende Henri-
Pierre Jeudy citado por S. O. Jorge (2005) na medida em que a modernidade tinha horror
ao esquecimento e se exortavam as comunidade e instituições a este dever. Hoje, a
presença num mundo globalizado exige uma crescente exploração dos factores
competitivos organizados em redor da cultura, usando-a como argumento de
atractividade, sempre no respeito pelo Património e pelo seu entorno, o resultado de uma
construção histórica, de uma prática social. É este mediador entre o passado e o presente
que é cada vez mais visto como a âncora capaz de dar continuidade às comunidades.
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