Jornalista: Boa noite, esta é a Grande Entrevista da RTP. Hoje vamos falar de ciência e em particular de Química. O meu convidado é Nuno Maulide, professor catedrático, investigador, diretor do Instituto de Química Orgânica da Universidade de Viena. Foi eleito cientista do ano na Áustria, em 2018, e depois, em 2019, foi galardoado no mesmo país com o prémio considerado o nobel austríaco por contributos excecionais para o desenvolvimento de novos mecanismos de reação em Química Orgânica. Para além de Química, o Nuno interessa-se por música, estudou piano e é autor de livros. Recentemente, lançou este livro Como transformar ar em pão. Jornalista: Nuno Maulide, muito obrigado por estar na Grande Entrevista, na RTP. Esta entrevista vai correr melhor se houver química entre nós? Nuno: Sem dúvida. Fala-se muito desta química entre as pessoas, aliás o título da versão alemã do livro é Chemie zwischen uns, que traduzido para português, assim por modos que, “Há química entre nós” ou “A química funciona entre as pessoas”. Jornalista: e isso funciona mesmo ou é apenas uma forma de falar, que quando as pessoas se entendem melhor há algum processo químico que leve algumas pessoas a entenderem-se melhor com outras do que, do que… e a excluir outras, digamos assim? Nuno: É uma área fascinante de investigação, não está muito compreendido porque ainda não se identificaram moléculas que funcionem como feromonas entre os seres humanos, portanto, não há nada que eu liberte que vá lentamente atingi-lo para o deixar mais feliz, mas o que há é uma reação muito clara no organismo de cada um quando vemos o objeto do desejo ou o objeto do amor. Há neurotransmissores que são libertados no nosso corpo e que vão diretamente ao cérebro para passar a mensagem “está ali a pessoa de quem tu gostas”, “está ali o objeto do teu desejo”, e que nos deixam eufóricos, felizes, distraídos, atónitos… Jornalista: E isso acontece com pessoas que nós conhecemos ou que não conhecemos, há digamos uma libertação química no nosso corpo independentemente do objeto ou nós precisamos já de conhecer o objeto para que essa ligação se estabeleça? Nuno: Não, pensa-se que inclusivamente as histórias de amor à primeira vista são precisamente, por uma razão qualquer que se desconhece, a libertação desses neurotransmissores no momento em que se vê a pessoa que é o amor da nossa vida. Eu devo ter sentido isso quando vi a minha mulher pela primeira vez. Jornalista: Sérvia? Nuno: Sérvia. Ela estava mais ou menos à mesma distância que está o Vítor de mim e eu vi aqueles olhos, vi aquela cara e tive um momento de…, o chamado “coup de foudre” que os franceses dizem, deve ter havido ali qualquer coisa que no meu corpo também libertou uma dopamina, uma serotonina, uma oxotanina. Jornalista: Portanto, as emoções resultam também de um processo químico, há um processo químico por trás das emoções, seja a paixão, seja o amor, seja outra emoção qualquer? Nuno: É verdade. Jornalista: estou a perguntar-lhe? Nuno: Sim, é bem verdade porque tudo o que se passa no nosso corpo, todas as reações que nós temos fisiológicas são o resultado de milhões de reações químicas que estão a dar-se no nosso corpo, no meu corpo e no seu corpo, a cada segundo, que nos permitem sentir, mas também permitem falar, pensar no que estou a dizer, olhar para si e ouvi-lo, interpretar o que me está a dizer, mexer as mãos, os braços, tudo isso é o resultado de uma comunicação química. No fundo, o cérebro manda mensagens para baixo, para cima, para a frente e para trás, para nos animar a dizer, a fazer, a pensar e também a sentir. Jornalista: E como é que a Química se tornou um caso na sua vida? Nuno: É uma história um bocadinho sui generis, porque eu costumo dizer que a Química escolheu-me e eu fui atrás dela.