Você está na página 1de 12

Economia Pré-Histórica: Uma abordagem territorial

Eric Sidney Higgs e Claudio Vita-Finzi


Papers in Economic Prehistory, Cambridge, Cambridge University Press 1972, p. 27-36.
Traduzido por: Samara Dyva Ferreira Marcos
Tradução livre. Deve ser lido juntamente com o texto original

O estudo da economia pré-história foi há muito tempo reconhecido como um


importante aspecto da arqueologia. A classificação de Nilsson do homem pré-histórico,
desenvolvida em 1873 e que pode ter sua essência traçada a partir das especulações
abstratas dos tempos clássicos, foi baseada grandemente nos modos de existência. Ele
postulou quatro estágios para o desenvolvimento humano: um estágio caçador-coletor,
um estágio nômade ou de pastoreio, um estágio de agricultura e finalmente a
civilização. Em 1877 Morgan enfatizou que, enquanto o sistema das Três Idades foi
extremamente útil na classificação da arte antiga, ‘as grandes épocas do progresso
humano foram identificadas mais ou menos diretamente com o aumento do curso da
subsistência’. Desde então, fora o importante livro de Clark de 1952, nós fizemos pouco
progresso além de aprimorar a visão clássica de que todos os homens eram caçadores
até que a domesticação de plantas e animais abriu caminho para o pastoreio e a
agricultura. Apesar da advertência de Clark de que muitos arqueólogos se orientavam
demais pelos artefatos, o campo continua a ser dominado pela consideração de estilos
artefatuais e suas cronologias, e os conceitos econômicos têm servido para pouco mais
do que a classificação das culturas em ‘caçadores-coletores’, ‘pastores’, ou
‘agricultores’. Ainda assim, cada um desses termos gerais cobre uma variedade de tipos
de economia pré-histórica e comportamento humano, e é o papel da arqueologia tentar
entendê-los.
Há muito espaço para uma abordagem alternativa na qual as economias pré-
históricas, e, por conseguinte os recursos e sua exploração são o alvo principal. Mais
que isso, estamos no momento certo para uma re-orientação dos estudos pré-históricos.
O crescente interesse pelas economias de subsistência modernas e os problemas
ecológicos associados torna possível que tentemos fazer uma análise mais refinada das
versões mais antigas dessas economias, e também faz com que sejam necessárias mais
informações sobre a resposta humana a ambientes que estão em constante mudança,
sobre a contribuição do homem à essas mudanças no passado, e sobre a relação das
atividades humanas com determinados fatores no biótopo. A etologia é outra fonte
constante de inspiração, e nela também faltam estudos de caso que se refiram ao
passado distante ou que cubram períodos extensos de mudança comportamental. Uma
terceira fonte potencial de dados paleoeconômicos é o estudante de evolução orgânica
que deseja ir além do fator psíquico no desenvolvimento da humanidade e entender
como e quando mudanças corporais foram suplementadas ou até suplantadas por
adaptações de características mais desviantes.
Mas não é o suficiente mudar a ênfase para a economia: novas técnicas são
necessárias para assegurar que as informações latentes no registro arqueológico estejam
disponíveis para análise. Até agora os pré-historiadores têm emprestado de outras
disciplinas em vez de criar novos métodos para eles mesmos. A estrutura tipológica
encorajava a visão de que sucessivos povos ou tribos viveram suas vidas contra o plano
de fundo da natureza, e as zonas climáticas e vegetativas dos cientistas naturais
forneciam uma estrutura pronta na qual as entidades estilísticas poderiam ser
encaixadas. Alguns estudos conduzidos através destes métodos sem dúvida provaram

1
serem iluminadores e são capazes de maiores elaborações, mas há desvantagens. A
principal delas deriva-se do fato de que as populações ou atributos que definem uma
zona climática ou vegetativa não necessariamente colidem com as atividades humanas
dentro delas, e, mesmo quando isso ocorre, nem sempre uma mudança nas propriedades
de uma zona irá resultar em uma mudança correspondente nas atividades humanas.
Além disso, as unidades econômicas são primeiramente artefatos flexíveis, que
raramente se encontram confinados a uma única zona ambiental e mais comumente
aproveitam-se dos recursos economicamente complementares de várias zonas
diferentes. Basear a análise de sítios pré-históricos na metodologia das ciências naturais
é ignorar estas dificuldades, e isso poderia obscurecer as verdadeiras relações existentes
entre as atividades humanas e seus ambientes. Uma abordagem alternativa baseada em
zonas agrícolas ou econômicas pode ser mais relevante aos nossos propósitos.
Mais recentemente, ocorreram tentativas de introduzir métodos da geografia
quantitativa, principalmente análises locacionais, no assunto. Seria uma pena, porém, se
a arqueologia descartasse o que talvez seja o seu mais precioso recurso – perspectiva
temporal – para priorizar uma visão estática de relações espaciais, uma desvantagem
também presente no uso desconsiderado de paralelos etnográficos.

Dados de Sítios e Ambientes: Análise de Captação de Recursos


Como um primeiro passo, pode valer a pena relacionar a evidência obtida em um
sítio, especialmente os vestígios orgânicos, à área ‘servida’ pelo sítio. Nós definimos
um sítio como um lugar onde há um depósito ou um conjunto de depósitos que contenha
evidências de ação humana. Claramente haverá outros tipos de sítios – fendas em
rochas, cavernas, cascalheiras de rios – que não apresentam sinal nenhum de atividade
humana, mas ainda assim representam evidências que têm relação com o ambiente. Em
todo caso, um bom primeiro passo pode ser relacionar o registro do sítio com a área que
é servida pelo sítio. Nós acreditamos que os métodos aqui propostos podem ser
aplicados lucrativamente tanto a sítios não-arqueológicos quanto a sítios arqueológicos,
e a espécies diferentes do homem. Os interesses humanos, e conseqüentemente os sítios
arqueológicos, são a prioridade maior deste volume; uma abordagem ecológica mais
ampla iria requerer, obviamente, que ambos os tipos de sítios fossem considerados.
Uma característica importante dos constituintes de um sítio é que eles foram
reunidos por uma variedade de agentes diferentes; e isso se aplica a vestígios orgânicos
tanto quanto a inorgânicos. A área a partir da qual um riacho obtém sua água é chamada
de sua ‘área de captação’ (catchment, em inglês), e nós ampliamos este termo para
outros agentes físicos e químicos de deposição, como o vento e a água, e para os
organismos que contribuíram com os depósitos do sítio.
Áreas de captação irão se diferenciar em termos de forma e tamanho de agente
para agente. Um conjunto de ossos de roedores trazido a um sítio por corujas terá vindo
de um território de cerca de 12 hectares de extensão em algum lugar a até 10km do sítio;
um conjunto de ossos trazido a um sítio por caçadores-coletores será provavelmente
originado de um território de cerca de 30.000 hectares. O registro será ainda mais
complicado onde dois ou mais agentes de transporte interferem. Depósitos de origem
eólica podem ser redepositados pela água; seixos rolados podem ser carregados para
uma caverna por lascadores.
Mesmo nos casos mais gerais é perigoso associar um sítio arqueológico com um
único ambiente uniforme. Os sítios estão normalmente localizados na junção de habitats
muito diferentes, com a integração dos recursos deles resultando em uma economia
viável. Pode-se dizer que os sítios que são ocupados são ipso facto anômalos. Eles são
localidades atípicas nas zonas em que estão situados. Um oásis, por exemplo, tem água;

2
uma caverna tem um regime de temperatura menos extremo do que o seu entorno.
Assim, o registro do sítio será uma amostra tanto tendenciosa quanto parcial. A técnica
de análise de área de captação de recursos (Vita-Finzi & Higgs 1970) tem um propósito
duplo:. As generalizações assim alcançadas irão ajudar no planejamento de futuras
escavações, seja ao apontar maiores lacunas nas evidências ou ao fornecer hipóteses que
precisam ser testadas.

Economia
A tecnologia que prevalece irá determinar o alcance dos recursos que podem ser
explorados e irá assim afetar o tamanho e a forma da área de captação de recursos
econômica ou territorial do sítio. Com o tempo o alcance e as características da
exploração serão modificados. Conseqüente com as mudanças tecnológicas houve um
aumento nas economias sedentárias, talvez a maior mudança conhecida nas relações
humanas e que levou à civilização. Desse modo, ajuda dividir as economias pré-
históricas em duas grandes classes, economias móveis e economias sedentárias; a
necessidade para uma terceira, móvel-sedentária, irá surgir mais tarde. Essas classes não
cobrem todas as situações possíveis, mas fornecem uma base útil para se trabalhar.

Economias Móveis
As economias móveis são praticadas por grupos que se movem de um lugar para
outro durante o ano. No registro arqueológico é possível observar tais economias como
aquelas praticadas por caçadores ecléticos e especialistas; e no registro etnológico
também é possível observar seguidores de rebanhos, como os lapões, e pastores. As
conseqüências de um modo de vida móvel, como a relativa escassez de acumulações de
riquezas duráveis, isto é, que duram além do tempo de vida do seu criador, têm
implicações sociais e econômicas de alcance tão longo que nos parece razoável incluir
estas subdivisões em uma classe, a das economias móveis, em vez de incluir os pastores
em uma categoria de cultivadores que inclui explorações sedentárias. Aparentemente,
nenhuma economia móvel levou à civilização. Nestas economias, a quantidade de
tempo que um grupo humano pode permanecer em um lugar é definida, em última
análise, pela quantidade mínima de recursos necessários disponíveis. Esse limite pode
ser modificado por costumes sociais, preferências de alimentação, e assim por diante,
mas tais estratégias contra super-exploração terão seu alcance limitado pelos recursos
que estão à mão. A um certo tempo, a movimentação ocorrerá. A longo prazo, o efeito
da movimentação – caso seja bem-sucedida – será o de coordenar recursos, que do
ponto de vista do grupo humano estão mal distribuídos, em economias bem-sucedidas e
manter uma população maior do que seria suportada se os recursos estivessem sendo
explorados isoladamente por grupos especializados. Migrações de pássaros, que servem
ao mesmo propósito, foram classificadas em regulares (sazonais) e ocasionais; as
economias de subsistência pré-históricas podem se beneficiar de serem estudadas em
termos similares.
Estudos recentes de economias móveis existentes têm enfatizado que assim como
em muitas populações animais, os números [de indivíduos] são freqüentemente menores
do que aqueles que os recursos disponíveis poderiam suportar, sendo mantidos nesse
nível através tanto de bem conhecidos mecanismos protetores de feedback sociais,
quanto de menos bem compreendidos feedbacks fisiológicos (Wynne-Edwards, 1962).
Ainda assim, a longo prazo, uma população dificilmente estará tão bem ajustada aos
recursos que nunca experimentará períodos de escassez ou abundância, e há também
vários paralelos etnográficos que ilustram isso. Quando visualizadas graficamente as
curvas dos recursos disponíveis e dos números de indivíduos irão às vezes convergir e

3
às vezes divergir. O fato das ‘curvas’ interagirem aumenta a probabilidade de
tendências conflituosas. Desse modo, uma população provavelmente continuará
crescendo depois que um pico de recursos foi atingido; inversamente, ‘freios’
fisiológicos e sociais para deter o crescimento podem continuar sendo aplicados após
uma queda nos recursos..
A grande variedade de plantas e animais consumidos por grupos caçadores-
coletores, e a habilidade com a qual eles exploram seu ambiente, também tem sido
enfatizada. O caráter eclético dos recursos alimentícios explorados dificilmente
sobreviverá intacto no registro arqueológico. Thomson (1993) viu a necessidade de se
dividir a alimentação disponível em artigos principais e ‘casuais’, como plantas
medicinais, temperos e afrodisíacos. Ao estudar sociedades pré-históricas pode ser mais
sábio e mais prático se concentrar nos artigos principais mesmo quando recursos casuais
estão documentados, já que os primeiros eram a principal preocupação da população e
tinham maior significância na escolha daqueles sítios com uma função econômica e na
formação de padrões de exploração.
Com as economias móveis, nós encontramos a dificuldade de que apesar de um
único grupo poder muito bem ter ocupado vários sítios a qualquer hora, nós não temos
como dizer exatamente quais sítios eram precisamente contemporâneos. Esse problema
é comum na arqueologia, pois mesmo no estudo de grupos estilísticos definidos por
meio de artefatos nós temos que aceitar o truque de considerá-los arqueologicamente,
em vez de absolutamente contemporâneos. É possível, porém, trabalhar com hipótese de
que, embora a maioria dos sítios que existiam estão agora perdidos ou ainda não foram
encontrados, suficientes são conhecidos para indicar tendências de longo prazo na
localização de sítios. Essa possibilidade é indicada pelas diferenças na distribuição de,
digamos, sítios do Paleolítico Superior ou do tipo tell. Nós acreditamos que com estudos
cuidadosos, observações desse tipo poderão ser ampliadas grandemente.
Outras suposições talvez precisem ser descartadas. A análise do território de um
sítio pode mostrar que seus recursos potenciais são inadequados para explicar a sua
localização ou talvez a sua própria existência; a busca por fatores não-econômicos pode
então ser mais importante. Por outro lado, podemos descobrir que um sítio que
pensávamos originalmente fazer parte de uma economia móvel ou móvel-sedentária
possui na verdade recursos suficientes para ter suportado uma ocupação permanente.
Porém, nem isso exclui a possibilidade de movimentos sazonais. Isso permite que a
possibilidade de ocupação sedentária seja alcançada e faz com que o sedentarismo seja a
mais provável das hipóteses disponíveis.

Economias Sedentárias
Economias sedentárias são praticadas por grupos humanos que permanecem no
mesmo lugar durante todo o ano. Elas são marcadas pelo desenvolvimento de riqueza
durável na forma de casas, edificações, estradas, entre outros. Os dados arqueológicos
nem sempre nos permitem distinguir os casos intermediários entre economias móveis e
sedentárias, mas é equivocado assumir que sítios foram ocupados por uma população
sedentária a menos que haja evidências positivas do contrário. O estudo dos territórios
de sítios pode ajudar a decidir qual hipótese deve prevalecer. Alguns sítios, como
Kastritsa na Grécia (Higgs et al., 1967) ou os sítios mesolíticos do altiplano britânico do
período Boreal, claramente são candidatos improváveis para ocupação anual; outros,
como Sheikh Ali na Palestina, teriam sido lugares mais favoráveis para ocupação
permanente com uma certa tecnologia agricultora. Por outro lado, a presença de casas
ou de fundações de casas, mesmo em sítios do tipo tell, não indica necessariamente que

4
os seus ocupantes eram sedentários, pois a construção de casas de pedra por grupos
móveis é bem documentada na literatura arqueológica e antropológica.

Economias Móveis-sedentárias
Ocupações móveis-sedentárias são aquelas que possuem um elemento móvel
associado à ocupação sedentária. Essas economias são geralmente encontradas em áreas
de baixada adjacentes a altiplanos. São sítios que tiram vantagem de ambas as regiões,
com as regiões altas fornecendo normalmente a proteína animal e as áreas baixas
produzindo cereais. É significante o fato de que sítios grandes do tipo tell, como
Megiddo e Jericó na Palestina, estão localizados em regiões com essa configuração.
Outro exemplo são os lugares onde uma estação chuvosa permite a expansão da
exploração para áreas que são normalmente áridas.

Território
O conceito de território é relevante para o presente estudo. Os naturalistas têm
considerado útil analisar aspectos do comportamento animal que envolvem problemas
análogos àqueles enfrentados pelos pré-historiadores. Embora o conceito de território
não tenha sido utilizado na arqueologia antes de 1967 (Higgs & Vita-Finzi, 1967), Carr-
Saunders o aplicou ao homem em sua obra The Population Problem em 1922, depois
que Eliot Howard (1920) deu proeminência à discussão do território de pássaros. Carr-
Saunders sugeriu que os grupos humanos tinham, sem exceção, um comportamento
territorial. Essa visão subseqüentemente se deparou com grandes críticas.
Em partes, o debate é sobre a própria palavra território. A observação de que
vários mamíferos permaneciam em uma determinada área a maior parte de suas vidas
levou inicialmente aos conceitos de ‘alcance doméstico’ e ‘região doméstica’. Em 1939
Nobis definiu território como uma área defendida, e Burt (1943) criou uma distinção
entre o alcance doméstico – a área cruzada por um indivíduo enquanto ele coleta
alimentos, acasala e cuida de seus filhotes – e o território defendido. Trabalhos
posteriores ofuscaram essa distinção, sendo claro agora que uma área que é ocupada
habitualmente às vezes é defendida e às vezes não é.
Dentro do contexto arqueológico parece aconselhável definir território como uma
área que é explorada habitualmente. Que o conceito é aplicável tanto às populações
móveis quanto às sedentárias estava claro para Carr-Saunders; que acreditava que o
nomadismo irrestrito nunca foi praticado por grupos humanos. Ao classificar o padrão
de vida no oeste da América do Norte, Jennings (1957) escreveu: “Os pequenos grupos
se moviam regularmente de lugar para lugar, de vale para planalto, em busca de
recursos sazonais animais ou vegetais que os séculos de experiência lhes havia ensinado
a encontrar. A movimentação não era sem propósito; ela era baseada no conhecimento
íntimo e anualmente renovado de uma território relativamente bem definido.” Essa
afirmação pode ser comparado com a declaração de que antes da agricultura ‘pequenos
bandos de pessoas … levavam uma existência do tipo pegue-o-que-puder
essencialmente “natural” ’(Braidwood & Howe, 1960). A evidência disponível sobre
comportamento tanto humano quanto animal indica que a situação ‘natural’ raramente é
aleatória, e que para compreender esse comportamento, nós devemos assumir o tipo de
padrão fornecido pela territorialidade econômica.
O estudo de territórios animais mostra que ocorrem investidas ocasionais em
lugares fora do “território de vida” (Jewell, 1966a). Nós definimos o território do sítio
como a área habitualmente explorada por um sítio. A área de captação de recursos, por
outro lado, compreende o terreno coberto por investidas ocasionais em busca de
matérias-primas para ferramentas, entre outros. Porém isso não significa que todos os

5
tipos de sítios devam receber tratamento idêntico: os sítios de “matança” americanos,
por exemplo, não são necessariamente associados à exploração de territórios. É possível
então distinguir entre os sítios preferidos – as ‘bases domésticas’ de Flannery (Hole &
Flannery, 1967) – e sítios ocasionais, ‘de trânsito’ ou ‘transitórios’ que contêm
evidências apenas de uma ocupação breve. Pode ocorrer de um sítio preferido servir
como base doméstica para a exploração dos seus ambientes, mas isso só pode ser
decidido após a análise do território desse sítio. Essas análises também podem ajudar a
explicar porque sítios como Laugerie-Haute, Parpalló, e La Ferrassie, foram
selecionados para ocupações repetidas por longos períodos de tempo, enquanto outros
sítios em situações aparentemente tão vantajosas quanto estes foram ocupados apenas
raramente.
O território estendido do sítio (Sturdy, III.5) talvez deva ser considerado em
alguns casos. Um território estendido é uma área além da periferia do território do sítio
que é habitualmente explorado. Ele irá ocorrer em circunstâncias onde o fator distância
não se aplica. Sturdy aponta o valor dos currais naturais para a exploração de renas.
Situações similares ocorrem, por exemplo, na Nova Guiné, onde porcos são mantidos a
alguma distância da vila em áreas cercadas por barreiras naturais das quais eles não
podem escapar, e também em outros lugares onde ovelhas montanhesas domesticadas,
ligadas por seu comportamento a um pequeno território individual, não precisam de
cercas de contenção ou de pastores para restringir seus movimentos.
Grupos móveis geralmente ocupam mais de um sítio durante o ano. Há várias
instâncias recentes e atuais dessa resposta a desigualdades sazonais e geográficas, e não
é irracional postular que os povos pré-históricos responderam de modo similar.
Transumância – tanto em animais quanto nos povos que os exploram – é um meio
efetivo de se combinar os recursos de terras altas e baixas em um clima mediterrâneo,
ou os recursos terrestres e marítimos em várias estruturas climáticas. Pode-se descobrir
então que o ‘território anual’ resultante (Vita-Finzi & Higgs, 1970) compreende sítios
anteriormente relacionados com base em seus artefatos a duas ou mais entidades
culturais. Pelos métodos que propomos, o tipologista terá evidências adicionais com as
quais poderá decidir em quais circunstâncias um único grupo humano ou dois ou mais
grupos humanos estavam envolvidos. Onde um grupo móvel ocupa durante o ano um
número de sítios dentro do seu território anual, não se deve esperar que diferentes
funções sejam desenvolvidas em proporções similares em diferentes sítios, e de fato
pode-se esperar que tais diferenças se reflitam nas proporções dos diferentes artefatos
presentes em cada sítio.

O Fator da Distância
Dentro de um determinado nível tecnológico, alguns recursos estarão a uma
distância muito grande para serem explorados a partir de um determinado sítio. Os
estudos de Lee (1969) dos !Kung são um guia útil para determinar o raio dos limites de
alcance de uma economia móvel. Análises mostraram que o limite era alcançado a uma
distância de cerca de 10km do sítio. O clássico estudo de Von Thünen do ‘estado
isolado’ no qual ele sugeriu um sistema hipotético ideal de uso da terra como um
modelo através do qual ele poderia examinar os efeitos de variáveis para observar como
elas modificam o padrão ideal de uso da terra, já indicava a importância de tais limites
para as economias sedentárias agricultoras. O trabalho sobre agricultura de subsistência
sugere que um declínio na rede de retorno se torna significante a uma distância de 1km
do sítio e opressivo a 3-4km (Fig. 1). Mesmo que haja numerosos exemplos históricos e
etnográficos nos quais essa opressão foi superada, a tendência geral parece ser uma base
adequada para o estabelecimento de uma hipótese trabalhável; daí a nossa adoção de um

6
raio de 5km para a análise do território de exploração de comunidades sedentárias e de
10km para economias móveis. Conforme dito abaixo a delimitação dos territórios é feita
de modo mais realístico quando baseada no tempo.

Figura 1 - Uma vila árabe moderna, Palestina

Como o efeito da distância é cumulativo, os recursos dentro do território precisam


ser pesados de acordo com sua posição. Para fins de simplificação, o terreno delimitado
por círculos sucessivos de 1km de distância um do outro pode ser entendido como
uniforme. O resultado dessa medição está ilustrado na Tabela 1; o fator empregado foi
baseado em parte nos números fornecidos por Virri (Chisholm, 1968) para a produção
por hectare a distâncias crescentes a partir de fazendas na Finlândia. Outro refinamento
poderia ser feito ao converter as categorias de terra para rendimento calórico máximo ou
para unidades nutricionais. Webley (III, 6) ilustra algumas das possibilidades ainda a
serem exploradas na avaliação da distribuição de solos dentro de territórios. É possível
também visualizar a introdução de uma medida para expressar o quanto o território sai
do ideal de circularidade (cf. Bunge, 1966).

7
Tabela 1. Classificação não-pesada e pesada do uso da terra em volta do sítio neolítico de Megiddo
(método de medição conforme descrito em Vita-Finzi & Higgs, 1970)
Classificação da terra (porcentagem)
Pântanos Pasto ruim Cultivável
Não-pesada Pesada Não-pesada Pesada Não-pesada Pesada
1km -- -- 38,2 38,2 61,9 61,9
2km -- -- 57,4 28,7 42,6 21,3
3km 1,9 0,6 40,3 13,4 57,8 19,3
4km 14,4 3,6 37,2 9,3 48,4 12,1
5km 18,5 3,7 26,4 5,3 55,1 11,0

Mudanças Fisiográficas no Território com o Tempo


Em alguns sítios, mudanças geológicas que ocorreram durante ou após o período
de ocupação podem ter alterado as características dos sucessivos territórios de
exploração, seja pela adição, transporte, ou remoção de solos e depósitos. Em
circunstâncias excepcionais as mudanças podem ser drásticas: erupções vulcânicas,
movimentos tectônicos, entre outros, podem afetar a história de vários sítios.. Em geral,
porém, os processos são mais familiares e o seu reconhecimento requer pouco além da
prática. De fato, a falta de treinamento formal no campo relevante, seja geologia ou
pedologia, às vezes pode ser vantajoso, pois o observador está isento das pré-
concepções convencionais. A associação há muito estabelecida entre geologia e pré-
história significa que a reconstrução de paisagens antigas é baseada em critérios
estratigráficos. Um sítio no vale do Tâmisa, por exemplo, será ligado a um dos terraços
aluviais dentro da seqüência aceita; e um período de ocupação será relacionado a uma
fase climática ou outra. Nós podemos considerar isso como a contraparte temporal da
abordagem regional; e mais uma vez a principal desvantagem é uma ênfase exagerada
na ‘regra’ em detrimento da ‘exceção’.
Consideremos primeiramente as mudanças topográficas. Se desejarmos descobrir
as características de um vale de rio durante certo período, podemos nos sentir tentados a
extrapolar para aquela bacia um registro erosivo e deposicional da área conforme
manifestado em um tipo de seção. Mas, na realidade, não há deposição sem uma erosão
correspondente, e vice-versa. Enquanto as tendências gerais irão sem dúvida ser
percebidas no sítio, como, por exemplo, quando uma fase erosiva prolongada remove as
vertentes do solo e modifica assim a sua significância ecológica, o ponto principal é se o
território de exploração está sendo melhorado ou degradado. Desse modo, o registro
aluvial deve ser lido dentro da área de captação de recursos. Modificações no nível do
mar são insignificantes a menos que sua interação com a topografia da costa possa ser
medida: um penhasco vertical pode anular a mais aguda das flutuações, uma costa com
um leve declive pode dar uma grande significância geológica à mais fraca das
oscilações. Mudanças climáticas incorporam de modo ainda mais agudo os problemas
regionais. Pode-se duvidar que a glaciação dos Alpes tenha modificado muito a vida dos
grupos do norte da África durante o Paleolítico, porém a história ambiental dessa área
tende a se referir à clássica seqüência alpina. Sem dúvidas, isso se dá em partes devido
ao fato de que há algum tempo atrás a única fonte de datação geológica era a correlação
estratigráfica; os métodos radiométricos de agora tornaram esse método obsoleto e irão,
em última instância, torná-lo desnecessário. A omissão do clima nessa seção é
intencional: muito freqüentemente as reconstruções climáticas são baseadas em
evidências que são por si só relevantes para a natureza da captação de recursos, como
tipo de solo, cobertura vegetal, entre outros (Vita-Finzi, 1969a), e representam uma
perda em definição.

8
Algumas das grandes mudanças que podem surgir foram discutidas em outra
oportunidade (Higgs et al., 1967). A ocupação paleolítica no vale do rio Louros em
Épiro (Grécia) ocorreu antes da deposição aluvionar do fundo do vale e durante a
acumulação das camadas estratigráficas vermelhas. O sítio em questão – a gruta de
Asprochaliko – fica na parte do vale que corresponde ao meio do rio onde a sucessão
ocorreu. Sendo assim, esta seqüência é aplicável para toda a área de captação humana
do sítio; ela envolve tanto as fases aluvionares no vale quanto os períodos
correspondentes de perda e estabilidade de solo nas vertentes. É possível, assim,
reconstituir as mudanças na forma e na distribuição dos depósitos de argilominerais e
aluviões nas quais o crescimento das plantas é limitado devido à natureza calcárea das
rochas do país.
Conforme acabamos de ver, mudanças topográficas e hidrológicas estão inter-
relacionadas. A ação de dos rios pode ser responsável por características morfológicas
que por sua vez afetam a distribuição local de água superficial e dos lençóis freáticos.
As áreas pantanosas nas planícies costeiras da Palestina que foram drenadas
primeiramente pelos romanos e depois por colonos nos séculos XIX e XX são em
grande parte produto do impedimento do escoamento causado pela litificação de dunas
costeiras em calcarenito relativamente impermeável; a fauna sustentada por essas áreas
pantanosas tem assim pouca significância paleoclimática.
Evidências que são inadequadas para reconstruções climáticas do passado
freqüentemente são satisfatórias para a elucidação de regimes hidrográficos e condições
do lençol freático dentro de uma captação. A forma, a litologia e a estrutura interna das
camadas estratigráficas vermelhas de Épiro, por exemplo, refletem uma deposição feita
por córregos intermitentes, enquanto suas incisões foram acompanhadas pela
prevalência de condições de boa drenagem; os depósitos análogos na base do monte
Carmelo mostram um ambiente deposicional similar a montante e a persistência de
lençóis freáticos altos em tempos históricos a jusante. Outros depósitos podem apontar
para a operação de enchentes periódicas ou para a prevalência de sustained stream
discharges (Vita-Finzi, 1966, 1969b). As camadas estratigráficas vermelhas de Épiro
sugerem a alternação entre períodos de enchentes e outros de grande aridez; as
características glaciais pleistocênicas associadas são mais explicadas economicamente
por uma redução na temperatura média que foi mais significante no verão; portanto,
embora o padrão sazonal moderno possa ser menos pronunciado com relação a
temperatura, a persistência da cobertura de neve teria levado à sua acentuação ao tornar
as terras mais altas praticamente improdutivas no inverno. Na Palestina (como em
Épiro), há hoje uma grande alternação sazonal na disponibilidade de campos de pasto
entre terras altas e baixas; aqui a situação pleistocênica aparenta ter reduzido esse
contraste em virtude da presença de áreas pantanosas na planície costeira que eram mais
acessíveis a animais durante o verão. Se estivéssemos discutindo populações de
pescadores, poderíamos introduzir no mapa os padrões sazonais dos recursos marítimos.
Enquanto tendemos a subestimar o papel da paleoclimatologia na análise de áreas
de captação de recursos em favor de controles ambientais mais imediatos, não pode
haver dúvidas de que certas condições limitadoras que não se manifestam agora podem
ter se aplicado no passado. A distribuição de indicadores de linhas de neve tais como
circos podem mostrar que a cobertura de neve no inverno durante a última glaciação foi
maior do que no presente e que isso impedia que partes da área de captação de recursos
de um sítio fosse utilizada durante essa estação. Segundo nossa experiência, análises de
pólen não servem para o estabelecimento de limites desse tipo, já que qualquer
seqüência de pólen é formada a partir de uma grande variedade de áreas de captação;
mas ela é, obviamente, de valiosa ajuda na indicação de condições locais.

9
Qualidade da Terra
Até agora nós consideramos terra apenas em termos de uma área total. Alguma
medição de sua qualidade é necessária se comparações entre áreas de captação
pretendem ter algum significado. Já é bem difícil gerar um mapa de potencial da terra
tratando do solo moderno e dos recursos tecnológicos atuais; e os problemas são ainda
maiores quando as propriedades do solo, as espécies animais e vegetais, e os métodos
de utilização da terra têm que ser inferidos. O ideal seria reduzir a produção máxima
alcançável pela disponibilidade de solos para uma medida de valor nutricional (Stamp,
1958). Até que mais seja descoberto sobre produção e capacidade de carregamento no
passado, porém, teremos que nos satisfazer com uma avaliação mais primitiva; mas isso
tem a vantagem da velocidade e de menor ‘variação de operador’.
A Figura 4 mostra a área de captação de recursos dos sítios de Wadi el Mughara,
que foram ocupados repetidamente desde o Paleolítico Médio até a Idade Média,
divididos nas seguintes categorias: pântano sazonal, dunas de areia, arável,
potencialmente arável/bom pasto, e pasto ruim. Embora claramente aberta a refinações,
essa classificação incorpora certos princípios úteis.
(1) As categorias de utilização da terra são empregadas apenas quando nem
mudanças ambientais nem mudanças tecnológicas são tidas como fatores que alterariam
sua utilização em diferentes estágios durante a ocupação humana. Assim sendo, terras
aráveis poderiam servir como pasto, mas o inverso é improvável; pastos ruins indicam
um solo fino ou quebradiço que, quando muito, teria sido ainda mais empobrecido pelo
progresso de erosões, mas isso não justifica a hipótese de que ele representa terras
anteriormente aráveis que foram erodidas durante a ocupação. Reparem que a categoria
intermediária arável/pasto está disponível para áreas onde não há dúvidas, e que o
território que ela abrange pode ser somado tanto com a categoria arável quanto com a
categoria pasto quando a extensão máxima possível de uma ou de outra está sendo
investigado.
(2) Terrenos que são susceptíveis a mudanças drásticas como resultado de
avanços técnico ou pela ação humana recebem os epítetos físicos mais informativos.
‘Pântano’, por exemplo, denota áreas para as quais há evidências pedológicas ou
históricas de condições de alagamento. Tendo sido descobertos os fatores que controlam
essa situação, é possível permitir a sua modificação para a obtenção de totais em
diferentes estágios do passado. Na Palestina, por exemplo, os pântanos costeiros irão
representar uma contribuição para o total de pastos (com uma significância sazonal
marcante) até os tempos modernos, quando eles se tornam parte da categoria arável.
(3) Afloramentos rochosos e similares são classificados a parte como
improdutivos, já que estamos preocupados com produtividade biológica; se a
exploração mineral é a questão, a prospecção original pode ser orientada para que
especifique as rochas representadas dentro da área de captação de recursos.
(4) Uma categoria miscelânea (aqui representada pelas ‘dunas’) age como uma
válvula de segurança para o encarregado pela prospecção; os responsáveis pela
interpretação podem depois dar seu julgamento.
Dentro dessas grandes categorias há lugar para subdivisão. Em prospecções
posteriores de sítios agricultores, por exemplo, a terra arável foi mapeada de acordo
com sua textura, tendo sido argumentado que, dentre as numerosas propriedades do solo
que afetam sua produtividade, esse fator era provavelmente o menos modificado pela
cultivação. O valor de se distinguir entre solos leves e pesados será aparente para
estudantes da agricultura arcaica ou da literatura agronômica romana.

10
Conclusão
Nós vimos que as economias pré-históricas podem ser classificadas em móveis,
sedentárias, ou móveis-sedentárias. O conceito de territorialidade econômica nos
permite delimitar a área normalmente explorada do entorno de um sítio a partir da qual
qualquer um dos tipos de economia acima era praticado. Através da utilização da
técnica de análise da área de captação de recursos de um sítio e de uma avaliação do
potencial econômico atual e passado do território do sítio, nós podemos começar a
investigar as mudanças nas relações do homem com seu ambiente no tempo. Os
métodos aqui esboçados estão abertos para futuros refinamentos e elaborações, mas os
resultados já obtidos sugerem que outras pesquisas que sigam essas linhas serão
produtivas.

11
Figura 4 - Classificação da utilização da terra em Wadi el Mughara.

12

Você também pode gostar