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Então o Senhor Deus fez vir sobre o


A Teologia do Corpo de João Paulo II homem um profundo sono, e ele adormeceu. Tirou-lhe uma das costelas e fechou o lugar
Jesus Cristo é a concretização perfeita do casamento de Deus com a humanidade, com carne. Depois, da costela tirada do homem, o Senhor Deus formou a mulher a
prefigurada no Livro do Gênesis, com Adão e Eva antes do pecado, e consumada no apresentou-a ao homem. E o homem exclamou: "Desta vez sim, é osso dos meus ossos e
Livro do Apocalise com as núpcias do Cordeiro. Esta é a intuição básica do Bem- carne da minha carne! Ela será chamada „humana‟ porque do homem foi tirada". (Gên 2,
Aventurado Papa João Paulo II apresentada em sua Teologia do Corpo. 18-23)
O Bem-Aventurado Papa João Paulo II deu continuidade à tradição iniciada pelo Esta belíssima poesia - a primeira de amor - foi proclamada antes do pecado
Papa Pio IX, em 1870, com as chamadas Audiências Gerais. Elas acontecem desde então, primeiro. A união de Adão e de Eva no Paraíso, antes de o projeto de Deus ser distorcido
às quartas feiras, e são um modo de o Sumo Pontífice relacionar-se mais de perto com os pela desobediência, logo no início da Bíblia, reflete um outro enlace narrado no último
peregrinos. Nelas são proferidas as chamadas "catequeses". Livro, as núpcias do Cordeiro, o casamento entre Deus e o homem. É interessante notar o
Enquanto ainda era cardeal, o Papa João Paulo II iniciou a escrita de um livro que desejo de Deus em unir-se à humanidade.
acabou não sendo nem terminado nem publico, justamente por sua eleição. Tal livro, O ser humano foi feito para este casamento último. É por isso que nenhum homem
intitulado "Homem e Mulher Ele o Criou", teve seus capítulos apresentados durante as ou mulher encontrará em seu companheiro aqui na Terra o preenchimento do coração,
Audiências Gerais do ano de 1979 até 1984. porque somente em Deus será saciado o anseio do coração humano.
Foram 129 catequeses a respeito da chamada Teologia do Corpo, que jogou a luz O namoro ou o casamento não podem ser empecilhos para a aproximação com
do Evangelho sobre a confusão moderna que se instalou sobre o relacionamento entre Deus. O relacionamento de amor honesto, casto, de doação deve ser um trampolim para o
homem e mulher. O Papa conseguiu apresentar a sexualidade humana de maneira fiel ao Divino e o desejo que se sente pelo sexo oposto deve refletir a busca pela verdadeira
ensinamento da Igreja e, ao mesmo tempo, nova. A tradição foi apresentada de um modo felicidade que, como já foi dito, somente será saciada em Deus.
que o mesmo homem atual consegue entender.
Justamente por causa disso é que o homem peca. O Diabo se apropria do instinto
Em 1985 foram publicadas 133 catequeses, pois algumas não haviam sido natural de todo ser humano pela sexualidade e a perverte. Os homens passam, então, a
pronunciadas em público. A edição italiana foi publicada em português pela EDUSC, em procurar no sexo um "deus alternativo".
2005. No entanto, os textos do Papa, por serem bastante profundos, necessitam de uma
E este casamento encontra sua plenitude na pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo.
espécie de "tradução", ou seja, postos numa linguagem mais simples. Um bom subsídio
Ele é a união entre Deus e a humanidade, numa só pessoa. E é por isso que o Papa João
para iniciantes é o livro de Christopher West, "Teologia do Corpo para Principiantes: uma
Paulo II diz: "Pelo fato de o Verbo de Deus ter se feito carne, o corpo entrou pela porta
introdução básica à revolução sexual por João Paulo II", Editora Myrian, 2008. Outra
principal na teologia."(23,4)
obra que será utilizada neste curso é o comentário do próprio Christopher West às
Catequeses, intitulado "Theology of the Body Explained (Revised): A Commentary on Além desta preciosa intuição básica, o Papa João Paulo II apresenta, em sua
John Paul's "Man and Woman He Created Them". Teologia do Corpo, um método entusiasmante. O universo filosófico-teológico a que ele
pertencia era riquíssimo e é importante deixar claro, ao menos para os estudantes de
O Romano Pontífice afirma que "o corpo, de fato, e só ele, é capaz de tornar visível
Filosofia, o quanto se pode extrair dela. É possível elencar três chaves de leitura:
o que é invisível: o espiritual e o divino. Foi criado para transferir para a realidade visível
do mundo o mistério oculto desde a eternidade em Deus e assim ser sinal 1. Estudou Santo Tomás de Aquino no Angelicum em Roma, portanto, foi
d´Ele."(19,4)[01] Esta é a intuição básica de toda sua teologia. um tomista que usou o Aquinate para entender São João da Cruz e a espiritualidade
carmelitana.
Segundo ele, a observação do ser humano em sua integridade permite enxergar
algo de Deus. Da mesma forma, observando como Deus Se revelou em Jesus Cristo é 2. Além de tomista, João Paulo II foi adepto do "personalismo", portanto,
possível entender - no Deus que se fez carne - algo do ser humano. Esta circularidade cria no conceito de "pessoa" e na relacionalidade presente na substância do ser humano.
divina revelada no homem e do homem que se revela no Deus que se encarnou - teologia 3. Tomista e personalista, João Paulo II foi também adepto da
e antropologia que se fecundam mutuamente -está contida no Capítulo 2 do Gênesis: "fenomenologia", ou seja, corrente contrária ao positivismo que tem seu ponto de partida
E o Senhor Deus disse: "Não é bom que o homem esteja só. Vou fazer-lhe uma nas experiência pessoais, extinguindo, portanto, a separação entre o sujeito e o objeto.
auxiliar que lhe corresponda". Então o Senhor Deus formou da terra todos os animais Na próxima aula será apresentado o primeiro ciclo de Catequeses.
selvagens e todas as aves do céu, e apresentou-os ao homem para ver como os chamaria; Referências
cada ser vivo teria o nome que o homem lhe desse. E o homem deu nome a todos os
[01] As catequeses serão indicadas pelo seu número e parágrafos correspondentes. P.ex.: Catequese
animais domésticos, a todas as aves do céu e a todos os animais selvagens, mas não 19, parágrafo 4
"No princípio não era assim" O Papa João Paulo II notou que não é somente verdade que o homem
individualmente falando é imagem de Deus, mas que também a diversidade de homem e
O primeiro ciclo de catequeses proferidas por São João Paulo II a respeito da
mulher, de alguma forma, é imagem de Deus. Existe nela uma bondade originária e, se
Teologia do Corpo versou sobre a análise de uma palavra extraída do versículo 8, do
hoje o relacionamento entre homem e mulher é conflitivo, não era assim no princípio. O
capítulo 19, do Evangelho de São Mateus, quando Jesus diz: "Mas não foi assim desde
Catecismo da Igreja Católica identifica com clareza a causa dessa desordem:
o princípio." O Papa se põe, ao longo de 23 catequeses, a analisar qual era o projeto
inicial de Deus, como Ele pensou a criação. Segundo a fé, essa desordem que dolorosamente constatamos não vem da natureza
do homem e da mulher, nem da natureza de suas relações, mas do pecado. Tendo sido
Antes de mais nada é preciso entender o contexto em que Jesus pronunciou a
uma ruptura com Deus, o primeiro pecado tem, como primeira consequência, a ruptura da
palavra. Vejamos a passagem completa:
comunhão original do homem e da mulher. Suas relações começaram a ser deformadas
Alguns fariseus aproximaram-se de Jesus e, para experimentá-lo, perguntaram: "É por acusações recíprocas, sua atração mútua, dom do próprio Criador, transforma-se em
permitido ao homem despedir sua mulher por qualquer motivo?" Ele respondeu: "Nunca relações de dominação e de cobiça; a bela vocação do homem e da mulher para ser
lestes que o Criador, desde o princípio, os fez homem e mulher e disse: 'Por isso, o fecundos, multiplicar-se e sujeitar a terra é onerada pelas dores de parto e pelo suor do
homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois formarão uma só carne'? De ganha-pão. (1607)
modo que eles já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem
Quando Deus fez a mulher, não a retirou da cabeça do homem, para que ela
não separe". Perguntaram: "Como então Moisés mandou dar atestado de divórcio e
pudesse sentir-se superior a ele, nem dos pés, para ele pudesse pensar o mesmo. Ele tirou
despedir a mulher?" Jesus respondeu: "Moisés permitiu despedir a mulher, por causa da
da costela, do lado, o que significa uma igual dignidade entre eles. Portanto, quando o
dureza do vosso coração. Mas não foi assim desde o princípio. Ora, eu vos digo: quem
casal, unido em sagrado matrimônio, mantém relação sexual, esta deve ser de "iguais",
despede sua mulher - fora o caso de união ilícita - e se casa com outra, comete adultério."
não deve haver um dominador, um dominado; um senhor, um escravo. Tais práticas
(Mt 19, 3-9)
levam o casal para longe do projeto inicial de Deus. Nesse sentido, o Papa João Paulo II
Jesus cita frases oriundas dos dois relatos sobre a criação encontrados no Livro dodiz:
Gênesis. Do primeiro relato extraiu a frase "E ele os fez homem e mulher" e do segundo
Por este motivo pode-se dizer com certeza que o primeiro capítulo do Gênesis se
"os dois formarão uma só carne". Ora, esta realidade de que Deus criou homem e mulher
constituiu um ponto inexpugnável de referência e a base sólida para uma metafísica e
e de que ambos se unirão foi pervertida pelo pecado original, que se reflete quando Jesus
também para uma antropologia e uma ética, segundo a qual «ens et bonum convertuntur».
diz: "Moisés permitiu despedir a mulher, por causa da dureza do vosso coração."
Sem dúvida, tudo isto tem significado próprio, também para a teologia e sobretudo para a
Portanto, Nosso Senhor está a dizer que existe algo de errado com a humanidade. Trata-se
teologia do corpo. (2,5)
de uma doença espiritual chamada esclerocardia, uma desordem no modo humano de
amar. O princípio "o ser e o bom se convertem", interpenetram-se, ou seja, se uma coisa
é, então ela é boa e se é má, ela é má enquanto não é. Deus não criou o mal, ele não tem
Ao analisar com profundidade qual era o projeto inicial de Deus, o Papa João Paulo
entidade, é uma desordem no ser, um vazio que causa desordem. Logo, se o desejo é de
II começa por esmiuçar o primeiro relato da Criação. Nele, Deus apresenta a criação do
ter um relacionamento bom é preciso mergulhar numa reflexão naquilo que é o ser das
homem e da mulher com uma profundidade teológica maior que no outro relato.
coisas.
Vejamos:
Quando a Igreja "proíbe" algo, ela não está arbitrariamente determinando algo,
Deus disse: "Façamos o ser humano à nossa imagem e segundo nossa semelhança,
mas, ao contrário, ela está jogando uma luz sobre o que é bom para o ser. A verdade está
para que domine sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todos os
no ser e não na convenção. Assim, a Bíblia fornece um conhecimento do que era o
animais selvagens e todos os animais que se movem pelo chão". Deus criou o ser humano
projeto originário de Deus para o ser humano.
à sua imagem, à imagem de Deus o criou. Homem e mulher ele os criou. E Deus os
abençoou e lhes disse: "Sede fecundos e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a! Portanto, Jesus está dizendo que no princípio o relacionamento entre homem e
Dominai sobre os peixes do mar, as avés do céu e todos os animais que se movem pelo mulher não era desordenado e que, na raiz do ser homem e do ser mulher existe uma
chão". Deus disse: "Eis que vos dou, sobre toda a terra, todas as plantas que dão semente harmonia. Se esta se perdeu foi por causa da "dureza dos vossos corações".
e todas as árvores que produzem seu fruto com sua semente, para vos servirem de As experiências originais do ser humano
alimento. E a todos os animais da terra, a todas as aves do céu e a todos os animais que se
O Papa João Paulo II, em sua “Teologia do Corpo”, analisa as três experiências
movem pelo chão, eu lhes dou todos os vegetais para alimento". E assim se fez. E Deus
originais do ser humano: solidão, comunhão e nudez, visando descobrir qual era o projeto
viu tudo quanto havia feito, e era muito bom. Houve uma tarde e uma manhã: o sexto dia.
inicial de Deus para o homem e a mulher.
(Gên 1, 26-31)
O grande legado do Papa João Paulo II foi a sua “Teologia do Corpo”, dividida ao Portanto, como o homem é “pessoa”, dotado de liberdade, capaz de amar, Deus o
todo em seis grandes ciclos de Catequeses. O primeiro vai até a 23ª e recebeu o título de chama para o amor, para amar, para relacionar-se. Ele é convidado a sair de si na direção
“No princípio”. do outro, pois é isso precisamente o que o faz “pessoa”. Diz West que “a liberdade é
Conforme visto na aula anterior, a frase basilar do primeiro ciclo foi: “Disse Jesus: concedida para amar. Ela pode levar à destruição e à divisão, mas sua finalidade é dar
“No princípio não era assim” (Mt 19,3 e Mc 10,2). Ora, se a realidade atual do sexo entre vida e criar unidade.” [06]
homem e mulher não é do jeito que Deus pensou no início, como era então? Para Assim, a solidão originária que está no homem é uma marca que está em seu ser.
responder essa indagação, Papa João Paulo II parte da análise do relacionamento entre Não passará porque não existe mulher que possa saciar o seu coração, da mesma
homem e mulher antes do pecado original. forma que não existe homem que possa saciar o coração dela. Isso ocorre porque a
Iniciando as reflexões, apresenta no primeiro ciclo três pontos fundamentais: a solidão originária do homem aponta para Deus.
solidão originária, a comunhão originária e a nudez originária, que são chamadas por ele Essa afirmação que pode ser observada por qualquer um que olhe para dentro de si
de “experiências originais do ser humano”, ou seja, estavam no início e hoje não estão ou mesmo, encontra eco nas palavras de Santo Agostinho: “Criaste-nos para vós e o nosso
se apresentam de maneira deformada. Christopher West diz: coração está inquieto enquanto não repousa em vós.” É por isso que a experiência da
João Paulo lança um olhar animador sobre as estórias da criação. (...) Embora não solidão originária deve ser um trampolim para a comunhão e para o amor.
tenhamos uma experiência direta do estado de total inocência do primeiro homem e da O homem é relação de comunhão e de amor, isso o define. Por isso Adão exclamou
primeira mulher, o Papa afirma que em cada um de nós existe um “eco” do começo. As jubiloso quando viu a mulher: “Desta vez sim, é osso dos meus ossos e carne da minha
experiências originais - diz ele - “estão sempre na raiz de toda experiência humana (...). carne!”, porque Deus fez a mulher da mesma natureza que a sua. Sendo assim, ambos são
Encontram-se tão efetivamente entrelaçadas com as coisas ordinárias da vida, que chamados a estarem em comunhão. Christopher West explica que:
geralmente nos passa despercebido o seu caráter extraordinário”. [01]
A criação da mulher a partir de um osso de Adão é uma forma figurada de
O homem é sozinho. Mas, não se trata tão somente de um estar sem mulher. Do expressar que ambos, homem e mulher, participam da mesma humanidade. Ambos são
versículo “Não é bom que o homem esteja só.” (Gên 2,18), o Papa “extrai um sentido pessoas feitas à imagem de Deus. Ambos estão “sozinhos” no mundo, pois são diferentes
mais profundo”[02], pois, segundo ele, “Adão nos representa a todos, (...) pois é a única dos animais (solidão original); mas ambos são chamados a viver numa aliança de amor.
criatura corpórea feita à imagem e semelhança de Deus. Como homem, está sozinho no [07]
mundo visível como uma pessoa”[03]. E continua dizendo que Adão “procurou uma
“Osso dos meus ossos e carne da minha carne” (Gn 2,23) pode ser considerada a
auxiliar entre os animais e não a encontrou”, porque era diferente. A diferença entre Adão
primeira poesia de amor. É um canto de amor. Mas, de que modo a mulher completa o
e os animais aos quais nomeara é que ele possuía a liberdade, uma vez que “não é
homem? Como se dá a comunhão entre ambos? A resposta pode até parecer estranha, mas
determinado por sua instintividade”. Os animais não possuem alma, por isso não têm
é certo que entre os seres humanos só há comunhão e encontro pessoal de fato quando
também liberdade e, sem ela, são incapazes de amar. São escravos de seus instintos.
duas solidões se encontram sem pretender uma saciar a solidão do outro.
O homem, por sua vez, reconhece na mulher - ossos dos seus ossos, carne de sua
Comunhão é diferente da simples união, pois quando algo é “uno”, ele não está
carne - que não está mais só, pois completam-se mutuamente. Embora continuem ainda
necessariamente em comunhão com outra coisa, pois não existe relacionalidade com
“sozinhos” no mundo, no sentido de que suas almas anseiam por Deus, reconhecem-se
nada. É é a partir dos dois necessários para que haja comunhão - sem que um queira
um no outro. West explica que Adão foi dotado de uma capacidade para amar, advinda da
“fagocitar” o outro - que pode existir a “comunhão”. No entanto, nas relações
liberdade com que Deus o dotou:
interpessoais há uma tendência doentia de dominação, em que um se torna objeto, coisa.
Em sua solidão, o primeiro homem percebe que sua origem, sua vocação e seu West explica que :
destino é o amor. Percebe que, diferentemente dos animais, é convidado a entrar em
O tornar-se “uma só carne”, (...), não consiste apenas na união de dois corpos
“aliança de amor” com o próprio Deus. É esta união de amor com Deus que, mais do que
(como no caso de animais); é “uma expressão „sacramental‟ que corresponde à comunhão
qualquer outra coisa, define sua “solidão”. Ao experimentar esse amor, com todo o seu
de pessoas”. Lembre-se aqui o que dissemos sobre a “sacramentalidade” do corpo. Ele
ser anseia por partilhá-lo com outra pessoa igual a ele. (...) É na solidão, portanto, que
torna visível o mistério invisível de Deus, que é em si mesmo uma eterna comunhão de
Adão descobre sua dupla vocação: amar a Deus e amar ao próximo.[04]
Pessoas; de Deus que em si mesmo é amor. [08]
Esta solidão que “é algo espiritual, no entanto, é experimentada corporalmente. (...)
Portanto, o Papa JPII fala sobre a unidade originária, ou seja, de como a comunhão
E podemos também dizer, [que] o corpo expressa a liberdade da pessoa, ou, pelo menos,
e a solidão se completam mutuamente. Homem e mulher se tornam uma só carne quando
para isso é destinado.”[05] Assim, o homem é livre para dizer sim ou não ao convite feito.
se unem e tal união não implica em que os dois corpos desapareçam. Pela observação
direta do corpo de um homem já se pode notar o quanto é incompleto e o modo pelo qual O corpo humano possui um significado esponsal, de união, em que já é aqui na
é justamente o corpo da mulher que o completa. Terra um sacramento da união que o homem precisa ter com Deus e que terá, de fato, na
O terceiro ponto é a nudez originária. O Papa João Paulo II, de maneira corajosa, eternidade. Segundo o Papa:
ensina que essa “é precisamente a chave para compreender o plano original de Deus para A nudez sem envergonhar-se mostra que o primeiro casal participou da mesma
a vida humana”.[09] visão de Deus. Eles conheceram a sua bondade. Conheceram o glorioso plano de amor
Deus procura pelo homem no Jardim, chama-o e, então, o homem responde: “Ouvi traçado por Deus. Viram-no escrito em seus corpos e o experimentaram na atração mútua.
teu ruído no jardim. Fiquei com medo, porque estava nu, e escondi-me.” (Gên 3,10) Ora, Com o surgimento do pecado, porém, perdemos essa gloriosa visão. Mas não esqueça que
uma das consequências do pecado original é justamente a percepção aguda da própria “Jesus veio restaurar a criação na sua pureza original”. Claro, isso só se completará no
nudez como algo negativo. Intuitivamente, o Papa João Paulo II diz, então, que a nudez céu; no entanto, através da graça da redenção, podemos começar a conquistar ainda nesta
originária não era negativa, portanto, Deus criou o homem para viver nu. vida o que se perdeu. [11]
Pode parecer espantoso, mas, diante disso, a conclusão é de que as roupa são O Gênesis fala do Apocalipse. O casamento de Adão e Eva fala do casamento de
usadas por causa do pecado original. Por outro lado, já não é mais possível ao homem Deus com a humanidade. O primeiro casamento aponta para o segundo e esta é a
viver nu, como se estivesse no paraíso. Não se trata de uma apologia ao naturalismo. Mas, realidade da Teologia do Corpo.
é inegável que no projeto original de Deus havia uma nudez e ela era inocente. Por quê? Referências
Diz o Papa que, naquela realidade originária, a mulher não sentia necessidade de esconder 1. WEST, Christopher, “Teologia do Corpo para principiantes - Uma introdução básica à revolução
o próprio corpo, pois não havia perigo do homem tratá-la como objeto. sexual por João Paulo II”, Editora Myrian, 2008, pág. 36
Tome essa experiência de medo (vergonha) diante de outra pessoa e, dando-lhe 2. idem
meia- volta, chegamos à experiência da nudez de Adão e Eva sem sentirem a menor 3. ibidem
vergonha. A luxúria (desejo sexual para satisfação própria) ainda não tinha penetrado no Cristo apela ao coração humano
coração humano. Daqui porque nossos primeiros pais não sentiram necessidade de
autodefesa na presença do outro, simplesmente por que o outro não representava Por causa do pecado original, a sexualidade humana precisa ser redimida. Em
nenhuma ameaça à sua dignidade. Como se expressa poeticamente o Papa, eles “se olham Jesus, o domínio soberbo sobre o corpo é quebrado por Sua entrega sacrifical: “Isto é meu
e se conhecem” com toda paz do olhar interior. Esse “olhar interior” indica não apenas a corpo, que é dado por vós”. A escravidão do pecado é transformada na liberdade do amor
presença de um corpo, e sim de um corpo que revela um mistério pessoal e espiritual. e é instituída uma nova ética: a do coração.
Eles viram o plano de amor de Deus (teologia) como que gravado em seus corpos nus, e No segundo ciclo de catequeses sobre a Teologia do Corpo, São João Paulo II fala
isto era exatamente o que desejavam: amar como Deus ama, em e através de seus corpos. sobre o projeto da redenção para a sexualidade humana. Enquanto o primeiro ciclo estava
E não existe medo (vergonha) no amor. “O perfeito amor lança fora o temor.” [10] voltado para a Criação, o segundo olha mais atentamente para a Redenção.
No projeto inicial de Deus também não havia a idolatria. Ora, o corpo humano é Como ponto de partida para sua reflexão, o Papa recorre às palavras de Jesus:
uma imagem e, como tal, pode ser ícone ou ídolo. Ícone é uma janela que se abre para “Ouvistes que foi dito: „Não cometerás adultério‟. Ora, eu vos digo: todo aquele que olhar
Deus. Para Adão, o corpo de Eva era como que um ícone que o levava para o Infinito que para uma mulher com o desejo de possuí-la, já cometeu adultério com ela em seu
é Deus. Todavia, com o pecado original, a imagem que antes era ícone torna-se ídolo. coração” (Mt 5, 27-28). Com isso, Jesus traz um novo conceito de adultério. Não se trata
O ídolo é a imagem que toma o lugar de Deus. É uma realidade opaca, fechada, na mais, como no Antigo Testamento, de simplesmente deitar-se com a mulher do próximo.
qual o homem deixa de olhar para Deus e se concentra somente na mulher. Na realidade Agora, um novo ethos é posto, é instituída a ética do coração: não basta não praticar o ato
originária, o homem podia enxergar a mulher e ver que ela o levava para Deus. Hoje, por externo pecaminoso; é preciso amar, verdadeiramente.
causa do pecado original, essa visão se tornou muito difícil, mas grandes santos chegaram Antes de entender como a sexualidade humana é redimida, é preciso olhar como
nesse estágio. está o coração do homem após o pecado original. No diálogo entre a serpente e a mulher
Uma famosa história contida nos ditos Padres do Deserto conta que um grupo de (cf. Gn 3, 1ss), que antecede a queda, Eva, ao invés de receber gratuitamente de Deus a
monges certa vez se deparou com uma prostituta no caminho. Viraram seus rostos para participação em Sua vida, procura apropriar-se desse dom, tomá-lo para si. A Escritura
não verem a nudez da mulher. Menos o monge mais santo. Este chorou e exclamou, diz que “a mulher viu que seria bom comer da árvore, pois era atraente para os olhos e
olhando fixamente para a mulher: “Vejam como Deus é grande. Vejam com que amor ele desejável para obter conhecimento. Colheu o fruto, comeu dele e o deu ao marido a seu
fez suas criaturas.” Este é o Adão, este é o homem originário, esta é a nudez originária. lado, que também comeu” (Gn 3, 6). A expressão grega utilizada pelo Autor Sagrado
neste trecho é a mesma que Ele usa para dizer que Cristo, “existindo em forma divina,
não se apegou ao ser igual a Deus, mas despojou-se, assumindo a forma de escravo e Mas, como fazer isso, se o homem sente medo de Deus? “E a Palavra se fez carne e
tornando-se semelhante ao ser humano” (Fl 2, 6-7). A palavra “ἁρπαγμὸν” (lê- veio morar entre nós” (Jo 1, 14). Com a sua vida, Cristo proclama:
se: arpagmón) significa isto: uma realidade que foi tomada, arrebatada com violência, “Não acreditas que Deus te ama? Permite-me então mostrar-te quanto Deus te ama.
algo de que se tomou posse. Não acreditas que Deus é dom? Isto é meu corpo, que é dado por vós (cf. Lc 22, 19).
O projeto de Deus para a humanidade era que esta fosse Sua esposa. É por isto que Pensas que Deus deseja privar-te da vida? Derramarei meu sangue até a última gota, a fim
o diálogo antes da queda acontece com a mulher: porque ela é, na relação conjugal, o de que o sangue da minha vida te dê a vida em abundância (cf. Jo 10, 10). Pensavas que
polo passivo. Eva representa a humanidade passiva diante de Deus, a humanidade que Deus era um tirano, um senhor de escravos? Vou tomar a forma de escravo (cf. Fil 2, 7) e
recebe d‟Ele a existência, a vida, a felicidade e todos os dons. Não se fala, por certo, de me colocar „sob teu domínio‟ para mostrar-te que Deus não deseja „dominar-te‟ (cf. Mt
uma passividade inerte, mas de uma “receptividade de comunhão”. Como em uma valsa, 20, 28). Pensavas que Deus te açoitaria, se lhes desses oportunidade? Quero deixar-me
em que a mulher é conduzida pelo homem, mas responde sensivelmente aos seus açoitar por ti, para mostrar-te que Deus não tem a menor intenção de te açoitar. Não vim
movimentos, a humanidade (na figura de Eva) foi chamada por Deus não só a receber o para te condenar, mas para te salvar (cf. Jo 3, 17). Não vim para te escravizar, mas para te
Seu amor, mas também a respondê-lo. libertar (cf. Gl 5, 1). Deixa de lado a tua incredulidade. Arrepende-te e crê na boa nova
A resposta da humanidade, no entanto, é a ingratidão do pecado. O homem, (cf. Mc 1, 15).” [1]
enganado pela serpente e desacreditado do amor de Deus, passa a tratar Deus como um Dentro da Redenção, está a chave para a liberdade e ela se chama “amor”.
inimigo: “Quando ouviram o ruído do Senhor Deus, que passeava pelo jardim à brisa da Enquanto o Antigo Testamento nos deu a Lei, Jesus Cristo trouxe-nos o amor, por meio
tarde, o homem e a mulher esconderam-se do Senhor Deus no meio das árvores do do qual os mandamentos deixam de ser um fardo. Quem se entregou voluntariamente por
jardim” (Gn 3, 8). A atitude de Adão e Eva de ocultar-se é a postura de quem vê amor não vê dificuldades em cumprir leis ordenando que não se ofenda o objeto amado,
aproximar-se seu inimigo. Além da desordem na relação com Deus, no entanto, o já que a última coisa que o ser amante quer é ver aquele que ama ofendido.
primeiro homem experimenta uma disfunção também na forma como se relaciona com Se nós amarmos, se respondermos ao amor de Deus com generosidade, isso nos
sua companheira: ele quer tratá-la como objeto, quer usá-la para obter gratificação sexual. tornará livres, porque não somente estaremos cumprindo o Decálogo, mas também
A mulher, em compensação, quer usar o homem para obter gratificação emocional. daremos um passo a mais, convertendo o nosso coração ao amor de Deus e tornando-nos
Então, a sexualidade precisa ser redimida, principalmente na vida matrimonial. livres. No amor, deixamos de ser escravos. E é para esta liberdade que Cristo nos libertou
Não é porque uma pessoa se casa que ela está autorizada a usar seu cônjuge para sua (cf. Gl 5, 1).
satisfação pessoal. Por isso, é preciso um caminho, uma mudança: da situação de Referências
desordem causada pelo pecado original para a pureza de coração. Esse caminho é árduo,
1. WEST, Christopher. Teologia do Corpo para principiantes - Uma introdução básica à
pois há uma malícia no homem contra a qual ele deve lutar incessantemente, até atingir a revolução sexual por João Paulo II. Porto Alegre: Editora Myrian, 2008. p. 58
pureza de coração, sem a qual não veremos a Deus (cf. Mt 5, 8).
Nesse caminho, homens e mulheres devem tomar precauções mútuas. Estas devem
O celibato por amor ao reino dos céus
cuidar-se com relação ao seu corpo. Por conta do pecado, as mulheres tendem a querer Os três primeiros ciclos de catequeses de São João Paulo visam responder à
tornar-se objetos, em troca de compensação afetiva. Para mudar essa realidade, é preciso pergunta: O que é a sexualidade humana? Neste quarto ciclo que se inicia, surge uma
que ela cultive a virtude da modéstia, cobrindo o seu corpo com um véu, não por ele ser outra questão: Como viver a sexualidade?
mau ou impuro, mas justamente por ele ser santo. Os homens, por sua vez, devem refrear O Papa continua a leitura do capítulo 19 de Mateus, iniciada no primeiro painel do
a paixão desordenada – que não é instinto natural – de tratar sua companheira como tríptico. Ao ser questionado por fariseus, que O queriam por à prova, Jesus responde, mas
objeto de seu domínio. Para isso, é importante que ele tenha sempre em mente a sua alma. sua resposta suscita uma reação nos discípulos e enseja outra resposta do Mestre:
Também é importante que o homem vigie o seu olhar. Pela culpa original, o homem é Seus discípulos disseram-lhe: Se tal é a condição do homem a respeito da mulher, é
um voyeur, seu prazer está em ver. Não sem razão a pornografia, que é uma “escravidão melhor não se casar! Respondeu ele: Nem todos são capazes de compreender o sentido
do olhar”, é um pecado eminentemente masculino. desta palavra, mas somente aqueles a quem foi dado. Porque há eunucos que o são desde
Por fim, tanto o homem quanto a mulher devem ser testemunhas do primado de o ventre de suas mães, há eunucos tornados tais pelas mãos dos homens e há eunucos que
Deus em suas vidas. A relação desordenada entre eles, baseada no modelo senhor e a si mesmos se fizeram eunucos por amor do Reino dos céus. Quem puder compreender,
escravo, somente será superada quando existir para os dois um senhor de verdade, que é compreenda.[01]
Deus. É justamente a resposta de Jesus que o Papa usa para iniciar esse quarto ciclo, em
que abordará a questão da vocação do ser humano. Ele diz que “a revelação cristã
reconhece duas formas específicas de realização completa da vocação do amor do ser pobres, viver a fé, tudo isso haverá de contribuir para novas e verdadeiras vocações, tanto
humano: matrimônio e virgindade ou celibato”[02]. E continua dizendo que “tanto uma matrimoniais quanto sacerdotais.
quanto a outra, em sua forma própria, representa a realização da verdade mais profunda a A Igreja, por sua vez, chama ao sacerdócio os jovens que possuem vocação para o
respeito de o homem ter sido criado à imagem de Deus”[03]. Neste primeiro momento, celibato. É a primeira vocação. Quando um jovem se decide a Igreja o separa e o
abordará o celibato. direciona para a posição correta. Uns podem se tornar monges, outros religiosos, outros
Existem homens, como bem frisou Nosso Senhor Jesus Cristo, que são fisicamente sacerdotes.
incapazes de ter relações sexuais: os “eunucos”. E Ele diz que estão divididos em três A vocação ao celibato, portanto, precede a vocação sacerdotal, pois na primeira a
categorias: a primeira, daqueles acometidos por um problema genético - nasceram assim; escolha é livre e pessoal, já na segunda depende de um chamado da Igreja. Ninguém tem
a segunda, daqueles que foram castrados (antigamente era comum um rei mandar castrar direito de ser ordenado padre.
o escravo escolhido para cuidar das esposas reais) e, por fim, a terceira, daqueles que
Por ser livre, o celibato é também sobrenatural. Por isso, ele é totalmente
assim se fizeram por causa dos Reino dos Céus.
incompreensível para aqueles que não têm fé. Esse é um dos fatores da crise atual. Não
O celibato por amor a Deus ilumina de forma extraordinária o matrimônio, pois crer na ação de Deus, em sua presença, em seu poder de transformar e capacitar o ser
recorda aos esposos que a finalidade de cada um é a vida eterna, o casamento eterno com humano para o voo rumo ao céu, faz com que não se creia igualmente na possibilidade da
Deus. Juntos, o casal deve caminhar rumo ao seu objetivo, sem colocar um no outro a vivência do celibato.
razão da felicidade, pois isso seria destruidor para ambos. O sacerdote, por sua vez, à luz
O celibato tem a ver com a vida espiritual, por isso não é possível que um padre,
do matrimônio, deve se recordar que está despojado de si mesmo em função do outro,
uma religiosa, um religioso viva sem oração, sem muita oração. Mesmo com uma vida
como um esposo deve ser.
apostólica é preciso ter oração, até para ter algo a oferecer aos irmãos. Não é possível
Por isso o celibato é uma grande riqueza da Igreja e aboli-lo seria, de certa forma, viver o celibato sem a graça do Espírito Santo.
destruir o matrimônio, pois é ele que lança luz e recorda a verdadeira finalidade do ser
Os grandes santos e doutores da Igreja concordam que na vida espiritual existem ao
humano: contemplar Deus face a face.
menos três grandes fases: a purgativa, a iluminativa e a unitiva. [04] A primeira é quando
É bom lembrar que foi num mundo pagão que o celibato cristão surgiu. Os a pessoa deixa para trás os grandes pecados, os mortais. Depois de muita penitência e
primeiros celibatários eram vistos como pessoas pervertidas e foram acusados de oração, ela entra na segunda fase, mais próxima de Deus e, por fim, a terceira, quando
inúmeras depravações. Na medida, porém, que o mundo foi sendo convertido, também o está quase que totalmente configurada a Cristo.
celibato foi sendo entendido como dom de Deus. Portanto, ter fé é um pré-requisito para
Os mesmos santos atestam que na fase iluminativa a sexualidade é vivida de forma
se entender a sua grandeza. Daí a importância do Anúncio: é preciso que as pessoas sejam
mais serena. Os problemas das outras fases são superados, embora sempre exista a
convertidas para compreenderem.
tentação e a possibilidade real de se cometer o pecado. No entanto, para eles é claro que a
O celibato possui três características muito importantes que lhe dão o sentido e a pessoa passa a viver a própria sexualidade de forma mais pacífica e que até mesmo as
eficácia: 1. ele é livre; 2. ele é sobrenatural; 3. ele é místico. Todas elas demandam uma manifestações físicas se arrefecem.
profunda vida espiritual, sem a qual perde toda a sua razão de ser e pode se tornar até
Os seminários foram criados justamente para fazer com que aqueles com vocação
mesmo fonte de doença psicológica, afetiva e espiritual.
divina para o celibato passem pela via purgativa e adentrem à iluminativa, já com a
A liberdade é a primeira característica do celibato. Ora, na Igreja existem dois tipos sexualidade ordenada para a vida sacerdotal.
de pessoas: aquelas que tem a vocação divina para o matrimônio e aquelas que tem a
Diante da profundidade das três características, pode-se compreender também que
vocação divina para o celibato. O que existe no mundo hoje é uma crise de ambas as
o problema da pedofilia não está no celibato, mas que reside na sexualidade desordenada,
vocações. Se faltam vocações sacerdotais, faltam também matrimoniais. Há uma escassez
não purificada, tanto do celibatário quanto do casado. Abolir o celibato, portanto, não é a
visível de homens vocacionados para o casamento, para serem pais de família, esposos
solução para a pedofilia, mas sim, a cura da sexualidade por meio de um aprofundamento
fiéis.
na vida espiritual, na via purgativa.
A solução para as duas crises não é abolir o celibato dos padres, mas fazer com que
Assim, a luta do celibatário vivendo uma vida ascética e mística deve ser uma luz
todos vivam suas próprias vocações de maneira plena. Sendo Igreja de modo coerente,
que ilumina o esposo e o estimula a viver também de forma plena o seu próprio chamado.
pois uma comunidade tem tantas vocações quanto a sua conversão merece. Uma
Referências
comunidade não convertida não tem vocações.
Por isso, quanto antes a mentalidade mundana for deixada de lado mais vocações 1. Evangelho de São Mateus 19, 12
florescerão. Anunciar o Evangelho, pensar nas coisas do céu, amar Jesus, cuidar dos
2. WEST, Christopher, Teologia do Corpo para principiantes: Uma introdução básica à revolução Portanto, a partir de Cristo, o matrimônio entre dois batizados passa a ter um
sexual por João Paulo II, Ed. Myrian, Porto Alegre, 2008, pag. 79-89. caráter sacramental, pois eles recebem da Cruz - de onde brotam todas as graças - a graça
3. idem santificante que faz com que possam ser doação mútua, e a fidelidade dos dois reflete a
4. Santa Teresa de Jesus, São João da Cruz, Santo Tomás de Aquino. fidelidade de Cristo e da Igreja
O sacramento primordial A compreensão deste capítulo de Efésios passa também pelo entendimento do que
O quinto ciclo de catequeses de São João Paulo é essencial para a Teologia do significa a submissão da mulher, mencionada pelo Apóstolo. Hoje em dia, o movimento
Corpo porque aborda justamente o sacramento do Matrimônio cristão. feminista vem acusando a instituição do matrimônio como sendo a escravidão da mulher.
Alega que a esposa seria a escrava sexual do esposo e que estaria contra a sua vontade,
Muitos estranharam o fato de que a questão do celibato tenha vindo primeiro. É
sob o jugo do marido. Mas, é isto que a passagem que está dizendo?
simples: a doação de si mesmo por amor ao reino dos Céus, sinaliza que a humanidade
tem por finalidade um outro casamento, o qual será vivido na eternidade: o casamento O versículo 21 afirma: “Sedes submissos uns aos outros no temor a Cristo”. O Papa
entre Cristo e a Igreja, que o Livro do Apocalipse chama de “as núpcias do Cordeiro”. João Paulo II aponta para um aspecto fundamental na compreensão do que significa
“submissão”. No Antigo Testamento e em hebraico, quando se fala dos sete dons do
Todavia, o matrimônio não é entendido como sendo um sacramento por todos. A
Espírito Santo, na verdade, esses dons são seis. Isso ocorre porque a palavra “temor”
denominação luterana, por exemplo, alega que, como os sacramentos são sinais
aparece com dois significados diferentes. Piedade e temor, essas são as traduções usadas
instituídos por Nosso Senhor Jesus, o matrimônio não se encaixaria neles pelo simples
e, alerta o Papa, na hebraica, existe realmente o aspecto de piedade dentro do conceito de
fato de existir antes da Encarnação, ou seja, não foi instituído por Cristo. Os católicos,
temor.
porém, crêem que o matrimônio natural (de fato, anterior ao advento do Senhor) foi
elevado por Deus à condição de sacramento. São João Paulo escolheu como fundamento Ora, dentro da família, a instituição familiar como tal, exige uma certa submissão
bíblico para esta afirmação o texto da Carta de São Paulo aos Efésios 5, 21 e seguintes: mútua das pessoas sob a virtude da piedade (que é um aspecto do temor do Senhor). O
mandamento do amor universal está em pleno vigor, ou seja, é preciso amar a todos os
Sejam submissos uns aos outros no temor a Cristo. Mulheres, sejam submissas a
homens. Em relação às pessoas da própria família é preciso mais do que o amor caritas, é
seus maridos, como ao Senhor. De fato, o marido é a cabeça da sua esposa, assim como
necessário a virtude da piedade, que consiste no reconhecimento do vínculo espiritual
Cristo, salvador do Corpo, é a cabeça da Igreja. E assim como a Igreja está submissa a
existente na família. As pessoas, então, passam a amar não somente pelas razões naturais,
Cristo, assim também as mulheres sejam submissas em tudo a seus maridos. Maridos,
mas por uma razão sobrenatural, que é Cristo.
amem suas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela; assim, ele a
purificou com o banho de água e a santificou pela Palavra,para apresentar a si mesmo Quanto à submissão da mulher ao marido que aparece também em outras Cartas de
uma Igreja gloriosa, sem mancha nem ruga ou qualquer outro defeito, mas santa e São Paulo, é preciso fazer uma distinção entre a ordem natural e a sobrenatural, como ela
imaculada. Portanto, os maridos devem amar suas mulheres como a seus próprios corpos. seria sem o pecado original e como se tornou após o pecado. Para tanto é preciso adentrar
Quem ama sua mulher, está amando a si mesmo. Ninguém odeia a sua própria carne; pelo no campo da política.
contrário, a nutre e dela cuida, como Cristo faz com a igreja, porque somos membros do Os grandes filósofos antigos Platão e Aristóteles, afirmam que existem três formas
corpo dele. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e os dois de se governar: monarquia (o governo de um), aristocracia (o governo de uma classe de
serão uma só carne. Esse mistério é grande: eu me refiro a Cristo e à Igreja. Portanto, pessoas nobres) e a democracia (o governo de todos). Eles se questionaram qual seria a
cada um de vocês ame a sua mulher como a si mesmo, e a mulher respeite o seu marido. melhor forma. Talvez, influenciados pelo tempo presente, alguns ousariam responder que
(Ef 5, 21-33) é a democracia, no entanto, os filósofos apontaram para outro regime.
São Paulo descreve o relacionamento de um casal, homem e mulher, esposo e Disseram que, numa sociedade de pessoas virtuosas, o melhor governo, de fato, é a
esposa, porém, no final, afirmará que aquela descrição, na verdade, refere-se a Cristo e à monarquia. Nesse caso, porém, a virtude seria um requisito e, existindo, esse grupo de
Igreja. pessoas virtuosas, naturalmente haveria de procurar alguém ainda mais virtuoso que as
A palavra mistério, em latim, quer dizer “sacramento” e é justamente o uso governasse. E assim se daria o regime ideal.
deslocado dessa palavra que possibilita ao Papa João Paulo II afirmar que o matrimônio é Contudo, existe um problema apontado pelos filósofos e também por Santo Tomás
um sacramento primordial, ou seja, quando se diz que homem e mulher se tornarão uma de Aquino em seu Comentário à Política de Aristóteles: numa sociedade pervertida (sem
só carne (desde o Gênesis, há que se contar), na verdade, se está também falando do pessoas virtuosas), a monarquia se transforma rapidamente em tirania.
relacionamento entre Cristo e a Igreja, quando todos serão um só corpo. Passa-se da Portanto, na atual circunstância da socidade, não virtuosa, o melhor regime é
ordem natural para a ordem sobrenatural. mesmo a democracia. Como as pessoas são pecadoras, este regime faz com que um
pecador limite o outro e, assim, ninguém prevalece. De todos os regimes ruins, a ama. Portanto, a doação mútua, como ensina São João Paulo, é um grande trampolim para
democracia é o menos pior. a espiritualidade.
Pensando na realidade da família, Jesus fala sobre um exercício da autoridade Amar é tudo dar
completamente diferente daquele que é o exercício dos pagãos, não convertidos. Quando
“Aimer c´est tout donner”, amar é tudo dar. Esta é a chave de leitura do
Ele fala sobre a autoridade diz: “Entre vós não será assim, o primeiro seja o servidor de
matrimônio apresentada por São João Paulo. A entrega recíproca dos esposos, tendo
todos”. Esta é a forma de se exercer a autoridade para Cristo: servindo.
como modelo Cristo que deu a si mesmo pela Igreja, é a linguagem acertada do amor e só
Nesse sentido, ao marido se diz: “amai vossas mulheres…” ele é chamado a nela pode alcançar a plenitude.
derramar seu sangue por ela e pelos filhos como Cristo derramou o Seu pela Igreja. A
O conteúdo do quinto ciclo de catequeses de São João Paulo a respeito da Teologia
forma de se exercer a autoridade dentro da família, como se apresenta na Carta aos
do Corpo é bastante denso e aborda a sacramentalidade do Matrimônio.
Efésios, dentro do contexto geral do exercício de autoridade no cristianismo é
completamente diferente daquilo que seria uma tirania dos maridos sobre as mulheres. A chave de leitura utilizada pelo Papa é a do personalismo, mas isso não significa
que ele tenha rejeitado a tomista; ele apenas optou por uma que fosse mais fácil para o
Não se trata, é claro, de defender que o marido é o líder, chefe, o cabeça da família
homem moderno compreender.
a qualquer preço e sob qualquer circunstância. Não. Assim como Santo Tomás admite
que a monarquia é o projeto de Deus, mas não em qualquer situação, assim também O personalismo é uma filosofia que enfatiza sobretudo a questão da
acontece na realidade familiar. Deveria haver uma submissão da esposa ao marido, se este relacionalidade. Portanto, dentro da perspectiva personalista, o corpo humano é
fosse realmente virtuoso. Isso tem um fundamento teológico e também natural. apresentado por São João Paulo como um dom.
Infelizmente, a inegável superioridade física do homem que deveria ser para Monsenhor Pascal Ide, especialista em Teologia do Corpo, escreveu a obra “Dans
protegê-la, ser um serviço, tornou-se uma tirania por causa do pecado original. Desse il Theologie du Corp”, em que afirma que se fosse possível resumir a apresentação de
modo, o marido passou a exercer um despotismo sobre a mulher e os filhos que não tem João Paulo II em uma frase, esta seria: o dom é a verdade essencial do corpo.
fundamento na realidade das coisas. O esposo é, de fato, a cabeça da família, mas isso Tal perspectiva não é nova, ela remete ao triângulo de São João da Cruz
não é uma realidade absoluta, ela só se explica de estiver dentro da virtude. Portanto, a demonstrado na aula passada: o ser humano é dom porque dom é amor e amor é dom. De
mulher e os filhos devem ser submissos ao marido, se este der a vida por ela e pelos forma sintética, a visão de São João da cruz sobre esse tema está bem definida num
filhos, como Cristo deu a vida Dele pela Igreja. Este é o sentido da submissão. escrito de uma outra discípula dele: Santa Terezinha do Menino Jesus e da Sagrada Face.
São João Paulo dá um passo além quando ousa chamar o sacramento do Em sua célebre poesia “Pourquoi je t´aime, ô Marie” (porque eu vos amo o
matrimônio de primordial. Quando era jovem, antes mesmo de entrar no seminário, Maria), ela profere a frase lapidar: “Aimer c´est tout donner et se donner soi-
conheceu um leigo, um místico e que considerava como sendo um verdadeiro santo e foi même” (amar é tudo dar e dar-se a si mesmo). Dar a si mesmo, não de forma limitada,
apresentado ao pensamento de São João da Cruz. O jovem Karol chegou a aprender com reservas, não! é dar tudo que se tem, inclusive a si mesmo. Isto expressa de forma
espanhol para poder estudar o grande santo carmelita que compara a alma com a esposa e extraordinária a verdade sobre corpo humano, é preciso haver a doação mútua.
Deus com o esposo, ou seja, fala sobre o amor esponsal. Justamente por isso o Papa fala sobre a linguagem do corpo.
São João da Cruz aponta para uma intuição básica e fundamental: o amor, para o Pois bem, o corpo fala e o que ele está dizendo? Para saber é preciso observar o
cristianismo, é um dom de si, ou seja, a doação de si mesmo é que constitui o amor. A Rito do Matrimônio e as palavras do consentimento matrimonial esclarecem o que é o
partir disso é que se vê o fundamento do que será o matrimônio: o casal irá se doar matrimônio. Nas palavras do matrimônio eles se recebem, ou seja, há uma doação total
mutuamente. Ora, se o amor é dom de si e se Deus é amor, o que se percebe é que na entre o marido e a esposa.
Trindade essa doação mútua também existe. No plano natural, o matrimônio, no O Código de Direito Canônico fala de um comunhão para toda a vida. Por isso,
sobrenatural, a Trindade. Assim, o amor trinitário se encontra refletido na realidade do toda relação sexual deveria acontecer dentro dessa linguagem matrimonial para não ser
casal. um ato mentiroso. Ora, numa relação sexual um corpo diz ao outro: “sou todo seu”, no
O homem é imagem de Deus não somente de forma individual, mas também o entanto, numa relação fora do matrimônio isso é uma mentira, pois, ao final, cada um vai
casal o é. Este é o fundamento do matrimônio como sendo um verdadeiro sacramento. para o seu canto. Na mesma linha, os anticoncepcionais impedem que o casal se una
Não somente a doação dos esposos, mas a prole, a realidade familiar, tudo numa realidade eterna chamada filho. Como é possível haver verdade nisso?
contribui para São Paulo dizer: “é grande esse mistério”, que Deus realiza nos céus, desde A linguagem do corpo tem sua chave de leitura no sacramento do matrimônio
todos os tempos e que criou um reflexo na Terra, um vestígio da Trindade no casal que se enquanto tal. Dentro disso, João Paulo II parte para dois textos bíblicos fundamentais: um
do livro de Oseias e outro de Tobias.
No Antigo Testamento, a função dos profetas era combater os falsos deuses, misericórdia e salvação". Então ela se levantou, e os dois começaram a rezar, pedindo que
levando o povo a afastar-se da idolatria. Para tanto, utilizavam justamente a linguagem Deus os protegesse. Eles diziam: "Bendito sejas tu, Deus de nossos antepassados, e
matrimonial. Em Oseias, capítulo 1 e seguintes, é apresentado o casamento do profeta bendito seja o teu Nome para todo o sempre! Que o céu e tuas criaturas todas te bendigam
com uma prostituta e a sua fidelidade a ela, mesmo ela continuando a exercer seu ofício. para todo o sempre. Tu criaste Adão e, como ajuda e apoio, criaste Eva, sua mulher, e dos
Pois bem, esta fidelidade remete à fidelidade de Deus. Ele é o esposo fiel de uma esposa dois nasceu a raça humana. Tu mesmo disseste: 'Não é bom que o homem fique só.
prostituída, Israel. Façamos para ele uma auxiliar que lhe seja semelhante'. Se eu me caso com minha prima,
Ora, a linguagem profética do Antigo Testamento será elevada a sacramento no não é para satisfazer minha paixão. Eu me caso com reta intenção. Por favor, tem piedade
Novo Testamento . A linguagem do corpo expressa no sacramento do matrimônio a de mim e dela e faze que juntos cheguemos à velhice". E os dois disseram juntos:
fidelidade de Cristo à Igreja. Dentro disso, o Papa João Paulo apresente o segundo texto "Amém! Amém!" Depois dormiram a noite inteira. (Tb 8, 4-10)
basilar que está no livro do Cântico dos Cânticos no capítulo 4, versículo 12: “és um A linguagem do amor apresentada por João Paulo II em sua Teologia do Corpo,
jardim fechado, minha irmã e esposa. jardim fechado e fonte lacrada”. portanto, é a doação inteira e irrestrita de si mesmo em favor do outro. “Aimer c´est tout
Pode parecer estranho que um marido chame a esposa de irmã, no entanto, isso donner”.
pode ser muito libertador para a mulher porque, de fato, ambos são iguais em dignidade.
As mulheres se sentem bem como essa afirmação, mas os homens não se sentem à
vontade, pois remete a algo incestuoso.
Contudo, segundo o santo, é justamente a ideia de irmandade que liberta, porque o
homem enquanto tal, por causa do pecado original, tem a tendência de tratar a mulher não
como irmã, mas como sendo um objeto. Por isso é compreensível que o homem sinta
dificuldade em sentir luxúria pela sua irmã, mas o segredo está aqui, pois o desejo sexual
sadio do esposo pela esposa não pode ser luxúria. Trata-se de doação mútua por isso a
mulher não pode ser objeto. No jardim secreto da esposa o homem só pode entrar com
consentimento dela. Ela deve se doar.
Isso contradiz frontalmente toda a visão feminista que olha para o matrimônio
como sendo um campo de concentração. Não é. A realização do homem e da mulher está
na mútua entrega um do outro: “Aimer c´est tout donner”, dar tudo e dar a si mesmo. A
entrega é livre, por isso não é estupro. O ato conjugal faz com que a mulher, mesmo
depois de casada, permaneça sempre um jardim fechado, hortus conclusus, pois permite o
acesso na sua doação, na sua entrega, nada lhe é tirado, não é objeto de violência, mas
permanece senhora de si para se doar.
O outro texto abordado por são João Paulo II está no livro de Tobias que mostra o
quanto o matrimônio se torna uma linguagem também de vida e de morte. Referido livro
apresenta uma realidade dramática de Sara, que já tinha tido vários maridos, os quais
morriam na noite de núpcias pelas mãos do demônio Asmodeu. A situação era tão
dramática que na noite do casamento, o sogro de Tobias, pai de Sara, abriu uma cova para
enterrá-lo.
Tobias sabia do perigo que o esperava e mesmo assim dispôs-se a entregar-se.
Junto com Sara - “sua irmã” - levantam-se e fazem umaberacá ao Senhor e em seguida
uma recordação das benesses do Senhor. E Tobias diz não é por luxúria que ele se casa,
mas por reta intenção. É isso que o livra da morte (do demônio). Ele se dispõe a morrer,
como Cristo morreu pela Igreja.
Os outros tinham saído e fechado a porta do quarto. Tobias levantou-se e disse a
Sara: "Levante-se, minha irmã! Vamos rezar e suplicar ao Senhor que nos conceda

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