Você está na página 1de 91

HISTÓRIA DO

JAPÃO
Uma Introdução

EMILIANO UNZER MACEDO


________________________________________________________________

Catalogação na Publicação (CIP)

Ficha Catalográfica feita pelo autor

________________________________________________________________

M141h Macedo, Emiliano Unzer, 1977 –

História do Japão: uma introdução / San Bernadino, Califórnia, EUA:


Amazon Independent Publihing, 2017.

180p. : il. ; 23 cm

Inclui bibliografia.

ISBN: 978-15-21298-13-8

1. Japão – História. I. Título.

CDU: 94(52)

________________________________________________________________

Copyright © 2018 Emiliano Unzer Macedo

Todos os direitos reservados.

ISBN: 9781521298138
À Míriam, por tudo.
E ao Tito, pelos latidos.
Ajuntamos trinta raios e chamamos isso uma roda; mas é no espaço onde não há
nada que a utilidade da
roda depende.

Transformamos argila para fazer um vaso: mas é no espaço onde não há nada que a
utilidade do
vaso depende.

Atravessamos portas e janelas para fazer uma casa; e é nesses espaços onde não há
nada que a utilidade da
casa depende.

Portanto, assim como aproveitamos o que é, devemos reconhecer a


utilidade do que não é

(Tradução nossa)

Laozi (séculos 5 ou 6 a. C. – 531 a. C.) , Tao Te Ching, Capítulo 11.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO xiii
DAS ORIGENS AO PERÍODO HEIAN (c. 10000 a. C. – 1185 d.
C.) 19
O Período Jomon (c. 10 000 a. C. – c. 300 a. C.) 22
O período Yayoi (c. 300 a. C. – c. 250 d. C.) 26
O período Kofun e o surgimento do Estado Yamato (c. 250 d. C.
– 710 d. C.) 33
Período Nara (710 d. C. – 794 d. C.) 39
Período Heian (794 – 987) 48
DE KAMAKURA À IEYASU TOKUGAWA (1185 - 1600) 64
O Período Kamakura (1185 - 1333) 66
O período Muromachi (1333 - 1568) 75
O período Sengoku e a ordem Azuchi-Momoyama (1467 – 1603)
84
DO PERÍODO EDO À ERA MEIJI (1603 - 1912) 100
O Período Edo e a Dinastia dos Tokugawas (1603 – 1868) 100
O declínio e fim do Período Edo e dos Tokugawas 123
A Era Meiji 129
DA ERA TAISHÔ À HEISEI (1912 – início do século 21) 142
Política e sociedade no período Taishô 142
O Império do Sol Nascente 146
BIBLIOGRAFIA 168
OBSERVAÇÕES

Os nomes japoneses vem, por tradição, primeiro o nome familiar e


depois o nome individual, privilégio para poucos até as reformas do
século 19. Optou-se por usar a maneira convencional ocidental,
primeiro o nome dado seguido pelo sobrenome, para evitar maiores
confusões.

Alguns termos japoneses foram preservados e mantidos em itálico


sempre que possível com os caracteres japoneses, como daimiôs, shugo
e bakufu, pois visou-se apresentar o termo mais rigoroso e uma
referência para futuros pesquisadores. Mas em outros, por questões
de familiaridade na literatura, manteve-se a grafia mais aportuguesada,
como nos casos de “xogum” e “samurai”. O mesmo foi mantido no
caso de algumas cidades conhecidas, como Quioto (e não Kyoto) e
Tóquio (e não Tokyo), novamente a fim de manter a familiaridade do
leitor brasileiro com os termos.

Sobre a temporalidade, almejou-se dividir a história em épocas que


guardam uma coerência histórica, muitas das vezes em torno de uma
capital (como Heian, antigo nome de Quioto, Kamakura, Muramachi
e Edo), em torno do imperador (Meiji, Taishô, Showa, Heisei), e em
outros foi enfatizada a desunião do reino e os conflitos civis, como
no caso de Sengoku.
INTRODUÇÃO

O Japão desde muito é causa de imaginação e fascinação do mundo


ocidental. Nascido nas suas origens envoltos em mitos das disputas
entre os deuses, Amaterasu e Susano-o, e partir dos Yamatos sob a
liderança de Jimmu, as ilhas japonesas traçaram uma trajetória
histórica toda própria que aguçou-lhe o senso de singularidade e, por
vezes, de isolamento. Ao final desse percurso histórico, o Japão
soube se reerguer como o fez repetidas vezes após prolongados
conflitos civis, e se tornar uma das mais desenvolvidas sociedades do
mundo atual.

Visando apresentar uma narrativa mais política e social do Japão, não


foi dada maior análise na obra a questões econômicas e militares. E
para a decepção de muitos fãs no mundo, pouco esclareço a respeito
das artes marciais e samurais. O intento da obra foi mais apresentar
uma visão histórica introdutória do Japão, com alguns enfoques nas
mudanças sociais e culturais (como não deixar de se admirar pelas
notáveis obras do período Heian ou da época de Yoshimasa
Ashikaga?). Ao mesmo tempo, tomou-se a precaução de evitar
retratar o Japão como algo exótico, misterioso e atemporal, conforme
nos alertou sobre o conceito de orientalismo de Edward Said 1. Os
japoneses sempre tiveram seu protagonismo histórico nas mudanças,
conflitos, adaptações e criatividades. Em outras palavras, o Japão não
1SAID, Edward. Orientalismo: o Oriente como Invenção do Ocidente. São Paulo: Cia. de
Bolso, 2007.
deve ser visto como uma curiosa peça de museu de arte oriental.

O Japão, tema dessa obra, sempre fascinou o mundo ocidental desde


as narrativas de Marco Pólo no seu livro de viagens do século 13, que
se referia à ilha como “Cipango” e que incendiou a imaginação do
navegador Cristóvão Colombo, aos portugueses que foram os
primeiros ocidentais a aportar no sul do Japão em 1543, quando
fundaram a cidade de Nagasaki. Mesma cidade que quase 400 anos
depois explodiu uma bomba atômica e forçou o comando japonês à
rendição na Segunda Guerra Mundial.

Por fim, essa pequena obra visa antes de tudo a oferecer ao leitor
brasileiro e aqueles da língua portuguesa mais uma opção de leitura
sobre uma dos países asiáticos mais singulares e fascinantes, o Japão.

Mapa com as capitais históricas do Japão. Fonte: https://tinyurl.com/y8n76ddp


Mapa do Japão com as regiões destacadas. Fonte: https://tinyurl.com/ybwb866l
DAS ORIGENS AO PERÍODO HEIAN (c.
10000 a. C. – 1185 d. C.)

Há um antigo mito de criação narrado na literatura xintoísta, no


Kojiki ("Crônica dos Assuntos Antigos") (711 - 713 d. C.) e no
Nihongi (ou Nihon Shoki, "Crônicas do Japão") (720 d. C.) que nos
conta que as ilhas japonesas foram criadas pelos deuses, dois dos
quais – o elemento masculino, Izanagi, e o feminino, Izanami –
desceram dos céus para se encarregar a respeito. Com eles, trouxeram
à vida inúmeras forças e divindades (kami, ⚄, “divindade”) como os
que atuam nos mares, rios, ventos, florestas e montanhas. Duas
dessas divindades criadas, a deusa Sol, a fonte e força primordial de
todas as formas de vida, Amaterasu Omikami, e seu irmão, o deus da
Tempestade, Susano-o, acabaram se desentendendo e emergiu
vitoriosa a deusa, Amaterasu. Nesse sentido, a força ordeira da
natureza prevaleceu sobre o caos, a desordem, a tempestade. Vencido
mas não suprimido, a força destrutiva da natureza sempre
permaneceu à espreita sobre as ilhas japonesas.

Amaterasu, subsequentemente, enviou seu neto, Ninigi, a governar


sobre as ilhas sagradas criadas. Ninigi levou consigo na sua tarefa, três
insígnias imperiais, uma joia curva (magatama, ໙⋢), um espelho e
uma "espada das nuvens aglomeradas", e assim reinou sobre a ilha de
Kyushu. Seu descendente, Jimmu, identificado como o primeiro
imperador do Japão, partiu ao nordeste para conquistar Yamato, hoje
uma região de planície ao sul da ilha maior de Honshu, em torno da

18 19
província de Nara. De acordo com a tradição, Jimmu, acompanhado O Período Jomon (c. 10 000 a. C. – c. 300 a. C.)
de sua clã (uji) estabeleceu na região conquistada uma linhagem
imperial ininterrupta da deusa Amaterasu até os dias de hoje e fundou
Padrões mais sedentários de vida começaram a aparecer por volta de
a Terra do Sol Nascente em 660 a. C.
10 mil a. C., no considerado período Jomon (do japonês Jōmon-jidai,
Em bases arqueológicas, as atividades dos hominídeos no Japão ⦖ᩥ᫬௦, “marcado pelo cordão”, c. 10 000 – 300 a. C.) e são esses
remetem há cerca de 200 mil a. C., época em que as ilhas eram ligadas os possíveis ancestrais dos ainos do Japão em tempos
ao continente asiático. Apesar de alimentar vivo debate entre os contemporâneos 3. A cultura Jomon deixou um claro registro
estudiosos na área, a maioria concorda de que por volta de 40 mil a. arqueológico, pois por volta de 3000 a. C. foram encontradas
C. houve uma conexão das ilhas com a parte continental no período inúmeras figuras e vasos de argila decorados com padrões
de maior glaciação. Entre 35 mil e 30 mil a. C., o Homo sapiens deu sofisticados feitos com o uso de cordas (jômon, ⦖ᩥ) e galhos 4.
provas de que migrou para as ilhas japonesas advindos do leste e Esses povos também fizeram uso de utensílios de pedra lascada,
sudeste asiático, e apresentou uma atividade de caça e coleta, assim armadilhas e arcos nas suas atividades de caça, coleta e pesca.
como o fabrico de ferramentas e utensílios de pedra. Vestígios dessa Praticaram uma forma simples de agricultura e há vestígios de suas
era são encontrados em todo o Japão, desde habitações, pontas líticas moradias coletivas em cavernas, covas e abrigos temporários. As
e fósseis humanos. Essa cultura, paleolítica, será em boa parte extinta evidências de comida encontradas consistiram em carne de urso,
nas ilhas em fins do período Yayoi no terceiro século d. C., exceto peixes, mariscos, inhames, uvas selvagens, nozes, castanhas e
em áreas em Hokkaido ao norte e nas ilhas Okinawa ao sul 2.
sementes.

Por volta de 5000 a. C., os povos do período Jomon começaram a se


assentar em aldeias sedentárias, uma delas, a maior descoberta, cobriu
uma área cerca de 400 metros quadrados a abrigar umas 500 pessoas.
Os assentamentos próximos do mar dependeram fundamentalmente
da pesca, enquanto os mais interioranos voltaram-se para a caça e a

3 HABU, Junko. Ancient Jomon of Japan. Cambridge: Cambridge University Press,


2004, p. 52.
2 MIZOGUCHI, Koji. An Archaeological History of Japan, 30,000 B.C. to A.D. 700. 4 MASON, Penelope E. History of Japanese Art. Nova Jersey: Pearson Prentice Hall,

Filadélfia: University of Pennsylvania Press, 2002, pp. 7-8. 2005, pp. 14-15.

20 21
explorar as possibilidades da fauna e flora da estação. Os abrigos A cerâmica Jomon era feita à mão, sem o uso da roda de oleira, no
desenvolveram-se em torno de um fogo e com indícios de colunas a uso de argila mole misturada com fibras e conchas amassadas para
sustentar uma proteção contra as intempéries. maior firmeza. A parte exterior e interior da cerâmica era alisada por
ferramentas e depois cozidas no fogo. Os restos da cerâmica Jomon
As mudanças nas habitações sedentárias e do meio de vida resultaram
são os mais antigos datados do mundo, remetendo em sua forma
em significativa mudança populacional. Por volta de 5000 a. C., a
incipiente ao período de 10 000 a. C. a 5000 a. C., quando os vasos
população de Jomon cresceu de cerca de 20 mil para 100 mil, e
caracteristicamente apresentam um fundo redondo com a finalidade
depois a dobrar para 200 mil por volta de 3000 a. C. Apesar das
de cozimento no fogo em pilhas e pedras e areia. De 5000 a. C. a
notáveis mudanças sedentárias, a agricultura somente se estabeleceu
3000 a. C. os vasos começam a ter um fundo achatado, com a
com a introdução e o cultivo do arroz no período final de Jomon.
intenção de uso interno doméstico. A fase posterior, de 3000 a. C. a
Ademais, por volta de 900 a. C., há evidências da forja do ferro,
1000 a. C., os vasos apresentam uma decoração mais elaborada,
aparentemente originados da região sudoeste japonesa, em Kyushu,
ilustrada com figuras de fogo, serpentes e outros do imaginário local
mais próxima da península coreana.
(fig. 1). No período tardio Jomon que se estende até 300 a. C., os
A tecnologia Jomon, na sua maior parte, consistiu de instrumentos de vasos são mais finos e ganharam maior variedade de forma conforme
pedra e madeira como facas e machados, assim como o arco e flecha. o seu uso 6.
Juntamente com essas ferramentas, foram encontradas armadilhas e
alçapões na caça. O vestuário advinha principalmente da casca de
árvores locais como a amoreira, costuradas com o uso de agulhas de
ossos que forneceu meios para tecer cestas de vime. Perto dos mares,
instrumentos de pesca como arpões e ganchos foram encontrados,
além de grandes canoas escavadas de troncos de árvores como as
encontradas num sítio em Nakazato 5, o que se presume de que eram
exímios pescadores.

5Pertencente ao período Antigo Jomon (4000 a. C. – 2500 a. C.), a canoa tinha em


suas dimensões aproximadas, 6 metros de extensão por 72 cm de largura.
NAUMANN, Nelly. Japanese Prehistory: The Material and Spiritual Culture of the Jōmon 6 IMAMURA, Keiji. Prehistoric Japan: New Perspectives on Insular East Asia. Nova
Period. Memmingen, Bavária, Alemanha: Otto Harassowitz, 2000, p. 13. Iorque: Routledge, 2016, pp. 16-20.

22 23
No período Jomon Tardio, uma mudança dramática ocorreu de
acordo com os achados arqueológicos. Os cultivos agrícolas
anteriores deram lugar a uma agricultura sofisticada em torno do
arroz, denotando uma forma de organização coletiva maior, e que
resultou em sociedades mais populosas 7. Uma tremenda mudança
resultou disso, em termos militares, religiosos e econômicos.

O período Yayoi (c. 300 a. C. – c. 250 d. C.)

O próximo período histórico, o Yayoi (ᘺ⏕᫬௦), assim nomeado


pelas localidades no centro de Tóquio onde foram descobertas as
suas primeiras evidências, floresceu entre 300 a. C. a 250 d. C. a partir
de partes meridionais de Kyushu até ao norte da ilha principal de
Figura 1 – Cerâmica Jomon do Período Médio (2500 a C. – 1500 a. C.) com
destaque para as marcas de corda e elaboradas figuras em forma de fogo e figuras Honshu. O período foi crucial para a história japonesa, pois os
imaginárias. Fonte: https://tinyurl.com/y7eeb269
elementos e culturas estrangeiras advindos do leste asiático se
Os rituais e crenças do período Jomon são inferidos a partir das misturaram com os aborígines presentes do período Jomon.
evidências encontradas de enterro de infantes em grandes vasos,
A proximidade de Kyushu com a península coreana foi
adultos em covas e montes de conchas nas proximidades das vilas,
provavelmente o trajeto principal por onde migrações populacionais
assim como a presença de oferendas e ornamentos com significado
continentais adentraram as ilhas japonesas, e trouxeram consigo
cerimonial fúnebre dos períodos Médio (2500 a. C. – 1500 a. C. ) e
novas técnicas de metalurgia do ferro e do plantio do arroz, algo
Tardio (1500 a. C. – 300 a. C.). No período Jomon Antigo (4000 a. C.
fundamental para o crescimento populacional e agrícola. A mudança
– 2500 a. C.), há evidências de figuras em foram humana feitas de
conceitual desse período com a anterior foi sumamente nítida 8. Os
argila chamadas de dogū (ᅵഅ) que variam de tamanho e aspecto, de
debates acerca das contribuições sobre o surgimento do período
três centímetros a 30 centímetros. No período Médio, essas figuras
são mais numerosas e são retratadas com formas femininas com a 7 HABU, Junko. Ancient Jomon of Japan. Cambridge: Cambridge University Press,
finalidade de promover a fertilidade e gravidez. 2004, p. 50.
8 FARRIS, William Wayne. Japan to 1600: A Social and Economic History. Honolulu:

University of Hawaii Press, 2009, p. 9.

24 25
Yayoi permanecem vivos entre o meio acadêmico, mas a maioria dos história japonesa. A maior parte desse crescimento se deu nas partes
estudiosos em tempos recentes aponta para uma mistura de ocidentais do Japão, onde o cultivo e a distribuição do arroz foram
contribuições advindas de povos coreanos com aqueles habitantes mais impactantes. Ademais, foi nessa região onde chegaram
aborígines do período Jomon (fig. 2). Ainda não se sabe ao certo a significativas levas migratórias da península coreana próxima a oeste,
origem do cultivo do arroz que se alastrou pelas ilhas, mas parece através do Estreito de Tsushima 10.
indicar, pelos achados na cidade de Okayama em 2005 9, pela sua
Na área da cerâmica, contudo, o período Yayoi não apresentou a
variedade genética (Oryza sativa japonica), o sul da China e o Laos que
mesma riqueza decorativa produzida pelo período tardio de Jomon.
chegou ao Japão pelo sul, através de Okinawa, e deste para a
Apesar disso, foi produzido usando os mesmos materiais da argila e
península coreana.
da técnica do cozimento. As roupas também permaneceram sendo
feitas a partir de cascas e do cânhamo, e com algum conhecimento da
seda, presente desde o período Jomon conforme achado em
Hokkaido 11. Os japoneses de Yayoi demonstraram capacidade de
forjar objetos feitos a partir do bronze, como evidenciado em sinos
(dôtaku) e espelhos (dokyô), além de produtos a partir do ferro como
armas e instrumentos agrícolas (fig. 3). O ferro, numa tendência
reversa global, foi introduzido antes do bronze no Japão, a partir de
300 a. C. Nesse sentido, o ferro foi material para a confecção de
instrumentos funcionais, e o bronze para aqueles mais cerimoniais.
Figura 2 – Mapa das possíveis rotas de imigração Yayoi e o posterior deslocamento
Jomon ao norte e sul. Fonte: https://tinyurl.com/yaf6yow7

Com o estabelecimento do cultivo do arroz pelo Japão, as sociedades


cresceram em tamanho, de uma população estimada em 70 mil ao
final de Jomon para até três milhões de habitantes no período final
Yoyai à altura de 250 d. C. Um crescimento proporcional único na
10 FARRIS, William Wayne. Japan to 1600: A Social and Economic History. Honolulu:
University of Hawaii Press, 2009, pp. 11-12.
9 SHARMA, S. D. Rice: Origin, Antiquity and History. Boca Raton, Flórida, EUA: 11 IRISH, Ann B. Hokkaido: A History of Ethnic Transition and Development on Japan's

CRC Press, 2010, pp. 156-157. Northern Island. Jefferson, Carolina do Norte, EUA: McFarland, 2009, p. 25.

26 27
nível local, em múltiplas unidades políticas.

O grande número de armas encontrado nos túmulos Yayoi aponta


possivelmente para um constante período de turbulências e guerras
entre as unidades políticas. De alguns túmulos, foram achados mais
de mil esqueletos que tiveram morte violenta. Ademais, nos arredores
das vilas, havia quase sempre um monte ou elevação com alguma
torre de vigilância à espera de um sinal de uma força inimiga. Em
outras vilas, havia grandes fossos ao redor de um conjunto de vilas,
como a escavada em Otsuka, em Kanto, em Ogidani, perto de
Quioto, e em Yoshinogari, no norte de Kyushu. Nesses, havia sinais
do uso de barricadas, paliçadas e muralhas 12 (fig . 4).

Figura 3 – Sino de bronze, dôtaku, do período Yayoi, 3º. Século a. C. Fonte:


https://tinyurl.com/y8clh9df

Com o crescimento populacional, a sociedade Yayoi se tornou mais


complexa e estratificada. Os assentamentos se tornaram em boa parte
permanentes, com construções de madeira e pedra. Houve sinais de Figura 4 – Reconstrução de uma fortificação e fosso do período Yayoi em
acúmulo de recursos, como grãos, e de riqueza que distinguiu alguns Tawaramoto, em Nara. Fonte: https://tinyurl.com/yd3a2ak5

poucos sobre a maioria. O cultivo em arrozais requereu grande As primeiras referências escritas sobre o Japão são de fontes chinesas
insumo de trabalho humano, o que acarretou numa sociedade agrária que aludem a eles como o reino de Wa (ೖ, “anões”) no ano de 82 d.
estratificada e sedentária. Mas ao contrário da China que desenvolveu C. na obra Han Shu (História de Han). Os primeiros historiadores
sociedades altamente centralizadas a coordenar as obras públicas chineses do período descreveram Wa como uma terra de múltiplas
necessárias para o provimento aquático, no Japão, pela relativa
12
FARRIS, William Wayne. Japan to 1600: A Social and Economic History. Honolulu:
abundância de água, as sociedades agrárias organizaram-se mais a University of Hawaii Press, 2009, pp. 13-14.

28 29
comunidades dispersas, mais de uma centena, e não unificada como chegando ao trono.
expressa o livro Nihongi que considerou a fundação do Japão como
As referências geográficas do reino são controversas, pois muitos
reino em 660 a. C.
estudiosos identificam o suposto reino de Yamatai, descrito no Wei
Outras fontes chinesas, como o Wei Chih (“História de Wei”) de 297 Chih, como o de Yamato, na bacia de Nara, na região sul de Honshu
d. C., relataram que as pessoas de Wa viviam de vegetais crus, arroz e (fig. 5), que foi local originário do Estado japonês algumas centenas
peixes servidos em bandejas de bambu e madeira. As relações sociais de anos depois, mas outros defendem que Yamatai se localizaria mais
eram pautadas entre mestre e vassalos, havia cobrança regular de próximo ao continente asiático, no norte de Kyushu 14.
impostos, celeiros e mercados provinciais e, nos cultos religiosos,
batiam palmas em adoração (algo ainda feito em cerimônias
xintoístas) e construíram grandes túmulos de terra. No aspecto
político, há relatos de violentas lutas de sucessão pelo poder, e
referência de uma regente feminina, Himiko, de uma federação
política chamada de Yamatai que teria florescido no século 3. Himiko
reinou como líder espiritual, e os negócios de Estado ficaram no
encargo de seu irmão mais novo que buscou incluir relações
diplomáticas com a corte chinesa do reino de Wei (220 d. C. – 265 d.
C.) 13.

Nessa busca de relações com a corte chinesa, foi reconhecido o reino


Figura 5 – Localização da província de Yamato, ao sul da ilha de Honshu. Ao
de Wa como tributário do imperador chinês. Mas ao contrário de sudoeste, mais próxima à península coreana, fica a ilha de Kyushu. Fonte:
https://tinyurl.com/y9uu5gu7
outros regentes pelo mundo sino-asiático, toda a terra de Wa foi
aceito como plenamente soberano, e Himiko chegou a receber
generosos presentes dos chineses, tecidos, joias e espelhos. Após a
morte de Himiko, ainda de acordo com as fontes chinesas, veio o
caos pela sucessão e sua irmã de 13 anos de idade, Iyo, acabou

13KIDDER, Jonathan Edward. Himiko and Japan's Elusive Chiefdom of Yamatai: 14HENSHALL, Kenneth. G. A History of Japan: from Stone Age to Superpower. Nova
Archaeology, History, and Mythology. Honolulu: University of Hawaii Press, 2007, p. 17. Iorque: Palgrave Macmillan, 2004, p. 14.

30 31
O período Kofun e o surgimento do Estado Yamato (c. as ilhas japonesas nos próximos 170 anos depois de 250 d. C.,
250 d. C. – 710 d. C.) consistindo esse período de certo mistério e maior especulação
histórica. Antes desse período crucial as crônicas japonesas situaram a
Por volta do ano de 250 d. C., grandes túmulos fúnebres começaram descendência imperial de Jimmu que provou ser de autenticidade
a aparecer pelo Japão, de acordo com os achados arqueológicos. São histórica duvidosa. Entre as histórias relatadas estão a da imperadora
de dimensões extraordinárias, como a atribuída a imperadora Jingu, Jingu, que supostamente comandou uma invasão naval na Coreia e
assim decidiu momentaneamente interromper sua gestação 15.
medindo cerca de 275 metros de extensão, com inúmeras armas e
outros instrumentos de ferro e outros metais a demonstrar a riqueza Entramos mais no campo do mito do que nas comprovações

e o poder de uma elite. A maioria desses grandes túmulos, (ྂቡ, históricas nesse sentido.

kofun, em japonês), se concentraram em torno das cidades de Nara e Além do mais, os túmulos do período Kofun, em que se situa a da
Osaka (fig. 6), mas também em várias outras localidades japonesas. imperadora acima, hoje são invioláveis a partir do decreto da Agência
da Casa Imperial, órgão criado no século 19 para preservar a
ascendência da família imperial japonesa. Outras fontes do período
em questão são de coreanos que relataram uma numerosa invasão de
povos nômades das estepes asiáticas que assolaram o reino coreano e
tenha, possivelmente, invadido e dominado numa casta de elite
militar as ilhas japonesas. A situação da Coreia e da China em fins do
século 4º. d. C. é bastante turbulenta e desunida e isso pode ter
servido de incentivo a povos e militares a migrarem para refúgios
mais seguros em algumas ilhas próximas, incluindo as do Japão.

O fato é que por volta do ano de 318 d. C., temos o registro da morte
Figura 6 – Vista área do maior túmulo kofun do Japão, em Sakai, Nara. Fonte: do imperador japonês Suijin (ou Sujin), o décimo regente da família
https://tinyurl.com/y739jmgj
Yamato de acordo com o Nihongi e o Konjiki. Suijin foi retratado
Isso condiz com o que as crônicas chinesas relataram sobre o como líder de uma nação de exímios cavaleiros, que poderiam ter
crescente poderio de uma elite sobre as demais entidades políticas do
15
ASHKENAZI, Michael. Handbook of Japanese Mythology. Santa Barbara, Califórnia:
Japão à época. No entanto, esses relatos deixaram de informar sobre ABC Clio, 2003, p. 93.

32 33
originado dos povos nômades das estepes asiáticas. A partir de seu foram membros influentes em apontar posições de comando como
reino, houve uma gradual expansão em cima das entidades políticas na monarca Suiko (r. 593 - 628) a quem foi atribuída ascendência
fragmentadas pelo Japão. E assim foi se estabelecendo a hierarquia e divina com a figura de Amaterasu e do imperador Jimmu 18.
administração dos Yamatos sobre as outras linhagens e clãs
A figura do príncipe Shôtoku (574 - 622), filho por parte maternal
japonesas. Por volta do século 6º., temos já a informação de que os
dos Sogas e segundo filho do imperador Yômei (r. 583 - 587) foi
líderes da região de Izumo, a oeste, mandaram tributos para o regente
influente ao trazer as influências chinesas para a corte imperial
Yamato 16.
japonesa. Shôtoku foi regente sob o reino de Suiko, e promoveu
Também no século 6º., o nascente Estado Yamato decidiu adotar o ativamente o budismo pelo reino, com a construção de templos e da
budismo como forma de legitimação ideológica e centralização escrita e filosofia chinesa. Foi responsável por reordenar o sistema de
política e religiosa. Isso decorreu da iniciativa de uma prestigiosa governo tornando-o mais centralizado, e encorajou a ordem,
família, a de Soga, de ancestralidade coreana do reino de Baekje 17, harmonia e lealdade diante da autoridade legítima e divina imperial,
que se uniram em matrimônio com a família imperial e buscaram tudo de acordo com os preceitos do confucionismo.
perseguir qualquer forma de culto animista e xamanista na corte
Por volta de 645, contudo, a influência dos Sogas na corte Yamato
japonesa. Sabemos que, ao final desse processo em 587 d. C., o
foi diminuída com a ascensão de uma nova família concorrente, a dos
governo imperial começou a endossar e apoiar as construções e
Fujiwaras, que também terão presença na corte imperial nos séculos
cultos budistas nos seus domínios.
seguintes. A ascensão desses se deu pela ação de Kamatari (614 –
Ademais, a família Soga trouxe as influências coreanas e chinesas para 699) (fig. 7) que buscou, sob o reino do imperador Tenji (r. 661 -
a corte japonesa, como a definição de cargos e postos hierárquicos, a 671) ocupar o poder decisório e centralizar ainda mais o sistema
se definido em termos de grupos e não indivíduos, e a imperial, iniciativa que ficou conhecido como a Reforma Taika de
correspondente atribuição de chapelaria de acordo com o status. Os 645.
Sogas permaneceram guardiões até o século 12 das escritas e das
insígnias imperiais (o espelho, espada e miçangas cerimoniais) e

16 HENSHALL, Kenneth. G. A History of Japan: from Stone Age to Superpower. Nova


Iorque: Palgrave Macmillan, 2004, p. 12.
17 Um dos reinos (18 a. C. – 660 d. C.), juntamente com os de Silla, de Goguryeo e

do pequeno Gaya, que vigoraram na península coreana. Esse reino foi depois 18AMBROS, Barbara R. Women in Japanese Religions. Nova Iorque & Londres: New
derrotado pelo reino de Silla, por volta de 660 d. C. York University Press, 2015, p, 36.

34 35
“instruções e normas para os oficiais do governo”) 19. Foi,
juntamente com a Reforma Taika, a primeira sistematização
administrativa e jurídica no Japão que permitiu o estabelecimento do
Estado dos Yamatos sobre uma população estimada em cinco
milhões de súditos em meados do século 7º..

Em suma, no referido século, as condições sociais e econômicas do


Japão eram densas, populosas e a área de cultivo estava sob expansão.
Indústrias como as de laca, talha em pedra, cerâmica, marcenaria e
metalurgia estavam consolidadas. As ocupações pelas ilhas eram
Figura 7 – Retrato de Kamatari Fujiwara, responsável pela Reforma Taika. Fonte: variadas, desde o cultivo nos arrozais, comércio, caça, pesca e coleta.
https://tinyurl.com/ybft95ce
A mudança não foi apenas quantitativa, foi qualitativa, para uma
Um dos aspectos mais cruciais dessa reforma foi a redistribuição ao sociedade mais complexa e diversificada, com o desenvolvimento de
governo de lotes de terra, especialmente os arrozais, o que com o graus diversos de diferenciação social muito além da distinção da era
tempo alocou uma parte significativa de arrecadação in natura da anterior de uma pequena elite sobre uma classe de agrários.
produção agrícola. As hierarquias e cargos governamentais foram
revistos e vigiados a fim de conter abusos de corrupção. Outra A nação começou a se consolidar em fins do século 6º., em torno de

mudança significativa foi o estabelecimento da capital do reino em uma idéia unificada, o reino do Sol Nascente (Nihon ou Nippon,

um local fixo, e não mais a ser itinerante como antes, em Naniwa, ᪥ᮏ), e deixou de gradativamente de ser referida como Wa. Mas

atual Osaka. isso, todavia, não foi aceito por absolutamente todos das ilhas
japonesas, pois muitas entidades políticas, clãs, grupos e famílias
No aspecto legal, a fim de padronizar a justiça e estender a lei e a
encontravam-se distantes demais da capital e da região meridional
ordem, houve uma reformulação dos códigos jurídicos que antes era
japonesa, como aqueles habitantes de Hokkaido, que tinham raízes
muito mais propenso a arbitrariedades e privilégios. Ademais, houve,
étnicas diversas, os ainos, e praticavam um meio de vida pautado
no campo administrativo, apontamentos legais que racionalizaram o
essencialmente na caça e coleta. Mas a estrutura do Estado Yamato já
funcionamento burocrático do estado. Essas reformas todas se
se encontrava erguido, e assim foi legitimando, como narrado nas
pautaram nas idéias chinesas confucianas e legalistas, referidas na
19STEENSTRUP, Carl. A History of Law in Japan until 1868. Leiden: E. J. Brill,
história japonesa como ritsuryô (ritsu, ᚊ, “sanções penais”, e ryô, ௧, 1996, pp. 32-34.

36 37
crônicas Kojiki (711 - 713 d. C.) Nihongi (720 d. C.), o poder imperial
em torno dos mitos das origens e linhagem dos Yamatos.

Período Nara (710 d. C. – 794 d. C.)

Na parte norte da fértil planície de Yamato, foi inaugurada a nova


capital planejada do reino, Nara (ou Heijô-kyô, ᖹᇛி, “Cidade da
Paz”) em 710. Nos períodos anteriores, os monarcas e governantes
japoneses se deslocaram conforme as necessidades e a residência
escolhida do regente. A última foi em Fujiwara-kyô em 694. As
causas desse nomadismo se explica em parte pela insalubridade
Figura 8 – A estátua de bronze de Buda, em Tôdai-ji, Nara. Fonte:
acumulada pelos dejetos e as doenças que afetavam continuamente a https://tinyurl.com/yblrmcyy
corte e seus funcionários. Decorrente dessa mobilidade, as
A política de Nara girou muito em torno dos interesses palacianos e
residências da corte eram simples de fácil montagem e transporte.
de grupos influentes religiosos. A cidade chegou a abrigar por volta
Mas em 710, com a fixação na cidade de Nara, houve uma de 200 mil pessoas de uma população total de seis milhões, e foi o
concretização urbana planejada, pautada nos planos confucianos único centro urbano japonês por séculos. A figura do imperador,
inspirados na capital chinesa de Changan da dinastia Tang (618 - embora respaldado por títulos incontestáveis como o descendente de
907), atual Xian. Nara foi sede não somente do governo mas também Jimmu, como o tennō (ኳⓚ, advindo de Jimmu Tennô), tinha uma
de templos budistas, encorajado pelo líder político mais poderoso da função mais cerimonial e simbólica do que efetiva na condução
época, Fuhito no Fujiwara (659 - 720). Como símbolo maior do política, permanecendo muitas vezes relegado a claustros e mosteiros
budismo na nova capital, foi erguido um dos maiores templos de budistas. Poderosas e influentes figuras e famílias disputaram a
madeira do mundo, o Tôdai-ji (“Grande Templo do Leste”) em 728, gerência do poder, com a primazia da época em torno dos Fujiwaras,
com uma imensa estátua de bronze de Buda (fig. 8). mas disputados por outros como os Tachibanas.

Os rituais e as cerimônias, portanto, guardavam uma associação cada


vez maior com a aura imperial, que foi conduzido por um nobre da

38 39
corte, o kuge (බᐙ). Nessas funções, era cuidadosamente japoneses, o mandato do imperador era considerado sagrado, como o
supervisionado o andamento e execução de músicas (como a kangen), “Filho do Céu”, mas, ao contrário do chinês, o imperador não
danças (como gagaku e o bugaku), em boa parte importada e adaptada poderia ser objeto de escrutínio pelas suas virtudes e juízos. Ademais,
das cortes chinesas. as mulheres japonesas, ao contrário do sistema chinês, poderiam
assumir cargos religiosos e de comando, a basear-se na sua linhagem
A influência chinesa foi marcante principalmente nesse meio cortesão
familiar 21.
japonês. Mas nem tudo era assimilação indiscriminada. O sistema
hierárquico e dos símbolos de status expressados nos adornos e Fora da corte, a população japonesa enfrentou períodos de
chapéus, introduzidos pelo príncipe Shôtoku, baseou-se em princípio epidemias. Em 735, houve um grande surto de varíola em Kyushu,
na China. Mas houve uma mudança nesse sistema, na prática, durante aparentemente advindo da Coreia via Fukuoka, chegando a matar
o período Nara, pois não era determinado o status do indivíduo pelo inclusive alguns membros da família Fujiwara. Somente em Nara, no
ano de 737, há relatos de que houve mais de 300 mil mortes 22.
mérito apenas, mas também condição herdada pela sua família. Em
outras palavras, o sistema japonês não incorporou muito bem a Muitos da época consideraram a doença como uma manifestação
meritocracia chinesa, e visou preservar mais os privilégios e influência vingativa dos deuses, em forma de onryô 23. Para tanto, a capital foi
das famílias poderosas da época. mudada de Nara em 740, para a ela retornar cinco anos depois. Os
efeitos da varíola foram ainda mais devastadores pois impediram o
O sistema de escrita japonesa teve uma forte carga de influência dos
plantio e a colheita do arroz pelos camponeses infectados, gerando
chineses. Isso já é demonstrado nas obras do século 8º., como no
uma situação de fome na população.
Konjiki, mas também em obras poéticas escritas por mãos da corte,
como o Manyôshu (୓ⴥ㞟, “Coleção das Dez Mil Folhas”) de 759, Expressando as angústias da fome e do destino que assombraram a
população japonesa à época, com certo senso de fatalismo budista
esta a mais antiga coleção de poemas nativos japoneses 20. Os códigos
mesclado com os encargos familiares preconizados pelo
jurídicos, como o Código de Taihô de 703, também seguiram os
confucionismo, um dos mais talentosos poetas da geração,
determinados pelos confucianos chineses, embora no Japão as
sanções e castigos fossem mais brandos e tolerantes conforme
21 RAWSKI, Evelyn S. Early Modern China and Northeast Asia: Cross Border Perspectives.
constava no Código revisto de Yôrô de 718. Nesses códigos
Cambridge: Cambridge University Press, 2015, p. 150.
22 KOHN, George C. Encyclopedia of Plague and Pestilence: From Ancient Times to the

Present. Nova Iorque: Facts on File, 2008, p. 213.


20 ANÔNIMO. 1000 Poems from the Manyoshu: The Complete Nippon Gakujutsu 23 JANNETTA, Ann Bowman. Epidemics and Mortality in Early Modern Japan.

Shinkokai Translation. Mineola, Nova Iorque: Dover Publications, 2005, p. xiii. Princeton, Nova Jersey: Princeton University Press, 1987, p. 66.

40 41
Yamanoue no Okura (660 ? – 733 ?) assim escreveu em seu poema, Uma aranha tece a sua teia.

“Sobre a Pobreza” (Hinkyu mondô), presente no Manyôshu 24: Sem um grão para cozinhar,

Soltamos lamentos como o tordo noturno.


Vastos como dizem ser o céu e a terra
(Tradução nossa)
Para mim, exíguos se tornaram.

Embora luminosos digam o Sol e a Lua,


Além do mais, a fome foi decorrente muitas vezes do sistema agrícola
Na minha direção eles nunca brilham.
ineficiente, mais voltado para a produção de subsistência familiar. E
Passa-se o mesmo com todos,
houve, nesse sentido, um pesado sistema de taxação da produção.
Ou é apenas assim comigo?
Em boa parte isso foi causa do zelo budista do imperador Shômu
Por um acaso feliz, nasci homem
(701 – 756) (fig. 9), o mesmo que comissionou a construção da
E não pior do que os meus companheiros,
imensa estátua de bronze do Buda Dainichi no templo de Tôdai-ji,
Mas, com roupas pendendo dos meus ombros.
com 16 metros de altura identificado e sincretizado com a deusa solar
Sem acolchoados nem mangas
Amaterasu, e a abertura de vários templos (kokubunji) em cada
E em farrapos como limos ondulando no mar,
província do reino, a um enorme custo para o tesouro imperial. Foi o
Sob o desmorando teto,
regente mais próximo de tornar o Japão uma nação budista 25.
Entre frágeis paredes,

Aqui estou eu sobre a palha

Espalhada na terra nua,

Com os meus pais junto à minha almofada,

A mulher e os filhos a meus pés,

Todos juntos em dor e lágrimas.

Onde se cozinhava,

De nenhum fogo se eleva o fumo

E no caldeiro

24
SHIRANE, Haruo. Traditional Japanese Literature: An Anthology, Beginnings to 1600. 25VARLEY, H. Paul. A Chronicle of Gods and Sovereigns (Jinnō Shōtōki of Kitabatake
Nova Iorque: Columbia University Press, 2008, pp. 96-98. Chikafusa). Nova Iorque: Columbia University Press, 1980, p. 141.

42 43
rapidamente controlada, e Kôken mandou depor todos aqueles em
conluio com o golpe. Após o evento, Kôken reassumiu o trono como
imperadora Shôtoku (r. 764 – 770). Neste seu reinado, a imperadora
favoreceu o budismo e fomentou a impressão de mais de um milhão
de orações e pagodes em miniatura (hyakumanto dharani,
ⓒ୓ሪ㝀仿ᑽ) (fig. 10) por volta do ano de 770. Mas as ações da
imperadora a favor do clero budista fizeram com que fosse abolida a
posição imperial a mulheres e, nos anos seguintes a sua morte,
removeram budistas de posições de autoridade política.

Figura 9 – Imperador Shômu. Fonte: https://tinyurl.com/yb8svdw4

O ônus gerado agravou ainda mais o sofrimento da população pela


epidemia e fome referida que chegou a reduzir a população japonesa
em mais de um terço, algo que será recorrente em determinados
períodos da história japonesa 26. O budismo floresceu ainda nas
regências das filhas de Shômu, como com a imperadora Kôken (718
– 770) que buscou atrair sacerdotes budistas para sua corte. Kôken
abdicou em 758 sob os conselhos de seu primo, Nakamaro Fujiwara.
Este se rebelou contra a imperadora aposentada quando esta buscou Figura 10 – Um dos pagodes em miniatura comissionados pela imperadora
Shôtoku, século 8º. d. C. Fonte: https://tinyurl.com/ybbeea3w
favorecer um curandeiro budista chamado Dokyo, mas a rebelião foi
No aspecto internacional, do outro lado do Estreito de Tsushima, no
26 JANNETTA, Ann Bowman. Epidemics and Mortality in Early Modern Japan. continente asiático, houve envio de várias missões diplomáticas da
Princeton, Nova Jersey: Princeton University Press, 1987, p. 66., pp. 67-68.

44 45
corte Nara à China da dinastia Tang a cada vinte anos. Muitos corte de Nara reivindicar suserania sobre este reino coreano.
estudantes japoneses, tanto seculares como budistas, foram estudar
em Chagan e em Luoyang. Um desses estudantes, Abe no Nakamaro, Período Heian (794 – 987)
chegou a ser aprovado nos exames civis chineses para depois assumir
funções governamentais na China. Nakamaro atuou como Por volta do ano de 781, Kanmu (737 - 806) subiu ao Trono do
governador-geral em Annam, no norte vietnamita, de 761 a 767. Crisântemo como o 50º. imperador Yamato (fig. 11). A primeira
Outros estudantes voltaram para as ilhas japonesas e foram grande mudança do imperador foi a mudança da capital para Heian-
promovidos a altos cargos governamentais pelo prestígio. A China da kyô (Kyôto, doravante Quioto), em 794, que permanecerá assim
dinastia Tang mandou enviados oficiais ao Japão, como pelos próximos mil anos. O imperador assim o fez não somente para
contrapartida. Mas os imperadores e regentes japoneses não fortalecer sua autoridade imperial sobre as intrigas da antiga corte,
buscaram a investidura do imperador chinês como era esperado de como também a procurar uma melhor localização geopolítica. A nova
outros estados tributários ao “Filho do Céu”. capital tinha um bom acesso ao rio e aos mares e fácil acesso por
terra às províncias orientais.
As relações com o reino coreano de Silla (57 a. C. – 935 d. C.) foi
inicialmente promissor no período Nara. Chegou-se a trocar alguns
enviados diplomáticos, mas a ascensão do reino de Balhae (Parhae
em coreano, ⵐ䚨, 698 - 926) no nordeste asiático desestabilizou as
relações Japão-Silla. Balhae chegou a enviar uma missão através do
Mar do Japão em 728, que foi bem recebido pela corte de Nara pois
consideraram o reino como uma restauração do antigo reino coreano
de Koguryo (Goguryeo) que tinha sido um ex-aliado antes de ter sido
conquistado pela China dos Tang e de Silla em 668. As relações com
Balhae foram estáveis e durou até o século 10º. 27. Em contraparte,
devido a essas relações, a ligação com Silla deteriorou-se a ponto da

27 KOJIRO, Naoki. “The Nara State” In: BROWN, Delmer M. (Org.). The

Cambridge History of Japan: Vol. 1. Ancient Japan. Nova Iorque: Cambridge University
Press, 2006, p. 227.

46 47
Contudo, Kanmu ainda manteve ambições de impor a autoridade
imperial sobre regiões rebeldes e insubmissas no Japão. Em 794, após
ter feito alguns avanços sobre as regiões orientais e setentrionais
japonesas, três anos depois decidiu nomear um comandante-geral sob
o título de Sei-i Taishōgun (ᚁዀ኱ᑗ㌷, “generalíssimo subjugador
dos bárbaros”, em geral referido como shōgun ou xogum). Em 801, o
xogum derrotou as forças rebeldes da nação de Emishi (嘦⣟),
possíveis descendentes de Jomon, e estendeu os domínios imperiais
até os confins a leste da ilha de Honshu.

Mas o controle imperial sobre as províncias nos séculos 9º. e 10º.,


quando muito, era tênue, pautado mais em alianças com famílias
latifundiárias locais do que uma efetiva imposição política
centralizada tal como preconizada pelo sistema do ritsuryô. Em geral,
assim se estabeleceu a ordem política Heian, assegurando a sucessão
imperial através da hereditariedade com os assuntos governamentais
nas mãos de famílias conjugadas de influência na corte como os
Figura 11 – Imperador Kanmu. Fonte: https://tinyurl.com/yddc28tz
Fujiwaras.
Inicialmente, o novo período imperial Heian (794 – 987) continuou
sob a influência da cultura de Nara, pois a nova capital foi planejada Após a morte de Kanmu, em 806, houve um período de disputas

de acordo com o padrão urbano da capital chinesa, Chagan, como foi sucessórias entre seus filhos. Essas turbulências, contudo, não deixam

Nara, mas em escala maior. E a despeito do declínio das reformas de evidenciar as reformas políticas do século 9º. que apontaram para

Taihō manifestadas no ritsuryô, o governo imperial de Kanmu foi uma tendência cada vez mais centralizadora. Não em torno do

vigoroso em evitar maiores conflitos políticos e sociais a fim de se imperador (tennô) que assumiu papéis mais cerimoniais e,

consolidar um sistema mais estável no Japão em fins do século 8º. d. frequentemente, nos mosteiros no que ficou conhecido como o

C. 28. governo do mosteiro (insei, 㝔ᨻ). O verdadeiro e efetivo regente

28 HURST III, G. C. "The Heian Period" In: TSUTSUI, William M. (Org.). A Companion to Japanese History. Oxford: Wiley-Blackwell, 2007, p. 34.

48 49
passou a ganhar mais proeminência e voz de comando, em torno de lealdade e trabalho voltado para o senhorio local, efetivamente
um membro da família Fujiwara que tinha já se inserido na família tornando o Japão, no século 10º., num cenário desunido e
imperial através de gerações de casamentos. Havia sempre um fragmentado.
Fujiwara como presidente do Conselho Privado do Imperador e, em
A influência da China da dinastia Tang (618 - 907) que tinha sido
várias ocasiões, como regente e tutor de membros da família imperial
inspiração para o sistema político e administrativo japonês entrou em
em situação de menoridade (sesshô, ᦤᨻ) e na vida adulta (kanpaku,
declínio com a última missão imperial oficial japonesa enviada em
㛵ⓑ). Isso não significou um incontestado domínio político, pois 838. A partir de então, os emissários e monges budistas chineses
houve alguns imperadores como Daigo (r. 897 – 930) que tentaram passaram a ser considerados suspeitos e até perseguidos visando a sua
governar mais diretamente e conter as influências dos Fujiwaras. expulsão. O Japão começara a se isolar cada vez mais.

Os Fujiwaras, no entanto, mesmo com Daigo no trono não foram A despeito do maior isolamento e da fragmentação da unidade
removidos do poder, mas foram nas décadas seguintes se política, o Japão viveu no período Heian um florescimento artístico e
fortalecendo no controle do reino. A título de exemplo, Michinaga cultural nas cortes imperiais e aristocráticas locais. Houve um grande
no Fujiwara (966 - 1028) no início do século 11. foi capaz de interesse e produção poética e literatura vernácula. A escrita japonesa
controlar a corte imperial, a entronar e destronar membros da família há muito dependia dos ideogramas chineses (kanji), mas foram
imperial conforme sua vontade. Os Fujiwaras governaram no período gradativamente sendo substituídos por uma escrita fonética japonesa,
quase sem nenhuma contestação, algo que o historiador Sir George baseado no kana: o katakana, a usar em parte os ideogramas chineses,
Sansom denominou de “ditadores hereditários” 29.
e o hiragana, forma cursiva do katakana.

A estrutura administrativa e política do Japão, a partir de meados do Foi o hiragana que possibilitou a expressão das expressões vocais e,
século 9º. ao século 10º. gradativamente passou a ser controlada em nesse sentido, foi o meio que deu nascimento à literatura vernácula
unidades locais (shôen, Ⲯᅬ) por famílias latifundiárias e fundações propriamente japonesa, escritas e compostas por mulheres da corte
religiosas. Cada uma dessas localidades começou a ter status jurídico que não tinham sido instruídas na língua chinesa clássica como os
e político, isenções fiscais, imunidade e autonomia diante do governo homens. Algumas obras literárias nos anos finais de Heian nos
de Quioto. Os camponeses, nessas unidades, começaram a ter a sua séculos 9º. e 11 escritas por mulheres apresentaram um rico e
complexo universo da vida e relações das cortes. Algumas dessas
29 SANSOM, George Bailey. Japan: A Short Cultural History. Stanford, Califórnia: obras, como o Makura no Sôshi (ᯖⲡᏊ, “O Livro do Travesseiro”),
Stanford University Press, 1978, pp. 275-276.

50 51
de Sei Shonagon (c. 966 – 1017 ou 1025), são relatos da vida da
autora como dama da corte da imperatriz consorte Teishi no
Fujiwara (977 - 1001), a descrever com detalhes as nuances das
relações e intrigas da corte. Outro monumento literário, o Genji
Monogatari (“Conto de Genji”), de Shikibu Murasaki (973 ou 978 -
1014 ou 1031), considerada a primeira obra de romance do mundo,
nos oferece um panorama singular da vida da corte durante o período
Heian 30.

A arte pictórica também ganhou alento próprio no período Heian


depois de séculos sob influência chinesa da dinastia Tang. Sob os Figura 12 – Pintura no estilo yamato-e do período Heian, uma das cenas do “Conto
Fujiwaras, pinturas da natureza, paisagens, templos, santuários e da de Genji”, do capitulo “Hera”. Fonte: https://tinyurl.com/y97juyhc

vida da corte foram retratados em obras coloridas, delicadas e


A vida na corte transcorreu no ócio e na busca por um sentido maior
sublimes. Pautaram-se principalmente no estilo yamato-e (኱࿴⤮), no da vida, em contraste com a deterioração do governo efetivo
uso de cores vívidas e tons fortes retratando personagens e paisagens centralizado. Os nobres ocupavam-se com passatempos diletantes, a
célebres feitas em rolos de pergaminho, que estabeleceu os cânones e debater o destino e a transitoriedade da vida, tudo isso refletido nos
padrões para o desenvolvimento da arte japonesa nos séculos versos e pinturas da época. Os valores não mais residiam na esfera
posteriores 31 (fig. 12). pública, como foi compilado no Código de Taihô de 703 pautadas no
ideal do ritsuryô, mas nos assuntos particulares, nos gestos, falas,
protocolos e vestuário.

Surgiu na produção cultural do período Heian, uma sensibilidade


própria japonesa, distante da influência chinesa declinante. Valores
estéticos, como o okashi (que refere a algo inesperadamente invulgar e
divertido) e, principalmente, o complexo conceito de mono no aware
30 MORRIS, Ivan. The World of the Shining Prince; Court Life in Ancient Japan. Nova (algo como a bela fugacidade da existência, da vida). Este último
Iorque: Knopf Doubleday Publishing, 2013, p. xiv.
31 SINGER, Kurt. Mirror, Sword & Jewel: A Study of Japanese Characteristics. Richmond, termo encontra-se em milhares de passagens do “Conto de Genji”
Surrey, Reino Unido: Curzon Press, 1997, pp. 142-144.

52 53
(Genji Monogatari) 32, e seu sentido pode ser ilustrado num trecho do A descentralização do poder acarretou no envio de administradores e
antigo poeta do século 9º. , Komachi no Ono 33: representantes geralmente advindos da família Fujiwara ou de
famílias a eles aliados. Alguma dessas famílias aristocráticas foram os
Os botões em flor morreram,
Minamotos (ou Genjis) e os Tairas (ou Heikes). Entre essas famílias
Enquanto eu envelheço ociosamente,
nobres privilegiadas era permitido, além da ocupação de altos cargos
Olhando a chuva.
da corte (embora não tivessem direitos hereditários pois dependiam
No budismo, as idéias acerca do destino começaram a refletir uma
do aval da família imperial e dos Fujiwaras) manter guardas armados,
mudança para algo mais fatalista, no conceito da Era do Mappô (“Lei
conhecidos como bushi (guerreiros) ou samurai (servidores),
Última”) que prediz que a humanidade irá inevitavelmente sucumbir
tornando-os cada vez mais poderosos caso fizessem amplas alianças
e desaparecer 34, algo que pautou as idéias de transitoriedade e
de poder.
fugacidade do mono no aware. A vida e o destino, conforme expressado
nas obras da época, pareceram não ter maior substância a não ser As disputas na corte por essas famílias nobres excluídas do poder
para algo iminente e fatal num futuro incerto. central, inevitavelmente, lidou a uma situação de contestação diante
do status político. Em 1156, pretendentes rivais dos Fuijwaras
No mundo do poder, as esferas políticas começaram a se solidificar
lutaram pelo controle da corte, e asseguraram a aliança feita com
em torno de grandes unidades políticas pelo país. Cada família
outras famílias e grupos militares de algumas províncias. Os líderes
latifundiária buscou organizar e financiar um exército particular
desses pretendentes foram Kiyomori no Taira (1118 - 1181) (fig. 13),
armado, o que depois se consolidará em torno de um estrato da
advindo da família Taira das províncias a oeste na região do Mar
sociedade. A mudança na estrutura do poder decorreu da crescente
Interior, e Minamoto no Tameyoshi (1096 - 1156), da família
privatização da propriedade da terra, tendência que minou a
Minamoto originado da região de Kantô, a leste, onde hoje se situa a
centralização das propriedades fundiárias a partir do século 10º..
cidade de Tokyo (doravante Tóquio).
Muitas dessas propriedades passaram a gravitar em torno de si
mesmas, quebrando a autoridade e receita do governo em Quioto.

32 SHIRANE, Haruo. The Bridge of Dreams: A Poetics of the Tale of Genji. Stanford,

Califórnia: Stanford University Press, 1987, p. 31.


33 HENSHALL, Kenneth. G. A History of Japan: from Stone Age to Superpower. Nova

Iorque: Palgrave Macmillan, 2004, p. 30.


34 ADOLPHSON, Mikael S.; KAMENS, Edward & MATSUMOTO, Stacie

(Orgs.). Heian Japan: Centers and Peripheries. Honolulu: University of Hawaii Press,
2007, p. 245.

54 55
filho mais velho de Tameyoshi, Yoshitomo (1123 - 1160) que tinha se
rebelado contra as pretensões de seu pai natural. Foi este que, após a
vitória de Kiyomori, em 1159, resolveu organizar uma rebelião,
conflitos que depois foram chamados de Rebelião Heiji, e atacou a
capital Quioto no qual foi derrotado e morto (fig. 14). O mais crucial
foi o que se sucedeu após esse evento. Kiyomori, por influência de
uma de suas concubinas, Tokiwa, que tinha sido acompanhante de
Yoshitomo, decidiu poupar a vida de seus filhos.

Figura 13 – Kiyomori no Taira. Fonte: https://tinyurl.com/y7mgneol

A rivalidade entre esses dois líderes culminou em 1159 e 1160 na


chamada Rebelião Heiji 35. Nesta, os Tairas saíram vitoriosos, muito
por problemas de lealdades políticas dentro da aliança feita pelos
Minamotos. O líder Minamoto, Tameyoshi e seus dois filhos mais
velhões foram executados e Kiyomori estabeleceu-se como a figura Figura 14 – Imperador Nijô (1143 - 1165) escapando do Palácio Imperial em
política e militar mais poderosa do Japão, com as anuências Quioto durante a Rebelião Heiji de 1159. Fonte: https://tinyurl.com/y8ml3tsg

legitimadoras do imperador. Por um gesto de benevolência, Kiyomori


A veracidade desses fatos permanece controverso, mas o fato que
decidiu poupar a vida dos filhos restantes do seu rival e exilou
permanece é que isso levou à queda dos Tairas, pois dos filhos
Yoritomo, Noriyori e Yoshitsune 36.
poupados, filhos de Tokiwa, Yoritomo no Minamoto (1147 - 1199)
Na família Taira, encontrava-se um descendente dos Minamotos, (fig. 15) e Yoshitsune no Minamoto (1159 - 1189), terceiro e nono
filho de Yoshitomo respectivamente, foram os protagonistas
35 PEREZ, Louis G. Japan at War: An Encyclopedia. Santa Barbara, Califórnia: ABC-
históricos que abriram um novo episódio na história do Japão à
CLIO, 2013, p. 126. época.
36 SANSOM, George Bailey. A History of Japan to 1334. Stanford, Califórnia:

Stanford University Press, 1958, pp. 256-259.

56 57
os Tairas, e inaugurou em 1180 outro centro político em Kamakura,
próximo de Izu, contestando a tradição imperial em Quioto. Uma
guerra civil estava se alastrando pelo reino, a chamada Guerra Genpei
(1180 – 1185). Eventualmente, nos eventos da guerra, os Minamotos
conseguiram adentrar Quioto em 1183, e os Tairas e seus aliados,
liderados por Tomomori (1151 - 1185), filho de Kiyomori, fugiram
mais para o oeste, levando consigo o pequeno imperador Antoku.
Em abril de 1185, Yoshitsune no Minamoto perseguiu e derrotou
definitivamente as forças rivais na batalha naval de Dan-no-ura, na
região ocidental da ilha de Honshu. Antoku, o pequeno imperador de
apenas seis anos de idade, que tinha sido levado no colo de sua avó, a
viúva de Kiyomori, foi levado ao suicídio ao mar no Estreito de
Figura 15 – Yoritomo no Minamoto. Fonte: https://tinyurl.com/yb7uwo4j
Shimonoseki. Um impressionante relato desse evento evidencia o
Kiyomori, depois de ter-se assegurado como figura mais influente na forte senso de fatalismo da época, quando a avó de Antoku explica
corte da capital nos próximos vinte e poucos anos, conseguiu ao seu neto o seu destino 37:
assegurar a nomeação no trono imperial o seu neto, Antoku (1178 –
Vossa Majestade não sabe que renasceu neste mundo para o trono
1185, r. 1180 – 1185). O que ofendeu os outros rivais pretendentes, imperial, em resultado do mérito das Dez Virtudes que praticou em vidas
como o príncipe Mochihito (1151 - 1180), que decidiu buscar o apoio anteriores. Agora, porém, há um carma que vos reclama. (...) O Japão é

dos Minamotos. Yoritomo, que estava exilado na montanhosa região pequeno como um grão de milho, mas é agora um vale de misérias. Há
uma terra pura de felicidade sob as ondas, uma outra capital onde não
de Izu, a leste, que começou a organizar suas tropas e aliados,
existe sofrimento. É para lá que vou levar o meu Soberano.
incluindo seu irmão, Yoshitsune, a atender ao pedido do príncipe
pretendente. (Tradução nossa)

Os eventos históricos ganharam ares ainda mais dramáticos após a Até os dias de hoje, os caranguejos do Estreito de Shimonoseki são

morte do príncipe Mochihito, em junho de 1180, e, um ano depois, a considerados pelos japoneses como portadores das almas da família

de Kiyomori no Taira de febre. O futuro político japonês não poderia 37 WATSON, Burton & SHIRANE, Haruo (Orgs.). The Tales of the Heike.
ter ficado mais incerto. Yoritomo intensificou sua campanha contra Traduzido por Burton Watson. Nova Iorque: Columbia University Press. 2006, pp.
136-142.

58 59
Taira nomeados com o outro nome da família, os Heikes. As comando de líderes proeminentes da época.
tribulações dos tempos de guerra foram assomadas com epidemias e
Ao final do período Heian, já no século 12, o comando político do
calamidades naturais pelo Japão nos últimos anos do período Heian.
Japão orbitou em torno das disputas entre duas famílias pretendentes
Em 1180, houve um forte tufão e, em 1184, um grande terremoto,
ao poder, os Minamotos e os Tairas. Que resultou num período de
além de incêndios e inundações decorrentes das duas calamidades
guerras civis, na Guerra Genpei (1180 - 1185) (fig. 16), com o
naturais e da devastação da guerra. Os tempos pareceram ser os
resultado do declínio dos Fujiwaras, e a breve ascensão dos Tairas e,
definitivos e finais, tal qual pregava a escatologia budista inerente à
depois, dos Minamotos a ocupar a posição do comando máximo
Era do Mappô, a era do declínio, da degeneração do darma 38.
efetivo. Nisso, a capital política, embora a de cunho imperial tenha se
O Período Heian, em suma, apresentou mudanças fundamentais na mantido em Quioto, mudou-se mais para leste, em Kamakura, a
história do Japão. Inaugurou-se com a nova capital em Quioto, em partir de 1192 sob a égide de Yoritomo no Minamoto. O poder
794, com um grande plano urbano conforme a visão do imperador político japonês permaneceu sob as mãos de líderes militares até a
Kanmu (r. 781 - 806). E foi este imperador que tomou para si todas Restauração Meiji de 1868.
as medidas possíveis para a centralização dos poderes conforme os
ideais chineses da dinastia Tang. E, nesse sentido, tentou no seu
governo e sucessores reformar e melhorar a administração da
máquina governamental através de novos procedimentos, hierarquias
e códigos conforme o ritsuryô. Nos próximos séculos, contudo, a
autoridade imperial declinou gradativamente, conforme os esforços
de sucessão da família imperial ficaram sob a influência política de
poderosas famílias como os Fujiwaras. A arrecadação fiscal da capital
imperial e a capacidade de mobilização militar declinaram e o poder Figura 16 – Retrato de uma das batalhas entre os Minamotos e Tairas na Guerra
Genpei (1180 – 1185). Fonte: https://tinyurl.com/ydauphck
começou a se sedimentar mais em torno de poderosas famílias
latifundiárias das províncias do reino. O imperador começou a se
tornar mais uma figura simbólica e cerimonial a legitimar o efetivo

38 Amplo conceito budista que define o correto nas virtudes, leis, condutas, ética,

deveres e direitos de acordo com a ordem da vida e do universo.

60 61
Mapa das principais batalhas do Japão Kamakura. Fonte:
https://tinyurl.com/yd4ovcwb

62 63
DE KAMAKURA À IEYASU TOKUGAWA
(1185 - 1600)

O Período Kamakura (1185 - 1333)

Após a turbulência do período de conflitos civis da Guerra Genpei,


saiu vitorioso o líder da poderosa clã dos Minamotos, Yoritomo
(1106 - 1180), que decidiu estabelecer sua base mais a leste, em
Kamakura. Portanto, afastado da cidade imperial de Quioto. Seu
governo passou posteriormente a ser referido como o bakufu (ᖥᗓ,
governo de tendas, ou a residência do general, do taishô 39),

ressaltando o seu caráter itinerante e de campanha militar. Apesar da


aparente diarquia, um governo de dois pólos, o governo efetivamente
permanecia em Quioto, pois Yoritomo considerou sua autoridade
apenas sobre aqueles seus vassalos, em boa parte a classe guerreira. O
poder legítimo estava nas mãos do imperador 40. Pelo menos como
fonte legitimadora e tradicional o que por vezes confrontou-se com o
poder crescente e bélico dos líderes de guerra junto com a
insatisfação de latifundiários.

O momento mais emblemático no inicio do período Kamakura se


deu em 1192, quando Yoritomo recebeu o título de xogum do
imperador. As últimas décadas do século 12 foi um período crucial de

39 MASS, Jeffrey P. The Bakufu in Japanese History. Stanford: Stanford University


Press, 1993, pp. 15-16.
40 HANE, Mikiso & PEREZ, Louis G. Premodern Japan: a historical survey. Boulder,

Colorado: Westview Press, 2014, pp. 87-88.

64 65
transição na história japonesa. De uma fase de poder centralizado em ensinamento de Sidarta Gautama, o Buda (Shakyamuni). Nesse
termos civis e aristocráticos do período Heian para um mais em intento, os budistas dessa vertente ressaltaram o predomínio
termos militares e descentralizado. crescente das classes guerreiras em detrimento da tradicional elite da
corte imperial do período Heian, como ficou expressado na obra
Esse período de transição política foi percebida à época como um “Contos de Heike” (Heike Monogatari), em que os guerreiros aparecem
tempo de mudança e declínio. O que não significou um pessimismo retratados como vitoriosos sobre personagens cultos e polidos nos
resignado e decadente, pois foi no período Kamakura que houve um valores clássicos palacianos 43.
incremento das ordens monásticas budistas pelo país, o que resultou
em maiores possibilidades ao ensino e leitura pela população em geral 41. Essa tendência cultural da época é ressaltada por Varley 44, em que o
E houve também maior acesso a banhos públicos, um notável autor aponta como um dos traços mais marcantes do Japão na Era
avanço na área sanitária. Kamakura o pessimismo e declínio (ᮎἲ, mappô) misturados com
nostalgia da era Heian. Isso é evidenciado em obras literárias como
No campo agrícola, boas safras produziram colheitas excedentes, e no “Hojoki” de Kamo no Chomei, além dos “Contos de Heike”.
um incremento na monetarização da economia, como atesta o maior Nessas obras, o princípio do mappô enfatiza os traços sombrios do
nu número de moedas chinesas da época. Ao todo, houve claros destino da humanidade: do mistério e profundeza (ᗃ⋞, yugen),
indícios de crescimento do mercado japonês 42. E esse crescimento
solidão e humildade (ࡉࡧ, sabi). E Varley concluiu que esses traços
forneceu a base para a atividade comercial e urbana, e
depois irão compor a singularidade do senso estético japonês.
desenvolvimento institucional de corporações como as guildas (za,
ᗙ).
O budismo no Japão da época floresceu com as importantes
contribuições de correntes advindas da China e Coreia. Um dos
As transformações ocorridas repercutiram no campo filosófico e
personagens históricos mais importantes na consolidação de um
religioso. No budismo, as mudanças foram interpretadas como
budismo japonês que inspirou-se nos ensinamento advindos do
sintomas de uma era terminal, conforme as últimas leis do
43 SELINGER, Vyjayanthi R. Authorizing the Shogunate: Ritual and Material Symbolism
41 DEAL, William E. & RUPPERT, Brian. A Cultural History of Japanese Buddhism in the Literary Construction of Warrior Order. Leiden: Brill, 2013, p. 82.
Oxford: Wiley Blackwell, 2015, p. 5.
42 YAMAMURA, Kozo. “The Growth of Commerce in Medieval Japan”. In: 44VARLEY, Paul H. “Cultural Life in Medieval Japan”. In: YAMAMURA, Kozo
YAMAMURA, Kozo (Org.). The Cambridge History of Japan – Medieval Japan, vol. 3, (Org.). The Cambridge History of Japan – Medieval Japan, vol. 3, Nova Iorque:
Nova Iorque: Cambridge Univ. Press, 2006, pp. 344-395. Cambridge Univ. Press, 2006, pp. 447-499.

66 67
continente asiático foi o monge japonês Hônen (1133 – 1212), do centenas de embarcações que assaltaram a costa coreana em 1350 46.
mosteiro no monte Hiei a nordeste de Quioto. Vivenciando os O resultado desse saque em questão acarretou em grandes
trágicos eventos dos conflitos e turbilhões da Guerra Genpei, o consequências, possivelmente contribuindo para o crescimento e
monge buscou enfatizar a salvação da alma dos seguidores de sua supremacia do reino coreano de Choson (Joseon) em 1392 47.
seita, a Terra Pura (Jôdo-shu, ίᅵ᐀), visando um renascimento num
mundo do além. Foi no período Kamakura que ocorreu um dos eventos mais
dramáticos da história japonesa. As invasões mongóis de 1274 e
Por sua vez, outra vertente do budismo foi bem recebido no Japão. 1281. Por volta de 1259, os mongóis tinham se estabelecido em boa
O zen budismo. Essa corrente popularizou-se principalmente entre a parte do território chinês. Kublai Khan (1215-1294) (fig. 17), neto de
Gengis Khan, ocupou o trono chinês 48 e comandava um império
classe guerreira, por oferecer-lhes uma ética de vida simples e
ascética. Sua ênfase meditativa e mais voltada ao auto-controle foi que se estendia pela península coreana, norte da China mas ainda a
também popular entre as camadas da sociedade japonesa subjugar os rebeldes no sul sob o comando da Dinastia Sung (960 -
desinteressados em aprofundar-se nas complexas doutrinas e 1279) a partir da capital Linan (atual Hangzhou) 49.
esoterismo das sutras budistas 45.

A inserção do Japão no período Kamakura no contexto asiático era


bastante singular. Sua condição insular permitiu-lhe durante séculos
manter controlado os contatos com a península coreana, costa
chinesa e ilhas ao norte e ao sul até as Filipinas. O que não resultou
num total isolamento dos outros reinos asiáticos. Além de ocasionais
Figura 17 – Kublai Khan, imperador chinês da dinastia Yuan (1271 - 1368). Fonte:
contatos de missionários e estudiosos budistas, em busca de mestres https://tinyurl.com/ya4cbdnm
e locais sagrados, houve significativa atividade comercial marítima,
46 KANG, Etsuko Hae-Jing. Diplomacy and Ideology in Japanese-Korean Relations: From
mesmo de forma ilegal como na forma de piratas japoneses (wakô,
the Fifteenth to the Eighteenth Century. Londres: Macmillan, 1997, p. 28.
ೖᐧ). Entre esses últimos inclui-se expedições organizadas de 47 DUNCAN, John B. The Origins of the Choson Dynasty. Seattle & Londres:

University of Washington Press, 2000, p. 183.


48 Dando inicio à dinastia Yuan (1271 – 1368).
49 A dinastia Sung (ou Song) foi somente submetido às forças mongóis em 1279,
45 Em geral, a sutra refere-se aos ensinamentos orais e cânones de Buda e de outras dando-lhe fim na linha dinástica e incorporada ao trono imperial em Khanbaliq ou
figuras sagradas do mundo budista. Cambalique (atual Beijing ou Pequim).

68 69
desertar ao sinal das primeiras adversidades 51.
Visando estender sua dominação mais ao leste do reino tributário
coreano de Goryeo (918 - 1392), esta anterior a Choson (Joseon),
Apesar da formidável superioridade numérica dos invasores, os
Kublai Khan enviou um emissário ao Japão em 1268, após uma
japoneses tiveram tempo e preparo para a segunda investida.
primeira tentativa fracassada dois anos antes, exigindo submissão e
Ademais, um tufão castigou a região invadida, que destruiu ou
tributos. As exigências do Grande Khan foram ignoradas pela corte
inutilizou boa parte da frota mongol (fig. 18). Parecia, aos olhos
japonesa em Quioto e pelo bakufu em Kamakura. A rejeição foi
japoneses, que os deuses tinham-lhes favorecidos novamente, e esses
considerada como um insulto a ser resolvida com uma invasão às
ventos foram interpretados como de origem divina, shinpu (⚄∗) ou
ilhas 50.
kamikaze (⚄㢼), “ventos divinos”. Kublai Kahn resignou-se em

O primeiro ataque mongol se deu em novembro de 1274, com o planejar novas invasões até sua morte em 1294.

desembarque de uma frota de cerca de 900 navios a noroeste da


Kyushu. Apesar da superioridade em número de navios e homens,
cerca de 40 mil, o comando mongol resolveu retirar-se visando
minimizar os efeitos adversos das condições meteorológicas. Mas de
pouco adiantou, pois uma violenta tempestade adveio na região,
causando danificações em boa parte dos navios e a perda do
contingente mongol em dois terços.

Uma segunda tentativa de ofensiva mongol ocorreu em junho de


1281, quando uma frota mongol ainda mais numerosa, cerca de
Figura 18 – A tempestade castiga as tropas mongóis na segunda tentativa de
quatro mil navios e quase 150 mil homens, desembarcou na mesma invasão em 1281. Fonte: https://tinyurl.com/yd59fr4m
região de Kyushu, na baía de Hakata. Tal quantidade de homens era
As vitórias não trouxeram benefícios imediatos aos japoneses,
composta por múltiplas lealdades, desde chineses recém subjugados
contudo. Os custos de anos de mobilidade bélica e recursos,
das regiões meridionais até coreanos e mercenários que poderiam
planejamento estratégico de defesa, construção de fortalezas na

50ROSSABI, Morris. Khubilai Khan: His Life and Times. Berkeley: University of 51
TURNBULL, Stephen. The Mongol Invasions of Japan 1274 and 1281. Londres &
California Press, 2009, pp. 100-101. Nova Iorque: Bloomsbury Publishing, 2013, pp. 59-69.

70 71
região noroeste de Kyushu e o deslocamento de milhares de militares
e delegados do xogum acarretaram em sérias conseqüências
econômicas e políticas. Muitos dos que lutaram por Kamakura, após
os preparos e eventos, sentiram-se abandonados e indevidamente
recompensados, gerando um clima crescente de deslealdade e crítica
ao bakufu. Nobres locais e latifundiários sentiram-se incomodados
com a presença e atuação de delegados que supervisionaram os
preparos para a guerra.

A insatisfação com o xogunato de Kamakura atingiu patamares


críticos quando o novo imperador, Go-Daigo (1288 – 1339) (fig. 19), Figura 19 – Imperador Go-Daigo. Fonte: https://tinyurl.com/y79oel7d
ascendeu ao Trono do Crisântemo 52 em 1318. Este, inspirado pelo Dois anos depois, Takauji Ashikaga reconsiderou sua aliança com o
seu antecessor, o imperador Daigo (885 - 930), pretendeu concentrar xogum e decidiu apoiar a causa do imperador exilado, Go-Daigo.
os poderes nas mãos do imperador e enfraquecer o poder decisório Percebendo a mudança dos ventos históricos, e da decadência das
do xogum. Para fazer valer seu intento, Go-Daigo reuniu aliados e lealdades ao bakufu de Kamakura, Takauji foi atrás de seu destino
forças militares descontentes com o nono xogum de Kamakura, buscando assegurar-se como o novo xogum seguindo a promessa do
Morikuni (1301 – 1333), e dirigiu-se de Quioto para Kamakura em imperador. Assim, com renovado vigor e feitas as novas alianças, as
1331. Plano que se revelou um fracasso, pois as forças leais ao forças de Takauji e o imperador atacaram a base do xogunato em
xogum, sob o comando do general Takauji Ashikaga (1305 – 1358), Kamakura em 1333. Aliado a Takauji, despontou-se um outro
derrotaram o avanço imperial. O imperador, humilhado, foi exilado brilhante general em campo, descendente da família Minamoto, Niita
para a remota ilha de Oki. Yoshisada (1301 – 1338) 53. As vitórias sobre Kamakura abriram um
novo capítulo da história japonesa, e uma nova correlação de forças
despontava no horizonte.

53SUSUMU, Ishii. “The Decline of the Kamakura Bakufu”. In: YAMAMURA,


52O trono imperial, Takamikura (㧗ᚚᗙ), localizado no Palácio Imperial de Kozo (Org.). The Cambridge History of Japan – Medieval Japan. vol. 3. Nova Iorque:
Quioto é o trono imperial mais antigo do mundo ainda em uso. Cambridge University Press, 2006, p. 174.

72 73
O período Muromachi (1333 - 1568) Nesse sentido, o Japão iniciou um curioso período de dualidade
imperial, dois tronos e capitais simultâneas. Uma corte meridional, a
O Japão entre 1336 até o ano de 1568 atravessou um período de de Yoshino, perto da cidade de Nara, e outra setentrional, a de
governança militar (bakufu), assim como o foi em boa parte nos Quioto, período referido como o das Duas Cortes Imperiais
tempos de Kamakura. Muromachi refere-se à uma rua, Muromachi- (Nanbokuchō-jida, ༡໭ᮅ᫬௦).
dori, em Quioto, onde era localizada a base do bakufu. Por vezes, o
período também é referido como Ashikaga, pois foi esse clã, família
mais poderosa do xogunato, que tomou as rédeas do poder no Japão.
O período inicia-se em 1336 com as vitórias de Takauji, da família
Ashikaga, esta supostamente ligada por descendência aos Minamotos,
e as pretensões do imperador Go-Daigo em buscar restaurar o poder
imperial na chamada Restauração Kenmu 54. Essa tentativa, no
entanto, despertou a desconfiança de instituições religiosas, militares
e latifundiários que viram no ato imperial uma tentativa de
enfraquecê-los diante do poder imperial 55.

Figura 20 – Takauji Ashikaga, o primeiro xogum da dinastia Ashikaga (1336 -


Diante da ampla resistência, o imperador Go-Daigo fugiu de Quioto 1573). Fonte: https://tinyurl.com/ycfvrowz
capturado por Takauji em 1336. E estabeleceu sua corte imperial em
Yoshino. Em Quioto, Takauji (fig. 20) conseguiu ser nomeado como O imperador Go-Daigo faleceu em 1339, provocando um declínio
xogum por um novo imperador entronado aliado ao seu projeto de gradual da corte de Yoshino. Mas isso não resultou numa clara
poder, o imperador Kôgon (1313 - 1354), da linhagem Jimyoin 56. dominação da corte de Quioto nem de Takauji como o xogum. Pois
foi nessa época que a estrutura de poder no Japão foi mais
54 A Restauração Kenmu (ou Kemmu, ᘓṊࡢ᪂ᨻ Kenmu no shinsei) foi uma
tentativa feita pelo imperador Go-Daigo entre 1333 a 1336 de levar o poder
descentralizada, com o poder central a delegar o comando local a
decisório do Japão de volta para a casa imperial e a nobreza associada, buscando oficiais a serem designados pelo reino intitulados de governadores
assim restaurar um governo civil depois de quase um século e meio de regência
militar. (shugo, Ᏺㆤ) que posteriormente irão acumular terras e posses e se
55 GOBLE, Andrew Edmund. Kenmu: Go-Daigo's Revolution. Cambridge,

Massachusetts: Harvard University Press – East Asian Monograph, 1996, p. 122. tornarão poderosos senhores locais (daimiôs, ኱ྡ) com ampla
56 MARTIN, Peter. The Chrysanthemum Throne: A History of the Emperors of Japan.

Honolulu: University of Hawaii Press, 1997, p. 92.

74 75
autonomia em suas terras a partir do século 15. O Japão Casa Imperial de Quioto e lutou contra o príncipe Kaneyoshi,
gradualmente tornou-se mais num quadro de hegemonias locais 57. também conhecido como Kanenaga (1329 - 1383), filho de Go-
Cenário esse que muitos historiadores posteriormente interpretaram Daigo. Foi este príncipe a quem foi conferido o título de “Rei do
como similar à relação do mundo feudal europeu, apesar de outros Japão” dado pela corte imperial chinesa da dinastia Ming em 1370,
criticarem essa postura comparativa 58. supostamente a título de combater os piratas (wakô) nas partes
ocidentais de Kyushu 60.
Com os Ashikagas no poder do xogunato, cedo apareceram disputas
no seio dessa família e de seus aliados, o que em parte favoreceu a A resistência da corte meridional de Yoshino, contudo, vai perdurar
desunião e certo revigoramento da corte meridional em Yoshino, até 1392, quando o terceiro xogum, Yoshimitsu (1358 - 1408) (fig.
durante o chamado Incidente Kannô (Kannō Jōran, ほᛂᨐ஘). 21), negociou com Yoshino e unificou as duas cortes. Ademais,
Nesses eventos, o xogunato Ashikaga se enfraqueceu diante das Yoshimitsu conseguiu novamente dialogar com vários senhores locais
disputas entre os irmãos Takauji e Tadayoshi (1306 - 1352) em que (shugos) e manter-se como líder ao delegar poderes e pessoas nas
este tinha se rebelado e se juntado à corte meridional sob o trono do diversas províncias do reino. E ao exigir a presença constante dos
imperador Go-Murakami ( 1328 - 1368). A estrutura única do bakufu shugos na corte em Quioto, pôde melhorar a vigilância e controle
e da corte imperial pareceram estar em ruínas no Japão 59. sobre eventuais deslealdades e conspirações. Nesse sentido,
Yoshimitsu garantiu ao reino certa unidade depois de décadas de
Durante o segundo xogum Ashikaga, Yoshiakira (1330 - 1367), tendências centrífugas.
irrompeu uma disputa no bakufu entre os diversos shugos que, ao
realocarem suas lealdades políticas, buscaram se alinhar às pretensões
da corte de Yoshino, como o fez Hosokawa Kiyouji. Em Kyushu,
um outro Ashikaga, Tadafuyu, levantou armas contra o bakufu e a

57 AKIRA, Imatami. “Muromachi local government: shugo and kokujin”. In:


YAMAMURA, Kozo (Org.). The Cambridge History of Japan – Medieval Japan, vol. 3,
Nova Iorque: Cambridge Univ. Press, 2006, pp. 231.
58 YAMAMURA, Kozo (Org.). The Cambridge History of Japan – Medieval Japan, vol. 3,

Nova Iorque: Cambridge Univ. Press, 2006, p. 7.


59 MASS, Jeffrey P. (Org.). The Origins of Japan's Medieval World: Courtiers, Clerics,

Warriors, and Peasants in the Fourteenth Century. Stanford, California: Stanford 60YOSHIHIKO, Amino. Rethinking Japanese History. Ann Arbor, Michigan: Center
University Press, 2002, p. 197. for Japanese Studies - University of Michigan Press, 2012, pp. 269-270.

76 77
e o do Monte Hiei que defendia a ortodoxia. Buscou implementar um
reforma tributária mais padronizada pelo reino, com a criação de um
imposto mais amplo e igualitário (hanzei) em 1368 62, delegando a
função de administração a pessoas consideradas capazes e aliadas,
como foram os casos do general Yoriyuki Hokosawa (1329 - 1392) e
de Yoshimasa Shiba (1350 – 1410), a ocupar um proeminente posto
administrativo (kanrei). O xogum criou um guarda militar pessoal
(hokôshu), e desarticulou a influência de famílias shugos como os da clã
Yamana e Ouchi, conseguindo reunificar e reordenar o reino.

A morte de Yoshimitsu, em 1408, provocou uma sensível queda na


Figura 21 – Yoshimitsu, terceiro xogum Ashikaga. Fonte:
unidade do xogunato. O quarto xogum dos Ashikagas, Yoshimochi,
https://tinyurl.com/y85krx8r
não apresentou o brilho político e militar de seu pai. No geral, o novo
Assim como o foi com o príncipe Kanenaga, Yoshimitsu também xogum seguiu as políticas de seu antecessor, mas recusou renovar a
expressou lealdade ao imperador chinês, em 1403. A corte Ming, por condição de tributário diante do trono chinês, acarretando numa
sua vez, conferiu-lhe como súdito o título de “Rei do Japão”, o que queda nos contatos e comércio asiático, apesar de ter recebido da
abriu as perspectivas do reino em negociar e tratar com maior corte coreana da dinastia Joseon (Choson) uma representação em
regularidade os reinos do continente asiático, em grande parte 1398 63.
tributários do império chinês. Somente assumindo o título de súdito
dos chineses, os navios japoneses poderiam portar a permissão Em 1423, o cargo de xogum foi passado para o seu filho, Yoshikazu
(kangô) para negócios e acesso aos portos chineses 61. (1407 - 1425), mas este chegou a falecer cedo, dois anos depois sem
escolher um sucessor. Ao final de algum tempo, foi eleito em 1429
No plano doméstico, Yoshimitsu apaziguou os conflitos entre os como o sexto xogum o terceiro filho de Yoshimitsu e tio de
influentes templos budistas de Nanzen-ji, representando a escola zen, Yoshikazu, Yoshinori (1394 – 1441) que foi assassinado durante uma
62 YAMAMURA, Kozo (Org.). The Cambridge History of Japan – Medieval Japan, vol. 3,
61 TOBY, Ronald P. State and Diplomacy in Early Modern Japan: Asia in the Development Nova Iorque: Cambridge Univ. Press, 2006, pp. 240-241.
of the Tokugawa Bakufu. Princeton, Nova Jersey: Princeton University Press, 2014, p. 63 KANG, Etsuko Hae-jin. Diplomacy and Ideology in Japanese-Korean Relations: from the

58. Fifteenth to the Eighteenth Century. Basingstoke, Hampshire: Macmillan, 1997, p. 275.

78 79
peça de teatro Nô (⬟) 64 em 1441 em grande parte devido às suas Kantô - uma ampla planície a leste de Honshu que sofreu uma série
65. de incidentes armados ainda mais longo desde 1454 a 1482 68,
atitudes excessivamente autocráticas Seu filho, Yoshikatsu,
sucedeu-o no cargo com apenas oito anos de idade mas veio a falecer concentrando as atividades militares principalmente na capital
apenas dois anos depois devido à disenteria 66. Quioto. O que se resultou desse amplo conflito foi uma luta
inconclusiva e intermitente que devastou a capital nos anos da guerra.
As rápidas sucessões e a política incerta dos xoguns sucessores a Isso só fez com que o oitavo xogum no poder, Yoshimasa (1435 -
Yoshimitsu resultaram num gradativo fortalecimento de famílias 1490) (fig. 22) , amante e patrono das artes e cultura, perdesse ainda
oligárquicas delegadas como governantes (shugos) nas províncias, que mais o interesse na política levando-o a se aposentar e ao indicar seu
passaram a serem onipotentes nas suas regiões (referidos como filho, Yoshihina (1465 - 1489), como sucessor.
damiôs), corroendo a autoridade unitária do bakufu. Nesse cenário foi
emergindo um quadro de guerra civil no Japão, com as famílias das
províncias combatendo entre si, à medida que as alianças eram
desfeitas e frágeis. Os dez anos de conflitos na chamada Guerra de
Ônin (Ônin no Ran, ᛂோࡢ஘), entre 1467 e 1477, iniciada entre a
poderosa família dos Hokusawas e os Yamanas a disputarem o cargo
de kanrei, acentuou ainda mais a incapacidade do xogunato para
impor sua autoridade 67.
Figura 22 – Yoshimasa Ashikaga. Fonte: https://tinyurl.com/yak5dfp7
Eventualmente, os conflitos entre as duas famílias acabou se
alastrando para todos os daimiôs do país, em particular a região de As lutas corroeram o fundamento político e econômico do bakufu
que entrou em colapso e o xogum, temido e poderoso no passado,
64 O teatro Nô é uma forma clássica de drama japonês que combina canto, transformou-se em simples figura decorativa e hereditária.
pantomima, música e poesia. As representações geralmente se baseiam na literatura
tradicional com o a narrativa de um ser sobrenatural incorporado num herói. Yoshimasa, ao aposentar-se, como meio de afirmação e consolo,
65 EASON, David. “Warriors, Warlords, and Domains”. In: FRIDAY, Karl F.

(Org.). Japan Emerging: Premodern History to 1850. Boulder, Colorado: Westview buscou sublimar suas energias nos anos seguintes de sua vida a
Press, 2012, pp. 238-239.
66 FRÉDÉRIC, Louis. Le Japon: Dictionnaire et Civilisation. Paris: Robert Laffont, patrocinar amplos projetos de construção, como o do Templo de
1999, p. 56.
67 SANSOM, Sir George Bailey. A History of Japan, 1334–1615. Stanford, California: 68Durante o chamado Incidente de Kyôtoku em que os clãs da região disputaram o
Stanford University Press, 1961, pp. 217–229. posto de delegado máximo do xogum de Kantô (kantō kubô).

80 81
Jisho-ji em Quioto, conhecido como Ginkaku-ji (Pavilhão de Prata), O período Sengoku e a ordem Azuchi-Momoyama
inaugurado em 1490, símbolo máximo do florescente talento artístico (1467 – 1603)
da escola de Higashiyama 69 dessa época conturbada (fig. 23).
As conturbações da Guerra Ônin enfraqueceram a autoridade central
e causou uma realocação de forças para as mãos de governadores
(shugos) e famílias latifundiárias que passaram a acumular poderes
quase autônomos e plenos nas suas províncias, no que se refere o
termo daimiô (“grande nome, grande proprietário”). Eram figuras
poderosas locais que ignoraram a autoridade do bakufu, que passou a
existir somente nominalmente 71. No decurso desse cenário de
mudanças, famílias e clãs se estabeleceram como os Takedas e os
Figura 23 – O Ginkaku-ji (“Pavilhão de Prata”), em Quioto, 1490. Fonte: Imagawas, e conseguiram expandir suas esferas de influência. E
https://kaseito.files.wordpress.com/2012/07/ginkakuji3.jpg
muito desse poder, provincial e descentralizado, se baseou no uso
Houve também generoso incentivo às mudanças estéticas que regular de pessoas (samurais) a servir como o poder policial e
definiram os padrões culturais japoneses em outras áreas. Buscando judiciário a resolver as pendências locais. O quadro geral no Japão,
os princípios da simplicidade elegante e serena (sabi) e o gosto pela em suma, era de frequentes conflitos e guerras entre as diversas
contenção rústica (wabi), esses se conjugaram na manifestação de províncias e a incapacidade do poder central em impor a autoridade,
obras como na arquitetura e jardinagem (como no Ginkaku-ji), na período chamado de Sengoku jidai (“Período dos Estados
disposição e decoração de ambientes no uso do tatame, portas
Beligerantes”, ᡓᅜ᫬௦) que se estendeu desde 1467 até a segunda
deslizantes (shôji), prateleiras escalonadas e alcovas nas paredes para
metade do século seguinte.
exibição de obras de arte (tokonoma). O estilo codificou os padrões e
condutas de cerimônias como o do chá (chanoyu), o teatro Nô, o Em outros casos, cargos e postos de comando foram usurpados por
arranjo de flores (ikebana), cultivo de jardins e a composição de pessoas de posições sociais mais humildes, mas com grande talento e
versos poéticos (renga) 70.
Nova Iorque: Columbia University Press, 2003, pp. 142-146.
69 “Montanhas orientais” em japonês em referência à localização a leste e noroeste 71 MASAHARU, Kawai & GROSSBERG, Kenneth. “Shogun and Shugo: The

de Quioto, o Higashiyama floresceu baseado em grande parte nos ideais e estética Provincial Aspects of Muromachi Politics”. In: HALL, John Whitney &
do zen budismo. TAKESHI, Toyoda (Orgs.). Japan in the Muromachi Age. Berkeley & Los Angeles:
70 KEENE, Donald. Yoshimasa and the Silver Pavilion: the Creation of the Soul of Japan. University of California Press, 1977, p. 74.

82 83
capacidade para a guerra e política. Esse fenômeno social, de certa
meritocracia, em que subordinados derrubaram a aristocracia no
poder, tornou-se conhecida como gekokujô (ୗඞୖ, “o baixo
conquista o alto”). Um dos principais exemplos disso ocorreu com
Soun Hojo (1432 - 1519), de origens humildes que, eventualmente,
assumiu o poder na província de Izu em 1493 72. E com base em suas
conquistas sobre a região, o clã tardio dos Hojos permaneceram uma
ameaça sobre a região próxima de Kantô (onde depois florescerá a
cidade de Edo, atual Tóquio) até a sua subjugação por Hideyoshi
Toyotomi (1536 - 1598) em 1590 (fig. 24). O mesmo Hideyoshi, por
sua vez, veio de família camponesa sem direito a nome de família e Figura 24 – Hideyoshi Toyotomi. Fonte: https://tinyurl.com/ybqd2kcb

chegou ao posto de general ao apaziguar daimiôs rebeldes e trouxer


ordem ao Japão em fins do século 16. Houve também a organização O cenário japonês, portanto, era de embates e choques entre
de grupos religiosos e agricultores que se rebelaram contra as poderios locais, tal qual placas tectônicas ainda a se consolidarem
autoridades locais dos daimiôs, como ficou demonstrado no caso dos numa nova situação. E a nova ordem começou a surgir a partir da
monges budistas da seita Terra Pura (Jôdo Shinshu, ίᅵ┿᐀) que segunda metade do século 16. Período em que alguns daimiôs se
lideraram as facções rebeldes dos ikkô-ikki 73 na província de Kaga 74. tornaram suficientemente fortes e aliados a influenciar e subjugar o
bakufu dos Ashikagas. A primeira tentativa de derrubar o xogum foi
feita em 1560, por Yoshimoto Imagawa (1519 - 1560), quando aliado
aos Takedas e Hojos marchou rumo à capital Quioto mas chegou a
morrer em batalha contra Nobunaga Oda na batalha de Okehazama,
nas proximidades da cidade de Nagoia 75.

72 SANSOM, Sir George Bailey. A History of Japan, 1334–1615. Stanford, California:


Cinco anos depois, em 1565, uma aliança entre os clãs dos
Stanford University Press, 1961, pp. 243-245.
73 Composta por fazendeiros, monges, sacerdotes, nobres locais e samurais Matsunagas e Myoshis resultou num golpe contra o bakufu ao
descontentes que se juntaram a lutar por maior igualdade e justiça universal,
inspirados na seita Terra Pura.
74 TURNBULL, Stephen. Japanese Warrior Monks – AD 949 – 1603. Oxford: Osprey 75TURNBULL, Stephen. War in Japan 1467 – 1615. Oxford: Osprey Publishing,
Publishing, 2003, pp. 32-41. 2012, p. 43.

84 85
assassinar o 13º. xogum, Yoshiteru Ashikaga (1536 - 1565), e instalar 1588.
o primo de Yoshiteru, Yoshihide (1538 - 1568) como o próximo
O protagonismo histórico de Nobunaga vinha desde antes, pois sua
xogum em 1568, ainda que somente por alguns meses. Pois, houve
vida foi repleta de conquistas provinciais, batalhas contra rivais –
viva contestação de Nobunaga Oda (1534 - 1582) (fig. 25), da corte
daimiôs, líderes guerreiros, mercadores e monges budistas mais
imperial e de outro poderoso daimiô dos Hokosawas, Fujitaka (1534 -
intransigentes - e pretendentes, inclusive no seio de sua própria
1610). Assim, foi instalado como o novo xogum o irmão mais novo
família. Até 1573, Nobunaga já tinha destruído a aliança rival entre os
de Yoshihide, Yoshiaki (1537 - 1597) que permaneceu no poder até
clãs Asakura e Azai, obliterado os centros monásticos budistas de
1573, o último dos xoguns Ashikagas.
Tendai e do Monte Hiei, perto de Quioto, e evitou um confronto
fatal direto contra o líder dos Takedas, Shingen (1521- 1573) daimiô
da província de Kai, o maior rival contra as pretensões de unificar
sob o comando de Nobunaga. Shingen, o “Tigre de Kai” morreu em
batalha em 1573, ao confrontar-se com as forças de um aliado de
Nobunaga, Ieyasu Tokugawa (1543 - 1616) 76. As circunstâncias da
morte de Shingen são controversas. Uma das mais difundidas é
retratada no filme de Akira Kurosawa, “Kagemusha”, em que o líder
dos Takedas sucumbe na calada do noite ao ser atingido,
Figura 25 – Nobunaga Oda. Fonte: https://tinyurl.com/y9duob53 fortuitamente, por um tiro dado por um franco-atirador.

A oportunidade histórica com um aliado como xogum deu a Após a morte de Shingen, nenhum outro daimiô no Japão era forte o
Nobunaga alimentar maiores ambições de poder. Pois Yoshiaki suficiente para impedir o controle do clã dos Odas sobre Quioto. E
ocupava apenas o cargo, mas quem de fato indicava-lhe e mandava- durante o período entre 1576 a 1579, Nobunaga Oda mandou
lhe diretivas era Nobunaga Oda. Mas a essa situação pouco perdurou construir o imponente Castelo de Azuchi (fig. 26), às margens do
porque já em 1573, Nobunaga decidiu marchar para a capital, Quioto, lago Biwa. Este castelo, com uma imponente torre de sete andares
uma forma de intimidar o xogum por ele ter iniciado alianças com (tenshu), era o maior símbolo de suntuosidade e de ordem unificada
um clã rival dos Odas, os Takedas. O restante do tempo do xogunato no Japão ambicionado por Nobunaga 77.
dos Ashikagas foi insignificante e pouco efetivo até o seu fim em
76TURNBULL, Stephen. The Samurai: A Military History. Oxon, Oxford: Routledge,
2005, pp. 144-145.

86 87
Tenka Fubu (“um domínio unificado sob o poder militar”), Nobunaga
veio a cometer o suicídio ritualizado dos guerreiros (seppuku, ษ⭡) ao
ficar preso no templo de Honno-ji incendiado 79.

Figura 26 – O Castelo de Azuchi, Lago Biwa. Fonte: https://tinyurl.com/ycfsqf2t

Após ter assegurado seu poder em torno de sua província natal, sobre
a região de Kinai no centro da ilha de Honshu, Nobunaga passou a
colecionar aliados e subjugar rebeldes pelas províncias mais distantes.
Um dos rebeldes ainda resistentes era o filho de Shingen Takeda,
Katsuyori (1546 - 1582) que foi enfrentado em batalha em 1575 na
batalha de Nagashino. Neste confronto, Nobunaga reuniu dezenas de
milhares de mosqueteiros, o primeiro grande caso de uso de armas de Mapa do Japão depois de Nobunaga Oda, 1583. Fonte:
fogo em batalhas japonesas 78. Em 1582, ainda em campanha de https://tinyurl.com/y96un9ku
guerra a submeter rebeldes da família Mori das regiões ocidentais do
A busca por vingar a morte de Nobunaga e a disputa pela posição
Japão, e ambicionando um reino unificado como inscrito no seu selo
dominante foi o que veio a caracterizar os anos seguintes. A situação
77
ficou ainda mais delicada quando se descobriu que o filho mais velho
MITCHELHILL, Jennifer. Castles of the Samurai: Power and Beauty. Tóquio:
Kondasha International, 2003, p. 89.
78 TURNBULL, Stephen. Nagashino 1575: Slaughter at the Barricades. Oxford: Osprey

Publishing, 2012, p. 7. 79 HENSHALL, Kenneth. História do Japão. Lisboa: Edições 70, 2014, p. 66.

88 89
e herdeiro de Nobunaga, Nobutada (1557 - 1582), havia também regiões orientais de Honshu, os Hojos, foram a única grande
cometido o seppuku e deixando o clã dos Odas sem um sucessor resistência contra a unificação completa do Japão sob Hideyoshi.
evidente. Ujimasa Hojo (1538 - 1590), cujo castelo em Odawara, na província
de Sagami, parecia ser inexpugnável, recusou terminantemente todas
Quem se destacou na sucessão foi um dos mais fiéis servidores de
as ofertas de Hideyoshi pela paz. Após os eventos, seguiu-se quatro
Nobunaga, Hideyoshi Toyotomi. Pois foi ele que liderou os combates
meses de sítio do exército de Hideyoshi para finalmente capturar a
contra os rivais responsáveis pelas mortes de Nobunaga e de
fortaleza. Ou como ele mesmo se expressou com certa satisfação a
Nobutada, os do clã Akechi, derrotando-os na batalha de Yamakazi
uma carta à sua mulher: “eu rapidamente confinei meu inimigo numa
em 1582 80. Pela impetuosidade e rapidez da vitória, foi dada uma
gaiola” 81. Ujimasa pensou que, ao se render, teria a misericórdia do
clara mensagem aos outros clãs rivais pelo Japão, como os Moris.
rival, assim como aconteceu com o daimiô de Satsuma alguns anos
Com base nos sucessos militares de Nobunaga, Hideyoshi apreciou e antes. Mas a clemência de Hideyoshi talvez tenha se esgotado durante
praticou mais o poder da persuasão diplomática do que seu mestre os meses de cerco e ordenou ao daimiô Hojo a cometer o seppuku após
fez. Ele garantiu alianças através de proezas diplomáticas e militares a queda de Odawara.
durante os primeiros anos após a morte de Nobunaga. Os dois
principais obstáculos, contudo, nessa empreitada foram alguns À medida que a hegemonia de Hideyoshi se impôs sobre o Japão, o
domínios na ilha de Kyushu e a parte extrema oriental de Honshu líder consolidou também políticas bem sucedidas que transformaria o
controlada pelos Hojos. No que diz respeito aos rebeldes em Japão de muitas maneiras. Uma preocupação primordial de
Kyushu, Hideyoshi negociou habilmente com Sorin Ôtomo (1530 - Hideyoshi foi a eliminação de milícias espalhadas nas províncias,
1587) – um daimiô que se converteu ao catolicismo – de Kyushu fator que havia atormentado o Japão por décadas durante o período
contra a próspera província vizinha de Satsuma, a principal na ilha do Sengoku. Nesse intento, Hideyoshi buscou desarmar de espadas
meridional. Após a vitória de Hideyoshi e Ôtomo sobre Satsuma em todos os camponeses, no que ficou conhecido como a política de
1568, Ôtomo submeteu-se à hegemonia de Hideyoshi sobre a ilha de “caça às espadas” (katanagari, ย⊁) em 1588. Efetivamente chegou
Kyushu. ao resultado de reduzir o poderio de combate de potenciais rebeldes.
Somente a classe guerreira (samurai), cerca de 6% da população à
Quatro anos após as batalhas em Kyushu, em 1590, o daimiô das época 82, teria a exclusividade do uso das armas sob o aval da
80 TURNBULL, Stephen. Toyotomi Hideyoshi. Oxford: Osprey Publishing, 2011, pp. 81 BERRY, Mary Elizabeth. Hideyoshi. Cambridge, Massachusetts: Harvard
24-25. University Press – The Council of East Asian Studies, 1982, p. 94.

90 91
autoridade central.
Hideyoshi também procedeu a buscar fazer um levantamento
Os efeitos maiores das reformas de Hideyoshi, vislumbrado no Édito cadastral nacional com o intuito de levantar dados para um melhor
das Espadas acima mencionado, fora uma reforma a definir a ordem planejamento e alocação dos recursos do reino. Cada porção de terra
social em quatro classes hereditárias: samurais (shi), agricultores (nô), agrícola no Japão foi medido em seus termos geográficos e
artesãos (kô) e comerciantes (shô) (sistema de estratificação conhecido produtivos. As terras rurais foram classificadas como aquelas
como shi-nô-kô-shô). Além desse havia a ampla categoria dos excluídos consideradas “úmidas”, “secas”, “residenciais” e “hortas”. Os
que viviam em guetos: burakumin (“pessoas dos vilarejos”) que eram arrozais, base nutricional de toda a população japonesa, foram
estigmatizados como impuros (kegare) devido às suas ocupações, os rotuladas como “superior”, “média” e “inferior” com base de seus
eta, kawata ou hinin (açougueiros, curtidores de couro, varredores de potenciais agrícolas. Na sequência, Hideyoshi ordenou a emissão de
rua e coveiros), e os artistas, atores, dançarinos e cantores 83. documentos para as famílias que trabalharam nessas terras pelas
Hideyoshi decretou em 1591 que essas classes eram fixas e proibiu a gerações vindouras. Cada vila foi avaliada com uma certa cota de
mobilidade social. Para tal, os samurais foram obrigados a se filiar a imposto anual a ser entregue, geralmente em forma de arroz. O arroz
um daimiô particular e se afastar dos camponeses. Isso gerou como colhido era medido em termos de koku, cerca de 135 kg cada, o
conseqüência o deslocamento de milhares de samurais que eram suficiente para alimentar uma pessoa por um ano 85.
ligados pelas gerações anteriores a comunidades agrícolas, os
chamados “samurais da terra” (jizamurais), o que de certa maneira As implicações dessas amplas reformas foram enormes. Os
aliviou os camponeses dos abusos militares locais 84. Hideyoshi estava funcionárias do governo assim poderiam planejar e administrar as
no auge de seu poder, e para imprimir seu legado à história, mandou receitas anuais. Os agricultores ficaram cientes do quanto seriam
construir em Quioto seu castelo para sua aposentadoria, o tributados anualmente, sem o constrangimento e arbitrariedade de
Momoyama, completado em 1594. samurais locais. No nível hierárquico superior, Hideyoshi buscou
dividir a responsabilidade de governar com seus generais. Além da
82 VAPORIS, Constantine Nomikos. Voices of Early Modern Japan: Contemporary divisão geográfica da terra, Hideyoshi estipulou quantos kokus cada
Accounts of Daily Life During the Age of the Shoguns. Santa Barbara, California: ABC-
Clio, 2012, p. xxiii. general deveria receber com base em seus domínios. Como exemplo,
83 TSUTSUI, William M. (Ed.). A Companion to Japanese History. Oxford: Blackwell

Publishing, 2009, p. 391.


Ieyasu Tokugawa, um dos principais generais sob Hideyoshi, que
84 HALL, John Whitney; KEIJI, Nagahara & YAMAMURA, Kozo (Eds.). Japan

Before Tokugawa: Political Consolidation and Economic Growth, 1500-1650. 85 TURNBULL, Stephen. Ashigaru 1467 – 1649. Oxford: Osprey Publishing, 2001,
Princeton, Nova Jersey: Princeton University Press, 1981, pp. 211-212. p. 11.

92 93
recebeu as férteis planícies orientais, as de Kantô, para governar,
deveria entregar anualmente 2,4 milhões de kokus, o maior declarante
geral no Japão 86. Com isso, Hideyoshi promoveu um senso de
reciprocidade e lealdade entre seus governadores delegados às
províncias.
Mas ao final de sua vida, Hideyoshi parece ter se afastado da política
e diplomacia, dando sinais de uma vida mais errática. Desde 1543,
alguns estrangeiros vindos de mares distantes, chamados de nanban
Figura 27 – O desembarque de “bárbaros do sul”, europeus, aos olhos japoneses.
(༡⻅, “bárbaros do sul”), começaram a aportar nas regiões Pintura do Período Edo, de Kano Naizen, c. 1600. Fonte:
https://tinyurl.com/y8bhkan6
meridionais de Kyushu, especificamente em Tanegashima. Alguns
anos mais tarde, em 1549, foram autorizados a desembarcar na região Ademais, Hideyoshi começou a desconfiar da lealdade de seus

de Kagoshima, na província de Satsuma, missionários católicos parentes e aliados mais próximos. Em 1595, Hideyoshi mandou

portugueses, das ordens jesuítica e franciscana, como o fez Francisco executar seu sobrinho, Hidetsugu (1568 – 1595), junto com 31

Xavier (1506 - 1552), com a finalidade de estudar a língua e cultura membros de sua família, a fim de impedir potenciais usurpadores de

japonesa e buscar o proselitismo (fig. 27). A crescente atuação desses seu poder e de seu filho, Hideyori (1593 - ?), de linhagem mais nobre

missionários que passaram a ser vistos com suspeita por alguns por parte de sua mãe, Yodo-dono (1596 - 1615), sobrinha de

governadores locais e Hideyoshi, fez com que fosse limitado o Nobunaga Oda, que poderia reivindicar o cargo de xogum ao

desembarque desses estrangeiros nas ilhas e que culminou na imperador por ser descendente, embora distante, dos Minamotos.

ordenação de execução de sacerdotes católicos e convertidos E não menos intrigante, Hideyoshi ordenou um massivo ataque ao

japoneses. Como o que ocorreu na crucificação em 1596, de 26 litoral coreano e chinês. Mais de 150 mil samurais, veteranos de

cristãos – nove sacerdotes e dezessete japoneses – em Nagasaki 87. O combates, foram enviados para a Coreia a servir de base para futura

Japão lentamente fechava-se ao estrangeiro. invasão à China da dinastia Ming, durante a chamada Guerra Imjin
entre 1592 e 1598 (fig. 28). As forças japonesas encontraram feroz
resistência, principalmente nos arredores da atual cidade coreana de

86
Pyongyang em 1593, ficando a partir de então mais atolados e sem
WALEY, Paul. Tokyo: City of Stories. Trumbull, Connecticut, EUA: Weatherhill,
1991, p. 8. avanços ofensivos militares 88.
87 CROSS, Frank Leslie & LIVINGSTONE, Elizabeth A. (Eds.). The Oxford

Dictionary of the Christian Church. Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 868.

94 95
Figura 28 – Invasão japonesa na Coreia, Guerra Imjin (1592 – 1598). Fonte:
https://tinyurl.com/y9axow2z

A disputa pela sucessão ao comando de Hideyoshi nos seus últimos Mapa do Japão no Período Azuchi-Momoyama, com destaque aos domínios de
anos ganhou ares dramáticos. Pois ao falecer em 1598, Hideyoshi Nobunaga Oda e Hideyoshi Toyotomi. Fonte: https://tinyurl.com/ybhclavp

deixou seu filho, Hideyori, com apenas cinco anos de idade. Apesar
de cinco dos mais leais generais de Hideyoshi terem jurado reger
durante a menoridade de seu filho, acabaram não cumprindo a
promessa feita. Um desses generais, Ieyasu Tokugawa, aliado mais
poderoso de Hideyoshi, começou a ter planos diferentes sobre o
futuro do Japão que estava se unificando em fins do século 16.

88 HAWLEY, Samuel Jay. The Imjin War: Japan's Sixteenth-century Invasion of Korea and

Attempt to Conquer China. Seul: Royal Asiatic Society – Korean Brench, 2005, pp.
306-309.

96 97
O Período Edo e a Dinastia dos Tokugawas (1603 –
1868)

Durante o período da regência do filho de Hideyoshi, Hideyori,


Ieyasu Tokugawa (fig. 29) figurava entre os homens mais ricos e
poderosos do Japão. Tinha sob seu controle as vastas planícies férteis
da região oriental da ilha de Honshu, em Kantô, e inúmeros aliados.
Mas seus planos iam além. Durante os dois anos seguintes à morte de
Hideyoshi, em 1598, Ieyasu começou a buscar mais aliados
descontentes com a sucessão de Hideyoshi. E, fortalecido, foi
assediar a residência de Hideyori, ocasião em que assume o controle
do castelo de Osaka, em 1599.

Figura 29 – Ieyasu, o primeio xogum Tokugawa. Fonte:


https://tinyurl.com/yddh5oxn

DO PERÍODO EDO À ERA MEIJI (1603 - 1912)


Os eventos irritaram alguns daimiôs resistentes que buscaram se

98 99
articular em torno de Mitsunari Ishida (1561 - 1600) que tentaram Figura 30 – A Batalha de Sekigahara, 1600. Fonte: https://tinyurl.com/ybbau95j

emboscar Ieyasu, mas as notícias chegaram antes aos ouvidos de


alguns generais de Ieyasu. Por pouco, Mitsunari conseguiu fugir de Aproveitando o momento de distração e desunião entre os aliados do
uma represália, surpreendentemente pela clemência ou estratégia do Exército Oriental, Mitsunari mobilizou seus aliados para ir contra as
próprio Ieyasu. Dali em diante, o Japão polarizava-se em dois campos forças de Ieyasu. Foi então que, em Sekigahara, em 21 de outubro de
rivais: aqueles do grupo de Mitsunari, o Exército Ocidental, e o 1600, as forças dos dois exércitos se enfrentaram, com um total de
Exército Oriental, anti-Mitsunari, que contava com o apoio de Ieyasu 160 mil homens envolvidos em campo. A fortuna favoreceu a Ieyasu,
e aliados. líder do Exército Oriental, na batalha, e os aliados de Mitsunari foram
capturados e mortos 89. Ieyasu tornava-se o senhor inconteste de
Os eventos culminaram numa das mais importantes batalhas da
todo o Japão.
história do Japão, na batalha de Sekigahara (fig. 30). Ieyasu e seus
aliados planejaram disciplinar alguns ex-aliados do seu Exército Logo após a vitória, Ieyasu passou a redistribuir os domínios de terra
Oriental, o clã de Uesugi, que supostamente estavam conspirando para seus aliados e vassalos. Deixou boa parte dos daimiôs ocidentais
contra Ieyasu. Mas antes de chegar ao domínio desse clã conforme a tradição anterior, como o clã dos Shimazus, pois não
insubordinado, Kagekatsu Uesugi (1556 - 1623) reforçou suas bases e pretendia perturbar a ordem ainda tão delicada na região em que
militares. Quando Ieyasu exigiu que Kagekatsu fosse a Quioto se muitos tinham nutrido simpatia a Mitsunari. Mas sobre outros mais
explicar, um assessor dos Uesugis respondeu com uma mensagem problemáticos, como no caso do filho de Hideyoshi, o jovem
que foi considerada como um insulto e violação à lealdade de Ieyasu Hideyori, perdeu a maior parte de seu território e fortalezas. Os
e aliados. territórios mais preciosos foram alocados ao controle de Ieyasu, cerca
de um quarto de todas as propriedades latifundiárias do Japão. Nos
anos seguintes, os aliados daimiôs que tinham prometido lealdade a
Ieyasu antes da batalha de Sekigahara, os chamados fudai (26% do
total) foram os mais beneficiados com maiores extensões territoriais e
de localização estratégica, além daqueles ligados por sangue ao clã dos
Tokugawas, considerados como os shinpan (10% das terras). Os que

89HANE, Mikiso & PEREZ, Louis G. Premodern Japan: a historical survey. Boulder,
Colorado: Westview Press, 2014 , p. 181.

100 101
juraram lealdade após Sekigahara, os chamados tozama (38% restante) e comercial, conjugado com uma política de isolamento (sakoku,
foram relegados a um status inferior e foram alocados a propriedades 㙐ᅜ) com relação ao estrangeiro.
marginais 90.
A distribuição e alocação das terras de Ieyasu serviu-lhe para
Em 24 de março de 1603, Ieyasu Tokugawa, aos 60 anos de idade, estabelecer a fidelidade e dependência dos daimiôs ao governo bakufu.
após as devidas negociações e protocolos e evocando ser descendente Mas o daimiô ao mesmo tempo, era obrigado a reportar ao xogum em
distante dos Minamotos, foi consagrado com o título de xogum das Edo, e mesmo atender a demandas regulares de recursos e homens
mãos do imperador Go-Yozei (1571 - 1617). Ieyasu viveu até os 73 para a construção de castelos, estradas, postos e outras obras de
anos de idade, e faleceu em 1616 talvez de sífilis ou câncer, e foi infra-estrutura pelo reino. Ademais, era compulsória a presença do
postumamente deificado como o nome budista de Grande Gongen, daimiô e de sua família, inclusive os seus filhos, na capital Edo,
Luz do Oriente, um espírito divino (kami) a salvar seres vulneráveis e durante alguns meses por ano (sankin kôtai). Visando com isso criar
sensíveis como os idosos, crianças, doentes e animais. Seus filhos e vínculos entre as famílias dos daimiôs com o bakufu. Casamentos entre
descendentes sucederam-no ininterruptamente como xoguns até o essas famílias dos daimiôs deveriam ter a aprovação do xogum. No
último dos Tokugawas, Yoshinobu, cair do poder em 1868. campo da administração e justiça, o daimiô tinha ampla autonomia nos
seus domínios, sendo exigida pela autoridade central a entrega dos
A ascensão de Ieyasu ao poder no Japão significou nos próximos dois
impostos, recursos e homens quando solicitados pelo governo
séculos e meio em uma reformulação da estrutura do Estado japonês,
central. Em suma, Ieyasu buscou equilibrar a autoridade central com
todo centrado na capital, que fora mudada mais para a região oriental
certa autonomia local. Essa relação política é referida no termo,
na planície de Kantô, na cidade de Edo (atual Tóquio) e mantida a
bakuhan (“autoridade dos senhores locais”), mesclando a autoridade
tradição da família imperial. Foi consolidada uma estruturação
central, bakufu, com o dos os daimiôs.
política muito mais unitária e abrangente, conferindo ao Japão até
meados do século 19 uma coesão nacional extraordinária. Em nível No campo econômico, houve um remanejamento o sistema
local, os domínios territoriais recenseados (han, ⸬) passaram a ser produtivo em relação às décadas anteriores. Os camponeses deveriam
delegados a daimiôs, que somavam cerca de 200 na época, sob regras trabalhar e cultivar a terra e entregar boa parte de seus produtos para
rígidas advindas da capital. E nesse esteio, foi um período de as classes dominantes locais (daimiòs) que por sua vez deveriam
mudanças sociais gradativas a partir do crescimento agrícola, urbano atender a cotas de imposto estabelecidas pelo xogum. Os artesãos
90
HALL, John Whitney (Org.). The Cambridge History of Japan – Early Modern Japan.
deveriam usar suas habilidades para a criação de itens necessários
Vol. 4. Cambridge, Reino Unido: Cambridge University Press, 1991, pp. 150-152.

102 103
como instrumentos, armas e manutenção em forma de serviços ainda em termos tradicionais, em termos latifundiários e agrícolas.
prestados no han. Os bens não poderiam ser comercializados Restava às outras classes não-dominantes, comerciantes e artesãos,
livremente, apenas por meio dos comerciantes, casta mal considerada um papel auxiliar nesse sistema ideal, e foram esses os que, com o
pelos valores tradicionais do confucionismo e do xintoísmo por não crescimento urbano e comercial, mais prosperaram ao longo do
contribuírem concretamente ao país, apesar de necessários ao sistema tempo dos Tokugawas.
econômico.
O crescimento geral da produtividade agrícola gerou um aumento no
O período inicial dos Tokugawas no início do século 17 até meados bem-estar geral dos japoneses. Essa tendência pode ser observada no
do século 18 apresentou um crescimento econômico significativo e aumento significativo da população durante o século 17. Embora os
sustentado no Japão. Esse crescimento ocorreu principalmente a estudiosos discutam sobre números exatos, a população total do
partir do setor agrícola, no melhor uso das terras, inclusive daquelas Japão ao redor do ano 1600 foi provavelmente por volta de 12
antes ignoradas e inférteis, e de fertilizantes. Os dados entre 1600 e milhões. A população no momento do primeiro censo nacional
1720 mostram um aumento de 60% da produção agrícola no Japão 91. confiável realizada pelo xogunato em 1720 foi de cerca de 31 milhões 92.
O comércio e o mercado também apresentaram um aumento de Esses dados indicam que a população mais do que duplicou em
atividade, gerando um impulso ao crescimento urbano. pouco mais de cem anos. Isso poderia ter sido resultado por uma
série de causas, incluindo o planejamento familiar entre os
Essas mudanças geraram desconforto em algumas classes que
camponeses. Mas o cenário populacional se estabilizou desde meados
acreditavam nas virtudes tradicionais, principalmente entre os
do século 18 até fins do século 19. A economia, no entanto,
samurais de baixo status e sem títulos e propriedades, a quem era
continuou a crescer, levando a um superávit econômico. Esse
proibida de se engajar em atividades comerciais e agrícolas. A muitos
excedente foi um dos fatores para a rápida industrialização do Japão
desses, restava-lhes apenas o ócio e os vícios nas grandes cidades em
no final do século 19 e início do século 20.
crescimento como em Edo. Nisso se revela talvez a maior
contradição do Japão Tokugawa, ou do Período Edo: na discrepância O crescimento populacional e urbano proporcionaram um
entre que era objetivado no planejamento social e econômico e as incremento comercial e a intensificação dos contatos e transporte,
mudanças produzidas pelo crescimento econômico na sociedade. Boa como ilustra a movimentada estrada Tokaidô, que ligava Quioto a
parte do xogunato Tokugawa e dos daimiôs consideravam o Japão
92 HOWE, Christopher. The Origins of Japanese Trade Supremacy: Development and
91
FRANCKS, Penélope. Japanese Economic Development: Theory and Practice Londres & Technology in Asia from 1540 to the Pacific War. Chicago: Chicago University Press,
Nova Iorque: Routledge, 2015, p. 118. 1999, p. 50.

104 105
Osaka e depois a Edo (Tóquio) a leste. Nessa estrada, os nobres por alguns meses numa pequena ilha, Deshima, ao lado da cidade de
viajavam carregados em liteiras (kago). Ao longo do Tokaidô, havia Nagasaki (fig. 31). Assim permaneceu até meados do século 19,
uma série de postos do governo para que os viajantes pudessem apesar dos contrabandos e inúmeras petições de aventureiros,
descansar. Essas estações consistiam em estábulos, além de náufragos e baleeiros estrangeiros em buscar contatos duradouros
hospedagem, restaurantes e tabernas. Originalmente, no século 17, com o Japão Tokugawa 94.
Tokaidô era composto de 53 estações. As cargas mais pesadas eram
transportadas pelas rotas marítimas que também foram expandidas
sob os Tokugawas, principalmente a ligar os centros comerciais e
urbanos do leste ao oeste e sul das ilhas japonesas. Junto com o
crescimento urbano e da atividade comercial veio o uso monetário.
Ieyasu e seus sucessores padronizaram a cunhagem das moedas.
Nesse sentido, houve um aquecimento do mercado nacional, em que
determinadas áreas começaram a se especializar em seus produtos
cultivados ou produzidos.

O comércio e contato com o exterior, contudo, foi severamente


limitado somente à cidade de Nagasaki, a partir do Édito de
Figura 31 – Retrato dos holandeses confinados em Deshima, Nagasaki. Fonte:
Isolamento de 1636 93. Isso não impediu as províncias mais afastadas https://tinyurl.com/y8xew7s6
(dos tozamas), como Choshu, Tosa e Satsuma na região meridional de
Kyushu, mais próximas da península coreana, costa chinesa e ilhas
Voltando ao plano interno, no esteio do crescimento urbano e da
Ryukyu ao sul, de se envolverem (e prosperarem) com o comércio
rede de estradas, fortaleceu-se também no Japão os castelos nos
ilegal com estrangeiros. De fato, após a expulsão oficial dos
domínios dos daimiôs, congregando neles guerreiros servidores ao
portugueses e de outros estrangeiros do solo japonês, os holandeses
senhor local. Essa tendência foi exacerbada pelas exigências de Ieyasu
protestantes, que ajudaram na perseguição contra os católicos no
em exigir a presença constante dos daimiôs e suas famílias em Edo,
Japão, foram os únicos permitidos a partir de 1637 em permanecer

94MCDOUGALL, Walter A. Let the Sea Make a Noise: Four Hundred Years of
93 LAVER, Michael S. The Sakoku Edicts and the Politics of Tokugawa Hegemony. Cataclysm, Conquest, War and Folly in the North Pacific. Nova Iorque: Basic Books,
Amherst, Nova Iorque: Cambria Press, 2011, p. 74. 2004, p. 2.

106 107
fazendo com que fosse necessário maior defesa e vigilância nas processo de urbanização do Japão dos Tokugawas. Quando Ieyasu a
propriedades na sua ausência. Como resultado, surgiram cidades a tornou sua capital em 1590, Edo ainda era apenas um remanso
partir de castelos construídos (jokamachi) em fins do século 16 e 17, pantanoso de apenas poucos habitantes na afastada região oriental de
em que cerca de 90 novas cidades surgiram. Essas novas cidades, ao Honshu. Ieyasu, visando se afastar das influências e intrigas da corte
redor de um castelo a defender a região e província aglomerou a em Quioto, e assegurar melhor seus domínios na região de Kantô,
presença de guerreiros, comerciantes, artesãos e mercado agrícola, mandou erguer um magnífico castelo xogunal. E para tanto, houve o
mudando o perfil urbano do Japão. Esses novos centros de deslocamento de milhares de trabalhadores a derrubar as matas e
aglomeração passou a exigir não somente mão-de-obra especializada, floresta na região para a construção, aterros e dragagem de pântanos
mas também produtos para manutenção e obras, como telhas, e zonas marginais, a construir estradas, postos de governo, templos e
carvão, madeira, palhas, pedras e fornos. Ao longo do tempo, essas santuários, armazéns e depósitos. Já em 1600, Edo já era uma cidade
aglomerações viraram áreas urbanas, muitas ao longo da costa ou de limpa e organizada de cerca de 5 mil moradias. Dez anos depois, a
estradas movimentadas como a Tokaidô (fig. 32). capital dos Tokugawas já tinha 150 mil pessoas, entre daimiôs e suas
famílias, samurais e outros militares, artesãos, comerciantes,
administradores, sacerdotes, artistas e outros trabalhadores urbanos
(fig. 33). Posteriormente, por conta da presença compulsória dos
daimiôs e seus funcionários, Edo inchou para 500 mil habitantes em
1657 95. Em 1720, a cidade já era a mais populosa do mundo fora da
China, com uma população de cerca de 1,4 milhão. Desses, meio
milhão eram de samurais.

Figura 32 – A estrada Tokaidô e as 53 estações, ilha de Honshu, Japão. Fonte:


https://tinyurl.com/ybmyn6dj

95SMITKA, Michael (Org.). The Japanese Economy in the Tokugawa Era, 1600 – 1868.
O crescimento da cidade de Edo foi um caso emblemático do Londres & Nova Iorque: Routledge, 2012, p. 565.

108 109
em forma de arroz. Esses pagamentos eram baseados na hierarquia
do guerreiro e não acompanhava as flutuações do preço de mercado.
Ademais, com a crescente monetarização da economia japonesa, os
samurais passaram a ter que negociar sempre seus ganhos em forma
de arroz para dinheiro. O que acabava sendo controlado pelos preços
fixados por mercadores nas cidades de Edo e Osaka. Ou seja, os
samurais em boa parte dependiam dos instáveis preços estabelecidos
por mercadores.

E para piorar, a classe dos samurais era proibida de se engajar no


comércio e agricultura, que poderia ser uma outra fonte de renda,
Figura 33 – Edo no século 17. Fonte: https://tinyurl.com/y7hujg24
impossibilitando-os de prosperarem com o crescimento da economia.
Em outras cidades regionais a partir de castelos construídos Nesse sentido, os samurais começaram a gradativamente ter seu
(jokamashi), houve também significativo crescimento urbano. poder de compra diminuído, a se endividarem cada vez mais com
Kanazawa, centro de um extenso domínio (han) na costa do Mar do mercadores, um grande fator de humilhação social. E era esperado da
Japão, era uma vila de poucos mais de 5 mil habitantes em 1580. Em classe dos guerreiros uma postura de dignidade e roupagens
1710, cresceu para 120 mil pessoas. Nagoia era uma cidade pequena adequadas (como o conjunto kamishimo) ao seu status, e o protocolo
no inicio do século 17 passou a ter 64 mil habitantes em 1692. Osaka, exigia sua conduta apropriada – como presença em eventos sociais
um importante centro estratégico ao longo da estrada Tokaidô, que demandavam o custeio de presentes – agravando ainda mais seus
passou de 200 mil pessoas em 1610 para 360 mil em 1700, e atingiu orçamentos.
meio milhão em fins do século 18 96.
As autoridades dos Tokugawas estavam cientes disso, com relação
Esse crescimento urbano teve diferentes impactos nas classes sociais. aos samurais. Por isso, tentaram por várias vezes elevar a figura do
Os mercadores e comerciantes foram os mais beneficiados dessas samurai como algo exemplar e nobre para a sociedade e escolas. E
atividades, mas classes tradicionais como o dos samurais declinaram por definição, poucos poderiam entrar para a classe samurai,
em importância na sociedade. Pois recebiam estipêndios fixos, pagos conforme o rigor das leis estabelecidas pela Reforma de Kyoho no

96
início do século 18 e das Reformas Kansei na virada do século 19 97.
RUBINGER, Richard. Popular Literacy in Early Modern Japan. Honolulu: University
of Hawaii Press, 2007, p. 82.

110 111
Mas essas medidas não tiveram efeitos práticos duradouros para a condutas e valores ideais dos samurais no século 19.
renda dos samurais. Pensadores reformistas, como o maior erudito
confuciano da época, Sorai Ogyu (1666 - 1728), propuseram
mudanças radicais, como a possibilidade do samurai poder cultivar a
terra, e dar possibilidade de ascensão a samurais de baixa hierarquia
com algum talento de ascender a posições de comando no Estado
Tokugawa. Mas, no geral, os samurais tornaram-se numa classe
decadente e ociosa nos centro urbanos, sem maiores finalidades pois
os conflitos e guerras no Japão foram em boa parte controlados
desde Ieyasu.

Um dos casos mais emblemáticos a respeito da condição dos


samurais na sociedade japonesa em mudança na época se deu no
chamado Incidente Akô (Akō jiken, ㉥✑஦௳) no século 17, fonte
Figura 34 – Os 47 rônin retratados no Incidente Akô. Fonte:
de muitas histórias e lendas populares (fig. 34). Nessa história, conta- https://tinyurl.com/yb4u6ulp

se que 47 samurais – chamados de rônin, “samurais sem mestre” –


foram buscar vingar a morte de seu daimiô, o senhor de Akô, depois A cultura popular urbana floresceu no período Edo ou dos
de ter sido forçado a cometer o seppuku. Apesar do regime Tokugawa Tokugawas, acompanhando o crescimento econômico e urbano do
ter proibido mortes por vingança, os rônin prosseguiram na sua Japão. A prosperidade nas cidades resultou numa geração de
lealdade por 22 meses, cientes de que teriam que se matar ao final de citadinos (chonin) a fugir do mundo da política e buscar o hedonismo
suas buscas. Eventualmente, os samurais encontram e matam o no estilo de vida e nas artes. A “alta” cultura, erudita e culta, embora
responsável pela morte do senhor deles, se entregam às autoridades e tradicionalmente pertencente às classes dominantes, começou a
executam o ritual do suicídio (seppuku). Um caso de lealdade ganhar contornos mais populares nesse crescente cenário urbano. Em
tradicional frente às mudanças dos tempos na sociedade japonesa. Edo, durante o chamado Período Genroku (1635-1703), como em
Essa lenda, entre outras, depois irá alimentar outras sobre as outros grandes centros, os prósperos mercadores exibiam-se suas
riquezas nas suas amplas habitações, vestimentas e estilos de vida,
97HAUSER, William B. Economic Institutional Change in Tokugawa Japan. Londres:
Cambridge University Press, 1974, pp. 33-37; 47-48.
excedendo em muito a vida dos samurais. A conter essa tendência, o

112 113
governo em várias ocasiões, a conter a insatisfação dos samurais, popularizar como as gueixas. As mais famosas dessas cortesãs eram
emitiu leis que proibiam o uso de tecido de seda e a construção de respeitadas como artistas profissionais, a atuar em peças de teatro, e
grandes e vistosas casas nos quarteirões dos mercadores. retratadas em obras de ficção e artes visuais. Houve muitos casos de
mercadores e samurais que se endividaram ao levarem ao extremo
Essas leis tiveram pouco efeito prático, pois o consumo era resultado
esse tipo de vida devassa e indulgente, material que foi explorado por
da prosperidade daqueles que estavam envolvidos nas atividades do
escritores e artistas do período Genroku.
mercado. Em meados do século 18, há várias representações
populares de samurais sendo retratados em situação de penúria,
penhorando suas vestimentas e armas por dinheiro. E em outras, há
mercadores exibindo suas novas aquisições dos samurais endividados.

A prosperidade das cidades e das classes urbanas gerou uma explosão


de áreas a atender as demandas por entretenimento e diversão.
Teatros, casas de chá, restaurantes, bordeis e artistas de rua
(contadores de história, malabaristas e cartomantes) deram um novo
vigor à vida cultural das cidades. A prostituição frutifica nesses
ambientes, o que fez com que o governo dos Tokugawas buscasse
controlar a atividade através de vigilância e licenciamento. Os bordeis
eram restritos a alguns bairros das cidades, referidos como os
quarteirões licenciados, como em Yoshiwara em Edo, apesar de ter
Figura 35 – O distrito de Yoshiwara, Edo, Período dos Tokugawas. Fonte:
havido sempre a prática ilegal da prostituição nas ruas (fig. 35). Era https://tinyurl.com/ybqsj4sb
proibido a presença dos samurais nesses locais de indulgência, pela
exigência da moralidade de sua casta, o que não os impediu de se
Esse período testemunhou, por demanda urbana, o crescimento de
disfarçaram com o uso de chapéus de palha e de não portar armas.
pinturas impressas de blocos de madeira, ukiyo-e (“mundo flutuante”) 98,

Havia também cortesãs (yujo) que não eram prostitutas comuns. Eram
98 Gênero de arte japonesa de xilogravura e pintura que floresceu do século 17 ao
meninas instruídas e versadas nas várias artes, música, dança e canto,
19. O estilo retratou o “mundo flutuante” (ukiyo) dos aspectos hedonistas na
a entreter a clientela exigente e conservadora. Algo que depois iria se sociedade japonesa da época: paisagens, atores kabuki e lutadores de sumo, fauna e
flora, e belezas femininas.

114 115
e a emergência de grandes escritores populares. Um dos exemplos conflitos entre a honra e sacrifício frente às tentações dos
foi Saikaku Ihara (1642 - 1693) na ficção em prosa e Monzaemon sentimentos e prazeres mundanos. Não à toa, devido à crescente
Chikamatsu (1653 - 1725) no teatro. Saikaku era um mercador de onda de suicídios em fins do século 17 e início do 18 fez com que o
Osaka e poeta que passou a escrever ficção tardiamente em sua vida. xogunato proibisse a encenação de peças desse tipo (shinju) pois
A maioria de suas histórias retrata a vida de pessoas comuns em foram consideradas ofensivas à devida ordem familiar.
Osaka, sobre casos de amor e dinheiro. Um dos seus livros mais
famosos em prosa, “A Vida de um Homem Sensual” (Kôshoku Ichidai
Otoko) de 1682, a parodiar a obra clássica do século 11, “Os Contos
de Genji” (Genji Monogatari), foi um enorme sucesso de vendas,
inspirando outras obras a retratar os valores das pessoas com relação
ao amor, lealdade, fidelidade familiar contraposto à ambição, luxúria e
ganância nos ambientes urbanos.

Monzaemon Chikamatsu, por sua vez, buscar se expressar em obras


para o teatro, tanto para o kabuki (teatro mais popular do que o Nô)
e o bunraku (teatro de marionetes), compostos para serem
acompanhados de canto e instrumentos. Retratou-se em suas obras
eventos contemporâneos como os distúrbios políticos em
tradicionais famílias de guerreiros (oiê sodô) e a retratar os conflitos Figura 36 – Figura no estilo ukiyo-e de uma das cenas da peça “Duplo Suicídio em
Amijima”, século 19. Fonte: https://tinyurl.com/y8jl3ktr
entre regentes contra usurpadores do poder. Mais tarde, em outra
fase, Chikamatsu enfocou mais os dramas individuais de pessoas
A popularidade desses escritores e peças nos remete ao amplo acesso
comuns, conflitos emocionais entre o dever social e obrigação (giri) e
à escolaridade e habilidade de ler e escrever dos japoneses nesse
os sentimentos humanos (ninjô) que por vezes resultava numa
período. O Japão Tokugawa, assim como em outras partes do mundo
situação insustentável que levava ao suicídio por amor (shinju), como
à época, apresentava um quadro diversificado e desigual da educação
retratado na sua obra “Duplo Suicídio em Amijima” (Shinju tem no
a depender da classe, profissão, gênero e região geográfica. As elites,
Amijima) de 1721, imensamente popular à época (fig. 36). Foi talvez o
os sacerdotes budistas e xintoístas, intelectuais já apresentaram um
ponto de encontro entre o mundo dos citadinos com as elites, nos

116 117
grau de instrução considerável desde o início do século 17. Tinham urbanos. Entre os samurais, que eram não mais que 7% da
pleno domínio da escrita clássica, kanbun, com influência da escrita população, a alfabetização era quase universal e geralmente de alto
chinesa, usada em discursos formais e oficiais. Esse segmento social nível. Mas há relatos de samurais analfabetos, como no período
também tinham familiaridade de obras clássicas da literatura e tardio dos Tokugawas, no século 19, entre os de hierarquia mais baixa
filosofia chinesa e japonesa. Mas em fins do século 17, a alfabetização e em situação de penúria.
e o acesso ao aprendizado nas escolas começaram a se ampliar na
O pleno domínio literário era um traço comum entre a elite
sociedade. Líderes de vilarejo e citadinos, homens e mulheres, se
dominante. O Estado Tokugawa foi estruturado com bases
tornaram consumidores de literatura e arte popular, sendo cada vez
burocráticas, o que exigia de seus funcionários e administradores a
mais críticos e exigentes no seu consumo cultural.
manter registros detalhados. Os deveres oficiais também exigia uma
A infra-estrutura de educação popular no período Tokugawa se intensa correspondência, entre samurais ou não, entre aqueles que
desenvolveu consideravelmente. O ensino começou a sair das ocupavam cargos responsáveis da cidade ou da aldeia. Pesquisa
instituições religiosas e academias particulares para os espaços mais recentes indicam, no entanto, que até o fim do século 17, cerca de
acessíveis. Nesse sentido, uma criança urbana, em fins do século 17, 200 a 300 mil pessoas numa população total de 30 milhões de
teve grande chance de ter acesso a uma alfabetização básica. A japoneses, ou seja apenas 0,1% da população, possuíam pleno
demanda por livros e publicações tiveram nesse período um forte domínio matemático a cumprir seus deveres administrativos 99.
crescimento, incrementando as atividades de imprensas e editoras.
Abaixo dessa restrita elite havia os pequenos proprietários rurais, que
Publicações de textos budistas e confucianos ainda eram de interesse
variaram ao longo do tempo e região. Provavelmente representava
restrito a elites, mas houve significativa demanda por ficções
50% da população agrícola em geral, sendo que a população agrícola
ilustradas, guias de viagem, enciclopédias, almanaques, manuais e
abarcava por volta de 90% da população total. A maioria desses
mapas. Produzindo um amplo público leitor e consumidor no Japão.
pequenos proprietários podiam ler e entender as contas fiscais
Ainda é impreciso o percentagem de pessoas que eram alfabetizadas calculadas pelos funcionários públicos da aldeia. Pois eles
no Japão no período, e há controvérsia entre os historiadores. Os apresentaram queixas e petições às autoridades quando necessários.
dados disponíveis não são conclusivos, mas podemos supor com Entre os classe populares urbanas, que era menos numerosa do que a
base em indicadores que havia ampla alfabetização, a depreender do população rural, a alfabetização certamente era maior. As
consumo e popularidade de algumas obras e peças nos centros 99RUBINGER, Richard. Popular Literacy in Early Modern Japan. Honolulu: University
of Hawaii Press, 2007, p. 30.

118 119
oportunidades educacionais eram mais acessíveis e os textos
educacionais eram mais disponíveis para os moradores urbanos.
Nesse cenário urbano, a alfabetização das mulheres comuns urbanas
era, em particular, muito superior a das mulheres comuns rurais.

No plano ideológico e religioso, o regime dos Tokugawas O declínio e fim do Período Edo e dos Tokugawas
caracterizou-se por uma busca dos princípios confucianos da ordem
social e lealdade hierárquica e familiar. O regente, o xogum, deveria
As causas do declínio do xogunato dos Tokugawas, ou do Período
ser considerado como o céu acima de todos na terra, um pai a reger
Edo, são múltiplas e foram se conjugando até meados do século 19.
seus filhos que lhe deve piedade filial. Esse relacionamento seria
A prosperidade no campo agrícola, crescimento da atividade
decorrente de uma ordem natural, não aberto a questionamentos
comercial e urbana, e o descontentamento das classes guerreiras,
humanos, algo que garantiu estabilidade e ordem no reino, e
junto com o imposto isolamento ao mundo externo são fatores
imobilidade e rigidez social e intelectual.
cruciais nesse processo. Ao final dessa crise, a figura do imperador
Essa ideologia teve suas origens também no budismo. Assim que saiu das suas funções protocolares para ser figura de inspiração de
Ieyasu e seu neto, Iemitsu Tokugawa (1604 - 1651), terceiro xogum um novo regime no Japão.
da dinastia, desarticularam as resistências de alguns ordens
Certamente, um dos fatores mais agravantes em fins do século 18
monásticas, o xogunato buscou patrocinar e promover as instituições
fora a situação decadente e marginal dos samurais, especialmente
budistas pelo país, exigindo que os camponeses registrassem seus
aqueles de baixo escalão. Esses samurais há muito se encontravam
terras no templo mais próximo. Ademais, a proteção do Estado aos
endividados e impedidos de se envolver em atividades agrícolas e
budistas foi uma estratégia de dessacralizar do imperador que, por
comerciais. Além da penúria, muitos estavam ociosos nos centros
tradição do xintoísmo, religião própria do Japão com origens nos
urbanos, pois as atividades militares foram pouco demandadas pela
textos do Kojiki do século 8, era considerado divino por descendência
ordem e estabilidade garantidas pelo bakufu dos Tokugawas.
da deusa Amaterasu. E uma das vertentes do budismo, o zen, teve
um importante papel em promover a austeridade, estoicismo e À margem do centro decisório também estavam aqueles daimiôs dos
desencorajar a dissensão e resistência entre a classe guerreira e na domínios marginais, os tozama, que incluía poderosos e prósperos
sociedade em geral estratificada no sistema “shi-nô-kô-shô” 100. 100GOTO-JONES, Christopher. Modern Japan: a very short introduction. Oxford:
Oxford University Press, 2009, p. 32.

120 121
domínios como os de Satsuma, no sul da ilha de Kyushu, Choshu, no
extremo oeste da ilha de Honshu e Tosa em Shikoku. Esses domínios
prosperaram em seu comércio com o exterior, com a península
coreana e o restante da Ásia e ilhas meridionais, mesmo que essa
atividade fosse banida pelas autoridades em Edo. Havia pois um
descompasso entre aqueles mercadores prósperos das regiões
meridionais e ocidentais do Japão, juntamente com a marginalização
social de samurais de baixo escalão, e aqueles da elite latifundiária e
militares de alto escalão com o regime dos Tokugawas.

A situação de crise se agravou com os acontecimentos das primeiras


décadas do século 19. Na década de 1830, várias colheitas foram
desastrosas pelo país, resultando em fome, entre 1833 e 1837, Figura 37 – Heihachiro Oshio. Fonte: https://tinyurl.com/ybzk4kz4

doenças e morte generalizada no campo, especialmente na região


mais pobre do Japão, o nordeste. Os funcionários do bakufu não Ao mesmo tempo, os líderes do regime Tokugawa observaram
conseguiram aliviar adequadamente os efeitos da crise agrícola, e ansiosamente as primeiras vitórias bélicas dos britânicos e europeus
houve um aumento no número de protestos e rebeliões entre os sobre os chineses da Dinastia Qing na Primeira Guerra do Ópio de
camponeses, como a que foi liderada por um funcionário, Heihachiro 1839 a 1842. Constataram como a China, o Império do Meio,
Oshio (1793 - 1837), em Osaka (fig. 37). tradicionalmente um reino venerável no leste asiático sucumbiu
diante das inesperadas ofensivas navais de povos “bárbaros” de terras
distantes. Não que esses fossem novidade entre os japoneses, pois
além de terem contatos, mesmo que intermitente, com os holandeses
confinados na ilha de Deshima, em Nagasaki, tinham se deparado e
se defendido dos avanços de russos nas décadas de 1790 e início da
década seguinte, além de terem confrontado com alguns britânicos
nos anos de 1820. Na década de 1840, já tinham a perspectiva, após
alguns náufragos e baleeiros dos EUA, vindos do Oceano Pacífico,

122 123
de que uma delegação norte-americana desembarcaria em algum
porto japonês.

E foi o que aconteceu. Em 1853, uma delegação naval dos EUA,


liderada pelo Comodoro Matthew C. Perry aportou na baía de Edo
com os seus “navios negros” (kurofune, 㯮⯪) e apresentou as
demandas do presidente dos Estados Unidos, Millard Fillmore, que
exigia que o Japão concordasse em negociar e abrir relações
diplomáticas permanentes (fig. 38). Foi concedido ao xogum, à época
Iesada Tokugawa (1824 – 1856), alguns meses para considerar as Figura 38 – A chegada de Perry na baía de Edo (Tóquio) em 1853. Fonte:
https://tinyurl.com/ydcwsumm
propostas apresentadas pelos estrangeiros. Alguns daimiôs tozama, de
domínios marginais, enxergaram uma oportunidade de mudança
Na segunda visita de Perry ao Japão, o xogum Iesada já se encontrava
política no Japão. Outros membros mais conservadores da sociedade
doente e moribundo, e a questão de sua sucessão estava claramente
acharam que o xogum que apresentava sinais de debilidade mental e
no horizonte político do país. Um conselheiro sucessor de Masahiro
idade avançada, não teria condições de lidar com a nova ameaça
Abe, Masayoshi Hotta (1810 - 1864) foi quem liderou as delicadas
estrangeira. O bakufu, ademais, mostrou claros sinais de fragilidade,
negociações com os americanos. Os termos negociados e assinados
quando um dos principais conselheiros (roju) do bakufu, Masahiro
no Tratado de Kanagawa, de 1854, deram amplas vantagens
Abe (1819 - 1857), foi se consultar com alguns daimiôs sobre qual
comerciais e diplomáticas às potências ocidentais, como garantia de
política adotar na ocasião, desgastando a autoridade do xogum.
extra-territorialidade, imunidades e privilégios tarifários de seus
produtos no mercado japonês. Incluiu também nesses termos o
direito de um cônsul americano no Japão, Townsend Harris (1804 -
1878) que assumiu seu cargo no porto de Shimoda. Tratados
semelhantes foram firmados com outros países: com a Grã-Bretanha
(1854), Rússia (1855), França e Holanda nos anos seguintes, a
seguirem a cláusula da nação mais favorecida, que impede que
qualquer nação tenha mais privilégios exclusivos do que as outras

124 125
envolvidas. O Japão fora relegado a um status, tal como a China à domínio de Choshu, no Estreito de Shimonoseki. Em 1864, as forças
época, de uma semi-colônia. anti-bakufu se uniram pelo país a partir dos rebeldes em Choshu e
Satsuma entre outros, formaram um exército de milícias e de
Essa situação foi considerada a última gota por forças descontentes
samurais, marcharam e tomaram o controle de Quioto a libertar o
com o xogunato Tokugawa, muitos deles enxergando a renovação
imperador do controle do bakufu 101.
política e social do Japão com a volta do imperador nas decisões de
poder, assim como o foi na Restauração Kenmu do imperador Go- Nessa ofensiva, um nobre da corte ligado a Choshu, Tomomi
Daigo no século 14. O slogan desse partidários era bastante claro: Iwakura (1825 - 1883) conseguiu obter um apelo do imperador para a
sonno-joi (“reverenciemos o Imperador, expulsemos os bárbaros”), que abolição do xogunato. A 3 de janeiro de 1868, encorajados com
pedia a unidade sob o domínio imperial e se opunha às intrusões engajamento imperial, as forças rebeldes ocuparam o palácio imperial
estrangeiras. Os planos para a derrubada do bakufu dos Tokugawas se e proclamaram a restauração imperial. As forças de oposição imperial
iniciaram então a partir de ataques de jovens samurais (shishi) e e defensores do xogunato ainda resistiram por algum meses, numa
rebeldes contra os estrangeiros no Japão, em especial nos domínios guerra civil chamada de Guerra Boshin (fig. 39), mas a indecisão e
tozama, resultando em vários incidentes internacionais. O mais grave falta de coordenação minou-lhes a coesão e disciplina. O próprio
desses incidentes provocou o bombardeio em Satsuma e Choshu por xogum à época, Yoshinobu (1837 - 1913), o últimos dos Tokugawas,
forças navais ocidentais. acabou rendendo-se à declaração imperial em abril de 1868, e retirou-
se para Shizuoka onde passou o restante dos seus 45 anos de vida 102.
Sob esse clima tenso e radicalizado, o Imperador Komei (1831 -
1867) passou a atuar no cenário político japonês. Em 1862, o
imperador requisitou oficialmente ao xogum, o sucessor de Iesada,
Iemochi Tokugawa (1846 - 1866), a expulsar os “bárbaros” do Japão,
dando-lhe como data limite 25 de junho de 1863, o que não foi feito.
Isso agravou ainda mais a insatisfação daqueles contra o bakufu e a
favor de uma restauração imperial no país. Os samurais de Satsuma,
em especial, se mobilizaram com armas de fogo e atiraram contra
navios dos EUA. A retaliação ocidental foi rápida e implacável,
101 AKAMATSU, Paul. Meiji 1868: Revolution and Counter-Revolution in Japan. Oxon,
gerando maior revolta dos japoneses como nas adjacências do
Oxford: Routledge, 2011, p. 175.
102 HENSHALL, Kenneth. História do Japão. Lisboa: Edições 70, 2014, p. 98.

126 127
Figura 39 – Retrato da Batalha de Hakodate, ilha de Hokkaido, na Guerra Boshin,
1868. Fonte: https://tinyurl.com/yahllj7w
Figura 40 – Palácio Imperial em Tóquio. Fonte: https://tinyurl.com/mzx3lvw

A Era Meiji A Restauração foi assim nomeada por retornar o poder às mãos
imperiais depois de séculos de dominação militar dos xoguns. Foi ela
inspirada em ideias confucianas que valorizam a tradição e lealdade.
Quando o imperador sucessor de Komei, Mutsuhito (1852 - 1912),
Foi, essencialmente, uma revolução conservadora em direção ao
nomeado como Meiji (“Regente Iluminado”, ᫂἞), mudou-se da sua
passado imperial. No entanto, objetivos inovadores foram expressos
antiga capital, em Quioto, para Edo em 1868, o castelo dos 103
na promulgação da Carta de Juramento do Imperador Meiji de
Tokugawas foi apropriado e declarado como o novo Palácio Imperial
abril de 1868 nos seus artigos 4º e 5º: “os costumes nefastos do
(fig. 40) . E a cidade de Edo tornou-se a nova capital do Japão,
passado devem ser abandonados [...] [e] o conhecimento deve ser
nomeando-a assim Tóquio (“capital do Leste”). O imperador Meiji
buscado pelo mundo a fim de fortalecer as fundações da regência
havia sido restaurado ao poder.
imperial”. Consistiu, portanto, num perfeito exemplo de mistura da
tradição com mudanças pretendidas.

As primeiras décadas do reinado de Meiji (1868-1912) (fig. 41) foram

103THE CHARTER OATH (OF THE MEIJI RESTAURATION). Disponível


em: <http://afe.easia.columbia.edu/ps/japan/charter_oath_1868.pdf>. Acesso
em: 06 maio 2015.

128 129
um período de considerável entusiasmo por ideias inovadoras Fukuzawa (1834 - 1901), que chegou a viajar e estudar extensamente
advindas do exterior, dada a incontestável superioridade bélica pelos países europeus e os EUA na década de 1860, escreveu o livro
ocidental demonstrada nas Guerras do Ópio (1839-1842 e 1856- baseado na sua experiência, “Condições no Ocidente”, em 1866 que
1860) sobre a China. Nesse afã, buscou-se reformular toda a escrita foi grande sucesso de venda 104.
japonesa a se adequar num alfabeto no fim do século 19, para
Durante o século 19 a educação popular japonesa já havia feito
purificar-se da sua herança chinesa. No final das contas, nem as
consideráveis avanços. Em 1872, o governo estabeleceu um sistema
sílabas kana japonesas e nem os caracteres de origem chinesa (kanji)
nacional para universalizar o ensino. Até o final do período Meiji em
foram abandonados, mas todos foram incorporados à moderna
1912, quase todo japonês frequentou pelo menos seis anos de ensino.
língua vernácula japonesa.
O governo controlava rigorosamente as escolas, assegurando o
ensino da matemática, leitura e da formação moral, salientando a
importância do dever do cidadão para com o “Imperador, o País e a
Família”.

Nos momentos imediatos após a Restauração, foram pensados novos


modelos constitucionais e institucionais do novo governo, buscando
inspirações nos sistemas ocidentais. O governo japonês acabou
adotando uma constituição inspirada, em boa parte, na da Alemanha,
pois enxergou nela certas similaridades entre o papel reservado ao
kaiser e o reservado ao Imperador Meiji, num sistema político mais

Figura 41 – Mutsuhito, o imperador Meiji. Fonte: https://tinyurl.com/ycrb2n3h


centralizado e conservador. Em 1890, como um presente dado pelo
Imperador, foi eleito um parlamento, a Dieta Imperial (Teikoku-gikai).
Houve um clima de entusiasmo pelas idéias e valores ocidentais, nas
Mas o direito de voto se restringiu a apenas 1% da população que
duas décadas após a ascensão de Meiji, algo que veio a ser chamado
atendia às condições da franquia 105. Apesar de ser a primeira nação a
no Japão de “civilização e iluminação” (bunmei kaika). Um ministro da
Educação do Japão chegou a sugerir abolir a língua japonesa pela 104 LU, David John. Japan: A Documentary History – The Late Tokugawa Period to the
Present. Vol. 2. Nova Iorque: East Gate Book, 1997, p. 346.
língua inglesa. Em caso não tão extremo, houve inúmeros casos de 105 ASIA FOR EDUCATORS. The Meiji Restoration and Reformation. Disponível

em: <http://afe.easia.columbia.edu/special/japan_1750_meiji.htm>. Acesso em:


mistura da tradição e novidades vindos do exterior. Yukichi 05 jun. 2015.

130 131
leste do Canal de Suez a adotar uma constituição moderna e uma que foi posta à prova a moderna tecnologia bélica ocidental e suas
legislatura eleita, o Japão ainda continuava, em essência, oligárquico. novas táticas de guerra adotadas pelo Governo Imperial contra as
tradições dos samurais.
Ademais, ainda permanecia um clima de incerteza e desconfiança
com o novo poder. Muitos japoneses da região nordeste Se no aspecto político predominou o conservadorismo centralizador
consideravam o novo governo como uma extensão de meridionais, do novo governo, no aspecto econômico o Japão de Meiji
resultando em rebeliões que foram prontamente reprimidas em julho empreendeu notável mudança modernizadora. Muito desse sucesso
de 1868. De fato, os domínios meridionais que lideraram a adveio da clara estratégia dos dirigentes políticos de manter a
restauração, apesar de conterem apenas 7% da população nacional, segurança e unidade nacional. Para tanto, era necessário antes de tudo
compuseram 30% das lideranças políticas e por volta da metade dos modernizar a capacidade produtiva e militar da nação, visando
maiores postos governamentais nacionais da era Meiji 106. resguardar de intervenções estrangeiras como ocorreu na China. A
fim de atingir tal modernização produtiva, o orçamento público fora
Em julho de 1869, as grandes propriedades latifundiárias dos daimiôs
sanado e as dívidas internas resolvidas, afastando endividamentos
foram, por decreto imperial, transferidas para o governo central.
externos e eliminando os onerosos estipêndios da numerosa classe
Todos foram devidamente indenizados e ganharam o título de
dos samurais, que foi extinta. Em 1871-1872, um novo sistema
governadores. Dois anos depois, em 1871, contudo, seus títulos
nacional monetário, baseado no iene, foi estabelecido e o sistema
foram retirados e foram forçados a se mudar para Tóquio, o que
bancário foi remodelado nos moldes dos Estados Unidos. Em 1882,
resultou em um processo crescente de centralização política. Pessoas
o Banco Central do Japão foi criado.
comuns poderiam adotar sobrenomes, andar a cavalo, viajar
livremente dentro e fora do país e casar-se com samurais. Em 1873, o Houve debate sobre qual seria a estratégia para a geração de riqueza
alistamento militar foi estendido a todos. Os impostos deveriam ser nacional. Alguns enfatizaram o livre comércio internacional e a
pagos monetariamente e não mais em arroz in natura. Os privilégios agricultura. Mas prevaleceram aqueles que enxergaram na indústria
exclusivos da classe dos samurais foram gradativamente banidos a nacional a chave para a geração de riqueza e produtividade nacional,
partir de 1870, como o direito de carregar duas espadas, o que gerou determinando periódicos prazos de projetos de industrialização. A
ressentimento e revoltas dessa classe como os que ocorreram em indústria seria a chave para o país não ficar dependente do mercado
Saga (1874), Choshu (1876) e Satsuma (1877). Foi nessas rebeliões externo e das oscilações de preço e demanda de produtos primários.

106 JANSEN, M. B. The Ruling Class. In: JANSEN, M. B.; ROZMAN, G. (Eds.).
Os primeiros passos à industrialização foram problemáticos, devido à
Japan in Transition: from Tokugawa to Meiji. Princeton Univ. Press, 1986. p. 89-90.

132 133
resistência de um empresariado conservador, ao alto investimento província de Tosa, foi favorecido por créditos e generosos apoios
inicial necessário e às baixas taxas alfandegárias de produtos governamentais depois de ter sido bem-sucedido no fornecimento de
estrangeiros estipuladas na abertura do mercado japonês em 1854. transporte marítimo durante a expedição japonesa à ilha de Taiwan
Mas o governo de Meiji persistiu em promover a nascente indústria em 1874. O governo concedeu 13 navios a vapor ao grupo com
nacional. Como exemplo, a fábrica Tomioka de fios de seda fora subsídios anuais.
criada em 1872 para servir de exemplo e encorajamento para o
A Mitsubishi depois se tornou um dos exemplos de conglomerados
empresariado, visando à ampla mecanização fabril (fig. 42). E outras
chamados de zaibatsu, que dominaram o setor moderno da economia
fábricas posteriores foram criadas e administradas pelo governo. Isso
japonesa entre a Restauração Meiji e a Segunda Guerra Mundial. O
resultou na pioneira prosperidade do setor têxtil no país e gerou as
termo zaibatsu pode ser traduzido como “senhor da riqueza” ou
tão necessárias divisas estrangeiras ao exportar os fios de seda.
“círculo financeiro”. O processo aglutinador fora tamanho que até
antes da Segunda Guerra Mundial somente quatro grandes zaibatsu
chegaram a predominar na economia japonesa: Mitsubishi,
Sumitomo, Yasuda e Mitsui. A economia mundial em fins do século
19 não era estranha a trustes, sindicatos e fusões de empresas. Nos
Estados Unidos, por exemplo, em 1880, a Standard Oil controlava
90% do refino do petróleo estadunidense. Um zaibatsu, no entanto,
raramente monopolizava um setor da economia, dado o incentivo
governamental à competição em diversos setores, incluindo o
bancário, o manufatureiro e o comercial.
Figura 42 – A fábrica de sedas Tomioka, período Meiji. Fonte:
https://tinyurl.com/y8bz46c4 O Japão, portanto, foi o primeiro país não-ocidental a se
industrializar. E isso se refletiu na estratégica área militar. Em 1880, o
O governo imperial Meiji, ao fomentar a nascente indústria, buscou
Japão já fabricava em massa seu primeiro rifle. Em 1899, um novo
criar, administrar e privilegiar grupos empresariais que tinham
acordo com a Grã-Bretanha reviu os termos do Tratado Anglo-
demonstrado alguma iniciativa industrial bem-sucedida como
Japonês de Amizade de 1854 que prejudicavam a manufatura
estratégia de sustentar, a médio prazo, o seu projeto modernizador.
nacional em detrimento da entrada de produtos britânicos com
Na indústria naval, por exemplo, o grupo Mitsubishi, advindo da

134 135
imposto reduzido. partir de Pequim da Dinastia Qing, enxergaram na rebelião uma
oportunidade de intervir e defender a península dos japoneses. O que
A política Meiji guardava um aspecto imperial, pois buscou legitimar-
resultou numa guerra sino-japonesa nos anos seguintes.
se pelos meios políticos e militares no poder, a buscar novos espaços
de influência, tal qual os japoneses tinham observado com relação aos Graças a uma política de industrialização implementada por décadas,
impérios coloniais europeus no mundo em fins do século 19. Foi o Japão apresentou frente aos chineses um Exército e Marinha bem
nesse sentido que Aritomo Yamagata (1838 – 1922), primeiro- superiores. Os conflitos com seu vizinho asiático demonstraram isso,
ministro entre 1889 e1891, recém chegado da Europa, formulou uma e a proeminência japonesa sobre a Coreia foi confirmada. Ademais,
política de construir uma poderosa marinha imperial japonesa, tal decorrente com os conflitos com os chineses, os japoneses
qual uma nação insular como a Grã-Bretanha. Em 1876, Yamagata reivindicaram a ilha de Taiwan (Formosa), a pequena mas
argumentou que uma invasão da península coreana deveria ser parte estrategicamente valiosa península de Liaodong e uma vultuosa
de um plano de controlar a região antes que alguma outra nação indenização da China. Nesses termos foi assinado o Tratado de
ocidental o fizesse, pondo em perigo todas as ilhas japonesas. Shimonoseki de 1895.

Foi nesse sentido que o Estado Meiji impôs o Tratado de Kanghwa A ocupação da península de Liaodong causou furor e indignação no
em 1876 sobre a Coreia, quase idêntico ao que o Comodoro Perry governos da Rússia, França e Alemanha, pois enxergaram nisso uma
impôs ao Japão no Tratado de Kanagawa vinte anos antes. Assim, intromissão inesperada na China, e os três países intervieram
durante a década de 1880, o Japão mandou emissários ao Coreia para conjuntamente para a retirada japonesa na península, o que provocou
aconselhar e supervisionar a modernização de seu sistema um amplo ressentimento no Japão, que consideraram-se injustiçados
educacional, economia e estrutura política, assim como os europeus o no processo de partilha imperial da China em decadência. Muitos no
fizeram sobre o Japão após 1854. Japão enxergaram nisso um exemplo de racismo e impedimento das
potências ocidentais em tornar o Japão uma potência hegemônica na
O Tratado de Kanghwa imposto sobre a Coreia, agravou ainda mais a
Ásia.
situação dos japoneses aos olhos coreanos e muitos residentes
chineses na península. Rebeliões começaram a ser frequentes entre os Apesar disso, houve uma notável conquista no plano diplomático-
coreanos descontentes e, em 1894, um levante popular generalizado, militar dos japoneses, ao assinarem o Acordo Naval Anglo-Japonês
a Rebelião Tonghak, foi inspirado por movimentos religiosos, de 1902. Acordo em que os britânicos, reconhecendo a ajuda dos
sentimentos xenofóbicos e anti-japoneses. Os chineses, por sua vez, a japoneses sobre os revoltosos chineses na Rebelião Boxer (1899 –

136 137
1901), e com o fato de que foram os japoneses os vitoriosos sobre a se na Real Academia Naval na Grã-Bretanha, foi apelidado como o
península coreana, decidiram também confirmar a presença naval “Nelson do Leste”, e foi presenteado pelas autoridades britânicas
japonesa no Oceano Pacífico e Leste Asiático. O acordo previa uma com uma pequena mecha de cabelo do Almirante Nelson. Foi a
aliança e ajuda naval em caso de futuras agressões a qualquer das primeira vez em que uma nação não-ocidental, não-europeia, ganhou
partes. Foi o primeiro acordo diplomático entre uma potência uma guerra sobre outra potência europeia da época. O Japão tinha
ocidental e outra não-ocidental na história moderna. demonstrado convincentemente sua reivindicação de ser uma
potência mundial. Pelos termos do Tratado de Porstmouth, os russos
Com os russos, os japoneses tentaram negociar com eles, propondo o
deveriam ser retirar de Port Arthur e Liaodong e reconhecimento
reconhecimento russo dos japoneses na Coreia e, em contrapartida, o
russo dos interesses japoneses na parte meridional das ilhas Sacalina,
governo japonês reconheceria a presença dos russos na região
e da Coreia – que seria plenamente anexada pelo Japão em 1910.
nordeste da China, a Manchúria. Proposta formulada por Hirobumi
Itô (1841 - 1909), proeminente político e estadista à época, que ficou
conhecida como Mankan kôkan (“troca da Manchúria pela Coreia”).
A proposta, contudo, foi rejeitada em Moscou. Em Tóquio, a rejeição
russa foi interpretada como demonstração da hostilidade russa,
agravando as relações entre os dois países.

Pouco tempo depois, em março de 1904, os japoneses mandaram


uma frota naval à península de Liaodong e atacaram os navios russos
em Port Arthur. Os conflitos entre os dois países se estenderam por
mais alguns meses, no que foi a Guerra Russo-Japonesa de 1904 e
1905. O desfecho dos conflitos adveio com o envio de reforços
Figura 43 – A Batalha de Tsushima, 1905. Fonte: https://tinyurl.com/ybqzbah2
navais russos do Mar Báltico que demorou meses a circunavegar a
África pelo Cabo da Boa Esperança e chegar a Port Arthur em maio
de 1905. Na batalha de Tsushima, os japoneses sob o comando do
Almirante Togo (1848 - 1934) foram surpreendentes e ágeis na
conquista naval (fig. 43). O almirante Heihachirô Togo, que formou-

138 139
DA ERA TAISHÔ À HEISEI (1912 – início do
século 21)
Política e sociedade no período Taishô

À época da morte do imperador Meiji em 1912, o Japão já tinha se


consolidado numa nação próspera, unificada e respeitada no plano
internacional. As transformações da modernidade ocidental
trouxeram novos valores e influências na sociedade, e na política
surgiram vários partidos de cunho constitucional, democrático,
Mapa do Japão e Ásia oriental à época da Guerra Russo-Japonesa, 1904-5. Fonte: nacionalista, monarquista e comunista. O Japão refletia, e absorvia, os
https://tinyurl.com/yao3xfqh ventos das mudanças nas primeiras décadas do século 20.

A democracia vicejou depois das reformas políticas feitas durante o


período Meiji. Nos anos do imperador Taishô, Yoshihito, que
sucedeu Meiji (Mutsuhito) em 1912, o Japão conheceu um período de
relativa calmaria e prosperidade (fig. 44). Foram nesses anos, até
1926, que floresceram críticas e propostas sociais e políticas novas ao
sistema japonês, tal como a proposta de unir a forma monárquica no
parlamentarismo como sugeriu o constitucionalista Tatsukichi
Minobe (1873 – 1948). Na esfera externa, o diplomata Inazô Nitobe
(1862 – 1933), que chegou a ocupar o cargo de subsecretário geral da
Liga das Nações e diretor do Comitê Internacional de Cooperação
Intelectual (precursora da UNESCO), propôs uma nova ordem
mundial a respeitar mais a diversidade racial e cultural.

140 141
crescer. Alguns segmentos populares, diante da busca por melhorias e
direitos, se organizaram em associações e sindicatos e começaram a
defender e se filar a partidos comunistas.

A prosperidade que o Japão atravessou no período Taishô fora em


grande parte em decorrência da demanda externa, além do mercado
doméstico. Na Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918), a produção
industrial japonesa quintuplicou principalmente no setor têxtil, um
dos primeiros setores mecanizados nos anos Meiji. Ademais, foi
significativa a participação do Japão na Guerra, atendendo aos
Figura 44 – O imperador Taishô. Fonte: https://tinyurl.com/ydxdzs2l pedidos de seu aliado, a Grã-Bretanha a combater e ocupar as bases
alemãs em Shandong e Tsingtao, na China, além das Ilhas Marshall
A sociedade japonesa no período Taishô testemunhou mudanças
no Pacífico. A ofensiva foi aproveitada para que as tropas imperiais
sensíveis. Decorrente do crescimento das grandes cidades, houve um
japonesas se assegurassem na região nordeste da China, na
incremento de uma classe média urbana e assalariada (sarariman),
Manchúria, ao norte do rio Yalu da península coreana. E, assim feito,
homens e mulheres, que foram novos consumidores dos novos
passou o Japão a exigir maiores concessões territoriais e econômicas
produtos e hábitos advindos do exterior: cigarros, jazz, beisebol,
sobre o débil regime republicano chinês da época, nas chamadas
sapatos, vestidos, maquiagens, gravatas e chapéus. Formaram um
"Vinte e Uma Demandas", em 1915.
voraz público leitor de pequenos contos, novelas, folhetins, jornais,
revistas e ficções gráficas (mangá). A participação ao lado dos aliados na Primeira Guerra Mundial, além
da ativa participação contra os bolchevistas na costa asiática da Rússia
As condições de vida e trabalho da classe trabalhadora e rural, no
entre 1917 a 1922, fez com que o Japão fosse convidado como
entanto, não prosperou em igual medida. Os salários e ganhos mal
membro dos Quatro Grandes, vencedores da guerra (Grã-Bretanha,
acompanharam o processo inflacionário que resultou numa
França, EUA e Itália), que se reuniram em vários sessões em
marginalização cada vez maior de um expressivo contingente
Versalhes em 1919 a definir a nova ordem internacional. Esse
populacional do restante urbano japonês. Foram entre esses,
reconhecimento, contudo, foi limitado pois não foram atendidas as
excluídos e ressentidos da urbanidade, em que as idéias do
demandas da delegação japonesa sobre uma cláusula de igualdade e
conservadorismo e ultra-nacionalismo das décadas seguintes irá

142 143
não discriminação racial. A resistência maior adveio da delegação
britânica, que temia pelo futuro de seu Império, algo que foi atendido O Império do Sol Nascente
na votação com a delegação americana. Esse ato desagradou em
muito Tóquio que passou a enxergar no ato uma traição concertada
Após a Crise da Bolsa de Nova Iorque de 1929, boa parte da
dos ocidentais tal como o que ocorreu na intervenção conjunta sobre
economia capitalista global entrou em recessão. A Ásia não ficaria
Liaodong após a Guerra Sino-Japonesa em 1895.
indiferente. Os reflexos políticos foram a ascensão de partidos
O quadro foi ainda mais agravado com a renovação, em novos políticos mais centralizados e dirigistas. No Japão,
termos, do Acordo Naval assinado em Washington em 1921-1922 surpreendentemente, os efeitos da crise foram mitigados, mas o
(fig. 45). Em que foi definida uma proporção do poderio naval, em cenário democrático e parlamentar, sustentado desde 1868, sucumbiu
termos de tonelagem, entre os EUA, Grã-Bretanha e Japão na diante de um avanço de um regime ultranacionalista e militarista.
proporção 5:5:3. Ou seja, coube aos japoneses menor presença naval
A indústria japonesa recuperou-se devido à forte desvalorização do
no Pacífico e Leste Asiático frente aos dois países anglófonos. A
iene, que tornou os produtos japoneses mais competitivos
última gota adveio com a aprovação nos EUA de uma lei racial de
globalmente, a uma diminuição da taxa básica de juros e a um
imigração que proibia a entrada de japoneses e outros asiáticos no
incremento dos gastos do governo em obras públicas. Como efeito,
solo americano.
as exportações japonesas duplicaram entre 1930 e 1936107. Mas o
efeito global da crise foi a maior proteção dos mercados nacionais, o
que ameaçava as exportações japonesas e incentivou a percepção
necessária da nação assegurar um espaço a ser controlado com
recursos energéticos e minerais para o seu autossustento. Nessa visão,
a rica região mineral chinesa da Manchúria foi considerada vital para
a sobrevivência econômica japonesa.

107 SHIZUME, Masato. The Japanese Economy during the Interwar Period:
Instability in the Financial System and the Impact of the World Depression.
Disponível em:
Figura 45 – A Conferência de Washington de 1921-1922. Fonte:
<https://www.boj.or.jp/en/research/wps_rev/rev_2009/data/rev09e02.pdf>.
https://tinyurl.com/y7odwobg
Acesso em: 16 jun. 2015.

144 145
O argumento econômico para a autossuficiência fora reforçado com regiões vizinhas na Ásia. Essa política ideológica atingiu seu ápice no
as lições estratégicas militares decorrentes da Primeira Guerra final da década de 1930, quando mais de duas milhões de cópias dos
Mundial, que parecia apontar um futuro cada vez mais protecionista e Princípios Cardinais da Política Nacional foram publicadas e incluídas
competitivo na ordem internacional. Para tanto, era necessário, em como leitura obrigatória nas escolas japonesas108. Esse senso de
caso extremo, um plano nacional visando à guerra total, concretizado unicidade fora explorado com o intenso uso da mídia de massa
no Estado de Defesa Nacional. Esse plano vislumbrou aumento propagando a idealização dos valores tradicionais japoneses –
significativo em gastos militares e industriais para assegurar a defesa chamado de kokutai (ᅜయ) – contra as nefastas influências
dos interesses nacionais. Em 1934, o Japão rompeu os acordos com estrangeiras ocidentais do individualismo, ganância e desarmonia.
Londres e Washington, que limitavam sua frota naval desde os
Em 1930, o primeiro-ministro Hamaguchi fora assassinado pelas suas
acordos de 1921-1922, e, em 1937, iniciou a construção dos que
iniciativas pacifistas de limitação dos gastos militares de acordo com
seriam os maiores navios de guerra da época, os da classe Yamato
os ditames da Liga das Nações no qual o país era membro fundador.
(fig. 46).
No ano seguinte os esforços do governo civil em pôr fim à ocupação
da Manchúria provaram ser impopulares, a ponto de derrubar a
própria administração nacional. Em 15 de maio de 1932, um grupo
de oficiais militares invadiu o gabinete do então primeiro-ministro
Inukai Tsuyoshi e o matou. Incrivelmente, o Ministro da Guerra e o
Chefe da Polícia Militar do país louvaram as atitudes dos militares
envolvidos clamando-os de “patriotas”.

Figura 46 – Navio japonês da classe Yamato. Fonte: https://tinyurl.com/ychbrfpk A onda de assassinatos e desobediência militar atingiu o clímax em 26
de fevereiro de 1936, quando a Primeira Divisão do Exército, em
Tóquio, amotinou-se. Os rebeldes ocuparam vários prédios
Ideologicamente, o Estado japonês iniciou uma intensa campanha de governamentais da capital e assassinaram o ex-primeiro-ministro
valorização da figura imperial nas escolas do país. O Estado seria Saito, o Ministro das Finanças Takahashi e o Inspetor-Geral de
organizado com base na religião xintoísta, enfatizando o mito da Educação Militar Watanabe nas suas residências. O primeiro-ministro
descendência divina imperial da deusa solar Amaterasu. Essa ideia era
108
KITAGAWA, Joseph Mitsuo. Religion in Japanese History. New York: Columbia
conjugada com uma missão divina de expansão japonesa para ilhas e Univ. Press, 1990. p. 246-247.

146 147
incumbente Okada por pouco escapou dos amotinados. Depois dos Manchukuo resultou em deficits para o orçamento japonês. A
incidentes, os rebeldes proclamaram num manifesto suas motivações estratégia de se integrar uma região asiática para tornar o Japão
virtuosas visando recuperar o prestígio nacional. autossuficiente falhou. Na verdade, após as invasões ao território
chinês a partir de 1937, a economia nipônica entrou para uma fase
Nesse ponto, o governo civil já se encontrava bastante debilitado e
emergencial, de modo a atender os esforços de guerra em frentes
intimidado pelos atos organizados dos militares. Em 1940, não houve
cada vez mais ampliadas na Ásia. E, ironicamente, ficou cada vez
maioria partidária para garantir governabilidade no parlamento
mais dependente dos recursos importados do mercado dos EUA e do
japonês, prenunciando a paralisação democrática do governo frente a
exterior.
um setor militar cada vez mais presente e atuante no país. Uma nova
era de militarismo ultranacionalista se iniciava. Um dos efeitos mais imediatos para a economia japonesa diante dos
seus esforços de guerra foi demonstrado na Lei de Mobilização
No aspecto externo do Japão, na Manchúria, os japoneses
Nacional de fevereiro de 1938, ao impor racionamento e outras
consideraram-se como mantenedores da ordem e harmonia popular
medidas de austeridade a toda sociedade. No referido ano, a gasolina
frente a poderosos líderes chineses locais, os chamados “senhores da
foi rigorosamente racionada. Arroz, fósforos, açúcar e carvão se
guerra”. Argumentava-se haver uma natural afinidade cultural e
juntaram à lista em 1940 e, em maio do mesmo ano, as lojas foram
histórica entre os povos do Leste Asiático, professando a ideia de
impedidas de vender qualquer bem não essencial.
uma “coprosperidade” entre todos. Como exemplo, a criação da
Associação Concórdia na Manchúria (no Estado de Manchukuo, Internacionalmente, o Japão assinou em 1936 um pacto anti-
entidade criada pelos japoneses) foi intencionada para garantir a Comintern com a Alemanha de Hitler e formalizou aliança com os
coordenação dos nativos locais com a devida supervisão japonesa, países do Eixo, a Alemanha e Itália, em 1940. Decidiu, após fracassos
com base em princípios de harmonia confucionista. Nesse militares em 1939 em Nomonhan, na Mongólia, assinar um pacto de
argumento, uma ampla frente pan-asiática era visada109. Mas, com o não agressão com Stalin, da União Soviética, que foi respeitado quase
tempo, tais ideais na prática não esconderam a pretensa superioridade até o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945.
racial nipônica com relação aos manchurianos e chineses.
O Japão almejava, ao assinar aliança com os países do Eixo, fazer
Mesmo a despeito de enorme investimento na indústria, o Estado de com que outros países relutassem em intervir contra eles na Ásia e,
primordialmente, cortassem a linha de assistência e fornecimento
109 MIMURA, Janis. Planning for Empire: Reform Bureaucrats and the Japanese
para a China. Com isso em vista, em julho de 1941, o avanço
Wartime State. Ithaca, New York: Cornell Univ. Press, 2011. p. 58.

148 149
nipônico aproveitou-se da ocupação nazista na França e ocupou toda
a Indochina Francesa, focalizando a região costeira do Vietnã. A
França foi incapaz de resistir e passou a colaborar com as forças
invasoras. Por sua vez, a Grã-Bretanha, os Estados Unidos e a
Holanda passaram a boicotar economicamente o Japão, notavelmente
na venda de metais e petróleo, algo com efeito devastador para a
economia nipônica. Em 1940, 80% do fornecimento petrolífero da
nação asiática provinham da economia norte-americana110. A
alternativa ao fornecimento americano se daria pela ocupação da ilha
de Java, atual Indonésia, à época parte das Índias Holandesas. Figura 47 – Ataque japonês a Pearl Harbor, Havaí, 7 de dezembro de 1941. Fonte:
https://tinyurl.com/y9r6y7dx
A decisão de declarar guerra aos EUA, a partir de 1941, parece não
O ataque produziu estupor e inicial paralisação do Alto Comando em
fazer sentido, portanto. Mas, no referido ano, as reservas petrolíferas
Washington. Um ataque simultâneo à Malaia Britânica (atual
japonesas estavam consideravelmente baixas para a mobilidade de sua
península continental da Malásia), passando pelo território neutro da
frota naval e aérea no Pacífico e de suas forças terrestres no Leste
Tailândia, também foi empreendido com sucesso, provocando
Asiático. Se almejasse alguma vitória duradoura na região, o governo
confusão e consternação entre os aliados antifascistas na Segunda
japonês teria que agir rápido para ocupar e fortalecer suas posições de
Guerra Mundial. A Hong Kong britânica caiu no dia de Natal de
defesa antes da chegada das forças norte-americanas vindas do leste
1941 e, no dia seguinte, Manila, capital das Filipinas controladas pelos
do Pacífico. Uma decisão imperial foi tomada em 05 de novembro de
EUA, foi declarada cidade aberta para não sofrer maiores danos das
1941: ir para a guerra caso não houvesse nenhum acordo com as
tropas japonesas. De Malaia, os japoneses prosseguiram
lideranças em Washington. Em dezembro, a Marinha Imperial
despercebidos no seu avanço terrestre rumo à maior base naval
Japonesa decidiu mobilizar sua frota visando paralisar as forças dos
britânica na Ásia, Cingapura. A cidade britânica caiu nas mãos
Estados Unidos num ato de inesperada ofensiva à sua frota do
japonesas em 08 de fevereiro de 1942. Em 09 de março, o maior
Pacífico com base no Havaí. Em 07 de dezembro atacaram Pearl
prêmio visado, a ilha holandesa de Java, com seus ricos recursos de
Harbor (fig. 47).
petróleo, borracha e estanho, se rendeu. Em maio, os últimos redutos
110RECORD, Jeffrey. Japan’s Decision for War in 1941: some enduring lessons.
dos EUA nas Filipinas, na ilha de Corregedor, foram submetidos.
Carlisle: Strategic Studies Institute, 2009. p. 8.

150 151
Rumores de que haveria uma massiva invasão na Índia Britânica e o Moresby, na ilha da Nova Guiné. Na batalha subsequente do Mar de
norte australiano começaram a circular. Coral, entre a Austrália e a Papua Nova Guiné, os japoneses foram
forçados a cancelar sua invasão. Em junho, os japoneses conseguiram
invadir as ilhas Aleutas, no Alasca, território estadunidense. Mas foi
um ato muito mais de distração dentro do plano maior de desarticular
a força naval dos EUA no Pacífico.

Graças aos esforços de inteligência militar com a quebra do código


japonês, a frota dos EUA conseguiu sua primeira significativa vitória
nas ilhas Midway, no Pacífico, em 04 de junho de 1942. A partir de
então, o Império Japonês foi se revelando uma colcha de retalhos.
Submarinos norte-americanos penetraram as águas japonesas com
facilidade e iniciaram uma campanha de afundamento no
fornecimento de petróleo javanês. Como resultado, a indústria
japonesa começou a paralisar suas atividades, incapaz de fornecer
peças de reposição e munição à campanha de guerra.

A contraofensiva terrestre começou na ilha de Guadalcanal, nas ilhas


Mapa do Império Japonês em 1942. Fonte: https://tinyurl.com/3xboowy
Salomão, em agosto de 1942, expulsando as forças japonesas em
O Japão precisava apenas de mais algumas vitórias para garantir sua fevereiro do ano seguinte. A partir dali, as forças japonesas
linha de defesa diante de uma eventual contraofensiva dos Aliados111. começaram a entrar numa tendência de retração contra as forças
Essas últimas vitórias, no entanto, não chegaram a tempo. Todos os terrestres dos Aliados comandadas pelo General Douglas MacArthur
porta-aviões norte-americanos escaparam ilesos do ataque em Pearl (1880-1964) (fig. 48) vindos do sul, a partir da Papua Nova Guiné,
Harbor. Em 08 de maio de 1942, uma força tarefa dos EUA retomando as Filipinas, atravessando as ilhas do Pacífico das
interceptou uma força invasora japonesa que se dirigia a Port Marianas até Okinawa, na região meridional do Japão.

111 Aliança antifascista da Segunda Guerra Mundial, liderada pelos Estados Unidos,

União Soviética e Grã-Bretanha, com a aliança de rebeldes franceses, holandeses e


chineses nacionalistas do Kuomintang.

152 153
Figura 48 – General Douglas MacArthur. Fonte: https://tinyurl.com/k3l58vm

Diante da inquestionável superioridade industrial dos EUA, os


japoneses empreenderam sua maior batalha naval no Golfo de Leyte,
nas Filipinas, onde, em outubro de 1944, foram decisivamente
derrotados pelos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Em desespero, Mapa das ofensivas americanas contra o Japão, 1942-45. Fonte:

os japoneses passaram com maior frequência a táticas suicidas, na https://tinyurl.com/yakewht5

ofensiva aérea de kamikazes (“vento divino” em japonês), frente aos Diante da intransigência japonesa com o aval do imperador, os
navios aliados. Em novembro de 1944, os bombardeios aéreos contra Aliados prosseguiram numa nova ofensiva para forçar a rendição da
cidades japonesas começaram com o uso dos aviões de longo alcance, ilha asiática. Em 06 de agosto de 1945, uma nova arma de destruição,
os B-29, com base nas Ilhas Marianas. Ao todo, estimadas 66 cidades a bomba atômica, foi lançada sobre a cidade de Hiroshima. Dois dias
foram incendiadas entre muitas construções tradicionais japonesas de depois, a União Soviética decidiu romper sua neutralidade e passou a
madeira. Somente a cidade imperial de Quioto foi poupada, pelo seu avançar sobre a Manchúria. No dia 09 de agosto, uma segunda
inegável símbolo histórico. Pouco depois, o espaço aéreo japonês bomba atômica fora lançada por aviões norte-americanos na cidade
fora dominado. Mas a rendição incondicional exigida pelo Comando de Nagasaki (fig. 49). Até o dia 10, o governo japonês ainda não tinha
Aliado, decidido na Conferência de Casablanca em 1943, permanecia se pronunciado claramente sobre a sua decisão de rendição, pois
inaceitável pelas autoridades japonesas. Algumas lideranças japonesas permaneciam irredutíveis no quesito preservação da família imperial
apostavam ainda no espírito resiliente do povo e na sua suprema no país. A resposta dos EUA, aprovada pelo governo britânico e
lealdade ao Imperador Hirohito, designado como Showa.

154 155
soviético, foi de concordância com esses termos, para garantir a para a população japonesa e, uma noite antes da transmissão da
permanência da família imperial japonesa, porém “submetidos ao mensagem, um grupo de oficiais militares tentou destruir a gravação.
Comandante do Conselho Supremo das Forças Aliadas”112, isto é, ao O grupo falhou e, em 15 de agosto de 1945, o povo japonês, atônito,
General Douglas MacArthur. ouviu a voz do imperador pela primeira vez na sua linguagem formal
palaciana, eufemisticamente evitando a humilhante palavra
“rendição”, expressando os últimos eventos da guerra como “não
favoráveis ao Japão” e clamando ao povo que, no futuro, “suportasse
o insuportável”113. O Japão em sua longa história nunca fora
derrotado de maneira tão fulminante, e talvez essa tenha sido a sua
tragédia, de não saber a hora da rendição.

Ao final da Segunda Guerra Mundial, assinados os termos a bordo do


navio norte-americano USS Missouri em 02 de setembro de 1945, o
Japão saiu arruinado, sofrendo estimados dois milhões e 700 mil
mortos. Poucos poderiam supor que, nas décadas posteriores à
Segunda Guerra Mundial, o Japão e o Leste Asiático reemergiriam
como uma das zonas mais dinâmicas do planeta em termos
econômicos. A China foi a que mais sofreu com as invasões
nipônicas, resultando em torno de 20 milhões de mortes114, sua
Figura 49 – O bombardeio atômico de Nagasaki, 9 de agosto de 1945. Fonte: economia e indústria arruinadas, humilhada socialmente e dividida
https://tinyurl.com/ybyuk3hd politicamente.

A decisão foi um choque para muitos militares japoneses. Depois de


considerável debate, o Imperador Showa, Hirohito, decidiu em
pessoa se render em 14 de agosto. Gravou uma transmissão em áudio 113 DOWER, J. W. Embracing Defeat: Japan in the Wake of World War II. Nova Iorque:
W. H. Norton, 1999. p.33-39.
112U.S. NATIONAL ARCHIVES & RECORDS ADMINISTRATION. Japanese 114 ANDERSON, Duncan. Nuclear Power: The End of the War against Japan.

Surrender Document - Instrument of Surrender. Disponível em: Disponível em:


<http://www.archives.gov/exhibits/featured_documents/japanese_surrender_doc <http://www.bbc.co.uk/history/worldwars/wwtwo/nuclear_01.shtml>. Acesso
ument/>. Acesso em: 15 jun. 2015. em: 16 jun. 2015.

156 157
O Japão após 1945 no Japão e afastar a ascensão de partidos políticos nacionalistas ou
antiamericanos. Com relação aos militares e políticos envolvidos na
Depois de assinada a rendição do Japão a bordo do navio USS Segunda Guerra Mundial, o CSFA decidiu selecionar alguns líderes e
Missouri, a sociedade japonesa estava ansiosa e incerta sobre a vinda militares de alta patente e julgá-los de acordo, muitos sentenciados à
de um exército estrangeiro de ocupação no país. Muitos japoneses morte por enforcamento, como o General Hideki Tojo. Mas muitos
estavam aliviados com o fim dos conflitos, mas muitos estavam americanos sentiram que a responsabilidade última da guerra no
apreensivos. Os estrangeiros, em geral, foram bem recebidos, muitos, Pacífico foi do imperador Hirohito (fig. 50). Mas o assunto era
até 1951, receberam serventes em suas residências. Decorreu disso, demasiado delicado, e MacArthur decidiu preservar a instituição
muitos casos amorosos e de fascinação de norte-americanos pela visando uma melhor reestruturação do país sem grandes riscos de
cultura japonesa. desordem. Em decorrência disso, o Imperador Showa, Hirohito, foi
mantido no Trono do Crisântemo e a questão foi largamente não
Ao contrário da Alemanha e da Coreia, o Japão não foi dividido em
debatida no Japão por décadas, até sua morte em 1989.
áreas pelos aliados. Foi muito mais um caso de ocupação dos EUA.
A supervisionar toda a reconstrução política e econômica do país
estava o Comando Supremo das Forças Aliadas (CSFA), sob o ofício
do General Douglas MacArthur, cuja sede ficava no prédio Dai-ichi
Seimei em Tóquio, com vistas ao palácio imperial japonês. Apesar de
responder à autoridade do presidente dos EUA, MacArthur encarou-
se como o soberano da nação asiática, com um misto de fascinação e
arrogância paternalística. Esperava entender a mente japonesa,
trazendo consigo sua experiência na sociedade filipina, algo
completamente inadequado. As primeiras atitudes do CSFA foram a
reconstrução do país. Com um vibrante mercado negro nos anos Figura 50 – Imperador Showa, Hirohito. Fonte: https://tinyurl.com/yajl5vlk
após 1945, MacArthur requisitou grandes suprimentos de alimentos e
Na primavera de 1946, foram conduzidas as primeiras eleições com a
medicamentos dos EUA.
inédita participação das mulheres japonesas. Yoshida Shigeru (1878-
O CSFA estava, com isso, esperando conter a onda de revanchismo 1967) se tornou primeiro-ministro e desempenharia o papel de

158 159
liderança durante a era da ocupação do país. As reformas políticas efetivamente desde 1945, com períodos de exceção, experimentou
foram supervisionadas pelo CSFA, para enfatizar a unidade nacional, um longo período de multipartidarismo democrático em que um
a criação de instituições políticas e partidárias, sindicatos, mídia livre, partido quase sempre predominou. A explicação para isso é de que a
igualdade de direitos e de expressão, todos seguindo os modelos oposição ao PLD era pulverizada demais, sem articulação. O maior
ocidentais. Leis antimonopólio e antitruste foram aprovadas, dando contestador político advinha dos socialistas que, por sempre
fim aos conglomerados de empresas zaibatsu. A reforma agrária das denunciarem a ocupação dos EUA, tinham desconsideração do
grandes propriedades gerou como efeito o fim dos privilégios de CSFA e pouco apelo da população em geral. O PLD, ao contrário,
senhores de terras. Essa tendência, aliada à rápida urbanização do era visto como o garantidor da paz, ordem e prosperidade do país
país, foi de fundamental importância na dissolução da ordem social após a guerra. As disputas políticas maiores, portanto, no Japão se
tradicional. A religião oficial do Estado, o xintoísmo, que cultuava o davam entre as lideranças do próprio PLD, com milionárias
imperador como figura divina foi abolida e a liberdade religiosa foi campanhas e arrecadamentos eleitorais nem sempre conduzidos de
proclamada. maneira ética e transparente.

Uma nova constituição era necessária para repor a antiga ordem O artigo constitucional japonês mais surpreendente no pós-guerra é o
política. Nesse caso, os americanos no CSAF elaboraram uma nova nono, que assegura que o “povo japonês renuncia à guerra como
carta respeitando as linhas diretrizes ditadas pelo General MacArthur. direito soberano da nação” e que as suas forças militares “nunca
A nova constituição, com algumas pequenas revisões, foi aprovada serão mantidas”115. MacArthur parece ter tido essa ideia de inclusão,
no parlamento japonês (Dieta) em novembro de 1946 e entrou em apesar de ter ajudado na criação e organização de uma força policial
vigor em maio de 1947 até os dias atuais. Na constituição, a figura que ficou conhecida como as Forças de Autodefesa. A população
imperial foi reduzida para um “símbolo do Estado”. A soberania, japonesa, no geral, endossou a cláusula, repudiando qualquer
efetivamente, repousava na população. Todos os cidadãos com vinte tentativa de beligerância do país após os traumas de 1945.
anos ou mais de idade poderiam votar, incluindo as mulheres.
Em setembro de 1951, foram assinados em São Francisco os tratados
O primeiro-ministro, líder do governo, era escolhido pela Dieta e não de paz que puseram fim ao período de ocupação americana e
mais pelo imperador. Em outras palavras, o primeiro-ministro era supervisão do CSFA. O fim oficial da ocupação, contudo, não
quase sempre o líder do partido majoritário no Legislativo, partido 115PRIME MINISTER OF JAPAN AND HIS GABINET. The Constitution of
esse que, até 2009, foi o Partido Liberal Democrata (PLD). O Japão Japan. Disponível em:
<http://japan.kantei.go.jp/constitution_and_government_of_japan/constitution_
e.html>. Acesso em: 26 maio 2015.

160 161
significou o fim da presença militar dos EUA. Sob acordos assinados US$ 1 trilhão. Muito desse crescimento era atribuído à política do
de assistência militar, o governo dos EUA manteve uma base na ilha primeiro-ministro Hayato Ikeda, ex-ministro da Indústria e Comércio
meridional de Okinawa até 1972. Essa presença americana provocou Exterior (mais conhecido por Miti, sigla em inglês) que buscou
fortes demonstrações da sociedade japonesa, como as que ocorreram incentivar uma ampla industrialização com base em empréstimos a
em 1960, resultando no cancelamento de visita presidencial de juros baixos de bancos ligados ao Banco Central do Japão. Essa
Eisenhower ao Japão. política resultou em grandes conglomerados industriais e financeiros,
chamados de keiretsu, amplamente financiados e protegidos pelo
Em termos econômicos, de 1950 a 1973, o PIB do Japão expandiu-se
governo em áreas como construção naval e siderúrgica. Na década de
a uma taxa anual média de mais de 10%, com apenas alguns
1960, Ikeda ampliou essa política para a construção de uma eficiente
intervalos. Concomitantemente a isso, houve uma alta taxa de
infraestrutura nacional: aeroportos, portos, hidrelétricas, ferrovias,
investimento em tecnologia116. O Japão desenvolveu uma economia
metrôs e comunicações.
orientada para a exportação e assim criou uma ampla reserva cambial
de moeda estrangeira que foi investida na pesquisa de novas O Japão é um país com poucas matérias-primas para o
tecnologias, matérias-primas e fontes de energia para o seu desenvolvimento industrial e insuficientes reservas petrolíferas. Em
desenvolvimento industrial. O ambiente internacional para suas 2012, o Japão ficou em segundo lugar mundial, atrás da China, em
exportações era favorável, pois tinha a abertura e preferência importação de combustíveis fósseis. Para sanar tal quadro, foram
comercial dos seus produtos no mercado dos EUA, maior economia cuidadosamente elaboradas linhas de financiamento estratégico e
mundial após 1945. A Guerra da Coreia também foi outro fator que industrial, como usinas siderúrgicas, em países exportadores de
contribuiu para uma alta demanda de produtos, peças e serviços da petróleo. Em 2012, 83% do seu petróleo advinha do Oriente Médio,
economia japonesa, chegando a 27% da sua pauta exportadora em sendo que a Arábia Saudita respondia por 33% destes, além dos
1950117. Emirados Árabes Unidos, Irã, Qatar e Kuwait 118.

Nas décadas seguintes o desempenho econômico foi nada menos que Na linhagem imperial, o sucessor de Hirohito foi seu filho mais
espetacular. Em 1965, a economia japonesa era estimada em US$ 91 velho, Akihito (fig. 51), que o sucedeu como o imperador Heisei em
bilhões. Quinze anos depois, em 1980, seu PIB cresceu para mais de 1989, evento com grandes esperanças. Contudo, na década de 1990 e
116 GORDON, Andrew. A Modern History of Japan: From Tokugawa Times to the 118 U.S. ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION (EIA). Japan is the
Present. Oxford: Oxford Univ. Press, 2003. p. 246. second largest net importer of fossil fuels in the world. Disponível em:
117 NAKAMURA, Takafusa. The Postwar Japanese Economy: its development and <http://www.eia.gov/todayinenergy/detail.cfm?id=13711>. Acesso em: 26 maio
structure, 1937-1994. Tóquio: Univ. of Tokyo Press, 1995. p. 56. 2015.

162 163
a primeira do século 21 viram a economia japonesa encolher de US$
5,3 trilhões em 1995 para US$ 4,3 trilhões em 2007119, durante as
chamadas “duas décadas perdidas” (Ushinawareta Nijūnen). As causas
se deram com a bolha especulativa em fins dos anos de 1980,
relacionada com a ampla oferta de empréstimos dos bancos
japoneses. Há grande preocupação, atualmente, em retomar o
crescimento expressivo do Japão. O primeiro-ministro Shinzo Abe,
eleito em dezembro de 2012, introduziu uma série de reformas
econômicas – a chamada Abenomics – a combater a baixa inflação, a
diminuição da oferta da mão de obra do país e os problemas
demográficos de uma população em envelhecimento. Apesar da crise, Figura 51 – O imperador Heisei, Akihito. Fonte: https://tinyurl.com/y7bwthn8
o Japão ainda ostenta a terceira maior economia no mundo em
termos de PIB, atrás apenas da China desde 2010 120 e dos EUA.

119 WORLD BANK. Data - GDP (current US$). Disponível em:


<http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.CD?page=1>. Acesso
em: 26 maio 2015.
120BARBOZA, David. China Passes Japan as Second-Largest Economy. Disponível

em:
<http://www.nytimes.com/2010/08/16/business/global/16yuan.html?pagewante
d=all&_r=0>. Acesso em: 26 maio2015.

164 165
BIBLIOGRAFIA

ADOLPHSON, Mikael S.; KAMENS, Edward & MATSUMOTO, Stacie


(Orgs.). Heian Japan: Centers and Peripheries. Honolulu: University of Hawaii
Press, 2007.

AKAMATSU, Paul. Meiji 1868: Revolution and Counter-Revolution in Japan.


Oxon, Oxford: Routledge, 2011.

AMBROS, Barbara R. Women in Japanese Religions. Nova Iorque & Londres:


New York University Press, 2015.

ANDERSON, Duncan. Nuclear Power: The End of the War against Japan.
Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/history/worldwars/wwtwo/nuclear_01.sht
ml>. Acesso em: 16 jun. 2015.

ANÔNIMO. 1000 Poems from the Manyoshu: The Complete Nippon Gakujutsu
Shinkokai Translation. Mineola, Nova Iorque: Dover Publications, 2005.

ASHKENAZI, Michael. Handbook of Japanese Mythology. Santa Barbara,


Califórnia: ABC Clio, 2003.

ASIA FOR EDUCATORS. The Meiji Restoration and Reformation. Disponível


em: <http://afe.easia.columbia.edu/special/japan_1750_meiji.htm>.
Acesso em: 05 jun. 2015.

BARBOZA, David. China Passes Japan as Second-Largest Economy. Disponível


em:
<http://www.nytimes.com/2010/08/16/business/global/16yuan.ht
ml?pagewanted=all&_r=0>. Acesso em: 26 maio2015.

166 167
BERRY, Mary Elizabeth. Hideyoshi. Cambridge, Massachusetts: Harvard the Present. Oxford: Oxford Univ. Press, 2003.
University Press – The Council of East Asian Studies, 1982.
GOTO-JONES, Christopher. Modern Japan: a very short introduction. Oxford:
BROWN, Delmer M. (Org.). The Cambridge History of Japan: Vol. 1. Ancient Oxford University Press, 2009.
Japan. Nova Iorque: Cambridge University Press, 2006.
HABU, Junko. Ancient Jomon of Japan. Cambridge: Cambridge University
CROSS, Frank Leslie & LIVINGSTONE, Elizabeth A. (Eds.). The Oxford Press, 2004.
Dictionary of the Christian Church. Oxford: Oxford University Press, 2005.
HALL, John Whitney & TAKESHI, Toyoda (Orgs.). Japan in the Muromachi
DEAL, William E. & RUPPERT, Brian. A Cultural History of Japanese Age. Berkeley & Los Angeles: University of California Press, 1977.
Buddhism Oxford: Wiley Blackwell, 2015.
______ (Org.). The Cambridge History of Japan – Early Modern Japan. Vol. 4.
DOWER, J. W. Embracing Defeat: Japan in the Wake of World War II. Nova Cambridge, Reino Unido: Cambridge University Press, 1991.
Iorque: W. H. Norton, 1999.
______; KEIJI, Nagahara & YAMAMURA, Kozo (Orgs.). Japan Before
DUNCAN, John B. The Origins of the Choson Dynasty. Seattle & Londres: Tokugawa: Political Consolidation and Economic Growth, 1500-1650. Princeton,
University of Washington Press, 2000. Nova Jersey: Princeton University Press, 1981.

FRIDAY, Karl F. (Org.). Japan Emerging: Premodern History to 1850. Boulder, HANE, Mikiso & PEREZ, Louis G. Premodern Japan: a historical survey.
Colorado: Westview Press, 2012. Boulder, Colorado: Westview Press, 2014.

FARRIS, William Wayne. Japan to 1600: A Social and Economic History. HAUSER, William B. Economic Institutional Change in Tokugawa Japan.
Honolulu: University of Hawaii Press, 2009. Londres: Cambridge University Press, 1974.

FRANCKS, Penélope. Japanese Economic Development: Theory and Practice HAWLEY, Samuel Jay. The Imjin War: Japan's Sixteenth-century Invasion of
Londres & Nova Iorque: Routledge, 2015. Korea and Attempt to Conquer China. Seul: Royal Asiatic Society – Korean
Brench, 2005.
FRÉDÉRIC, Louis. Le Japon: Dictionnaire et Civilisation. Paris: Robert
Laffont, 1999. HENSHALL, Kenneth. G. A History of Japan: from Stone Age to Superpower.
Nova Iorque: Palgrave Macmillan, 2004.
GOBLE, Andrew Edmund. Kenmu: Go-Daigo's Revolution. Cambridge,
Massachusetts: Harvard University Press – East Asian Monograph, 1996. ______. História do Japão. Lisboa: Edições 70, 2014.

GORDON, Andrew. A Modern History of Japan: From Tokugawa Times to HOWE, Christopher. The Origins of Japanese Trade Supremacy: Development and

168 169
Technology in Asia from 1540 to the Pacific War. Chicago: Chicago University LAVER, Michael S. The Sakoku Edicts and the Politics of Tokugawa Hegemony.
Press, 1999. Amherst, Nova Iorque: Cambria Press, 2011.

IMAMURA, Keiji. Prehistoric Japan: New Perspectives on Insular East Asia. Nova MARTIN, Peter. The Chrysanthemum Throne: A History of the Emperors of Japan.
Iorque: Routledge, 2016. Honolulu: University of Hawaii Press, 1997.

IRISH, Ann B. Hokkaido: A History of Ethnic Transition and Development on LU, David John. Japan: A Documentary History – The Late Tokugawa Period to
Japan's Northern Island. Jefferson, Carolina do Norte, EUA: McFarland, the Present. Vol. 2. Nova Iorque: East Gate Book, 1997.
2009.
MASON, Penelope E. History of Japanese Art. Nova Jersey: Pearson Prentice
JANNETTA, Ann Bowman. Epidemics and Mortality in Early Modern Japan. Hall, 2005.
Princeton, Nova Jersey: Princeton University Press, 1987.
MASS, Jeffrey P. (Org.). The Origins of Japan's Medieval World: Courtiers, Clerics,
JANSEN, M. B.; ROZMAN, G. (Orgs.). Japan in Transition: from Tokugawa Warriors, and Peasants in the Fourteenth Century. Stanford, California: Stanford
to Meiji. Princeton Univ. Press, 1986. University Press, 2002.

KANG, Etsuko Hae-jin. Diplomacy and Ideology in Japanese-Korean Relations: MASS, Jeffrey P. The Bakufu in Japanese History. Stanford: Stanford
from the Fifteenth to the Eighteenth Century. Basingstoke, Hampshire: Macmillan, University Press, 1993.
1997.
MCDOUGALL, Walter A. Let the Sea Make a Noise: Four Hundred Years of
KEENE, Donald. Yoshimasa and the Silver Pavilion: the Creation of the Soul of Cataclysm, Conquest, War and Folly in the North Pacific. Nova Iorque: Basic
Japan. Nova Iorque: Columbia University Press, 2003. Books, 2004.

KIDDER, Jonathan Edward. Himiko and Japan's Elusive Chiefdom of Yamatai: MIMURA, Janis. Planning for Empire: Reform Bureaucrats and the Japanese
Archaeology, History, and Mythology. Honolulu: University of Hawaii Press, Wartime State. Ithaca, New York: Cornell Univ. Press, 2011.
2007.
MITCHELHILL, Jennifer. Castles of the Samurai: Power and Beauty. Tóquio:
KITAGAWA, Joseph Mitsuo. Religion in Japanese History. New York: Kondasha International, 2003.
Columbia Univ. Press, 1990.
MIZOGUCHI, Koji. An Archaeological History of Japan, 30,000 B.C. to A.D.
KOHN, George C. Encyclopedia of Plague and Pestilence: From Ancient Times to 700. Filadélfia: University of Pennsylvania Press, 2002.
the Present. Nova Iorque: Facts on File, 2008.
MORRIS, Ivan. The World of the Shining Prince; Court Life in Ancient Japan.

170 171
Nova Iorque: Knopf Doubleday Publishing, 2013. ______. Japan: A Short Cultural History. Stanford, Califórnia: Stanford
University Press, 1978.
NAKAMURA, Takafusa. The Postwar Japanese Economy: its development and
structure, 1937-1994. Tóquio: Univ. of Tokyo Press, 1995. ______. A History of Japan, 1334–1615. Stanford, California: Stanford
University Press, 1961.
NAUMANN, Nelly. Japanese Prehistory: The Material and Spiritual Culture of the
Jōmon Period. Memmingen, Bavária, Alemanha: Otto Harassowitz, 2000. SELINGER, Vyjayanthi R. Authorizing the Shogunate: Ritual and Material
Symbolism in the Literary Construction of Warrior Order. Leiden: Brill, 2013.
PEREZ, Louis G. Japan at War: An Encyclopedia. Santa Barbara, Califórnia:
ABC-CLIO, 2013. SHARMA, S. D. Rice: Origin, Antiquity and History. Boca Raton, Flórida,
EUA: CRC Press, 2010.
PRIME MINISTER OF JAPAN AND HIS GABINET. The Constitution of
Japan. Disponível em: SHIRANE, Haruo. The Bridge of Dreams: A Poetics of the Tale of Genji.
<http://japan.kantei.go.jp/constitution_and_government_of_japan/ Stanford, Califórnia: Stanford University Press, 1987.
constitution_e.html>. Acesso em: 26 maio 2015.
______. Traditional Japanese Literature: An Anthology, Beginnings to 1600. Nova
RAWSKI, Evelyn S. Early Modern China and Northeast Asia: Cross Border Iorque: Columbia University Press, 2008.
Perspectives. Cambridge: Cambridge University Press, 2015.
SHIZUME, Masato. The Japanese Economy during the Interwar Period: Instability
RECORD, Jeffrey. Japan’s Decision for War in 1941: some enduring lessons. in the Financial System and the Impact of the World Depression. Disponível em:
Carlisle: Strategic Studies Institute, 2009. <https://www.boj.or.jp/en/research/wps_rev/rev_2009/data/rev0
9e02.pdf>. Acesso em: 16 jun. 2015.
ROSSABI, Morris. Khubilai Khan: His Life and Times. Berkeley: University of
California Press, 2009. SINGER, Kurt. Mirror, Sword & Jewel: A Study of Japanese Characteristics.
Richmond, Surrey, Reino Unido: Curzon Press, 1997.
RUBINGER, Richard. Popular Literacy in Early Modern Japan. Honolulu:
University of Hawaii Press, 2007. SMITKA, Michael (Org.). The Japanese Economy in the Tokugawa Era, 1600 –
1868. Londres & Nova Iorque: Routledge, 2012.
SAID, Edward. Orientalismo: o Oriente como Invenção do Ocidente. São Paulo: Cia.
de Bolso, 2007. STEENSTRUP, Carl. A History of Law in Japan until 1868. Leiden: E. J. Brill,
1996.
SANSOM, George Bailey. A History of Japan to 1334. Stanford, Califórnia:
Stanford University Press, 1958. THE CHARTER OATH (OF THE MEIJI RESTAURATION).

172 173
Disponível em: U.S. NATIONAL ARCHIVES & RECORDS ADMINISTRATION.
<http://afe.easia.columbia.edu/ps/japan/charter_oath_1868.pdf>. Japanese Surrender Document - Instrument of Surrender. Disponível em:
Acesso em: 06 maio 2015. <http://www.archives.gov/exhibits/featured_documents/japanese_
surrender_document/>. Acesso em: 15 jun. 2015.
TOBY, Ronald P. State and Diplomacy in Early Modern Japan: Asia in the
Development of the Tokugawa Bakufu. Princeton, Nova Jersey: Princeton VAPORIS, Constantine Nomikos. Voices of Early Modern Japan: Contemporary
University Press, 2014. Accounts of Daily Life During the Age of the Shoguns. Santa Barbara, California:
ABC-Clio, 2012.
TSUTSUI, William M. (Org.). A Companion to Japanese History. Oxford:
Blackwell Publishing, 2009. VARLEY, H. Paul. A Chronicle of Gods and Sovereigns (Jinnō Shōtōki of
Kitabatake Chikafusa). Nova Iorque: Columbia University Press, 1980.
TURNBULL, Stephen. Ashigaru 1467 – 1649. Oxford: Osprey Publishing,
2001. WALEY, Paul. Tokyo: City of Stories. Trumbull, Connecticut, EUA:
Weatherhill, 1991.
______. Japanese Warrior Monks – AD 949 – 1603. Oxford: Osprey
Publishing, 2003. WATSON, Burton & SHIRANE, Haruo (Orgs.). The Tales of the Heike.
Traduzido por Burton Watson. Nova Iorque: Columbia University Press.
______. Nagashino 1575: Slaughter at the Barricades. Oxford: Osprey
2006.
Publishing, 2012.
WORLD BANK. Data - GDP (current US$). Disponível em:
______. The Mongol Invasions of Japan 1274 and 1281. Londres & Nova
<http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.CD?page=1
Iorque: Bloomsbury Publishing, 2013.
>. Acesso em: 26 maio 2015.
______. The Samurai: A Military History. Oxon, Oxford: Routledge, 2005.
YAMAMURA, Kozo (Org.). The Cambridge History of Japan – Medieval Japan,
______. Toyotomi Hideyoshi. Oxford: Osprey Publishing, 2011. vol. 3, Nova Iorque: Cambridge Univ. Press, 2006.

______. War in Japan 1467 – 1615. Oxford: Osprey Publishing, 2012. YOSHIHIKO, Amino. Rethinking Japanese History. Ann Arbor, Michigan:
Center for Japanese Studies - University of Michigan Press, 2012.
U.S. ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION (EIA). Japan is the
second largest net importer of fossil fuels in the world. Disponível em:
<http://www.eia.gov/todayinenergy/detail.cfm?id=13711>. Acesso
em: 26 maio 2015.

174 175
SOBRE O AUTOR

Doutor em História Social pela FFLCH/ USP (2007), Mestre em


Postcolonial Politics pela University of Wales, Aberystwyh, País de
Gales, Reino Unido (2002) e graduado em Relações Internacionais
pela UnB (2000). É professor do departamento de História da
Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e tem vários artigos e
publicações na área de Ásia e África contemporânea.

176 177
Proof

Você também pode gostar