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PESSOA

_____________ CAPÍTULO 6 _____________


CONHECENDO O ESPÍRITO SANTO
Atualmente, a maior parte da literatura sobre o Espírito Santo,
mesmo entre os adventistas do sétimo dia, concentra-se em sua obra
e em seu ministério. No entanto, conhecer a obra dele sem conhecer
sua pessoa envolve perigos inerentes para qualquer cristão que deseja
uma experiência profunda com Deus.
Em geral, presumimos que uma obra realizada do modo como
entendemos que o Espírito a conduziria deve ser necessariamente
dele. Porém, esse raciocínio coloca o pragmatismo acima da verdade.
Jesus adverte quanto a obras poderosas que, em tese, somente Deus
pode realizar, como expulsar demônios, profetizar ou operar milagres.
No entanto, Ele disse que pessoas reivindicarão essas obras e ouvirão
dele: "Nunca vos conheci" (Mt 7:22, 23).
Em vista disso, decidi escrever este breve capítulo sobre a pessoa
do Espírito Santo.1 Se não sabemos quem Ele é, como podemos
reconhecer sua obra? Muitos cristãos, inclusive alguns adventistas,
concluem, simplesmente, que o Espírito Santo é alguma essência de
Deus, uma ferramenta poderosa em sua mão, mas não exatamente
um igual ao próprio Deus. Faz diferença entender que o Espírito Santo
é Deus. Admitimos que é necessário ter cuidado em não analisar
demasiadamente a pessoa do Espírito.2 Ele simplesmente não revelou
muito acerca de si mesmo, mas vale a pena recapitular a revelação que
temos. Assim, procurarei responder a três perguntas básicas: 1) O
Espírito Santo é Deus? 2) O Espírito Santo é uma pessoa da Trindade?
3) Qual é a relação do Espírito com a Trindade?

O Espírito de Deus
Devemos admitir que a evidência escriturística direta sobre a
divindade do Espírito é limitada. Isso, sem dúvida, é a razão-chave de
tantos crentes sinceros ao longo da história da igreja cristã não terem
se convencido dessa divindade. Deus, porém, deixou evidências
suficientes para que entendamos as verdades básicas.
A mais clara delas pode ser a declaração de Pedro em Atos 5, em
que ele pergunta ao enganador Ananias por que ele mentiu "ao
Espírito Santo" a respeito da venda de sua propriedade, e depois
declara: "Não mentiste aos homens, mas a Deus" (At 5:3, 4). Para
Pedro, "mentir ao Espírito Santo" e "mentir a Deus" são expressões
intercambiáveis. Ele afirma que Ananias não estava mentindo
meramente aos apóstolos da nascente igreja do Novo Testamento,
mas ao próprio Deus.
Outro exemplo de expressões intercambiáveis é a frase de Paulo;
usada em 1 Coríntios 3 e 6. No capítulo 3:16, ele escreve: "Não sabeis
que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?"
Três capítulos adiante, ele usa uma linguagem quase idêntica: "Acaso
não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está
em vós, o qual tendes da parte de Deus [...]?" (1Co 6:19). Paulo usa o
santuário de Deus e o santuário do Espírito Santo com o mesmo
sentido.
"O Espírito Santo não é mero espírito", disse Martinho Lutero,
"uma criatura, por exemplo, ou algo à parte de Deus e ainda assim
dado aos homens por Ele, ou meramente a obra que Deus executa em
nosso coração. De fato, Ele é um Espírito que, em si mesmo, é Deus
em essência."3
Jesus também usou as palavras Deus e Espírito Santo de modo
intercambiável. Durante o encontro noturno com Nicodemos, Cristo
fez referência à possibilidade de um novo nascimento pelo Espírito,
uma referência comum à salvação, embora o discípulo secreto o
considerasse impossível. Ele disse: “Como pode suceder isso?” (Jo 3:5-
9). Mais tarde, em seu ministério, quando outro grupo de discípulos se
reuniu para inquirir como pessoas que não se esperava que fossem
salvas poderiam ser salvas, Jesus respondeu: "Isto é impossível aos
homens, mas para Deus tudo é possível" (Mt 19:23-26). Claramente,
para Jesus, era Deus quem tornava possível a salvação, assim como era
o Espírito quem levava as pessoas a nascer de novo. Isso porque é o
Espírito Santo que tem a capacidade de produzir a convicção do
pecado, da justiça e do juízo (Jo 16:8-11).
No livro de Hebreus encontramos a única referência bíblica ao
"Espírito eterno" (Hb 9:14), enquanto no livro de Deuteronômio
encontramos a única referência bíblica ao "Deus eterno" (Dt 33:27).
Sabemos que somente Deus é eterno. Também sabemos que somente
Deus pode trazer os mortos à vida. "Em verdade, em verdade vos digo
que vem a hora e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho
de Deus; e os que a ouvirem viverão. [...] Todos os que se acham nos
túmulos ouvirão a sua voz e sairão" (Jo 5:25, 28).
Sobre qual base pode Cristo chamar os mortos à vida? Ele explica
no versículo seguinte: "Assim como o Pai tem vida em si mesmo,
também concedeu ao Filho ter vida em si mesmo" (v. 26). Poucos anos
mais tarde, Paulo ecoou as palavras de Jesus, quando escreveu em
Romanos 8:11:

Se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou


a Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a
Cristo Jesus dentre os mortos vivificará também o vosso
corpo mortal, por meio do seu Espírito, que em vós habita
(itálico acrescentado).

O mesmo Espírito que ressuscitou Jesus vai nos ressuscitar,


porque, assim como Deus, Ele também tem vida em si mesmo.
Na noite da traição, Cristo anunciou a vinda do Parakletos,
frequentemente traduzido como "Consolador" ou "Auxiliador" (Jo 14:
16, 17). Linguisticamente, isso faz alusão ao status "paralelo" que a
pessoa apresentada tem com aquele que a apresenta. Foi por isso que
Cristo se referiu ao Espírito Santo como "outro" Consolador, sendo o
próprio Cristo o primeiro que os discípulos conheceram. A questão a
ser realçada aqui é que Cristo rogaria ao Pai pelo Espírito. Alguns
minutos antes, Cristo havia feito referência a si mesmo e ao Pai como
iguais (v. 9, 10). Se o Consolador é igual (ou paralelo) ao Filho, e o Filho
é igual ao Pai ou um com Ele, por conseguinte, o Consolador, ou o
Espírito Santo, é igual ao Pai.

Atributos divinos do Espírito


O Espírito Santo possui atributos pertencentes somente a Deus.
Ele é onipresente, o que fez com que o salmista exclamasse: "Para
onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face?" (SI
139:7). O Espírito é onisciente, porque, como Paulo diz, "o Espírito a
todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus", pois
"as coisas de Deus, ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus"
(1Co 2:10, 11). E o Espírito Santo é onipotente, já que Ele distribui dons
"como lhe apraz, a cada um, individualmente" (1Co 12: 11).
Por fim, várias declarações nas Escrituras mencionam os três
membros da Trindade, igualando-os em natureza e posição, embora
não em função. A conhecida fórmula do batismo, que faz parte da
grande comissão, declara que os seguidores de Cristo devem ser
batizados como novos discípulos "em nome do Pai, e do Filho, e do
Espírito Santo" (Mt 28:19). A fórmula realça um nome no singular, não
três diferentes, apresentando cada um deles, e todos, da mesma
substância ou natureza que os outros.
A bênção apostólica de 2 Coríntios 13:13 revela o mesmo Deus
triúno: "A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a
comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós." E a lição sobre os
dons espirituais dada por Paulo trata da mesma questão, quando ele
diz: "Os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo", "há diversidade
nos serviços, mas o Senhor é o mesmo" e "há diversidade nas
realizações, mas o mesmo Deus é quem opera tudo em todos" (1Co
12:4-6, itálico acrescentado). Na saudação de Pedro, encontramos o
Deus triúno reunido, como antes, mas dando indícios de suas várias
funções: "Pedro, [...] aos eleitos que são forasteiros [...], eleitos
segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a
obediência e a aspersão do sangue de Jesus Cristo" (1 Pe 1: 1, 2).

A pessoa do Espírito
A personalidade do Espírito era um conceito sobre o qual os
pioneiros adventistas debatiam, Junto com pontos de vista
antitrinitarianos, alguns achavam que o Espírito Santo era menos do
que uma pessoa. Uriah Smith, por exemplo, por longo tempo editor e
secretário da Associação Geral, descreveu o Espírito Santo, em 1891,
como "aquela divina e misteriosa emanação pela qual eles [o Pai e o
Filho] levam avante sua grande e infinita obra."4 Um ano antes, ele
havia descrito o Espírito como uma "divina influência" e não uma
"pessoa como o Pai e o Filho".5 Tudo isso, porém, mudou pela década
de 1890, quando Ellen White insistiu na definição do Espírito Santo
como "a terceira pessoa da Trindade".6
Por vezes, as pessoas consideram o Espírito Santo como uma
energia, em parte, porque o gênero neutro para "espírito", no original
grego pneuma, contribui para esse conceito. Contudo, quando João, o
discípulo amado, registrou as palavras de Jesus, ele usou o pronome
masculino ekeinos ("ele") para se referir ao Espírito Santo. "Quando
vier, porém, o Espírito da verdade, Ele vos guiará a toda a verdade; [...]
Ele me glorificará" (Jo 16:13, 14). "O Espírito da verdade, que o mundo
não pode receber, porque não o vê, nem o conhece; vós o conheceis,
porque Ele habita convosco e estará em vós" (Jo 14:17). Os críticos da
Bíblia podem alegar que o grego não era a língua materna de João e,
por isso, ele teria cometido um erro. No entanto, ou João cometeu um
erro gramatical coerente, ou chamou o Espírito Santo de "ele"
propositalmente. E, como nenhum erro semelhante foi cometido no
restante do evangelho de João, ele deve ter feito isso a propósito, para
deixar claro que Jesus se referia a uma Pessoa, e não a uma coisa.
A Bíblia também identifica, no Espírito Santo, diversos atributos
característicos apenas de pessoas. Por exemplo, o Espírito Santo
exerce sua vontade. Paulo e seus companheiros, depois de serem
"impedidos pelo Espírito Santo de pregar a palavra na Asia,
defrontando Mísia, tentavam ir para Bitínia, mas o Espírito de Jesus
não o permitiu" (At 16:6-8). Em 1 Coríntios 12, após a menção a vários
dons do Espírito, lemos que um só e o mesmo Espírito realiza todas
estas coisas, distribuindo-as, como lhe apraz, a cada um,
individualmente" (v. 11).
Também se diz que o Espírito Santo tem uma mente. Paulo nos
lembra que "aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do
Espírito" (Rm 8:27). O Espírito usa essa mente para interceder em
nosso favor: "o mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira, com
gemidos inexprimíveis" (v. 26).
Como só pessoas podem fazer, o Espírito também dá instruções.
Paulo escreve a Timóteo: "Ora, o Espírito afirma expressamente que,
nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem a
espíritos enganadores e a ensinos de demónios" (1Tm 4:1). Neemias
relembrou o modo como Deus havia concedido a Israel seu "bom
Espírito, para os ensinar" (Ne 9:20). Jesus prometeu aos discípulos que,
ao enfrentarem perigo ou apreensão por sua causa, "o Espírito [os
ensinaria], naquela mesma hora, as coisas que [deveriam] dizer" (Lc
12:12). Além disso, nenhuma força pode se comunicar verbalmente,
como o Espírito Santo o faz. Somente pessoas conseguem isso. Por
exemplo, o Espírito "diz" às igrejas o que lemos em Apocalipse 2: 7, 11,
17 e 29 e 3:6, 13 e 22. E ele responde à voz do Céu em Apocalipse
14:13. Finalmente, lemos que "o Espírito e a noiva dizem: Vem!" (Ap
22:17), sugerindo, novamente, qualidades de uma pessoa.
Uma característica adicional é o fato de o Espírito Santo ter
sentimentos. Paulo aconselha os efésios a não entristecer o Espírito de
Deus (Ef4:30); e Isaías recorda como os filhos de Israel, de modo tão
obstinado, "foram rebeldes e contristaram o seu Espírito Santo" (Is
63:10).
O Espírito também exerce influência. Paulo garante que "ninguém
pode dizer: Senhor Jesus!, senão pelo Espírito Santo" (1Co 12:3).Jesus
prometeu que, "quando Ele [o Espírito Santo] vier, convencerá o
mundo do pecado, da justiça e do juízo" (Jo 16:8).
Finalmente, só pessoas amam, e os três membros da Trindade
amam (ver Jo 3:16; 13:1). Paulo apela em Romanos: "Rogo-vos, pois,
irmãos, por nosso Senhor Jesus Cristo e também pelo amor do Espírito
[que orem por mim]" (Rm 15:30). Ele já havia dito, em Romanos 5, que
"o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo"
(v. 5, itálico acrescentado).

O Espírito Santo e a Trindade


Ainda que o Espírito, no Novo Testamento, esteja vinculado
principalmente à igreja e à vida cristã, a questão do relacionament0 do
Espírito com Deus pode ser respondida pelas Escrituras, O que
encontramos é um papel cooperativo e voluntário do Espírito em
relação à Trindade.
Quando Jesus anunciou a vinda do Consolador prometido, disse:
"Eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro Consolador [...], o Espírito da
verdade" Jo 14:16, 17). Embora vejamos claramente a evidência de
que o Espírito tem e exerce sua vontade, encontramos nesse texto que
tudo depende da cooperação da Trindade: o pedido do Filho, a
provisão do Pai e a atuação do Espírito, Mediante o Espírito, Cristo
habitaria nos discípulos: "Naquele dia, vós conhecereis que Eu estou
em meu Pai, e vós, em mim, e Eu, em vós" (v. 20). Então Cristo
acrescentou que se manifestaria a eles (v. 21). Na verdade, a promessa
é de que tanto o Pai quanto o Filho viriam fazer morada neles (v. 23).
Embora nenhuma menção explícita seja feita acerca de o Espírito ser
o terceiro hóspede no coração dos discípulos, o Espírito era quem
ajudaria a compreender o que Jesus acabava de dizer. Encontramos
aqui uma função claramente cooperativa por parte do Espírito Santo,
embora Ele seja outro parakletos, outro como o Filho.
Isso sugere que o Espírito é um Deus como o Filho e o Pai. A
atuação em harmonia com a vontade de Cristo parece ser o papel e a
função do Espírito na Trindade no plano da salvação, não seu status ou
condição. O capítulo 15 de João sugere novamente o papel do Espírito:
"Quando, porém, vier o Consolador, que Eu vos enviarei da parte do
Pai, o Espírito da verdade, que dele procede, esse dará testemunho de
mim" (Jo 15:26).
Por fim, em João 16, encontramos as mais claras afirmações
acerca dessa relação triúna:

Quando vier, porém, o Espírito da verdade, Ele vos


guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo,
mas dirá tudo 0 que tiver ouvido e vos anunciará as coisas
que hão de vir. Ele me glorificará, porque há de receber
do que é meu e vo-lo há de anunciar. Tudo quanto o Pai
tem é meu; por isso é que vos disse que há de receber do
que é meu e vo-lo há de anunciar (v. 13-15).

Assim como o Filho revela o amor e o caráter do Pai, e assim como


o Filho escolhe não tomar sua própria iniciativa, mas cede essa
prerrogativa ao Pai (ver Jo 5:30; 6:38), assim também faz o Espírito em
relação ao Filho. O perigo, para alguns aqui, é abrir espaço para um
arianismo subconsciente que vê o Pai em um plano, e o Filho e o
Espírito Santo em outro plano inferior e subserviente, por causa de sua
função no plano da salvação. Os seguidores de Ario liam [e leem]
declarações bíblicas que indicam a subserviência de Cristo em relação
ao Pai e concluem que Ele não poderia ser plenamente divino. Com
efeito, nesse relacionamento funcional, a impressão é de que o Pai é a
fonte, o Filho, o mediador, e o Espírito é aquele que realiza o que Deus
decide fazer.
O conceito de uma união plural interativa e de mútua submissão
e cooperação, dentro da Trindade, é visto inclusive na passagem que
os judeus, por gerações, têm usado para expressar seu monoteísmo —
o Shema: "Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR" (Dt
6:4). A palavra 'echad, traduzida como "único", significa "um entre
outros, sendo a ênfase dada sobre um em particular". De acordo com
Otto Christensen, "a possibilidade de haver outros nessa 'unicidade' é
inerente à palavra". Moisés poderia ter usado a palavra yachîd para
indicar "único", como em "um sozinho" (ver Gn 22:2). No entanto, a
palavra que ele usou indica "uma unidade de mais de uma pessoa".7 A
mesma palavra é usada para descrever a união de submissão mútua
entre o primeiro casal: "Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à
sua mulher, tornando-se os dois uma só carne" (Gn 2:24, itálico
acrescentado).
A Trindade, então, é uma comunhão divina. Não um grupo de
deuses, mas uma união de três Pessoas que praticam e expressam
perfeito amor em perfeita cooperação.

Compreendendo a natureza do Espírito


Por que é importante compreender o Espírito Santo como uma
pessoa da Trindade? A menção feita ao caso de Ananias e Safira, em
Atos 5, dá uma pista: se não entendemos ou nos recusamos a entender
que o Espírito Santo é uma pessoa da Trindade, teremos a tendência
de tratá-lo como "algo" [e não "alguém"] e incorrer em nossa própria
destruição.
Por isso, o pecado imperdoável é aquele cometido contra o
Espírito Santo (Mt 12:31, 32). Para nós, o contato com Deus ocorre por
intermédio do Espírito Santo: "Para onde me ausentarei do teu
Espírito? Para onde fugirei da tua face?" (SI 139:7). O ponto de contato
mais imediato não é o Pai, nem mesmo Jesus. Embora Cristo seja o
intercessor do pecador como nosso sumo sacerdote no Céu (Hb 7:17-
8:2), o Espírito é nosso intercessor como o parakletos — alguém como
Cristo — entre nós (Rm 8:26, 27). Apenas mediante o ministério do
Espírito Santo podemos ter acesso à eficácia do ministério intercessor
de Cristo. Sem Ele, seria impossível até mesmo compreender ou
aceitar Cristo como Salvador e Senhor.
Se tratamos o Espírito Santo como "algo", como mera emanação
ou influência destituída de personalidade e vontade, será
especialmente fácil ignorá-lo e não dar ouvidos a sua voz e a seu
convite para renunciar o eu e rendê-lo nas mãos de Deus, a quem
todas as coisas são possíveis. Assim como os fariseus da antiguidade,
provavelmente, rejeitaríamos justamente aquele pelo qual nosso
coração anseia e a quem o Espírito revela, o maior alvo de nossa
gratidão: Jesus Cristo, nosso salvador.
Podemos entender a angústia do Filho na encosta do monte das
Oliveiras, no entardecer daquele domingo quando, olhando para o
templo, Ele soube que o tempo de graça para os líderes de Jerusalém
chegaria ao fim naquela noite. Eles haviam rejeitado a Cristo, o
Messias, ao rejeitar o apelo do Espírito em seu coração. Com a mais
profunda emoção, Cristo lamentou:

Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e


apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis
Eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus
pintinhos debaixo das asas, e vós não 0 quisestes! Eis que
a vossa casa vos ficará deserta (Mt 23:37, 38).

Uma segunda razão pela qual é importante compreender que


Deus, 0 Espírito, é uma pessoa é porque se o vemos como uma "força"
ou mera "energia", destinada a nos aquecer o coração quando
sentimos necessidade disso, nós nos tornaremos descrentes. O livro
do Apocalipse revela uma falsa trindade, um conluio constituído pelo
dragão, a besta e o falso profeta (Ap 16:13, 14; ver também capítulos
12 e 13), sendo esta última entidade a contrafação da terceira pessoa
da Trindade. Assim como um profeta fala em nome de Deus,
especificamente, pelo Espírito Santo, pois "homens falaram da parte
de Deus, movidos pelo Espírito Santo" (2Pe 1:21), o falso profeta
pretende fazer o mesmo.
Porém, enquanto o Espírito Santo fala por meio da Palavra de
Deus, o falso profeta o faz por sinais e pelo uso do sobrenatural. O
Espírito de Deus não é "uma máquina cósmica de vender, fornecendo
mecanicamente poder ou bênçãos, se tão somente inserirmos uma
quantidade suficiente de moedas de fé". 8 Aqueles que só confiam em
Deus se puderem ver sinais e maravilhas não confiam em uma Pessoa,
mas em um "poder" ou "sensação". Não andam pela fé, pois "a fé vem
pela pregação, e a pregação, pela Palavra de Cristo" (Rm 10: 17). A fé
não vem pelos milagres. Portanto, aqueles que tratam o Espírito Santo
como uma "energia" a ser acionada quando dá vontade, em lugar de
uma Pessoa a quem responder pela entrega da vontade própria, serão
enganados, escolhendo um deus de sua própria feitura em vez de o
Deus da Bíblia. Esse "deus" feito por nós mesmos nos levará, por fim,
ao desapontamento e à incredulidade, por termos sido enganados.
Uma terceira razão pela qual é importante considerar o Espírito
uma Pessoa da Trindade é que a contemplação de sua perfeita
humildade, marca registrada dessa Pessoa, nos inspira à submissão e
ao serviço. Diz a Bíblia: "Ninguém sabe quem é o Filho, senão o Pai; e
também ninguém sabe quem é o Pai, senão o Filho, e aquele a quem
o Filho o quiser revelar" (LC 10:22). Muito mais se diz na Bíblia acerca
de Deus, o Pai, e de Deus, o Filho, do que acerca de Deus, o Espírito
Santo. Embora o Espírito Santo seja mencionado 88 vezes no Antigo
Testamento e 325 no Novo Testamento,9 essas menções se reduzem
diante das milhares de referências aos outros membros da Trindade.
No entanto, foi o Espírito quem inspirou esses escritores bíblicos (2Pe
1:21), e Ele assim o fez com típica humildade divina. O Espírito Santo
diz pouco a respeito de si mesmo.
Assim é o amor, revelado na pessoa do Espírito: Ele focaliza o Pai
e seu relacionamento com o Filho, mais do que sua própria relação
com o Filho ou o Pai. O Filho estava no Pai, e o Pai no Filho, e o mesmo
se pode dizer da relação com o Espírito Santo e a deste com 0 pai. O
fato de o Espírito se expressar tão livremente acerca do Pai e do Filho
é um indício do amor abnegado existente na Trindade e, em particular,
do modo como o Espírito glorifica o Pai e o Filhou O Espírito
voluntariamente assume uma função cooperativa e submissa por
causa de seu amor pelo Filho e seu desejo de vê-lo glorificado. E óbvio
que, para a Trindade, igualdade, cooperação e submissão não se
excluem mutuamente.

Como Deus difere dos ‘deuses'


O Deus revelado nas Escrituras como uma Trindade é
completamente diferente dos deuses do panteão olímpico ou das
lendas nórdicas. Os deuses, com "d" minúsculo, empenham-se em
constantes guerras uns contra os outros. Nas lendas, cada um deles
tem uma vontade ou um plano individual e, claramente, não têm um
só propósito. Cada um tem seu orgulho e seu território a proteger.
Esses deuses nos fazem lembrar dos conflitos e do orgulho existentes
entre os discípulos de Jesus antes do Calvário e do Pentecostes.
No entanto, quando se permite que o Espírito trabalhe entre
aqueles que brigam pela supremacia e desconfiam um do outro, uma
santa submissão lhes toma conta da mente, o que permite que se
mantenham unidos (ver At 1:14; 2:1). A igreja passa, assim, a espelhar-
se na Trindade. De fato, a humildade absoluta pode ser a característica
mais marcante do Deus triúno. De que outra maneira poderia Deus
administrar sua onipotência, onisciência, onipresença e outros
atributos que somente o Deus do universo tem?
Jesus expressou essa verdade quando disse: "Aprendei de mim,
porque sou manso e humilde de coração” (Mt 11:29, itálico
acrescentado). Ser humilde de coração é uma questão de escolha e
vontade. Deus pode fazer qualquer coisa, mas escolhe se restringir,
porque Ele é amor. Ao contemplar a profunda humildade
demonstrada desde os tempos eternos pela terceira pessoa da
Trindade, nosso orgulho e mesquinhez devem se tornar como pó.
Uma última razão pela qual é importante entender Deus, o
Espírito, como uma pessoa é esta: só pessoas podem escolher
cooperar umas com as outras, e somos convidados a cooperar com o
Espírito enquanto Ele guia a igreja de Cristo. Quando a igreja
apostólica, guiada pelo Espírito, enfrentou sua primeira grande
controvérsia teológica (At 15:1-29), "homens notáveis entre os
irmãos" (v. 22) reuniram-se em Jerusalém para tratar do assunto,
Depois de resolvido o caso, é interessante ver como eles descreveram
a decisão: "Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós" (v. 28, itálico
acrescentado). Essa íntima associação e cooperação só pode ser
alcançada mediante uma interação pessoal de confiança. Quando
Paulo e seus companheiros missionários desejaram pregar na Asia e
foram impedidos duas vezes pelo Espírito de fazê-lo, acabaram indo
para a Macedônia, "concluindo que Deus [note que o Espírito, aqui, é
chamado de 'Deus'] [os] havia chamado para lhes anunciar o
evangelho" (At 16:6-10).
Essa interação franca só pode ser alcançada entre pessoas que se
amam e se respeitam. O Espírito é muito mais do que uma impressão
na mente de Paulo. E seu Guia constante. Quando, no Apocalipse, o
Jesus glorificado se dirige às igrejas da Ásia mediante o Espírito Santo,
Ele admoesta sete vezes para que prestem atenção àquilo "que o
Espírito diz às igrejas" (Ap 2: 7, 11, 17, 29; 3:6, 13, 22). As advertências
e os conselhos do Espírito às igrejas pressupõem um relacionamento
sólido. As pessoas só têm esse tipo de relação com quem confiam.
Reconhecer a voz do Espírito significa que os crentes passaram tempo
suficiente ouvindo essa voz. Ele não é apenas um espírito etéreo. O
Espírito Santo fala de modo que possamos realmente ouvir.
Esse relacionamento íntimo entre Deus, o Espírito, e seu povo é
visto no último apelo de Apocalipse: "O Espírito e a noiva dizem: Vem!
Aquele que ouve, diga: Vem! Aquele que tem sede venha, e quem
quiser receba de graça a água da vida" (Ap 22:17).
Notemos, primeiro, o que o versículo não diz. Ele não diz “o
Espírito e a igreja" ou "o Espírito e o restante da descendência dela".
Ele diz: "o Espírito e a noiva". O quadro é o de um casamento. A
atenção deve estar sobre o Noivo celestial. A noiva (a igreja) e o
melhor amigo do Noivo (o Espírito), aqueles que mais amam o Noivo,
bradam em uníssono: venha se banquetear com as riquezas de Cristo!
Venha, venha, venha! Assim, se fará ecoar pela eternidade futura,
como já tem sido por milhares de anos até aqui, o brado de alerta do
Espírito em nome do Filho, por amor aos que lhe pertencem.

Perguntas para reflexão ou estudo em grupo


1. Quais são alguns exemplos escriturísticos dados neste
capítulo mostrando que o Espírito Santo é Deus?
2. Quais são os três atributos do Espírito Santo que pertencem
somente a Deus?
3. Qual era o conceito de Uriah Smith acerca do Espírito Santo
na fase inicial de nossa obra? Esse conceito ainda prevalece
entre alguns adventistas hoje? Por que você acha que isso
acontece?
4. Quais são alguns dos atributos, característicos apenas de
pessoas, que o Espírito possui, segundo as Escrituras?
5. O que você vê como o papel e a função do Espírito Santo na
Trindade? Como Ele se relaciona com o Pai e o Filho?
6. De que modo o arianismo vê incorretamente o Espírito Santo
em relação à Trindade?
7. Como Deuteronômio 6:4 expressa a Trindade?
8. Por que é importante não considerar o Espírito como mera
influência, ou como "algo", e não alguém?
9. Ao confiar apenas em "sinais e maravilhas", o que estamos
dizendo acerca do Espírito Santo?
10. Por que o Espírito Santo diz pouco a seu próprio respeito nas
Escrituras?
11. Como Apocalipse 22 nos ajuda a ver que o Espírito Santo é
uma pessoa?
12. De que maneiras você vê e entende a pessoa do Espírito Santo
mais claramente com a leitura deste capítulo?

1
Este capítulo tem como base meu artigo publicado: "The Personhood of the Holy Spirit and Why
It Matters", no Journal of the Adventist Theological Society, v. 17, n. 1 (primavera 2006), p. 11-
32.
2
"Não é essencial que sejamos capazes de definir exatamente o que seja o Espírito Santo. [...] A
natureza do Espírito Santo é um mistério. Os homens não a podem explicar, porque o Senhor
não lhos revelou. [...] Com relação a tais mistérios — demasiado profundos para o entendimento
humano — o silêncio é ouro" (Atos dos Apóstolos, p. 51, 52).
3
Martinho Lutero, "Sermon on John 15:26, 27", em Luther's Works, 24:297, citado em Arnold
Valentin Wallenkampf, New by the Spirit (Mountain View, CA: Pacific Press, 1978), p. 14.
4
General Conference Bulletin, 1891, p. 146; Review and Herald, 24 de outubro de 1890, p. 664,
citado em George R. Knight, Em Busca de Identidade: O Desenvolvimento das Doutrinas
Adventistas do Sétimo Dia (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2005), p. 17.
5
Looking Unto Jesus (Battle Creek, MI: Review and Herald, 1897), p. 10.
6
O Desejado de Todas as Nações, p. 671.
7
Otto H. Christensen, Getting Acquainted With God (Washington, DC: Review and Herald, 1970),
p. 69.
8
Donald T. Williams, The and Work of the Holy spirit (Eugene, OR:Wift & stock, 1994), p. 10.
9
O número varia de acordo com a versão bíblica utilizada e os estudiosos consultados.

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