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III Fórum Goiano da Pós-Graduação em História

&
XVI Seminário de Pesquisa da Pós-Graduação em
História UFG/ PUC Goiás

12 e 13 de junho de 2023

ANAIS
Elias Nazareno
Renata Cristina Nascimento
Thaís Alves Marinho

Goiânia
2023
III Fórum Goiano da Pós-Graduação em História
&
XVI Seminário de Pesquisa da Pós-Graduação em História UFG/ PUC Goiás

Realização

Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás


Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica de Goiás
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Goiás
Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais, Memória e Patrimônio
Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em História
Mestrado profissional em Ensino de História UFG

Organização Geral

Dr. Elias Nazareno


Dra. Renata Cristina Nascimento
Dra. Thaís Alves Marinho

Edição dos Anais

João Marcelo Farias


João Victor Nunes Bernardes
Renata Cristina de Sousa Nascimento
Wemerson dos Santos Romualdo

Capa

Pintura rupestre em Serranópolis/GO – Foto de Weimer Carvalho.


Disponível em: https://opopular.com.br/cidades/pinturas-rupestres-de-sitios-em-serranopolis-
est-o-ameacadas-1.70946

Apoio
III Fórum Goiano da Pós-Graduação em História
&
XVI Seminário de Pesquisa da Pós-Graduação em História UFG/ PUC Goiás

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originalidade dos textos.

SOBRENOME, Nome. Título do artigo. In: NAZARENO, Elias.; NASCIMENTO,


Renata Cristina de Sousa; MARINHO, Thaís Alves. Anais do III Fórum Goiano da
Pós-Graduação em História & XVI Seminário de Pesquisa da Pós-Graduação em
História UFG/ PUC Goiás. Goiânia: UFG e PUC Goiás, 2023.

ISSN 2176-6738
O Chafariz da Boa Morte entre contextos históricos, artísticos e patrimoniais

Guilherme Antônio de Siqueira241


Raquel Miranda Barbosa242

Introdução

O sentimento que a arte provoca no ser humano, está totalmente concentrada na capacidade
de tocar, afetar, encantar, emocionar e elevar o espírito do indivíduo, amante da arte e de todo ser
humano, em todos seus aspectos: emotivo, racional, místico e corporal. A cidade de Goiás possui um
grande acervo de elementos artísticos, dentre eles o calçamento de pedras nas ruas da cidade descritas
nos versos da poetisa Cora Coralina em seu poema Das pedras: "Entre pedras / cresceu a minha poesia.
/ Minha vida... / Quebrandopedras / e plantando flores. / Entre pedras que me esmagavam / Levantei a
pedrarude / dos meus versos” (CORALINA, 2001, p. 13), e na perpetuação plástica do conjunto
arquitetônico, urbanístico e paisagístico feitos por Goiandira do Couto.
A atmosfera artística que compõe a cidade, ultrapassa os versos de CoraCoralina e vai Muito
além das telas douradas (Barbosa, 2017) registradas pelaplasticidade com material natural da técnica
criada por Goiandira do Couto. Nas paisagens retratadas pela artista das areias coloridas está também
o Chafariz de Cauda. O que nos impressiona é a beleza do monumento o que nos instiga aquestionar
e buscar compreender e todos os elementos simbólicos que compõea fotografia. Obra arquitetônica
de extrema importância para a população vilaboense deixando expressiva a sua utilidade como fonte
de abastecimento na cidade de Goiás no período dos setecentos, tornando-se uma das maiores
expressões da arte barroca arquitetônica local.
O Monumento Chafariz da Boa Morte, faz parte do conjunto arquitetônico e urbanístico, con
tribuindo para que a cidade que fosse reconhecida em 2001 pela UNESCO (Organização das Nações
Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) como sendo Patrimônio Histórico e Cultural Mundial por
sua arquitetura peculiar.

241
Artista plástico, graduado em Artes Visuais pela Faculdade de Artes da UFG, discente do Programa de Pós-
Graduação em Estudos Culturais, Memória e Patrimônio,PROMEP/UEG.
Email: professorguilhermesiqueira@gmail.com.
242
Professora Dra da disciplina Visualidades e Patrimônio do Programa de Mestrado Profissional em Estudos Culturais,
Memória e Patrimônio, PROMEP/UEG

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De Arraial, Vila Boa a Goiás: o patrimônio mundial

As abordagens cientificas sobre a Cidade de Goiás, geralmente, partem do seu surgimento. A


peça teatral chamada “ Goiás que a história Guardou”, escrita por Elina Maria da Silva (PRADO,
2014), durante a criação da OVAT (Organização Vilaboense de Artes e Tradições) fundada por
pessoas da sociedade como “guardiões da memória / história” de Goiás na década de 60 inspira essa
narrativa histórica. A peça narra os fatos dos mitos que acerca, os primórdios que levaram para
florescimento do arraial de Sant’Anna. Para tanto, a historiografia regional esclarece a história ou estória
dessa localidade envolvendo as lendas que remontam os mitos de origem em torno do primeiro
vilarejo goiano:

Segundo relatos de cronistas e viajantes do século XIX (Taunay, 1961;Silva e Souza


apud Teles, 1978; Alencastre, 1979), Bartolomeu Buenoda Silva, tanto Bartolomeu
pai, em 1682, quanto o Bartolomeu Filho, em 1727, em bandeira de exploração do
território da colônia portuguesa, teriam encontrado ouro na região onde viviam os
índios Goyases. Da descoberta surgiriam os arraiais de Sant'Ana, Barra, Ouro Fino e
Ferreiro (Alencastre, 1979). Provavelmente, por esta razão, muitos vilaboense e
turistas que visitam a cidade acreditam que os restos da antiga aldeia encontram-se
onde hoje é a cidade de Goiás. Por diversas vezes ouvi de transeuntes: Vai encontrar
índio Goyá enterrado ai nesses buracos em!? Ou ainda: Tão procurando ouro? Mais
um pouco vocês encontram o cascalho que tem ouro! O imaginário coletivo
relacionado a Bartolomeu Bueno, seu supostoencontro com os índios Goyases e a
descoberta do ouro ainda permeiam a mente do vilaboense, afinal é parte do mito
de origem da cidade. (TAMASO apud TEDESCO, 2013 p.149).

Em 1725, Bartolomeu Bueno da Silva retorna para São Paulo com sua expedição, levando
para o governador Rodrigo César de Menezes, ouro suficiente para demonstrar a riqueza do solo
goiano. No ano de 1726, o Anhanguera, retorna para Goiás com uma nova expedição, dando início à
exploração aurífera das minas e garimpos. Nesse aspecto, é costume dizer que Bartolomeu Bueno da
Silva – o Anhanguera foi quem descobriu Goiás. Mas, em isso não significa que ele foi o primeiro a
chegar aqui, mas foi quem organizou a expedição das bandeiras e veio para Goiás coma intenção de
fixar-se aqui. Já em 1727, Bartolomeu Bueno da Silva, fixou domicilio na Barra (Buenolândia) deu
início a construção do Arraial e também de uma capela dedicada a Sant’Anna, já que Sant’anna é
padroeira de Vila de Parnaíba,sua terra natal. (Cf. REIS,1979).
Da Barra, o Anhanguera transfere-se em janeiro e se manteve fixado às margens do Rio
Vermelho. Ergueu sua residência no local onde se acha hojea Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte,
atual Museu de Arte Sacra da Boa Morte, mas só em 26 de julho do mesmo ano começaria a Capela
de Sant’Anna.(Cf. PASSOS, 2018). O florescimento do arraial de Sant’Anna, aparece com a escassez
dascatas de minas na Barra, onde predominava a seca. Em 1729 o Arraial de Sant’Anna foi elevado
a comarca pertencente a Capitania de São Paulo (PALACÍN E MORAES, 1994).

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O arraial foi elevado a título de vila no dia 25 de julho de 1739, passando a se chamar Vila
Boa:

Aos 25 dias do mês de julho de 1739, nesta Vila Boa de Goiás, onde veio o Exmo.
Sr. D. Luiz Mascarenhas, General desta capitania, em virtude da ordem de S. M.
remetida ao Conde de Sarzedas, seu antecessor para o efeito de erigir uma Vila nestas
minas, havendo eleito as justiças e declarado pelo Dr. Superintendente Geral
Agostinho Pacheco Teles, Juízes Ordinários Antônio Dias da Silva e Antônio de
Brito Ferreira, Vereadores Tomé Gomes Mazagão e Antônio Garrido, o Procurador
João Lopes Zedes e em seu lugar Antônio de Brito Rabelo, sendo escrivão da Câmara
Miguel Carlos, levando o estandarte dela Inácio Dias Paes, foi mandado pelo dito
Sr. General que todos os ditos com a nobreza e o povo da dita Vila a que eles
acompanhou fossem levantar o Pelourinho ao lugar destinado, junto aoArraial a que
em nome d'El Rei deu-se o nome de Vila Boa, e todos concorreram para o
levantamento do Pelourinho, que com efeito se levantou; do que para constar fez este
termo, que assinou o Exmo. Sr.General Superintendente e Câmara. Eu, Antônio da
Silva de Almeida,Secretário de Governo o escrevi. Dom Luiz, de Mascarenhas -
Agostinho Pacheco Teles Tomé Gomes Mazagão - Antônio Dias da Silva-Antônio
de Brito Ferreira - Antônio Xavier Garrido - Antônio de Brito Rabelo. (In:
ALENCASTRE, 1979).

No prospecto datado de 1751, atribuído ao italiano Francisco Tossi, percebe-se que o centro
urbano de Vila Boa desenvolveu-se com as primeiras edificações: Matriz de Sant’Anna, Capela de
Nossa Senhora da Boa Morte, Quartel, Casa da Real Intendência, Cadeia, Casa de Câmara, Passo do
Senhor dos Passos, Casa do Consistório da Irmandade do Senhor dos Passos e Casa do Consistório
da Irmandade do Santíssimo Sacramento, conforme imagem na Figura 01, a seguir.

Figura 01: Prospecto atribuído a Francisco Tossi Colombina,1751.

Fonte: Passos, 2018.

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Somente em 17 de setembro de 1818, é publicada uma portaria expedida pela Secretaria de
Estado de Negócios do Império, e Vila Boa é elevada a título de cidade recebe o nome de cidade de
Goyaz, a pedido do BispoD’Azoto, prelado de Goiás. (O Democrata nº 311 – 22/06/1923). No final
do século XIX, em 1891 é promulgada a Constituição do Estado Goiás e ela determina que Vila Boa
será a capital do Estado, enquanto outra coisa não deliberar o Congresso (REIS,1979).
Em 23 de março de 1937, o decreto nº 1816 determina que seja transferida a capital da Cidade
de Goiás, para Goiânia. Contudo, as relações históricas e culturais do Estado não se desvencilham da
Cidade de Goiás, importante localidade para análises, interpretações e sentidos de começos para a
constituição da identidade e representação dos goianos dentro e fora do Estado de Goiás.

Goiás: de antiga capital ao tombamento histórico cultural

Uma das maiores conquistas para a preservação do patrimônio cultural foi a criação do
SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico Artístico Nacional) em 1937. A criação do órgão nas
primeiras décadas do século XX, determinava as atribuições promulgadas pelo Decreto –lei nº 25, de
30 de novembro de 1937 com o objetivo de propagar e defender o chamado patrimôniohistórico e
artístico nacional. As inscrições no Livro do Tombo limitavam-se a abranger somente o patrimônio
material, sobretudo o simbólico:

Com base em experiências europeias já consolidadas - algumas desdeo século XIX,


como a francesa - o então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Sphan, a partir de sua criação, em 1937, estruturou sua política visando proteger
móveis e imóveis de valor "excepcional". Foi esse olhar, portanto, que norteou o
intenso e extremamente difícil trabalho de identificação desses bens em todo o
imenso território brasileiro, priorizando a proteção daqueles ameaçados de
descaracterização ou desaparecimento, e concentrando-se, por esse motivo, nas
regiões em que a ocupação docolonizador deixou marcos reconhecidos, tanto por
serem testemunhos de "fatos memoráveis" de nossa história como por serem
considerados exemplares "autênticos" da criatividade artística brasileira. Esse
processo de seleção tinha como bases umahistoriografia que privilegiava os marcos
da conquista do território, assim como as diferentes fases da organização política da
nação, e uma estética pautada em uma determinada leitura dos estilos arquitetônicos
e artísticos. (FONSECA, 2017, p. 158).

Fonseca nos reforça sobre o papel do SPHAN, limitando-se ao tombamento, os bens que
apresentasse as características do período colonial, em todo território brasileiro. Inserida nesse
contexto, sustentada pelas características exigidas pelo SPHAN para o tombamento, em 1942 o
escritor Brito Broca publica uma crônica onde solicitava a salvaguarda da cidade de Goiás:

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Figura 02: Crônica escrita por Brito Broca, 1942.

Fonte: IPHAN – Escritório Técnico da Cidade de Goiás

Sob carta oficial, o Estado de Goiás encaminhou o parecer de nº 501, datado de 18/11/1942.
Em fevereiro de 1943, o diretor do SPHAN Rodrigo Melo Franco de Andrade deu um parecer
desfavorável, alegando que a cidade não mais conservava mais sua arquitetura original, e que muitos
de seus casarios já tinham sofrido alterações em suas características coloniais. Sendo assim, no final
da década de 40, o Governador Coimbra Bueno, solicitou uma visita técnica de especialistas do
SPHAN e ficou resolvido que um técnico da Instituição viria a Goiás, para analisar não somente a
cidade de Goiás O técnico designado foi o Dr. Edgar Jacinto Silva (PASSOS, 2018):

Na Cidade de Goiás, 65% de seus edifícios ainda conservam íntegro oseu aspecto
tradicional, não tendo sofrido modificações que a desfigurassem. 30% foram
alterados nas fachadas, principalmente pela substituição dos beirais por platibandas
e cimalhas, permitindo recuperação futura; os restantes 5% são de construções
novas, absolutamente estranhas ao conjunto urbanístico"[...]. [...]"exemplar notável,
tanto pela sua monumentalidade como pela sua solução de planta". Com igual
entusiasmo se refere à antiga Casa de Câmara e Cadeia: "magnífico edifício do
século XVIII, conservando-se integralmente no seu aspecto primitivo, sugerindo a
criação de um Museu nesse prédio" (PASSOS, 2018 p.326).

É comum em outras cidades que surgiram durante o período colonial, os chafarizes que foram
os primeiros equipamentos públicos como a finalidade de atender o abastecimento de água, a cidade
de Goiás possui como parte de seu conjunto arquitetônico, alguns chafarizes. Com o passar dos anos,
e com a chegada do sistema de encanamento d´água domiciliar, alguns deixaram de existir, conforme
é nos apresentando na fotografia abaixo, e outros simplesmente um monumento como complemento
em espaço público.

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Figura 03: Chafariz da Rua da Pedra- Goiás-GO, década de 1940.

Fonte: IPHAN/Ministério da Educação – Escritório Técnico da Cidade de Goiás.

Em comparação com a década de 1940, conforme figura 3, para a atualidade, a cidade de


Goiás conta com apenas cinco chafarizes. São eles: Chafariz do Largo da Igreja de São Francisco de
Paula, Chafariz da Praça Tiradentes, ou “Atrás do Açougue”, Chafariz do Largo do Jardim e Chafariz
da Carioca - sendo único em funcionamento com água potável - e o Chafariz de Cauda.

O Barroco no Brasil

Sabemos que o estilo do barroco, surge e florece na Itália entre o final do século XVI e
meados do século XVIII, difundindo-se em seguida pelos países baixos da Europa e da América. Esse
estilo era primeiramente somente uma forma decorativa. Mas, foi a partir da reforma e
contrarreforma, que o barroco encontra o cenário perfeito para expandir-se.
Estilo esse, que influenciou todas as linguagens das artes, música, literatura, escultura e
pintura. Contundo sua evidência, foi mais forte nas Igrejas católicas, com suas fortes características
como o exagero, a dramaticidade, e teatralidade, suntuosidade dentre outras.
Porém, quando esse estilo já estava em declínio na Europa, o barroco, ele chega no Brasil por
influência dos Jesuítas no século XVIII e permanece até o início do século XIX.
No Brasil, esse estilo está totalmente associado a religião católica. São inúmeras Igrejas
construídas seguindo esse estilo. Entre nos estados da Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, vamos
encontrar o barroco com duas linhas bem diferentes. Nas regiões que enriqueceram com a exploração
aurífera e com a exploração de cana-de-açúcar, vamos encontrar trabalhos mais elaborados, como
talhas, portadas com belíssimas esculturas, e igrejas com adornos em relevos de madeira. Já nas
regiões onde o ciclo do ouro foi menor, ou não tiveram exploração da cana-de açucar, vamos

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encontrar trabalhos mais modestos. Todavia, na região mineira vamos ver riquíssimos trabalhos de
entalhes muito bem-produzidos, como é o caso do chafariz de Marília de Dirceu em Ouro Preto, MG.

Figura 4: Chafariz de Marília de Dirceu, contruído em 1759. - Ouro Preto/ MG

Fonte: https://www.tripadvisor.com.br/LocationPhotoDirectLink-g303389-d7331520-i118549758-
Chafariz_Marilia_de_Dirceu-Ouro_Preto_State_of_Minas_Gerais.html.

Em comparação estilística, o “Chafariz de Cauda, termo esse utilizado em virtude de que o


aqueduto que o abastesse, assemelhar a uma enorme cauda, em sua parte posterior (Coelho,1999). É
um dos raros edifícios na cidade de Goiás que apresenta em sua arquitetura, elementos do barrroco-
rococó.
A sua frente, é formada por um grande conjunto de grade em madeira frontal, criam um pátio
de forma hexagonal, com bancos em pedra, para que o usários das bicas, pudessem descansar. Como
elementos de decoração em sua arquitetura, possui pináculos com volutas, cornijas e desenhos
diferenciados, com características exuberantes ao bom gosto do rococó.
Em seu frontispício encontra-se entalhado em pedra-sabão um grande escudo com os dizeres:
“Mandado fazer pela Câmara desta vila, sendo Governador e Capitão General o ilustríssimo José de
Almeida Vasconcelos Soveral e Carvalho e Ovd. Geral o Desembargador Antônio José de Almeida.
Ano 1778”. Valemo-nos de Borges, 2010 para entendermos a criação e a dataprecisa da construção
do Chafariz da Boa Morte:

Chafariz de Cauda da Boa Morte construído em 1778 com a finalidadede abastecer


de água a parte da cidade localizada a margem esquerda do Rio Vermelho. Foi
construído em alvenaria de pedra, com detalhesem pedra sabão. Além das bicas que
forneciam água a população, naparte externa encontram-se dois tanques que eram
reservados aos animais, pois como no século XVIII, a maioria das ruas de Goiás não
era pavimentada, o transporte era feito por tração animal, e bancos depedra em seu
pátio central para o conforto da população. (BORGES, 2010, p. 48)

Construído em alvenaria de pedra, possui alguns detalhes entalhados em pedra-sabão. No seu


corpo central, algumas bicas que forneciam água para a população e na parte extrerna, dois tanques
destinados aos animais.

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Pela imagem na figura que se segue, é possível contemplar o monumento em estudo.

Figura 05: Chafariz de Cauda

Foto: Guilherme Siqueira, 2023.

Passos (2018), aponta, com mais robustez, a forma que foi realizada a construção do
monumento, para que atendesse a necessidade da população da cidade:

1778-??/02 - Estando tudo assentado para a construção da fonte, a obra é posta em


concorrência. A diversidade de trabalho e de materiais muito específicos obriga a
Câmara à divisão da empreitada. Para administrar o trabalho foi contratado Antônio
Ludovico de Jesus, antepassado de duas famílias ilustres desta Capital, e que assinou
termo de compromisso para o fornecimento de toda a cal necessária à obra, à razão
de meia oitava o alqueire. Antônio Franco Pinheiro ficou responsável pela condução
das pedras e lajes que o trabalho requeresse, pela importância de 80 oitavas de ouro.
A obra, iniciada em março, ficou pronta em julho. 1778-02/07-O porteiro da Câmara,
Bento de Oliveira, apregoa em hasta pública, pelas ruas de Vila Boa, a fatura das
Armas Reais e a inscrição para as perspectivas da frente, tendo sido arrematante
Antônio Ludovico de Jesus, por 50 oitavas. Pela letra do velho documento podemos
deduzir que a água emanada para a fonte vinha primeiramente da propriedade de
Manoel Ribeiro de Abreu. 1780- 30/10 - Por arrematação, Lourenco da Cruz Leal se
obriga a construir um novo rego, betumado e com lajes, para conduzir a água da
propriedade de José Moreira Barreiro, que a cedera à Câmara, lavrando-se o termo.
Quando os trabalhos foram iniciados, o Presidente da Câmara de Vila Boa era José
Cardoso da Fonseca, e vereadores Aires Pedro da Costa, Felipe de Almeida Galmon
e Alexandre José de Melo. O Visconde da Lapa não assistiu à inauguração da obra.
A inscrição de seu nome no escudo da fonte, mesmo depois de sua retirada, é um
atestado de que ele efetivamente havia sido o mais popular dos Capitães Generais.
Dizeres da placa do Chafariz: “Mandado fazer pela Câmara desta Vila, sendo
Governador, o Capitão General José de Almeida Vasconcelos Soveral e Carvalho, e
Ouvidor-Geral o Desor. Antônio José Cabral de Almeida, no ano de 1778. (PASSOS,
2018 p.278-279).

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Figura 06: Chafariz de Cauda década de 40.

Fonte: Acervo Antônio Carlos Costa Campos

O Chafariz de Cauda, ocupa um lugar de destaque na Praça Dr. Brasil de Ramos Caiado,
conhecido também como Largo do Chafariz. Quem adentra o largo, tem a impressão que o
monumento estende os braços e acolhendo quem ali chega. Se destaca entre os casarios seculares
devido sua beleza, fazendo uma composição belíssima com o conjunto arquitetônico e urbanístico.
Ao discutirmos sobre a função social do Chafariz, alinhamos essa análise ao pensamento de
Pierre Nora (1984) que diz: “Os lugares de memória são, antes de mais nada, restos. [...] São rituais
de uma sociedade sem ritual, sacralidades passageiras em uma sociedade que dessacraliza, ilusões de
eternidade.” É seguindo esse viés que nos leva a pensar que o chafariz quando perdeu sua função
original de abastecimento de água, aonde muitas pessoas que foram mal pagas, injustiçadas,
discriminadas, conforme é relatado por nossa poeta maior Cora Coralina, que nos faz repensar sobre
o papel hoje do chafariz na sociedade vilaboense.

[...] Vestiu uns por cima dos outros, os três vestidos repuxados que possuía. Ajeitou
rodinha. Botou pote na cabeça e passou a carregar água, da Carioca para a casa de
uns e de outros. Trabalho mal pago, embora sempre lhe dava sobra de almoço e de
jantar, canto para dormir e um ou outro cruzeiro[...] (1986, p.45)

Nas narrativas escritas de Octo Marques, Regina Lacerda, dentre outros memorialistas
vilaboenses, podemos constatar que o ofício de carregar água, era um trabalho feito, pelas famílias
mais carentes, para abastecer as famílias mais tradicionais de Goiás. Havia-se então, esse trabalho,
visto que essa função era feita principalmente pelas mulheres, que eram denominadas de
“carregadeiras d’água” e não somente nesse Chafariz de Cauda, mas em outros também existentes na
cidade.

~ 537 ~
Figura 07: O Chafariz e o menino.

Fonte: IPHAN – Escritório Técnico da Cidade de Goiás.

Diferentemente do que vemos na imagem, existem duas pessoas do sexo masculino, sendo
uma criança e um homem já mais velho. Ambos estão descalços, e percebe-se que se trata de pessoas
humildes, pelo fato de suas roupas serem simples e se observarmos mais de perto, percebe-se
remendos feitos com costuras. O que nos chama atenção, são as latas d’água de metal, já que em Goiás
a arte ceramista em barro que são feitos por artesãos locais, é uma prática extremamente forte.
Ao analisarmos a imagem acima, valemo-nos das colocações feitas por ThiagoSant’Anna e
Ana Carolina Custódio (2017): o que essa imagem pretende apresentar? A vida e condição dos que
foram fotografados? Ou determinada visão/mensagem captada por quem está fazendo o registro
fotográfico? Torna- se oportuna as palavras trazidas pelos autores onde dialoga com as considerações
de Kossoy (2014) o autor aponta que uma fotografia não visa apresentar apenas o que foi captado,
mas há interesses por trás.
Possivelmente, seja interessante ressaltar aqui que o Chafariz, desde quando perdeu sua
função original que era o de abastecimento hídrico, foi suspenso devido a contaminação de sua água,
ocasionada por uma construção erguida na cabeira do morro chapéu de padre, onde são as nascentes
da mina de água que o abastecia, ele simplesmente ficou visto como monumento, e quesomente nos
meados da década de 80, ele volta ser utilizado uma vez no ano, como palco de uma das tradições
mais fortes em Goiás que é a Semana Santa. A sua cauda, por onde passa o encanamento d’água que
o abastecia, torna-se o cenário da dramatização do Descendimento da Cruz, na sexta-feira da Paixão
realizada pela OVAT (Organização Vilaboense de Artes e Tradições), onde os olhares de toda a cidade
se volta para esse monumento, desde as pessoas mais simples, até as pessoas mais importantes do
Estado.

~ 538 ~
Figura 08: Cerimônia do Descendimento da Cruz no Chafariz de Cauda

Foto e Fonte: Patrícia Mousinho, 2014.

De qualquer maneira, o monumento é ainda lembrado e utilizado pela comunidade vilaboense.


Ao seu redor localiza-se as luxuosas casas construídas no século XVIII como as dos Bulhões, dos
Caiados, Amorim, Curado, dentre outras e o grande e secular prédio do Colégio Sant’Ana, que era
gerido pelas freiras dominicanas, onde foram responsáveis pela educação e alfabetização dos filhos
das principais famílias tradicionais. O Chafariz aborda outras virtudes em suas releituras de utilização.
Em sua cauda reinventam a imaginária passionária do filho de Deus. Colocam o Messias crucificado,
de braços abertos representando a dor, o sacrifício e morreu em prol dos pecados da humanidade. Já
na sua frente, em suas extremidades frontais, não diferentemente, os suportes feitos em pedra-sabão,
que sustentavam as latas para encherem de água, tornam-se também símbolo da dor, do suor e do
sacrifício, mais uma vez citadas por Cora Coralina:

Lata vai, pote vem, coitezinho nadando em cima, todo dia... De vez em quando,
Miquita suspirava... Tinha uma saudade calada do beco triste, do quarto sujo e dos
homens brutais que a espancavam (1986, p. 45)

Assim, o Chafariz da Boa Morte, ou apenas Chafariz de Cauda na ocupa uma posição, de
reinvenção, de lugares de memórias, de sentimentos, demonstrando em sua edificação virtudes, e sua
imponência aos quatro cantos do largo do Chafariz.

Considerações Finais

Com esse artigo pretendeu-se abordar um pouco da história de Goiás por meio de seus
monumentos históricos. Nesse sentido, evidenciar os usos, funções e atores sociais constituintes desse
processo de longa duração, possibilitou pensar a multifuncionalidade e dimensões culturais que

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levaram a edificação e preservação desses bens culturais, especialmente o Chafariz de Cauda,
principal representação do barroco-rococó na arquitetura goiana.
Portanto, a análise das múltiplas funções do Chafariz de Cauda, o define em suas
funcionalidades em servir a comunidade vilaboense. Seja em tempos de outrora com o abastecimento
de água, ou nos dias de hoje como palco da encenação da Paixão de Cristo, ou simplesmente como
monumento. Carregado de elementos de riqueza plástica, já serviu e serve como tema de obras
pictóricas de artistas e artesãos locais. O monumento se tornou um mecanismo que aciona
religiosidade, lugares de memória, instituídos por contextos históricos, artísticos e patrimoniais.

Referências

ALENCASTRE, José Martins Pereira de. Anais da Província de Goiás. Goiânia:Governo de Goiás,
1979.

BORGES, Fabiana Craveiro Silva Ferraz. Cidade de Goiás e o Turismo: um estudo do patrimônio
histórico e cultural e sua influência na organização da atividade turística no município. Dissertação
(Mestrado em Turismo e Hotelaria) – Universidade Vale do Itajaí, Centro de Educação de Balneário
Camboriú. SantaCatarina, p. 111. 2010.

COELHO, Gustavo Neiva. Guia dos bens imóveis tombados em Goiás. Goiânia: Instituto de
Arquitetos do Brasil, 1999.

CORALINA, Cora. Estórias da casa velha da ponte. São Paulo: Global, 1986

CORALINA, Cora. Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. 20ª ed. - SãoPaulo: Global, 2001. p.
210.

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Antecedentes, realizações e desafios. Revista do Patrimônio Histórico Artístico Nacional. n. 35,
2017.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice: Revista dos Tribunais, 1990.

KOSSOY, Boris. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. Cotia, SP:Ateliê editorial, 2014.

MATTOS, Raymundo José da Cunha. Chorographia Histórica da Província de Goyaz. Rio de


Janeiro: Revista Trimestral do Instituto Histórico Geographico e Ethnographico do Brasil. Tomo 32,
2º trimestre e Tomo 33, 1º trimestre, 1874.

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Camargo de. Goyaz: de arraial a patrimônio mundial, p.21 Goiânia:Kelps, 2018.

Figura 02: Crônica escrita por Brito Broca, 1942. Fonte: Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional-IPHAN - Escritório Técnico da Cidade de Goiás

Figura 03: Chafariz da Rua da Pedra- Goiás-GO, década de 1940. Fonte: Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional - IPHAN/Ministério da Educação – Escritório Técnico da Cidade de
Goiás

Figura 04: Chafariz de Marília de Dirceu, contruído em 1759.- Ouro Preto/ MG.
Fonte:https://www.tripadvisor.com.br/LocationPhotoDirectLink-g303389-d7331520-i118549758-
Chafariz_Marilia_de_Dirceu-Ouro_Preto_State_of_Minas_Gerais.html. Consultado em 10/05/2023.

Figura 05: Chafariz de Cauda Foto: Guilherme Antônio de Siqueira, 2023.

Figura 06: Chafariz de Cauda década de 40. Acervo Antônio Carlos Costa Campos.

Figura 07: O Chafariz e o menino. Fonte: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-
IPHAN - Escritório Técnico da Cidade de Goiás

Figura 8: Cerimônia do Descendimento da Cruz no Chafariz de Cauda. Foto e Fonte: Patrícia de


Oliveira Mousinho, 2014.

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