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CONVALIDAÇÃO EM TEOLOGIA

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA
COSMOVISÃO CRISTÃ

PARTE 1

Material destinado ao curso de convalidação em Teologia da Feics – Faculdades Evangélicas


Integradas Cantares de Salomão, na disciplina Apologética e Cosmovisão Cristã.

PROF. VALMIR N. M. SANTOS


Introdução ao estudo da Cosmovisão Cristã – Parte 1 2

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA COSMOVISÃO CRISTÃ


(PARTE 1)

Valmir Nascimento Milomem Santos1

Toda pessoa carrega em sua cabeça um modelo mental do mundo – uma


representação subjetiva da realidade externa. Alvin Tofler

Sumário: 1. Por que cremos em alguma coisa?; 2. Definindo cosmovisão; 3.


As consequências práticas de uma cosmovisão; 4. A necessidade de
compreender a nossa cosmovisão; 5. O poder das meras ideias; 6. Elementos
constitutivos de uma cosmovisão; 7. Quantas cosmovisões existem?; 8.
Escolhendo uma cosmovisão; Bibliografia.

1. Por que cremos em alguma coisa?


Começaremos nossa disciplina com um pequeno questionário e, por isso, peço
que você, leitor, responda as perguntas que estão logo abaixo. Não se trata de uma
prova para avaliar o seu nível de conhecimento. Responda aos questionamentos tendo
por base suas percepções e experiências pessoais.
a) Existe vida após a morte?
b) A vida tem algum sentido ou propósito?
c) Alguém ou alguma coisa criou o universo?
d) A nossa existência é real ou uma mera ilusão?
e) Quem define o que é moralmente certo ou errado é a própria sociedade ou
essa definição parte de valores absolutos que estão além da própria humanidade?
f) O ser humano é só matéria ou possui também uma dimensão espiritual?
Suponho que você tenha respondido todas as perguntas acima com base em
suas crenças pessoais adquiridas ao longo de sua vida. Não importa qual a origem

1 O autor é teólogo, jurista e professor de Teologia da FEICS. Mestrando em Teologia. Escritor e


comentarista de Lições Bíblicas de Jovens da Escola Bíblica Dominical – CPAD. Mantém o blog
www.comoviveremos.com.
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dessas crenças, o fato é que você as possui e reagiu às indagações recorrendo a uma
espécie de arquivo mental de crenças, afinal todos nós, naturalmente, temos várias
razões (ou motivos) para acreditar em certas coisas. Podem ser razões sociológicas,
em virtude da influência de nossos pais, amigos, sociedade e cultura em geral; razões
psicológicas, porque tais crenças podem nos proporcionam tranquilidade, conforto,
significado, identidade, esperança e propósito na vida; razões religiosas, por
acreditarmos nas Escrituras, pastor/padre, guru, igreja ou líder religioso e; por fim, por
razões filosóficas, porque tais crenças podem demonstrar uniformidade, coerência e
explicação racional da realidade. Essas razões2 estão melhor detalhadas no quadro
abaixo:
Razões sociológicas Razões psicológicas Razões religiosas Razões filosóficas
Pais Conforto Escrituras Uniformidade
Amigos Tranquilidade Pastor/padre Coerência
Sociedade Significado Guru Inteireza (melhor
Cultura Propósito Rabino explicação de todas
Esperança Líder religioso as provas)
Identidade Igreja
Tabela 1

Diariamente fazemos esse mesmo exercício, recorrendo ao nosso arquivo


mental de crenças, quando tomamos decisões pessoais, seja sobre questões simplórias
do cotidiano ou acerca de temas mais complexos da vida. As nossas deliberações e
escolhas em geral, como a preferência do modelo político que julgamos ser o melhor
para a sociedade ou até mesmo como compreendemos a sexualidade, a família, a
economia, o direito e o Estado passam pelo nosso filtro mental e são definidas pela
forma como enxergamos o mundo, norteando, por isso, nosso estilo de vida e
comportamento.
Significa dizer que nenhuma pessoa toma decisões dentro de um vácuo
existencial, sem considerar sua história, experiência, cultura, valores morais e
princípios religiosos, pois todas essas coisas modelam e estruturam a nossa percepção
da realidade, isto é, a nossa cosmovisão.

2. Definindo cosmovisão
Mas o que é uma cosmovisão3? O termo é uma tradução da palavra alemã
weltanschauung, que significa “modo de olhar o mundo” (welt – mundo, schauen –
2
Quadro elaborado e adaptado a partir do seminário “Por que alguém deve acreditar em alguma
coisa” de James Sire, citado no livro GEISLER, Norman; TUREK, Frank. Não tenho fé suficiente
para ser ateu. São Paulo: Editora Vida, 2006, p.51.
3
No meio evangélico brasileiro, o conceito de cosmovisão cristã surgiu primeiramente a partir dos
livros de Francis Schaeffer (O Deus que intervém, Morte da Razão e o Deus que se revela).
Contribuíram também para a disseminação do termo livros como E Agora como viveremos (Charles
Colson e Nancy Pearcey), Panorama do Pensamento Cristão (Michael D. Palmer), O universo ao lado
(James Sire), Filosofia e cosmovisão cristã (Willian L. Craig e J. P. Moreland) e outros. (v.
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olhar), ponto de vista ou concepção de mundo. De acordo com Albert Wolters, este
termo tem a vantagem de ser claramente distinto de "filosofia" (ao menos no uso
alemão) e de ser menos enfadonho do que a frase "visão do mundo e da vida"4. Em
poucas palavras, é um conjunto de suposições e crenças que utilizamos para
interpretar e formar opiniões acerca da nossa humanidade, propósito de vida, deveres
no mundo, responsabilidades para com a família, interpretação da verdade e questões
sociais. É como um mapa mental que nos diz como navegar de modo eficaz no
mundo5.
Conforme explica Nancy Pearcey, “cosmovisão não é um conceito acadêmico e
abstrato. O termo descreve nossa procura por respostas às questões intensamente
pessoais com as quais temos de lutar – o clamor do coração humano na busca de
propósito, significado e uma verdade grande o bastante pela qual viver. Ninguém pode
viver sem um senso de propósito e direção, um senso de que a vida tem significação
como parte da história cósmica”6.
A cosmovisão de uma pessoa é a soma de todas as suas crenças básicas, o
conjunto de ideias que dá o direcionamento no seu modo de vida.
Uma das pesquisas mais abrangentes sobre o significado do termo foi elaborada
pelo autor estadunidense James Sire, em seu livro Dando Nome ao Elefante7. Depois
de apresentar os conceitos propostos por pensadores cristãos como James Orr 8 ,
Abraham Kuyper 9 , Albert M. Wolters 10 , Ronald Nash 11 e David Naugle 12 , Sire
apresenta aquilo que ele chama de sua definição refinada de cosmovisão:

AMORIM, Rodolfo. Cosmovisão: Evolução do conceito e aplicação cristã in: Cosmovisão cristã e
transformação. – Viçosa, MG: Ultimado, 2006, p. 51-52).
4
WOLTERS, Albert M. O que é cosmovisão?. Disponível em:
http://www.monergismo.com/textos/cosmovisao/cosmovisao_wolters.htm. Acesso em 14 de abril de
2013.
5
PEARCEY, Nancy. Verdade Absoluta: libertando o Cristianismo do seu cativeiro cultural. Rio de
Janeiro: CPAD, 2006, p. 25
6
PEARCEY, Nancy, p. 61
7
SIRE, James. Dando nome ao elefante: cosmovisão como um conceito, tradução Paulo Zacharias e
Marcelo Herberts. Brasília: Editora Monergismo, 2012, p. 48-67.
8
“Cosmovisão é a visão mais ampla que a mente pode ter das coisas num esforço de compreendê-las
como um todo, do ponto de vista de alguma filosofia ou teologia em particular”.
9
De acordo com Abraham Kuyper cosmovisão é sistema de vida abrangente. Toda cosmovisão,
sustenta Kuyper, deve tratar de “três relações fundamentais de toda a existência humana: a saber,
nossa relação com Deus, com o homem e com o mundo”.
10
“Cosmovisão é a estrutura abrangente das crenças básicas de uma pessoa sobre as coisas”.
11
“Conjunto de crenças mais importantes da vida... [é] um esquema conceitual pelo qual, consciente
ou inconscientemente, aplicamos ou adequamos todas as coisas em que cremos, e interpretamos e
julgamos a realidade”.
12
“Cosmovisão na perspectiva cristã implica que os seres humanos são imagem e semelhança de
Deus e estão ancorados e integrados no coração como a esfera subjetiva da consciência que é decisiva
para moldar uma visão de vida e cumprir aquela função tipicamente atribuída à noção de
weltanschauung”.
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(...) cosmovisão é um comprometimento, uma orientação


fundamental do coração, que pode ser expressa como uma história ou
um conjunto de pressuposições (hipóteses que podem ser total ou
parcialmente verdadeiras ou totalmente falsas), que detemos
(consciente ou subconscientemente, consistente ou
inconsistentemente) sobre a constituição básica da realidade e que
fornece o alicerce sobre o qual vivemos, nos movemos e existimos.13

Em O universo ao lado 14 Sire explica resumidamente cada parte do seu


conceito:
Cosmovisão como comprometimento. Uma cosmovisão envolve a mente;
porém, é, acima de tudo, um compromisso, uma questão de alma. É uma orientação
espiritual mais que uma questão de mente apenas. De acordo com Sire cosmovisões
são, na verdade, uma questão de coração. O conceito bíblico de coração inclui:
sabedoria (Pv. 2.10), de emoção (Ex 4.14; Jo 14.1), desejo e vontade (ICrs 29.18),
espiritualidade (At. 8.21) e intelecto (Rm 1.21).
Expressa como uma história ou um conjunto de pressuposições. Sire
destaca que uma cosmovisão não é necessariamente um conjunto de pressuposições,
mas pode ser expressa dessa maneira. Quando refletimos a respeito de onde viemos ou
para onde vamos, a nossa cosmovisão se expressa por meio de uma história. Pode ser
uma história contada a partir do ponto de vista naturalista, que se inicia no Big Bang,
ou a partir da visão cristã, na qual o nascimento, a morte e a ressurreição de Jesus
Cristo constituem o fundamento central.
Pressuposições que sejam verdadeiras (total ou parcialmente verdadeiras
ou totalmente falsas), conscientes (ou subconscientemente) e consistentes (ou
inconsistentemente). De acordo com Sire, as pressuposições que expressam o
comprometimento da pessoa podem ser plena ou parcialmente verdadeiras ou
totalmente falsas. Significa dizer que a pessoa pode desenvolver pressuposições que
não sejam verdadeiras, sem se dar conta disso. Em um mundo que não aceita a
existência de uma verdade absoluta, o papel da apologética cristã é exatamente
apontar as incoerências das cosmovisões não cristãs. Além disso, as pressuposições
podem ser conscientes ou inconscientes,
O alicerce sobre o qual vivemos, nos movemos e existimos. Em geral,
assegura Sire, nossa cosmovisão repousa tão profundamente entremeada em nosso
subconsciente que, a não ser que tenhamos refletido longa e arduamente, não temos
consciência do que ela é. Nessa perspectiva, Schaeffer diz que todas as pessoas têm

13
SIRE, James. Dando nome ao elefante, p. 179.
14
SIRE, James: O universo ao lado: um catálogo básico sobre cosmovisão [tradução Fernando
Cristófalo]. 4a. Ed. São Paulo: Hagnos, 2009, p.16.
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seus pressupostos, e elas vão viver do modo mais coerente possível com estes
pressupostos, mais até do que elas mesmas possam se dar conta15.

3. As consequências práticas de uma cosmovisão


Embora muitas pessoas não reflitam de forma consciente acerca de sua
cosmovisão (e nem mesmo imaginem que tenham uma) todos nós possuímos uma
perspectiva da vida e de mundo - ainda que de forma inconsciente, como afirmou
James Sire - que adquirimos a partir da reflexão criteriosa ou de modo subconsciente
ao longo dos anos como resultado de nossas experiências pessoais e socioculturais.
Isso porque, como lembrou George Barna
Sem uma cosmovisão não conseguiríamos tomar as centenas de
decisões diárias que tomamos, pois uma opção seria tão atraente
quanto qualquer outra. Até mesmo nas pequenas escolhas, baseamo-
nos em nosso senso de certo e errado, de bom e mau, de útil e
desnecessário, de apropriado e inconveniente, a fim de conseguirmos
o que pensamos serem as escolhas mais acertadas. Desde ainda bem
pequenos, ao sairmos do útero materno, começamos a desenvolver a
compreensão de como a vida acontece e as melhores opções a
adotar.16

É exatamente a cosmovisão básica de uma pessoa que vai norteá-la diante das
situações mais importantes da sua vida. Quando o casamento vai mal, qual a decisão a
ser tomada? A infidelidade é normal? Como deve ser encarada a questão do aborto e
do homossexualismo? Qual a forma de proceder no trabalho? Como educar os filhos?
Como encarar e resolver o problema da violência? Quais os princípios que devem
nortear a economia, a distribuição de renda, a educação e o Direito? Frente a tais
situações práticas, os indivíduos tomam suas resoluções baseando-se naquilo que
compreendem como sendo verdadeiro ou falso; certo ou errado; justo ou justo;
adequado ou inadequado.
“Ideias tem consequências” é a frase que melhor explica o caráter orientador
das cosmovisões, seja de forma individual ou coletiva. Por conta disso é que
Guilherme de Carvalho compara a visão de mundo à raiz de uma árvore, na qual as
crenças (pressupostos) vão gerar valores (tronco). Estes valores, por sua vez,
determinam o comportamento (galhos) dos indivíduos, que vão originar as
consequências (frutos).

15
SCHAEFFER, Francis. Como Viveremos. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, p. 10.
16
BARNA, George. Pense como Jesus: como pensar, decidir e agir em sintonia com Deus. São
Paulo: Vida Nova, 2007, p. 28.
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CONSEQUÊNCIAS
Frutos

COMPORTAMENTO
Galhos

VALORES
Tronco

CRENÇAS
Raiz

PRINCÍPIO RELIGIOSO
Terreno

Guilherme de Carvalho enfatiza que um sistema de ideias dirige os corações e


as mentes dos indivíduos, consciente ou inconscientemente, que vai se refletir nos
seus valores, comportamentos e nas consequências oriundas destes padrões. A
cosmovisão e os valores que temos, escreve Carvalho, determinam a nossa história, e
não o contrário. “Muitas vezes, tem-se tentado solucionar os problemas apenas ao
nível das consequências, ou seja, atuando nos “frutos” da árvore. Arrancamos o fruto,
mas ele volta a nascer e crescer, porque a raiz não foi transformada”17.
É importante observar que na representação acima os frutos são somente a
“ponta do iceberg”, o resultado direto das crenças primárias de uma pessoa, os seus
pressupostos básicos, que dão sustentação à pirâmide e que ilustra o nosso edifício
existencial. O próprio Jesus em um dos seus ensinamentos, referindo-se aos falsos
profetas, afirmou que uma árvore é conhecida pelos seus frutos. Pode alguém colher
uvas de um espinheiro ou figos de ervas daninhas? Semelhantemente, a árvore boa dá
bons frutos, mas a árvore ruim dá frutos ruins. A árvore boa não pode dar frutos ruins,
nem a árvore ruim pode dar frutos bons. (Mt. 7.15-20). Nesta lição o Mestre evidencia
a relação consequencial entre a natureza da árvore (pressupostos/raiz) e os seus frutos
(resultado), tal qual ocorre na cosmovisão de uma pessoa e os seus efeitos
inescapáveis.

4. A necessidade de compreender a nossa cosmovisão


Se nossas cosmovisões influenciam diretamente nossas ações e reações diante
da sociedade, é particularmente importante conhecer aquilo em que cremos e por quê,
e também o que fundamenta a nossa prática de vida. Essa questão é de extrema
17
CARVALHO, Guilherme. O que é uma cosmovisão? Disponível em:
http://www.ebah.com.br/content/ABAAAe4PYAI/cosmovisao-crista. Acesso em 15 de abril de 2013.
Introdução ao estudo da Cosmovisão Cristã – Parte 1 8

relevância nos nossos dias, diante do surgimento de tantas ideologias e estilos de vida,
desenvolvidas na cultura pop por personalidades e gurus da pós-modernidade, ou no
ambiente das universidades.
Inadvertidamente, muitos aceitam essas crenças e as colocam em prática sem
antes fazerem uma reflexão crítica sobre as suas implicações para a vida como um
todo. Esse é o motivo pelo qual Michael Palmer diz que a cosmovisão de algumas
pessoas só existe no sentido de que herdaram um conjunto de crenças e práticas de sua
família e comunidade imediata.
Elas não entendem suas crenças e não alcançam o significado maior
de suas ações. Acreditam e agem de forma não crítica e ingénua em
vez de um modo auto-reflexivo. Na grande maioria das vezes
explicarão por que acreditam ou fazem algo, referindo-se às tradições
da família, aos padrões da igreja ou à afiliação partidária política. Em
resumo, elas só têm uma cosmovisão no sentido de que outra pessoa
a impôs nelas, e não porque elas refletiram cuidadosamente sobre as
questões importantes e escolheram sua cosmovisão.18

Por isso, algumas dessas ideias são tão desconexas e sem sentido que não
precisariam nem mesmo de uma investigação mais detalhada para expor as suas
incoerências. Ainda assim, vivendo em uma cultura sensorial e emotiva como a nossa,
poucos estão preocupados e interessados em refletir sobre suas próprias cosmovisões.
Um poema satírico intitulado Creed (Credo) do jornalista inglês Steve Turner, citado
por Ravi Zacharias 19 , exemplifica essa realidade ao evidenciar a fragilidade da
mentalidade contemporânea.
Cremos em Marxefreudedarwin.
Cremos que tudo está bem,
Desde que você não prejudique ninguém,
quanto você possa definir prejudicar,
e quanto você possa saber.

Cremos no sexo antes, durante


E depois do casamento.
Cremos na terapia do pecado.
Cremos que o adultério é uma brincadeira.
Cremos que a sodomia é correta.
Cremos que os tabus são tabus.

Cremos que tudo está ficando melhor,


Apesar da evidência contrária.
A evidência precisa ser investigada,
E não se pode provar nada com evidência.

18
PALMER, Michael D. (Org.). Panorama do Pensamento Cristão. 1a.ed. Rio de Janeiro: CPAD,
2001, p. 23.
19
ZACHARIAS, Ravi. Pode o homem viver sem Deus?. São Paulo: Mundo Cristão, 1997, p. 71/73.
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Cremos que há algo nos horóscopos,


Nos OVNIs e nas colheres entortadas;
Jesus era um homem bom, como Buda,
Maomé e nós mesmos.
Ele foi um bom mestre de moral, embora achemos
Que o seu bom ensino moral era nocivo.

Cremos que após a morte vem o nada,


Porque, quando você pergunta aos mortos o que acontece,
Eles não dizem nada.
Se a morte não é o fim, se os mortos mentiram,
Então o céu é compulsório para todos,
Exceto, talvez,
Hitler, Stalin e Genghis Khan

Cremos em Masters e Johnson.


O que se seleciona é a média.
O que é a média é normal.
O que é normal é bom.

Cremos no desarmamento total.


Cremos que há elos diretos entre a guerra e o derramamento de
sangue.
Os americanos deveriam fundir as suas armas e transformá-las em
tratores,
E certamente os russos os imitariam.

Cremos que o homem é essencialmente bom.


É somente o seu comportamento que o faz cair.
É culpa da sociedade.
A sociedade é o defeito das condições.
As condições são o defeito da sociedade.

Cremos que o homem deve descobrir a verdade


Que é certa para ele.
Consequentemente, a realidade se adaptará.
O universo se reajustará.
Cremos que não há verdade absoluta,
Exceto esta:
Não há verdade absoluta.
Cremos na rejeição dos credos,
E no florescer do pensamento individual.

Esse “credo” é um tipo de salada ideológica pluralista, assimilada e digerida


por grande parte de adolescentes, jovens e adultos do nosso tempo, ainda que de modo
Introdução ao estudo da Cosmovisão Cristã – Parte 1 10

inconsciente. As pessoas formam suas visões de mundo a partir de letras de músicas,


campanhas publicitárias, frases retiradas das redes sociais e até mesmo de enredos de
filmes. Isso porque, como afirmou Dallas Willard, vivemos sufocados por slogans, em
que acontecimentos, coisas e informações nos afogam, nos subjugam, desorientando-
nos com ameaças e possibilidades acerca das quais a maioria de nós não sabe o que
fazer. Ele diz que “comerciais, slogans, bordões políticos e pretensiosos rumores
intelectuais atulham o nosso espaço mental e espiritual. As nossas mentes e os nossos
corpos ‘pegam’ essas coisas como um terno escuro pega fiapos”20.
Isso explica porque um sem número de pessoas adere a “causas” e participa de
movimentos e abaixo-assinados sem saber, de fato, os seus fundamentos e
consequências, uma vez que se deixaram influenciar pelo efeito viral de crenças,
ideias e boatos que se propagam com imensa facilidade.
Esse fenômeno também ocorre com a religiosidade. No livro “O Deus de
Barack Obama”, Stephen Mansfield, ao usar como exemplo a fé do primeiro
presidente negro dos Estados Unidos diz que hoje, com relação à religião, a maioria
dos jovens tem uma postura pós-moderna, o que significa dizer que eles encaram a fé
de um modo parecido ao jazz: informal, eclético e, muitas vezes, sem um tema
específico. Basicamente, eles “costumam rejeitar uma religião organizada,
privilegiando uma mescla religiosa que funcione para eles. Para esses jovens, não há
nada de mais em construir a própria fé juntando tradições de religiões totalmente
diferentes, e muitos formam sua teologia da mesma maneira como pegam um
resfriado: por meio de contatos casuais com estranhos”.
Essa mesma perspectiva foi constatada por um estudo realizado em 2010 pelo
Grupo Barna, um instituto de pesquisa dos Estados Unidos, que apontou que um
número crescente de pessoas está menos interessado em princípios espirituais e
desejosos de aprender mais soluções pragmáticas para a vida. O resultado disso é que
cada vez mais as pessoas sabem menos sobre suas próprias religiões. Elas não passam
de receitas espirituais que visam a proporcionar magicamente resultados imediatos
para a vida.
O cristianismo evangélico também não está imune a este problema. Com efeito,
o Instituto LifeWay Research21 divulgou recentemente o resultado de uma pesquisa
que apontou que boa parte dos evangélicos não conhecem as doutrinas básicas da
Igreja. O levantamento concluiu que temas como a salvação, a Bíblia e a natureza de
Deus podem confundir os fiéis. De acordo com a publicação, quando perguntados
“Quando você morrer irá para o céu, pois confessou seus pecados e aceitou Jesus
Cristo como seu Salvador?”, 19% disseram que não tem certeza. Cerca de 26% dos
entrevistados (todos membros batizados de suas igrejas) acreditam que “se uma
20
WILLARD, Dallas. Conspiração Divina. São Paulo: Mundo Cristão, 2010, p. 29.
21
Disponível em: http://www.cpadnews.com.br/integra.php?s=12&i=15503
Introdução ao estudo da Cosmovisão Cristã – Parte 1 11

pessoa está sinceramente buscando a Deus, poderá obter a vida eterna através de
outras religiões além do cristianismo”.

5. O poder das meras ideias


Desse modo, seja no ambiente secular ou religioso, muitos não dão a devida
atenção àquilo que dizem crer. E por mais estranho que possa parecer, quando
confrontados por suas ambiguidades, paradoxos e falta de fundamento, essas pessoas
simplesmente afirmam se tratar de “meras ideias”, sem impacto decisivo sobre seus
próprios comportamentos. Mas, como já afirmamos, ideias tem consequências.
Cosmovisões possuem implicações. Um exemplo que sintetiza essa verdade está no
livro de 1889 do romancista francês Paul Bourget, intitulado O discípulo, conforme
nos conta Dallas Willard.
O livro narra a história de um importante filósofo e psicólogo, que vivia
basicamente absorto em coisas “meramente” acadêmicas. Ele morava em seu
apartamento e a sua rotina consistia basicamente em refeições, passeios, cafés e aulas
e, três vezes por semana recebia visitas de professores e aluno das quatro às seis,
depois jantava, fazia uma curta caminhada. Depois, trabalhava um pouco mais e ia se
deitar pontualmente às dez horas. Era a existência de um erudito inofensivo que, nas
palavras de sua empregada, “não machucaria uma mosca”.
Entretanto, um dia ele foi chamado a prestar depoimento num inquérito policial
sobre um de seus ex-alunos, um rapaz brilhante que costumava ir à casa de seu mestre
para aprender e embriagar-se em discussões iluminadoras e libertadoras. E, na prisão,
enquanto aguardava o julgamento por homicídio, o jovem rapaz escreveu ao seu
mestre falando sobre aquilo que havia feito e sobre como todas as teorias aprendidas e
discutidas no ambiente acadêmico foram colocadas em prática por ele. Ao final,
Willard diz que “só raramente as consequências envolvem assassinato, mas os
acontecimentos do mundo e da vida das pessoas navegam sobre as águas de um mar
ideológico. As matanças no Camboja procedem de discussões filosóficas em Paris”.22
Ciente dessa realidade, Norman Geisler propõe que pensemos nas
consequências históricas que advêm direta e logicamente das crenças e convicções.
Ele lembra o exemplo de Adolf Hitler, que apelou para o povo de seu país a fim de
obter apoio para avançar na realização prática de sua visão naturalista:
“O mais forte deve dominar, não se igualar ao mais fraco, o que
significaria o sacrifício de sua própria natureza humana.
Somente o indivíduo que é fraco de nascimento pode entender
este princípio como cruel. E, se faz isso, é meramente porque é
de natureza mais fraca e de mente mais obtusa, pois se essa lei
22
WILLARD, Dallas. Conspiração Divina, p. 27.
Introdução ao estudo da Cosmovisão Cristã – Parte 1 12

não direcionasse o processo de evolução, o desenvolvimento


superior da vida orgânica não seria concebível de forma alguma
[...] Se a natureza não deseja que os indivíduos mais fracos se
igualem aos mais fortes, deseja ainda menos que uma raça
superior se misture com uma inferior, porque nesse caso todos
os seus esforços, ao longo de centenas de milhares de anos,
para estabelecer um estágio evolutivo mais alto do ser, podem-
se traduzir em inutilidade”[Mein kampf, p. 161-2]23.
As ideias de Hitler sobre a superioridade da raça ariana e as suas teses racistas e
antissemitas foram responsáveis pelo genocídio de milhares de pessoas,
desencadeando, inclusive, a 2ª Guerra Mundial. Hitler simplesmente aplicou os
conceitos teóricos de sua cosmovisão naturalista de seleção natural à raça humana.
Uma das provas disso foi Auschwitz, campo de concentração e símbolo do holocausto
provocado pelo nazismo. Por isso, Norman Geisler também escreve que “as
convicções fortes de homens como Hitler e Mengele mostram que a maneira de ver o
mundo (cosmovisão) pode mudar a face deste mundo”, por isso entender o que as
diferentes cosmovisões ensinam e as consequências lógicas de cada uma é crucial24.

6. Elementos constitutivos de uma cosmovisão

Toda visão de mundo procura responder às questões básicas do ser humano,


especialmente aquelas que dizem respeito aos pontos principais da própria vida, tais
como:
 De onde viemos?
 O que é o ser humano?
 O que acontece quando morremos?
 Como é possível conhecer alguma coisa?
 Como sabemos o que é certo ou errado?
 Qual o significado da vida?
Por essa razão, o filósofo cristão Ronald Nash diz que as cosmovisões contêm
pelo menos cinco grupos de crenças ou elementos fundamentais: Deus, Metafísica,
Epistemologia, Ética e Natureza humana.

Deus – O elemento crucial de qualquer cosmovisão, escreve Nash, é o que ela


diz sobre Deus. As diferentes concepções sobre a figura do divino marcam a distinção
entre as principais visões de mundo, na medida em que respondem a questões do tipo:

23
GEISLER, Norman, BOCCHINO, Peter. Fundamentos inabaláveis. São Paulo: Vida, 2003, p. 54.
24
GEISLER, Norman, BOCCHINO, Peter. Fundamentos inabaláveis, p. 54.
Introdução ao estudo da Cosmovisão Cristã – Parte 1 13

Deus existe? Qual sua natureza? Há mais de um Deus? Ele é um ser pessoal? Ou
apenas um poder impessoal?

Metafísica – Nesse ponto, Ronald Nash destaca que uma cosmovisão também
inclui respostas a questões sobre a Realidade última, como: Qual a relação entre Deus
e o universo? Um Deus pessoal e onipotente criou o universo? A existência do
universo é eterno? Há um propósito no universo?

Epistemologia – Este elemento diz respeito ao próprio conhecimento. É


possível saber, entender e conhecer? Existe verdade? A verdade é absoluta ou
relativa? O conhecimento sobre Deus é possível?

Ética – De acordo com Nash, a maioria das pessoas é mais consciente dos
componentes éticos de sua cosmovisão do que de suas crenças sobre metafísica e
epistemologia, pois “nós fazemos julgamentos morais sobre a conduta dos indivíduos
(nós mesmos e outros) e sobre nações”. Portanto, o elemento busca responder
indagações sobre a moralidade: Há leis morais que governam a conduta humana?
Quais são elas? A moralidade é totalmente subjetiva, ou há uma dimensão objetiva
para as leis morais que significa que sua verdade é independente de nossas
preferências e desejos? A moralidade é relativa aos indivíduos, culturas ou períodos
históricos?

Antropologia – Toda cosmovisão inclui também crenças sobre a própria


natureza do ser humano. O ser humano é apenas corpo ou materialidade, ou tem uma
dimensão espiritual? Qual sua origem? Existe vida após a morte? A vida tem um
propósito?

7. Quantas cosmovisões existem?

Os nomes e a quantidade de cosmovisões podem variar, a depender da


abordagem adotada pelo autor, enfatizando a história, a filosofia ou o elemento
religioso. Norman Geisler, que adota uma tipologia religiosa, afirma que existem sete
visões de mundo diferentes: Teísmo, Ateísmo, Deísmo, Teísmo finito, Panenteísmo,
Panteísmo, Deísmo e Politeísmo. James Sire, por outro lado, usa uma abordagem
filosófica, expondo aquilo que ele chama de catálogo básico de cosmovisões, no qual
elenca oito tipos diferentes de visões de mundo: Teísmo cristão, Deísmo, Naturalismo,
Niilismo, Existencialismo, Monismo panteísta oriental, Nova Era e Pós-modernismo.

Vejamos o mapa de cosmovisões de Geisler:


Introdução ao estudo da Cosmovisão Cristã – Parte 1 14

Mapa das cosmovisões (Norman Geisler)25

Teísmo Ateísmo Deísmo Teísmo Panenteísmo Panteísmo Politeísmo


Finito
Deus Um, infinito Nenhum Um, infinito Um, finito e Um, Um, infinito, Múltiplo,
e pessoal e pessoal pessoal potencialmente impessoal ou finito e
infinito, pessoal pessoal
realmente finito
Mundo Criado ex Eterno Finito ou Criado ex Criado ex Criado ex Criado ex
nihilo, finito (material) eterno matéria ou matéria e ex Deo, imaterial matéria,
ex nihilo, Deo Eterno eterno
eterno
Deus e Deus além Só mundo Deus além, Deus no Deus Deus é o Deuses no
Mundo do e no mas não do mundo e potencialmente mundo mundo
universo mundo além do além do mundo,
mundo e no mundo
realmente
Milagres Possíveis e Impossíveis Podem ser Podem ser Impossíveis Impossível Possíveis e
reais possíveis, possíveis, reais
mas não mas não
reais reais
Natureza Alma e Corpo Corpo Corpo Corpo mortal/ Corpo moral/ Corpo
humana corpo mortal moral/ alma mortal/ alma alma imortal alma imortal moral/ alma
imortais imortal imortal (alguns) imortal
Destino Ressurreição Aniquilação Recompensa Recompensa Na memória de Reencarnação, Recompensa
humano para ou e/ou Deus unindo-se a e
recompensa julgamento julgamento Deus julgamentos
ou da alma da alma divinos
julgamento
Origem Livre- Ignorância Livre- Na luta Aspecto Ilusão Em lutas
do mal arbítrio humana arbítrio e/ou interna de necessário de entre deuses
ignorância Deus Deus
Fim do Será Pode ser Pode ser Pode ser Pode ser Será absorvido Não será
mal derrotado derrotado derrotado derrotado derrotado por por Deus derrotado
por Deus por seres por seres por seres seres humanos por deuses
humanos humanos ou humanos ou por Deus
por Deus
Base da Baseada em Baseada na Baseada na Baseada em Baseada num Baseada em Baseada em
ética Deus humanidade natureza Deus ou na Deus mutável manifestações deuses
humanidade menores de
Deus
Natureza Absoluta Relativa Absoluta Relativa Relativa Relativa Relativa
da ética
História Linear, Caótica, Linear, Linear, Linear, Circular, Linear ou
e proposital, sem proposital, proposital, proposital, ilusória, eterna circular,
objetivo determinada objetivo, eterna eterna eterna proposital,
por Deus eterna eterna

Observamos que as três principais visões de mundo de Geisler coincidem com


as três de Sire: Teísmo, Deísmo e Ateísmo (naturalismo). Sendo assim, prosseguimos
para compreender as informações básicas dessas cosmovisões.

Teísmo
O teísmo parte da premissa elementar que existe um Deus, Criador de todas as
coisas. Esse Deus é infinito e pessoal, transcendente e imanente, onisciente, soberano
e bom. Ele é soberano e criou o cosmos ex-nihilo (do nada) para operar uma
uniformidade de causa e efeito em um sistema aberto. Significa dizer que para o
teísmo cristão, o cosmo não foi criado para ser caótico, mas ordenado. Enquanto

25
GEISLER, Norman. Enciclopédia de Apologética: respostas aos críticos da fé cristã. São Paulo:
Editora Vida, 2002, p. 193.
Introdução ao estudo da Cosmovisão Cristã – Parte 1 15

sistema aberto, significa que o universo não é programado, pois Deus está
constantemente envolvido no patente padrão da contínua operação do universo.
Os seres humanos são criados à imagem de Deus e, portanto, possuem
personalidade, autotranscedência, inteligência, moralidade, senso gregário e
criatividade.
Os seres humanos podem conhecer tanto o mundo que os cerca quanto o
próprio Deus, porque ele colocou neles essa capacidade e porque ele desempenha um
papel ativo na comunicação com eles. Os seres humanos foram criados bons, porém,
decido à queda a imagem de Deus tornou-se desfigurada, embora não tão destruída de
modo a não ser mais passível de restauração; através da obra de Cristo, Deus redimiu
a humanidade e começou o processo de restaurar as pessoas à bondade, muito embora
qualquer pessoa possa escolher rejeitar essa redenção.
Para cada ser humano, diz Sire, a morte representa tanto o portão para a vida
com Deus e seu povo quanto o portão para a separação eterna da única coisa que pode
satisfazer as aspirações humanas definitivamente.
A ética é transcendente e alicerçada no caráter de Deus como bom (santo e
amoroso).
A história é linear, uma sequência de eventos significativos, que levam ao
cumprimento dos propósitos de Deus para a humanidade.
Deísmo
Um Deus transcendente, como primeira causa, criou o universo, mas, então, o
deixou funcionar por conta própria. Deus é, portanto, não imanente, não totalmente
pessoal, não soberano sobre os assuntos humanos e não providencial.
O cosmo criado por Deus é determinado, pois foi criado como uma
uniformidade de causa e efeito em um sistema fechado, e por isso nenhum milagre ou
intervenção divina é possível.
Os ser humanos embora pessoais, fazem parte do mecanismo do universo. Os
deístas reconhecem a autoconsciência, a autodeterminação, a inteligência e o senso de
moralidade do homem, porém, afirmam que tais características não estão alicerçadas
no caráter de Deus. Os seres humanos possuem, por assim dizer, uma espécie de
natureza autônoma assim como o restante do material do universo.
Os cosmo, este mundo, é compreendido como estando em seu estado normal;
ele não é decaído ou anormal. Podemos conhecer o universo e por meio de seu estudo
determinar como Deus é.
A ética, para o deísmo, é restrita à revelação geral; pelo fato do universo ser
normal, ele revela o que é certo. Essa posição, explica Sire, na realidade termina por
Introdução ao estudo da Cosmovisão Cristã – Parte 1 16

destruir a ética, pois se tudo o que for, é certo, então não existe mal. Não há distinção
entre o bem e o mal.
A história é linear, pois o curso do cosmo foi determinado pela criação.
Naturalismo

Sire começa por dizer que o naturalismo é um istmo entre dois grandes
continentes – teísmo e naturalismo. Para o naturalista, a matéria existe eternamente e é
tudo o que há. Deus não existe. Como afirmou o astrofísico Carl Sagan, “O cosmo é
tudo o que é, foi ou será”.
O cosmo existe como uma uniformidade de causa e efeito em um sistema
fechado.
Os seres humanos são “máquinas complexas; personalidade é uma inter-
relação de propriedades químicas e físicas ainda não totalmente compreendidas.
A morte é a extinção da personalidade e da individualidade.
A história (tanto natural quanto humana) é uma corrente linear de eventos
ligada por causa e efeito, porém, em uma proposta abrangente.
A ética está relacionada apenas aos seres humanos. Não há nenhuma lei moral
escrita no cosmos, e por isso os valores decorrem da experiência humana. Sendo
assim, a ética é autônoma e situacional, não necessitando de qualquer sanção
teleológica ou ideológica. A ética provém da necessidade e interesses humanos.

8. Escolhendo uma cosmovisão

Como afirmamos, toda pessoa, de forma consciente ou inconsciente, possui


uma visão mundo. E, considerando que a cosmovisão de uma pessoa possui
consequências práticas, formando um mapa mental pelo qual navegamos, é
significativamente importante identificarmos e refletirmos sobre a nossa própria
cosmovisão.

Em seu livro Como Viveremos, Francis Schaeffer ressalta que a maioria das
pessoas “pega” seus pressupostos do contexto familiar e da sociedade circundante, da
mesma maneira que uma criança “pega” sarampo. Entretanto, as pessoas um pouco
mais esclarecidas percebem que os seus pressupostos devem ser escolhidos após uma
cuidadosa consideração de qual cosmovisão é verdadeira.

Mas, quais os melhores indicativos para a escolha de uma visão de mundo?

Em resposta a essa pergunta, Charles Colson e Nancy Pearcey sugerem


algumas diretrizes capazes de nos auxiliar a definir uma visão de mundo coerente com
Introdução ao estudo da Cosmovisão Cristã – Parte 1 17

a realidade: compatibilidade com a evidência cientifica, fundamento da dignidade


humana, o definitivo significado da vida, nosso destino e o serviço ao próximo.
Segundo os autores, somente a visão de vida judaico-cristã conforma-se à realidade e
descreve a natureza e o caráter da condição humana da forma como realmente
experimentamos. Somente a visão bíblica cria uma base sustentável, racional e
verdadeiramente libertadora para a vida humana. 26

Em primeiro lugar, a cosmovisão cristã é absolutamente compatível com a


evidência cientifica. Para além da criação das primeiras universidades, o Cristianismo
contribuiu com a formulação das bases da ciência moderna, tanto que as maiores
descobertas científicas foram, em grande parte, obra de cristãos27. O pensamento de
que o universo obedece a um conjunto de leis preestabelecidas e que o papel do
cientista é exatamente desvendar estas leis, nasce exatamente da concepção cristã.

De acordo com Dinesh D´Souza, “o Cristianismo revigorou a ideia de um


cosmos ordenado ao imaginar o Universo como sustentado por Leis que incorporam a
racionalidade de Deus, o criador”, defendendo que o homem foi criado à imagem e
semelhança de Deus, o que significa que existe uma centelha de razão divina no
homem, separando-o das outras coisas e dando-lhe o poder especial de compreendê-
las. “De acordo com o Cristianismo, a razão humana provém da inteligência divina
que criou o Universo”.28
Tudo isso pode ser sintetizado nas palavras de C. S. Lewis: “Os homens se
tornaram cientistas porque esperavam haver leis na natureza, e esperavam haver leis
na natureza, porque acreditavam num legislador”.29 Baseado nessa convicção é que
Francis Bacon (1561-1626), considerado por muitos como o pai da ciência moderna,
ensinava que Deus nos fornece dois livros – o livro da natureza e a Bíblia – e que,
para ser instruída de maneira correta, a pessoa deveria dedicar a mente ao estudo de
ambos.30

Dentro dessa percepção, o professor de Oxford, John Lennox, em seu livro Por
que a ciência não consegue enterrar Deus, anota que muitas das proeminentes figuras
da ciência tinham o mesmo pensamento de Bacon. Homens como Galileu (1564-
1642), Kepler (1571-1630), Pascal (1623-1662), Boyle (1627-1691), Newton (1642-
1727), Faraday (1791-1867), Babbage (1791-1871), Mendel (1822-1879) eram teístas;

26
COLSON, Charles, PEARCEY, Nancy. E agora como viveremos?. 1a.ed. Rio de Janeiro: CPAD,
2000, p. 165.
27
D´SOUZA, Dinesh. A verdade sobre o Cristianismo. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2008, p.
106.
28
D´SOUZA, Dinesh. A verdade sobre o Cristianismo, p. 116.
29
Citado por LENNOX, John C. Por que a ciência na consegue enterrar Deus?; [tradução Almiro
Pisetta]. São Paulo: Mundo Cristão, 2011, p. 28.
30
LENNOX, John C. Por que a ciência na consegue enterrar Deus?, p. 28.
Introdução ao estudo da Cosmovisão Cristã – Parte 1 18

em sua maioria eles eram, de fato, cristãos. Sua crença em Deus – acrescenta Lennox
– “longe de ser um empecilho para a ciência, era muitas vezes a principal inspiração
para ela, algo que eles não tinham vergonha de afirmar. A força que impulsionava a
mente inquisitiva de Galileu, por exemplo, era sua profunda convicção interior de que
o Criador que nos ‘deu sentidos, razão e intelecto’ pretendia que nós não
‘renunciássemos ao uso deles e que, por algum outro meio, obtivéssemos o
conhecimento que por meio deles podemos adquirir’”31.

Em segundo lugar, somente a cosmovisão judaico-cristã fornece o fundamento


da dignidade humana e do sentido da vida. A doutrina bíblia da Criação que está em
Genesis 1.27 “E criou Deus o homem à sua imagem; (...) macho e fêmea os criou”
(Gênesis 1.27) é a base da distinção e valoração humana, assim como do seu proposito
existencial. Colson e Pearcey lembram que os seres humanos na realidade refletem o
caráter da Fonte final e definitiva de todo o Universo. Como poderia alguém, mesmo
em teoria, conceber outra base mais segura para a dignidade humana?

Por fim, somente a cosmovisão cristã fornece o melhor e mais certo motivo
para o serviço e a solidariedade ao próximo. As Escrituras, lembram os autores,
ordenam que os crentes amem ao próximo como a si mesmos (Mateus 19.19), cuidem
das viúvas e dos órfãos (Tiago 1.27), sejam bons samaritanos (Lucas 10.30-37),
alimentem o faminto, vistam o nu e visitem o doente e encarcerado (Mateus 25.36).
Mas de onde vem essa compaixão de cuidar dos outros? Mas uma vez a resposta está
na Criação divina.

Uma análise histórica do cristianismo do primeiro século demonstra o modo


como os cristãos se importavam com o cuidado para com o próximo. Várias ações
evidenciam o modo como os discípulos exerciam a diaconia e prestavam assistência aos
mais necessitados e carentes. Nesse sentido, pode-se citar o ágape, uma espécie de
refeição comunitária entre os cristãos, que além da celebração da Ceia do Senhor tinha
como objetivo também saciar a fome das pessoas. Segundo os historiadores, o
ágape era realizado diariamente e os alimentos eram trazidos pela própria comunidade
para que pudessem partilhar com os demais e com isso suprir suas necessidades.
A vida ética, escreve Stanley Grenz, está integralmente ligada à perspectiva
comunitária, a uma visão de mundo compartilhada, ou seja, ao que podemos até chamar
teologia. Por essa razão, prossegue Grenz, a integridade cristã nunca é uma ética
isolada, puramente pessoal. “Ao contrário, a vida íntegra começa quando o cristão
desenvolve uma consciência de identidade pessoal dentro de um contexto da comunhão
cristã”. Tal noção afasta do contexto econômico o individualismo e entroniza o
compartilhamento social como regra basilar.

31
LENNOX, John C. Por que a ciência na consegue enterrar Deus?, p. 28.
Introdução ao estudo da Cosmovisão Cristã – Parte 1 19

Bibliografia:
BARNA, George. Pense como Jesus: como pensar, decidir e agir em sintonia com Deus. São
Paulo: Vida Nova, 2007. ________.

COLSON, Charles, PEARCEY, Nancy. E agora como viveremos?. 1a.ed. Rio de Janeiro:
CPAD, 2000.

D´SOUZA, Dinesh. A verdade sobre o Cristianismo. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2008.

GEISLER, Norman. Enciclopédia de Apologética: respostas aos críticos da fé cristã. São


Paulo: Editora Vida, 2002.

________, BOCCHINO, Peter. Fundamentos inabaláveis. São Paulo: Vida, 2003.

LENNOX, John C. Por que a ciência na consegue enterrar Deus?; [tradução Almiro
Pisetta]. São Paulo: Mundo Cristão, 2011.

PALMER, Michael D. (Org.). Panorama do Pensamento Cristão. 1a.ed. Rio de Janeiro:


CPAD, 2001.

PEARCEY, Nancy. Verdade Absoluta: libertando o Cristianismo do seu cativeiro cultural.


Rio de Janeiro: CPAD, 2006.

SCHAEFFER, Francis. Como Viveremos. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003.

SIRE, James. Dando nome ao elefante: cosmovisão como um conceito, tradução Paulo
Zacharias e Marcelo Herberts. Brasília: Editora Monergismo, 2012.

________. O universo ao lado: um catálogo básico sobre cosmovisão [tradução Fernando


Cristófalo]. 4a. Ed. São Paulo: Hagnos, 2009.

WILLARD, Dallas. Conspiração Divina. São Paulo: Mundo Cristão, 2010.

ZACHARIAS, Ravi. Pode o homem viver sem Deus?. São Paulo: Mundo Cristão, 1997.

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