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Ficha 2 _ Eça de Queirós, Os Maias

1. Lê o texto seguinte.
E Ega, miudamente, contou a sua longa, terrível conversa com o Guimarães, desde o momento
em que o homem por acaso, já ao despedir-se, já ao estender-lhe a mão, falara da «irmã do Maia».
Depois entregara-lhe os papéis da Monforte à porta do Hotel de Paris, no Pelourinho...
– E aqui está, não sei mais nada. Imagina tu que noite eu passei! Mas não tive coragem de te
5 dizer. Fui ao Vilaça... [...]
No curto silêncio que caiu, um chuveiro mais largo, alagando o arvoredo do jardim, cantou nas
vidraças. [...]
E nesse momento, sem que um rumor os prevenisse, Afonso da Maia apareceu numa abertura
do reposteiro, encostado à bengala, sorrindo todo com alguma ideia que decerto o divertia. [...]
10 Então Carlos, no ardente egoísmo da sua paixão, sem pensar no abalo cruel que ia dar ao pobre
velho, cheio só de esperança que ele, seu avô, testemunha do passado, soubesse algum facto,
possuísse alguma certeza contrária a toda essa história de Guimarães, a todos esses papéis da
Monforte – veio para ele, desabafou:
– Há uma coisa extraordinária, avô! O avô talvez saiba... O avô deve saber alguma coisa que nos tire
15 desta aflição!... Aqui está, em duas palavras. Eu conheço aí uma senhora que chegou há tempos a Lisboa,
mora na rua de S. Francisco. Agora, de repente, descobre-se que é minha irmã legítima!... [...] Que
significa tudo isto? Essa minha irmã, a que foi levada em pequena, não morreu?... O avô deve saber!
Afonso da Maia, que um tremor tomara, agarrou-se um momento com força à bengala, caiu por
fim pesadamente numa poltrona, junto do reposteiro. E ficou devorando o neto, o Ega, com o olhar
20 esgazeado e mudo. [...]
O velho levou muito tempo a procurar, a tirar a luneta de entre o colete, com os seus pobres
dedos que tremiam; leu o papel devagar, empalidecendo mais a cada linha, respirando
penosamente; ao findar deixou cair sobre os joelhos as
mãos, que ainda agarravam o papel, ficou como
25 esmagado e sem força. As palavras por fim vieram-lhe
apagadas, morosas. Ele nada sabia... O que a Monforte
ali assegurava, ele não o podia destruir... [...]
E Carlos diante dele vergava os ombros, esmagado
também sob a certeza da sua desgraça. O avô,
30 testemunha do passado, nada sabia! Aquela declaração,
toda a história do Guimarães aí permaneciam inteiras,
irrefutáveis. [...]
Por fim Afonso ergueu-se fortemente encostado à
bengala, foi pousar sobre a mesa o papel da Monforte.
35 Deu um olhar, sem lhes tocar, às cartas espalhadas em
volta da caixa de charutos. Depois, lentamente, passando
a mão pela testa:
– Nada mais sei... Sempre pensámos que essa criança
tinha morrido... Fizeram-se todas as pesquisas... Ela Leonid Mikhailovic, Idoso com uma bengala
40 mesma disse que lhe tinha morrido a filha, mostrou já (s/d).
não sei a quem um retrato... [...]
A voz sumia-se-lhe, toda trémula. Estendeu a mão a Carlos, que lha beijou, sufocado; e o velho,
puxando o neto para si, pousou-lhe os lábios na testa. Depois deu dois passos para a porta, tão
lentos e incertos que Ega correu para ele:
45 – Tome Vossa Excelência o meu braço...
Afonso apoiou-se nele, pesadamente. Atravessaram a ante-câmara silenciosa, onde a chuva
contínua batia nos vidros. Por detrás deles caiu o grande reposteiro, com as armas dos Maias. E
então Afonso, de repente, soltando o braço do Ega, murmurou-lhe, junto à face, no desabafo de
toda a sua dor:
50 – Eu sabia dessa mulher!... Vive na rua de S. Francisco, passou todo o verão nos Olivais... É a
amante dele!
Ega ainda balbuciou: «Não, não, Sr. Afonso da Maia!» Mas o velho pôs o dedo nos lábios,
indicou Carlos dentro, que podia ouvir... E afastou-se, todo dobrado sobre a bengala, vencido enfim
por aquele implacável destino que, depois de o ter ferido na idade da força com a desgraça do filho –
55 o esmagava ao fim da velhice com a desgraça do neto.
Eça de Queirós, Os Maias, cap. XVII, Porto, Livros do Brasil, 2014, pp. 642-646.

1.1 Localiza o texto na estrutura interna da obra.


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2. Comprova que se trata de um momento fulcral da intriga principal.


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3. Analisa o excerto, salientando os seguintes aspetos:


a) níveis diferentes da intriga amorosa;
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b) elementos da tragédia presentes no texto;
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c) protagonista e respetivas características trágicas.

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4. Transcreve do texto três exemplos característicos da linguagem e/ou do estilo queirosianos.


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